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O papel e o funcionamento das Agências

Reguladoras no contexto do Estado


brasileiro
Problemas e soluções

Alvaro Augusto Pereira Mesquita

Sumário
Introdução; O Estado Regulador; As Agên-
cias reguladoras no contexto internacional; As
Agências reguladoras no Brasil; e Conclusões
Gerais.

1 – Introdução
As agências reguladoras são de criação
recente no Brasil. Surgiram na última meta-
de da década de 90, fruto das transforma-
ções do Estado brasileiro que passou a dar
ênfase à sua função reguladora, interferin-
do indiretamente na ordem econômica, ao
invés da função de Estado produtor, inter-
vindo diretamente nessa mesma ordem. No
modelo de intervenção direta, quem fixa a
política é o Poder Executivo, por meio de
seus ministérios. No modelo regulatório, a
política é fixada pelo Congresso Nacional
por meio de lei.
Nesse processo de transformação do Es-
tado ocorreu a desestatização de parte da
Alvaro Augusto Pereira Mesquita é Supe- prestação de serviços públicos, notadamen-
rintendente de Relações Institucionais da ANE- te nos setores de telecomunicações e ener-
EL. Engo Eletricista – UFPA. Pós-Graduado em gia elétrica, e a flexibilização do monopólio
Engenharia Econômica – UDF. Pós-Graduado do petróleo.
em Direito Legislativo – UNILEGIS.
Essa nova configuração do Estado pres-
Trabalho final apresentado ao Curso de supõe, além da participação privada na
Especialização em Direito Legislativo realiza- prestação dos serviços públicos; a separa-
do pela Universidade do Legislativo Brasilei-
ção das tarefas de regulação das de explo-
ro – UNILEGIS e Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul – UFMS como requisito para ração de atividades econômicas que venham
obtenção do título de Especialista em Direito a remanescer; orientar sua intervenção para
Legislativo. Orientador: Prof. HENRIQUE a defesa do interesse público; a busca do
SAVONITTI MIRANDA. equilíbrio nas relações de consumo no setor
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regulado, envolvendo usuários ou consu- te do governo sobre esses entes, a redução
midores e prestadores de serviços; e o exer- de suas atribuições em favor dos ministéri-
cício da autoridade estatal por mecanismos os e um forte controle social.
transparentes e participativos. Esses debates ganharam maior impor-
É nesse contexto, portanto, que surgem tância a partir da declaração do Presidente
as agências reguladoras, órgãos criados por da Republica, Luiz Inácio Lula da Silva, de
leis específicas na condição de autarquias que “terceirizaram o poder político no Bra-
ditas especiais, dotadas de autonomia ad- sil” – numa referência a atuação das agên-
ministrativa, financeira e patrimonial um cias. Outros fatores impulsionadores dos
pouco mais amplas do que as demais autar- debates foram o forte contingenciamento
quias. Seus dirigentes são indicados pelo orçamentário imposto pelo governo federal
Presidente da República e por ele nomea- a esses entes; a instalação de grupo de tra-
dos, após aprovação pelo Senado Federal, balho interministerial para estudar e pro-
para um mandato fixo e não coincidente, por ao Presidente da República a alteração
em geral de quatro anos, permitida uma re- na gestão, estrutura e competências das
condução e proibida a demissão imotivada. agências reguladoras; a colocação em con-
As agências reguladoras foram idealiza- sulta pública, pelo governo, de dois ante-
das para atuar num ponto eqüidistante em projetos de lei que refletem os estudos reali-
relação aos interesses dos usuários, dos zados pelo grupo de trabalho. O debate vol-
prestadores dos serviços concedidos e do tou a ganhar dimensão em 2004 com a edi-
próprio Poder Executivo, de forma a evitar ção, em dezembro de 2003, da Medida Pro-
eventuais pressões conjunturais, principal- visória (MP) n o 155, dispondo sobre o plano
mente quando as empresas estatais convi- de carreiras das agências, e o envio pelo
vam com empresas privadas na prestação governo ao Legislativo do Projeto de Lei n o
do serviço público, como acontece nos seto- 3.337, de 2004, tratando da gestão, organi-
res de energia elétrica, petróleo e gás. zação e controle das agências reguladoras.
Passados quase seis anos da implanta- Tal Projeto foi derivado dos anteprojetos
ção das agências reguladoras e com a as- colocados em consulta pública.
sunção de um novo governo, vários temas Essas discussões vêm sensibilizando o
polêmicos surgiram sobre a atuação desses Congresso Nacional que debate com inte-
órgãos, que vêm sendo debatidos pela aca- resse esses temas.
demia, por especialistas de direito público, Foi efetivamente no Congresso Nacional
políticos, agentes públicos e privados, pelo que se produziram as primeiras propostas
próprio governo e pela mídia, entre outros. concretas visando a alterar ou aperfeiçoar o
Os debates envolvem, principalmente, temas funcionamento das agências reguladoras.
relacionados ao limite do poder regulamen- Assim, encontram-se em tramitação nas
tador das agências vis-à-vis o direito brasi- duas Casas Legislativas 13 projetos de lei e
leiro, ao grau de autonomia, ao controle a sete propostas de emenda à Constituição.
que devem estar submetidas, ao mandato Outra iniciativa de parlamentares fede-
de seus dirigentes e ao caráter constitucio- rais foi a criação da Frente Parlamentar das
nal desses órgãos. Agências Reguladoras, criando um espaço
Nesse debate se vê, de um lado, aqueles de debate mais organizado sobre o tema e
que defendem o modelo de agências regula- sendo um instrumento de diálogo com o
doras como entes de Estado, com autono- Poder Executivo. A atuação da Frente no
mia administrativa, financeira e patrimoni- Senado colaborou para a aprovação de
al e controle pelo Congresso Nacional e, de emendas ao Projeto de Lei de Conversão
outro, aqueles que defendem uma redução (PLV) n o 15, de 2004, derivado da MP n o 155,
dessa autonomia pela atuação mais presen- mas que foram, na sua maioria, rejeitadas

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pela Câmara dos Deputados. A Frente con- diante a emissão de atos ou comandos nor-
tinua atuando debatendo o PL n o 3.337, de mativos, a função reguladora ou a regula-
2004, e a proposta de Substitutivo apresen- ção estatal, além de envolver a função regu-
tada em junho deste ano pelo relator, Depu- lamentar, envolve as atividades de fiscali-
tado Leonardo Picciani. zação, de poder de polícia, adjudicatórias,
É diante desse quadro, sem a presunção de conciliação, bem como a de subsidiar e
de se esgotar o tema, que se pretende desen- recomendar a adoção de medidas pelo po-
volver um estudo que analise o papel e a der central no ambiente regulado. Como cita
atuação das agências reguladoras no con- Marques (2003, p. 15) “sem essa completu-
texto do Estado brasileiro, oferecendo con- de de funções não estaremos diante do exer-
tribuições para o debate. Assim, serão enfo- cício de função regulatória”.
cados os temas polêmicos em discussão, a Quando se estuda ou se quer caracteri-
partir da opinião de especialistas e juristas zar o Estado regulador e o Estado provedor
sobre a matéria e apresentadas algumas al- ou produtor de serviços, ficam evidencia-
ternativas para o bom funcionamento des- das as duas formas de intervenção do Esta-
ses entes, inclusive sua adequada inserção do na ordem econômica.
no direito brasileiro, visando aos interesses A atuação do Estado regulador caracte-
maiores da sociedade. riza-se pela intervenção indireta do Estado
O estudo começa contextualizando o na ordem econômica, regulamentando e fis-
Estado regulador. Em seguida, faz uma abor- calizando a prestação de determinado ser-
dagem das agências reguladoras em âmbi- viço, inclusive serviços públicos, como for-
to internacional para, depois, entrar na dis- ma de equilibrar os interesses dos usuários
cussão das agências no Brasil, focando nas ou consumidores e os do mercado, em prol
três primeiras agências criadas e que atuam do interesse público. Assim, só é efetiva a
em setores estratégicos da infra-estrutura existência da função reguladora do Estado
nacional, ou seja, a Agência Nacional de em um ambiente em que há a participação
Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacio- do capital privado na prestação de serviços
nal de Telecomunicações (ANATEL) e a de interesse da coletividade.
Agência Nacional do Petróleo (ANP). A atuação do Estado provedor ou pro-
dutor de serviços caracteriza-se pela cha-
2 – O Estado Regulador mada intervenção direta do Estado na or-
dem econômica, produzindo bens e servi-
2.1 – Contextualização, objetivos e ços por meio de suas empresas, em sistema
instrumentos de monopólio ou em competição com a ini-
ciativa privada.
Para a adequada compreensão deste e Constata-se, portanto, que essas duas
dos demais itens desse estudo, convém ca- funções do Estado não são excludentes ou
racterizar bem a diferença entre a função incompatíveis. Podem se complementar ou
reguladora ou atividade regulatória e a fun- estar mais presentes uma ou outra dependen-
ção regulamentar ou regulamentação. Essa do das necessidades da sociedade, da capa-
diferença faz-se importante, pois muitas cidade econômica do próprio Estado e da ver-
vezes os vocábulos regulação e regulamen- tente política dominante, entre outros fatores.
tação são usados como sinônimos. Quando A convivência dessas duas formas de in-
isso acontece, a ação reguladora, muito mais tervenção do Estado no domínio econômico
ampla, fica restrita ao seu caráter meramen- pode ser verificada no Estado brasileiro, em
te normativo. função do que prevê a Constituição de 1988.
Enquanto que a função regulamentar A intervenção direta fica evidenciada no
consiste em disciplinar uma atividade me- art. 173 da Constituição, in verbis:

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Ressalvados os casos previstos cessão, que pressupõe a ação reguladora do
nesta Constituição, a exploração di- Estado estabelecendo normas para manter
reta de atividade econômica pelo Es- a execução dos serviços, fiscalizando o cum-
tado só será permitida quando neces- primento destas pelas concessionárias, po-
sária aos imperativos da segurança dendo aplicar penalidades, intervir, retomar
nacional ou a relevante interesse co- a concessão por inadimplemento ou motivo
letivo, conforme definidos em lei. de interesse público e fazer a reversão de
Já o art. 177, que disciplina o monopólio bens.
da União nas atividades do setor de petró- No período intervencionista, iniciado em
leo e gás, prevê a possibilidade de essas ati- fins do século XIX, o Estado regulador apa-
vidades serem contratadas com empresas rece com evidência para corrigir o funcio-
estatais e privadas, além de prever a criação namento do mercado, já que este, auto-regu-
do órgão regulador do monopólio. Vê-se aí, lado, não fora capaz de criar os mecanis-
claramente, a convivência das duas formas mos de competição que favorecessem a ade-
de intervenção. quada prestação do serviço aos usuários e
A intervenção indireta do Estado fica consumidores. Assim, toda a economia pas-
mais evidente no art. 174 da Constituição, sa a ser regulada (Cf. Di Pietro, 2003, p. 32).
pois não só o caracteriza “como agente nor- Já no início do século XX, ainda que exis-
mativo e regulador da atividade econômi- tindo a intervenção indireta do Estado por
ca” como também dá a Ele, entre outras, as meio da regulação, prepondera a interven-
funções de fiscalização. ção direta pela multiplicação de empresas
Merecem também destaque as possibili- estatais tanto nos Estados Unidos, como em
dades de intervenção do Estado brasileiro países da Europa e da América Latina, em
no domínio econômico, capituladas no art. resposta à crise social surgida após a 1a
21, incisos XI e XII, da Constituição, já que Guerra Mundial e à crise de 1929 nos Esta-
tanto a exploração dos serviços de teleco- dos Unidos. Como decorrência, o instituto
municações como a dos serviços e instala- da concessão ficou relegado a segundo pla-
ções de energia elétrica podem ser feitas di- no. A intervenção indireta (regulação) atua-
retamente pela União ou mediante os ins- va mais na ordem econômica para evitar
trumentos da concessão, autorização ou cartéis e qualquer forma de dominação do
permissão. A possibilidade do uso desses mercado que prejudicasse a concorrência,
instrumentos evidencia a intervenção indi- enquanto a prestação de serviços públicos
reta do Estado, pois os serviços em questão, era praticamente feita pelo Estado. Caracte-
de competência da União, poderão ser exe- rizou-se, portanto, a fase do Estado provi-
cutados por particulares, mediante delega- dência, produtor de bens e serviços, deno-
ção. Nessa condição, aparece a necessida- minado, nos Estados Unidos, de Estado do
de da ação reguladora do Estado. A própria Bem-Estar ou Estado Social.
Constituição deixa isso claro quando esta- É no período dito neoliberal, instaurado
belece em seu art. 20, inciso IX, que a lei tra- nas décadas de 70 e 80 do século passado,
tará da organização dos serviços de teleco- sob a liderança dos Estados Unidos e Ingla-
municações, bem como da criação do órgão terra, que surge de forma preponderante o
regulador setorial. Estado regulador. As empresas estatais pas-
Abordando historicamente o tema, vê-se sam a ser controladas pela iniciativa priva-
que o Estado regulador sempre existiu (Cf. da, num processo de desestatização, e há a
Vital Moreira, 1997, p. 17-26). Mesmo na quebra de monopólios estatais. O instituto
época do liberalismo econômico (século da concessão retorna e se introduz algo de
XIX), em que o mercado se auto-regulava, já novo, a competição na prestação dos servi-
era colocado em prática o instituto da con- ços públicos.

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Dessa forma, a atuação do Estado regu- logue e interaja com os agentes sujei-
lador é voltada para a criação de mecanis- tos à atividade regulatória buscando
mos que favoreçam a competição, onde pos- não apenas legitimar a sua atividade,
sível, ao mesmo tempo em que dá ao merca- como tornar a regulação mais qualifi-
do a liberdade para escolher os mecanismos cada, porquanto mais aderente às ne-
mais adequados à prestação do serviço pú- cessidade e perspectivas da socieda-
blico concedido. Na ocorrência de monopó- de. Fruto da própria dificuldade do
lios naturais, a ação do Estado passa a ser Estado, hoje, de impor unilateralmen-
mais forte, com a regulação atuando para te seus desideratos sobre a sociedade,
simular uma virtual competição nesse am- mormente no domínio econômico, faz-
biente. Nessa situação, prepondera a regu- se necessário que a atuação estatal seja
lação econômica que busca introduzir um pautada pela negociação, transparên-
sinal de eficiência a ser perseguido pelos cia e permeabilidade aos interesses e
concessionários prestadores de serviços. necessidades dos regulados. Portan-
Aliado a isso, surgem novas formas de re- to, o caráter de imposição da vontade
gulação incorporando a percepção dos usu- da autoridade estatal (que impõe o
ários e consumidores nas regras estabeleci- interesse público selecionado pelo
das. Passa também a ser utilizado o instru- governante) dá lugar, na moderna re-
mento da mediação pelo Estado nas rela- gulação, à noção de mediação de inte-
ções entre usuários ou consumidores e os resses, no qual o Estado exerce sua
prestadores de serviço público. São, então, autoridade não de forma impositiva,
mecanismos e instrumentos que descaracte- mas arbitrando interesses e tutelando
rizam as formas impositivas presentes quan- hipossuficiências.
do o Estado intervém diretamente na ordem Dessa visão de Marques depreende-se a
econômica. Nesse quadro, passam a convi- necessidade da atuação estatal reguladora
ver a regulação voltada para o mercado com- buscando o equilíbrio entre todos os inte-
petitivo, a regulação pública, voltada para os resses presentes no sistema regulado, em
monopólios e ao exercício do poder de polí- prol do interesse público contextualizado
cia, e a auto-regulação exercida pelos presta- pela sociedade e consignado nas leis.
dores do serviço. Esse sistema predomina atu- Portanto, o sucesso da ação reguladora
almente no mundo capitalista variando de estatal passa a depender do equilíbrio entre
grau dependendo dos governos. os interesses privados e os objetivos de inte-
resse público.
2.2 – A moderna regulação Nesse contexto, diferentemente do que
A ação moderna do Estado regulador não ocorreu no início do período neoliberal, a
pressupõe substituir a forma de interven- ação do Estado regulador não significa ape-
ção direta do Estado na ordem econômica. nas sua intervenção indireta no domínio
O que é relevante na ação reguladora do econômico (regulação econômica), mas tam-
Estado é a separação entre os entes opera- bém na ordem social (regulação social).
dores estatais e o ente regulador do respec-
tivo setor, criando condições para que ope- 3 – As agências reguladoras no
radores estatais e privados compitam entre contexto internacional
si, sob as mesmas regras, de forma a ofere-
cer um serviço adequado a usuários e con- 3.1 – Origem
sumidores – qualidade e preços justos.
Segundo Marques (2003, p. 12), As agências reguladoras têm sua origem
é essencial à noção de moderna regu- histórica nos Estados Unidos, em 1887, com
lação que o ente regulador estatal dia- o início do período intervencionista do Es-

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tado (intervenção por meio da regulação), atividade econômica, principalmente em
após o liberalismo, para enfrentar os mono- serviços públicos, tais como água, energia
pólios e a concorrência desleal então feroz- elétrica, gás e telecomunicações.
mente conduzidas pelas ferrovias america- As agências reguladoras independentes
nas. não se confundem com as agências executi-
Foi, no entanto, a partir da ascensão de vas. No direito dos EUA, as agências execu-
Roosevelt, em 1933, que houve a prolifera- tivas têm as mesmas características jurídi-
ção das agências denominadas Independent cas das autarquias no Brasil. São entidades
Regulatory Comissions com as mesmas preo- administrativas dotadas de personalidade
cupações, mas ampliadas para outros seto- jurídica própria, criadas por lei com a atri-
res da economia – o controle monopolista e buição de gerenciar e conduzir, de forma
a concorrência desleal nos diversos merca- especializada e destacada da Administra-
dos. ção Central, um programa ou uma missão
governamental específica. Apesar de goza-
3.2 – Caracterização rem formalmente de autonomia funcional
Nos Estados Unidos existem três tipos no setor específico de atividades que lhe é
de agências: agências reguladoras indepen- atribuído, são entes vinculados à Adminis-
dentes – Independent Regulatory Comissions; tração Central, estão sujeitas à supervisão e
agências reguladoras quase independentes; à orientação do Presidente e do Ministro de
e as agências executivas. Estado (Secretary) responsável pelo setor em
As Agências Reguladoras independen- que se enquadra a respectiva atividade es-
tes (Independent Regulatory Commission), na tatal. Mais do que isso, sua direção, em cuja
terminologia mais usual do direito dos EUA cúpula em geral (mas nem sempre) tem as-
são entidades administrativas autônomas sento um único agente estatal, pode ser exo-
e altamente descentralizadas, com estrutu- nerada a qualquer momento pelo Presiden-
ra colegiada, sendo os seus membros nome- te, embora para a nomeação seja invariavel-
ados para cumprir um mandato fixo do qual mente imprescindível a aprovação do Sena-
eles só podem ser exonerados em caso de do.
deslize administrativo ou falta grave (for Constata-se, portanto, que o fator decisi-
cause shown). Esse é um dos principais ins- vo de distinção entre uma Executive Agency
trumentos de proteção contra pressões polí- e uma Independent Regulatory Commission
ticas. A duração dos mandatos varia de reside no seu relacionamento com o Chefe
agência para agência e não raro é fixada em do Executivo. Se o Presidente dos EUA tem
função do número de membros do colegia- total controle sobre as agências executivas,
do, de sorte que os membros de uma agên- tendo competência legal para ditar-lhes a
cia composta de cinco Diretores (Commissi- política a ser seguida e até mesmo exonerar
oners) têm mandatos de cinco anos escalo- a qualquer momento os seus dirigentes, o
nados de tal maneira que haja uma vacân- mesmo já não ocorre em relação às agências
cia a cada ano. A nomeação, inclusive a do tipicamente reguladoras, que são indepen-
presidente do colegiado (Chairman), cabe ao dentes no estabelecimento da regulamenta-
Chefe do Executivo com a prévia aprovação ção do setor de atividade governamental que
do Senado. A independência dessas agên- lhes é atribuído por lei, gozando os seus di-
cias pressupõe, também, a discricionarieda- retores, para tanto, de estabilidade funcio-
de técnica por terem suas posições basea- nal garantida pelo fato de a nomeação ser
das em critérios puramente técnicos. efetivada para um mandato fixo.
As agências de regulação independen- O modelo norte-americano de agências
tes, caracterizam-se também pela especifici- reguladoras acabou por influenciar os de-
dade, pois atuam em setores específicos da mais países que copiaram ou adaptaram esse

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modelo introduzindo-o na estrutura admi- Agência Nacional de Telecomunicações
nistrativa do Estado. (ANATEL), em julho de 1997, e a Agência
Nacional do Petróleo (ANP), em agosto de
4 – Contextualização das agências 1997.
reguladoras no Brasil 4.2 – Características e funções básicas
4.1 – Surgimento das agências As agências reguladoras no Brasil asse-
melham-se às agências independentes nor-
Como visto no capítulo 2, item 2.1, a Cons-
te-americanas quanto às suas característi-
tituição de 1988 deu ao Estado brasileiro a
cas e funções, descritas no capítulo 3, item
possibilidade de ser mais ou menos inter-
3.2, deste estudo. O termo “agências” deri-
vencionista. Em outras palavras, ser mais
va também do direito americano.
ou menos regulador.
A figura das agências reguladoras não
As transformações ocorridas no final da
faz parte da tradição constitucional brasi-
década de 80 do século passado com a que-
leira. Apenas algumas agências foram pre-
da do muro de Berlim e a globalização nas
vistas na Constituição Federal de forma es-
suas vertentes econômica, política e cultu-
pecífica, como é o caso da ANATEL e da
ral, provocaram mudanças na forma de atu-
ANP, denominadas de órgãos reguladores.
ação do Estado em grande parte das nações.
A primeira vez que a denominação “agên-
Essas mudanças privilegiaram a forma de
cia reguladora” surgiu na legislação foi
intervenção indireta do Estado em detrimen-
quando da edição da MP no 155, de 2003,
to da intervenção direta, ambas discutidas
que instituiu o plano de carreiras desses
no capítulo 1.1 anterior.
entes. A legislação conferiu às agências re-
No Brasil não foi diferente. A partir de
guladoras brasileiras o formato jurídico de
1995, tem lugar entre nós o fortalecimento
autarquias especiais, de forma a poderem
do papel regulador do Estado. Note-se que
ser classificadas entre os entes da adminis-
não houve um desaparecimento absoluto da
tração pública previstos na Constituição
intervenção direta; apenas, esta foi reduzi-
Federal e no Decreto-lei n o 200, de 1967. Por
da como por exemplo nos setores de energia
serem autarquias, devem ser criadas por lei,
elétrica e de petróleo e gás em que, apesar
como determina o art. 37, XIX, da Constitui-
da participação de capital privado, conti-
ção. Em razão do princípio da simetria, sua
nuaram a atuar as empresas estatais. A ex-
extinção também só pode se dar mediante
ceção é o setor de telecomunicações, total-
lei específica e por motivos de interesse pú-
mente operado por empresas privadas me-
blico
diante os instrumentos da concessão, auto-
A palavra “autarquia” origina-se do gre-
rização e permissão.
go “autárkeia”, qualidade do que executa
É nesse contexto que são criadas, no Bra-
qualquer coisa por si mesmo. O Decreto-lei
sil, as chamadas agências reguladoras como
n o 200, de 1967, define em seu art. 5 o, inciso
sendo um instrumento de atuação do Esta-
I, autarquia como:
do regulador que foi desenhado tendo em
o serviço autônomo, criado por lei,
conta os pressupostos da moderna regula-
com personalidade jurídica, patrimô-
ção, tratada no capítulo 2, item 2.2, deste
nio e receita próprios para executar
estudo.
atividades típicas da Administração
Os primeiros setores a terem agências
Pública, que requeira, para seu melhor
reguladoras foram os de energia elétrica, te-
funcionamento, gestão administrati-
lecomunicações e o de petróleo e gás. Foram
va e financeira descentralizada.
criadas a Agência Nacional de Energia Elé-
As autarquias são, portanto, pessoas ju-
trica (ANEEL), em dezembro de 1996, a
rídicas de direito público, criadas por lei,

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com autonomia patrimonial, financeira e de plicitadas em regulamento e nos contratos
gestão, sem subordinação hierárquica, sob de concessão de serviços públicos; b) a prá-
controle estatal e atribuições especificadas tica de tarifas ou preços justos; c) a melhoria
na lei de criação. contínua da qualidade do serviço e do aten-
As agências reguladoras são reputadas dimento prestado pelos concessionários; d)
autarquias “especiais” por possuírem ca- o desenvolvimento tecnológico e práticas
racterísticas peculiares, são elas: a) poder eficientes que contribuam para a modicida-
regulador (normativo ou regulamentador, de tarifária; e) a proteção ao meio ambiente;
fiscalizador, poder de polícia e mediador) f) a implementação das políticas setoriais
como caracterizado no capítulo 2, item 2.1; como a universalização dos serviços; e g) a
b) independência política dos seus dirigen- atuação descentralizada, de forma a apro-
tes, investidos de mandatos e estáveis no ximar a ação reguladora dos consumidores
cargo por determinado prazo (são eles indi- ou usuários.
cados e nomeados pelo Presidente da Re- Para os investidores ou operadores (con-
pública após aprovação pelo Senado; c) in- cessionários), a atuação das agências regu-
dependência decisória, na medida em que ladoras deve repercutir em: a) regras claras
suas decisões não são passíveis de recursos e estáveis; b) remuneração adequada de seus
hierárquicos; d) ausência de subordinação investimentos; e c) cumprimento dos con-
hierárquica; e) função de poder concedente, tratos e dos regulamentos.
por delegação, nos processos de outorgas Para que essas expectativas se configu-
de concessão, autorização e permissão, no rem, é necessário que as agências tenham
caso das agências que atuam nos setores de em conta nas suas ações o seguinte: a) equi-
infra-estrutura, como aquelas mencionadas líbrio de interesses (neutralidade); b) trata-
neste estudo. mento isonômico; c) prestação de contas; d)
O mandato dos dirigentes das agências transparência; e) imparcialidade; f) gestão
terminará apenas em caso de renúncia, de ágil e eficiente; g) credibilidade; h) partici-
condenação judicial transitada em julgado pação de usuários ou consumidores e ope-
ou de processo administrativo disciplinar, radores no processo regulatório; i) diálogo e
sendo que a lei de criação de cada agência comunicação permanente com todos os seg-
poderá prever outras condições para a per- mentos que interajam com o setor regulado.
da do mandato (art. 9o da Lei no 9.986/ Uma questão que indubitavelmente sur-
2000). ge dessa análise é se as agências vêm aten-
dendo a essas expectativas, a partir da im-
4.3 – Ações e resultados esperados da plementação das ações que lhes são própri-
atuação das agências as e aqui identificadas.
Caracterizado o Estado regulador e as A resposta a essa questão é a de que as
agências reguladoras como um dos princi- agências vêm atendendo em parte as expec-
pais instrumentos dessa função do Estado, tativas que a sociedade deve esperar da atu-
cabe agora analisar o que deve se esperar ação desses entes. É possível identificar re-
da atuação desses entes, por investidores, sultados positivos da atuação das agências
usuários, consumidores e a própria socie- como: aumento dos investimentos nos seto-
dade, para que todos ganhem e o interesse res regulados (eletricidade, telecomunica-
público derivado da sociedade seja satisfei- ções, petróleo e gás), ampliação do acesso
to. aos serviços, principalmente nos setores de
Para os usuários e consumidores e a pró- telecomunicações e de energia elétrica e a
pria sociedade, a atuação das agências deve melhoria da qualidade do serviço, quando
estar voltada primordialmente para: a) a comparado ao período anterior à desestati-
garantia dos seus direitos, devidamente ex- zação. Por outro lado, falta às agências um

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plano de comunicação mais efetivo para que dores (executive agencies). Isso acabou con-
a sociedade possa melhor compreender seus tribuindo para que alguns analistas,
papéis e delas cobrar efetividade no proces- doutrinadores e mais recentemente o pró-
so de regulação. Outro ponto a destacar, vin- prio governo federal defendessem a aplica-
culado ao anterior, que necessita de maior ção de mecanismos de controle para as agên-
investimento pelas agências é o de reduzir e cias reguladoras, idênticos aos utilizados
até eliminar o desnível de informação exis- para as agências executivas.
tente entre usuários e agentes regulados no A outra inconveniência é a derivada da
processo de participação na atividade re- tradição do termo “agência” no direito bra-
gulatória. Esses últimos, até pela obrigação sileiro para designar outros entes que não
que tem com o Estado, estão bem mais pre- exercem a função reguladora, como as agên-
parados para esse processo. Outro ponto de cias de desenvolvimento e as agências de
melhoria diz respeito aos mecanismos de fomento.
transparência. Apesar do reconhecido es- Por fim, a terceira crítica a denominação
forço das agências em divulgar seus atos e usada diz respeito ao não alinhamento do
decisões, faz-se necessário criar novos ins- termo com a designação utilizada na Cons-
trumentos que dêem maior visibilidade e tituição para expressar os entes regulado-
compreensão das ações das agências, dada res. Assim é que a Constituição utilizou o
a heterogeneidade existente na sociedade em termo “órgão” regulador e não agência, o
termos de recursos e conhecimentos. que acarreta alguma desconformidade en-
Nesse balanço geral, pode-se afirmar que tre a Constituição e a legislação ordinária,
a atuação das agências trouxe mais benefí- que acabou consagrando o termo na MP n o
cios do que problemas para a sociedade. A 155, de 2003.
atuação efetiva desses entes reguladores Isso pode ter contribuído, de certa for-
dependem, fundamentalmente da elimina- ma, para que o governo federal propusesse
ção de entraves e problemas, externos aos no Projeto de Lei que trata da gestão, orga-
mesmos, os quais serão analisados no capí- nização e controle das agências regulado-
tulo seguinte, uns estruturais outros conjun- ras, a aplicação do contrato de gestão a es-
turais. Eliminados os principais entraves, ses entes de Estado. Como se sabe, o referi-
as agências reguladoras terão plenas con- do contrato na legislação brasileira é pró-
dições para dar à sociedade os benefícios prio para ser aplicado às denominadas agên-
da moderna regulação. cias executivas, nos termos do disposto no
art. 37, § 8 o, da Constituição.
4.4 – Problemas enfrentados
4.4.2 – Estruturação
4.4.1 – Geral
As agências foram criadas sem um pla-
Um problema que parece pouco relevan- no de carreiras para o seus quadros de pes-
te, mas que acaba por trazer inconvenientes soal (técnicos e administrativos). Para que
às agências reguladoras é o próprio termo pudessem operar até que o plano de carrei-
“agência” para designar esses órgãos de ras fosse criado e os concursos públicos re-
Estado (Cf. MARQUES, 2003, p. 22). alizados, a legislação permitiu que as agên-
A primeira inconveniência decorre do cias efetivassem contratação temporária de
fato de que no direito americano o termo pessoal.
agencies é utilizado para designar tantos Somente após dois anos e meio da im-
as agências independentes (independent re- plantação da primeira agência, foi publica-
gulatory agencies ou independent regulatory da a Lei n o 9.986, de 2000, dispondo sobre a
commission) quanto às agências não dota- gestão de recursos humanos dos entes re-
das das características dos órgãos regula- guladores, incluindo o plano de carreiras.

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O regime de emprego público foi o ado- Câmara tais medidas foram rejeitadas. O
tado para a efetivação do pessoal concursa- Projeto aprovado, sem modificações subs-
do. Logo esse regime foi considerado incons- tanciais, deu origem a Lei no 10.871, de 20
titucional, a partir de liminar concedida pelo de maio de 2004.
Ministro Marco Aurélio, em dezembro de
2000, então presidente do Supremo Tribu- 4.4.3 – Independência e autonomia
nal Federal (STF), ad referedum do conselho Para a adequada compreensão de onde
de ministros, sendo que o mérito ainda não se situam os problemas relativos à indepen-
foi julgado. Isso inviabilizou a realização dência e à autonomia, convém fazer uma
de concurso público pelas agências e a efe- diferenciação entre esses dois atributos, que
tivação dos concursados da ANEEL, única se complementam e constituem pilares para
agência a promover concurso público para a atuação das agências. A importância des-
ingresso de pessoal no regime de emprego sa distinção também faz-se necessária, pois
público. Como decorrência, houve a neces- muitos que discutem as agências colocam
sidade de prorrogação das contratações esses instrumentos sob uma mesma defini-
temporárias, além de novas contratações ção.
nesse regime. Para tanto, utilizar-se-á a definição me-
Essa situação afetou sobremaneira o cli- tafórica feita pelo professor Floriano de
ma organizacional, com prejuízo para o de- Azevedo Marques, Doutor em direito públi-
sempenho institucional das agências regu- co pela Universidade de São Paulo (USP),
ladoras. Outro fato originado deste foi a per- quando de sua exposição em evento na
da de servidores treinados, ainda que tem- ANEEL, em outubro de 2003.
porários, para o mercado regulado, em fun- De acordo com o conceito de Marques, o
ção, principalmente, dos fatores remunera- atributo da independência das agências é
ção, pelo lado dos servidores, e da compe- um avanço no regime geral de autonomia
tência técnica percebida pelos agentes do das autarquias. O professor costuma ilus-
mercado. trar para os seus alunos de graduação a di-
Já no atual governo, foi editada, em de- ferença entre independência e autonomia
zembro de 2003, a MP no 155 tratando do fazendo a relação entre a imagem de um
plano de carreiras das agências regulado- avião e a de um pássaro. O avião tem auto-
ras, fato relevante se não fosse, como dizem nomia de vôo, que é ditada pelo quanto de
as próprias agências e especialistas, sua combustível ele tem e pela característica da
inadequação em função de não atender às aeronave. Se em algum momento acabar o
exigências básicas inerentes aos entes regu- combustível ou o avião deixar de ser abaste-
ladores, onde a qualificação técnica em se- cido, a sua autonomia de vôo é zero. O pás-
tores complexos, como os de infra-estrutu- saro, por outro lado, tem independência, tem
ra, exigem remuneração, entrada e ascen- liberdade de vôo, para ir de um lugar a ou-
são adequada na carreira. tro, vai descer no momento que cansar e vai
Da referida MP derivou Projeto de Lei de retornar. Eventualmente, o pássaro não terá
Conversão (PLV) no 15, de 2004, aprovado a capacidade para voar tão longe. Mas não
na Câmara, sem modificações substanciais é porque ninguém deixou de dar algo para
que permitissem uma melhoria acentuada ele; é porque ele não tem capacidade física
do plano de carreiras, segundo avaliação ou aerodinâmica de voar.
feita pelos mesmos segmentos. Em geral, a autarquia é o avião - tem au-
No Senado, o referido PLV foi aprovado tonomia de vôo, dependendo de quanto
com um conjunto de emendas que atendi- combustível se der, e poderá ser mais ou
am grande parte das demandas das agênci- menos livre ou capaz de vencer distâncias.
as reguladoras, mas no retorno do Projeto à Compara-se aqui com as agências executi-

32 Revista de Informação Legislativa


vas. Mas, se num determinado momento, se conformidade com as políticas e diretrizes
resolve tirar o combustível o avião perde sua do governo federal”. Ou seja, para o setor de
autonomia. A independência da agência é telecomunicações tem-se a política setorial
a do pássaro, aquela que é dada por lei. Pela definida em lei, pactuada entre os Poderes
lei da natureza, ainda que um pássaro não Executivo e Legislativo, a qual deverá ser
seja capaz de voar milhares de quilômetros, implementada pela ANATEL, enquanto
ele conseguirá voar uma dada distância, para o setor elétrico é dada uma delegação
independente do combustível que alguém legislativa, por lei, ao Executivo para fixar
resolva lhe dar. É a lei natural que define, a as políticas que a ANEEL deverá seguir.
priori, quanto ele poderá voar. A agência será Como disse o Ministro Nelson Jobim em sua
independente, à medida que a lei der com- palestra no seminário “Quem controla as
petências para ela. Assim, no caso das agên- agências reguladoras de serviços públi-
cias, tem-se, por exemplo, a independência cos?”, realizado em 2001:
decisória (instância administrativa final) e É preciso deixar claro que o grau de in-
a independência política (mandato de seus dependência vai decorrer, exatamente, do
dirigentes) complementadas pela autono- nível de clareza dos objetivos. Se tivermos
mia financeira (recursos advindos da taxa objetivos fixados exclusivamente pelo Go-
de fiscalização recolhida pelos operadores verno, o nível de independência da agência
e pagas pelo consumidor ou usuários na é próximo a zero.
tarifa), patrimonial e de gestão. Em outras palavras, a ANEEL está sob
Essa visão de importância, ou até de no- as rédeas do Poder Executivo e não sob as
vidade sobre a autonomia e a independên- rédeas da lei.
cia das agências, não é um consenso. Al- Um outro problema com relação à inde-
guns administrativistas, como Celso Anto- pendência, apesar de aparentemente resol-
nio Bandeira de Melo, criticam esses atribu- vido, diz respeito aos mandatos dos diri-
tos afirmando que “independência adminis- gentes das agências. Com a assunção do
trativa”, “ausência de subordinação hierár- atual governo, abriu-se uma discussão so-
quica” e “autonomia administrativa” são bre a legalidade de o Presidente da Repú-
elementos intrínsecos à natureza de toda e blica, eleito pelo voto popular, nomear os
qualquer autarquia, nada acrescentando ao dirigentes das agências, ainda que em vi-
que lhes é inerente. Portanto, nada de espe- gência os mandatos dos atuais dirigentes.
cial existiria no instituto das agências regu- Apesar de o Supremo Tribunal Federal já
ladoras, segundo o doutrinador. O que ocor- ter se posicionado a respeito, a partir do caso
reria seria um grau mais ou menos intenso da Agência Estadual de Regulação dos Ser-
desses caracteres. viços Públicos Delegados do Rio Grande do
A par dessa discussão, a primeira pro- Sul (AGERGS), garantindo o mandato dos
blemática com relação à independência sur- dirigentes e impedindo, assim, a demissão
ge com a ANEEL, por ter sido a primeira imotivada, esse assunto é retomado quan-
agência a ser criada. do o governo, de alguma forma, sente seus
Enquanto a lei que criou a ANATEL (Lei interesses prejudicados em face do poder
n o 9.472, de 1997) estabelece que cabe à agên- legal das agências reguladoras. A legalida-
cia implementar a política para o setor de de da interrupção do mandato dos dirigen-
telecomunicações, claramente definida na tes das agências reguladoras tem guarida
mesma lei, a legislação que criou a ANEEL na posição de juristas conceituados como
(Lei n o 9.427, de 1996) estabelece que a fina- Celso Antonio Bandeira de Melo que defen-
lidade do órgão regulador é “regular e fis- de a legalidade da medida.
calizar a produção, transmissão, distribui- No entanto, essa questão parece estar
ção e comercialização de energia elétrica, em superada na medida em que o Projeto de Lei

Brasília a. 42 n. 166 abr./jun. 2005 33


sobre as agências reguladoras, encaminha- será obrigado a fazer ou deixar de fazer al-
do pelo governo ao Congresso Nacional, guma coisa senão em virtude de lei).
preserva o mandato dos dirigentes. De fato, a criação, por lei, de agências
Na questão da autonomia, o problema reguladoras dotadas da atribuição de ela-
mais grave está nos contingenciamentos borar regras de observância obrigatória para
orçamentários e financeiros e na submissão os agentes regulados, tem conduzido os
das agências às normas gerais da Adminis- operadores do direito a dúvidas sobre a even-
tração Pública Federal. É bem verdade, nes- tual violação à garantia de que ninguém será
se último caso, que muitas das agências dei- obrigado a fazer qualquer coisa, a não ser
xaram de editar seus procedimentos de ges- em virtude de lei.
tão, o que as obrigou a adotar as normas É do saber jurídico e está na Constitui-
gerais. ção Federal, como aqui mencionado, que os
Especificamente sobre o contingencia- particulares podem fazer tudo aquilo que a
mento, agências como a ANEEL e a ANA- lei não lhes proíbe, ao passo que à Adminis-
TEL têm como fonte de receita os recursos tração Pública só é lícito agir de acordo com
provenientes da taxa de fiscalização, reco- o que a lei expressamente autoriza. A dife-
lhida pelos prestadores de serviço (conces- rença, portanto, reside em que a mera ine-
sionários, autorizados e permissionários) e xistência de proibição não basta para am-
paga, nas tarifas, pelos consumidores e usu- parar a licitude da conduta da Administra-
ários. Por ser uma taxa, requer a contrapres- ção Pública. Dessa forma, toda a atividade
tação dos serviços pela agência nos termos regulamentar só tem validade se subordi-
definidos nas suas leis de criação. Assim, o nada à lei.
contingenciamento orçamentário imposto às No Brasil, devido à divisão constitucio-
agências implica que os consumidores ou nal de poderes delineada pela Constituição,
usuários ficam sem usufruir a plenitude dos também não são concebíveis os chamados
serviços, como, por exemplo, a fiscalização regulamentos autônomos, que criam obri-
e o tratamento adequado de suas reclama- gações à revelia da existência de lei, mas só
ções. Por outro lado, pelo ordenamento jurí- se permitem aqueles que se destinam a sua
dico (Lei de Responsabilidade Fiscal), a taxa fiel execução.
se caracteriza como recurso vinculado, não O professor Carlos Mário da Silva Vello-
podendo ser aplicada em objeto diferente so analisa o mesmo problema à luz do direi-
daquele para a qual foi criada. Em outras to positivo constitucional brasileiro:
palavras, os recursos contingenciados ficam O sistema constitucional brasilei-
paralisados nas contas das agências, geran- ro desconhece, em verdade, a figura
do superávits que não são devolvidos ao do regulamento autônomo que a
consumidor ou usuários e nem utilizados Constituição Francesa admite. Fomos
como fonte de receitas nos orçamentos de buscar, aliás, na Constituição da Fran-
exercícios seguintes. São valores que são ça, de 1958, justamente no regulamen-
contabilizados para o superávit primário. to autônomo, inspiração para a insti-
tuição, na Constituição Brasileira de
4.4.4 – Aspectos jurídicos e constitucionais 1967, do decreto-lei. (CF, art. 55). O
Um dos problemas jurídicos que mais decreto-lei, todavia, já ficou claro, não
tem gerado polêmica e tem sido objeto de se confunde com o decreto regulamen-
estudos dos doutrinadores, principalmente tar. No Brasil, o regulamento é sim-
dos administrativistas, é o poder regula- plesmente de execução.
mentar das agências reguladoras em face Nesse contexto, cumpre investigar pos-
do princípio da legalidade, capitulado no síveis respostas às questões aqui formula-
art. 5 o, II, da Constituição Federal (ninguém das: a) Se só a lei pode criar obrigações, como

34 Revista de Informação Legislativa


justificar que, por meio de simples regula- leis formais. Os regulamentos, assim expe-
mentação, possam as agências reguladoras didos, não podem revogar leis anteriores e
impô-las aos entes regulados? b) Seria pos- são revogáveis por leis posteriores. Por isto,
sível que o legislador delegasse sua função há o entendimento que não podem ser im-
legiferante a um órgão da Administração, pugnados mediante o argumento de ter ha-
sem ofensa ao Princípio da Separação de vido delegação de poder legislativo – inte-
Poderes? c) Em que medida a possibilidade gram o Direito positivo, mas não possuem
de constringir a liberdade de particulares força de lei.
por meio de instrumentos normativos infra- Por este entendimento, menciona Ale-
legais é compatível com o Estado de Direi- xandre Santos de Aragão que
to? d) O poder regulamentar das Agências, não há qualquer inconstitucionalida-
atribuído ao seu órgão diretor, é inconstitu- de na delegificação, que não consisti-
cional em face da competência regulamen- ria propriamente em uma transferên-
tar privativa do Presidente da República, na cia de poderes legislativos, mas ape-
forma do art. 84 da Constituição Federal? nas na adoção, pelo próprio legisla-
Antes de enfrentar as indagações pos- dor, de uma política legislativa pela
tas, faz-se mister consignar que não exis- qual transfere a uma outra sede nor-
tem, ainda, respostas não contestáveis a mativa a regulação de determinada
nenhuma delas. Alguns autores, contudo, matéria. E, com efeito, se este tem po-
vêm buscando explicações minimamente der para revogar uma lei anterior, por
aceitáveis dentro de uma perspectiva dog- que não o teria para, simplesmente,
mática do direito, com o propósito de man- rebaixar o seu grau hierárquico? Por
ter íntegra a unidade do sistema fundada que teria que direta e imediatamente
na legalidade. revogá-la, deixando um vazio norma-
Desse modo, recorre-se a J. J. Gomes Ca- tivo até que fosse expedido o regula-
notilho que denota: mento, ao invés de, ao degradar a sua
As leis continuam como elemen- hierarquia, deixar a revogação para
tos básicos da democracia política (...), um momento posterior, a critério da
mas deve reconhecer-se que elas se Administração Pública, que tem mai-
transformaram numa política públi- ores condições de acompanhar a ava-
ca cada vez mais difícil, tornando in- liar a cambiante e complexa realida-
dispensável o afinamento de uma te- de econômica e social?
oria geral da regulação jurídica. (...) A Estas observações decorrem do princí-
idéia de que a lei é o único procedi- pio da essencialidade da legislação, pelo
mento de regulação jurídico-social qual, segundo J.J. Gomes Canotilho a teoria
deve considerar-se ultrapassada (A. da legislação
Rhinow, N. Achterberg, U. Karpen, E. deve contribuir para a clarificação da
Baden). A lei é, ao lado das decisões forma dos actos normativos, quer na
judiciais e das “decisões” da admi- escolha da forma entre os vários esca-
nistração, um dos instrumentos da re- lões normativos (exemplo: opção en-
gulação social. tre a forma legal ou a forma regula-
Na direção dessa mesma reflexão invo- mentar) quer dentro da mesma hierar-
ca-se o instituto da delegificação (Aragão, quia normativa (exemplo: opção por
2002). Por este instituto, o legislador, no uso lei ou decreto-lei, decreto regulamen-
da sua liberdade para dispor sobre determi- tar ou portaria). Uma das orientações
nada matéria, atribui um largo campo de hoje sugeridas é a de que, no plano
atuação normativa à Administração, que das decisões estaduais, interessa não
permanece, em todo caso, subordinada às só ou não tanto o reforço da legitima-

Brasília a. 42 n. 166 abr./jun. 2005 35


ção democrática, mas que a decisão der Legislativo o balizamento e a coordena-
seja justa. A ‘justeza’ da decisão de- ção destas regulações.
penderá, em grande medida, de se es- Nota-se, com isto, a grande conexão exis-
colher o ‘órgão’ mais apetrechado tente entre os ordenamentos setoriais, as
quanto à organização, função e forma entidades reguladoras independentes e a
de procedimento para tomar essa de- proliferação de sedes normativas não par-
cisão. lamentares, aí inclusas, com destaque, as
Há, contudo, opiniões que sustentam propiciadas pelas delegificações. Todos es-
que tal deslocamento de sede normativa só tes fenômenos constituem o reflexo no Di-
pode ser operado pela própria Constituição, reito da complexidade da sociedade contem-
isto é, que a liberdade do legislador, em um porânea.
regime de Constituição rígida, não pode A necessidade de descentralização nor-
chegar ao ponto de abrir mão dos seus po- mativa, principalmente de natureza técni-
deres, delegando-os. Para essa assertiva, ca, é a razão de ser das agências indepen-
pouco importaria que a Constituição vede dentes, ao que se pode acrescer o fato da
ou não, expressamente, a delegação de po- competência normativa integrar o próprio
deres, vez que a vedação decorreria da pró- conceito de regulação.
pria divisão constitucional de competênci- Desta forma, parece que, em princípio,
as. Sendo assim, afirmam esses autores, a as leis criadoras das agências reguladoras
delegificação por via legislativa implicaria implicam, pelo menos em matéria técnica,
a derrogação infraconstitucional de compe- em deslegalização em seu favor, salvo, logi-
tências fixadas pelo Poder Constituinte. camente, se delas se inferir o contrário.
No entanto, diante da existência de agên- Neste sentido, Giuffrè (1999, p.187) sus-
cias reguladoras autônomas e independen- tenta que:
tes, é possível entender que, apesar de am- mesmo quando as entidades regula-
bas as posições possuírem grande plausibi- doras independentes não tiverem
lidade, após um primeiro momento de per- sede constitucional, se deve admitir
plexidade por parte de setores da doutrina que a atribuição de funções de regula-
e da jurisprudência brasileiras, contumaz- ção e decisão, a serem exercidas por
mente infensos a mudanças de posições tra- meio do exercício conjunto de compe-
dicionais, as necessidades práticas de uma tências normativas, executivas e con-
regulação social ágil e eficiente irão, em um tenciosas, a órgãos postos em uma
espaço de tempo não muito largo, impor o posição, mais ou menos intensa de
amplo acatamento do instituto da delegifi- distância ou separação do poder po-
cação, até porque, além das razões de or- lítico-partidário, e caracterizados por
dem prática, reveste-se de sólidos argumen- uma elevada especialização no res-
tos jurídicos. pectivo setor, demonstra como o ‘man-
Com efeito, devemos observar que o Po- dato em branco’ conferido pelo Parla-
der Legislativo, face à complexidade, dina- mento a outros centros de competên-
mismo e tecnicização da sociedade, tem dis- cia normativa representa a afirmação
tinguido os aspectos políticos, dos de natu- da incapacidade do legislador em
reza preponderantemente técnica da regu- dominar, por si próprio, o complexo
lação econômica e social, retendo os primei- cada vez menos decifrável dos inte-
ros, mas, consciente das suas naturais limi- resses sociais.
tações, transpassando a outros órgãos ou Ressalta-se que, mesmo para os que não
entidades, públicas ou privadas, a normati- acolhem a delegificação por via legislativa,
zação de cunho marcadamente técnico. Po- o instituto tem grande importância no Di-
rém, mesmo nesses casos, resguarda o Po- reito positivo brasileiro, já que, em diversos

36 Revista de Informação Legislativa


casos, é a própria Constituição que delegifi- a um órgão da Administração públi-
ca matérias para entidades estatais e não ca ou a uma dessas entidades autô-
estatais: em favor das entidades desporti- nomas que são as autarquias.
vas privadas (art. 217, I), dos órgãos regula- Fixada a legitimidade da atribuição de
dores da prestação dos serviços de teleco- competência normativa a órgãos específicos
municações (art. 21, XI) e da exploração do da Administração Direta ou a entidades da
petróleo (art. 177, § 2 o, III), das universida- Administração Indireta, notadamente se ti-
des em geral (art. 207) etc. tulares de autonomia propriamente dita –
Em todas essas hipóteses, por sua sede descentralização material, independência –
constitucional, tem-se uma reserva inques- , a ingerência do Chefe do Poder Executivo
tionavelmente legítima de poder normativo neste campo normativo consistirá em viola-
delegificado em favor de órgãos ou entida- ção da respectiva norma legal ou constitu-
des estranhas ao Poder Legislativo. E mais, cional.
como essas esferas normativas autônomas
fundamentam-se diretamente no Poder 4.4.5 – Controle
Constituinte, estão protegidas contra as in- As agências são submetidas ao controle
gerências que a elas venham a ser impostas, dos três Poderes da União, Executivo, Le-
ressalvada, naturalmente, a incidência de gislativo e Judiciário, além do controle soci-
normas da própria Constituição, mormente al exercido pela sociedade por intermédio
as concernentes à Administração Pública, e de organizações não governamentais de
a possibilidade de balizamento e coordena- defesa do consumidor, e do Ministério Pú-
ção de caráter político – não técnico – pelo blico.
Poder Legislativo. O grande problema existente está na su-
Finalmente uma observação deve ser fei- perposição desses controles. Assim é que a
ta para evitar qualquer posição que, partin- Secretaria Federal de Controle e o Tribunal
do de uma interpretação literal e isolada do de Contas da União muitas vezes auditam
art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, os mesmos pontos. Isso acarreta o desloca-
entenda que o poder regulamentar só possa mento da já insuficiente força de trabalho
ser exercido pela administração central do das agências para o atendimento às deman-
Estado, em última instância, pelo Chefe do das dos controladores em detrimento de
Poder Executivo. suas atividades fim.
Muitas vezes a lei confere poder regula- Um outro problema está no controle ju-
mentar a titular de órgão ou a entidade da dicial das decisões das agências, esse tal-
Administração Pública distinta da Chefia vez mais sério, pois esse controle se dá no
do Poder executivo. Trata-se, na expressão âmbito da primeira instância do judiciário,
de Dantas (1953, p. 203) de “descentraliza- o que causa, invariavelmente, uma demora
ção do poder normativo do Executivo” para na manifestação da Justiça.
órgãos ou entidades “tecnicamente mais Esse é um problema atual, que não só
aparelhados”. Afirma ainda o grande juris- afeta as agências, mas o País de modo geral.
ta brasileiro, que: Porém, torna-se mais grave no caso das
o poder de baixar regulamentos, isto agências reguladoras, na medida em que
é, de estatuir normas jurídicas inferi- está se tratando de interesses de um univer-
ores e subordinadas à lei, mas que nem so enorme de usuários e de prestadores de
por isso deixam de reger coercitiva- serviço que investem vultosos recursos
mente as relações sociais, é uma atri- quando se trata de serviços públicos, bem
buição constitucional do Presidente como o risco de que uma decisão colegiada,
da República, mas a própria lei pode tomada com base em variáveis técnicas, pos-
conferi-la, em assuntos determinados, sa ser questionada permanentemente por

Brasília a. 42 n. 166 abr./jun. 2005 37


uma decisão de primeira instância, que A importância das agências regulado-
poderá levar vários anos até uma def- ras é reconhecida, atualmente, quase de for-
inição. ma unânime. Basta ver algumas citações de
Um exemplo desse problema é o que trabalhos produzidos no próprio governo
acontece com as decisões da ANP no seg- que, enquanto na oposição, tinha uma vi-
mento de distribuição de revenda de com- são muito crítica e negativa desses órgãos
bustíveis, onde uma quantidade enorme de de Estado.
liminares é expedida por Juiz Federal de Assim é que na “Proposta de Modelo
primeira instância, muitas vezes derruba- Institucional do Setor Elétrico” do Ministé-
das em seqüência. rio de Minas e Energia, recentemente apro-
Outro aspecto importante nessa área de vada pelo Congresso Nacional, encontra-se
controle que se apresenta como um proble- a seguinte citação: “Para o bom funciona-
ma potencial é a proposta do governo fede- mento do modelo, os seus organismos, em
ral, contida no Projeto de Lei sobre as agên- particular a ANEEL, ( ......) deverão dispor
cias, mantida na proposta de Substitutivo de recursos humanos e materiais suficien-
do relator, que define o contrato de gestão tes e adequados, para o desempenho de
como mais um instrumento de controle e cria suas funções”.
a figura do ouvidor, deslocado em parte de Por outro lado, o relatório do grupo de
suas funções próprias para, na realidade, trabalho interministerial que estudou a re-
ser um fiscal do Poder Executivo atuando formulação das agências tem as seguintes
nas agências. A ação do ouvidor foi atenua- citações:
da no Substitutivo apresentado, mas ainda 1) a presença das agências regula-
necessita de aprimoramentos. doras é indispensável para o sucesso
Apesar de, na lei da ANEEL, estar con- dos investimentos privados, que são
signada a figura do contrato de gestão, esse centrais para suprir o déficit de inves-
instrumento nunca funcionou na prática timentos em infra-estrutura existente
como meio de controle e até de relaciona- no Brasil”. 2) “segundo o ordenamen-
mento com o Poder Executivo. Por outro to jurídico do país, é eminentemente
lado, o contrato de gestão foi idealizado exa- federal a responsabilidade de assegu-
tamente para ampliar a autonomia de ór- rar que, em diversos setores chaves,
gãos da Administração Pública, que nesse os serviços públicos sejam ofertados
caso seriam enquadrados como agências na maior quantidade, melhor quali-
executivas. Tendo em conta que as agências dade e menor preço aos consumido-
são por definição legal dotadas de uma “au- res. Isso aponta para a necessidade
tonomia especial”, fica evidente que o con- da ANATEL, ANEEL, ANP ANTT,
trato de gestão é uma ferramenta não apli- ANTAQ e ANA (...), serem preserva-
cável às agências. das e fortalecidas;” e 3) “dentre as
conseqüências de agências regulado-
5 – Conclusões e recomendações ras fortalecidas nos setores de infra-
estrutura estão sua contribuição para
Do exposto, conclui-se que as agências a diminuição do custo de capital nes-
reguladoras são instrumentos indispensá- tes setores, com importantes reflexos
veis para a ação do moderno Estado regula- nas tarifas finais e na própria dispo-
dor, que cada vez ocupa mais espaço em nibilidade e acesso aos serviços.
países em desenvolvimento como o Brasil Ainda que essas citações não correspon-
em função da necessidade crescente de ca- dam exatamente ao que se vê das propostas
pital privado para o desenvolvimento eco- de reestruturação das agências, esse reco-
nômico e social. nhecimento é um avanço importante na con-

38 Revista de Informação Legislativa


solidação das agências reguladoras no Es- minar a cultura da regulação; d)conquistar
tado brasileiro. Mas, por tudo que foi abor- a independência e a autonomia; e) contri-
dado, cabem aperfeiçoamentos e desafios buir para delimitar as fronteiras entre agên-
importantes a serem vencidos para essa con- cias, governo e mercado.
solidação. Enquanto não se fizer um debate profun-
As recomendações a seguir vêm nesse do sobre o papel das Agências, eliminando
sentido, sem a pretensão de esgotá-las: a) ou minimizando o viés ideológico dos go-
dar abrigo constitucional às agências regu- vernos, esses entes de Estado não poderão
ladoras introduzindo a visão do moderno cumprir com efetividade suas funções de
Estado regulador, com vistas a eliminar as regular setores complexos como os de infra-
polêmicas hoje existentes no meio jurídico; estrutura, criando, assim, obstáculos impor-
b) definir em lei um estatuto geral comum tantes para a atração de investimentos priva-
para as agências reguladoras, diferencian- dos que são reconhecidamente importantes
do aquelas que exercem função de Estado para o desenvolvimento sustentável do País.
daquelas que exercem função de governo; c)
criar mecanismos adequados para a inte-
gração das agências ANEEL, ANP e ANA-
TEL, que atuam em ramos de infra-estrutu- Referências
ra que se inter-relacionam; d) controle juris- ARAGÃO, Alexandre Santos de. As Agências Re-
dicional das decisões das agências pelos guladoras Independentes e a Separação de Pode-
Tribunais Regionais Federais – necessida- res: Uma Contribuição da Teoria dos Ordenamen-
de de Emenda Constitucional ao art. 108; e) tos Setoriais. Revista Diálogo Jurídico. Salvador:
CAJ – Centro de Atualização Jurídica, no 13, 2002.
controle social e político pelo Congresso
Nacional; f) aprimorar mecanismos de CANOTILO, J.J. Gomes. Relatório sobre Progra-
transparência de suas ações, como, por ma, Conteúdos e Métodos de Um Curso de Teoria
da Legislação”, Separata do Vol. LXIII do Boletim
exemplo, a reunião da diretoria aberta aos
da Faculdade de Direito da Universidade de Coim-
interessados como ocorre no Supremo Tri- bra, p.09 e 22/3.
bunal Federal; g) procuradoria própria ao
DANTAS, San Thiago. Poder Regulamentar das
invés de vinculada à Advogacia-Geral da Autarquias, constante da obra “Problemas de Di-
União; h) recursos humanos adequadamen- reito Positivo”. Forense, 1953.
te remunerados – poderia se ter como base a
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (organizadora).
remuneração dos servidores do Banco Cen- Direito Regulatório – Temas Polêmicos – Limites
tral; i) ampliar ou instituir a descentraliza- da função reguladora das agências diante do prin-
ção das atividades das agências federais cípio da legalidade. Belo Horizonte: Fórum, 2003.
para as agências de regulação dos estados; GIUFFRÈ, Felice.Declínio del Parlamento-Legisla-
j) criar mecanismos de relacionamento com tore”, constante da obra coletiva “Le Autorità Indi-
o governo, mas que não sirvam de controle; pendenti: Da fattori evolutivi ad elementi della tran-
k) ampliar o diálogo com os usuários ou sizione nel Diritto Pubblico italiano”, 1999.
consumidores, os prestadores de serviço e a MARQUES, Floriano de Azevedo. Agências Regu-
sociedade; l) reduzir a assimetria de infor- ladoras – Instrumentos do Fortalecimento do Esta-
mações hoje existente entre consumidores do. São Paulo: ABAR, 2003.
ou usuários e prestadores de serviço. MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direi-
Entre os principais desafios para as to Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.
agências reguladoras se impõem os seguin- MENEZELLO, Maria D´Assunção Costa. Agênci-
tes: a) serem reconhecidas como instituições as Reguladoras e o Direito Brasileiro. São Paulo:
que atendem ao interesse público; b) aten- Atlas, 2002.
der às expectativas dos consumidores ou MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e
usuários, investidores e sociedade; c) disse- administração pública. Coimbra: Almedina, 1997.

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