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Sumário
Introdução. 1. Da democracia representativa
à democracia participativa. 2. Pressupostos da
participação no município. 3. A participação po-
pular nas políticas públicas de defesa da cultura
no âmbito municipal. 4. Considerações finais.
Introdução
A administração pública contemporânea
passa por profundas mudanças, em face do
declínio do liberalismo e do surgimento de
tentativas de radicalizar a democracia, que
podem ser aglutinados no republicanismo
e no procedimentalismo.
No Brasil, esse processo de democratiza-
ção do Estado e da instauração de uma nova
relação do mesmo com a sociedade ganha
força com a Constituição Federal de 1988,
que estabelece o princípio democrático com
primazia absoluta.
Todavia, a deliberação política também
é regulada, em nosso sistema normativo-
constitucional, pelo princípio da constitu-
cionalidade, isto é, pelo respeito aos direitos
e garantias fundamentais expressos no
Texto Magno, que serão os pressupostos
normativos da formação pública da opinião
Eduardo Pordeus Silva é Mestrando em
e da vontade não-coatadas.
Ciências Jurídicas (Área de Concentração em
Direito Econômico) pela Universidade Federal Além disso, as modernas teorias políti-
da Paraíba – UFPB. cas e sociológicas advogam outros pressu-
Leandro Konzen Stein é Mestrando em postos (empíricos ou externos ao sistema
Direito pela Universidade de Santa Cruz do jurídico) para uma participação efetiva da
Sul – UNISC. Advogado. cidadania, que se podem aglutinar no am-
Brasília a. 46 n. 182 abr./jun. 2009 245
plo conceito de capital social, que irá revelar político até a década de 1970, é corolário do
a importância do histórico e do sentido de liberalismo burocrático e, também, da for-
pertencimento à comunidade. ma renovada do capitalismo (interventivo),
Na efetivação desses pressupostos, o Welfare State. Como aponta Rogério Leal
assume destaque ímpar o ente público (2006, p. 31-32):
municipal, eis que é locus privilegiado de “Esta leitura do Estado como con-
efetivação de uma participação calcada dições e possibilidades de governos
no espírito cívico, visto que o sentimento regidos pelos termos da Lei, portanto,
de identidade coletiva é muito maior do não é suficiente quando se pretende
que nos demais entes federativos, além de enfrentar os conteúdos reais da exis-
possibilitar um diálogo mais dinâmico em tência de sociedades dominadas pelas
face das próprias características do espaço contradições econômicas e culturais
local que congrega um número menor de e das cidadanias esfaceladas em sua
cidadãos do que os Estados e a União. consciência política. Em outras pa-
Desse modo, neste artigo, buscaremos lavras, a Democracia Liberal, ao de-
(a) estabelecer um quadro panorâmico das signar um único e verdadeiro padrão
diversas possibilidades conceituais da de- de organização institucional baseado
mocracia radicalizada, isto é, de democracia na liberdade tutelada pela lei, na
participativa em oposição à tradicional igualdade formal, na certeza jurídi-
concepção liberal de soberania restrita ao ca, no equilíbrio entre os poderes do
voto, para, (b) visualizando os pressupostos Estado, abre caminho à conquista
normativos (internos) e empíricos (exter- da unanimidade de um conjunto de
nos) à participação social no município, (c) atitudes, hábitos e procedimentos,
perquirir sobre os limites e possibilidades os quais, geralmente, refletem a re-
da deliberação democrática municipal em produção do status quo identificado
torno de políticas públicas de proteção do com projetos de sociedade mais
patrimônio cultural, em vista à promoção corporativos do que comunitários.
do desenvolvimento. Em tal quadro, compete ao Estado de
Direito tão-somente regular as formas
1. Da democracia representativa à de convivência social e garantir sua
democracia participativa conservação; a economia se converte
numa questão eminentemente privada e
Não é novo o fato de que há muito vem o direito, por sua vez, torna-se predomi-
perdendo força o liberalismo clássico e seu nantemente direito civil, consagrando
modelo representativo de democracia polí- aos princípios jurídicos fundamentais
tica. O paradigma liberal-burguês de admi- ao desenvolvimento capitalista, como
nistração pública e exercício da soberania os da autonomia da vontade, da livre
popular na escolha de representantes está disposição contratual e o da pacta sun
em franco declínio. A ideia elitista schum- servanda.”
peteriana (Cf. SCHUMPETER, 1967) de As formas tradicionais de democracia
democracia como método, e não como fim têm, portanto, se modificado em função do
em si mesma1, que dominou o pensamento declínio da ideologia liberal e do renasci-
mento do republicanismo:
1
A redução da abrangência da soberania permite
a Schumpeter limitar o papel do povo ao de produtor
“[...] na Itália renascentista, Maquia-
de governos, isto é, aquela instância de escolha da- vel (Niccolò Machiavelli) e vários
quele grupo particular entre as elites que seria o mais contemporâneos seus concluíram que
qualificado para governar. Através dessa operação, o
povo permanece como fundamento em última instân- a saber, na condição de árbitro das disputas entre as
cia da política democrática em apenas uma condição, elites. (AVRITZER, 2002, p. 566)