Você está na página 1de 14

Políticas públicas (econômicas) e controle

Marília Lourido dos Santos

Sumário
Noções preliminares. 1. Intervenção econô-
mica, modelo de Estado e modelo de Consti-
tuição. 2. Políticas públicas. 3. Intervenção eco-
nômica, formas e disciplina legal – contexto
geral. 4. Dificuldades iniciais acerca do contro-
le das políticas públicas. 5. Correntes acerca da
importância do controle judicial das políticas
públicas. 6. Vantagens, desvantagens e funções
do incremento do controle Judiciário median-
te a análise das políticas públicas. 7. Papel do
Judiciário – dificuldades no exercício do con-
trole.

A disciplina legal acerca da ordem eco-


nômica constitui tema relativamente re-
cente na seara jurídica, de modo que im-
porta, particularmente, observar questões
preliminares que o tema sugere, tais quais
o que se entende por ordem econômica ou,
melhor ainda, o que se concebe como po-
lítica econômica, quais os instrumentos
legais para seu controle jurídico, a quem
incumbe a realização de tal controle, en-
tre outras. Com isso, imprescindível se
mostra o exame, ainda que superficial, de
algumas noções prévias, que figuram
como pressupostos lógicos e finalísticos
do estudo. Desta feita, o presente esboço,
dentro de seus estreitos limites, afigura-
Marília Lourido dos Santos é Mestranda em se de cunho meramente introdutório, até
Direito pela UFPa e Juíza de Direito no Estado mesmo para que possa servir de base para
do Pará. eventuais aprofundamentos futuros.
Brasília a. 40 n. 158 abr./jun. 2003 265
1. Intervenção econômica, modelo de pelo Estado. Houve, ademais, o benefício da
Estado e modelo de Constituição concessão de obras e serviços que garantiu
ser o Estado um “comprador” certo e lucra-
Não são raros os autores que ainda rela- tivo.
cionam a existência de um controle legal das Dessa maneira, como observa Fernando
relações econômicas ao fenômeno do Welfa- SCAFF, o que difere nos modelos de Estado
re State. A partir dessas concepções, costu- são os graus de intervenção e não a existên-
mou-se conceber a intervenção econômica cia desta. Graus esses que vão desde: a) o
como fato indissociável do chamado Diri- Intervencionismo, caracterizado pela adoção
gismo Estatal, pelo qual o Estado passou a de medidas esporádicas de controle econô-
estabelecer mecanismos legais capazes de mico, para fins específicos; b) o Dirigismo,
direcionar as relações econômicas no senti- tido como modelo em que o controle econô-
do de atender certas finalidades de cunho mico compreende uma atuação mais siste-
social legalmente eleitas. Mais recentemen- mática e com objetivos determinados; e, c) a
te, porém, tem-se observado que a interven- Planificação, que importa em uma análise
ção do Estado na economia não era estra- global desse controle, no mais amplo alcan-
nha ao discurso neoliberal. ce em relação aos demais (1990).
Isso porque a neutralidade política não Percebe-se, destarte, que o controle ime-
é, na realidade, o que os grupos econômicos diato da atividade econômica é exercido pelo
e políticos dominantes esperam do exercí- Poder Executivo. No entanto, a elaboração
cio do Poder Público, mas sim a concessão de programas e planos que estabeleçam a
de vantagens, em detrimento de outros gru- correlação entre os instrumentos jurídicos
pos. Não é interessante, porém, que tais fa- de controle e as finalidades a serem atingi-
vorecimentos permaneçam totalmente fora das incumbe ao Poder Legislativo, uma vez
de regulamentação, uma vez que esta sem- que a este cabe a elaboração das leis em sen-
pre figura como instância de segurança e a tido formal. Fechando o círculo de controle,
manutenção da ordem ou mesmo o controle figura o Poder Executivo como instância
de suas mudanças é sempre interessante aos última encarregada de assegurar a legali-
que dela se beneficiam. Assim sendo, exis- dade do exercício do controle no âmbito dos
tiu e existe, no modelo liberal de Estado, a demais Poderes.
figura da intervenção econômica, que se dá, Verifica-se, portanto, a existência de ní-
em regra, em prejuízo da livre concorrência veis internos e externos de controle da atua-
e da democracia, valores que pelo discurso ção reguladora do Estado na economia. O
liberal são primordiais. controle exercido por quem também exerce
Mostra-se, por conseguinte, o viés ideo- o poder regulador não importa aqui, mas
lógico, no sentido que descreveu Marx, de sim o controle externo, que é exercido no
tal discurso. Isso demonstra que o (neo) li- âmbito Judicial e social, controle esse que
beralismo não deixa de ser um processo to- tem por objeto, conseqüentemente, tanto atos
talitário, que procura abater qualquer even- isolados como as políticas públicas.
tual contestação ou mesmo não a admite. Logo, nota-se que o sentido da inclusão
Note-se que os grupos econômicos liberais de normas sobre a ordem econômica na
historicamente obtiveram vantagens com a Constituição mostra ser o oferecimento de
intervenção estatal, como a própria manu- instrumentos para o efetivo exercício desse
tenção do sistema capitalista, embora ate- controle. Tal porque submete os atos e polí-
nuado. Também se observa que o custo da ticas governamentais ao controle de consti-
infra-estrutura básica necessária para o de- tucionalidade, com a peculiaridade de con-
senvolvimento do capital acabou dividido ferir aos fins a serem pelos mesmos perse-
por toda a sociedade, por ter sido arcado guidos o caráter de cláusula pétrea. No en-

266 Revista de Informação Legislativa


tanto, grande porção das normas constitu- seguinte, o controle dessa regulamentação
cionais que regula a ordem econômica é de também deve deslocar-se, ou antes, alargar-
natureza programática, o que implica eficácia se, pois, se os fins e objetivos a se assegurar,
limitada. De tal sorte, essa inclusão finda por regrados por normas programáticas e prin-
perder a função, salvo se se considerar que cípios, realizam-se por políticas públicas,
as normas programáticas também vincu- devem estas se submeter ao controle jurídi-
lam, segundo a idéia de Constituição Diri- co. Para a compreensão dessa afirmação, im-
gente, inicialmente defendida por Joaquim porta definir-se políticas públicas.
José Gomes Canotilho. Este, no entanto, atu-
almente, dada a nova conjuntura política e 2. Políticas públicas
econômica mundial, vem revendo certas po-
sições, inclusive algumas ligadas à noção As políticas públicas tornaram-se uma
de Constituição Dirigente. categoria de interesse para o direito há apro-
De acordo com Eros Roberto GRAU, a ximadamente vinte anos, havendo pouco
chamada Constituição Econômica pressu- acúmulo teórico a respeito, o que desacon-
põe um modelo de Constituição Dirigente, selha a busca de conclusões acabadas. Ade-
pois se a Constituição não for dirigente, não mais, não é um tema ontologicamente jurí-
conterá diretrizes axiológicas acerca da or- dico, mas é originário da ciência política,
dem econômica, será apenas uma Consti- em que sobressai o caráter eminentemente
tuição Econômica Estatutária. Esta, preten- dinâmico e funcional, que contrasta com a
samente despida de ideologias acerca de estabilidade e generalidade jurídicas. A no-
sistemas econômicos. Portanto, sem preten- ção de políticas públicas emergiu como
sões conformadoras das relações econômi- tema de interesse para o direito com a confi-
cas, com vistas a dirigi-las para a realiza- guração prestacional do Estado.
ção de fins sociais (1998, p. 58-60). Novamente deu-se uma relação entre o
Por isso, ante a superação do modelo de modelo estatal e a evolução histórica do es-
Constituição dirigente, declara GRAU: tudo das políticas públicas. Quando a fun-
“Somos arrastados à conclusão de ção estatal de controle resumia-se, digamos
que a teorização da Constituição Eco- assim, no poder de polícia, no sentido omissi-
nômica morreu” (p. 67). vo de limitação do poder estatal, pode-se
Assim sendo, esse conceito perde a utili- dizer que não havia políticas públicas de
dade, assim como a expressão ordem jurídi- interesse jurídico. Quando o Estado passou
ca constitucional, que passa a servir ape- a assumir o encargo dos serviços públicos, a
nas para indicar o local onde as normas situação mudou um pouco, sendo que, quan-
acerca da política econômica estão contidas. do no pós 2ª Guerra, por questões de empre-
Falar-se em ordem econômica só faz senti- go, seguridade e habitação, o Estado pas-
do, para Grau, se se referir à ordem econô- sou a propriamente intervir no domínio eco-
mica constitucional, pois assim os seus fins nômico, o estudo das políticas públicas re-
serão vinculantes para os poderes públicos. velou-se de interesse para o direito.
A regulação da economia, nesse sentido, A adoção de políticas públicas denota
parece mudar de eixo, da Constituição para um modo de agir do Estado nas funções de
os programas, projetos e políticas públicas. coordenação e fiscalização dos agentes públi-
Nessa linha de raciocínio, assim como a cos e privados para a realização de certos
existência da intervenção econômica inde- fins. Fins esses ligados aos chamados direi-
pende do modelo de Estado, também inde- tos sociais, nos quais se inclui os econômicos.
pende do modelo de Constituição. As dife- Desta feita, o estudo das políticas econômi-
renças estarão nos graus e sentidos que a cas não pode ser dissociado do das políti-
essa intervenção forem conferidos. Por con- cas sociais. Melhor dizendo, estudar as po-

Brasília a. 40 n. 158 abr./jun. 2003 267


líticas publicas de um modo geral significa denação dos meios à disposição do Estado,
estudar as políticas econômicas, porque o harmonizando as atividades estatais e pri-
viés econômico permeia a quase totalidade vadas para a realização de objetivos social-
das políticas de governo, em última análise. mente (ou economicamente) relevantes e
O surgimento e, em conseqüência, o in- politicamente determinados” (BUCCI, 1997,
teresse para o estudo jurídico das políticas p. 91) ou simplesmente como o conjunto or-
públicas justifica-se, didaticamente, porque: ganizado de normas e atos tendentes à realiza-
a) estão ligadas ao resguardo dos direi- ção de um objetivo determinado.
tos sociais e políticos, pois estes demandam
do Estado prestações positivas e significam o 3. Intervenção econômica, formas e
alargamento do leque de direitos fundamen- disciplina legal – contexto geral
tais;
b) o desenvolvimento de certos setores e Como dito, a intervenção não é estranha
atividades do mercado significou a geração ao neoliberalismo, porque os grupos econô-
de novas demandas, como os direitos dos micos esperam do Estado intervenção em
consumidores, que transitam entre as ativi- seu favor. Logo, a adoção de políticas eco-
dades econômicas e a regulação estatal; nômicas significa intervenção, que não dei-
c) o planejamento inerente à noção de po- xa de existir, apenas sofre alteração nos seus
líticas públicas tornou-se necessário para meios e mesmo em seus fins. Políticas Eco-
garantir maior eficiência da gestão pública nômicas significam as políticas públicas que
e da própria tutela legal. Importa elevar o se referem a matérias econômicas, constitu-
nível de racionalidade das decisões, evitan- em o meio pelo qual um governo busca regular
do processos econômicos, sociais e políti- ou modificar os negócios econômicos de uma
cos de cunho cumulativo e não reversíveis, nação.
em direções indesejadas. A adoção de políticas econômicas visa a
COMPARATO, sempre em sintonia com regulação macroeconômica, ou seja, a raci-
seu tempo, observa uma tendência geral em onalização gradual da economia para que
todos os países, no sentido do “alargamen- os agentes econômicos (públicos e privados)
to da competência normativa do governo, atuem em favor do interesse social, mas em
não só na instância central, através de de- “harmonia” com seus interesses privados,
cretos-leis ou medidas provisórias, mas tam- isto é, sem alteração legal do sistema de apro-
bém no plano inferior” (1997, p. 19). Em nota priação de riquezas. Nesse sentido, usa-se
de rodapé, observa que “houve apenas a o termo intervenção, para significar “atuação
substituição da lei pela política pública, em área de outrem – isto é, naquela esfera do
mantendo-se a mesma separação entre a privado” (1998, p. 156). Intervenção essa
declaração, a execução e o controle (no sen- que, para ser ampla, precisa ser diferencia-
tido de um juízo de revisão)” (p. 17). Destar- da. Há, portanto, diferentes formas de inter-
te, parece haver uma paulatina substituição venção, elencadas em diversas classifica-
da função das leis (sentido omissivo), pela ções doutrinárias, das quais a mais funcio-
função das políticas (comissivo). nal para o momento parece ser a do próprio
Do que foi dito, nota-se que a noção de Eros Grau, que usa a expressão domínio eco-
políticas públicas centra-se em três elemen- nômico para indicar atuação estatal no campo
tos: a) a busca por metas, objetivos ou fins; da atividade econômica em sentido estrito, da
b) a utilização de meios ou instrumentos le- qual se exclui a noção de serviço público.
gais; e c) a temporalidade, ou seja, o prolon- Segundo tal classificação, a intervenção
gamento no tempo. Esses elementos formam estatal dá-se (1998, p. 156-157):
uma noção dinâmica de atividade, pela qual a) No Domínio Econômico, quando o Es-
se definem políticas públicas como a “coor- tado atua na condição de agente econômi-

268 Revista de Informação Legislativa


co, como sujeito que realiza diretamente a políticas públicas apresentam significância
atividade econômica. Essa forma de inter- jurídica. Isso porque as normas jurídicas
venção divide-se em: absorção, quando ocor- servem tanto de instrumento de efetivação,
re em regime de monopólio; e participação, quanto de parâmetro de controle de tais op-
quando se dá concorrentemente com a ini- ções políticas. Por serem opções, importam
ciativa privada. em uma margem de discricionariedade,
b) Sobre o Domínio Econômico, interven- ou melhor, de flexibilidade de atuação, o
ção essa pela qual o Estado atua apenas que não significa ausência de controle le-
como regulador da atividade econômica. gal, mas sim incidência de controle dife-
Essa forma, igualmente, subdivide-se em renciado, finalístico.
duas outras – direção, nas hipóteses em que Para que essa margem de liberdade de
o Estado utiliza normas de comportamento atuação não gere arbítrio, sua gradativa re-
compulsório, e indução, quando lança mão dução passou a ser uma meta a se atingir,
de normas que não possuem caráter com- tanto para os operadores do direito, quanto
pulsório, apenas incentivador. para os legisladores. Inicialmente, pensou-
A forma de intervenção sobre o domínio se que seria necessário assegurar um míni-
econômico prepondera, porque incide tam- mo ético, para usar expressão da seara pe-
bém sobre a própria atuação de intervenção nal, que representasse um núcleo rígido, a
no domínio econômico. Assim, esta não apre- pautar a ação estatal e fornecer-lhe limite
senta maior interesse para este estudo, ape- intransponível. Essa preocupação resultou
nas aquela, a qual se efetiva mediante con- na inclusão de diversas normas de controle
junto de ações e projetos que configuram as na Constituição Federal, a fim de torná-las
políticas econômicas. Estas lançam mão de cláusulas pétreas, por significarem garan-
instrumentos de planejamento, como os pla- tia dos direitos fundamentais.
nos e programas. Estes, enquanto instru- Com isso a Constituição passou a regu-
mentos jurídicos, capazes de permitir a ins- lar inúmeras áreas, especialmente por nor-
titucionalização de diretrizes e metas, pois mas programáticas, que tornaram matéria
o planejamento configura pressuposto de formalmente constitucional quase todas as
toda ação política, econômica ou social. questões legalmente relevantes. Isso se deu
Entretanto, importa frisar que a política de forma detalhada, gerando uma rigidez
pública é noção mais ampla que a de um ao sistema jurídico, não raro, incompatível
simples plano ou programa, porque envol- com a dinâmica das modificações atuais.
ve um processo de escolha de meios para a Assim, surgiu uma tendência oposta, que
realização dos objetivos do governo. Assim, entende ser necessário retirar muitas áreas
compreende também uma certa margem de de disciplina constitucional – desconstituci-
opção entre tais objetivos, ou seja, compre- onalizar –, especialmente as ligadas ao con-
ende a hierarquização dos mesmos, cuja efe- trole formal da Administração Pública. Isso
tivação deverá dar-se com a participação dos para dar a esta maior agilidade e eficiência,
agentes públicos e privados. A adoção de que, aliás, tornou-se palavra de ordem.
certa política pública representa o processo po- Entretanto, a legitimidade dessa tendên-
lítico de escolha de prioridades para o governo, cia não é indene de dúvidas, pois, do mes-
por meio de programas de ação para a reali- mo modo como a necessidade de controle
zação de objetivos determinados num espa- da atuação estatal não se resolve apenas pela
ço de tempo determinado ou não. constitucionalização dos temas, igualmente,
Historicamente, os primeiros planos ju- a necessidade de conferir agilidade e efici-
ridicamente relevantes foram os de contabi- ência à atuação estatal não se resolve tão-
lidade pública, depois os urbanísticos. Atu- somente pela desconstitucionalização. Mesmo
almente, todas as áreas de incidência das porque tais tendências constituem extremos

Brasília a. 40 n. 158 abr./jun. 2003 269


que atentam contra a clássica visão aristo- regulamentar (veja-se a enxurrada de Medi-
télica de que a virtude está no meio-termo. das Provisórias). Em conseqüência, precisa
Ademais, cada movimento jurídico cumpriu haver uma correspondente reorientação nas
ou cumpre uma função histórica e negá-la funções de controle exercidas pelos Pode-
pode resultar em desconhecimento do cu- res de Estado. No modelo de democracia
nho ideológico da doutrina jurídica e falta contratualista de Rousseau, a lei e a vontade
de senso crítico, perniciosos para qualquer humana se aproximam, pois esta se expres-
operador do direito. sa naquela e aquela define o âmbito de liber-
Com efeito, não é a situação topológica das dade desta. Logo, ao Legislativo cabe o papel
normas legais que define o maior ou menor central de definir as políticas públicas.
grau de controle jurídico da atividade esta- Portanto, atos de definição deveriam ca-
tal, mas a hierarquia das normas tem uma ber ao Legislativo, porque composto pelos
função a exercer, a qual não é interessante representantes do povo, por uma questão
subestimar ou supervalorizar. É importan- democrática e de separação de poderes. No
te saber a quem compete formular as nor- discurso liberal, o Legislativo é o poder “su-
mas que compõem esse sistema de controle premo”, pois é encarregado de dar expres-
legal, para adaptar cada nível a sua devida são à soberania popular. Mas quando a li-
função, sob pena de se verificar o que atual- berdade formal da lei deixa de legitimar o
mente ocorre: o legislador ordinário tornou- poder, essa legitimidade passa a se fundar
se constituinte por via transversa de emen- na realização de finalidades coletivas con-
das constitucionais. A trivialização da alte- cretizadas programaticamente, isto é, na
ração de matéria constitucional atinge a fun- adoção de políticas públicas, pelo que o Exe-
dação do edifício jurídico positivo, em pre- cutivo passa a ter mais destaque, a ser o
juízo de sua unidade e legitimidade. poder “supremo”.
Naturalmente, as normas constitucio-
nais, o ordenamento infralegal e o poder re- 4. Dificuldades iniciais acerca do
gulamentar exercem função de controle le- controle das políticas públicas
gal das atividades estatais, tanto no sentido
formal, quanto no material. Porém, cada qual Quando o poder regulamentar deixa de
dentro dos limites de seu âmbito de atua- apenas conferir concreção e adequação das
ção, pois as normas regulamentares não po- diretrizes legais à realidade social, o Execu-
dem-se contrapor às leis, tampouco à Cons- tivo passa a exercer função normativa com
tituição. Do contrário, as diretrizes e metas prejuízo do Legislativo. Eros GRAU chama
sociais, econômicas e políticas definidas esse fenômeno de capacidade normativa de
pelo ordenamento acabam não sendo im- conjuntura (1998, p. 69), como sendo aquela
plementadas pelo “governante de plantão”, que visa ao desempenho de uma atividade
utilizando a emblemática expressão de de ordenação pelo Estado sobre os agentes
Fernando Scaff, pelo que se tornam meras econômicos. A importância desse poder de
garantias formais. Funcionam apenas como regulação seria tanta que Fernando SCAFF
um anteparo às reivindicações sociais, pois não entende importante a criação de um Conse-
são implementadas pelo Executivo, ao qual lho Consultivo, com funções opinativas
não pode-se substituir o Judiciário, pois cabe (2000). Essa proposta é oportuna, pois que,
a este apenas o julgamento e não execução com a substituição da função da lei pelas
das leis. políticas públicas, dificulta-se o controle so-
Há uma reorientação dos níveis legais cial e mesmo o controle legal; dificuldade
de disciplina da atividade do Estado, sain- essa que se deve a diferentes razões, que
do do eixo constitucional para o infralegal podem ser apresentadas esquematicamen-
e, perigosamente, para o âmbito do poder te da seguinte forma:

270 Revista de Informação Legislativa


4.1. passa a haver uma demanda desme- o Judiciário, especificamente, as forças polí-
dida por legislação, a fim de aprovar pla- ticas e a sociedade vêm forçando os aplica-
nos e mais planos, bem como a regulamen- dores do direito a tomar posição como agen-
tação desses planos, o que nos Estados Uni- tes políticos e não meramente como técni-
dos é conhecido como overload, em que o cos jurídicos. Essa nova feição gera descon-
Legislativo acaba por abdicar da direção fiança e receio, dada a potencialidade para
política do Estado; o arbítrio que qualquer incremento de con-
4.2. faz-se necessário todo um extenso trole gera. Desta feita, em âmbito que se pode
suporte institucional (agências de controle, dizer mundial, os primeiros esboços doutri-
instituições da sociedade civil organizada, nários começam a surgir acerca da função e
etc.) para realizar um controle essencialmen- importância do controle judicial da atuação
te finalístico; do Executivo expressa pela adoção de polí-
4.3. a falta de cultura cívica e educação ticas públicas.
democrática dificulta, ou mesmo inviabili- Em obra que se pode considerar pionei-
za a devida e necessária participação po- ra, intitulada A judicialização da política e das
pular, de modo que a sociedade acaba não relações sociais no Brasil, de 1999, Luiz W.
exercendo nenhum controle, antes finda VIANNA analisa a questão expondo duas
perdendo maior parcela de liberdade, pois correntes contrapostas, que, em síntese, são:
não participa da formação da opinião polí- A primeira, que seria chamada a dos pro-
tica; cedimentalistas, representada nada mais
4.4. os partidos se enfraquecem e deixam nada menos que por Habermans e Garapon,
de representar a sociedade, porque esta não entende que o incremento do controle judi-
é capaz de os pressionar nesse sentido, pelo cial prejudica o exercício da cidadania ati-
que os mesmos passam a expressar os gru- va, pois envolve uma postura paternalista.
pos de interesse dominantes, que são capa- De tal sorte, favorece a desagregação social
zes de fazer pressão; e o individualismo, dado que o indivíduo,
4.5. a utilização de conceitos jurídicos enquanto simples sujeito de direitos, fica to-
indeterminados e de normas programáticas talmente dependente do Estado. Torna-se
não é tradicional em nossa cultura jurídica, um cidadão-cliente e o Judiciário o seu forne-
que oferece certa resistência. cedor de serviços. Portanto, não representa si-
Ante dificuldades de tal ordem, impres- tuação desejada, mas situação crítica, cor-
cindível se torna intensificar e ampliar as relata a uma crise institucional que precisa
instâncias de controle das políticas gover- ser superada.
namentais. Com isso, a função do controle Para os procedimentalistas, os cidadãos
exercido pelo Judiciário torna-se mais ex- deixam de ser autores e tornam-se meros
pressiva, num sentido crescente de quanti- destinatários do direito. Isso porque, para
dade e qualidade desse controle. Por outro que sejam autores, não é necessária a medi-
lado, as pressões favoráveis e contrárias ao ação do Judiciário, mas antes a “criação”
incremento desse controle passam a gerar ou conquista de canais comunicativos, que le-
argumentos prós e contras, mediante um dis- vem o poder democrático do centro para a
curso político-jurídico-ideológico que come- periferia. Para os mesmos, dado que a lei
ça a se definir. não é a vontade direta do povo, este pre-
cisa ter meios de expressar sua própria
5. Correntes acerca da importância do vontade. Assim, a Constituição deve ape-
controle judicial das políticas públicas nas garantir a existência desses meios ou
procedimentos, para que os cidadãos cri-
As relações estabelecidas entre os Pode- em seu próprio direito. Os seus princípi-
res de Estado de um lado e as relações entre os não devem, portanto, expressar conteú-

Brasília a. 40 n. 158 abr./jun. 2003 271


do substantivo, mas somente instrumen- dania. De fato, vê-se que a lei não é criada
talizar os direitos de participação e co- por um processo substancialmente, mas
municação democrática. formalmente democrático. Entretanto,
Assim, o controle de constitucionalida- mesmo na democracia direta prevalecem
de seria necessário apenas nos casos que os interesses da maioria, em prejuízo das
tratarem do procedimento democrático e da minorias.
forma deliberativa da formação da vontade Assim sendo, não seria diferente, no sen-
política (democracia deliberativa). Isso porque tido de não ser preferível, a “criação” juris-
não caberia ao Judiciário dizer sobre o que prudencial do direito oriunda da interpre-
decidir (conteúdo), mas apenas como decidir tação constitucional, que a conformação das
(procedimento democrático), para que os políticas públicas a esse entendimento. Des-
cidadãos decidam como lhes convier. Seria tarte, a judicialização das políticas públicas
apenas o caso de garantir procedimentos encontra seu fundamento no primado da
para ampla deliberação democrática, sem supremacia da Constituição, tida como lei
exclusões. No entanto, isso demanda uma fundamental. Nessa ordem de idéias, o Judi-
prévia cultura política da liberdade a que alu- ciário não invade o âmbito do Executivo,
de Habermans, de base social estável, ca- apenas aplica a Constituição, esta sim su-
paz de produzir consenso democraticamen- perior a todos os Poderes Estatais, por se-
te, bem como a existência de partidos fortes rem poderes constituídos, ou seja, o Judiciá-
e livres das pressões econômicas , pautados rio apenas exerce sua função, aplica a nor-
em instituições firmes. ma (constitucional).
A segunda corrente, que também conta Essa supremacia se justifica pela neces-
com expoentes de prestígio como Capelletti sidade de preservar certos núcleos de direi-
e Dworkin, é a dos chamados substancialis- tos, como os Direitos Humanos, confiando
tas, que entendem que o Judiciário precisa sua guarda a instituições majoritárias (cor-
adquirir novo papel ante a função interven- tes constitucionais). Por isso é que o contro-
cionista do Estado* e passar a ser o intérpre- le judicial das políticas públicas faz mais
te do justo na prática social. Se as políticas sentido no âmbito constitucional. Pois as
ganharam mais relevância que a própria lei, normas e princípios constitucionais preva-
o Judiciário necessita constituir-se em po- lecem não somente sobre os Três Poderes,
der estratégico, capaz de assegurar que as mas sobre toda a sociedade, em certo senti-
políticas públicas garantam a democracia e do, sobre a própria vontade da maioria. Por
os direitos fundamentais e não interesses isso, o constrangimento que representa deve
hegemônicos específicos. ser o mínimo necessário para assegurar aque-
Nessa linha, caberia à Constituição a le ideal de justiça.
positivação do ideal de justiça mediante Logo, conceder ao Judiciário o poder de
leis básicas, mas incisivas, cuja implemen- decidir sobre esse ideal (esses direitos fun-
tação pelo Judiciário transformaria pro- damentais) não significa que os juízes re-
gressivamente a sociedade e as institui- presentem melhor os interesses dos cidadãos
ções, conduzindo à realização dos valo- que os parlamentares ou o Chefe do Execu-
res fundamentais e ao exercício da cida- tivo, que, aliás, são eleitos. Pois, os juízes
também podem ser tiranos e arbitrários tan-
* Aqui, utiliza-se a expressão intervencionista no to quanto os titulares de cargos eletivos.
sentido já visto, como sempre existente indepen- Destarte, o controle judicial das políticas
dentemente do modelo de Estado, seja de Bem- públicas representa apenas mais uma ins-
estar Social ou de cunho Neoliberal, pois a interven-
ção sempre existe e pode dar-se – de fato está se
tância de controle, o que significa mais con-
dando – neste “novo” modelo neoliberal com maior trole, qualitativa e quantitativamente, pois
intensidade ainda que no Welfare State. é um reforço apenas.

272 Revista de Informação Legislativa


6. Vantagens, desvantagens e funções formação gradual de uma cultura política,
do incremento do controle Judiciário pois auxilia na criação pelos cidadãos de
mediante a análise das políticas públicas consciência dos seus direitos em sentido
mais amplo, a começar pela consciência de
Para os substancialistas, esse controle seus papéis específicos no momento comuni-
auxilia na reconstrução do sistema de valo- cativo do processo, enquanto consumidor,
res democráticos, por ser mais um nível de contribuinte e outros. Segundo José Afonso
acesso às instâncias do poder, por intermé- da SILVA, a Constituição Federal de 1988,
dio do questionamento de decisões políti- pela peculiaridade histórica de sua forma-
cas pelo controle de constitucionalidade. ção, ficou distante do ideal de qualquer gru-
Abre, também, espaço ao pluralismo, medi- po nacional específico (2000). Teria, portan-
ante o amplo acesso ao Judiciário que existe to, refletido um mosaico de interesses e pre-
na medida em que nenhuma questão deixa ocupações, porque não resultou historica-
de ser apreciada, o que garante que grupos mente de um conjunto de valores compartilha-
marginais – sem expressão política – ques- dos por uma comunidade política, conforme um
tionem e influam sobre as decisões políti- amadurecimento democrático do povo. Mas
cas. Ademais, fomenta a democracia delibe- nem por isso pode ser tida como ilegítima,
rativa (de grupos) pelas ações coletivas. pois reflete valores socialmente desejáveis.
Como desvantagem costuma ser apon- Ademais, em um modelo assim de Cons-
tada a necessidade de cristalização de mui- tituição Aberta, para se usar a expressão de
tas metas sociais em leis, que “engessa” a Paulo Bonavides, favorece-se o construtivis-
execução das políticas públicas, prejudican- mo jurídico, pelo que se obtém a desejada
do a flexibilidade necessária para a regula- interligação entre os Direitos Humanos e a
ção da dinâmica econômica, bem como cria democracia participativa. Tal porque a par-
mais um entrave burocrático, pelas muitas ticipação jurídico-política encontra no mo-
ações que ficam pendentes. Igualmente, diz- mento processual mais uma instância im-
se que a própria definição do ideal de justi- portante no cenário do Poder Estatal. Ao ir
ça e dos Direitos Humanos é mutável, pelo ao Judiciário em busca de seus direitos, o
que o controle judicial dificulta mais essas cidadão atua, exercita seu poder de iniciati-
mudanças de atualizações de valores. va, torna-se cidadão-ativo, não mero cidadão-
Entretanto, o controle judicial das ativi- cliente, porque provoca o exercício da juris-
dades dos outros Poderes é exercido pelo dição e sai da inação. Com isso, mesmo que
Judiciário, principalmente com base nos a Constituição não seja fruto da mais legíti-
princípios e normas da Constituição, que ma vontade popular, poderá vir a ser pela
são genéricos e muitas vezes utilizam con- atuação jurisdicional construtivista e as suas
ceitos juridicamente indeterminados. Por- normas terão mais chances de não ficar na
tanto, podem ser “atualizados” por simples mera função simbólica.
interpretação construtivista (criadora) do O exercício de ações coletivas e a atua-
juiz, não havendo perigo real de “engessa- ção dos Juizados Especiais são exemplos es-
mento” da Administração Pública. Por isso, pecíficos de momentos em que a jurisdição
é importante que não existam normas cons- favorece a aquisição da cidadania. Inquestio-
titucionais excessivamente específicas, pois navelmente, tais espaços ainda são muito tê-
não é a especificidade que garante a reali- nues, carentes de toda sorte de aparelhamen-
zação da finalidade legal, mas o tipo e a efi- to, assim como a própria estrutura do Poder
cácia do controle da execução da lei, seja Judiciário brasileiro, o que não anula os pe-
esta genérica ou específica. quenos ganhos que significam. Ao se conce-
Essa interpretação construtivista permite ber o Judiciário enquanto instância democrá-
que se preserve-mudando, pelo que favorece a tica, percebe-se que o locus de participação

Brasília a. 40 n. 158 abr./jun. 2003 273


popular desloca-se (ou amplia-se) para o Ju- cutivo, percebe-se a necessidade de utiliza-
diciário. Isso pressupõe, como base, a possi- ção de técnicas de “sopesamento” de valo-
bilidade de um controle abstrato de constitucio- res, interesses e direitos. Essas técnicas são
nalidade, no qual a supremacia é a da Consti- simultaneamente simples instrumentos e
tuição e não de um Poder Constituído como o opções valorativas, revelando o viés políti-
Judiciário. Daí não ser cabível falar-se, como co do direito, enquanto racionalidade acer-
já se tem feito, em “governo dos juízes”. ca do poder. O controle judicial das políti-
Em suma, a ampliação do poder de con- cas públicas nesse sentido é um típico caso
trole judicial das leis e, particularmente, da em que a regulamentação legal se defronta
Administração não tolhe a democracia par- diretamente com os meandros “irracionais”
ticipativa, antes lhe favorece, assim como a do poder político.
democracia representativa. Pois os partidos O direito não pode atuar nesses casos
minoritários, que não estejam em coalizão com o mesmo rigorismo técnico, julgando-
com o Executivo, podem utilizar o processo se neutro, é preciso buscar parâmetros mí-
judicial contra as instâncias do poder, isto nimos de ética e justiça. Por conta disso, o
é, contra os arbítrios do governante de plantão. controle legal encontra muitas dificulda-
Favorece, portanto, a conexão entre a demo- des, de ordem técnica, ideológica e valo-
cracia participativa e a representativa, o que rativa. Já observava Rui Barbosa, citado
é muito importante no Brasil, onde “as maio- por COMPARATO, que:
rias efetivas da população são reduzidas, por “O effeito da interferência da justi-
uma estranha alquimia eleitoral, em minori- ça, muitas vezes não consiste senão
as parlamentares” (VIANNA, 1999, p. 43). em transformar, pelo aspecto com que
Essas minorias parlamentares passam se apresenta o caso, uma questão polí-
a ter no Judiciário mais uma instância de tica em questão judicial. Mas a atribui-
atuação, com novas possibilidades de pres- ção de declarar inconstitucionaes os
são. Entretanto, a adoção de um modelo de actos da legislatura envolve, inevita-
Estado-juiz, na expressão acre de Cittadino, velmente, a justiça federal em questões
correlata a uma visão “romântica” do Juiz- políticas. É, indubitavelmente, um
Hércules, como gosta de se referir Canotilho, poder, até certa altura, exercido sob
é totalmente utópica. Pois a participação no as formas judiciaes” (1997, p. 20)
Judiciário é, em certa medida, dependente Diante disso, Comparato afirma: “Afas-
da mediação do direito e, em conseqüência temos, antes de mais nada, a clássica obje-
da positivação dos direitos, da existência ção de que o Judiciário não tem competên-
de cortes de justiça com feição política como cia, pelo princípio da separação de Pode-
as cortes constitucionais e do grau de cons- res, para julgar ‘questões políticas’” (p. 19).
ciência política dos magistrados. Contudo, No entanto, essa postura é rechaçada pela
todos esses óbices podem ser minimizados maior parte dos juristas pátrios, que só a
pelo contínuo exercício do controle judicial, admitem por via transversa, mediante um
pois este apresenta função pedagógica, que exercício argumentativo pelo qual as ques-
se aplica tanto aos cidadãos quanto aos tões “deixam de ser” políticas, passando a
magistrados. ser jurídicas. Por isso, o controle da Admi-
nistração Pública é apontado como restrito
7. Papel do Judiciário – dificuldades ao nível constitucional, e por isso os defen-
no exercício do controle sores de uma maior margem de liberdade
para o gestor público postulam a desconsti-
Ao se analisar as dificuldades do con- tucionalização de muitos assuntos como os
trole judicial dos atos dos outros poderes serviços públicos. Porém, como visto de iní-
do Estado, especialmente os do Poder Exe- cio, não é o locus da norma que facilita ou

274 Revista de Informação Legislativa


não o controle, mas os mecanismos de que o titucionalidade. No Brasil, confundem-se
sistema dispõe. Aliás, está demonstrado que com este, dado o caráter extremamente
finda como letra morta a constitucionaliza- abrangente da Constituição Federal, porém,
ção de muitos temas, pela inviabilidade do isso não significa que ao mesmo se limitem.
controle. Logo, é preciso perceber que existe uma hie-
Portanto, é preciso observar que o con- rarquia de valores que define o “peso” dos
trole das políticas públicas não pode ficar princípios em conflito, mesmo em nível in-
restrito ao Controle de Constitucionalida- fraconstitucional. Obviamente, se se tratar
de, sob pena de ser considerado inviável, de um valor constitucional em colisão com
ante certos mecanismos estrategicamente um infraconstitucional, aquele deverá pre-
pensados para minimizar esse controle, valecer, à semelhança do que ocorre no caso
como a Ação Declaratória de Constitucio- das normas.
nalidade. Ademais, não se pode restringir o Porém, tratando-se de princípios, mes-
controle de constitucionalidade ao controle mo essa regra não pode ser absoluta, pois
concentrado. Mesmo porque toda a estrutu- pode ser que o valor ou interesse protegido
ra do sistema legal pode ser tida como uma por normas infraconstitucionais prevaleça
concreção dos fins constitucionalmente pro- naquele caso concreto por diversas razões
postos. tópicas. Uma delas pode ser a de que, a pre-
Um segundo ponto, observado por Com- valecer o interesse constitucionalmente pro-
parato, é que o controle judicial da Admi- tegido, o outro seria aniquilado, ao passo
nistração Pública incide sobre atos e não que no caso inverso isso não se daria. As
sobre programas ou políticas, sendo, por- colisões de princípios são mais freqüentes e
tanto, um controle pontual não abrangente. diversificadas que se costuma considerar e
Logo, as políticas públicas, em seu conjun- podem chegar ao nível processual. Como
to, findam fora do controle, porque expres- exemplo, toma-se o caso dos prefeitos cujas
sam a idéia de metas coletivas e de ativida- regras de aposentadoria não foram recepci-
de, de modo que não se resumem a normas onadas pela Constituição, mas que ganha-
ou atos, pois representam o conjunto des- ram o direito a tal aposentadoria em Juízo,
tes, que é unificado pela sua finalidade. estando sob o manto da coisa julgada. En-
Comparato assim leciona: tão, seria o caso de se dizer que é imperioso
“A primeira distinção a ser feita, respeitar a coisa julgada, instituto protegi-
no que diz respeito à política como do pela própria constituição, mesmo que
programa de ação, é de ordem negati- com isso se estabeleça uma situação contrá-
va. Ela não é uma norma nem um ato, ria à própria Constituição. Esse é um caso
ou seja, ela não se distingue nitida- de aplicação do princípio da proporciona-
mente dos atos da realidade jurídica, lidade, pelo qual observa-se que houve me-
sobre os quais os juristas desenvolvem nor vantagem em se atender ao princípio da
a maior parte de suas reflexões desde coisa julgada que em desconsiderá-lo.
os primórdios da iurisprudentia roma- A princípio, qualquer decisão seria acei-
na. Este ponto inicial é de suma im- tável ou recusável, posto que se trata de dois
portância para os desenvolvimentos valores constitucionais. Entretanto, impor-
a serem feitos a seguir, pois tradicio- ta reconhecer que as técnicas de racionali-
nalmente o juízo de constitucionali- zação da decisão jurídica nem sempre po-
dade tem por objeto, como sabido, ape- dem obedecer a um rigor lógico-formal, mas
nas normas e atos” (1997, p. 18). podem atender a uma demanda de raciona-
Entretanto, como visto, as finalidades le- lidade tópica. Desta feita, pode-se fazer uma
gais que orientam o controle judicial fina- distinção entre as soluções possíveis juridi-
lístico não se resumem ao controle de cons- camente, conferindo maior peso a uma, como

Brasília a. 40 n. 158 abr./jun. 2003 275


determina a aplicação do princípio da pro- de sempre se dá in concreto, o que não atinge
porcionalidade. A maior desvantagem é a agilidade e mobilidade, necessárias à efi-
observada não apenas do ponto de vista ló- ciência da gestão pública, afastando o peri-
gico, mas finalístico. go tão supervalorizado do “engessamento”
Um outro óbice procedimental é que os da Administração Pública. Dessa forma, o
atos e normas tomados isoladamente são he- controle judicial deixa de significar uma
terogêneos e possuem um regime jurídico ampliação no Juízo de Oportunidade e Con-
próprio. Ou seja, sua validade é analisada veniência da Administração, ou seja, não
separadamente da atividade global, ou seja, significa uma “invasão de competência”,
das políticas públicas nas quais se inserem. pois não se concebem as questões meramen-
Desse modo, uma norma ou ato pode ser te como “questões políticas” ou “mérito ad-
inválido, sem que a política pública na qual ministrativo”, cuja análise deve escapar ao
se insere o seja e vice-versa. Nesses casos, Poder Judiciário.
novamente pela aplicação do princípio da A resistência dos Poderes do Estado em
proporcionalidade, na análise dos atos a submeter as políticas públicas ao controle
estes poderia ser conferido um peso dife- judicial mais rígido está em que tal deman-
renciado, considerando-se sua relação da uma atuação política do Judiciário, no sen-
dentro da política pública no qual se en- tido de que deverá questionar as opções do Ad-
cerra. Com isso, o controle seria amplia- ministrador. Notadamente, atos como decla-
do pela estipulação de uma “sintonia ração de guerra, licença para parlamentar
fina” para a análise dos atos, de acordo ser processado e outros manifestam feição
com uma análise prévia da política pú- meramente política. Mas sob o rótulo de ques-
blica, seria o caso de esta estar inclusa na tões meramente políticas não podem-se escon-
pré-compreensão do julgador. der questões que afetam de forma direta e
Uma outra questão seria o fato de que a rotineira o exercício dos direitos dos cida-
Constituição Dirigente, correlata ao Estado dãos, como é o caso dos programas econô-
Intervencionista, contém objetivos que são micos e seus efeitos. Tanto que os mesmos
impostos por meio de normas programáti- estão sendo sempre questionados, sendo as
cas, pelo que estas precisam ser tomadas perdas salariais, em geral, reconhecidas.
como vinculantes para o Estado e para toda O incremento do controle judicial da ati-
a sociedade, incluindo os detentores do po- vidade administrativa não significa mera
der econômico. Para tanto, trabalha-se com substituição do arbítrio do Executivo pelo
a noção de conceitos juridicamente indetermi- arbítrio do Judiciário, pois a mediação da
nados, que, ao lado do princípio da propor- norma e dos princípios jurídicos minimiza
cionalidade, representa mais uma técnica o subjetivismo. Os atos em si considerados
de racionalização da decisão judicial. A pró- e as políticas nas quais se inserem devem
pria análise desses tipos de conceitos jurí- ser confrontados com os objetivos constitu-
dicos implica um juízo de ponderação, ou cionais, bem como com as regras infracons-
seja, a ela também se aplicam os parâmetros titucionais que estruturam o desenvolvi-
do princípio da proporcionalidade. mento dessas políticas e atos (atividade).
Com isso, a generalidade das normas O Controle de Constitucionalidade no
pode ser tida como não redutora de sua fun- Brasil é bem amplo, pois envolve tanto a ma-
ção diretiva ou vinculante. Igualmente, o téria quanto os meios e instrumentos, a for-
“alargamento” da competência normativa do go- ma e competência e, ainda, a omissão. Seus
verno (medidas provisórias, especialmente) efeitos são desconstitutivos, pois resulta na
pode ser mais estreitamente controlado, sem- invalidade do ato (efeito ex nunc). Há mui-
pre do ponto de vista concreto, pois a análi- tas falhas, como a própria utilização “má
se tópica de prudência ou proporcionalida- intencionada” da Ação Declaratória de

276 Revista de Informação Legislativa


Constitucionalidade, mas, independente- trole, judicial e social, das políticas econô-
mente de uma reforma constitucional, apre- micas, das quais vale ressaltar as formula-
senta muitas possibilidades, que deixam de das por Fernando Facury SCAFF, em breve,
ser empregadas por receio de o Judiciário mas significativo ensaio, em que sugere a
assumir seu papel de agente político ao lado criação de agências reguladoras específicas
dos outros poderes. Poderiam ser mais uti- para setores da economia, com possibilida-
lizados os instrumentos mandamentais e de de de participação popular, participação de
injunção, bem como a tutela preventiva da professores universitários. Além disso, su-
legalidade (constitucionalidade). gere, ainda, possíveis alterações na compo-
Com isso, a intervenção sobre o domínio sição dos Tribunais de Contas, podendo-se
econômico prepondera, em especial, mas pensar em inclusão de representantes da so-
também a atuação no domínio econômico ciedade e na idéia de exercício de mandato
do Estado seria passível de um controle mais ao invés de vitaliciedade no cargo, entre
eficiente, que não fosse meramente formal, outras como a criação de ouvidorias e con-
como muitas vezes é o exercido pelo Legis- selhos consultivos específicos (2000).
lativo com auxílio dos Tribunais de Contas. Demais disso, há a noção de orçamento
Questões como a guerra fiscal, o tratamento vinculante, pelo que se tentaria reduzir as
da dívida pública, a função meramente for- divergências entre o aprovado em lei e o exe-
mal das leis orçamentárias, entre outras, cutado, pela utilização de linguagem mais
poderiam ser redimensionadas com vistas precisa nas leis orçamentárias e da idéia de
a atender interesses sociais reais. Tal por- obrigatoriedade na realização das despesas
que o governo deixaria de não ser responsa- programadas, com uma margem de mobi-
bilizado pelas distorções praticadas por lidade de recursos dentro do estritamente
meio de políticas econômicas descompro- necessário. Aperfeiçoar o controle a poste-
missadas com o social, como as que aten- riori nos casos de Responsabilidade do
dem aos interesses bancários (operações de Estado por medidas de política econômi-
socorro aos Bancos), em detrimento de áre- ca também é um caminho sugerido para
as fundamentais como educação e saúde. que, pela efetivação de um controle – so-
A intervenção econômica não só perma- cial e, especialmente, judicial –, seja im-
nece, como vem sendo incrementada, ao que plementado neste país um modelo de de-
precisa se seguir um incremento de instru- senvolvimento econômico com efetivo
mentos de controle. Isso porém não deman- progresso financeiro e social, capaz de
da reforma legal para se implementar, pois reduzir o grau de marginalidade e exclu-
mecanismos normativos já existem, é o exem- são social. Nesse sentido, o instrumental
plo das leis orçamentárias, que precisam ser jurídico não seria considerado como a mola
tratadas como leis, como norma legal vin- mestra desse processo evolutivo, mas como
culante. Se esses mecanismos já existentes um significativo instrumento de realização
fossem implementados, muitas distorções de ideais democráticos.
praticadas continuamente seriam evitadas.
Isso não significa que as propostas de mu-
dança devam ser rechaças, pelo contrário,
Bibliografia
importa na necessidade de combinar o es-
forço para a adoção de mudanças positivas
BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e
com a efetiva utilização dos mecanismos le- direito administrativo. Revista de Informação Legisla-
gais já disponíveis, maximizando as possi- tiva, Brasília, ano, 34, n. 133, p. 89-98. jan/mar.
bilidades que estes representam. 1997.
Aliás, vale ressaltar a vasta gama de pro- COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo
postas positivas para incremento do con- de constitucionalidade das políticas públicas. Re-

Brasília a. 40 n. 158 abr./jun. 2003 277


vista dos Tribunais, São Paulo, ano 86, v. 737, p. 11- PETREI, Humberto. Presupuesto y control: pautas
22. mar. 1997. de reforma para a América Latina. Washinton: BI
D, 1997. p. 373-450.
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo
do direito. São Paulo: Atlas, 1994. PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da propor-
cionalidade e o Direito tributário. São Paulo: Dialéti-
______. A ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1991. ca, 2000.
GARCIA, Márcia. Políticas públicas e atividade ad- SCAFF, Fernando Facury. Controle público e social
ministrativa do Estado. Cadernos de Direito Constitu- da atividade econômica. In: Presente e futuro das
cional e Ciência Política, São Paulo, RT, n. 15, [19- -?]. relações de trabalho. FRANCO FILHO (Coord.),
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Consti- Georgenor de Sousa. São Paulo: LTR, 2000.
tuição de 1988. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. ______. Responsabilidade do Estado Intervencionista.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de São Paulo: Saraiva, 1990.
direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malhei- SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucio-
ros, 1996. nal positivo. São Paulo: Malheiros, 2000.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Desconsti- VIANNA, Luiz Verneck, et al. A judicialização da
tucionalização. Cadernos de Direito Tributário e Fi- política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro:
nanças Públicas, São Paulo, RT, n. 15, [19- -?] Revan, 1999. p. 15-70.

278 Revista de Informação Legislativa

Você também pode gostar