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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

YAGO MARINHO GUEDELHA

O PROCEDIMENTO BRASILEIRO DO JÚRI: UMA PROPOSTA DE


APRIMORAMENTO DA INSTITUIÇÃO.

NATAL/RN

2022

YAGO MARINHO GUEDELHA

1
O PROCEDIMENTO BRASILEIRO DO JÚRI: UMA PROPOSTA DE
APRIMORAMENTO DA INSTITUIÇÃO.

Monografia apresentada ao curso de graduação


em Direito, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Paulo Roberto Dantas de Souza


Leão

NATAL/RN

2022

2
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço ao meu Criador, Redentor e Salvador Jesus Cristo, o


filho de Deus, o qual cuidou de mim ao longo desses anos e me fez perseverar na fé, diante de
tantas doutrinas encontradas na universidade contrárias a Bíblia.
Em segundo lugar agradeço a minha família que possibilitou um ambiente favorável
aos estudos com toda a estrutura necessária para alcançar o feito de ser um aluno de uma
Universidade Federal. Nesse momento, desejo agradecer em especial ao meu avô Emanuel
Marinho de Oliveira que, desde a minha infância, nunca poupou esforços para me possibilitar
uma boa educação, assim como, minha avó Dulcineia Maria de Oliveira que sempre foi uma
coluna de oração da família e, com seus ouvidos atentos, me escutou nas horas mais difíceis
dessa jornada de graduação. Digna de nota também é a presença do meu tio João Marinho de
Carvalho Neto com todas as lições e incentivos nas horas devidas.
Não posso deixar passar a oportunidade de agradecer aos meus mestres no direito
que se tornaram amigos, a saber, Tiago Neves Câmara e Dreyton Batista de Menezes que
conheci durante o estágio no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte/RN. O meu desejo é
chegar não aos títulos na área profissional que esses têm, mas ao conhecimento e humildade
que permaneceram em suas pessoas, algo tão raro infelizmente em nosso meio jurídico
brasileiro. Ademais, estendo meus agradecimentos aos meus fieis amigos Esdras Simões e
Yuri de Carvalho, os quais estão na minha vida desde a preparação para o ENEM, sendo eles
os amigos que estiveram de perto em todo o processo até aqui.
Por último, desejo agradecer à Jordana M. Alves de Oliveira por todo o apoio,
suporte e auxílio ao meu lado, demonstrando o que significa amor e paciência, especialmente
durante a produção deste trabalho de conclusão de curso.

3
Deus, o Senhor Supremo e Rei de todo o mundo, para a sua glória e
para o bem público, constituiu sobre o povo magistrados civis que lhe
são sujeitos, e a este fim, os armou com o poder da espada para defesa
e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores (Capítulo XXII, da
Confissão de Fé de Westminster 1643-1946).

4
RESUMO

A presente monografia se propõe a prestar uma visão crítica ao procedimento dos crimes
dolosos contra a vida, fundamental para compreensão e oferecimento de propostas de
aprimoramento do instituto, tendo como objetivo concretizar o processo como instrumento
célere, mas, principalmente, racional, a fim de proporcionar ao júri todas as condições para
que possa desempenhar sua função. Inicialmente há uma abordagem histórica do Tribunal do
Júri desde as suas remotas origens ao redor do mundo até sua chegada ao Brasil, sendo
realizada uma análise sistemática das legislações pertinentes ao tema ao longo da história
jurídico brasileiro e as reformas operadas no instituto. A fim de fundamentar as propostas de
aprimoramento, também será observada a atual dinâmica procedimental do júri prevista dos
artigos 406 a 497 – todos do Código de Processo Penal. Nesse momento será apreciada a
regra probatória no juízo de admissibilidade da pronúncia, e, as discussões da aplicação do
princípio do in dubio pro reo e o brocardo in dubio pro societate. Além disso, o presente
estudo examinará como as provas são produzidas em fase preliminar para então serem
expostas diante do conselho de sentença. Finalmente, o trabalho aponta críticas e sugestões de
reforma para uma instituição de julgamento popular adequada especialmente no que tange há
presença de um único de juízo de admissibilidade da acusação, e, por conseguinte, a supressão
da fase de instrução preliminar, visando que as provas sejam produzidas diante do verdadeiro
juiz natural da causa, a saber, o conselho de sentença. Ademais, além das propostas
anteriormente apresentadas com os seus respectivos argumentos justificadores, outras duas
propostas serão apontadas para o avanço procedimental da instituição sob uma adequada ótica
constitucional do processual penal.

Palavras Chaves: Direito Constitucional. Processo Penal. Tribunal do Júri. Abordagem crítica do
rito. Valoração da Prova pelos jurados. Modernização. Júri à luz da Constituição.

5
ABSTRACT

This monograph proposes to provide a critical view of the procedure of intentional crimes
against life, fundamental for understanding and offering proposals for the improvement of the
institute, with the objective of realizing the process as a quick instrument, but, mainly,
rational, in order to provide the jury with all the conditions for it to carry out its function.
Initially, there is a historical approach to the Jury Court since its remote origins around the
world until its arrival in Brazil, with a systematic analysis of the legislation pertinent to the
subject throughout Brazilian legal history and the reforms operated in the institute. In order to
substantiate the proposals for improvement, the current procedural dynamics of the jury
provided for in articles 406 to 497, all of the Code of Criminal Procedure, will also be
observed. At that moment, the probationary rule will be assessed in the admissibility
judgment of the indictment, and, the discussions of the application of the principle of in dubio
pro reo and the admonition in dubio pro societate. In addition, the present study will examine
how evidence is produced in the preliminary stage and then presented before the sentencing
council. Finally, the work points out criticisms and suggestions for reform for an institution of
adequate popular judgment, especially with regard to the presence of a single admissibility
judgment of the accusation, and, therefore, the suppression of the preliminary instruction
phase, aiming that the evidence be produced before the true natural judge of the cause,
namely, the sentencing council. Furthermore, in addition to the proposals previously
presented with their respective justifying arguments, two other proposals will point out the
procedural progress of the institution under an adequate constitutional perspective of the
criminal procedure.

Keywords: Constitutional Law. Criminal proceedings. Jury court. Critical approach to the rite.
Evaluation of the Evidence by the judges. Modernization. Jury in the light of the Constitution.

6
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 8

2 2. A ORIGEM DO JÚRI E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL 11


2.1 A origem do Júri no Direito Estrangeiro 11
2.2 A instauração do Júri no Brasil 12
2.3 O Júri após a Constituição de 1988 15
2.4 A reforma tópica do Código de Processo Penal de 2008 17

3. PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI 22


3.1 Primeira fase: Judicium Accusationis 23
3.2 A regra probatória na pronúncia 24
3.3 Segunda Fase: Da preparação do julgamento e o Judicum Causae 30
3.4 A valoração da prova e a decisão dos jurados 33

4. UMA PROPOSTA DE APRIMORAMENTO DO JÚRI 38


4.1 A pronúncia como único juízo de admissibilidade da acusação 39
4.2 A prova produzida numa única fase instrução diante do juiz natural da causa 44
4.3. Apresentação de um questionário aos jurados como mecanismo de controle da
racionalidade das decisões dos jurados. 48

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 53

6. REFERÊNCIAS 56

7
1. INTRODUÇÃO
O processo penal brasileiro já foi objeto de inúmeros anteprojetos de lei visando à
sua reforma, mas nenhum deles, efetivamente, saiu do papel, pois há certa resistência do
legislador em mudar o Código durante a democracia e, quando o faz, é para pior. A reforma
processual penal não pode ser pontual, parcial, como sói acontecer, mas sim geral, a fim de
que se possa ter uma perfeita harmonia do sistema.
Diante disso, uma das mais famosas reformas ocorridas no processo penal brasileiro
foi operada por meio da Lei nº 11.689/2008, na qual não fez uma reforma total do processo
penal, mas sim parcial, em especial do procedimento do Tribunal do Júri. É notório que a
Reforma Tópica processual de 2008 não foi capaz de solucionar profundos entraves que
permeiam a instituição, os quais a fazem caminhar muito mais próxima do sistema
inquisitorial, autoritário e ditatorial da legislação Varguista de 1941 do que da acepção
democrática da Constituição de 1988, que restaurou o Estado Democrático de Direito no país.
Malgrado as inúmeras problemáticas relevantes relativas ao júri, o presente trabalho
fruto de um despertar crítico a respeito do instituto que em muito contribuiu para esse
pesquisador escolher o curso de Direito em sua juventude, se propõe a analisar alguns da
instituição de modo mais aprofundado. Assim, será compreendida a dinâmica bifásica do
procedimento, desde a atual fase de instrução preliminar, perpassando pelo juízo de
admissibilidade da acusação e os fundamentos decisórios utilizados na pronúncia até a
instrução em plenário, diante dos jurados, os quais decidem qual o fim o acusado terá diante
da acusação lhe feita.
Diante disso, questiona-se: O atual procedimento do Júri está em consonância com os
princípios da identidade física do juiz, celeridade e econômica processual? Há presunção de
inocência no juízo da admissibilidade da acusação no procedimento do júri? O grosso da
prova é apresentado com a melhor qualidade possível diante dos jurados possibilitando a
valoração adequada para uma decisão condenatória ou absolvitória? Há possibilidade de
averiguar algum grau de racionalidade nas decisões dos jurados, isto é, as partes têm
assegurado o duplo grau de jurisdição realmente? Para responder às interrogações levantadas,
é necessária a análise do corte temático sob o aspecto histórico do Tribunal do Júri, sob a
ótica constitucional e processual penal.
A partir dessa problemática existente diariamente no sistema de justiça brasileiro,
justifica-se a presente pesquisa em ultimar-se uma verdadeira modificação do júri à luz da
Constituição dirigente, sob a perspectiva do sistema acusatório e dos direitos humanos, pois

8
quanto mais o modelo de Estado preserva a liberdade e garantia dos direitos humanos, maior
importância tem o Tribunal do Júri.
Nesse propósito, o segundo capítulo trata da origem e evolução histórica do Tribunal
do júri. Nesse sentido, são abordados inúmeros entendimentos doutrinários a respeito das
gênesis do júri, no direito estrangeiro, e, por conseguinte, a influência e implementação na
legislação brasileira. No mesmo capítulo ainda é abordado o desenvolvimento da instituição
no Brasil, desde a época do império, constando a previsão legal e as mudanças ocorridas ao
longo dos anos, no juízo de admissibilidade da acusação, a competência para o processo e
julgamento, o número de jurados e a decisão final do conselho de sentença. Por fim, é
observado o júri como direito fundamental do acusado, os princípios previstos na
Constituição e a reforma tópica que a Lei nº 11.689/2008 operou no procedimento.
No capítulo 3 é realizada uma exposição da atual dinâmica do procedimento,
analisando o rito bifásico e suas etapas bem distintas, a saber, o judicium accusationis e o
judicium causae. De forma mais específica é vista com um olhar crítico a morosidade do
processo devido principalmente à instrução preliminar. Além disso, é averiguada a regra
probatória presente no momento da pronúncia do réu, sob uma perspectiva constitucional,
tendo o enfoque na discussão doutrinária da aplicação do in dubio pro reo e in dubio pro
societate. Finaliza o capítulo é abordando o processo de valoração e produção da prova, e,
como o sistema é tendente ao esvaziamento da instrução em plenário, sendo relegado aos
jurados a simples retórica das partes, na qual orienta o veredicto dos jurados ao invés das
provas.
No capítulo 4 é enfrentada a problemática da necessária reforma no júri com o
oferecimento de três sugestões em busca do aprimoramento da instituição. A primeira
relacionada à pronúncia como único juízo de admissibilidade da acusação, baseada no
princípio da celeridade e fim das longas e infrutíferas discussões a respeito das decisões de
pronúncia e impronúncia em que se tentou demonstrar que a partir de um único momento de
decisão a respeito da admissibilidade da denúncia, a inconstitucional decisão de impronúncia
deixaria de existir, dando lugar a absolvição sumária e aplicação a presunção de inocência.
Ainda no último capítulo como sugestão de aprimoramento foram apresentados
argumentos em prol da prova ser produzida numa única fase de instrução diante do júri, o
verdadeiro juiz da causa. Sendo considerado para tal a garantia fundamental de ser julgado a
partir da prova judicializada e os princípios da identidade física do juiz, da oralidade, da
simplificação, e, por fim, da concentração dos atos da instrução.

9
Ao final do capítulo é oferecida a última sugestão consignada na apresentação de um
questionário aos jurados como mecanismo de controle da racionalidade das decisões dos
jurados, de modo, a suprir, a falta de fundamentação expressa que impõe a Constituição
Federal.
A monografia encerra com as considerações finais sendo apresentado um resumo do
exposto ao longo do trabalho, com uma síntese das propostas sugeridas e a reflexão que se faz
necessária a partir da presente pesquisa. Assim, embora algumas das ideias possam parecer
utópicas, é visto como não há lugar para se conformar com o atual procedimento, desse modo,
toda busca deve ser orientada a atribuir uma responsabilidade ao próprio sistema processual
no sentido de zelar pelo acerto dos veredictos.
O estudo empregou a metodologia da pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e
documental acerca do Tribunal do Júri. Destarte, o trabalho foi estruturado com base na
análise de livros, revistas acadêmicas, artigos, teses e dissertações de autores nacionais e
estrangeiros, além de ter explorado documentos legais que tratam da matéria, como
constituições, leis, tratados e julgados do direito brasileiro.

10
2. A ORIGEM DO JÚRI E A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO BRASIL

2.1 A origem do Júri no Direito Estrangeiro


A origem do Tribunal do Júri é bastante discutida entre os doutrinadores. Não se
pode falar que é incerta, sendo mais correto apontá-la como controversa, levando cada
doutrinador a defender determinada civilização como a precursora do mesmo. A corrente
majoritária entende que o instituto teria se originado no direito inglês. Contudo, há quem
entenda que já existiam no mundo outros tribunais com as suas características, como se verá a
seguir.
O Tribunal do Júri, tal qual é entendido atualmente, origina-se como dito
anteriormente, no direito inglês, mais especificamente, na Magna Carta da Inglaterra, de
12151. Sabe-se, contudo, que o mundo já conhecia o Júri antes disso. Na Palestina, havia o
Tribunal dos Vinte e Três nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais
cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena
de morte. Os membros eram escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de famílias
de Israel2. Em Roma, no período evolutivo do sistema acusatório do processo penal, foi
instituída a quaestio, que era um órgão colegiado constituído por cidadãos, representantes do
populus romano. Algumas características do julgamento perante a questão seriam próximas ao
do que temos hoje no Brasil, razão pela qual a origem do Tribunal do Júri pode ser
considerada como sendo romana.3
Entretanto, seguindo a doutrina majoritária, é na Inglaterra que primeiramente o Júri
encontra o seu apogeu e, posteriormente, nos Estados Unidos, onde o Júri foi utilizado para os
mais diversos tipos de julgamentos, tanto criminais como cíveis. Apesar de poderem ser
considerados, ambos os países, como os nascedouros da instituição do Júri, o tribunal seguiu
caminhos distintos no sistema inglês e no sistema americano. Atualmente o Júri, na Inglaterra,
não conta mais com o poder e com o prestígio de outras épocas, como se constata, segundo
Marcela Mascarenhas, que menos de cinco por cento dos julgamentos são realizados pelo

1
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2018, Pág. 55.
2
NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6ºed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Pág.
41-42
3
VIEIRA, Paulo Victor de Oliveira. A possibilidade de renúncia ao julgamento pelo Tribunal do Júri.
JusNavigandi, 2019. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24474/a-possibilidade-de-renuncia-aojulgamento-
pelo-tribunal-do-juri-no-brasil> Acesso em 21 out. 2022.

11
Tribunal popular.4 Em outra direção, nos Estados Unidos o Júri tem grande importância até os
dias de hoje, competindo-lhe decidir sobre a maioria dos casos em matéria criminal5.
Após a adoção da instituição do Júri pela Inglaterra, depois da Revolução Francesa,
de 1789, tendo por finalidade o combate às ideias e métodos esposados pelos magistrados do
regime monárquico, estabeleceu-se o Júri na França e de lá se espalhou para os demais países
da Europa como ideal de liberdade e democracia.6 A criação do Tribunal do Júri francês se
deu através do Decreto de 30 de abril de 1790, sendo posteriormente consolidada na própria
Constituição Francesa 1791.
A obra de obra de Montesquieu (L’espirit des Lois) influenciou tal processo. Já no
começo do século XIX, com a reforma dos códigos ordenada por Napoleão Bonaparte,
significativas alterações restaram introduzidas na sistemática do tribunal popular francês.7
Da França, o Júri popular espalhou-se por quase toda a Europa, constituindo fonte de grande
influência ao Júri brasileiro, quando da entrada dos ideais políticos-burgueses do século XVIII
no território nacional8.

2.2 A instauração do Júri no Brasil


O tribunal do júri foi instituído no Brasil pela Lei de 18 de julho de 1822, com
competência para julgar exclusivamente crimes de imprensa. O júri nasceu, portanto, antes da
independência do Brasil (7 de setembro de 1822) e da primeira Constituição brasileira (25 de
março de 1824)9.
O contexto histórico da época ajuda a entender a sistemática inicial do júri em nosso
país. O Brasil ainda se encontrava sob domínio português e sob influência da Inglaterra, a
qual não queria a independência política do Brasil, pois se tinha como aliado Portugal e o
Brasil colônia deste – logo os seus tentáculos se estendiam às terras brasileiras. Diante disso,

4
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 266.
5
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 23 ed: São Paulo: Saraiva, 2016, Pág. 681.
6
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2. Ed. São Paulo: Ed: Revista
dos Tribunais, 2006, Pág. 687.
7
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2018, Pág. 45
8
FRANCO, Ary Azevedo. O júri e a Constituição Federal de 1946. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956.
Pág. 20
9
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 394.

12
ao fim de três anos de negociações, o Brasil declarou sua independência tendo sua legislação
influenciada pelos ingleses10.
A Constituição Imperial de 25 de março de 1824 definiu o júri como um dos ramos
do Poder Judiciário – e não como direito e garantia do acusado. Ainda, a aludida Constituição
estabeleceu que o poder judicial seria independente e composto por juízes e jurados, que
teriam lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os códigos
determinassem, e os jurados se pronunciariam sobre o fato, e os juízes aplicariam a lei.
Conforme ressalta Rangel, no júri do Império, haviam dois júris: O primeiro,
conhecido como o grande júri, com debates entre os jurados, se decidia a admissibilidade da
acusação contra o réu. E o segundo, denominado de pequeno júri, havia o julgamento
propriamente dito da causa.11 A estrutura inglesa se fazia presente, além de existir um juízo de
admissibilidade popular, havia a discussão da causa entre os jurados como forma de obtenção
do veredicto, mecanismo extremamente democrático que não se repetiu nas legislações
posteriores12.
Conforme ressalta Ary Azevedo, em 25 de Junho de 1825 teria ocorrido a primeira
sessão o para julgamento do crime de injúrias impressas13. Passado um tempo, em 03 de
dezembro de 1841, deu-se a promulgação da Lei nº 26114, e em 31 de janeiro de 1842, a fim
de reformar a organização estatal.
Também nasceu o Regulamento nº 120, que modificou consideravelmente o
procedimento do Tribunal do Júri, extinguindo o grande júri. Segundo Rangel 2018 “retirava-
se uma garantia fundamental do acusado: ter a pretensão acusatória apreciada pelos seus pares
e não por um juiz e/ou delegado de polícia”.
A reforma processual penal, como até os dias de hoje acontece, veio facilitando
decisões condenatórias, o Estado queria ter um maior poder em suas mãos, em especial no que
se referia ao júri15.

10
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2018. Pág. 68
11
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2018. Pág. 70
12
VIVEIROS, Mauro. Tribunal do júri na ordem constitucional brasileira: um órgão da cidadania. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. Pág. 17.
13
FRANCO, Ary Azevedo. O júri e a Constituição Federal de 1946. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956.
Pág. 5
14
BRASIL. Lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841. Reforma o Código de Processo Criminal. [Rio de Janeiro:
s.n., 11 dez.] 1841. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM261.htm>. Acesso em:
04 out. 2022.
15
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2018. Pág. 73

13
Proclamada a República em 15 de novembro de 1889, o Brasil se aproximava mais
dos Estados Unidos e se afastava da Inglaterra, esta, por sua vez, não via com bons olhos a
República. Diante disso, a primeira Constituição republicana, de 24 de fevereiro de 1891,
manteve a instituição do Júri, contudo, por influência americana retirou o júri de sua
disposição geográfica anterior e a inseriu dentre os direitos e as garantias individuais, como dá
conta Ricardo Vital de Almeida16.
Durante a República, o júri era uma instituição aberta, democrática, com postulados
liberais e garantidores da liberdade, pois veredicto condenatório somente por decisão com sete
votos ou mais17.
Contudo, a República entra em colapso e surge um conflito estrutural entre a classe
oligárquica, que pretendia conservar o monopólio do poder, e os grupos médios urbanos, que
aí desejavam chegar, tal conflito marcou a vida política do país durante o período que vai de
1890 a 193018.
Com a promulgação da Constituição de 1934, parece ter havido um retrocesso no que
diz respeito à consagração do Júri como garantia constitucional. Isso porque a nova
constituição, assim como estabelecia a Carta de 1824, voltou a inserir a instituição no
Capítulo destinado ao trato do Poder Judiciário. Apesar disso, ao se estabelecer sobre a
composição do Judiciário, não foi inserida a instituição popular como um de seus órgãos
componentes, de maneira a não se poder afirmar que o legislador a vislumbrou como órgão do
Poder Judiciário19.
Por sua vez, a Constituição do Estado Novo, de 1937, não estabelece disposição
alguma sobre a instituição do Júri. A carta Constitucional em nenhum dispositivo previu o
Tribunal do Júri demonstrando, desse modo, sua nítida feição autoritária20.
Após o término do Estado Novo, no contexto da redemocratização do país, a
Constituição de 1946 insere o Tribunal do júri no capítulo “Dos Direitos e garantias
Individuais”, preceituando no §28 do artigo 141 que: “É mantida a instituição do júri, com a

16
LMEIDA, Ricardo Vital de. O júri no Brasil: aspectos constitucionais, soberania e democracia social. São
Paulo: Edijur, 2005. Pág. 37
17
LMEIDA, Ricardo Vital de. O júri no Brasil: aspectos constitucionais, soberania e democracia
social. São Paulo: Edijur, 2005. Pág. 38.
18
FURTADO, Celso. Apud FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. 16. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1997. Pág. 9-10.
19
BRASIL, Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de
julho de 1934). [s.l.: s.n.], 16 jul. 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 01 out. 2022
20
BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de
1937). Rio de Janeiro: [s.n.], 10 nov. 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em: 04 out. 2022.

14
organização que lhe der a lei, contanto que seja ímpar o número de seus membros e garantido
o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos”.
A Carta de 1967, outorgada sob a égide do regime militar, manteve a instituição do
júri e a soberania dos seus veredictos para julgar os crimes dolosos contra a vida. A Emenda
Constitucional n.º 1, de 17 de outubro de 1969, deu nova redação à Constituição de 1967,
mantendo o júri com competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, mas
suprimindo a soberania dos seus veredictos.
Finalmente, após o término do período militar que perdurou de 1964 a 1985, o
constituinte de 1988 restaurou a democracia no Brasil, inserindo o Tribunal do júri no título
“Dos Direitos e garantias Fundamentais”, no art. 5º, inc. XXXVIII da CF, estabelecendo o
seguinte: “É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. O Tribunal do júri, na
ordem constitucional vigente, porquanto inserido no título de direitos e garantias
fundamentais, inscreve-se como cláusula pétrea, não podendo, portanto, ser abolido nem
mesmo por emenda constitucional.

2.3 O Júri após a Constituição de 1988


Como afirmado, no item anterior, a Constituição da República, de 1988, cuidou de
inscrever a instituição Tribunal do Júri no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
posicionando-a especificamente no Capítulo I, que cuida dos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos, conforme insculpido no artigo 5°, inciso XXXVIII. Desse modo, é cláusula
inafastável, dita pétrea, conforme imposto pelo art. 60, §4ª, inciso IV, da Lei Fundamental.
A justificativa para a colocação do Júri no art. 5º da Constituição Federal guarda
relação com a ideia de funcionar o Tribunal Leigo como uma garantia de defesa do cidadão
contra as arbitrariedades dos representantes do poder, ao permitir a ele ser julgado por seus
pares. Além disso, não se pode perder de vista o cunho democrático inerente ao Júri, que
funciona como importante instrumento de participação direta do povo na administração da
Justiça. Afinal, se o cidadão participa do Poder Legislativo e do Poder Executivo, escolhendo
seus representantes, a Constituição também haveria de assegurar mecanismo de participação
popular junto ao Poder Judiciário 21.

21
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 1875.

15
Deve-se entender, ademais, o Tribunal do Júri, na expressão de José Afonso da Silva,
como a garantia ou o direito instrumental, com incumbência de exercer a tutela de um direito
principal, a liberdade, mas também como direito social, entregue à própria comunidade para
julgar os infratores integrantes da mesma.
Ademais, a Constituição Federal consagrou os princípios da instituição do júri, nas
alíneas do dispositivo do artigo 5°, inciso XXXVII, a saber: a) a plenitude de defesa; b) o
sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida.
Em primeiro lugar, a plenitude de defesa, para Amauri Renó do Prado e José Carlos
Mascari Bonilha, ultrapassa os limites da ampla defesa, não se restringindo apenas aos
argumentos de cunho jurídico; mas, para além, contemplando fatos sociais e até mesmo
questões ligadas ao emocional22. Guilherme de Souza Nucci manifesta-se no sentido de que o
acusado deve, mais que defesa ampla, tê-la em sua plenitude, o que implica que poderão ser
argumentados em plenário, em seu favor, tudo quanto se entenda possível, seja de cunho
jurídico ou não 23.
Segundo, o sigilo de votação visa dar liberdade ao jurado de forma que ele não se sinta
pressionado a votar em determinado sentido. Desse modo, ninguém pode conhecer o sentido
do voto dos jurados, nem mesmo o juiz-presidente. Para Rangel, o sigilo visa evitar que se
exerça pressão sobre a votação dos jurados, seja com perseguições, ameaças, chantagens,
vantagens ou qualquer outro expediente que possa perturbar a livre manifestação do conselho
de sentença24. Atrelada ao sigilo das votações está a determinação de incomunicabilidade
entre os jurados. O objetivo, segundo Hermínio Marques Porto, é evitar a interferência de um
jurado na formação de convicção de outro25.
Terceiro, da soberania dos veredictos decorre a conclusão de que um tribunal formado
por juízes togados não pode modificar, no mérito, a decisão proferida pelo Conselho de
Sentença. Na medida em que representa a vontade popular, a decisão coletiva dos jurados é
soberana, logo, se fosse possível que um tribunal de juízes togados reexaminasse o mérito da
decisão proferida pelos jurados, haveria usurpação da Competência do tribunal do júri para o

22
PRADO, Amauri Renó do; BONILHA, José Carlos Mascari. Manual de processo penal:
conhecimento e execução penal. 2.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. Pág. 261.
23
127 NUCCI, Guilherme de Souza (Org.). Reformas do processo penal. 2.ed. Porto Alegre: Verbo
Jurídico, 2009. Pág. 24.
24
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo:
Atlas, 2018. Pág. 81
25
PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimentos e aspectos do julgamento e questionários. 10.
ed. São Paulo: Saraiva, 2001. Pág. 42.

16
julgamento de tais delitos26. Contudo, é importante salientar que é cabível apelação contra a
decisão do tribunal do júri, segundo o artigo 593, III, do CPP. Caso não houvesse previsão de
recurso contra a decisão do júri, certamente haveria problemas de violação ao princípio de
duplo grau de jurisdição.
Por fim, a partir da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Houve época, todavia, em que outros crimes, diversos dos dolosos contra a vida, eram
textualmente postos à apreciação do tribunal popular, a exemplo dos delitos de opinião ou de
imprensa, contudo, depreende-se da Constituição de 1988 que o tribunal do júri possui uma
competência mínima27, qual seja, a de processar e julgar os crimes dolosos contra a vida,
aí incluídos o homicídio (CP, art. 121), induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (CP, art.
122), infanticídio (CP, art. 123) e abortos (CP, arts. 124, 125 e 126).

2.4 A reforma tópica do Código de Processo Penal de 2008


Como visto, o Tribunal do Júri é clausula pétrea da Constituição, contudo, isso não
impossibilita sua restruturação. Na verdade, como visto, passou o Tribunal do Júri, no
decorrer dos anos e com as diversas Constituições, por diversas alterações.
É verdade que o Código de processo penal brasileiro de 1941 já foi objeto de
inúmeros anteprojetos de lei visando a sua reforma, porém nenhum deles saiu do papel,
atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 8.045/2010, originado do
Projeto de Lei n. 156/2009 do Senado Federal um projeto para criação de um novo código, o
qual se encontra parado desde 20 de abril de 2021, aguardando a Comissão Especial discutir e
votar o projeto e as emendas com os pareceres28.
É verdade também, como leciona Rangel, há certa resistência do legislador em
mudar o Código, durante a democracia e, quando o faz, é para pior. Afirma ainda que “não é
crível, mas é verdade: é mais fácil se elaborar uma Constituição do que um Código de
Processo Penal compatível com ela.” Realmente desde a promulgação do CPP de 1941 já
tivemos a Constituição de 1946, 1967 e a de 1988, mas o Código de Processo Penal é o
mesmo.
Contudo, o júri já sofreu reforma durante a Constituição ora em vigor, sendo a última
modificação importante na seara do júri realizada em 2008, com o advento da Lei 11.689/08,

26
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 1877.
27
LIMA, op. cit., Pág. 1881.
28
Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490263>.Acesso
em: 04 out. 2022

17
cujo escopo foi modernizar o Código de Processo penal, em especial o Tribunal Popular,
conferindo-lhe celeridade, simplicidade e agilidade.
Informa Guilherme de Souza Nucci que a partir da reforma, a primeira fase do júri
(artigos 406 a 421 do CPP), denominada de sumário de culpa, atualmente é feita de uma
maneira muito mais rápida que a anterior, atendendo-se o objetivo geral de modernização da
Administração Pública no que concerne ao Poder Judiciário 29. Ademais, a utilização do
princípio da oralidade contribuiu para a agilização procedimental. Em acréscimo, na fase de
preparação do julgamento para o plenário houve efetiva agilização na preparação do caso para
julgamento. As regras dos artigos 422 a 424 do CPP colaboraram para isto. Como exemplo,
pode-se citar a realização de prévio relatório pelo juiz (que deverá ser sucinto) previsto pelo
art. 423, inciso I do CPP30.
Ademais, o processor Walter Nunes, ao analisar a reforma tópica segunda fase do
procedimento, observa que foi retirada a exigência anterior, do acusado ser intimado
pessoalmente da decisão de pronúncia, se o crime for inafiançável. Ao apresentar a nova
sistemática da Lei nº 11.689, de 2008, afirma que a intimação da decisão de pronúncia só será
feita pessoalmente na hipótese de o acusado encontrar-se recolhido à prisão. Assim, segundo
o doutrinador evita-se a sensação de impunidades que era gerada pelos processos ficarem
paralisados, pelo fato de o acusado encontrar-se foragido, impossibilitando a intimação,
enquanto o prazo prescricional fluía normalmente31.
A atual legislação prevê que é direito do acusado ser intimado pessoalmente da
decisão de pronúncia, porém, se ele estiver solto, estando em lugar incerto ou não sabido ou,
por qualquer motivo, não sendo encontrado, a intimação deverá ser feita por edital (art. 420,
parágrafo único, do CPP).
Outra modificação operada está na própria prolação da pronúncia, a qual encerra a
primeira fase do processo da competência do tribunal do júri, passando-se para a seguinte.
Pela sistemática anterior, ultrapassada a fase de recurso da decisão de pronúncia, os autos
eram remetidos ao Ministério Público, a fim de que, no prazo de cinco dias, este apresentasse
o libelo. Esta peça contribuía para formação dos quesitos apresentados aos jurados ao final

29
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 11.ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012. Pág. 785.
30
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/21969/a-reforma-processual-penal-de-2008-e-a-modernizacao-da-
administracao-publica> . Acesso em: 04/10/2022.
31
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 405.
31
(SILVA JÚNIOR, op. cit., Pág. 346)

18
dos debates, contudo, a Lei nº 11.689, de 2008, suprimiu o libelo, pois o procedimento foi
simplificado, ficando quesitos ligados à materialidade do fato, à autoria ou participação, a se o
acusado deve ser condenado, se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa e se
existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia.
Ademais, lembra Walter Nunes que antes da reforma, se afirmava que a decisão de
pronúncia transitada em julgada32. Contudo, não se verá de modo mais aprofundada no
capítulo três deste presente trabalho, a decisão de pronúncia não é sentença, logo não há
formação de coisa julgada. Assim, atualmente a forma técnica está correta, pois, no art. 421,
caput, do CPP, está dito que, preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão conclusos ao
juiz, a fim de que sejam intimadas as partes para, no prazo de cinco dias, apresentar o rol de
testemunhas, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade própria, igualmente, para a juntada de
documentos e o requerimento de diligências (art. 422 do CPP)
A respeito das reformas durante os debates, o professor Walter Nunes lembra
importante lição a respeito do direito ao silêncio e não comparecimento do acusado na sessão.
Segundo a redação do artigo 478 do CPP, o Ministério Público sob pena de nulidade, não
pode fazer referência à circunstância de o acusado ter feito uso do silêncio como estratégia de
defesa ou da faculdade de não comparecer ao julgamento. Segundo o doutrinador supracitado,
tal previsão é para evitar que a recusa em prestar o interrogatório ou a ausência do acusado na
sessão do plenário seja explorada pelo Ministério Público, pois era muito comum utilizar tal
argumento para levar os jurados a condenar o réu33.
Por fim, um último ponto de mudança a ser destacado é o quesito genérico a ser
apresentados aos jurados, com a indagação: “O jurado absolve o acusado”. Comentando tal
sistemática, Walter Nunes (2012, pág. 397) diz:

“Veja que a indagação é um tanto quanto sugestiva e não pode ser feita com outro
teor. O juiz não pode, por exemplo, perguntar se “O jurado condena o acusado”.
Esse dispositivo deixa evidente que o júri pode absolver com suporte em juízo de
equidade. Ou seja, nada obstante o direito posto, mesmo existindo provas quanto à
materialidade e à autoria aptas a dar suporte à condenação, o conselho de sentença
pode, por clemência, absolver o acusado. Tenha-se em conta que a psicologia
forense explica que há uma maior tendência de a pessoa fazer a confirmação, diante
de uma pergunta que deve ser respondida singelamente com um sim ou um não”.

32
(SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. 409.
33
(SILVA JÚNIOR, op. cit., Pág. 415)

19
Observa-se que essa forma é mais favorável ao acusado, uma modificação
intimamente ligada ao princípio do in dubio pro reo, pois é conferido ao acusado maior
possibilidade de não ser condenado.
Em que pese à reforma buscar mais coerência com a Constituição de 1988,
permanece ainda a precariedade de um Código totalmente sem identidade, fincado em num
núcleo fundante inquisitorial, pois os jurados decidem sem qualquer motivação, de acordo
com a própria consciência e os ditames da justiça (art. 472 do CPP) baseados em sua intima
convicção, isto é, no livre convencimento imotivado.
Ademais, verifica-se no procedimento dos crimes dolosos contra a vida um
verdadeiro sistema trifásico no aspecto probatório, sem que o com produção do grosso da
prova seja produzido em plenário diante dos verdadeiros juízes da causa. Na lição de Walter
Nunes, diante do modelo atual, não alterado pela reforma tópica, os jurados continuam à
margem das provas coligidas durante a instrução processual sendo chamado, apenas, para o
julgamento, o que é sobremaneira prejudicial, pois não se lhe permite conhecimento mais
acurado acerca dos fatos sobre os quais haverá de decidir34.
Observa-se que os elementos de informação produzidos no Inquérito Policial são
tornados em provas no juízo de admissibilidade diante do juiz togado, e só então, serão
apresentados aos jurados em plenário. Na prática forense, o julgamento na maior parte dos
casos se resume a mera leitura de peças pela acusação e defesa35.
O desabafo de Frederico Marques (1963, pág. 7-8), ainda em 1963, se faz atual e
pertinente, ora se queixando não apenas das deficiências do modelo de júri, mas, sobretudo,
do caráter ultrapassado da legislação processual, como se lê a seguir:

Infelizmente, o processo penal no Brasil sempre foi ciência jurídica de poucos


cultores. Por essa razão, na mesma época em que o processo penal era
consubstanciado num estatuto obsoleto, antiquado, insuficiente e atrasadíssimo, [...],
mas isso não há de servir de pretexto para se acobertarem os erros clamoroso do
Júri. [...] Se pretendemos manter o tribunal popular, urge que o rermemos de fond
em comble. A Constituição precisa, neste passo, ser retocada para que se possibilite
ao legislador ordinário uma regulamentação mais racional da participação dos
jurados na justiça criminal36.

Chega-se assim ao final da breve análise histórica do Tribunal do Júri no Brasil. Mas
o fato de o Júri existir há muito tempo em nosso ordenamento jurídico não afasta a relevância

34
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.., Pág. 392)
35
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág. 848.
36
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, pág. 399.

20
do estudo, sendo, pois, equivocado o entendimento de que, por se prestar ao uso a que se
destina – o julgamento com participação popular -, a instituição, em virtude do cumprimento
de sua finalidade, não estaria a merecer escrupulosa investigação. Nesse sentido, para Aury
Lopes Junior (2017, pág.792):
Um dos graves problemas para a evolução de um determinado campo do saber é o
repouso dogmático. Quando não se estuda mais e não se questiona as “verdades
absolutas”. O Tribunal do Júri é um dos temas em que a doutrina nacional desfruta
um longo repouso dogmático, pois há anos ninguém (ousa) questiona(r) mais sua
necessidade e legitimidade.
O Tribunal do Júri é de suma importância no ordenamento jurídico brasileiro que não
é concebível que ainda se encontre nesse “repouso dogmático”. Dessa forma, todo o pensar
amadurecido sobre a corte popular, voltado à verificação da existência de alguma proposta de
alteração ou aperfeiçoamento do modelo existente, é tarefa que não pode evitar a realização
de um exame crítico do referido instituto, levando em consideração os argumentos trazidos
tanto pelos defensores como pelos críticos.

21
3. PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI

O desenho do procedimento do Tribunal do Júri encontra-se posto detalhadamente


nos artigos 406 a 497, todos do Código de Processo Penal, tendo tal rito sofrido diversas
alterações trazidas pela Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, com arrojadas pretensões de
modernização de sua estrutura e obtenção de celeridade nos julgamentos; embora, como será
exposto no próximo capítulo, outras providências se reclamem para que esse objetivo seja
verdadeiramente alcançado.
Assim é que em sua esteira reformuladora inovações dantes inconcebíveis foram
encetadas, mudanças essas que vão desde a alteração no número de jurados, passando pela
ordem de oitiva dos que depõem em plenário, à gravação das sessões, aos tempos de fala dos
debatedores, à formulação da quesitação e até mesmo à regulação do aparte, hoje não mais
deixado seu critério de concessão ao talante de uma das partes.
Tais alterações procedimentais já eram por demais cobradas e acumulavam-se
severas críticas acerca da morosidade com que se desenvolvia o procedimento do tribunal
popular. Norteadas, então, pelos princípios da celeridade e da economia processual, vieram as
novas regras a emprestar um rito mais rápido à técnica bifásica do Tribunal do Júri, agora
mais adaptado aos ditames constitucionais, mas, certamente, ainda carecendo de mais
arrojados avanços, que serão detalhadamente analisados no capítulo 4.
O rito estabelecido para os processos referentes ao Tribunal do Júri contempla,
mesmo após a reforma trazida pela lei nº 11.689/2008, 02 (duas) fases distintas, com limites
claramente definidos, de modo que somente após encerrada a primeira fase é possível
ingressar-se na segunda. É o que se convencionou chamar de rito escalonado ou bifásico,
visto que contempla 02 (duas) etapas bem distintas, sendo a primeira denominada judicium
accusationis e a segunda, judicium causae37. Nesse sentido, informa José Frederico Marques
que o ordenamento jurídico brasileiro, contemplando a duplicidade das fases procedimentais
sendo uns dos poucos que assim ainda procedem38.
Segundo Renato Brasileiro esse procedimento bifásico é decorrente da necessidade
de um juízo prévio de admissibilidade, posto que a segunda fase é marcada pela
imprevisibilidade da decisão do corpo de jurados39. Na fase do sumário da culpa, há apenas a
intervenção do juiz togado, aqui denominado de juiz sumariante. O iudicium accusationis é a

37
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2012. Pág. 711.
38
MARQUES, José Frederico. A instituição do júri. Campinas: Bookseller, 1997. Pág. 146.
39
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 1885

22
fase em que se reconhece ao Estado o direito de submeter o acusado a julgamento perante o
Tribunal do Júri.
É importante salientar que Guilherme de Souza Nucci opina no sentido da existência
de 03 (três) fases (sistema trifásico), ao argumento de que a Lei nº 11.689/2008 estabeleceu
no rito do Tribunal do Júri uma secção denominada preparação do processo para o julgamento
em plenário, o que viria a ser a segunda fase40. O presente trabalho científico centrar-se-á na
tese majoritariamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, de que o Tribunal do Júri
contempla, nos moldes atuais, um procedimento bifásico. O capítulo 4, contudo, cuidará de
desenvolver argumentos robustos no sentido de que devam as duas etapas ser aglutinadas em
apenas uma em busca de processo probatório racional. Diante disso, se faz necessário
observar o atual procedimento do instituto.

3.1 Primeira Fase: Judicium Accusationis


Essa primeira fase do rito escalonado em que se constitui o Tribunal do júri no Brasil
é conhecida, sobretudo, pelos doutrinadores mais antigos, como “sumário de culpa”,
“jurisdição instrutória” ou ainda “juízo de admissibilidade”, em que acusação levada a efeito
contra alguém tem sua admissibilidade avaliada, possuindo caráter de instrução preparatória
para a fase seguinte, se esta vier a ocorrer.
Hoje, mais apropriadamente, deve a primeira etapa ser chamada de “instrução
preliminar”, visto que essa é a redação utilizada pelo Código de Processo Penal, em seu Livro
II, Título I, Capítulo II, Seção I: “Da acusação e da instrução Preliminar”.
A primeira fase inicia-se com o recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz togado,
conforme dispõe o art. 406, do Código de Processo Penal. Referido ato judicial, como explica
Edilson Mougenot Bonfim, é apenas de admissibilidade da peça acusatória, o que deve
conduzir à dispensa de fundamentação, constituindo-se decisão interlocutória simples41. O
mesmo, porém, não se dá com relação à rejeição da denúncia ou queixa, nos moldes do art.
395, do CPP, que deve, sim, ser fundamentada. Isso porque põe termo à relação processual
existente, visto tratar-se de decisão terminativa42. Em justificativa à condição sobredita, o
doutrinador lembra que o Código de Processo Penal estabelece no art. 581, inciso I, a
existência de recurso contra a decisão de rejeição, o mesmo não fazendo com relação à
decisão de recebimento.

40
NUCCI, Guilherme de Souza (Org.). Reformas do processo penal. 2.ed. Porto Alegre: Verbo
Jurídico, 2009. Pág. 67-68
41
BONFIM, Edilson Mougenot. Júri: do inquérito ao plenário. São Paulo: Saraiva, 2012. Pág. 610
42
BONFIM, Edilson Mougenot. Júri: do inquérito ao plenário. São Paulo: Saraiva, 2012. Pág. 612.

23
Essa fase, portanto, abrange os atos realizados desde o oferecimento da peça
acusatória até a preclusão da decisão de pronúncia, que será objeto de estudo mais à frente,
ficando a segunda etapa, denominada judicium causae ou juízo de mérito, a abranger os atos
praticados após a preclusão da pronúncia, seguindo-se até a realização da sessão de
julgamento, com a prolação da sentença que deverá, ser resultado da decisão do conselho
julgador.
O juiz ao receber a denúncia ou a queixa, ordena a citação do acusado, o qual tem o
prazo de 10 dias para apresentar resposta a acusação por escrito. Nessa resposta, o acusado
pode arguir preliminares, oferecer documentos, de modo geral, pode alegar tudo que interesse
a sua defesa, tendo o máximo de 8 testemunhas a serem arroladas. A resposta à acusação é
obrigatória, e não sendo oferecida deverá o juiz nomear um defensor dativo para fazê-la, sob
pena de nulidade.
Recebida a defesa, o juiz abre vista dos autos ao Ministério Público ou ao querelante,
para apresentação do contraditório, uma vez tendo sido arguidas preliminares pela defesa, no
prazo de 05 dias.
O juiz togado, a partir de então, apraza audiência de instrução, para oitiva das
testemunhas arroladas pela acusação e defesa, bem como produzir as demais provas
postuladas pelas partes. A audiência de instrução é una, a teor do art. 411, § 2º, do CPP, com
redação conferida pela Lei nº 11.689/2008. Essa disposição é consonante com a previsão de
90 (noventa) dias para a conclusão do procedimento, disposta no artigo seguinte.
O último ato realizado na instrução é o interrogatório do acusado e chegam-se às
alegações finais, em regra orais e na própria audiência instrutória. São produzidas
inicialmente pela acusação e, em seguida, pela defesa, em prazo máximo de 20 (vinte)
minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), para cada parte. Havendo mais de um acusado, o
tempo passa a ser contado individualmente, concedidos 20 (vinte) minutos para cada um.
Havendo assistente de acusação, são concedidos 10 (dez) minutos para manifestar-se, logo
após as alegações do representante do Ministério Público, acrescendo-se 10 (dez) minutos ao
tempo da defesa. Encerradas, então, as alegações finais, lavrará o juiz a decisão, que poderá
ser de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária, devendo ser realizada
oralmente, durante a audiência, ou escrita, no prazo máximo de 10 (dez) dias.

3.2 A regra Probatória na Pronúncia


A reforma pontual (Lei n. 11.689/2008) pretendeu dar mais “celeridade” ao
procedimento do Tribunal do Júri, mas pecou pelo atropelo, além de criar perigosas condições

24
para o utilitarismo processual, com o evidente sacrifício de direitos e garantias fundamentais.
Observa-se a partir dos parágrafos do art. 411, que as provas deverão ser produzidas em uma
só audiência, abrindo-se a perigosa opção de o juiz indeferir aquelas provas que entender
irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Além de abrir um perigoso e impróprio espaço
para a discricionariedade judicial, cometer o grave erro de permitir que o juiz subtraia dos
jurados (os verdadeiramente competentes para o julgamento) a possibilidade de conhecer
determinadas provas.
Há que se ter presente a peculiaridade do júri, onde os destinatários finais da prova
são os jurados e não o juiz. Daí por que, alguns entenderem que além de incompetente, é
errôneo atribuir ao juiz o papel de filtro probatório, pois aquilo por ele considerado
irrelevante, impertinente ou protelatório, pode ser muito relevante, muito pertinente e nada
protelatório para os jurados43.
Dito isto, é importante verificar a previsão do procedimento do júri, no Código de
Processo Penal, o qual autoriza o juiz pronunciar o acusado se convencido da materialidade
do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, consoante a
dicção do art. 41 3 do Código de Processo Penal: “O juiz, fundamentadamente, pronunciará o
acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de
autoria ou de participação”44.
Observa-se que em relação à materialidade do crime, deve o juiz estar convencido.
Há necessidade, portanto, de um juízo de certeza. Enquanto acerca da autoria e participação
do agente no fato delituoso são necessários indícios suficientes, ou seja, pelo menos um juízo
de probabilidade. Em outros termos, se discute as provas quanto ao seu valor, isto é, o grau de
certeza gerado pela apreciação da prova45. Portanto, em relação á materialidade do fato exige-
se prova plena, prova convincente e verossímil46, enquanto, para autoria e participação se
exige prova semiplena, elemento de prova mais tênue, com menor valor persuasivo.47
Assim para Renato a pronúncia é um mero juízo de prelibação, por meio do qual o
juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se

43
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág. 789.
44
(BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 12 out.. 2022.
45
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed. rev., ampl. e
atual. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 348.
46
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed. rev., ampl. e
atual. Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 340.
47
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 1886.

25
admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris,
admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência”.48
Diante disso, a doutrina majoritariamente qualifica a pronúncia como mero juízo de
admissibilidade da acusação, dificultando ou até mesmo impedindo um juízo de impronúncia
ou absolvição sumária nesta fase do procedimento. Interessante notar que paralelamente ao
juízo de admissibilidade já realizado quando do recebimento da peça inicial
acusatória, momento no qual verifica o magistrado a existência de justa causa para a ação
penal, a análise realizada ao final da primeira fase tem como pressuposto a produção de
provas em contraditório, em meio a um procedimento que muito se assemelha ao rito
ordinário tradicional.
Embora a primeira fase do Júri se assemelhe ao procedimento comum ordinário,
contempla algumas distinções. Em primeiro lugar, ao contrário do procedimento comum
ordinário, em que não há a previsão legal expressa de oitiva da acusação após a apresentação
da resposta à acusação, consta do procedimento do júri (art. 409) a obrigatoriedade de
manifestação do Ministério Público ou do querelante. Em segundo lugar, no âmbito do
procedimento comum ordinário, é possível que o acusado seja absolvido sumariamente logo
após a apresentação da resposta à acusação (art. 397, CPP). No âmbito do júri, o ideal é
concluir que a absolvição sumária só pode ocorrer ao final da 1ª fase, ou seja, após a
realização da audiência de instrução. Por último, no procedimento comum ordinário, há
previsão legal de requerimento de diligências ao final da audiência de instrução. Na 1ª fase do
Júri, não há semelhante previsão.
Todas essas distinções apresentam que devendo o rito ser mais célere, os
destinatários finais do julgamento serem os jurados e a pronúncia ser mero juízo de
admissibilidade, a intenção do procedimento é facilitar a pronúncia do acusado, deixando-o
nas mãos dos seus pares. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2015, pág. 87), a
sistemática adotada pela legislação brasileira demanda que “somente deve seguir a julgamento
pelo Tribunal Popular o caso que comporte, de algum modo, conforme a valoração subjetiva
das provas, um decreto condenatório.” De forma ainda mais clara afirma: “o raciocínio é
simples: o juiz da fase da pronúncia remete a julgamento em plenário processo que ele, em
tese, poderia condenar, se fosse o competente”49.
O que se verifica é a consagração de uma dinâmica procedimental que parece atribuir
ao juiz a verificação dos fatos ao final da primeira fase do procedimento - ainda que por uma

48
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 1887
49
NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6ºed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

26
cognição limitada, em tese, na extensão, permitindo que o acusado, não obstante já tido como
culpado dirija-se ao júri para buscar a misericórdia popular imagem que fica bastante factível
diante da preponderância, na segunda fase, da retórica e do apelo persuasivo dos argumentos
morais50.
Na realidade, no Brasil, o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é a
culminância de vários procedimentos em que o acusado foi progressiva e sistematicamente
indiciado na polícia e sucessivamente denunciado e indiciado no processo judicial, decidindo-
se, finalmente, pronunciá-lo e inscrever seu nome no rol dos culpados. A presunção oficiosa,
portanto, é de culpa, não de inocência51.
A ideia que emerge do procedimento brasileiro tido como escalonado é a do
estabelecimento de uma presunção oficiosa de culpabilidade, o que se expressa por meio de
todas as etapas de controle que antecedem o julgamento submetido aos jurados. O júri
somente pode julgar os fatos que tenham passado pelo filtro do promotor, na decisão pela
denúncia ou arquivamento; do juiz pelo recebimento ou rejeição da inicial acusatória; e
novamente do magistrado, após instrução probatória, no âmbito da pronúncia
A presunção oficiosa de culpa pode ser vista também no brocardo in dubio pro
societate, que significa basicamente “na dúvida, a favor da sociedade”. Ou seja, “na dúvida
quanto à existência do crime ou em relação à autoria ou participação, deve o juiz sumariante
pronunciar o acusado”. Há divergências na aplicação de tal brocardo na doutrina pátria. De
forma minoritária, Aury Lopes Junior, Paulo Rangel e Renato Brasileiro insistem, como se
verá a seguir, que nesse momento decisório aplica-se a presunção de inocência e o in dubio
pro reo, pois a dúvida razoável não pode conduzir a pronúncia. Enquanto a posição
majoritária representada por Edilson Mougenot, Fernando Capez e Gustavo Roberto Costa,
defende que em caso de dúvida quem deve resolvê-la é o Conselho de Sentença, juiz natural
da causa, em respeito a soberania dos veredictos e á competência prevista
constitucionalmente.
Expondo a posição minoritária o professor Aury Lopes Junior ensina que não
se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas, escondendo-se atrás de um
princípio não recepcionado pela Constituição, para, burocraticamente, pronunciar réus,

50
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019. Pág. 420.
51
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2015. Pág. 750.

27
enviandolhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco que representa o
julgamento nesse complexo ritual judiciário52.
Entende Rangel por seu turno que se há dúvida, é porque o Ministério Público não
logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e
materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do
acusado, mandando-o a júri, onde o sistema que impera, lamentavelmente, é o da íntima
convicção. A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação
com base na dúvida53.
Ainda mais, para Renato Brasileiro é muito comum na doutrina a assertiva de que o
princípio aplicável à decisão de pronúncia é o in dubio pro societate, ou seja, na dúvida
quanto à existência do crime ou em relação à autoria ou participação, deve o juiz sumariante
pronunciar o acusado. Tal entendimento segundo ele interpreta o art. 413 do CPP de maneira
equivocada. Em sua exposição esclarece que o juiz sumariante não pode permitir o
julgamento de alguém pelo Júri sob a mera possibilidade de ter havido um crime doloso
contra a vida – pois é necessária prova plena da materialidade - ou sem um necessário
conjunto de provas - prova semiplena - que autorizem um juízo de probabilidade de autoria ou
de participação, sendo descabida a invocação do in dubio pro societate. Encerra afirmando
que havendo dúvidas quanto à existência do crime ou quanto à presença de indícios
suficientes, deve o juiz sumariante impronunciar o acusado, aplicando o in dubio pro reo54.
Contudo, a posição majoritária na doutrina e jurisprudência brasileira, é da aplicação
do in dubio pro societate, pois, neste momento decisório deve o juiz guiar-se pelo “interesse
da sociedade” em ver o réu submetido ao Tribunal do Júri, de modo que, havendo dúvida
sobre sua responsabilidade penal, deve ele ser pronunciado. O doutrinador Saulo Brum Leal
afirma que a pronuncia se norteia pelo princípio do in dubio pro societate, ou seja, na dúvida,
o juiz decide a favor da sociedade, declinando o julgamento ao júri55.
Edilson Mougenot afirma que em se tratando de crime afeto à competência do
Tribunal do Júri, o julgamento pelo Tribunal Popular só pode deixar de ocorrer, provada a
materialidade do delito, caso se verifique ser despropositada a acusação, porquanto aqui
vigora o princípio in dubio pro societate56.

52
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
53
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2018. Pág. 105.
54
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 1888.
55
LEAL, Saulo Brum. Júri Popular. 7ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva. Pág. 67.
56
BONFIM, Edilson Mougenot. Júri: do inquérito ao plenário. São Paulo: Saraiva, 2012. Pág. 700.

28
No entendimento de Fernando Capez na fase de pronúncia vigora o princípio do in
dubio pro societate, uma vez que há mero juízo de suspeita, não de certeza. O juiz verifica
apenas se a acusação é viável, deixando o exame mais acurado para os jurados. Somente não
serão admitidas acusações manifestamente infundadas, pois há juízo de mera prelibação57.
Nestes mesmos termos o promotor de justiça Gustavo Roberto Costa (2015, p.1) diz
que:
[...] o tal princípio do in dubio pro societate é mais um entre tantos. Significa que,
em determinadas fases do processo penal – como no oferecimento da denúncia e na
prolação da decisão de pronúncia – inverte-se a lógica: a dúvida não favorece o réu,
e sim a sociedade. Em outras palavras, ao receber os autos do inquérito policial,
havendo dúvida, deve o Promotor de Justiça oferecer a denúncia. Da mesma maneira
na fase da pronúncia: se o juiz ficar em dúvida sobre mandar o processo a júri ou
não, deve optar pela solução positiva. [...] 58

Encontra-se tão pacificada a posição majoritária, que Aury leciona que no contexto
da pronúncia, até os elementos indiciários tem permitido uma decisão que declare a
procedência da acusação, circunstância esta aceita pelos nossos tribunais sob o entendimento
de que as proibições do art. 155 do CPP, no âmbito do procedimento dos crimes dolosos
contra a vida, devem ser vistas com reservas59. Assim indícios produzidos unilateralmente e
sem contraditório na fase policial autorizam a sequência do procedimento sob a invocação do
in dubio pro societate.
Por fim, arrematando a questão Sérgio Pitombo Marcos de Moraes afirma que o in
dubio pro reo guarda por destinatário o juiz e situa-se no campo da valoração da prova.
Segundo o autor a dúvida a que se refere o brocardo seria aquele estado de incerteza
insuperável que desponta como resultado das provas, na medida em que as mesmas se
contradizem em quantidade e qualidade. Ademais, segundo Pitombo, "o que se soluciona
mediante o senso comum não produz dúvida ponderável" e, paralelamente, falta de provas
para se condenar não importa em dúvida, mas certeza da improcedência da acusação. Diante
dessas considerações, o respeitado autor esclarece a respeito do in dubio pro societate:
"É fácil, na sequência, perceber que a expressão in dubio pro societate não exibe o
menor sentido técnico. Em tema de direito probatório, afirmar-se na dúvida, em
favor da sociedade consiste em absurdo lógico-jurídico. Veja-se: em face da
contingente dúvida, sem remédio, no tocante a prova, ou melhor, imaginada
incerteza decide-se em prol da sociedade. Dizendo de outro modo: se o acusador não
conseguiu comprovar o fato, constitutivo do direito afirmado, posto que conflitante
despontou a prova, então se soluciona a seu favor, por absurdo. Ainda porque não
provou ele o alegado, em face do acusado, deve decidir-se contra o último. Ao

57
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2012. Pág. 684.
58
COSTA, Gustavo Roberto. In dubio pro societate é realmente um princípio? Disponível em:
<http://www.justificando.com/2015/11/26/in-dubio-pro-societate-e-realmente-um-principio/>. Acesso em: 4 set.
2022.
59
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág.

29
talante, por mercê judicial o vencido vence, a pretexto de que se favorece a
sociedade: in dubio contra reum. (grifei)60.

Verificado tal debate, por meio da pronúncia se alcança a fase seguinte do rito
escalonado do Júri. Neste caso, precluso o decisum, será, nos termos do artigo 421, caput, do
CPP, os autos encaminhados ao juiz-presidente do Tribunal do Júri.

3.3 Segunda Fase: Da Preparação do Julgamento e o Judicum Causae


Após o advento da Lei nº 11.689/2008 o marco inicial da segunda fase do Tribunal
do Júri é a preparação do processo para julgamento em plenário, ou seja, no momento em que
ocorre a preclusão da pronúncia. A 2ª fase encerra-se com a sentença na sessão de julgamento,
que poderá ser: Absolutória ou Condenatória.
Após a preclusão da pronúncia, ocorre o recebimento dos autos pelo presidente do
Tribunal do Júri, que determina a intimação do Ministério Público ou querelante, no caso de
queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que
irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar
documentos e requerer diligência (CPP, art. 422).
O regramento quanto ao alistamento dos jurados a compor o corpo de julgadores de
uma reunião periódica, a organização da pauta de julgamentos, as disposições sobre o sorteio
e a convocação dos mesmos, assim como as funções por eles desempenhadas e os casos de
desaforamento são providências que restam disciplinadas pelos artigos 425 a 446, todos do
CPP, não sendo objeto do trabalho realizar detida análise das mesmas.
Os casos de isenção do serviço do Júri, os impedimentos e as suspeições recebem
tratamento nos artigos 437, 448 e 449, todos do CPP. Por seu turno, a ausência do órgão do
Ministério Público, do defensor, do acusado e de testemunhas arroladas mereceram a atenção
do legislador nos artigos 455 a 461, todos do CPP.
A composição do Tribunal do Júri é de um juiz togado, que exerce a presidência do
colegiado, além de 25 (vinte e cinco) jurados (art. 447 do CPP). Destes, 07 (sete) formarão o
Conselho de Sentença responsável pelo veredicto, após o sorteio realizado pelo juiz-
presidente (art. 467 do CPP). A sessão só pode realizar-se, entretanto, se estiverem presentes
pelo menos 15 (quinze) jurados, caso em que o juiz-presidente declara a instalação dos
trabalhos e anuncia o julgamento (art. 463 do CPP). Na hipótese da presença de menos de 15
(quinze) jurados, ao reverso, cabe ao magistrado sortear tantos suplentes quantos forem
necessários e designar nova data para o julgamento (art. 464 do CPP).
60
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Pronúncia in dubio pro societate. In: Revista da Escola Paulista da
Magistratura. Ano 4, n. 1, 2003. Pág. 13.

30
Quando do sorteio dos jurados que irão compor o conselho para a sessão de
julgamento, podem as partes, primeiro a defesa e em seguida a acusação, recusar
imotivadamente (recusa imotivada ou peremptória) até 3 (três) sorteados, cada. As recusas de
mais de 03 (três) jurados sorteados necessitam de motivação, baseadas em impedimentos e
suspeições, podendo estas, inclusive, provocar a suspensão da sessão, caso o número de
jurados restantes seja inferior a 07 (sete), visto que não será possível compor o conselho de
sentença.
Enfim, formado o Conselho de Sentença, o presidente, exorta os jurados, nos termos
do artigo 472, com as seguintes palavras: “Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa
com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os
ditames da justiça.” Diante disso, os jurados, nominalmente chamados pelo presidente,
respondem: “Assim o prometo”.
Feito esse ato solene, os jurados recebem cópias da pronúncia ou, se for o caso, das
decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo. Depois
que os jurados integrantes do conselho de sentença, inquiridos pelo juiz-presidente, declaram
já ter lido as peças que lhes foram entregues, dá-se início a instrução em plenário, devendo a
oitiva dos personagens seguir rigorosamente o art. 473 do CPP, sendo permitidas eventuais
acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimentos de peritos.
Digna de efusivos elogios é a questão de se facultar a presença do acusado solto, que
tiver sido regularmente notificado da sessão de julgamento. Essa providência deve ser anotada
como um dos maiores avanços trazidos pela Lei nº 11.689/200861, uma vez que, sob a égide
do regramento anterior, tal não se fazia possível, o que conduzia à impossibilidade de
realização do Júri e, não raro, levava um número elevado de casos à prescrição da pretensão
punitiva propriamente dita. Por óbvio, ainda que ausente o réu, imprescindível à produção
de sua defesa técnica, sob pena de nulidade absoluta.
A respeito da possibilidade de ausência do acusado regularmente notificado da
sessão de julgamento, afasta a lei processual penal, com tal providência, o cultivo de
verdadeiras “usinas da prescrição”, no dizer oportuno de Walter Nunes da Silva Júnior62.
Encerrada a instrução, dá-se vez aos debates orais, iniciando-se pela acusação,
conforme disciplina o art. 476 do CPP, que haverá de limitar seus argumentos ao que
circunscreve a decisão de pronúncia ou as decisões posteriores que julgaram a acusação

61
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 376.
62
(SILVA JÚNIOR, op. cit., Pág. 346)

31
admissível. O tempo para cada parte é de uma hora e trinta minutos, conforme o art. 477 do
CPP. Caso mais de um acusado seja julgado na mesma sessão, o tempo salta para duas horas e
meia; sendo que esse período deverá ser dividido entre os acusadores, caso haja mais de um; e
os defensores, na mesma condição (art. 477, §1º, do CPP).
Conclusa a primeira rodada com as exposições orais de ambas as partes, poderá a
acusação socorrer-se da réplica, gerando para a defesa o direito de ir à tréplica. Os tempos
para essa nova rodada de alocuções é de uma hora para cada parte; sendo que, caso haja dois
ou mais acusados, a réplica e a tréplica terão o tempo máximo de duas horas, cada (art. 477, §
2º, do CPP). Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, o procedimento quanto à
divisão do tempo será o mesmo adotado para a primeira fase de debates.
Disciplina o art. 478 do CPP, ademais, que algumas matérias não podem ser
suscitadas quando dos debates, sendo tal vedação dirigida a ambas as partes. Essas matérias
dizem respeito primeiramente à decisão de pronúncia e às decisões posteriores que julgaram
admissível a acusação. Segundo, à determinação do uso de algemas como argumento de
autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado. Terceiro, o silêncio do acusado ou à
ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.
Dando continuidade à morfologia do Tribunal do Júri, veda o art. 479 do CPP, a
quaisquer das partes ler ou exibir durante o debate aquilo que não tiver sido levado ao
conhecimento da parte contrária com antecedência mínima de 03 (três) dias úteis, ficando
compreendida na vedação a leitura de periódicos jornalísticos ou quaisquer escritos e, do
mesmo modo, a exibição de documentos, vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros,
croquis ou quaisquer que sejam os meios assemelhados, nos casos em que o conteúdo trate da
matéria de fato posta a julgamento.
Uma vez concluídos os debates, deverá o juiz-presidente indagar aos jurados se estão
habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos. Havendo qualquer dúvida, o
magistrado poderá esclarecê-la à vista dos autos, bem como facultar acesso irrestrito a estes e
aos instrumentos do crime. É o que dispõe o art. 480, § 1º, do CPP. Caso impossível o
esclarecimento, o conselho de sentença deverá ser dissolvido e ordenadas as diligências que
se façam necessárias.
Sanadas as eventuais dúvidas ou questionamentos, indaga o juiz-presidente se os
jurados já se encontram em condições de votar, passando a ler os quesitos, que serão
respondidos de per si, e questionando as partes sobre sua concordância ou não com a
formulação esboçada. Resolvidas todas as pendências, convoca o magistrado a acusação e a

32
defesa, além, claro, dos jurados para se dirigirem à sala especial, de modo a que sejam os
quesitos submetidos à votação.
Conduzidos os jurados à sala especial, lá eles são submetidos à votação dos quesitos,
um a um, sendo redigidos tais questionamentos em formulações propositivas afirmativas,
respondendo o juiz popular através de cédulas, contendo uma palavra “SIM” e/ou “NÃO”, e
agindo sempre de forma sigilosa, não podendo ninguém ter conhecimento de sua resposta.
Antes, porém, de os jurados se manifestarem em forma de voto secreto acerca de cada uma
das perguntas formuladas, cabe ao magistrado explicar pormenorizadamente o que significa
cada proposição e só deve submeter o quesito a voto quando todos afirmarem ter entendido do
que se trata.
O modelo de quesitação encontra-se disciplinado no art. 483 do CPP, instituindo-se
como primeiro quesito aquele relativo à materialidade e lesividade do fato. Indaga-se aos
jurados se no dia, hora e lugar informados a vítima sofreu a agressão narrada na pronúncia.
Em seguida, questionam-se aos mesmos a respeito da autoria ou da participação do acusado
no evento descrito. O terceiro quesito, indaga se o jurado absolve o réu. Decidindo os jurados
pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: causa de
diminuição de pena alegada pela defesa; e, circunstância qualificadora ou causa de aumento
de pena.
Encerrada a votação, o juiz-presidente passa à elaboração da sentença, de acordo
com a decisão do conselho julgador e, concluída a peça, procede à leitura da mesma em
plenário, devendo nesse momento todos se posicionarem de pé (art. 493). Procedida a leitura
da sentença, ao diretor de secretaria cabe lavrar a ata, a ser assinada por ele próprio, pelo juiz-
presidente e pelas partes, detalhando todo o procedimento realizado, desde a abertura dos
trabalhos até a sua conclusão, conforme dispõem os artigos 494 a 496, todos do CPP. A
sentença, cuja competência para elaboração é exclusiva do juiz-presidente, tem seu
regramento disposto no art. 492 do CPP, que detalha como deverá ser o procedimento em
caso de condenação (inciso I), assim como na hipótese de absolvição (inciso II).

3.4 A valoração da prova e a decisão dos jurados


Conforme se buscou demonstrar no tópico antecedente, um grande obstáculo para a
valoração da prova pelos jurados é identificado na própria lógica da configuração bifásica do
procedimento. Isso porque, ao instituir uma fase instrutória anterior ao juízo de
admissibilidade da acusação mais ampla, inclusive, do que a que se desenvolve na fase de
julgamento cria-se um grande desestímulo à produção da prova diante do júri, especialmente

33
por se admitir que os oradores, em meio aos debates, procedam livremente à leitura e
exploração das peças correspondentes às provas anteriormente produzidas, o que acaba por se
traduzir em sessões de julgamento sem a produção de prova oral.
A prova produzida precisa ser valorada pelos verdadeiros juízes da causa, a saber, os
jurados. O processo de valoração da prova, segundo o raciocínio da Juíza Andrea Galhardo
Palma é a atividade de percepção por parte do juiz dos resultados da atividade probatória que
se realiza em um processo, e consiste na verificação dos enunciados fáticos introduzidos no
processo através dos meios de prova, assim como no reconhecimento aos mesmos de um
determinado valor ou peso na formação da convicção do julgador sobre os fatos que se
julgam63. A referida jurista acrescenta que a valoração da prova “tem por objetivo estabelecer
a conexão final entre os meios de prova apresentados e a verdade ou falsidade dos enunciados
sobre os fatos em litígio64”. Desse modo, entende-se que valorar significa atribuir valor ou
peso à prova produzida no processo.
A primeira questão a ser considerada, diante disso, é a de que a prova deve ser
efetivamente produzida em plenário, ciente de que o valor da oralidade, segundo Ferrajoli
"reside essencialmente nos seus corolários da imediação e concentração do juízo". Ainda
nesse sentido, a oralidade comporta "o diálogo direto das partes entre si e como juiz, de modo
que este conheça a causa 'não com base em escrituras mortas, mas com base na impressão
recebida65”.
Contudo, no Brasil, destaca-se o hábito bastante comum em meio à rotina judiciária
de desistência pelas partes da oitiva das testemunhas arroladas. Deste modo, grande parte das
sessões de julgamento se resume a folhas mortas66. Na verdade, como leciona Aury Lopes
Junior: “Os jurados desconhecem o Direito e o próprio processo, na medida em que se
limitam ao trazido pelo debate, ainda que, em tese, tenham acesso a todo o processo (como se
esse processo fosse realmente de conhecimento dos jurados)”67. Isso representa um enorme
contrassenso, considerando que o júri deverá decidir os fatos sem que qualquer prova tenha
sido produzida em sua presença.
Como já denunciou Geraldo Prado (2010, pág. 89-90):

63
Brasil e EUA: temas de direito comparado/coordenação: Marcus Vinicius Kiyoshi Onodera, Thiago
Baldani Gomes De Filippo. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2017. Pág. 288
64
Idem.
65
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 4 ed. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi
Hanssan Choukr, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. Pág. 570-571.
66
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág.
67
LOPES JUNIOR, Aury. op. cit.. Pág. 847-848.

34
"Uma das maiores reclamações na prática, no cotidiano, são os famosos júris sem
produção de prova testemunhal; são os júris em que as partes ficam lendo termos de
depoimentos de testemunhas a um juiz presidente, em que, na realidade, o vencedor
desse confronto, desse duelo intelectual entre o Ministério Público e a Defesa é
quem melhor interpreta um texto de alguma coisa que é depoimento de
testemunha a que os jurados não tiveram acesso. "Não é improvável (embora seja
indesejável) ver o Supremo Tribunal Federal decidindo pela validade da decisão
condenatória do júri, ainda que nenhuma prova oral tenha sido produzida em
plenário, porque o fundamento daquela decisão foi justamente o depoimento de
alguém que prestou esse depoimento a um juiz, com o defensor e com o Ministério
Público ali atuando".68

O abuso dessa prática faz com que grande parte do conhecimento, que chega aos
jurados acerca dos fatos, seja mediado pela leitura seletiva e parcial dos representantes das
partes, de modo que seu conteúdo já venha acompanhado da interpretação que melhor
convém a seus interesses no processo. Não é dada ao jurado, portanto, a oportunidade de
avaliar por si mesmo o conteúdo da prova por meio da apreciação direta do seu ato de
produção, para, somente então, ouvir as partes quanto ao contexto a partir do qual entendem
que devam ser tais informações compreendidas. A valoração probatória realizada pelo júri se
converte, a partir dessa prática, na mera eleição da melhor narrativa, conforme o desempenho
dos oradores no momento dos debates. Há uma verdadeira subtração dos jurados a respeito da
possibilidade do contato direto com testemunhas e outros meios de provas69.
Há uma forte tendência ao esvaziamento da instrução probatória em plenário,
eternizando a ideia de que a prova interessa ao juiz de instrução, enquanto ao júri interessa o
ritual teatralizado, a manipulação pelas partes do conjunto probatório a partir da retórica70.
Como explica Diogo Malan, a exigência de produção da prova diante dos jurados é
imprescindível na medida em que o juízo de valor sobre a credibilidade do testemunho não é
formado somente com base em seu conteúdo, mas também a partir da observação do
comportamento do depoente ao prestá-lo motivo pelo qual a mera leitura do termo seria
imprestável para a consecução dos fins pretendidos71.
A segunda questão a ser considerada é a de que cada elemento de prova é mais bem
valorado individualmente. Segundo Marcella a valoração detalhada e individual de cada uma
das provas é necessária a fim de verificar a confiabilidade da prova, como ela conecta os atos
do fato delituoso a ser demonstrado, quão solido é argumento trazido pela prova, e, por fim,

68
PRADO, Geraldo, Tribunal do Júri: propostas e alternativas. Em torno da Jurisdição. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010. Pág. 89-90.
69
LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. Pág. 848.
70
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 429.
71
MALAN, Diogo Rudge. O Direito ao Confronto no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág.
86.

35
em que medida contribui para confirmar ou refutar a hipótese principal da materialidade
autoria do fato delituoso72. O oposto de considerar a prova individualmente é tratá-la de forma
geral, como simples meios de reforçarem as narrativas criadas pelo Ministério Público ou pela
defesa do suposto autor do fato. Para Marcela na prática as narrativas adquirem autonomia em
relação às provas concretas, na medida em que os cidadãos passam a desconsiderar o conjunto
probatório e concentram as atenções na qualidade da própria narrativa. Assim, a valoração da
prova é relegada à arena da disputa argumentativa, sujeito a manipulações e distorções
inerentes às estratégias dos sujeitos parciais73.
O procedimento deve auxiliar o conselho de sentença a estabelecer uma correlação
entre os fatos sustentados nas hipóteses, as provas que lhes correspondem, e os quesitos
elaborados analiticamente a partir das proposições fáticas alegadas — aos quais o júri deve
responder se restaram demonstradas ou não. Espera-se que a proposta de uma atividade
probatória estruturada a partir de uma dinâmica mais lógica e racional seja capaz de estimular
os jurados a raciocinar a partir desses mesmos critérios74.
Diante disso é lícito dizer que há uma clara deturpação do procedimento no que se
refere ao seu propósito cognitivo, motivo pelo qual não é o mesmo capaz de proporcionar aos
jurados o exercício de valoração. Não se pode conceber um procedimento que prima pela
oralidade e imediação no qual toda a prova oral seja dispensada, resumindo-se à leitura de
peças e a longas horas de debates orais. Para tanto, a fim de evitar que a fase de julgamento
perante o júri se transforme em mera representação, é imprescindível que o procedimento
esteja configurado de modo a proporcionar uma cognição adequada ao juiz natural no caso, o
conselho de sentença. Não é preciso muito esforço para antecipar a conclusão de que o
modelo processual vigente não é capaz de fornecer aos cidadãos as condições mínimas para
que possam exercer com qualidade a função de valor as provas e decidir seu o acusado deve
ou não ser absolvido.
Diante de todas essas constatações pode-se sustentar que, da forma como proposta
pelo Código e consolidada pela experiência, a lógica da estrutura vigente tem como
consequência decisões irracionais. Não é necessária uma análise mais aprofundada para se
constatar que num procedimento com esses contornos resta, de fato, muito improvável, que o
júri encontre sozinho a racionalidade que não lhe fora apresentada oportunamente. O que se

72
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 439.
73
Nardelli, Marcela Mascarenhas. op. cit., Pág. 450.
74
Nardelli, Marcela Mascarenhas. op. cit., Pág. 470.

36
esboça a partir daí é um modelo de processo totalmente aberto à irracionalidade e ao arbítrio,
ficando as partes à mercê de uma íntima e enigmática convicção dos jurados75.
A situação é ainda mais grave se considerarmos que a liberdade de convencimento
(imotivado) é tão ampla que permite o julgamento a partir de elementos que não estão no
processo. Aury lembra que a “íntima convicção”, despida de qualquer fundamentação,
permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento. Isso
significa um retrocesso ao Direito Penal do autor, ao julgamento pela cara, cor, opção sexual,
religião, posição socioeconômica, aparência física, postura do réu durante o julgamento ou
mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo
de (des)valor que o jurado faz em relação ao réu76.
O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que o levou o jurado a tal
conclusão sobre a autoria e materialidade. Para ser considerado culpado o réu, a hipótese
acusatória deve ser confirmada por uma pluralidade de provas ou dados probatórios que
superem a dúvida razoável. Se deixar de analisar a credibilidade de cada uma das provas, dos
fatos efetivamente demonstrados, principalmente por serem os jurados juízes leigos, as
decisões não estarão isentas de subjetividade77.
Logo, a configuração do procedimento, a forma como a prova é produzida e levada
diante dos jurados, a dinâmica a partir da qual se orientam a deliberação e decisão sobre o
veredicto por meio dos quesitos, são fatores que condicionarão a racionalidade do juízo.

75
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Pronúncia in dubio pro societate. In: Revista da Escola Paulista da
Magistratura. Ano 4, n. 1, 2003. Pág. 113.
76
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág. 849.
77
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 4 ed. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi
Hanssan Choukr, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes. Pág. 570-571.

37
4. UMA PROPOSTA DE APRIMORAMENTO DA INSTITUIÇÃO

O Direito Processual Constitucional, compreendido como um movimento


metodológico que procura abandonar a visão infraconstitucional do processo em prol de um
tratamento constitucional. A Constituição pressupõe a existência de um processo como forma
de garantia da pessoa humana, cabendo à lei o desenvolvimento normativo de seus preceitos.
Diante disso, é observado que o procedimento brasileiro de júri tem muito a evoluir
em busca do alinhamento com a Constituição. A investigação racional dos fatos envolta dos
crimes dolosos contra vida é condição necessária para assegurar a justiça das decisões. A
estruturação de um modelo processual capaz de realizá-la perpassa por vários estágios e exige
que toda a normativa legal esteja orientada, pelas garantias do devido processo legal ou dos
direitos fundamentais do acusado.
O procedimento apresenta algumas falhas como vistas ao longo do trabalho, na
medida em que não proporciona aos julgadores as condições mínimas para que decidam de
forma racional e objetiva, a partir de uma adequada cognição dos fatos. Tarefa especialmente
difícil é a tentativa de incorporar os parâmetros necessários para garantir uma racionalidade
probatória na dinâmica do procedimento do júri, no qual a função de decidir as questões de
fato relacionadas ao caso fica a cargo de cidadãos leigos.
Como afirma Marcela Mascanheras (2019, Pág. 458): “é certo que a configuração de
um modelo processual, em geral, não se exaure em uma dimensão puramente técnica”. A
técnica processual tem, si, importância primordial. O processo é essencialmente um
instrumento, voltado para a consecução de determinados fins, de modo que a falta de uma
técnica adequada conduzirá à sua ineficiência. Esses fins que o processo deve perseguir, por
sua vez, são determinados a partir de opções sócio-políticas e culturais de um dado sistema
jurídico, tratando-se de questão com cunho essencialmente ideológico.
Sendo assim, um cidadão leigo (em direito), não está, em absoluto, incapacitado a
exercer racionalmente a função de decidir os fatos a partir da apreciação das provas, contanto
que a dinâmica processual seja apta a lhe proporcionar uma cognição adequada78.
Desta forma, cumpre-se delinear as principais premissas tendentes a inspirar uma
proposta de reforma do procedimento brasileiro do júri, Assim, o presente capítulo se

78
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 459.

38
apresenta como uma sugestão de aprimoramento a instituição do Tribunal do Júri, destacando-
se três importantes mudanças no procedimento.
A primeira relacionada à decisão de admissibilidade da acusação, ser na dinâmica do
artigo 397 do Código de Processo Penal, ou seja, ser num único momento, com dinâmica
diferente da atual. A segunda, consequência direta da primeira, uma instrução do processo
diante dos verdadeiros juízes da causa, a saber, o conselho de sentença. A terceira sugestão é a
de apresentação de um questionário simplificado aos jurados em busca de uma
fundamentação mínima da decisão que condenou ou absolveu o réu.
As propostas a seguir delineadas têm por escopo imprimir maior celeridade e eficácia
ao rito especial do Tribunal do Júri, tornando-o melhor adequado à lógica constitucional
hodierna. Isso porque, muito embora o novo tratamento legal conferido à instituição tenha
modernizado e atualizado o tribunal popular, entende o autor que muito há ainda a avançar no
aperfeiçoamento de sua prestação jurisdicional.

4.1 A pronúncia como único juízo de admissibilidade da acusação


Como visto no capítulo anterior, a primeira fase do júri se configura como um “juízo
de admissibilidade”, estando presente uma instrução preparatória para a fase seguinte, em
caso de pronúncia do réu, por isso o Código de Processo Penal, a denomina de “instrução
preliminar”.
O ponto importante é que atualmente há dois momentos de admissibilidade da
acusação, sendo um presente antes da instrução preliminar, previsto nos artigos 406 a 410, do
Código de Processo Penal e outro após a instrução preliminar, conforme os artigos. 413 a 419,
do mesmo código.
No primeiro, a avaliação feita pelo juiz é antes da instrução do processo, sendo mais
superficial a fundamentação para o indeferimento da absolvição sumária. Segundo Walter
Nunes, se restar dúvidas para absolver sumariamente o acusado, é preferível o juiz marcar a
audiência para a produção das demais provas e, se for o caso, interrogar o acusado, para,
então, agora com mais substância, prolatar a sentença absolutória antecipada, nos termos do
art. 415 do Código Penal79.
Algumas críticas foram pontuadas ao longo do trabalho, como, por exemplo, a
reforma pontual (Lei n. 11.689/2008) ter pretendido dar mais “celeridade”, mas ainda prevê

79
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 401.

39
duas fases distintas ao procedimento, constando toda uma fase preliminar de instrução do
feito, a qual será reproduzida novamente – muitas vezes sendo mera leitura de papel – na
frente dos jurados. Ademais, em busca de tal celeridade é facultado ao juiz indeferir aquelas
provas que entender irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Essa previsão permite que o
juiz subtraia dos jurados (os verdadeiramente competentes para o julgamento) a possibilidade
de conhecer determinadas provas.
Destarte, a primeira sugestão para aprimoramento do procedimento é de uma
modificação mais radical nesse procedimento, de modo a estabelecer um único momento de
admissibilidade da acusação.
O primeiro argumento em favor dessa proposta se encontra no fato que em um rito
monofásico, como somente um momento de admissibilidade da denúncia, o juiz togado faria
um controle judicial sobre a decisão do Ministério Público em proceder com a acusação
perante o júri popular e não como um suplemento da etapa de investigação. Assim, se
eliminaria a audiência de instrução da primeira fase, de modo que a decisão de pronúncia se
daria após a apresentação da resposta pelo acusado.
A pronúncia se converteria numa sistemática, nos dizeres de Walter Nunes (2019,
pág. 394): “tal como ocorre hoje com a decisão de saneamento no procedimento ordinário,
nos termos do artigo 397 do Código de Processo Penal”.
A crítica feita a essa proposta, é a de levar aos jurados um caso com base somente
nos elementos de informação colhidos no inquérito policial. Por isso, seriam necessárias
medidas pelo juiz togado a se realizarem nesta etapa prévia também, contudo, vinculadas ao
estrito propósito da verificação da admissibilidade da pretensão acusatória e não como uma
instrução completa como ocorre atualmente. Ademais, a decisão do Ministério Público pela
propositura da ação penal não pode prescindir do apoio de um lastro probatório mínimo, já
que se dispõe de um procedimento investigatório especialmente configurado para lhe fornecer
esses elementos informativos necessários. Entretanto, considerando-se o caráter inquisitivo da
investigação preliminar, a configuração desta etapa intermediária deve ser moldada
especialmente a partir das necessidades defensivas.
Nesse sentido, Marcela Mascanheras sugere uma filtragem das provas que serão
apresentadas aos jurados sem, contudo, retirar deles a verdadeira competência para julgar o
caso80. Tal filtragem para a professora se mostra necessária para evitar que provas
consideradas suspeitas sejam utilizadas com propósitos meramente persuasivos,

80
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 472.

40
principalmente nos casos em que o potencial distorcivo da prova sobre o convencimento dos
jurados se sobreponha à sua capacidade de demonstrar os fatos.
Por tal motivo, é de importante contribuição a sugestão da professora ao lecionar
sobre a exclusão de provas, como, por exemplo, da ficha criminal do acusado, a qual somente
prestaria ao propósito de provocar nos jurados um preconceito em relação à suposta
periculosidade do réu; de vídeos provenientes de cobertura midiática do fato em apreço,
normalmente produzidos para o claro propósito sensacionalista, no sentido de inflamar a
opinião pública sem maior comprometimento com a veracidade do que é divulgado81.
Segundo a professa supracitada, essa filtragem visa dar preferência, sempre que
possível, à prova de melhor qualidade e maior potencial demonstrativo, daí a necessidade de
que os requerimentos das partes indiquem concretamente o que se pretende provar a partir de
cada elemento proposto82.
Ademais, é importante lembrar-se das provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas eu
podem ser produzidas durante a investigação criminal. A respeito das oitivas das testemunhas
que não se enquadram nas provas acima citada, seriam realizadas diante do verdadeiro juiz da
causa, sem mera leitura de folhas mortas, como de praxe em inúmeros júris pelo país. Assim,
se tornaria concreta a imposição de que somente o conteúdo das provas cautelares, irrepetíveis
e antecipadas seriam levados ao conhecimento do júri através de leitura em plenário, elevando
em muito a qualidade do procedimento. Como se vê, há a vantagem de deixar toda a instrução
com o contraditório para o plenário do tribunal do júri, conferindo suporte ao que se pode
denominar princípio da identidade física dos jurados83.
O segundo argumento visando o aprimoramento, baseia-se na valorização do
princípio da celeridade, sendo a duração razoável do processo consequência natural da adoção
da sistemática proposta. Nesse sentido, com vistas a conciliar eficiência e celeridade com
garantimos, a implantação, de um juízo único conduz ao alcance da efetivação dos princípios
da duração razoável do processo, da celeridade e da economia. Afinal, a adoção de uma fase
una logra possibilitar, em tese, que o processo agilize seu trâmite até o julgamento, atenuando
a angústia daqueles que estão sub judice – em muitos casos, presos cautelarmente – e de seus
familiares; além, obviamente, de abreviar junto à vítima, caso sobrevivente, e seus familiares,
o desgaste gerado pela jornada processual. O resultado final, ademais, leva à considerável
81
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 472.
82
Nardelli, Marcela Mascarenhas. op. cit., Pág. 473
83
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 394.

41
economia de atos inerentes ao processo, a exemplo de intimações, notificações e degravações
de depoimentos, reduzindo-se os gastos – que não são poucos – com material de expediente e
humano e desafogando-se as, não raro, superlotadas varas responsáveis por Júris em todo o
país.
Evitar ia-se a morosidade de etapas distintas, observada pela produção de provas
muitas vezes em duplicidade. Não bastassem as maçantes oitivas repetidas, que muitas vezes
se fazem absolutamente desnecessárias, quando não tendentes a causar tumulto processual,
por dessintonias muitas vezes ocorridas entre os depoimentos prestados pela mesma pessoa
em momentos diferentes, ainda há que se considerar que as oitivas em momentos anteriores
àqueles em que presentes os julgadores naturais, os jurados, forçam a que as partes se
submetam a muitas vezes torturantes e desnecessárias horas de degravações de depoimentos
que, ao final, deverão ser dados ao conhecimento do conselho julgador.
Resulta em perda de produtividade, como entende Walfredo Cunha Campos84. Indo
mais além, pensa-se que a repetição do interrogatório e, como faculta a lei processual penal,
também dos depoimentos de testemunhas e outros atores, é fator de retardo da marcha breve
que se persegue.
O procedimento seria, sem dúvida, muito mais célere, arrimado em princípios
constitucionais da envergadura dos da celeridade processual, da duração razoável do processo
e da economia. A lógica procedimental ora desenhada prevê, no mais das vezes, o labor de 02
(dois) magistrados diferentes em um mesmo processo, bem como a utilização muitas vezes
em dobro de todo o aparelhamento das secretarias judiciárias, quando o serviço poderia ser
realizado por um mesmo efetivo.
Na lição do doutrinador Walter Nunes da Silva Júnior, a rapidez do trâmite
processual conduz à maior eficiência quanto à administração da Justiça85. Ademais, ao prevê
no artigo 5ª, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, o princípio da duração razoável do
processo, almeja o legislador evitar dilações processuais indevidas.
A resposta punitiva demorada sintoniza-se com a injustiça. Em sua obra Dos delitos
e das penas, Cesare Beccaria diz que processo deve ser conduzido sem protelações. Defendia
que quanto mais rápida for a aplicação da pena e mais perto estiver do delito, mais justa e útil
ela será. Ensina o clássico autor que (2012, Pág. 57):

84
CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do júri: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2010. Pág. 526
85
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. . Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 455.

42
Eu disse que a presteza da pena é útil; e é certo que, quanto menos tempo transcorrer
entre o crime e a pena, tanto mais compenetrados ficarão os espíritos da ideia de que
não existe crime sem castigo; tanto mais se acostumarão a julgar o crime como a
causa da qual o castigo é o efeito necessário e inelutável.

Percebe-se, portanto, que a proposta de novo procedimento ora defendida coaduna-


se perfeitamente com a lógica constitucional da duração razoável do processo, garantindo ao
acusado, de um lado, a apreciação judicial célere, eficaz e producente; e à sociedade, do outro,
a desmistificação do sentimento de impunidade.
O terceiro e último argumento é o fim das longas e infrutíferas discussões a respeito
das decisões de pronúncia e impronúncia. As decisões nesse momento único de juízo de
admissibilidade seriam de pronúncia ou absolvição sumária do réu.
Como foi exposto no capítulo 3 do presente trabalho, há muitas discussões a respeito
do in dubio pro reo e o in dubio pro societate, este prevalecendo atualmente na doutrina e
jurisprudência pátria quando diz respeito a pronúncia do acusado. As decisões de pronúncia e
impronúncia resultam basicamente do grau de certeza que o juiz togado consegue obter após a
instrução preliminar. Como visto ao ter certeza da materialidade e indícios da autoria o juiz
togado pronúncia o réu, aplicando in dubio pro societate. Todavia, ao ter incerteza ao invés de
privilegiar a aplicação do in dubio pro reo, impronúncia o réu, o qual passa a ostentar um
estado angustiante de indefinição e insegurança jurídica, pois a qualquer momento pode ser
surpreendido com uma nova denúncia pelo mesmo fato, desde que sobrevenha novas provas e
não tenha decorrido a prescrição do fato.
Assim, nas lições de Lopes Jr. (2017, Pág. 802):
Ao não decidir nada em favor do réu, a impronúncia gera um estado de pendência,
de incerteza e insegurança processual. O processo pode ser a qualquer momento
reaberto, desde que exista prova nova. A situação somente é definitivamente
resolvida quando houver a extinção da punibilidade, ou seja, a prescrição pela
(maior) pena em abstrato, o que pode representar 20 anos de espera!

A partir de um único momento de decisão a respeito da admissibilidade da denúncia,


a decisão de impronúncia seria extirpada do ordenamento jurídico brasileiro, dando lugar a
absolvição sumária e aplicação a presunção de inocência. Portanto, não havendo provas
suficientes para pronunciar o réu, este deverá ser absolvido sumariamente.
Superada a etapa de admissibilidade da acusação e de filtragem das provas e
elementos de informações colhidos durante a investigação, estando presente prova da
materialidade e indícios suficientes de autoria ou participação em crime doloso contra a vida
estaria concluída a primeira fase, assim, podendo tomar providências de cunho preparatório
para a única fase instrução diante do conselho de sentença.

43
4.2 A prova produzida numa única fase instrução diante do juiz natural da causa
A segunda proposta de aprimoramento para o instituto do Tribunal do Júri é
consequência da primeira, pois, a partir de uma única etapa de admissibilidade da causa, a
atual fase de instrução preliminar seria excluída, restando o momento da instrução e produção
de provas diante dos verdadeiros juízes da causa, a saber, o conselho de sentença.
A priori, a investigação criminal deve conter elementos probatórios suficientes para
uma simples deliberação, pois que seu fim é o de colher dados para o julgamento de
admissibilidade do jus accusationis. Contudo, o Código de Processo Penal ainda prevê sem
necessidade uma fase instrutória para o juízo de admissibilidade e consequente instrução em
plenária. Como visto, a primeira proposta visa otimizar o julgamento, a partir da exclusão da
fase instrutória diante do juiz togado, pois na prática é em mero formalismo, diante de uma
autoridade que não tem competência para julgar o processo.
Ora, não é preciso muito raciocínio para que se perceba o anacronismo no qual se
encontra imerso o procedimento bifásico eleito para o Tribunal do Júri no Brasil. Vislumbra-
se a total desnecessidade da repetição da instrução processual, posto que esta poderia ser
realizada uma única vez, qual seja, diante dos jurados, poupando-se os esforços da acusação,
da defesa e, por que não, do juiz togado, de dar-lhes ciência do que se passou durante a
primeira fase do procedimento. Diante disso, se faz necessário expor além dos argumentos
apresentados no tópico um deste capítulo, argumentos em prol da ideia da união das fases em
uma única tratando neste momento especificamente no que concerne à dinâmica probatória.
Como visto no capítulo segundo a competência constitucional do júri é para o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Assim, como bem salienta Walter Nunes (2012,
pág. 402): “a competência não é para processar e julgar, como é a regra, quando se distribui a
competência entre os órgãos judiciais”. A partir disso, o Código de Processo Penal é dividido
entre dois juízes na prática competentes, o juiz togado que afere a admissibilidade da
acusação e o conselho de sentença que cuida do julgamento do processo. Assim, resta clara a
violação do princípio da identidade física do juiz, cuja manifestação em sede de Tribunal do
Júri faz-se por meio dos próprios jurados. Funcionam estes em verdade, como juízes naturais
da causa, já que são constitucional e legalmente responsáveis pela parte mais importante do
provimento judicial: o veredicto da condenação ou absolvição do acusado.
Para Aury Lopes Junior, na prática processual a instrução preliminar configurada
acaba usurpando a função instrutória que deveria ter lugar na fase principal diante dos

44
jurados86. Isto é especialmente grave na medida em que os jurados – a quem compete a
decisão sobre os fatos – não participam desta etapa antecedente, o que acaba por gerar uma
barreira entre a prova e os julgadores.
Assim, o primeiro argumento para tal modificação encontra-se no princípio da
identidade física do juiz, pois, a instrução do processo deve ser realizada diante do verdadeiro
juiz da causa. Não há necessidade de uma instrução prévia diante do juiz togado, o qual ao
final restando dúvidas pronunciará o réu baseado no brocardo in dubio pro societate,
justificando a utilização do brocardo, e, conseguinte, pronúncia do acusado, por ser o juiz
natural da causa os jurados.
O resultado da manutenção das duas etapas do rito escalonado é que o conselho de
sentença continua à margem das provas coligidas durante a instrução processual preliminar,
sendo convocado apenas para o julgamento. Esse fato é sobremaneira prejudicial ao ato de
julgar, já que não se lhe permite o conhecimento acurado acerca dos fatos sobre os quais
haverá de decidir.
Além de violar o princípio da identidade física do juiz, viola o seu princípio
derivado, o princípio da imediatidade, o qual orienta o ordenamento a proporcionar ao juiz
proceder diretamente à colheita de todas as provas, em contato imediato com as partes.
Segundo Walter Nunes a orientação aponta para que a instrução probatória ocorra perante o
magistrado, possibilitando a que o mesmo consiga captar as impressões necessárias ao seu
convencimento, sem o ruído de intermediários87.
O segundo argumento fundamenta-se no fato que o aspecto probatório é a verdadeira
espinha dorsal do processo penal88. Na sistemática bifásica, a prova é colhida na primeira
fase, diante do juiz presidente, mas na ausência dos jurados. Em plenário, até pode ser
produzida alguma prova, mas a prática demonstra que essa é uma raríssima exceção.
A possibilidade de ser explorar livremente o conteúdo de provas produzidas em
etapas anteriores (ainda que durante os debates orais) leva a que, em alguns casos, quase
nenhuma prova seja produzida diante do júri. Paralelamente, a falta de filtragem desses
elementos estimula o manejo da prova com propósito meramente persuasivo. Assim, a
consagração da produção da prova integralmente perante os jurados é medida inescusável da
qual todo o processo depende.
86
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág. 789.
87
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 350.
88
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 458.

45
Além disso, a prova usada pelo júri para chegar ao veredicto deve ser prova
judicializada. Como expõe Aury Lopes Junior (2017, Pág. 848):
Na medida em que não existe a exclusão física dos autos do inquérito e tampouco há
vedação de que se utilize em plenário os elementos da fase inquisitorial (inclusive o
julgamento pode travar-se exclusivamente em torno dos atos do inquérito policial), o
réu pode ser condenado só com base nos meros atos de natureza inquisitória. Para
completar o triste cenário, os jurados julgam por livre convencimento imotivado,
sem qualquer distinção entre atos de investigação e atos de prova.

A prova produzida diante do jurado ameniza a possibilidade dos jurados caírem em


narrativas das partes, devido a simples leitura de folhas mortas com os depoimentos na
investigação criminal ou na fase preliminar. As histórias criadas pelas partes não podem
adquiram autonomia em relação às provas concretas, por isso, a produção da prova
integralmente perante os jurados equilibraria essa tendência, sendo um dos mecanismos capaz
de estimular à realização de um procedimento mais próximo a verdade dos fatos a partir do
conjunto probatório apresentado.
Importante ressaltar nesse momento a importância da prova testemunhal no processo
criminal. Ainda segundo Aury Lopes Junior, a prova testemunhal é a base da imensa maioria
das sentenças condenatórias ou absolutórias proferidas89. Desse modo é crucial a
recomendação de Edilson Mougenot Bonfim com relação à inquirição das testemunhas no
procedimento do júri. Em seu entender, quando da inquirição da testemunha, deve-se cuidar
de posicioná-la na frente dos jurados, de modo a que possam eles melhor estudá-la no tête-à-
tête, sentindo-a psicologicamente, e, assim, avaliar, ainda que superficialmente, se é ou não
merecedora de confiança; não se descurando do compromisso de dizer a verdade, exceto nos
casos previstos na lei processual penal.
Por fim, a produção da prova integralmente perante os jurados é medida que se
impõe em busca de uma decisão judicial justa para o caso em julgamento. Deve-se considerar
segundo a Marcela Mascanheras a instrução probatória como instrumento de razão, e não
como estéril e árido jogo de força e de destreza, deve-se reconhecê-la como um método de
cognição, isto é, de conhecimento da verdade90.
O terceiro e último argumento baseia no espírito que orientou a reforma do Código
de Processo Penal no ano 2008, a qual segundo Walter Nunes da Silva Júnior elevou o
princípio da simplificação à condição de regente da moderna processualística. Segundo ele
houve um prestígio a extinção da burocracia cartorária no âmbito do Poder Judiciário, com

89
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág. 458
90
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 467.

46
vistas à oferta de uma prestação da atividade jurisdicional de maneira mais rápida e com
ganho de eficiência em benefício da coletividade91. Logo, o espírito era de tornar o
procedimento muito mais célere e fiel à realidade dos fatos.
Diante disso, alguns princípios foram basilares para alcançar essa finalidade, como,
por exemplo, o princípio da oralidade. Para Renato Brasileiro a partir do princípio da
oralidade deve ser dada preponderância à palavra falada sobre a escrita, sem que esta seja
excluída92. No mesmo sentido, Chiovenda entende que a oralidade pressupõe a sobreposição
da palavra falada sobre a escrita, e, acrescenta que deve haver uma relação imediata entre o
juiz e os depoentes93. Assim, o princípio da oralidade assegura a produção dos atos
processuais de viva voz, ou seja, de forma verbal. A instrução processual, nessa condição,
como já exposto anteriormente tem que ser realizada de forma oral perante o próprio julgador,
em razão da incidência do princípio da identidade física do juiz, isto é, os jurados.
Ao princípio da oralidade atrela-se o da concentração consistente na previsão de que
os atos da instrução sejam reunidos em uma só audiência, ou no menor número possível delas,
imprimindo celeridade ao procedimento. Para o professor Renato Brasileiro quanto mais
próximo do fato delituoso for proferida a decisão final, maior é a possibilidade de se atingir a
verdade94. Portanto, deve, haver proximidade entre a data da ocorrência das audiências e o
provimento judicial final, para que tudo permaneça fresco na memória do julgador. Em
acréscimo a isso haveria a possibilidade de identificar um maior zelo quanto ao conjunto
probatório que é apresentado ao conselho de sentença em plenário, tanto no que se refere à
suficiência, quanto à qualidade dos elementos de prova.
Por isso, a união das fases para Walter Nunes é uma providência que se impõe, a fim
de que os princípios da oralidade, da concentração dos atos processuais e, até mesmo, da
identidade física do juiz sejam ativados no procedimento relativo ao julgamento pelo tribunal
do júri95.

91
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 64.
92
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 711.
93
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Bookseller, 1998. Pág. 61
94
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 712.
95
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 400.

47
4.3. Apresentação de um questionário aos jurados após instrução pelo juiz togado como
mecanismo de controle da racionalidade das decisões dos jurados.

Ao longo do trabalho como visto reconhece-se que os meios probatórios podem


efetivamente servir para alcançar e fixar a verdade – não as verdades últimas e supremas, que
escapam dos homens, mas aquela verdade humilde e diária que se discute nos debates
judiciais, aquela que os homens normais e honestos, conforme a comum prudência e segundo
a boa-fé chamam e sempre chamaram de verdade.
A ideia até aqui foi de estabelecer um procedimento mais racional visando
proporcionar uma melhora na correlação entre os fatos sustentados na acusação e alegados
pela defesa, as provas que lhes correspondem para então serem propostos quesitos, aos quais
o júri deve responder se restaram demonstradas ou não. Espera-se que a proposta de uma
atividade probatória estruturada a partir de uma dinâmica mais lógica e racional seja capaz de
estimular os jurados a raciocinar a partir desses mesmos critérios.
Tendo isto posto, é necessário observar a atividade de valoração desses elementos
probatórios disponíveis no processo com vistas a alcançar uma decisão justa, suficientemente
próxima à verdade dos fatos. Desse modo, não basta que a valoração da prova seja racional,
mas precisa ser guiada por critérios que possam ser controláveis pela via da motivação, por
meio de um discurso justificativo igualmente lógico e racional.
Como Marcela Mascharenas (2019, Pág. 400) alerta: “num sistema em que os fatos
são examinados por homens falíveis, em oposição aos julgamentos pelas ordálias, que
reclamam a assistência divina, é sabido que, mesmo nas melhores circunstâncias, erros
acontecem”. Contudo, a lógica do modelo brasileiro está fundada no fato da soberania da
vontade popular ser capaz de afastar qualquer tentativa de se estabelecer um controle sobre a
racionalidade dos veredictos.
O Tribunal do Júri é a única instituição que faz parte do Poder Judiciário brasileiro
que não se submete ao comando constitucional, do princípio da motivação das decisões,
estabelecido no art. 93, inciso IX, da Constituição da República. Nessa linha de raciocínio,
considerável parte da doutrina entende que a ausência de fundamentação dos veredictos do
Júri configura um vício de constitucionalidade.
Paulo Rangel, por exemplo, aponta que todos os atos decisórios do Poder Judiciário
se sujeitam à justificação e o júri, como verdadeiro órgão de administração da justiça, não
pode fugir dessa “responsabilidade ética”, uma vez a finalidade desse mandamento

48
constitucional é estabelecer limites ao arbítrio do poder estatal, sendo, assim, uma garantia
constitucional do acusado96.
Walter Nunes analisa dizendo que parece inaceitável que alguém seja condenado sem
que tenha direito de saber, ainda que minimamente, quais os fundamentos utilizados para
tanto 97.
Aury Lopes Junior arrebata dizendo que a decisão dos jurados é absolutamente
ilegítima porque carecedora de motivação. Não há a menor justificação (fundamentação) para
seus atos. Trata-se de puro arbítrio, no mais absoluto predomínio do poder sobre a razão. E
poder ser razão é prepotência98.
Observa-se que a motivação dos atos jurisdicionais, funciona como verdadeira
garantia processual, como importante forma de controle das partes sobre a atividade
intelectual do juiz, a fim de que possam verificar se este levou em consideração todos os
argumentos e provas produzidas pelas partes, e se teria aplicado de maneira correta o direito
objetivo ao caso concreto99.
Renato Brasileiro lembra que a fundamentação das decisões judiciais proporciona às
partes o conhecimento necessário para que pudessem impugnar a decisão, permitindo,
ademais, que os órgãos jurisdicionais de segundo grau examinassem a legalidade e a justiça
da decisão. Além disso, considerada também garantia da própria jurisdição, afinal de contas,
os destinatários da fundamentação não são mais apenas as partes e o juízo ad quem, como
também toda a coletividade que, com a motivação, tem condições de aferir se o magistrado
decidiu com imparcialidade a demanda. Desse modo, muito além de uma garantia individual
das partes, a motivação das decisões judiciais funciona como exigência inerente ao próprio
exercício da função jurisdicional100.
No Tribunal do Júri, o jurado decide sem qualquer motivação, impedindo o controle
da racionalidade da decisão judicial. Ademais, fica comprometido o duplo grau de jurisdição,
pois se não conhece o porquê foi decidido dessa ou daquela forma não há como recorrer. O
mais importante é explicar o porquê da decisão, o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e
materialidade. A professora Marcela Mascanheras, estabelece como questão central que os

96
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2018, Pág. 105.
97
SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos
ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas
cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pág. 399
98
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág. 849
99
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015. Pág. 1094
100
Idem.

49
jurados, cidadãos comuns decidem, sem fundamento na racionalidade ou objetividade. Mas,
segundo suas próprias inclinações subjetivas e não necessitam motivá-las, porque que gozam
de legitimação política social sendo a subjetividade intrínseca à função que exercem, quase
como ato de fé e confiança da sociedade em suas decisões. Assim, significa dizer que a
escolha do modelo foi feita não pela objetividade ou racionalidade das decisões do júri, mas
pela legitimidade ético-política, advinda do consenso social101.
A partir do exposto a falta de motivação expressa deve ser suprida por meio de
mecanismos processuais aptos a desempenhar semelhante papel, de modo que o procedimento
como um todo seja capaz de produzir resultados justos, compatíveis com os anseios da
Constituição.
Assim, a última sugestão de aprimoramento do presente trabalho é a apresentação de
um questionário aos jurados para fundamentação das decisões. O método em primeiro lugar
visa orientar os cidadãos do conselho de sentença a decidir por meio de todos os elementos
fáticos apresentados pelas partes viando assegurar que a decisão foi tomada a partir
Tal proposta foi originada a partir da análise do sistema do júri espanhol, o qual, em
12 de julho de 1995, alterou o procedimento com a Lei Orgânica 5/1995 do Tribunal do Júri
(LOTJ). Essa lei em seu artigo 52 prevê um questionário, chamado de “objeto do veredicto”,
o qual tem a utilidade de fundamentar as decisões do júri.
Tal dispositivo afirma que concluída a audiência de instrução, produzidas as laudas e
ouvidos os arguidos, o Magistrado-Presidente procederá à apresentação por escrito ao Júri do
objecto da sentença, contendo nesse questionário: a) a narrativa dos fatos alegados pelas
partes em paragráfros separados, diferenciando os que são contrários e os favortáveis ao
acusado, sendo que para cada um o jurado deve declarar deve declarar provado ou não.
Inicialmente são expostos aqueles que constituem o fato principal da acusação e depois se
narra as alegações feitas pelas defesas; b) Em seguida expoe os fatos alegados que possam
determinar a estimativa de causa de isenção de responsabilidade; c) A seguir, inclui-se, em
parágrafos sucessivos, numerados e separados, a narração do fato que determina o grau de
execução, participação e modificação da responsabilidade; d) Finalmente, especificará o fato
criminoso pelo qual o acusado deve ser considerado culpado ou inocente102.
Após receberem o questionário, os jurados são instruídos pelo juiz togado, sendo um
importante mecanismo pelo qual se assegura a racionalidade dos veredictos no sistema do

101
Nardelli, Marcela Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2019, Pág. 350.
102
Disponível em <https://www.boe.es/eli/es/lo/1995/05/22/5/con> . Acesso em 29 nov. 2022.

50
júri. As instruções servem tanto para orientar os jurados, como para reavivar nos cidadãos o
sendo de responsabilidade sobre a função a ser desenvolvida – a qual obedece a parâmetros
lógicos e racionais -, dissipando a noção de que seus juízos possam ser intuitivos por não
terem que prestem constas de seus fundamentos.
Em seguida às instruções, os jurados se retiram para as deliberações conjunta e
sigilosa. A respeito desse momento não sabe maiores esclarecimentos, pois o presente
trabalho não defende a quebra de incomunicabilidade dos jurados prevista na Constituição.
Assim, seguindo o procedimento espanhol chega-se ao resultado da votação, o qual é
apresentado numa Ata de votação, segundo o artigo 61 da LOTJ. A ata de votação é composta
por cinco partes distintas, na primeira, são listados os fatos tidos como provados, na segunda,
parte, os fatos tidos por não provados, em obediência à maioria exigida pela lei. A terceira
parte contém a declaração dos jurados no sentido de considerarem o acusado culpado ou
inocente. A quarta contém uma breve explicação das razões pelas quais eles declararam ou se
recusaram a declarar determinados fatos como provados. A quinta e última partem contém o
registro dos incidentes ocorridos durante a deliberação, evitando qualquer identificação que
quebre o sigilo da mesma, salvo a correspondente à recusa de voto.
Observa-se que o sistema de júri espanhol se difere em muito do brasileiro ao prevê a
fundamentação por parte do conselho de sentença. É importante destacar que a
fundamentação exigida não é a mesma exigida por magistrados profissionais. O importante é
que se possa visualizar se a decisão foi produto de uma detida análise dos fatos com suporte
nos elementos probatórios, alheia a qualquer arbitrariedade.
Logo, ao analisar dinâmica do sistema espanhol, a última proposta de aprimoramento
sugerida pelo presente trabalho propõe a formulação pelo juiz togado de um questionário nos
moldes do sistema espanhol, mas com modificações adaptadas ao modelo brasileiro. O
questionário apresentaria em primeiro lugar os fatos e provas alegados pelas partes em
paragráfros separados, podendo ser colocados em uma tabela, diferenciando os que são
contrários e os favoráveis ao acusado, sendo que para cada um o jurado deve declarar deve
declarar provado ou não, por meio do sistema de votação atual dentro das urnas. Nesse
primeiro momento pode ser incluida os fatos ligados à autoria e participação. Assim, a
materialidade e autoria poderia ser fudamentada de forma mais clara. Em seguida, seriam
apresentadas as alegações que poderiam determinar a estimativa de causa de isenção de
responsabilidade. Finalmente, seria perguntado os jurados se o réu deve ser considerado
culpado ou inocente.

51
A proposta se difere da formulação que se encontra atualmente em vigor na medida
em que pretende estabelecer um modelo mais analítico de cada prova e argumentação
apresentada. Para cada uma das proposições o jurado responderá se considera ter sido o fato
nela constante provado ou não provado. Intenta-se, por essa sistemática, retirar a ênfase da
convicção subjetiva do cidadão e lhe direcionar para suficiência da prova produzida, pois para
ser considerado culpado o réu, a hipótese acusatória deve ser confirmada por uma pluralidade
de provas ou dados probatórios que superem a dúvida razoável.
Por fim o magistrado deverá proferir sentença, a partir do veredicto dado pelos
jurados e pelos fatos provados ou não provados no entender dos jurados, e réu deverá ou não
ser absolvido. Observa-se que a elaboração dos quesitos se tornará uma atividade mais
complexa, de fato, o que exigirá maior comprometimento o do juiz e a atuação colaborativa
das partes. O incremento dessa complexidade para o juiz, e mesmo para as partes, é um preço
razoável a se pagar diante da perspectiva de racionalização da atividade decisória dos jurados.
Espera-se que toda essa dinâmica seja capaz de promover um satisfatório controle da
racionalidade do veredicto, de modo a suprir, na medida do possível, a ausência de uma
fundamentação expressa.

52
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal escopo do presente trabalho foi o de estabelecer as perspectivas


essenciais para uma proposta de situar a atividade dos jurados – de cognição e decisão dos
fatos – sobre bases racionais, paralelamente à instrumentalização dos meios capazes de
proporcionar um efetivo controle dos fundamentos desse juízo.
Sem descuidar das peculiaridades específicas de um procedimento a ser conduzido
perante julgadores leigos. A análise fora realizada a partir dos diferentes momentos da
atividade probatória: a formação do conjunto probatória e a dinâmica do procedimento para
sua produção até o veredicto final.
A proposta de racionalizar o procedimento brasileiro não estaria apta a ser sequer
discutida sem que fossem, inicialmente, descontruídas algumas premissas ideológicas que
desfiguram a imagem do tribunal do júri na cultura brasileira, as quais parecem dispor de uma
aceitação acrítica por grande parte da doutrina jurídica. Essas falácias são perigosas na
medida em que dominam o pensamento comum e desencorajam as críticas de base às
estruturas vigentes, o que acaba por dar suporte à manutenção de práticas e procedimentos
que não mais se justificam racionalmente no contexto em que se encontram inseridos.
Basicamente, toda a lógica de sua estrutura bifásica pressupõe que a ausência da
instrução probatória se realize na etapa preliminar, antes mesmo da composição do conselho
da sentença. Disso resulta o grave inconveniente de que os jurados não decidirão, na maioria
das vezes, a partir de um contato direto com a prova, mas somente com base na transcrição
das provas já produzidas em etapas antecedentes.
Toda a estrutura do procedimento em plenário acaba por prestigiar a retórica dos
representantes das partes como principal fonte da decisão, em cujo contexto os extratos de
provas anteriores são lidos aos jurados com finalidade preponderantemente persuasiva. Tudo
isso culmina com um veredicto fulcrado na consciência individual de cada jurado, com base
na aferição da maioria das respostas a cada quesito genericamente formulado. A simplificação
do questionário, por sua vez, não só impede que se assegure que todos os principais
argumentos foram apreciados, como também obsta que se compreendam, minimamente, os
fundamentos das respostas apresentadas.
Acredita-se que é hora de inovar, com a previsão de uma única fase, tornando o rito
mais célere e propiciando, aos jurados, melhor conhecimento do processo. A falta de
motivação expressa deve ser suprida por meio de mecanismos processuais aptos a

53
desempenhar semelhante papel, de modo que o procedimento como um todo seja capaz de
produzir resultados justos, compatíveis com os anseios da Constituição.
Diante disso, ao final do trabalho foram apresentados uma série de propostas
destinadas a proporcionar melhores condições para o exercício de um melhor procedimento.
Para tanto, uma primeira demanda foi a consagração da produção da prova
integralmente perante os jurados, como medida inescusável da qual todas as demais estariam
condicionadas. A partir da compreensão das deturpações práticas que acabam por frustrar os
escopos pretendidos pela norma processual, conclui-se que a efetivação desta exigência
somente seria possível por meio da sumarização do juízo de pronúncia, ciente de que o
mesmo não se difere, em substância, daquele desenvolvido quando do recebimento da pela
inicial acusatória. A decisão de pronúncia seria tal como ocorre hoje com a decisão de
saneamento no procedimento ordinário, nos termos do art. 397 do CPP.
Além disso, propôs-se a atribuição ao juiz de uma importante função de instruir os
jurados no início e ao final do juízo oral, de modo que possam compreender o que se espera
de sua atuação, quais os parâmetros lógicos e racionais que devem nortear a sua apreciação da
prova, quais os elementos fáticos que devem restar provados como condição para a
configuração do delito imputado, além de uma explicação em termos objetivos do standard
probatório aplicável. Todas essas instruções devem ser apresentadas de forma simples, clara e
inteligível, sem prejuízo da disponibilização de uma cópia escrita para posterior consulta.
Espera-se que toda essa dinâmica seja capaz de promover um satisfatório controle da
racionalidade do veredicto, de modo a suprir, na medida do possível, a ausência de uma
fundamentação expressa. Vale destacar, contudo, que as perspectivas sugeridas no capítulo
final não devem ser compreendidas como uma proposta de modelo rígido e fechado, mas tão
somente como diretrizes destinadas a orientar os rumos das propostas de reforma processual
no contexto júri. Buscam, acima de tudo, estabelecer uma nova forma de se conceber o juízo
por jurados e de promover uma mudança de paradigma sobre os valores que permeiam a
compreensão da instituição, no sentido de atribuir uma responsabilidade ao próprio sistema
processual no sentido de zelar pelos acertos dos veredictos.
Deste modo, por mais utópicas que possam parecer as perspectivas de conduzir
cidadãos amadores a decisões racionais com base em uma criteriosa avaliação da prova, não
parece razoável – nem mesmo racional – permanecer ao abrigo de um ceticismo conformista,
apoiado na ideia de que esse sistema deva adquirir uma feição meramente teatral e simbólica,
em cujo contexto toda a sorte do acusado é confiada ao juízo de pronúncia.

54
Mesmo que se considere que o júri não seja capaz de corresponder às expectativas
pretendidas, malgrado todos os esforços empregados pelo procedimento, não se pode afastar o
dever do sistema de lhe proporcionar todas as condições para que possa, eficazmente,
desempenhar sua função. Essa imposição presume uma instrução adequada e um contato
direto com o conjunto probatório. Tal compromisso é condição essencial para a legitimidade
do juízo popular no contexto do Estado Democrático de Direito, no qual decisões arbitrárias e
infundadas não podem ser sustentadas pelo simples fato de derivarem da vontade popular.

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