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Faculdade de Direito

Fundamentos de Crimes em Espécie


Docente: Monica Paraguassu

Exercício: ADI O 26 e MI 4733: análise


Esse texto tem o objetivo de fazer uma análise do MI 4733 e do ADi O 26, discutindo
todas as questões relacionadas a esse tema, e além disso, analisar a tipicidade, a ilicitude e as
excludentes de ilicitude envolvidas.
A inconstitucionalidade por omissão emerge como um fenômeno jurídico quando o
legislador falha em desempenhar seu papel fundamental de criar normas essenciais para
efetivar princípios e dispositivos constitucionais. No âmbito penal, os mandados
constitucionais de criminalização surgem como ferramentas destinadas a preencher lacunas
normativas que comprometem a plena realização dos direitos fundamentais e da ordem
constitucional. Este ensaio explora a importância desses mandados, tomando como exemplo a
criminalização de práticas como o racismo, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o
terrorismo e os crimes hediondos, dispostos na Constituição Federal nos artigos 5º, inciso
XLII e XLIII, e no artigo 7º, inciso X, que versa sobre a proteção do salário.
A busca pela criminalização de todas as formas de homofobia e transfobia no Brasil
emerge como uma das pautas mais sensíveis e complexas no âmbito jurídico. A notoriedade
desse tema atinge seu auge no Mandado de Injunção no 4.733, apresentado pela Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT). Este caso específico destaca
a intrincada interseção entre a proteção dos direitos fundamentais da comunidade LGBTQIA
+ e as considerações jurídicas relacionadas à criminalização de condutas discriminatórias. O
Mandado de Injunção, enquanto ferramenta jurídica, é utilizado para suprir omissões
legislativas que impedem o exercício de direitos e liberdades constitucionais.
O ajuizamento de um mandado de injunção pela Associação Brasileira de Lésbicas,
Gays, Travestis e Transsexuais (ABGLT) trouxe à tona uma significativa controvérsia
jurídica. A Advocacia Geral da União (AGU), ao se posicionar contra o pedido de criação de
uma lei que criminalize a homofobia, alegou a violação da reserva legal em matéria penal. O
Procurador Geral da República, por sua vez, discordou do mandado de injunção,
argumentando que já havia um projeto de lei (PL 122/2006) em tramitação com a mesma
finalidade e que a tutela penal existente seria suficiente para amparar o bem jurídico que se
pretendia proteger.
Na qualidade de relator no Mandado de Injunção, o Ministro Ricardo Lewandowski
alinhou-se às opiniões da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Procurador Geral da
República (PGR), chegando à conclusão de que o referido mandado não seria admissível para
a finalidade proposta. Sua decisão foi embasada, sobretudo, na ausência de um mandado de
criminalização que pudesse ser reconhecido como um direito fundamental passível de
proteção por meio desse instrumento constitucional.
A Procuradoria Geral da República (PGR) adotou uma alteração significativa em sua
posição ao afirmar que havia uma omissão constitucional que comprometia o exercício dos
direitos fundamentais, notadamente a liberdade de gênero e a liberdade de expressão. Essa
modificação de perspectiva foi embasada na argumentação de que a omissão existente
violava o princípio da igualdade e, ademais, que a demora excessiva na tramitação do projeto
de lei relacionado ao tema agrava a situação.
A mudança de posicionamento da PGR reflete uma análise crítica da situação, indo
além da anterior defesa da suficiência da tutela penal existente. Ao reconhecer a omissão
constitucional, a PGR apontou para a ineficácia das medidas legais já em vigor para proteger
os direitos fundamentais em questão. Destacou-se, especialmente, a violação ao princípio da
igualdade, sugerindo que a falta de uma legislação específica para criminalizar a homofobia
resultava em uma disparidade de tratamento prejudicial a determinados grupos sociais.
A reviravolta na posição do Procurador Geral da República (PGR) em relação à
criminalização da homofobia provocou reações intensas no meio acadêmico, tornando-se
objeto de análise crítica por juristas renomados. Essa transformação de perspectiva,
evidenciada em um artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico, ressalta a
complexidade das discussões em torno dessa questão sensível e seus desdobramentos no
âmbito jurídico.
Os professores Lênio Streck, Ingo Sarlet, Clèmerson Merlin Clève, Jacinto Nelson de
Miranda Coutinho e Flávio Pansieri, em seu artigo, apresentaram uma crítica contundente à
tese defendida tanto pelo impetrante quanto pela PGR. Dentre os pontos destacados, alguns
merecem atenção especial. 1) Ausência de Menção Expressa na Constituição: Os autores
argumentam que o artigo 5º, inciso XLI, não menciona explicitamente a tutela penal como
meio de punição para discriminações atentatórias aos direitos fundamentais, ao contrário do
que ocorre, por exemplo, no artigo 5º, inciso XLII. Esta crítica destaca a importância de uma
base constitucional clara para justificar a intervenção penal. 2) Óbice na Legalidade Estrita
em Matéria Penal: Apontam para o óbice na legalidade estrita em matéria penal, conforme
estabelecido no artigo 5º, inciso XXIX da Constituição, ressaltando a necessidade de estrita
conformidade com a legislação penal. Essa análise sublinha a importância de garantir que a
criação de normas penais esteja em conformidade com os princípios constitucionais. 3)
Substituição do Judiciário ao Legislativo: Os autores levantam a preocupação de que a
ausência de um mandado constitucional de criminalização da homofobia poderia resultar na
substituição do juízo político do Legislativo pelo Judiciário, configurando uma interferência
indevida. Essa crítica destaca a necessidade de respeitar as competências específicas de cada
poder. 4) Tese da Proteção Insuficiente: Criticam a utilização da tese da proteção insuficiente
como fundamento para a criminalização judicial de condutas, argumentando que esse
argumento nunca teria sido utilizado de maneira semelhante em outros casos. Essa análise
ressalta a importância de consistência e precedentes jurídicos. 5) Ausência de Direito
Subjetivo Inválido pela Omissão: Destacam a inexistência de um direito subjetivo
inviabilizado pela omissão legislativa, questionando a base jurídica para a intervenção
judicial. Essa crítica sugere a importância de identificar claramente os direitos subjetivos
afetados pela omissão para justificar a intervenção judicial. 6) Fins Nobres e Meios
Adequados: Questionam a legitimidade dos meios pretendidos pela associação impetrante,
argumentando que, embora os fins sejam nobres, a discussão sobre a criminalização da
homofobia deve ocorrer pelos meios constitucionalmente adequados, sem comprometer
outros princípios relevantes, como o mencionado artigo 5º, inciso XXIX. Essa crítica destaca
a importância de equilibrar os objetivos nobres com os meios adequados e
constitucionalmente previstos.
Contudo, frente a essas críticas, o advogado subscritor da ação, Paulo Roberto Iotti
Vecchiatti, formulou uma resposta embasada em fundamentos jurídicos e teóricos, com o
objetivo de fortalecer a defesa da criminalização e refutar as objeções apresentadas. 1)
Concepção de Constituição Dirigente: Vecchiatti inicia sua resposta argumentando que, com
base na ideia de Constituição dirigente, é imperativo superar a concepção que exige a
identificação de uma norma constitucional de eficácia limitada como parâmetro de controle
para o Mandado de Injunção. Essa abordagem mais flexível da Constituição permitiria a
aplicação do remédio constitucional mesmo na ausência de normas específicas, enfatizando a
adaptabilidade da Constituição às demandas sociais emergentes. 2) Insuficiência de Normas
de Outros Ramos do Direito: O advogado sustenta que normas de outros ramos do Direito
têm sido insuficientes para proteger os direitos fundamentais em questão, justificando, assim,
a necessidade de intervenção judicial por meio do Mandado de Injunção. Essa argumentação
ressalta a lacuna existente nas normas existentes e a necessidade de uma resposta mais eficaz
para proteger os direitos da comunidade LGBTQIA +. 3) Vecchiatti defende que a teoria da
proteção insuficiente pode ser aplicada para criminalizar condutas, mesmo que a doutrina
alemã não a tenha originalmente concebido para esse fim. Ele destaca a importância do
garantismo penal positivo nesse contexto, indicando que a tutela penal existente não é
adequada para enfrentar de maneira eficaz as práticas discriminatórias. 4) Enquadramento no
Art. 5º, XLI: O advogado argumenta que a homofobia se enquadraria no artigo 5º, inciso
XLI, e que esse inciso, de maneira inequívoca, imporia um mandado de criminalização. Ele
destaca a posição topográfica do inciso e a necessidade de uma repreensão mais severa para
crimes motivados pelo discurso do ódio, evidenciando a importância de abordagens
específicas para lidar com condutas discriminatórias. 5) Interpretação Extensiva do Conceito
de "Racismo": Por fim, Vecchiatti sugere que as razões do precedente firmado no caso
Ellwanger permitiriam uma interpretação extensiva do conceito de "racismo" do artigo 5º,
inciso XLII. Essa interpretação alargada abriria espaço para considerar a homofobia como
uma forma de discriminação análoga ao racismo, justificando assim a intervenção judicial.
A questão dos mandados constitucionais de criminalização emerge como um
elemento crucial para a compreensão da efetividade das normas constitucionais no contexto
brasileiro. Maria Conceição Ferreira da Cunha apresenta duas soluções possíveis diante desse
desafio: a negação das imposições constitucionais de criminalização ou a aceitação em
situações limitadas.

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