Esse texto tem o objetivo de fazer uma análise do MI 4733 e do ADi O 26, discutindo todas as questões relacionadas a esse tema, e além disso, analisar a tipicidade, a ilicitude e as excludentes de ilicitude envolvidas. A inconstitucionalidade por omissão emerge como um fenômeno jurídico quando o legislador falha em desempenhar seu papel fundamental de criar normas essenciais para efetivar princípios e dispositivos constitucionais. No âmbito penal, os mandados constitucionais de criminalização surgem como ferramentas destinadas a preencher lacunas normativas que comprometem a plena realização dos direitos fundamentais e da ordem constitucional. Este ensaio explora a importância desses mandados, tomando como exemplo a criminalização de práticas como o racismo, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo e os crimes hediondos, dispostos na Constituição Federal nos artigos 5º, inciso XLII e XLIII, e no artigo 7º, inciso X, que versa sobre a proteção do salário. A busca pela criminalização de todas as formas de homofobia e transfobia no Brasil emerge como uma das pautas mais sensíveis e complexas no âmbito jurídico. A notoriedade desse tema atinge seu auge no Mandado de Injunção no 4.733, apresentado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT). Este caso específico destaca a intrincada interseção entre a proteção dos direitos fundamentais da comunidade LGBTQIA + e as considerações jurídicas relacionadas à criminalização de condutas discriminatórias. O Mandado de Injunção, enquanto ferramenta jurídica, é utilizado para suprir omissões legislativas que impedem o exercício de direitos e liberdades constitucionais. O ajuizamento de um mandado de injunção pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transsexuais (ABGLT) trouxe à tona uma significativa controvérsia jurídica. A Advocacia Geral da União (AGU), ao se posicionar contra o pedido de criação de uma lei que criminalize a homofobia, alegou a violação da reserva legal em matéria penal. O Procurador Geral da República, por sua vez, discordou do mandado de injunção, argumentando que já havia um projeto de lei (PL 122/2006) em tramitação com a mesma finalidade e que a tutela penal existente seria suficiente para amparar o bem jurídico que se pretendia proteger. Na qualidade de relator no Mandado de Injunção, o Ministro Ricardo Lewandowski alinhou-se às opiniões da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Procurador Geral da República (PGR), chegando à conclusão de que o referido mandado não seria admissível para a finalidade proposta. Sua decisão foi embasada, sobretudo, na ausência de um mandado de criminalização que pudesse ser reconhecido como um direito fundamental passível de proteção por meio desse instrumento constitucional. A Procuradoria Geral da República (PGR) adotou uma alteração significativa em sua posição ao afirmar que havia uma omissão constitucional que comprometia o exercício dos direitos fundamentais, notadamente a liberdade de gênero e a liberdade de expressão. Essa modificação de perspectiva foi embasada na argumentação de que a omissão existente violava o princípio da igualdade e, ademais, que a demora excessiva na tramitação do projeto de lei relacionado ao tema agrava a situação. A mudança de posicionamento da PGR reflete uma análise crítica da situação, indo além da anterior defesa da suficiência da tutela penal existente. Ao reconhecer a omissão constitucional, a PGR apontou para a ineficácia das medidas legais já em vigor para proteger os direitos fundamentais em questão. Destacou-se, especialmente, a violação ao princípio da igualdade, sugerindo que a falta de uma legislação específica para criminalizar a homofobia resultava em uma disparidade de tratamento prejudicial a determinados grupos sociais. A reviravolta na posição do Procurador Geral da República (PGR) em relação à criminalização da homofobia provocou reações intensas no meio acadêmico, tornando-se objeto de análise crítica por juristas renomados. Essa transformação de perspectiva, evidenciada em um artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico, ressalta a complexidade das discussões em torno dessa questão sensível e seus desdobramentos no âmbito jurídico. Os professores Lênio Streck, Ingo Sarlet, Clèmerson Merlin Clève, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Flávio Pansieri, em seu artigo, apresentaram uma crítica contundente à tese defendida tanto pelo impetrante quanto pela PGR. Dentre os pontos destacados, alguns merecem atenção especial. 1) Ausência de Menção Expressa na Constituição: Os autores argumentam que o artigo 5º, inciso XLI, não menciona explicitamente a tutela penal como meio de punição para discriminações atentatórias aos direitos fundamentais, ao contrário do que ocorre, por exemplo, no artigo 5º, inciso XLII. Esta crítica destaca a importância de uma base constitucional clara para justificar a intervenção penal. 2) Óbice na Legalidade Estrita em Matéria Penal: Apontam para o óbice na legalidade estrita em matéria penal, conforme estabelecido no artigo 5º, inciso XXIX da Constituição, ressaltando a necessidade de estrita conformidade com a legislação penal. Essa análise sublinha a importância de garantir que a criação de normas penais esteja em conformidade com os princípios constitucionais. 3) Substituição do Judiciário ao Legislativo: Os autores levantam a preocupação de que a ausência de um mandado constitucional de criminalização da homofobia poderia resultar na substituição do juízo político do Legislativo pelo Judiciário, configurando uma interferência indevida. Essa crítica destaca a necessidade de respeitar as competências específicas de cada poder. 4) Tese da Proteção Insuficiente: Criticam a utilização da tese da proteção insuficiente como fundamento para a criminalização judicial de condutas, argumentando que esse argumento nunca teria sido utilizado de maneira semelhante em outros casos. Essa análise ressalta a importância de consistência e precedentes jurídicos. 5) Ausência de Direito Subjetivo Inválido pela Omissão: Destacam a inexistência de um direito subjetivo inviabilizado pela omissão legislativa, questionando a base jurídica para a intervenção judicial. Essa crítica sugere a importância de identificar claramente os direitos subjetivos afetados pela omissão para justificar a intervenção judicial. 6) Fins Nobres e Meios Adequados: Questionam a legitimidade dos meios pretendidos pela associação impetrante, argumentando que, embora os fins sejam nobres, a discussão sobre a criminalização da homofobia deve ocorrer pelos meios constitucionalmente adequados, sem comprometer outros princípios relevantes, como o mencionado artigo 5º, inciso XXIX. Essa crítica destaca a importância de equilibrar os objetivos nobres com os meios adequados e constitucionalmente previstos. Contudo, frente a essas críticas, o advogado subscritor da ação, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, formulou uma resposta embasada em fundamentos jurídicos e teóricos, com o objetivo de fortalecer a defesa da criminalização e refutar as objeções apresentadas. 1) Concepção de Constituição Dirigente: Vecchiatti inicia sua resposta argumentando que, com base na ideia de Constituição dirigente, é imperativo superar a concepção que exige a identificação de uma norma constitucional de eficácia limitada como parâmetro de controle para o Mandado de Injunção. Essa abordagem mais flexível da Constituição permitiria a aplicação do remédio constitucional mesmo na ausência de normas específicas, enfatizando a adaptabilidade da Constituição às demandas sociais emergentes. 2) Insuficiência de Normas de Outros Ramos do Direito: O advogado sustenta que normas de outros ramos do Direito têm sido insuficientes para proteger os direitos fundamentais em questão, justificando, assim, a necessidade de intervenção judicial por meio do Mandado de Injunção. Essa argumentação ressalta a lacuna existente nas normas existentes e a necessidade de uma resposta mais eficaz para proteger os direitos da comunidade LGBTQIA +. 3) Vecchiatti defende que a teoria da proteção insuficiente pode ser aplicada para criminalizar condutas, mesmo que a doutrina alemã não a tenha originalmente concebido para esse fim. Ele destaca a importância do garantismo penal positivo nesse contexto, indicando que a tutela penal existente não é adequada para enfrentar de maneira eficaz as práticas discriminatórias. 4) Enquadramento no Art. 5º, XLI: O advogado argumenta que a homofobia se enquadraria no artigo 5º, inciso XLI, e que esse inciso, de maneira inequívoca, imporia um mandado de criminalização. Ele destaca a posição topográfica do inciso e a necessidade de uma repreensão mais severa para crimes motivados pelo discurso do ódio, evidenciando a importância de abordagens específicas para lidar com condutas discriminatórias. 5) Interpretação Extensiva do Conceito de "Racismo": Por fim, Vecchiatti sugere que as razões do precedente firmado no caso Ellwanger permitiriam uma interpretação extensiva do conceito de "racismo" do artigo 5º, inciso XLII. Essa interpretação alargada abriria espaço para considerar a homofobia como uma forma de discriminação análoga ao racismo, justificando assim a intervenção judicial. A questão dos mandados constitucionais de criminalização emerge como um elemento crucial para a compreensão da efetividade das normas constitucionais no contexto brasileiro. Maria Conceição Ferreira da Cunha apresenta duas soluções possíveis diante desse desafio: a negação das imposições constitucionais de criminalização ou a aceitação em situações limitadas.
Projeção da Autonomia Privada no Direito Processual Civil e sua contribuição para a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva: autonomia privada e processo civil