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FACULDADE JOAO PAULO II

TEORIA GERAL DO DIREITO


PROF. DRA. CAMILE SERRAGGIO GIRELLI
TEORIA DO PENSAMENTO
JURÍDICO: JUSPOSITIVISMO

SUMÁRIO
Considerações iniciais
Conceito e caracteres
Positivismo legalista
Historicismo jurídico e sociologismo
jurídico: a oposição ao positivismo
legalista
Positivismo lógico - a Teoria Pura do
Direito
Críticas ao positivismo jurídico
Considerações iniciais

A escola juspositivista exerceu um forte contraponto à escola jusnaturalista. Isso porque, um dos principais
aspectos da teoria do direito natural é a de que o direito é universal, porque se origina da natureza
humana. Já, para a teoria do direito positivo, não existe um direito universal, porque a justiça é relativa.
Aquilo que é considerado justo para uma pessoa, não necessariamente é considerado justo para outra.
Para os positivistas a justiça absoluta é um ideal utópico. As leis são consideradas criações voluntárias, ou
seja, a sociedade pode escolher como serão suas leis, o que pode variar em diferentes culturas, espaço e
tempo. Para o positivismo as normas devem ser objetivas e racionais, pois os positivistas acreditam que se
os valores apoiassem em valores ele se tornaria muito instável (já que cada um pode ter valores diferente
dos outros), devendo assim, ter suas bases fixadas na objetividade e na racionalidade. A solução seria criar
um sistema jurídico lógico e coeso, quase como uma ciência exata, para conferir segurança jurídica.
Conceito e caracteres
O positivismo jurídico nasce quando o direito positivo passa a ser considerado direito no sentido próprio.
Ocorre a redução de todo direito ao direito positivo, escrito, e o direito natural é excluído da categoria de
juridicidade. O acréscimo do adjetivo positivo passa a ser um pleonasmo. O positivismo jurídico é aquela
doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo.
O Direito Positivo é o conjunto de regras elaborados e vigentes num determinado país em determinada
época, são as normas, as leis, todo o sistema normativo posto, ou seja, vigente no país.
A passagem da concepção jusnaturalismo à positivista está ligada à formação do Estado moderno que
surge com a dissolução da sociedade medieval. Ocorre, assim, o processo de monopolização da produção
jurídica pelo Estado, rompendo com o pluralismo jurídico medieval (criação do direito pelos diversos
agrupamentos), em favor de um monismo jurídico, em que o ente estatal prescreve o direito, seja pela lei,
seja indiretamente pelo reconhecimento e o controle das normas de formação consuetudinária.
Antes, o julgador podia obter a norma tanto de regras preexistentes na sociedade quanto de princípios
equitativos de razão. Com a formação do Estado moderno, o juiz, de livre órgão da sociedade, torna-se
órgão do Estado, titular de um dos poderes estatais, o judiciário, subordinado ao legislativo. O direito
positivo – direito posto e aprovado pelo Estado – é, pois, considerado como único e verdadeiro direito.
O Positivismo Legalista
De acordo com Norberto Bobbio, o positivismo legalista apresenta-se sob 3
aspectos:
Como um certo modo de abordagem do direito;
Como uma certa teoria do direito;
Como uma certa ideologia do direito.
O primeiro problema diz respeito ao modo de abordar o direito. Para o
positivismo jurídico, o direito é um fato, não um valor. O jurista deve
estudar o direito, do mesmo modo como o cientista estuda a realidade
natural, vale dizer, abstendo-se de formular juízos de valor. Desse
comportamento deriva uma teoria formalista da validade do direito. Com
efeito, a validade do direito funda-se em critérios que concernem
unicamente a sua estrutura formal, prescindindo de seu conteúdo ético.
Nesse sentido, o debate sobre a justiça sofre um profundo esvaziamento
ético, visto que a formalização do atributo da validez normativa afasta o
exame da legitimidade da ordem jurídica.
No segundo aspecto, encontramos algumas teorizações do fenômeno jurídico. O positivismo jurídico,
enquanto teoria, está baseado em seis concepções fundamentais:
A teoria coativa do direito, em que o direito é definido em função do elemento da coação, pelo que as
normas valem por meio da força;
Teoria legislativa do direito, em que a lei figura como a fonte primacial do direito;
Teoria imperativa do direito, em que a norma é considerada um comando ou imperativo;
Teoria da coerência do ordenamento jurídico, que considera o conjunto das normas jurídicas,
excluindo a possibilidade de coexistência simultânea de duas normas antinômicas;
A teoria da completude do ordenamento jurídico, que resulta na afirmação de que o juiz pode sempre
extrair das normas explícita de lacunas no direito;
Teoria da interpretação mecanicista do direito, que diz respeito ao método da ciência jurídica, pela
qual a atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do
direito.
No terceiro aspecto, trata-se de uma ideologia do direito que impõe a obediência à lei, nos moldes
de um positivismo ético. O positivismo como ideologia apresentaria uma versão extremista e uma
moderada. A versão extremista caracteriza-se por afirmar o dever absoluto de obediência à lei enquanto
tal. Tal afirmação não se situa no plano teórico, mas no campo ideológico, pois não se insere na
problemática cognoscitiva referente à definição do direito, mas em uma dimensão valorativa, relativa à
determinação do dever das pessoas. Assim como o jusnaturalismo, o positivismo extremista identifica
ambas as noções de validade e de justiça da lei. Enquanto o primeiro deduz a validade de uma lei de sua
justiça, o segundo deduz a justiça de uma lei de sua validade.
O direito justo se torna uma mera decorrência lógica do direito válido. Por outro lado, a versão moderada
afirma que o direito tem um valor enquanto tal, que é independente de seu conteúdo, e não porque,
como sustenta a visão extremista, seja sempre por si mesmo justo, pelo simples fato de ser válido, mas
porque é o meio necessário para realizar um certo valor, o da ordem. Logo, a lei é a forma maia perfeita de
manifestação da normatividade jurídica, visto que se afigura como a fonte do direito que melhor realiza a
ordem.
Para o positivismo ético, o direito, portanto, tem sempre um valor, mas, enquanto para sua visão
extremista trata-se de um valor final – a estimativa suprema de justiça -, para a moderada trata-se de um
valor instrumental, ao priorizar a ordem como condição axiológica para a realização dos demais valores
jurídicos.
Entre as diversas manifestações do positivismo legalista no ocidente destaca-se a chamada Escola da
Exegese, surgida na França no início do século XIX. Historicamente, a defesa da legalidade por esta Escola
representava uma reação clara ao antigo regime absolutista feudal, marcando, assim, o triunfo do
racionalismo iluminista, a valorização do liberalismo individualista e o apogeu do modo de produção
capitalista.
Em síntese, pode-se afirmar que a Escola da Exegese sustentou as seguintes teses: culto ao texto da lei
(legalismo estrito); apologia da codificação das leis como racionalização perfeita da ordem jurídica e
realização concreta dos ideais perenes do direito natural; identificação do direito positivo com o direito
legal (a lei como fonte jurídica exclusiva); defesa do monismo jurídico (o direito como produto único do
Estado-legislador); crença na perfeição racional do legislador; afirmação da completude (ausência de
lacunas) e da coerência (ausência de antinomias) do sistema legal; modelo subjetivista da interpretação
jurídica (ênfase na vontade do legislador como referencial hermenêutico); predominância do método
gramatical para o desenvolvimento de uma interpretação meramente literal da lei; concepção
mecanicista da atuação do magistrado (juiz neutro aos valores e escravo da lei); neutralização política do
Poder Judiciário; e redução da aplicação do direito a um mero silogismo lógico-dedutivo.
Apesar do inegável avanço dogmático propiciado pela Escola da Exegese, mormente no campo do direito
privado com a formação de conceitos, teorias e classificações de inegável utilidade prática, essa corrente
positivista acabou valorizando demasiadamente a lei, desprezando as demais fontes estatais e não
estatais do direito, além de reduzir o magistrado à condição de mero autômato, no momento tão crucial
da interpretação e da aplicação da norma jurídica, quando se requer também o exame das dimensões de
legitimidade e de efetividade do fenômeno jurídico.
Historicismo jurídico e sociologismo
jurídico: a oposição ao positivismo
legalista

Como movimentos de contestação ao positivismo legalista, podem ser mencionadas duas importantes
Escolas do pensamento jurídico: o Historicismo e o Sociologismo.
O Historicismo jurídico surge ao final do século XIX como movimento de oposição ao positivismo legalista.
O marco da fundação da Escola Histórica foi a polêmica doutrinária estabelecida entre Thibaut e Savigny.
Por um lado, Thibaut era favorável à codificação para facilitar a integração alemã nos moldes do que
ocorrera na França, por ocasião do Código Napoleônico. Por sua vez, Savigny era contrário ao legalismo
produzido com base no modelo codificista francês, proprugnando, ao revés, a formação histórica do
direito como decorrência da evolução espontânea dos costumes, produto do chamado “espírito do povo” –
volksgeist. Foi assim que Savigny inaugurou e consolidou a Escola Histórica do Direito, também chamada
de historicismo jurídico.
Entre os diversos caracteres do historicismo jurídico, podem ser elencados:
·Negação da doutrina do direito natural, ao asseverar como único critério de justiça a consciência
ético-jurídica de cada povo no plano histórico;
Afirmação do direito como produto histórico-cultural, em estrita relação com as condições culturais e
particularidades de cada povo;
Defesa do romantismo jurídico, ao sustentar que o direito emana do espírito do povo, mediante
obscuros processos inconscientes e intuitivos;
Crença em uma mítica concepção da alma do povo como entidade real e fundamento último do
direito;
Defesa do pluralismo jurídico, ao negar que o direito não é fruto exclusivo do Estado, mas, em verdade,
do conjunto de todas as forças da sociedade;
Reconhecimento do empirismo e do relativismo na teoria do conhecimento jurídico, visto que o
direito se revela condicionado pelos fatos concretos de cada comunidade jurídica;
Ênfase ao valor dos costumes como fonte jurídica, na qualidade de expressão espontânea do espírito
popular, como sucede com a formação da língua, relegando a leu a um papel meramente secundário;
Apego ao direito romano, com a valorização do “direito dos professores”, recorrendo-se à doutrina dos
juristas como algo semelhante ao legislador, para a ordenação normativa dos costumes sociais, pois os
conceitos extraídos do direito romano deveriam organizar e refletir o conhecimento espontâneo do
povo.
Fazendo um exame das teses preconizadas pelo historicismo jurídico, pode-se afirmar que seu grande
mérito foi situar o direito corretamente na zona dos objetos reais e, particularmente, culturais, afastando-
se da influência metafísica do positivismo legalista, que colocava o direito no campo dos objetos ideais.
Não obstante a isso, esta escola fora fortemente criticada por diversos motivos, dentre eles: os costumes
jurídicos não trariam a segurança e objetividade necessárias ao funcionamento do sistema jurídico; o
espírito do povo seria um conceito valo, porque suscetível à inúmeras apropriações políticas-ideológicas, e
artificialmente consensual, porque ocultaria possíveis conflitos entre grupos e interesses sociais.
Por seu turno, o Sociologismo também surge ao final do século XIX, no contexto da Revolução Industrial,
como uma proposta de fundamentação científica jurídica conforme o modelo empírico e casual
preconizado por Augusto Comte, o pai de uma nova ciência: a sociologia.
Entre os diversos caracteres do sociologismo jurídico, podem ser elencados:
Oposição ao formalismo e ao abstracionismo conceitual do positivismo legalista;
Tratamento do direito como fato social observável no mundo concreto, segundo as leis de causalidade
empírica;
Conversão da ciência do direito como verdadeira sociologia jurídica, ocupada com o estudo das
relações biunívocas entre as normas e fatos sociais;
Negação do direito natural e de qualquer proposta de fundamentação metafísica da ordem jurídica;
Afirmação de que as regularidades comportamentais permitem induzir a norma social regente (o “ser”
desemboca em “dever ser”);
Ênfase depositava na dimensão da efetividade ou eficácia social da norma jurídica;
Defesa do pluralismo jurídico, sendo o direito um produto da sociedade e não apenas uma ordem
normativa produzida e imposta somente pelo Estado;
Investigação das necessidades e interesses subjacentes às relações jurídicas, porquanto o direito é visto
como um produto dialético que resulta dos conflitos sociais, e não como um reflexo espontâneo e
consensual de costumes populares;
Negação da completude, da coerência e da perfeição racional do sistema legislativo;
Reconhecimento da possibilidade do fenômeno da “revolta dos fatos contra os códigos”, com o
comprometimento da validade jurídica pela influência do costume contra legem;
Valorização da jurisprudência como fonte capaz de expressar um direito mais vivo, concreto e atual do
que as leis;
Denúncia das deficiências da linguagem jurídica, tais como a vagueza, a ambiguidade e a abertura dos
modelos normativos.
Esta escola merece seu lugar de destaque por demonstrar a íntima relação do direito com o mundo dos
fatos sociais, afastando o conhecimento jurídico. Inobstante a isso, muitas críticas podem ser lavradas ao
sociologismo jurídico, sendo algumas delas: a valorização da dimensão fática do direito não ofereceria a
segurança e a objetividade necessárias ao funcionamento do Estado Democrático de Direito; a
relativização da legalidade potencializaria a fragmentação da sociedade; a subordinação ao modelo
teórico da sociologia comprometeria a autonomia científica do conhecimento jurídico; o modelo
sociologista abriria espaço para a instrumentalização político-ideológica do direito.
O Positivismo lógico: a
Teoria Pura do Direito
Com o advento da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, na primeira
metade do século XX, o positivismo jurídico se converte em uma variante de
normativismo lógico, aprofundando o distanciamento da ciência do direito
em face das dimensões valorativa e fática do fenômeno jurídico. A exigência
da “pureza do método” seria a condição de cientificidade da dogmática
jurídica. Daí a defesa da ciência jurídica como uma ciência exclusivamente
normativa, cujo objeto seria a normatividade jurídica.
A Teoria Pura consiste em uma teoria do direito positivo. É uma teoria geral
do direito, e não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou
internacionais. Quando a si própria designa como “pura” teoria do direito, ela
propõe-se a garantir um conhecimento apenas dirigido ao direito e excluir
desse conhecimento tudo quanto não pertença a seu objeto, tudo quanto
não se possa, rigorosamente, determinar como direito.
A Teoria pura só se ocupa do direito tal como é, até porque é uma teoria do direito positivo, pelo que o
valor justiça e a preocupação com os fatos lhe são indiferentes. Toda valoração, todo o juízo sobre o direito
positivo deve ser afastado. A finalidade da ciência jurídica não é julgar o direito positivo, mas tão só
conhece-lo em sua essência e compreendê-lo mediante a análise de sua estrutura lógico-imputativa.
A Teoria Pura do direito desenvolve, basicamente, duas vertentes de estudo: a teoria da norma jurídica e a
teoria do ordenamento jurídico. No primeiro âmbito teórico, a norma jurídica é estudada como sentido
objetivo de um ato criador de direito dotado de validez. A natureza da norma jurídica é a de um juízo
hipotético de caráter imputativo, que poder ser decomposto em: preceito primário (dada a não prestação,
deve ser sanção), realçando a visão da ordem jurídica como uma ordem coativa posta pelo Estado para
reprimir a ilicitude: e preceito secundário (dado um fato jurídico, deve ser prestação), que enunciaria a
licitude humana.
Segundo o pensamento de Kelsen, as normas jurídicas são estabelecidas pelas autoridades competentes
e são imperativas, pois têm a função de prescrever determinadas condutas, sendo, portanto, fontes
jurídicas, por impor obrigações e conferir direitos, diferentemente das chamadas preposições jurídicas. A
ciência jurídica descreveria o sistema normativo do direito positivo mediante proposições.
Enquanto as normas jurídicas são estabelecidas por atos volitivos das autoridades, as proposições são
formuladas pelos cientistas do direito (doutrinadores) mediante atos de conhecimento. Por sua vez, as
proposições jurídicas são atos de conhecimento que contêm enunciado sobre as referidas normas
jurídicas. Não prescrevem condutas, mas descrevem as normas com base em seu conhecimento A função
da ciência do direito é, pois, meramente cognoscitiva e descritiva.
No segunda âmbito teórico, o ordenamento jurídico é vislumbrado como um sistema de normas, disposto
hierarquicamente como uma pirâmide. As relações entre as normas se processam com liames de
fundamentação e derivação. A realidade de uma norma inferior depende de uma norma superior, que
estabelece os critérios formais e materiais para sua criação/produção. Sendo assim, privilegia-se tão
somente a validade da norma jurídica, verificada pelo exame imputativo da compatibilidade vertical da
norma jurídica com os parâmetros de fundamentação/derivação material e, sobretudo, formal, que são
estabelecidos pela normatividade jurídica superior. Sendo assim, norma jurídica válida é aquela produzida
de acordo com o conteúdo, a competência e o procedimento definidos em norma jurídica superior
dentro da totalidade sistêmica hierarquizada e escalonada a que corresponde a pirâmide normativa.
No plano da teoria do ordenamento Kelsen defende a primazia de 3 dogmas:
O dogma da unidade;
O dogma da completude;
O dogma da coerência.
Outrossim, ao promover uma redução normativista do conhecimento jurídico, o referido jurista dissolve
aparentes dicotomias: identifica o Estado com o direito, definindo o Estado como a personificação da
própria ideia de ordem jurídica; identifica o direito nacional com o direito internacional; nega a
diferenciação entre direito natural e direito positivo, porquanto somente haveria o direito positivo,
rejeitando, assim, a proposta de uma fundamentação metafísica do justo; entre outros.
O relativismo axiológico da Teoria Pura do direito se projeta para a filosofia de Kelsen da justiça, para qual
não existe, nas questões valorativas, qualquer objetividade possível, recusando qualquer alternativa de
racionalidade em matéria de valores. Sustenta, assim, que seria possível reconhecer muitos ideais de
justiça contraditórios entre si, nenhum dos quais exclui a possibilidade de outra ideia de justo.
Nega-se, assim, o tratamento racional da justiça, pois, na visão kelseniana, racionalizar a qualificação de
um comportamento humano como devido, sob a perspectiva de seu valor intrínseco, implicaria eliminar a
diferença entre a lei físico-matemática e a lei moral, bem como a irredutibilidade do dualismo ser e dever-
ser.
Ao tentar definir o que seja justiça, Kelsen assinala que não pode dizer o que seja justiça absoluta,
satisfazendo.se com uma justiça relativa para ele próprio. Uma vez que a ciência é sua profissão, propõe
uma justiça sob cuja proteção a ciência pode prosperar e, ao lado dela, a verdade e a sinceridade,
exprimindo o justo as exigências deontológicas da liberdade, da paz, da democracia e da tolerância.
A Teoria Pura do Direito, não exclui totalmente os valores como integrantes da experiência jurídica e
reconhece sua presença na prática profissional dos juristas. Pode-se constatar isso quando Kelsen critica
os métodos habitualmente empregados na interpretação jurídica. Para ele, o direito a aplicar é uma
moldura dentro da qual existem várias possibilidades axiológicas de aplicação jurídica. Somente a
interpretação autêntica seria criadora do direito. A interpretação não autêntica se afigura como mera
descrição/cognição do conteúdo normativo.
Nesse sentido, a ciência jurídica tem por missão conhecer o direito e descrevê-lo com base em seu
conhecimento. Os órgãos jurídicos têm – como autoridade jurídica – antes de tudo, por missão produzir o
direito mediante atos volitivos, para que ele possa então ser conhecido e descrito pela própria ciência
jurídica.
Diferentemente do que sucede com a interpretação doutrinária, que se desenvolve no plano científico das
proposições jurídicas como ato cognitivo que busca descrever as alternativas hermenêuticas abertas pela
indeterminação semântica do sistema normativo, a interpretação autêntica, veiculada pelo órgão
competente, é gestada como ato de vontade vinculante, pelo que o hermeneuta opera escolha valorativa,
refletindo critérios axiológicos que ultrapassam o campo estritamente normativo da ciência pura do
direito.
As críticas ao positivismo jurídico
Em face do problema da fundamentação do direito justo, o positivismo jurídico, em suas mais diversas
manifestações, revela propostas limitadas e insatisfatórias. Isso porque a identificação entre direito
positivo e direito justo e a excessiva formalização da validez normativa não propiciam uma compreensão
mais adequada das íntimas relações entre direito, legitimidade e justiça.
Ao constatar os mencionados limites do positivismo, Engisch critica a redução normativista operada pela
doutrina do direito positivo, afirmando que a ordem jurídica deve ser entendida como um conjunto de
valores, por meio do qual os juristas elaboram juízos axiológicos sobre a justiça dos acontecimentos e das
condutas humanas.
O positivismo legalista desemboca em uma ideologia conservadora que ora identifica a legalidade com o
valor-fim da justiça, em face da crença na divindade do legislador, ora concebe a ordem positivada pelo
sistema normativo como valo-meio suficiente para a realização de um direito justo.
O positivismo lógico da teoria kantiana abdica o tratamento racional do problema da justiça, ao afastar
quaisquer considerações fáticas e, sobretudo, valorativas do plano da ciência jurídica, de molde a
assegurar os votos de castidade axiológica do jurista. A busca do direito justo passa a depender das
inclinações político-ideológicas de cada indivíduo, relegando ao campo do ceticismo e do relativismo a
compreensão do direito justo.
Ademais, o dogma da segurança jurídica, um dos pilares da doutrina positivista, admite questionamentos
incisivos. Para a doutrina positivista, a segurança afigura-se como um dos valores mais importantes do
plexo axiológico da experiência jurídica, sinalizando a importância da estabilidade e da previsibilidade nas
relações sociais como meios para a concretização de um direito justo.
Não se trata de um valor absoluto, supostamente capaz de esgotar a ideia de justiça Decerto, em nome
do valor da segurança jurídica, o positivismo jurídico erigiu a primazia do direito positivo em face do
direito natural, reduzindo o direito justo ao direito estampado no sistema normativo da ordem jurídica,
independentemente de sua legitimidade e efetividade. Isso propiciou, ao longo da história, experiências
muitas vezes trágicas, a exemplo dos regimes totalitários do século XX sob o manto da legalidade.
Embora se releve limitada essa proposta de fundamento positivista de direito justo, não há como negar
que a segurança jurídica integra, ao lado dos demais valores jurídicos, a fórmula da realização da justiça
no direito.
Segundo Carlos Aurélio Mota de Souza, segurança e justiça não se contrapõe, mas, enquanto esta é,
muitas vezes, um poder ético, desarmado, sua garantia de efetivação no direito repousa na materialidade
objetiva da segurança jurídica.
Decerto, a segurança jurídica permite também a realização do direito justo, porque a ideia de justiça liga-
se intimamente à ideia de ordem. No próprio conceito de justiça, é inerente uma ordem, que não pode
deixar de ser reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é degrau
indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético.
Para que esse valor possa ser realizado na órbita das relações jurídicas, a estimativa da segurança jurídica
costuma ser corporificada em princípios constitucionais, enunciadas em diversas Cartas Magnas
(Constituições) ocidentais. Sendo assim, nos Estados Democráticos de Direito, o valor da segurança
jurídica pode ser considerado um princípio basilar da ordem jurídico-constitucional, como forma de
garantir a tutela dos direitos fundamentais do cidadão.
Por sua vez, a noção de certeza do direito está umbilicalmente ligada ao entendimento do que seja
segurança jurídica. Segundo Carlos Aurélio Mota de Souza, a segurança se traduz objetivamente como um
elemento anterior, por meio das normas e instituições positivadas no sistema jurídico, enquanto a certeza
do direito se forma intelectivamente nos destinatários dessas formas e instituições, como um elemento de
convicção posterior. Dessa forma, a segurança objetiva das leis confere ao cidadão a certeza subjetiva das
ações justas, segundo o direito positivo.
Por outro lado, os juristas procuram reforçar a certeza do direito no imaginário de cada cidadão, mediante
o desenvolvimento das seguintes atividades:
Aplicação do princípio da legalidade;
Preenchimento das lacunas jurídicas:
Correção das antinomias jurídicas;
Simplificação da linguagem do legislador:
Aplicação da analogia e casos semelhantes;
Adequação à jurisprudência dominante, entre outros exemplos.
A segurança e a certeza do direito são necessárias para que haja justiça e, pois, direito justo, visto que a
desordem institucional e a desconfiança subjetiva inviabilizam o reconhecimento de direitos e o correlato
cumprimento das obrigações jurídicas.
Deve-se, entretanto, ressaltar que não mais se aceita o argumento formalista, típico do positivismo
jurídico, de que a segurança jurídica e a certeza bastariam para a materialização do direito justo. O
sistema normativo, como expressão da cultura humana, está em permanente mudança, exigindo a
apropriação de novos valores e fatos na experiência jurídica. Sendo assim, a segurança jurídica e a certeza
do direito não dão dados absolutos nem tampouco a justificativa para que uma norma jurídica possa
permanecer em vigor, mesmo que sua aplicação, em um dado caso concreto, esteja desprovida de
efetividade e, sobretudo, legitimidade, por compreender a ideia de justiça.
Desse modo, o valor da segurança jurídica e a convicção da certeza do direito, embora relevantes para a
realização abstrata da justiça, comportam a relativização em determinadas circunstâncias, a fim de que se
realize, em um dado caso concreto, a melhor interpretação e aplicação de um direito justo.
Como se apreende do exposto, as referidas variações do positivismo jurídico não abordam, com
profundidade, o problema da justiça, priorizando as preocupações com os valores da ordem e da
segurança, além de subordinar o exame da legitimidade do direito à especial observância dos critérios de
validez formal que fundamentam a produção das normas jurídicas.
OBRIGADA PELA ATENÇÃO!

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