Você está na página 1de 172

Fernando Becker

A EPISTEMOLOGIA
DO PROFESSOR
o cotidiano da escola

2 8 Edição
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Becker, Fernando
A epistemologia do professor : o cotidiano da escola /
Fernando Becker. -- Petrópolis, RJ : Vozes, 1993.

Bibliografia.
ISBN 85-326-1020-X

1. Conhecimento - Teoria 2. Professores - Brasil

+
3. Professores e estudantes l. Título

93-1942 CDD-370.1 VOZES

Índices para catálogo sistemático: Petrópolis


1. Epistemologia: Filosofia da educação 370.1 1994

82559
1.0/
335~~
© 1993, Editora Vozes Ltda.
.y-J. Rua Frei Luís, 100
I')
. oi.... 25689-900 Petrópolis, RJ
Brasil

A Pesquisa desta obra contou com o apoio do INEP


e do CNPq
* INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais)
Campus da UnB - Asa Norte- Ala Sul
70910-900 Brasília, DF "Tudo o que a gente ensina a uma criança,
ex. Postal 04662 a criança não pode mais, ela mesma,
* CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento descobrir ou inoentar."
Científico e Tecnológico) J-ean Piaget
Av. W3 Norte - Quadra 507 Bloco B - 3º andar
70740 Brasília, DF "Pensar não se reduz, acreditamos, em falar,
classificarem categorias,
nem mesmo abstrair.
Editoração: Pensar é agir sobre o objeto e transform.á-lo.'
Otaviano M. Cunha Jean Piaget

Diagramação:
Daniel Sant'Anna
e
Rosane Guedes

ISBN 85-326-1020-X

Este livro foi COIUpostO e rnp rcsso nas oficinas da Editora Vozes Ltda. -
í

Rua Frei Luís, 100. Petrópolis, RJ - Brasil - CEP 25689-900 -


Tel.: (0242)43-5112 - Fax: (0242)42-0692 - Caixa Postal 90023 -
Endereço Telegráfico: VOZES - Inscrição Estadual 80.647.050 -
CGC 31.127.301/0001-04.
SUDlário

Agradecimentos a todos os que colaboraram


com este trabalho de pesquisa:
aos auxiliares de pesquisa, às digitadoras,
aos professores entrevistados,
aos alunos e professores observados,
em sala de aula ou em reuniões,
à revisora do texto final. Introdução, 9
MUITO OBRIGADO!
Parte I - A epistem.olo·gia do professor, 33
1. A origem do conhecimento, 35
2. Condições a priori ou capacidade de aprendizagem, 76
3. As condições prévias da aprendizagem, 91
4. Papéis de professor e de aluno no processo de
aprendizagem, 143 ~
5. Do pré-requisito ao a priori, 162
6. Periferia x centro: aprendizagem e origem
socioeconômica, 185
7. Avaliação, 215

Parte II - Em.pirism.o e apriorismo nas


representações dos docentes, 225
8. Empirismo e apriorismo: a difícil superação do senso
comum, 227

Parte 111 - Cotidiano da escola: epistemologia e


autoritarisDlo, 275
9. Olhando a sala de aula: empirismo x construtivismo, 277

Conclusão, 331
Anexo, 337
Bibliografia, 341
Introdução

.Sob o ponto de.vist.a d.asr'el açõe s pedagógicas que se


conatdt.uem ma prática de cada. sala de aula, .podemos
dizer: que um movimento :de .polar-ização ''.e,spo.ntâne'Q'',
aíver-ificado, tende a valorizar; 01;1:(~)'o professorvou.Ib)
o. aluno, ou (c) as relações entre. professor e aluno. Esta
polar'izaçãoçdiga-se depassagenl,é:c()~.s~qü~1Íciaenão
causq'd,oprocesso escolar. Éa parbi r do fenôrneno _ da
polarização que tentamos buscar a.lg'umascàuaasvmais
próximas ou mais remotas. Por que isto? .Porque este
fenômeno, a nosso ver, .denuncia déterrrlinad.~sconc~p­
çõespedagõgicasque, traduzidas didatic~rn~nte,fazem
avançarvret.ar-darou até impedir o p'rocessodeconst.ru-
ção do conhecimento. .:
a)'Assim, uma pedagogiacent.rada no' professor.. t en-
de a valor-iz ar.irelações h ier-árqu icas que, em. nome .da
trarisrniesão do conhecimento, acabam porjrroduzír.di-
tadores, por trm. lado, e indivíduos subservientes,.anu-
lados em sua capacidade criativa, p o r i o u tr o .
Consideram o sujeito da aprendizagem, em cada novo
nível,. como tábula rasa. O ~ Pedagogia do Oprimido
(1979), de Paulo Freire, constitui um libelo cohtundente
de deJtúncia ,das prod uções possíveis deste modelo peda-

9
g6gico; é uma denúncia da "educação domesticadora". professor: do segundo, resgata-se a experiência de vida,
Este modelo encontra apoio na psicologia, no associacio- o saber até agora construído e a capacidade de construir
nismo em geral, no behaviorismo e no neobehaviorismo, conhecimento que a sala de aula tem por função ativar.
de Watson a Skinner, em particular. Sua fundamenta- 2) Nega-se, por um lado, o saber absoluto atribuído
ção epistemológica é fornecida pelo empirismo. ao professor e o autoritarismo daí derivado; a pretensa
b) Uma pedagogia centrada no aluno pretende en- incapacidade de o professor influir no aluno e a inutili-
frentar os desmandos autoritários do modelo anterior, dade dos conhecimentos deste. Por outro lado, nega-se a
atribuindo ao aluno qualidades que ele não tem, como: ignorância absoluta atribuída ao aluno e a subserviên-
domínio do conhecimento sistematizado em determina- cia e a inanição que lhe são cobradas; o autoritarismo do
da área, capacidade de abstração suficiente, especial- aluno e a pretensa auto-suficiência de seus instrumen-
mente na área de atuação específica do professor, e tos de acesso ao conhecimento.
volume de informações devidamente organizadas, além, Nega-se, portanto, ° autoritarismo do professor e o
é claro, do domínio das didáticas. O Para onde vão as autoritarismo do aluno, simultaneamente. Trata-se de
pedagogias não-diretivas (1974), de Snyders, mostra o um modelo pedagógico que, ao contrário do que muitos
quão autoritária pode ser uma sala de aula em que pensam, resgata a importância dos pólos da relação
vigora tal pedagogia. Celma (1979) é ainda mais enfático pedagógica escolar,·fazendo-os crescera níveis inéditos.
ao denunciar o quanto de autoritarismo pode-se praticar Este modelo,·traduzido em prática, busca a destruição
sob uma pedagogia não-diretiva. O suporte deste modelo dos. fatores que prejudicam ou até anulam os ·pólos da
é dado, na psicologia, pela obra de Carl Rogers, pelos relação, e o resgate da dinâmica própria do conhecimen-
mentores da escola nova e por caminhos mais difíceís de to que faz vislumbrar um crescímerito.possfvel, irrima-
mostrar, pela psicologia da gestalt. Apesar das mesclas ginável nos modelos a e b. O suporte deste modelo
empiristas, como é o caso de Rogers, sua fundamentação encontra-se na psicologia genética de Piaget, na: obra
epistemológica é dada pelo apriorismo - inatista ou pedagógica de Paulo Freire, em pedagogias de funda-
maturacionista. mentação marxista: ria psicologia do desenvolvimento
. c) Uma pedagogia centrada na relação tende a des- de Vigotsky, em Gramsci, Wallon etc. Sua fundamenta-
absolutizar os pólos da relação pedagógica, dialetizan- ção epistemológica encontra-se no interacionismo de
do-os. Nenhum dos pólos dispõe de hegemonia prévia. O tipo construtivista.
professor traz sua bagagem, o aluno também. São baga- Procuraremos, com Piaget, desenvolver a seguir as
gens diferenciadas que entram em relação.: Nada, a implicações teóricas destes envolvimentos epistemológi-
rigor, pode ser definido previamente. Se considerarmos cos, acreditando que o compromisso, mesmo inconscien-
a dinâmica própria do processo de construção do conhe- te, com determinada epistemologia redunde em
cimento (Piaget), os modelos a e b devem ser continua- determinação - não a única - na prática pedagógica.
mente negados. Mas, como a negação própria de um Determinação que o delineamerito esquemático, quase
processo de superação (aufheben), implica o resgate de caricatural, acima, sugere. Determinação, ainda, que
qualidades de um e de outro. somente será superada por outra epistemologia que seja
1) Resgata-se, do primeiro, a importância que se dá capaz de criticá-la nos seus fundamentos.
ao conteúdo, sistematizado pelas várias ciências ("acer-
vo cultural da humanidade"), e a autoridade do saber do

10 11
I.A VISÃO EMPIRISTA to quanto possível, do dado sensorial!" Cp. 70). Ao qua
Piaget responde: "Donde concluiríamos que o éonheci-
Talvez uma das passagens que melhor situam a mento não provém, pois, jamais da sensação apenas,
visão empirista e que traz, até nós, a tr'adição epistemo- mas do que a ação acrescenta a este dado" (p'. 70).
lógica do empirismo inglês, seja esta do Leviat.ã, de Esta concepção, empiristicamente fundada, segundo
Hobbes: "Não há nenhuma concepção noespirito .do a qual a experiência consiste no "contato direto entre as
homem que não tenha sido originada (... ) nos órgãos. dos coisas e o espírito", é desautorizada por Piaget, em todos
sentidos"..Podemos dizer queempiristas são todos aque- os seus escritos, especialmente na avaliação dos fatos
lesque pensam - não necessariamente de forma. cons- analisados no Nascimento da iruteiigêricia (1936; edição
ciente -que o conhecimento se dá por força dos sentidos. brasileira: 1978). Senão vejamos.
Conheço uma cidade porque avi... Conheço uma rrrú sica a) Durante as fases do período sensório-motor, a
porque aouvi. Conheço arnaçã por'quoa saboreei-E só experiência aumenta de importância, em vez de dirni-
dar um pequeno passo.ma di reção xla abatr-açãoipar-a nuir. Experiência é acomodação. Acomodação é a respos-
verificar as dificuldades que esta concepção enfrenta: ta do sujeito aos desafios do meio integrados por
"conheço o 2, o .5, -'0 6 ~porque"os ,vi, conheço a .adiçâo assimilação. Trata-se, portanto, de uma' resposta ativa
porque ouvi falar. dela, conheço o b i.nôrn.io de N ewt.on e prévia aqualquer sensação pertinente; ou melhor.,_de
porque o saboreei... " O conhecimeritoé algo que .v~m ..do uma resposta estruturada enquanto resultado de açoes
mundo do o.bjeto(meio fí sicovou social); port.arrto, ~o estruturantes. Na verdade, a experiência pode ter sua
mundo do. objeto. é deterrninariteido rsujeito, e n ão o importância relativizada; nunca, porém, an.ulada. "Por-
contrário. Podemos representar assim est.are laçãoc S ~ tanto, a experiência não é recepção, mas açãoeconstru-
O. ção progressivas. Eis o fato fundamental" (p.342).
O ponto..·alto do empirismo é o·teste da experiência: A experiência, paraPiaget, P9de. ser ffsica.oulógico-
nada aceitar que não tenha passado 'pela experiência. matemática. Experiência física é agir. sobre os. objetose
Mas a grandeza deste ponto alto revela, imediatamente, retirar deles, por abstração simples ou empírica, !luali~
a fragilidade do seu opostorafuridarnerrtação daexpe- dades que lhes são próprias. Por exemplo, retIr~~_a
riência. o empirismo, dizPiaget (1979), "tende a consi- qualidade "verde", da árvore. As qualidades "com pêlos"
derar a experiência como algo que se impõe por si ou "com penas", de animais. As formas "arredo~dada"
mesmo, como se ela .fosse impressa, diretamente no or- ou "ovalada", de pedras etc. A experiência Iógico-m'ate-
garrismo sem que uma .atividade do sujeito fosse neces- mática consiste também em agir sobre os objetos; só que
sária à sua constituição" (p.339). Se, "em todosos níveis, desta vez não se retira qualidades dos objetos como tais,
a experiência é· necessária ao desenvolvimento da i nte- mas da ação sobre os objetos, ou melhor, da coô~denação
Iigêricia" (p.3~9)~. ela. não é suficiente par-aexpl'ieá-la, das ações, qualidades que são próprias" dest~ .ação" e
nem aequer-para fundamentar a si mesma. .Mv Pla.nck desta coordenação das ações. Trata-se de qualidades e
(apudPiaget, 1973) expr'easa isto em forma de paradoxo não de "todas as qualidades". Ninguém retira todas as
que ele mesmo não .consegue superar: "nossos corrheci- qualidades de um objeto ou de uma ação. Retira-se
mentos físicos seriam tirados da sensação, mas seu sempre apenas uma ou algumas qualidade~. O obje~o
progresso consiste precisamente em libertar-se de todo nunca é conhecido exaustivamente por mars que seja
antropomorfismo e, por conseguinte, em afastar-se, tan- objeto de nossa experiência. O produto desta forma de

12 13
experiência resulta dos não-observáveis. Quando uma mesmas, não explicam o conhecimento sob o ponto de
criança de 4 anos estabelece relações de ordem entre vista ontogenético.
dois carrinhos, e abstrai estas relações reconstruindo-as
em outro patamar, ela não tem acesso empírico a estas
relações. Quando uma criança de 7 anos se dá conta de 2. O APRIORI8MO E A PSICOLOGIA DA FORMA
que ela ganhou quatro brinquedos no Natal, porque
ganhou um da mãe, um do pai, um da tia e mais um do Podemos dizer que aprioristas são todos aqueles que
avô, ela está retirando a relação de soma de sua ação de pensam que as condições de possibilidade do conheci-
ajuntar objetos. A qualidade "soma" é retirada da coor- mento são dadas na bagagem hereditária: de forma
denação de suas ações de pegar este objeto e pô-lo aqui, inata ou submetidas ao processo maturacional, mas, de
de pegar um segundo objeto e pô-lo ao lado do primeiro qualquer forma, predeterminadas ou a priori - isto é,
etc. estão aí, dadas, como condição de possibilidade. O pro-
b) A acomodação que define a experiência é insepa- cesso maturacional explicaria por que uma criança res-
rável da assimilação dos dados à atividade do sujeito. ponde num determinado nível, em determinada idade.
Na medida em que a criança assimila o novo objetivo a Não explica, porém, por que um "menino-lobo" não res-
um esquema anterior e na medida em que repete as ponde em determinado nível, embora tenha atingido a
ações bem-sucedidas, constitui um novo esquema. As- idade própria. A postura apriorista opõe-se à empirista
sim, ela cria poracomodação - indissociável da assimi- na medida em que relativiza a experiência, absolutizan-
lação - esquemas secundários, por diferenciação de do o sujeito. Poderíamos usar a seguinte imagem para
esquemas primários. Assim, tanto a experiência (sujei- entender melhor como os aprioristas entendem o conhe-
to) quanto as coisas (objeto) não podem ser concebidas cimento: supõe-se que nosso cérebro, mediante nosso
independentes da atividade do sujeito. "A objetividade olhar (ou mediante a estrutura perceptiva), jogasse um
da experiência é uma conquista da acomodação e da fluido sobre um objeto qualquer e dele retirasse um
assimilação combinadas, isto é, da atividade intelectual holograma, ao sugar de volta este fluido, pela percepção.
do sujeito e não um dado primordial que se lhe impõe de Como se vê, toda a átividade de conhecimento é exclusi-
fora" (p. 344). va do sujeito; o meio não participa dela. É esta, pois, a
c) O fenômeno do conhecimento tem início a partir relação epistemológica básica do apriorismo: S ~ o.
de complexos mais ou menos estruturados; nunca de Como a teoria da forma, ou a Gestaltheorie, trabalha
elementos simples. Isolar um elemento simples, por sobre este pressuposto, dentro da tradição do racionalis-
exemplo a "cor" verde do complexo "árvore", é tardio na mo alemão vamos acompanhar, com Piaget, os pontos
ontogênese no que se refere ao conhecimento. A criança de concordância e de discordância.
não percebe o verde das folhas, mas a árvore na qual vai Piaget (1978) concorda em dois pontos com a teoria
trepar. O ser-aí é organizado, nunca elemento simples, da gestalt:
e é a partir desta organização que se constrói o conheci- a) A totalidade. O conceito de esquema, de Piaget,
mento. Nada acontece fora de totalidadesjá organizadas pode ser comparado a uma "forma" ou gestalt. "Sistema
ou em vias de organização. São estas totalidades que definido ou fechado de movimentos e de percepções, o
delineiam o campo das possibilidades mas que, por si esquema apresenta, de fato, essa dupla característica de
ser estruturado (logo, de estruturar ele próprio o campo

14 15
da percepção ou da compreensão) e de constituir-se logo a) Uma estrutura tem gênese, isto é, ela é construída
como totalidade, sem resultar de uma associação ou de num legítimo processo histórico. "Uma gestalt ('estrutu-
uma síntese entre elementos anteriormente isolados" (p. ra', no alemão), diz Piaget, não tem história porque 'não
353). Como estado, portanto, esquema (Piaget) e estru- leva em conta a experiência anterior, ao passo que um
tura (gestalt) são 'idênticos; como gênese, porém, são esquema resume em si o passado e consiste sempre,
opostos: o esquema é construído, a estrutura é dada. portanto, numa organização ativa da experiência vivida.
b)As raízes biológicas. Diz Piaget que ele simpatiza Ora, esse ponto é fundamental: a análise contínua de
com a teoria da Gestalt enquanto ela busca "encontrar três crianças, de que observamos quase todas as reações,
as raízes das estruturas intelectuais nos processos bio- desde o nascimento até a conquistada linguagem,con-
lógicos concebidos como sistemas de relações... " (p. 355). venceu-nos, efetivamente, da impossibilidade de divor-
Isto é, as raízes do intelecto não estão numa "faculdade" ciar qualquer conduta, seja ela qual for, do contexto
qualquer, mas na organização biológica. Hoje podemos histórico de que ela fez parte, ao passo que a hipótese da
dizer que a organização biológica que o homem traz 'forma' torna a história inútil e os gestaltistas negam a
sintetizada em airernórita a bilhões de anos de evolução. influência da, experiência adquirida sobre a solução 00
Podemos complementar esta afirmação dizendo que o novos problemas" (p. 356). Tudo o que se tem dito a
homem "sofre", dur'arrtesuavida, ainfluência de milha- respeito da importância da prática, em sua relação
res de anos de civilização, sintetizada nas organizações dialética com a teoria, é reconhecidoaquiporPiélget~ A
sociais e culturais humanas'. Mas, dizer que a origem do experiência, ou seja, a ação e a coordenação das, a~ões ()ll~
Irrteleoto-humaríor-emonta à organização biológica não a prática, rrumcorrtexto histórico determinado, temtoda
significa queseresolveti o problema de sua explicação; a importância que $e pode imaginar. Piaget. prossegue
apenas, quesedeltneou o caminho correto para a busca contundente: "Pareceu-nos .irnpossfvel. explicar o, ~pare~
da compreensão' desta extraordinária' coisa, que é a cimento de tais coordenações sem conhecer, em cada
bagagem' hereditária (cf. Projeto Genoma, que visa a caso particular, o paasado do. sujeito" (p. 358). A contill-
rastrear, exaustivamente, durante 25 anos, como auxí- gência das estruturas do conhecimento é afirmada com
lio dos mais avançados computadores fabricados até tada a veemência: "A constituição das estruturas rião
agora, o código 'genético ·humano),com um acervo ex- pode, ser dissociada dodeserirolar histórico daexperiêri-
t.raordináriode informações genéticas, em grande parte cia" (p. 359). Isto é, .o sujeito epistê..~ico. écoIlstitl.lído
desconhecidas. num processo 'r~dicalmenteh.i stór-ico, tendo cornoporrto
de "partida a orgarrização biológica. dada na bagagem
Num ponto importante, porém, empirismo e pré-for-
hereditária. O sujeito é sujeito na medida em que ésu-
mismo se encontram. Tanto no pré-formismo quanto no
jeito histórico. É aujei to histórico na medida em que
empirismo, diz Piaget, "a atividade desaparece em be- "traduz" sua organização biológica pelas ações "próprias
nefício do todo elaborado" (p. 355); isto é, se for reconhe-
da cultura na qual vive. Esta é a condição do sujeito
cido alguma atividade do sujeito, tanto num quanto
Irurrtarioern geral e a do sujeito e piatêrnico em parficu-
noutro. caso, não se lhe reconhece uma função estrutu-
lar. E por isso que soa estranho qu.arrdo rlet.errnirrada.s
rante. pessoas afirmam, na "academia", que Piaget não levou
Pí.aget discorda, em quatro pontos, da teoria da em conta osocial, Que ele não fez sociologia ou psicologia
gestalt: social no sentido estrito, concordo. Porém, ele forriece
uma das melhores ou, quem sabe, a melhor fundamen-

16 17
tação para fazer-se uma psicologia histórico-social críti- c~ A atividade. O cerne.de toda explicação piagetiana
ca ou uma sociologia do conhecimento, por exemplo. da genese e do desenvolVImento do conhecimento está
Numa época em que o modismo - e seu corolário , o na ação. A ação é o verdadeiro elemento constituinte do
superficialismo - impera na academia, a apropriação da sujeito epistêmico. Diz Piaget: as "formas" (Gestalten)
fundamentação piagetiana da psicogêriese cognitiva de- não possuem história nem poder generalizador; não
veria constituir uma questão de honra e, até, um projeto têm, intrinsecamente, atividade alguma. Não basta ter
para quem quer avançar no sentido de uma epistemolo- nascido para ser sujeito de conhecimento. Um corpo é
gia, de .urna psicologia, de uma pedagogia etc., que dado por hereditariedade; um sujeito é construído passo
respondam às questões de nosso tempo. a ~asso, minuto a minuto, por força da ação própria.
Sabemos da importância que tem o conceito de "es- Açaono espaço e no tempo. Ação sobre o meio social
quema" na teoria de Piaget. Esquema "é aquilo que é econômico, cultural, nunca ação no vazio. Ação asairni-
generalizável numa determinada ação" ou um conjunto ladora, primordialmente. "O fato primordial é,. portanto
de ações do mesmo tipo. O esquema é, portanto, a con- a própria atividade assimiladora, sem a qual nerrhurna
dição da ação. Ele é a estrutura prenhe de possibilidades ac-omodação é possível; e é a ação combinada da assimi-
em termos de ação, mas é, ao mesmo tempo, resultante lação e da acomodação que explica a existência dos
do poder estruturante da ação possibilitada por esque- esquemas e, por. conseguinte, da sua organização" (NI,
mas prévios, também estes construídos. E assim, retro- p. 363). ~st~ aignífica que, antes de qualquer ação, existe
ativamente, até chegar ao incipiente exercício dos um a prtori: a organização herdada. Mas esta organiza-
reflexos pelo recém-nascido. Para não deixar dúvidas a ção, por mais importante que seja, por mais numerosas
respeito do que dissemos acima, acompanhemos o arre- que sejam as informações (genéticas) aí contidas não é
mate de Piaget sobre a formação histórica dos esquemas co~i:iv~ (stricto serisu), ela não constitui um~ujeito
ou estruturas: "O esquema é, portanto, uma gestalt que epístêmico. Mas, também não é o meio - físico ou social
tem uma história" (p. 359). O sujeito epistêmico é, por - que determinará simplesmente esta organização, em
conseguinte, um sujeito histórico, portanto cultural, so- termos cognitivos. Considerando a primeira mamada do
cial, político... bebê, a mama pode ser sugada porque a organização (o
reflexo de sucção) está aí, pronta para recebê-la. É por
b) A generalização. Piaget antecipa, aqui, um .trata-
~orça d~ organização, hereditariamente dada, que o seio
do que sairá 42 anos depois (Recherches sur la généra-
e corrst.it.ufdo como estímulo: por si mesmo, jamais ele
lisation, 1978). Diz ele: um esquema aplica-se à
será um estímulo. Piaget vai ainda mais longe, afirman-
diversidade do meio exterior e generaliza-se; uma ges-
do que nada pode ser percebido previamente a um es-
talt não se generaliza. Em vez de "atividade generaliza-
quema e, a fortiori, a um reflexo. É o esquema
dora", "pré-formação necessária". A generalização,
(construído) que dá significado às coisas, assim como o
condição própria do conhecimento, como ponto de che-
reflexo (organização herdada) dá "significado", pela as-
gada e não como ponto de partida, é, também, resultado
~imilação, ao ~bjeto da sucção, na primeira mamada.
de um processo histórico. A generalização dá-se pela
Toda percepçao nos apareceu como elaboração ou apli-
prática do sujeito na história. Não há mente ou consciên- cação de um esquema" Cp. 364).
cia antes da ação; e, é claro, da ação historicamente
situada. d) Finalmente Piaget discorda da gestalt pelo fato de
a ação exploradora da criança supor um processo per-

18 19
manente de correção ou de controle ativos (p. 366). Em o ponto de vista psicológico é um fato primordial, pois
termos cognitivos, nada, a rigor, é dado. Os primeiros em todos os domínios ela se apresenta como a origem e
exercícios reflexos já modificam a organização dada, o resultado da organização" (NI, p. 383).
construindo novas formas de organização, possibilita-
Apartir das formas de assimílação, verdadeíro obje-
das mas não dadas na bagagem hereditária. A correção
to de investigação da psicologia e da epistemologia ge-
e o controle rião são instâncias herdadas que funcionam
néticas, Piaget vai inferir as formas de organização,
automaticamente. Elas dependem do meio - físico ou
desde as formas de assimilação primordiais, práticas do
social. São portanto instâncias cujas' formas evoluem
recém-nascido, até o advento da operação formal. A
por força do exercício, 'desde o início. Dependem, em
afirmação fundamental é sempre a mesma. Asverdadei-
outras palavras,-deinteração: isto é, dependem da ação
ras formas ou estruturas de conhecimento não são dadas
do sujeito e do objeto ao mesmo tempo. O mundo do
na bagagem hereditária; também não são resultado 'de
objeto fornece o conteúdo (assimilação), o mun.do do
um decalque das; organizações dos objetos, 'ou do meio
sujeito cria novas formas (acomodação), a par-tir- das
físico ou social, por força da pressão deste meio; mas são
formas dadas (reflexos) na bagagem hereditária. Poste-
resultado de um processo de interação radical entre o
riormente, as próprias formas, construídas por este pro- rrrurrdodo sujeito eo mundo do objeto, (inter)ação ativa-
cesso de abstração reflexionante, transformam-se em 'da·pela ação do sujeito. "As relações entre o sujeito e o
conteúdos a partir de .cuja assi,milaçãocons~r?em-se seurrieio consistem numa interação radical, de modo tal
novas e mais podercsasforrnasv E a ação do aujei to que que ,a 'consciência não começa pelo conhecimento dos
constrói este novo e fascirrarrte mundo: o mundo do objetos nem pelo da "atividade do sujeito, mas por um
conhecimento - como forma e como conteúdo. estado-iridiferenciado; eé desse estado que derivam dois
movimentoscomplementares, um de incorporação das
coisas' ao' 'sujeito, o outro de acomodação às próprias
3. TEORIA DA ASSIMILAÇÃO OU coi sas" (NI~p.·386). O modelo epistemológico que' expres-
CONSTRUTIVISTA aaeata relação éo seguinte: S ~ O.
A origem do conhecimento deve ser buscada, para Corno vemos, o sujeito, para Piaget, é ativo na sua
Piaget, não no sujeito nem no objeto, mas no fenômeno essência. Falar "em sujeito é falar em atividade, funda-
da assimilação primordial do recém-nascido humano. A mentàlmenteassimiladora. O sujeito epistêmico só o é
assimilação é resultado da organização, isto é, o b~~ê na' medida em que ele se constitui como tal. E ele se
mama, pela primeira vez, por força do refle:co h:redIta- constitui corno "tal pela asaim ilação e pela acomodação
rio de sucção. Ao mamar, porém, esta organI~açaorefle~ combinadas. Rejeita-se, portanto, da forma mais radical
xa, por' força da assimilação de algo exterl~r a ela, e quese pode imagirrar, um sujeito pas sivo, tanto no que
forçada a modificar-se para dar c~nta das ~ov~dad~s que se refere à hipótese apriorista - "As estruturas não estão
esta exterioridade impõe: se o bICO do sero e m aro r o.u pré-formadas dentro do sujeito, mas constroem-se à
menor, se o leite sai por força de uma mamada rnars medida das necessidades e das situações" (p. 387) -
fraca on mais forte, se o leite sai imediatamente ou se , quanto à' hipótese empirista - a assimilação "é, ao mes-
demora para sair. A assimilação funci0I?-a. como um moternpovconst.rução de estruturas e incorporação das
desafio sobre a acomodação a qual faz orrg'rna r novas coisas a essas estruturas ... a experiência jamais é recep-
formas de organização. "Resumindo, a assimilação sob ção passiva: é acomodação ativa, correlativa à assimila-

20 21
ção" (NI, p. 387). O sujeito em geral e, por conseqüência, Mais de quarenta anos (1977) depois do Nascimento
o sujeito epistêmico, é sujeito na medida em que ele se da inteligência na criança, Piaget retoma a tese da
faz, na medida em que ele se constitui como um conjunto diferenciação; desta vez, dentro da teoria da abstração
de relações, e não na medida em que é dado: "A inteli- reflexionante (Recherches sur l'abstraction réfléchissan-
gência é construção de relações e não apenas identifica- te): "a abstração (reflexionante) consiste, efetivamente,
ção" (p. 388). numa diferenciação, porquanto separa uma caracterís-
Se a assimilação tem função coordenadora na medi- tica para transferi-la, e uma nova diferenciação acarreta
da em que expressa a força organizadora da estrutura a necessidade de integração em novas totalidades sem
previamente construída, ,ao aplicar-se a? meio ela é as quais a assimilação cessa de funcionar, donde o
forçada a diferenciar-se. E na exata rned.ida em que a princípio comum da formação das novidades... " Cp. 316).
criança agarra cada vez mais os novos objetos que seu Sigamos um pouco a conceituação básica desta obra
esquema de preensão vai desdobrar-se em esquernas.de para aprender um pouco mais a respeito do que nos
puxar, de empurrar, de levantar, de deixar cair etc. "O parece ·fundamental no pensamento de Piaget.
próprio de um esqueIl?-a d~ assimil~ção é propender_a
a) Empírica é a abstração que se apóia sobre os
aplicar-se a tudo e a conquist.ar o unIverso da percepçao
objetos físicos ou sobre os aspectos materiais da própria
na sua totalidade. Mas, ao generalizar-se, forçoso é que ação (movimentos, empurrões ·etc.).. Não consiste em
se diferencie" (NI, p. 385). A capacidade para enfrentar
simples "leituras", pois, para abstrair a partir de um
o novo a invenção, não requer, segundo.Piaget, instân-
objeto qualquer, propriedades como. seu peso ou sua cor,
cia ex~licativa diferente daquela da assimilação. Resu- é necessário utilizar, de saída, instrumentos de assimi-
mindo o problema da invenção - sob muitos aspectos,
lação (estabelecimento de relações, significações etc.)
problema central da inteligência - não exige solução oriundos de "esquemas" sensório-motores ou conceituais
especial na hipótese dos esquemas: "a org~nização.de não fornecidos por este objeto, porém, construídos ante-
que a atividade assimiladora é testemunha e, essencial- riormente pelo sujeito. Entretanto, por mais necessário
mente, construção e, assim, é de fato invenção, ~e~de o que sejam estes esquemas, a título exper-iment.al, à
princípio" (p. 389). A motivação que leva o aujei.to a abstração empírica, ela não se refere a eles, mas busca
interessar-se pela diversidade do real provém da coor- atingir o dado que lhe é exterior, isto é, visa a um
denação dos esquemas e é nesta medida que a acomod~­ conteúdo que os esquemas se limitam a enquadrar em
ção os diferencia: "é na medida em que a coordenaça.o
formas as quais possibilitarão captar tal conteúdo.
dos esquemas impele o sujeito a interessar-se. pela di-
versidade do real que a acomodação diferencia os esque- b) Refletidora é a abstração que se apóia sobre tais
mas, e mão em virtude de uma tendência imediata à formas e sobre todas as atividades cognitivas do sujeito
acomodação" (p. 385). Em última análise, a criação de (esquemas ou coordenações de ações, operações, estru-
novidades é produto "natural" da diferenciação dos es- turas etc.) para delas retirar certos caracteres e utilizá-
quemas, provém do trabalho combinado da assimilação los para outras finalidades (novas adaptações, novos
e da acomodação, ou, ainda, da assimilação mútua dos problemas etc.). Assim, ela é refletidora em dois sentidos
esquemas: é a variedade infinita das combinações pos- complementares que nós designaremos como segue: a)
síveis entre esquemas que constitui o grande fator de Em primeiro lugar, ela transpõe a um plano superior o
diferenciação (p. 385). que colhe no patamar precedente (por exemplo ao con-
ceituar uma ação) e designaremos esta transferência ou

22 23
esta projeção como terrnofprocesso de abstração refle- inferior, como acontece com a passagem da ação sensó-
tidora" (réfléchissement). Em segundo lugar, ela deve, rio-motora à representação; ou da assimilação simbólica
necessariamente, reconstruir sobre o novo plano B o que pré-operatória à operação concreta. De outro lado, uma
foi colhido do plano de partida A, ou pôr em relação os reflexão ("réflexion"), "como ato mental de reconstrução
elementos extraídos de A com os já sit.uadosem B: esta e reorganização sobre o patamar superior daquilo que
reorganização exigida pelo processo de .abatração refle- foi assim transferido do inferior" Cp. 303).
xiva será designado por "reflexão". De onde vem o "material" retirado por reflexiona-
Com seus dois componentes - réfléch.issemerit e· ré- mento? Vem de duas fontes possíveis: (a) dos observá-
flexion - a abstração refletidora pode ser observada em veia, isto é, "dos objetos ou das ações do sujeito em suas
todos os estágios: desde os níveis sensório-motores o características materiais" Cp. 303). O mecanismo que
bebê é capaz, .para resolver um problema novo, de valer- assim procede leva o nome de abstração "empfrica";,(b)
se de certas coordenações de estrutura, já' construídas, dosnão-observáveis, isto é, das coordenações das ações
para reorganizá-la em função de novos dados.Nestecaso do sujeito, coordenações endógenas (ouço, observo u-ma
nada sabemos a re'speito da tomada de consciência do criança de dois anos chamando um cavalo de "a u-au",
sujeito, Ao contrário, 'nos níveis superiores, 'quandoa mas não ouço, não vejo, não observo a.coordenação que
refle;xão éohrado periaarnerrto, s~ faz necessário distin- a Ievou a generalizar para o cavalo o nome que atribuía
gurrtambém 'seu processo. eriq uarito construção. de . sua usualmente ao cachorro); Piaget chama de "reflexiorian-
temática retroativa .que se torna então uma reflexão te'" '(r'éfléch.isaarrte) ,a est.a Torrna .de abstração; corno
sobre a reflexão. Falaremos neste caso de abstração: vimos' acima.
. c) Refletida ou de pensamento reflexivo. Trata-se de O conhecimento, melhor dito, 'suas estruturas ou as
abstração reflexionante que se torriouobjeto de tomada condições a priori de todo conhecer, riãóédadonernn'a
de· consciência. 'bagagem hereditária nem' nas estruturas dosobjetosr é

d) Pseudo-empírica 'é' a abstração que ocorr-e nos constr'ufdo, na sua forma, e no seu. corrteúdo, por ,um
níveis. já representativos mas ainda pré-operatórios, processode interação radical entre ojsujeí to eorneio,
assim como no ·das operações concretas aeontecede o processo "ativado pela ação .do sujeito, mas de forma
sujeito poder somente efet.uarvconat.r-uções; que mais rienb.urna independente daestimulàçãodo meio. O que
tarde .se. torriarão puramente dedutivas, apoiando-se se quer dizer é que o meio; por si só, não se constitui
constantemente sobre seus resultados constatáveis (cf. "estímulo". E o sujeito, por si só, não se constitui "s'uj eito"
uso do ábaco etc.i.para.as primeiras operações numéri- sem a' mediação do meio; meio físico e social.. É nesta
cas). Poiscembora a leit.ura .destes resultados se faça a direçãoque vai a concepção piagetiana de .apr-endiaa-
partir de objetos materiais., como se se tratassem de gem: sem aprendizagem o desenvolvimento é bloqueado,
abstrações empíricas, as propriedades conatat.adaaaão rnas só a aprendizagem não faz o desenvolvimento. O
na realidade irrtroduzidas nestes objetos por a ti vidadca deserrvolvirnentoé a condição prévia da apr-errdizag'ern;
do . sujeito. a aprendizagem, por sua vez, é a condição do avanço do
O processo de, abstração reflexionante comporta desenvolvimento. Em outras palavras, é isto' que diz
sempre dois aspectos inseparáveis: de um lado, orefle- Irrheld'er (1977): "Aprender é proceder a uma síntese
xionamento ("réfléchissement"), isto é, a projeção sobre indefinidamente renovada entre a continuidade e a no-
um patamar superior daquilo que foi tirado do patamar

24 25
vidade" ~p. ~63). A novid.ade trazida pela aprendizagem Inhelder (1977): "Partimos da hipótese que, sob certas
e a continuidade gararitida pelo desenvolvimento. condições, uma aceleração do desenvolvimento cognitivo
Fora da coordenação das ações é impossível sequer seria possível; essa aceleração seria um indício signifi-
pensar o processo. Por isso é preciso, com Mandelbrot e cativo de que teríamos alcançado os mecanismos respon-
Piaget iapud Inhelder 1977), "... mostrar que nem no sáveis do desenvolvimento" (p. 36).
nível da atividade perceptiva nem no da inteligência Se considerarmos que "pensar é agir sobre o objeto e
sensório-motora e nocional, encontramo-nos em presen- transformá-lo" (Piaget 1973, p. 85), esbarraremos certa-
ça de constatações puras, mas sempre de inferência por mente em concepções epistemológicas que vão desde as
parte do sujeito. Essas inferências, em graus variados,
"mimeti~adas" até as frontalmente opostas às da epis-
ultrapassam os fenômenos diretamente observáveis. ternologta genética piagetiana. E este, aliás, o intuito de
Elas implicam... um conjunto de coorde n a çõe s de nossa análise: atingir uma visão crítica das concepções
ações..." (p. 21-22). Coordenações localizadas no sujeito, e das práticas d-ocentes, e, até, abrir um caminho para
mas na estrita .dependência da experiência - física ou que esta análise torne-se permanente.
lógico-matemática; ou, na estrita dependência do pro-
cesso de abstração, empírica ou reflexionante. Isto é, Como vimos, o construtivismo piagetiano propõe
coor~enaç~es como produto, sempre da interação sujei-
uma concepção epistemológica frontalmente oposta ao
to-objeto. E esta compreensão do desenvolvimento e de empirismo e ao apriorismo, simultaneamente. Ao con-
suas relações com. a aprendizagem que se constitui como trário do sujeito passivo destas correntes explicativas da
princípio para quem quer pensar a aprendizagem esco- origem e do .desenvolvirnento do conhecimento, o sujeito
lar e sua complementar: o ensino. "Lembremo-nos que piagetiano é essencialmente ativo. Mas a ação que inte-
u~a teoria genética supõe que .0 desenvolvimento cog- ressaa Piaget não é qualquer ação, mas a ação de
nItIVO se faz essencialmente por Interação entre o sujeito s~gundo nível. Aquela ação que, estancada a ação prá-
e o mundo que o envolve. Disso decorre ... que uma ttca, ou de primeiro' nível, é objeto de apropriação dos
situação de aprendizagem é tanto mais produtiva quan- seus mecanismos, pelo sujeito, por uma ação de segunda
to o sujeito é ativo (ser ativo cognitivainente não se ou de enésima potência. Em outras palavras, trata-se da
reduz, bem entendido, a uma manipulação qualquer; ação própria da tomada de consciência, da experiência
pode haver atividade mental sem manipulação, assim lógico-matemática, da abstração reflexionante. Ação
como haver passividade com manipulação) e que ela lhe que, sem nunca abandonar totalmente a abstração em-
fornece a ocasião de encontros possíveis mais apropria- pírica, a relativiza a tal ponto que o sujeito recorre a ela
dos em função do nível de seus esquemas com o real físico quando achar necessário, sem ser vítima pura e simples
e com um interlocutor" (Inhelder 1977, p. 36). da pressão do meio. Seria este o ponto de chegada do
verdadeiro sujeito epistêmico, condição de possibilidade
Nossa proposta de pesquisa, que caminha no sentido do sujeito ético, do sujeito político, do sujeito humano,
de analisar as falas de professores para detectar suas enfim.
concepções epistemológicas, ao trabalhar a aprendiza-
gem escolar, vai espelhar-se em afirmações como esta Nossa hipótese - e várias pesquisas nossas a com-
de AposteI (1959), apud Inhelder 1977): "o processo mais provam - é a de que o ensino escolar em vez de promover,
fundamental de toda conduta de aprendizagem consiste opõe-se à construção do sujeito epistêmico, na medida
em que o sujeito aprenda a aprender" (p. 22). Ou esta de em que pratica formas autoritárias deste mesmo ensino.
Estas formas depredam as relações produtoras de co-

26
27
nhecimento, depredando, por conseqüência, as condi- meiro ou Segundo Graus, Universidade _ inclusive pós-
ções prévias da construção do sujeito epistêmico que graduação - lecionando em escola pública ou particular
precisa exercer a autonomia no processo para, poder ser - confessional ou não - para clientela do meio urbano,
autônomo no ponto de chegada. "Na realidade, a educa- proveniente de todas as classes sociais, predominante-
ção constitui um todo indissociável, e não se pode formar mente da classe média; 13 destes professores declaram
personalidades autônomas no domínio moral se por exercer uma segunda profissão e três cursar graduação
outrolado o indivíduo é submetido a um constrangimen- universitária.
to irrtelect.ual de tal ordem que tenha de se limitar a b) Em segundo lugar,pela observação (freqüência a)
aprender . por imposição sem descobrir, por si rnesrno a de aulas, de alguns destes professores e de alguns outros
verdade: seé paasivo intelectualmente, não conseguiria não entrevistados; de reunião, conselho de classe etc.
ser livre moralmente. Reciprocamente,porém,' se a sua Não buscamos correlacionar a entrevista de um profes-
moral consiste exclusivamente em uma submissão à sor com suas aulas, isto é, sua prática com suas repre-
autoridade adulta,e se os únicos relacionamentos so- sentações -o que é altamente desejável e poderia ser
ciais que consuituem a' vida da classe são os que ligam feito em alguns casos. A coleta de dados, porém, não foi
cada aluno individualmente a um mestre que detém feliz neste aspecto.
todos os poderes, .ele 'também não conseguiria ser ativo c) Em terceiro lugar, não podemos deixar de fazer
irrtelect.ualrnerrte" (Piaget 1974, p.69). menção a àlgumasde nossas dissertações de mestrado
Esta pesquisa, eminentemente exploratória, busca - por mim orientadas - cujos resultados e análises são
a crítica da epistemologia do- professor, epistemologia: confirmados de forma inequívoca e até fundamentados
quase totalmente inconsciente -epis~emologia subja- pelas análises da presente pesquisa.
cente ao trabalho docente -, e que pode manifestar-se Quanto ao sexo, foram entrevistados 33 mulheres e
pr~dqminanteinenteaPriorista _em alguns caso~, predo- 6 homens. 'Quanto à idade, destes 39 professores, 2 têm-
minantemente empirista noutros, ou, ainda, co-mo uma menos de 20 anos; 13 estão na faixa dos 21-30; 14 na
mistura mais ou menos" equilibrada destas duas posi- faixa dos 31-40; 5 na faixa dos 41-50; 2 na faixa dos
ções. 51-60; 3 não informaram. Quanto ao tempodemagisté-
A superação da escola atual, na direção de uma rio, um professor leciona há menos de 1 ano; 3, entre 1
escola verdadeiramente democrática - escola para todos e5 anos; 11, entre 6 elO anos; 10, entre 11 e 15 arios ; 4,
e .competentena transmissão e na produção do conheci- entre 16 e20anos; 7, entre 21 e 25 anos; 1, entre 31 e
menta - implicará, necessariamente, esta crítica. Não 35 anos; 2 não informaram. Destes professores, 19 tra-
estou afirmando que esta crítica é um caminho único, balham -em escola pública e 25 em escola particular, a
mas sim, que é. um. caminho necessário. maioria delas confessional; alguns destes professores
A matéria-prima desta análise foi obtida: trabalham, ao mesmo tempo, em escola pública e parti-
a) Primeiramente, mediante entrevista com 39 pro- cular. Quanto aos graus de ensino, 8 docentes trabalham
fessores de todos os níveis de ensino, homens e mulhe- com pré-escola, 11 com Primeiro Grau, 2 com Segundo
res, com idades que variam de 19 a 53 anos, com tempo Grau, 19 com Terceiro Grau, 3 com pós-graduação (stric-
de magistério que varia de três meses a 34 anos, traba- toelato sensu), e 1 com deficientes; nota-se que o mesmo
lhadores das mais, diferentes disciplinas, de diferentes docente pode trabalhar, ao mesmo tempo, em diferentes
áreas de conhecimento, lecionando em pré-escola, Pri- graus. Quanto à classe social dos destinatários do ensi-

28 29
no, 9 professores declararam trabalhar com classe bai- Como se tratava de entrevistas lo s várias delas
xa, 10 com classe média-baixa, 23 com classe média, 8 estão incompletas e algumas desviarn~ad~ seu objetivo
com classe média-alta; na observação informal, no en- epistemológico (objetivo da pesqUisa) :tendo-s e a aná-
tanto, encontramos alunos de periferia (classe D), e lises pedagógicas. Porém, mesmo as re'spostas puramen-
alunos de classe alta: nos dois casos, em pequena quan- te pedagógicas foram analisadas sob o ponto de vista
tidade; nota-se que o mesmo docente pode trabalhar, ao epistemológico.
mesmo tempo, com classes sociais diferentes. Quanto à É absolutamente importante aletar qUe a análise
formação, 28 professores declaram ter curso superior, feita está longe de pretender ser única ou exaustiva. Ela
10 ter completado o Segundo Grau e 8 o pós-graduação mantém-se dentro de um cunho eminentemente explo-
(especialização, mestrado, doutorado e, até, pós-douto- ratório. Tenho a certeza de que cada leitor poderá fazer
rado). As disciplinas, nas quais atuam os docentes, não uma análise própria deste material, análise que poderá
foram rastreadas sistematicamente, mas pode-se afir- ser divergente ou concordante com ~ minha, ~as que,
mar que são as mais variadas, constando, entre elas, certamente, nao será desprovida de Interesse. E exata-
matemática, português, história, geografia, OSPB, mo- mente por este motivo que os depoimentos dos professo-
ral e cívica, educação física, arquitetura (várias), direito res foram conservados na sua íntegra após depurados de
(várias), economia e administração, engenharia, odon- redundâncias,gaguejos, expressões importantes na fala
tologia, química, biologia, filosofia, teologia, psicologia, mas dispensáveis na escrita etc., etc. Em nome de quem
currículo por atividade, pré-escola etc. se dispôs a se rerrt.revi st.ado/obser-vado, ou, em nome de
Foram observadas salas de aula em que trabalha- uma análise que tem ainda muito de precário, eu não
vam 12 professoras e 3 professores, com turmas de poderia selecionar "materiais" que me parecessem im-
Primeiro e Segundo Graus e de graduação universitária, portantes do meu ponto de vista, ignorando que os
nas disciplinas de ciências, português, bioquímica, orga- "materiais" que seriam rejeitados, nesse caso, poderiam
nização de empresas, geografia humana etc.; em escola ter interesse sob outros pontos de vista.
pública e particular, envolvendo alunos de classe baixa É importante agradecer aqui aos então (1988~1989)
- inclusive classe D - de classe média, predominante- alunos do mestrado em educação da Universidade Fe-
mente, e também de classe alta. Foram observados, deral do Rio Grande do Sul; que colaboraram com gran-
também, um con sel ho de classe e uma reunião de uma de parte das entrevistas e com algumas observações de
turma de 8ª série, em colégio público de periferia urba- sala de aula. Todos eles já defenderam suas disserta-
na. ções:
A análise do material coletado segue a ordem: (a) Tânia Ramos Fortuna. O pensamento educacional
entrevistas; (b) aulas observadas; (c) reuniões. As entre- brasileiro e o fracasso escolar. O que dizem os artigos do
vistas são .analisadas em dois momentos: (1) mediante Cadernos de pesquisa. Porto Alegre, 1990.
categorias abstraídas da leitura/estudo do material co- Paulo Francisco Slomp. Conceitualização da leitura
letado - análise transversal; (2) mediante a análise de e escrita por adultos não-alfabetizados. Porto Alegre,
algumas (as mais completas) entrevistas, do início ao 1990.
fim, segundo a ordem das perguntas - análise longitu-
Leni Vieira Dornelles. Lecto-escrita e autonomia na
dinal. pré-escola. Porto Alegre, 1991.

30 31
Agradecemos, também, os trabalhos de inestimável
valor das auxiliares desta pesquisa que retiraram en-
trevistas gravadas em fitas K7, digitando-as todas em
microcomputador:
Carla Rosana Silva Casagrande. Atualmente (jan.
1992), assistente de coordenação na Prefeitura Munici- Parte I
pal de Porto Alegre.
Vera Terezinha de- Matos. Bolsista da PRUNI
(UFRGS).
Agradecimento especial, pela leitura atenta e entu-
siastada versão final deste relatório e pelas numerosas
sugestões de correção do texto, . a:
Tania Beatriz I waszko Marques. A EPISTEMOLOGIA
Finalmente, o agradecimento todo especial aos pro- DO PROFESSOR
fessores entrevistados que se dispuseram, com disposi-
ção de colaborar, sem saben.exat.amerrte a que tipo de
análise -seriam submetidas suas fal as; pela contribuição
inestimável que prestaram a esta pesquisa. O reconhe-
cimento. de sua colaboração deve ser ainda maior, na
medida em .que suas falas são avaliadas, pela presente
análise, deforma freqüentemente nada Iisonjeir-a. Devo
alertar, porém, que esta análise dirige-se ao discurso
pedagógico em -geral, não devendo e não podendo ser
interpretada, em momento algum, como fazendo apelo
a categorias que visassem .aatingir ár-easde conheci-
mento específicas, grupos de docentes, indivíduos etc.
Os docentes entrevistados eram pessoas perfeitamente
normais, trabalhadores da educação, com suas ambições
e suas decepções, produtos, eles também, do sistema
educacional que aí está,com todas as contradições que
o caracterizam. Eles merecem o imesmo respeito que
qualquer um de nós - escritor ou leitor. Em síntese, as
análises que se seguem visam a atingir o discurso peda-
gógico como totalidade, sob o ponto de vista da episte-
mologIa genética piagetiana; podem, por isso, atingir a
qualquer um de nós, inclusive a mim.

32
1.

A ORIGEM DO CONHECIMENTO

1. CONHECIMENTO ADQUIRE-SE PELA


PRÁTICA

Parece existir uma consciência muito clara da dife-


renciação das fontes de conhecimento: "Na verdade exis-
tem dois tipos de conhecimento: o conhecimento que vem
da prática, que é o conhecimento até que me falta um
pouco, e os conhecimentos teóricos que a gente tem aqui
no curso". A noção de prática, como se vê, está vinculada
ao fazer; enquanto a de teoria, aos conteúdos que a
escola pretende transmitir. Esta dicotomização está am-
plamente presente nas concepções epistemológicas do
professor. Diz a professora de educação física: "E através
da prática que se vai adquirindo conhecimento. No dia
que eu tento passar, na sala de aula, alguma coisa
através da teoria, os alunos não aprendem ... O conheci-
mento deles está baseado na prática". E o professor de
educação física vai mais longe ao eleger esta dicotomia
como princípio de planejamento da matéria que leciona:
UNo começo do ano eu já aviso aos alunos: se vocês
tiverem duas aulas teóricas durante o ano, vai ser o
máximo. Acho que não tem como a prática; é a prática

35
que leva a tudo. Nas outras matérias, também. A prática 2. CONHECIMENTO COMO EXPERIÊNCIA DE
é onde eu acredito que as crianças aprendem". VIDA, COMO V!VÊNCIA, ADEQUAÇÃO OU
Mas, o que é a prática? Outro docente responde: "Se IDENTIFICAÇAO
a criança tem o que manusear, visualizar, não só ouvir",
ela tem a prática. É comum a estranheza do docente às perguntas a
A professora de ciências da computação informática respeito do conhecimento. O professor cotidianamente
trabalha, fundamentalmente, com a mesma concepção: ensina conhecimento, mas reage ao convite à reflexão
"Na nossa área de ciências exatas (a transmissão do sobre isso como alguém que está almoçando, jantando
conhecimento) tem que estar junto com a experiência ou bebendo um copo d'água e se lhe pergunta por que
prática. O aluno tem que ter um trabalho prático para está comendo ou bebendo. Parece que nunca alguém
concretizar o que tem em aula. Quando os conceitos ficam lhes perguntou a respeito. Alguns afirmam que, de fato,
s6 na teoria da sala de aula, não conseguem aproveitar. nunca pensaram sobre isso. Entende-se, então, por que
Mesmo com uma disciplina de enfoque difícil, pratican- ocorrem algumas respostas vagas do tipo: "Conhecimen-
do eles fixam melhor os conceitos. E melhor não se 'correr' to é uma coisa diftcil; não sei bem definir", ou: "Conhe-
na matéria, ir mais devagar para que o aluno vá acom- cimento é aquilo que tu sabe", ou ainda: "São as coisas
panhando com experimentação". as experiências de vida que a gente vai adquirindo:
guardando ao longo da vida".
Vislumbra-se, aqui, um pequeno avanço no momen-
to em que a prática é identificada com a experimentação; Neste contexto de ausência de reflexão epistemoló-
esta, no entanto, parece estar distanciada da teoria que gica o professor acaba assumindo as noções do senso
lhe dá sentido. . comum. Uma destas noções que remonta a uma tradição
filosófica milenar é a de adequação. O conhecimento é
A prática não passa de uma estratégia que torna concebido como um ajuste ou uma adaptação, no sentido
possível a apreensão da teoria; esta não passa de um vulgar do termo, entre a mente e as coisas. Esta identi-
conteúdo conceitual; ideal, desvinculado de qualquer ficação acontece por uma vivência ou por uma experiên-
prática anterior e transmitida pelo ensino. Teoria e cia de vida. "Para mim conhecimento é identificação,
prática não são complementares entre si. Uma depende sintonia, integração. Não posso ensinar ninguém se ele
da outra apenas parcialmente. não está receptivo; é vivenciar, é inform.ar, é algo interno,
O conhecimento aparece, aqui, como tributário de é uma experiência. Posso propiciar, oporturiizar, levar a
uma fonte externa ao sujeito. A teoria vem de fora conhecer, dar informações, mas é preciso vivenciar, ver
trazida pelo professor; não se questiona sobre sua ori- como funciona". "No meu entender o conhecimento é
gem. A prática é um recurso sensorial que permite a tentar, vamos dizer assim, assimilar, identificar tudo
retenção da teoria pelo sujeito da aprendizagem; não se aquilo que nos cerca. Então, em última análise, é se
interroga a respeito de suas condições prévias. Os ques- identificar com o mundo".
tionamentos, se existem, terminam por aí. Trata-se de Parece claro que tal concepção afirma a experiência
uma concepção estática, empirista do conhecimento. como vivência no plano sensorial; vivência determinada ,
,
portanto, pelo mundo externo, pelo mundo do objeto,
mas enquanto este incide no plano subjetivo da afetivi-
dade dando lugar a uma experiência de vida. O sujeito

36 37
é determinado, é passivo. A atividade, se existe, é limi- vivências, do que lhe é oportunizado". A crença no poder
tada ao esforço subjetivo de entender que as coisas são determinante da experiência - a capacidade origina-se
assim e sempre o serão; tudo o que se tem a fazer é da experiência - relativiza até a idade como fator deter-
aceitar esta "realidade" e agir para a ela se adequar. "O minante do desenvolvimento: "Pode haver uma criança
conhecimento surge da convivência de cada pessoa. Ela de 7 anos que tem capacidade e nenhuma vivência e
vai aprendendo por tudo que está vivenciando, por inter- outra de 3 anos, que tem experiências, demonstrando
médio das pessoas de sua convivência, pelos meios de então ter mais capacidade".
comunicação, de livros, daquilo que vê, percebe e capta". Até a passagem de um menor conhecimento para um
"Pelas sensações, pelo somatório de todas as vivências maior dá-se através da vivência.
que ela tem, todas as experiências". O conhecimento é "o Embora a busca, neste contexto empirista, das con-
saber, a experiência de vida que a criança vai adquirir". dições prévias de todo o conhecimento não pareça cons-
O conhecimento se transmite "através de experiências tituir preocupação; quando ela surge, porém, mesmo
que irão permitir que ela (a criança) participe de certas como vislumbre, caracteriza-se, logo, como apriorista; e,
coisas. Que se dê oportunidade para que ela explore e tire neste caso, como individualista: (CAcho que o conheci-
conclusão de algo". mento é um fenômeno pessoal. Agora, em se tratando, por
Apesar de apontar para a atividade (da criança, do exemplo, de verdades irrefutâueis, seria uma definição a
aluno), o docente raramente faz referência à açãotrans- priori, coisa assim.... ".
formadora do sujeito sobre a cultura e a correlativa ação
transformadora da cultura sobre o sujeito. A ação do
sujeito, nestes depoimentos, não é transformadora, mas 3. CONHECIMENTO COMO ACESSO
adequadora; a ação da cultura não é transformadora, SEN~ORIAL: SENTIDOS, PERCEPÇÃO,
mas determinante no sentido de plasmar, de condicio- ESTIMULO
nar, de adequar. O conhecimento dá-se "pela vivência e
pela cultura. Cultura: o que eles aprendem na escola, o Pouco esforço foi necessário para detectar, nos depoi-
que eles lêem; pela leitura, digamos assim. Pra mim isso mentos dos docentes, posições nitidamente empiristas.
é básico: vivência e leitura". O conhecimento "transmi- Pode-se afirmar que o empirismo é a forma que mais
te-se por vivências, brincadeiras, experiências; para se amplamente caracteriza a epistemologia do professor.
chegar a uma conclusão o professor tradicionalmente dá Pode-se dizer, inclusive, que mesmo os docentes com
os fatos antes do aluno experimentar. A experiência leva posições aprioristas/inatistas ou que se aproximam de
. o aluno a uma conclusão. Só quem vivencia tem facili- uma postura interacionista não conseguem superar to-
dade para aprender". talmente sua epistemologia empirista. Numa palavra,
Esta concepção do conhecimento-adequação parece todos os docentes são, pelo menos em algum grau, em-
tão arraigada que em alguns casos chega a submeter a piristas. Ela é, também, a postura mais claramente
ela a concepção de estágios de desenvolvimento do co- verbalizada; talvez por ser a que mais se aproxima do
nhecimento, concepção eminentemente histórica, evolu- senso comum. Ou seja, é aquela que é professada aquém
tiva, e portanto tributária da ação do sujeito. "Acho que de qualquer questionamento.
(a criança) aprende através das experiências. Cada ida- Caracteriza-se a postura epistemológica empirista
de tem sua capacidade de conhecimento através de suas por atribuir aos sentidos a fonte de todo conhecimento.

38 39
"Penso que o conhecimento sempre se dá via cinco senti- a anilina no papel em braneo, que a gente tinge, passa
dos, de uma ou outra maneira, ou lendo, ou participan- para o papel. O aluno assimila, elabora, coloca com as
do, ou atuando, ou desmontando algum objeto, mas, de práprias palaoras". O seguinte depoimento é ainda mais
qualquer maneira, que tenha uma participação ativa do enfático em buscar na explicação associacionista a elu-
aprendiz junto ao fenômeno ou objeto que está estudan- cidação da origem do conhecimento: ele é uma resposta,
do". Como se vê, o fato de reconhecer a função da ativi- uma reação do organismo a um estímulo ou a situações
dade do aprendiz não destrói a convicção empirista, pois estimulantes: "Como se opera o conhecimento? O conhe-
a própria atividade está submetida aos cinco sentidos, à cimento se dá pela reação, penso eu, intelectual, no caso
apreensão (aprendizagem) de algo que vem de fora e da pessoa, através de alguns estímulos, a partir de
que, como tal, determina o sujeito. O conhecimento "se situações estimulantes. Na medida em que a pessoa é
dá à medida que as coisas vão aparecendo e sendo estimulada, ela é perguntada, ela é incitada, ela é ques-
introduzidas por nós nas crianças. Aprendendo confor- tionada, ela é até obrigada a dar uma resposta. Isso
me suas cabeças. É através de nossa introdução a ela. deflagra processos mentais a nível do pensamento em
Ela [criança] usa basicamente os sentidos dela - a visão, que a pessoa vai exercitar operações mentais, cuja natu-
a audição, a fala - a criança tem dificuldade, mas ela reza não conheço especificamente, mas imagino que a
tem um raciocínio". "Conhecimento é perceber a realida- partir de uma situação estimulante, de uma proposta, de
de, as formas como se dá as coisas na realidade; conhecer uma pergunta ou até de uma imposição; acho que o
é perceber, principalmente". Até esta postura que apa- pensamento reage ese deflagram então processos varia-
rentemente se aproxima do idealismo de Berkeley (esse dos, onde vai se dar a aquisição do conhecimento, a
est percipi) não deixa de ser empirista, pois a realtdade apreensão de uma verdade, de um fato". Apesar de
é vista, no contexto mais amplo da entrevista, como o classificara resposta como "intelectual" e de reconhecer
fator externo determinante do conhecimento, este visto a existência de "processos mentais a nível do pensamen-
como fator subjetivo. O conhecimento "é transmitido, to em que a' pessoa vai exercitar operações mentais",
sim, através do meio-ambiente, família, percepções, permanece inalterado o fato de que o conhecimento
tudo". "É importante ter conhecimento sobre todas as provém do exterior, do mundo dos estímulos; o conheci-
coisas para passar para os alunos; é aquela informação mento é "a apreensão de uma verdade", e não sua cons-
a mais que se dá para os alunos". trução.
A postura empirista revela-se claramente no ato de
ensinar. A concepção de aprendizagem, no sentido do
behaviorismo de Thorndike, como aquisição de algo ex- 4. NÍVEL DE MOTIVAÇÃO E DE EXPECTATIVA
terno ao sujeito, dentro da concepção de objeto própria FRENTE AO CONHECIMENTO
do positivismo, caracteriza a concepção de aprendiza-
gem própria deste empirista: "Em termos de primeiras Do depoimento do professor de educação física, pas-
séries [o conhecimento] é uma coisa muito abstrata; e sando pelos depoimentos da professora de história, dos
para se tornar palpável é preciso um ponto de medida; é professores de matemática, da professora de engenha-
perceptível quando a criança consegue ler e escrever ou ria, indJIz-se uma constatação: o conhecimento passa por
quando repete - não simplesmente, mas de forma elabo- sérias dificuldades no que concerne à sua transmissão e
rada, com desenho ou mesmo falando. O aluno... é como à sua produção, e isto dentro de sua própria casa: a
escola, em qualquer grau de ensino. As condições para

40 41
a construção do conhecimento na escola de periferia aprendizagem não pode ser aprendida no sentido estrito
mostram quão longe estão elas daquelas condições pré- (cf, trabalhos de Piaget e colaboradores, da década de
vias aferidas, por exemplo, da teoria de Piaget, e na bas.e 50), no sentido da aprendizagem como é entendida pelo
das quais encontra-se o que este autor chama de moti- associacionismo ou pelo behaviorismo, por exemplo.
vação estrutural. Queixa-se o professor de educação Por isso mesmo, o ensino da matemática parece ser
física: "Ninguém tem a pretensão de chegar um dia a ser o mais revelador desta contradição (ou, quem sabe, deste
alguma coisa. Os próprios pais já transmitem para eles paradoxo). Os próprios professores desta área expres-
(filhos/alunos): 'O primeiro grau tá bom!' Elesjá chegam sam-se, em geral, da seguinte maneira: o aluno que já
aqui fazendo pouco caso... A prática que é o.nde eu a?r~,­ sabe aprende bem, o aluno que não sabe, não aprende
dito que as crianças aprendem, eles não se Ligam. "!ULto · nunca. Bastaria isto para liquidar este ensino. Ou ain-
Acrescenta a professora da mesma disciplina: "E uma da, o aluno que estuda (sozinho) aprende, o aluno que
clientela que não tem interesse. Aula expositiva, trabalho não estuda (sozinho) não aprende. Isto seria suficiente
em grupo~ debates, nãoé o suficiente". A professora de para acabar com as aulas de matemática: elas seriam
história não deixa dúvida de que a ausência da motiva- inúteis. No entanto, a própria dependência criada no
ção estrutural está na base da sensação de fracasso aluno pelo ensino que temos, pelo ensino convencional,
vivida pelo docente: "A história é uma matéria que tem postula a continuidade dessas relações. Se não fosse
muitas datas e nomes para decorar; é chato. Eu tento assim, quem garantiria o estudo do aluno? Se o professor
passar a idéia de que a história tem uma ló~ica~ mas ~ não cobra, através de uma (discutível) avaliação, o con-
difícil que eles entendam. Por exemplo: no c.Lc.lo do café, teúdo que apresentou em aula, por que outro motivo o
por que era monocultura, quais classes soCLaLS estavam aluno estudaria? Afinal, o aluno persegue o êxito (ser
envolvidas, a dominação, a mão-de-obra era escrava, aprovado, tirar um diploma, ser um profissional, obter
dava lucro... Eu tento passar uma Lágica, 1 + 1 = 2, como lucro... ) e não a verdade, a compreensão, a tomada de
na matemática". Parece que em nenhum momento pas- consciência. É inútil esperar que um aluno aprenda a
sa pela cabeça desta professora que o problema pode matemática mais abstrata sem ter constituído uma
estar precisamente na ausência da lógica que ela pres- sólida estrutura lógico-formal; estrutura construída a
supõe existir no conhecimento das crianças. para quem partir do concreto, interação entre o sujeito e o mundo
ela ensina. Como se pode esperar de uma criança de 9 a físico e social. A insegurança dos professores deve-se, em
10 anos, que freqüenta uma escola de per~feria, que grande parte, parece-me, ao seu desconhecimento das
apresente, como pré-requisito para a apr~ndIzag;m, na características básicas do desenvolvimento do conheci-
terceira série do Primeiro Grau, os concertos de classe mento. "Existe possibilidades de que venham a apren-
social", de "monocultura", de "dominação", de "mão-de- der, mas não se garante. As coisas (métodos) funcionam
obra escrava?" Professores universitários de idênticos para umas pessoas e outras não. Noto simplesmente que
conteúdos reclamam da mesma dificuldade... Isto é, os alunos aprendem... ~~. Esta professora, licenciada em
falta-lhes a motivação estrutural que é a motivação que matemática, consegue formular a especificidade do pro-
releva da lógica construída pela ação.do sujeit? ~través blema com o qual se depara em sala de aula. Mas não
do seu próprio processo de desenvolVImento: l~~ca que tem resposta para ele. "Na matemática, quando o aluno
não é e não pode ser ensinada pela escola. A lógica que começa a compreender que as coisas são relações, intera-
constitui a condição prévia de todo ensino não pode ser gem, se relacionam, começa a entender. Isto se torna
ensinada; a lógica que é a condição prévia de toda

42 43
mais difícil quando as coisas começam a se sobrepor. Por onde eu trabalho. Eu acredito, aqui na UFRGS, pela
exemplo, o jogo de regras. As re8ras mais abstratas ape- minha graduação e pelo contato que eu tenho, aqui é um
nas entre si criam novosjogos. E pura idéia, o sujeito que pouco diferente, mas lá na PUC agente tem um problema
'capta' isto, vai adiante". Como professora de matemáti- que a gente não está fazendo os alunos pensarem. Eles
ca de Primeiro e Segundo Graus, ela demonstra possuir não estão desenvolvendo um senso crítico. Então eles
uma compreensão ao mesmo tempo aguda e rara do estão sendo simplesmente aplicadores de fórmulas. Eles
problema que enfrenta: o da motivação estrutural, con- estão simplesmente repetindo que nem um papagaio o
forme definimos acima; embora ela não tenha consciên- que a gente faz no quadro. Se sair daquilo que a .gente
cia disso: "O trabalho em matemática é quase faz no quadro não se resolve mais nada. Então, primeira
impactante, tudo é simbologia, com características pró- coisa que eu acho é que eles têm 5 anos de graduação,
prias de serem operacionalizadas. Tanto as crianças eles .poderiam se desenvolver muito mais do que eles
como os adultos, quando se defrontam com a estrutura- estão se desenvolvendo. Agora, como é que eles passam
ção da matemática, se assustam. Ter uma experiência de de u1J7' menor conhecimento para um maior conhecimen-
aprender o conhecimento feito, estruturado, não contra- to? E por aí a coisa... eles (os alunos) vão fazendo as
ditório, é árduo. Mas, não sei como funciona o conheci- disciplinas, essas disciplinas são muito bem mastigadi-
mento dentro das pessoas, sei que cada um tem um jeito nhas,então se -dá tudo resolvido para o aluno, se apre-
de aprender. Leio, estudo sobre estruturas do conheci- sentam provas que normalmente não fogem daquilo que
mento, mas não sei como funcionam". foi dado em aula, os exercícios praticamente iguais... as
A professora de engenharia civil descreve, num lon- notas são muito baixas, em geral, médias muito baixas.
go depoimento,um quadro nada animador do ensino E assim que se vai passando o conhecimento-Então eles
universitário. Nos porões desta crítica, porém, há mo- vão se tornando meros repetidores do que o professor está
mentos de sua fala que são reveladores de uma concep- falando. Eu acho que o conhecimento deles é simples-
ção de conhecimento como se este fosse um apêndice do mente uma absorção de fórmulas prontas. Não existe um
comportamento do sujeito, como se o conhecimento ca- acréscimo pelo menos significativo do senso crítico do
recesse de um estatuto próprio e, como tal, não precisas- aluno, de raciocínio, do que seria a própria engenharia
se ser tratado como algo consistente em si mesmo: a para nós, o que significaria ser um engenheiro.... E eu
professora parece não suspeitar que a concepção episte- acho que o que está faltando no curso de engenharia é
mológica da escola, a sua e a dos alunos, possa ter algo que eles não estão se tornando pessoas. Eles estão sim-
a ver com esta situação toda. "Os alunos, quando ingres- plesmente se tornando técnicos que aplicam fórmulas
sam no curso de engenharia, eles têm um menor conhe- prontas. Se eles tiverem que inventar, engenhar uma
cimento e, supostamente, quando saem têm um maior nova solução para um problema, não têm essa capacida-
conhecimento. Bem, pela minha visão, até estava discu- de".
tindo pela manhã... estou meio decepcionada, meio triste Até o apelo que faz à metodologia experimental de
com isso. Eu acho que com 5 anos de engenharia a gente sua área descrevendo, embora vagamente, o processo de
está dando muito pouco pra eles. Não sei se por causa construção de conhecimento que aí ocorre, não leva a
que a engenharia está uma área meio saturada, o pessoal suspeitar que talvez o que é frágil é precisamente a
não tem emprego, se arranja, ganha tri-pouco, sei lá o concepção de conhecimento, a epistemologia: "A desco-
que que é, né. E até da própria estrutura da universidade berta é feita de pesquisa. Existe muita pesquisa experi-

44 45
mental... Ensaios para romper estruturas, vigas, lajes, tivo resultante da troca do sujeito com o mundo. O móvel
enfim. A partir desses, se formulavam teorias que às desta troca é a própria ação do sujeito. É isto que Piaget
vezes se verificavam, outras vezes se verificavam mais ou chamou, 'mais recentemente (1977), de processo de abs-
menos e foram aperfeiçoadas ao longo do tempo. Hoje em tração refiexionante (le réfléchissement). Podemos falar,
dia ainda existe uma área importante de pesquisa na conseqüentemente, em conceito empirista de prática e
área de estruturas, que é a área de métodos numéricos, conceito empirista de teoria, em conceito construtivista
a utilização da computação para resolver os problemas de prática e conceito construtivista de teoria.
de engenharia. Alguns deles, até então impossíveis ou
com soluções deficientes. Então é mais ou menos assim
que se produz o conhecimento na área. Eu não sei o que 5. CONDIÇÕES DE ENSINO: CONDIÇÕES
tu chamas de menor conhecimento ou maior conhecimen- OBJETIVAS DO DESENVOLVIMENTO DO
to, talvez fosse isso que eu falei, um conhecimento mais CONHECIMENTO
prático para uma teoria mais aprofundada. Não sei se é
exatamente isso". A fragilidade das relações por ela Com indiscutível propriedade o professor de filosofia
representadas entre prática e teoria parecem confirmar situa o problema enfrentado por qualquer professor: "Na
esta posição: c'Ah, pois é o que eu falei. Existe o aspecto ação docente, há duas questões não muito resolvidas: a)
prático, existe a engenharia dia a dia, que pode ser pela como trabalhar o conhecimento sistematizado em função
sensibilidade da prática, se absorve uma série de coisas. de necessidades e experiências do grupo; b) como pegar
Existe uma série de fundamentos teóricos... são coisas as experiências do grupo, mesmo de senso comurn, e
assim, sofisticadas demais para se passar a um aluno tentar elaborá-la até chegar ao filosófico. Isto, em termos
de graduação. Então tem os dois enfoques". de' ação docente, depende muito do grupo que estejamos
As relações entre teoria e prática bem denunciam o liderando. Temos ações diferentes em grupos diferentes.
empirismo predominante nestes depoimentos: a prática Na universidade, o universo é um; com alfabetização de
é vista como um fazer material mediante o qual retira-se trabalhadores, apesar de sabermos usar determinados
(abstrai-se!) do objeto ou, até certo ponto, da ação a princípios e codificá-los, o universo é outro. Trabalhar o
teoria neles contida. A teoria é, fundamentalmente, algo conhecimento vem em função do grupo e da história deste
que está no objeto. Ela é extraída daí pela prática. O grupo". Visto de outro modo, o problema pode ser assim
aluno deve agir (prática de laboratório, p. ex.) para formulado: o conhecimento reveste-se de significado na
poder, ele mesmo, retirar do objeto a teoria: é o empiris- medida em que é transformado, pela ação docente, em
mo n.a sua expressão máxima! A teoria não é vista como conhecimento para o grupo, não descaracterizando, por
o modelo construído pelo sujeito cognoscente mediante um lado, a identidade deste conhecimento e consideran-
sua interação com o meio físico e social. Suas trocas com do, por outro, a identidade do grupo (classe social nível
o meio, através de um processo de abstração apoiada não de ensino etc.). Pode-se objetar que para o professor de
apenas nas coisas ena ação do sujeito mas, sobretudo, filosofia ou de sociologia isto é relativamente fácil. Como
na coordenação das ações do sujeito, leva-o a construir fica esta dicotomia conteúdo-experiência do aluno quan-
esquemas acomodados e, progressivamente, coordena- do se trata de química, física, biologia? Acompanhemos
dos entre si, o que constitui a própria teoria. A teoria não. um exemplo que parece mais plástico: como a professora
é cópia do mundo, mas modelo construído a nível subje- de belas-artes, que exerce a docência no Segundo Grau
em arte e educação, enfrenta este problema.

46 47
Diz ela: '~ dificuldade de lecionar artes é o descon- A desejada percepção do professor das relações entre
dicionar o efervescente do aluno, achar uma saída para conteúdo e experiência pode, no entanto, ser bloqueada,
trabalhar valores, vivências, manusear o material, esco- desvirtuada, ou, na melhor das hipóteses, dificultada. O
lher o que fazer, e isto mexe com o ser humano. É preciso docente não é simplesmente dono do seu destino. Não é
se estar aberto para a criação. O tipo de produção não por nada que Marx já se perguntava: "Quem educa o
tem hora marcada, é vida, faz parte do homem. É preciso educador?" A professora de uma instituição universitá-
levar o aluno a conhecer, a perceber coisas de sua volta, ria do centro-oeste do país, entrevistada para esta pes-
ver coisas, sentir coisas suas. O questionar, o discutir, o quisa, fala dos percalços pelos quais passa o professor
debater em aula é vital. Trabalhar o que o aluno leva durante sua formação e da dependência deste processo
para a sala". Quase não se consegue distinguir, aqui, do contexto político. Diz ela: "Em termos de graduação,
conteúdo de experiência, ciência de docência, conheci- nunca se refletiu sobre o conhecimento; isto até por mi-
mento científico de-processo criativo. Um invade o cam- nha graduação ser numa época em que nunca se permi-
po do outro, interpenetram-se negando-se ou tiu saber o porquê. Se perdeu tempo; somos reprimidos;
legitimando-se. Por exemplo: "Em dramatização, eles fazíamos ~em que fosse permitído saber por que se estava
colocam seus problemas, conflitos, e de um problema fazendo. Epoca que comprometeu muito a educação. Se
individual se trabalha com o grupo como se fosse um estava fazendo; graduação com 'fárrriulas' de ser 'bom
problema geral. Aproveita..seas vivências e experiências professor', e em nenhum momento havia um trabalho em
dos alunos. Eu não me preocupo como produto, e sim função de um projeto hist6rico. Havia uma concepção de
com o processo. Se um aluno tem uma dificuldade, se a ciências como uma coisa perfeita, acabada, neutra, pron-
coisa é muito abstrata, tenho que trazer situações mais ta. Neste esquema se começa a trabalhar e se vê que isto
pr6ximas. Se a matéria émuitoteôrica e isto está difícil] não é bem assim. A luta começa a partir do momento em
temos que parar tudo e' ver o que está acontecendo. E que se está num campo de trabalho. Para o meu momento
indispensável, para que ele aprenda, a vivência, a expe- histórico, isto é muito importante. Questiono hoje minha
riência, as trocas. E o papel do professor é o de quem vida, minha atuação e .acho que muita coisa tem que ser
oportuniza a troca, e este é também o da família. Cada mu,dada".Estebloqueio, esta obstrução do processo de
criança tem suapr6pria fase de crescimento; em artes ela construção do conhecimento manifesta-se não apenas no
é mais despida, ee permite, cada fase é diferente". A processo de formação do docente, mas-também nas con-
identidade social do grupo pode fazer variar significati- dições cotidianas de ensino enfrentadas por este docen-
vamente esta compreensão das relações conteúdo/pro- te. Condições que revelarn por si mesmas a definição
cesso. Não, porém, impedi-la. "Acho que trabalhar na política de educação da sociedade, em que vivemos. Para
favela é mais difícil, mas, mesmo que o cara tenha Marx:, não apenas o educador deve ser educado, mas a
dificuldades orgânicas ou neurológicas, se tu trabalha- estrutura educacional em seu conjunto e a. própria es-
res com valores, levas a criança ao desenvolvimento. Há trutura social também o. devem; caso contrário, as mu-
potencial, mas o nível de informação, de oportunidades, danças buscadas pelo professor progressista, no espaço
de vivências, são diferentes, os próprios pais já relutam da sala de aula, não poderão acontecer. Neste sentido,
como 'retardados', é um problema social, acho que é mais Florestan Fernandes se pergunta: Como é possível uma
uma questão de oportunidade". universidade democrática numa sociedade autoritária?
Outro docente diz: "Acho que aí tem que distinguir o
conhecimento dentro da universidade, a forma como ele

48 49
costuma acontecer, ou seja, o tal do conhecimento letrado do silêncio a que foi reduzido o professor durante seu
e o conhecimento enquanto conhecimento popular. Eu tempo de formação: não pensou, e não pensa, sobre
acho que o conhecimento letrado se dá e se transmite com coisas tão presentes no seu cotidiano. A proibição da fala
todo um ranço que a academia nos impõe ou a gente se do aluno, para legitimar a fala unilateral do professor e,
condiciona - acho que mais é a gente que se condiciona sobretudo, o silêncio deste sobre determinados assuntos
- que é a forma de relação professor X aluno, do tipo trazidos pelos alunos, equivale à obstrução da própria
bancário, do tipo que sabe e o outro que não sabe. As dinâmica do processo de construção das estruturas do
coisas costumam se dar nessas bases". conhecimento e da produção do conhecimento-conteúdo.
"Minha aula é história. Falta material, falta recur- O depoimento deste professor parece intuir claramente
sos... ", diz a professora de sétima e oitava séries: "Na este bloqueio: "Na graduação, com 30 a 50 alunos, isto
minha - continua a outra professora - são 40 alunos. (discutir, tentar discutir) é impossível. E, se a pergunta
Tenho que fazer (aula) dialogada. Tentei fazer trabalho é feita, são sempre os mesmos que respondem. Não se fala
em grupo, mas dá muito barulho, e no meu colégio diretamente com o aluno. Não se consegue fazer uma
(instituição privada de ensino) quando tem muito baru- universidade com um professor conferencista e com alu-
lho, o professor é considerado que não tem controle de nos anotando". Outro professor acrescenta: "O problema
turma. E quem não tem controle de turma vai pra rua! do adulto é que a sociedade cria exigências, bloqueios
Tento fazer dialogada, mas só 2 ou 3 fazem perguntas. para a expressão, para a criatividade}'.
Geralmente dou aulas expositivas. Poucas aulas são em O silêncio é a morte do conhecimento não apenas em
grupo. Aula em grupo só funciona quando eu peço tra- termos de produção de conteúdo mas, e sobretudo, 'em
balho escrito; senão dá bagunça, se é dialogada". O termos de .suas estruturas básicas, lógicas, orgânicas.
círculo vicioso (aula dialogada/trabalho em grupo = ba-
rulholbagunça = não controle de .turma/não aprendiza-
gem = demissão/rua; aula expositiva = silên- 6. CONHECIMENTO COMO PROCESSO
cio/submissão = repetição/aprendizagem) montado pelo MENTAL, MAS COMO INTERIORIZAÇÃO
autoritarismo da .estrutura escolar bem demonstra a
intencionalidade da educação. Se por um lado, como A professora universitária de história expressa o que
afirmaPiaget, a linguagem não é responsável pela gê- se pode considerar uma visão epistemológica crítica;
nese das estruturas lógicas - instrumentos básicos de constitui,neste sentido, um dos raros momentos capta-
todo conhecimento - constitui-se ela, por outro lado, no dos por esta pesquisa: "Eu não considero conhecimento
mais poderoso instrumento de desenvolvimento destas quando o aluno apenas sabe repetir. [Conhecimento] é
estruturas. Afirmamos,aqui, que a sala de aula proíbe, quando o aluno consegue desenvolver os mecanismos de
pela sua própria configuração e organização, o livre aprendizagem. Ele deve saber consultar e relacionar os
exercício da linguagem; obstrui, bloqueia, portanto, o dados. Eu trabalho com esquemas, roteiros, estrutura, e
processo de desenvolvimento do conhecimento. Um pro- o aluno deve saber relacionar o que é mais importante
fessor, ao ser perguntado sobre o conhecimento - assun- no conteúdo. Eu também trabalho com textos contradi-
to com o qual trabalho cotidianamente - diz: "Me pega tórios (com pontos de vista diferentes), e o aluno tem que
desprevenido... não pensei nisto como educador... Talvez ser crítico para discernir e tomar posições. Em história,
(conhecimento) seja usar conceitos". Este é o resultado as questões são polêmicas; não é matemática. Eu uso

50 51
também 'análise de discurso', trabalhando com revistas o empirismo esteja sendo ultrapassado. Acreditamos,
da época... ", Interrompemos o depoimento da professo- porém, que a professora de história acima possa, com
ra, no qual ela expõe um conceito de conhecimento que um pouco de reflexão, consegui-lo.
é eminentemente relação; conhecimento não é isto ou
aquilo, mas é, por excelência, a relação entre isto e
aquilo, basicamente entre sujeito e objeto. No entanto, 7. PASSAGEM DE UM MENOR A UM MAIOR
na mesma seqüência de discurso a professora trai o seu CONHECIMENTO
empirismo: "Conhecimento é a capacidade de aprender
algo e usar depois; é quando o aluno incorpora o conteúdo A pergunta: Como se passa de um menor conheci-
e consegue manipular os dados". O conhecimento ou mento para um maior conhecimento? provocou respos-
conteúdo é, num primeiro momento, incorporado e, num tas bastante reveladoras a respeito das concepções
'segundo momento, vivenciado. Ora, o conhecimento, ~pistemológicas. dos docentes. Começa com o espanto:
especificamente os conceitos que constituem a própria Te confesso - dIZ o professor de teoria geral do direito-
arquitetura do pensamento, é vivenciado ao ser cons- que nunca !in. h a pensado (nisso), até porque me parece
truído; construção e vivência são duas faces do mesmo uma que~tao iriteresearüe. Se conhecimento é aquilo que
evento. acomu,!ldade acumulou, com informação que a instru-
Outro entrevistado é ainda mais enfático nesta dico- mentalieauam. para transformar o uriioerso, a vida, o
tomização do processo: ''Além de ser adquirido [através] mundo, enfim, esse salto qualitativo se dá fundamental-
dos conceitos, estes conceitos devem ser uiuenciados: aí mente pela tua maior possibilidade de transformar. esse
sim, teremos um conhecimento". A condição de todo o mundo, de não se adaptar no mundo, mas de ter com ele
conhecimento está assentada na ruptura do processo de um.a relação de independência".
conhecimento, se entendemos este processo como Piaget A primeira concepção flagrantemente pró-empirista
o entende. Vejamos ainda outro entrevistado: '~gente que surge aqui écaracteriza'da pela ausência quase total
leva o aluno a pensar sobre uma série de assuntos que se do fator história. As explicações que fazem uso darefe-
apresentam; pede-se a ele que faça diferentes análises, rência à faixa etária não passam derirna palo, mais ou
comparações; através da comparação, da análise [vai] menos mecanicista, oscilando "entre afirmações genêri-
interiorizar aquilo que a gente mostra, aquilo que agente case uma postura claramente maturacionista. Passa-se
apresenta". Não resta dúvida, parece-me, que, na base de um menor conhecimento para um maior, "graduando
destas .afirmações, está a concepção de conhecimento conforme a faixa etária", ou "oencendo etapas sucessivas
como algo que vem de fora (primeiro momento) e que, que são função da pessoa, função do estágio em que ela
por vivênciaIsegundo momento), se transforma em con- (a crian9a) se encontra de conhecimento. Se ela adquire
teúdo mental. A aquisição de conceitos, as diferentes uma coisa menor, consegue com maior facilidade am-
análises, as comparações não passam de estratégias p~iar aquele conhecimento de qualquer área", ou "idades
para explicar este processo empiristicamente concebido. diferentes, fazem um nível diferente de trabalho" ou
Pode-se até, dentro desta concepção, constatar, também ainda: '~ maturidade. Se tu tens uma criança de 2 a~os
empiristicamente, níveis diferentes de conhecimento: não adianta ensinar. [Ela aprende] conforme vai ama~
"O conhecimento se dá por diferentes processos mentais, durecendo, pois é cronológico. Também [pela interferên-
por diferentes níveis mentais". Nada indica, porém, que cia do] ambiente - a família, a sociedade, a escola, onde

52 53
a gente tenta pôr algum limite". Numa palavra, faz-se
matéria-prima para esta análise. Ela é simplesmente
uma epistemologia sem história: "Eu acho qz:e atravé~ dada.
do trabalho gradual de conhecimento ela (a criança) uai
passando de um nível para outro". Trabalho gradual no O depoimento da professora universitária de arqui-
sentido lógico e não no sentido histórico. tetura caracteriza-se como o mais nitidamente logicista
de todos: "Bom, nós trabalhamos em relação à escala.
Em segundo lugar, a concepção que podemos chamar
Escala pode ser a escala de uma cidade, por exemplo; é
de logicista, sincrônica, que elimina da sua explicação
quando tu passas de um menor conhecimento para um
todo e qualquer vestígio de história, pode ser qualifica-
da , também , como nitidamente empirista. Diz a profes-
maior conhecimento. Então, nós começamos trabalhan-
. do com a menor escala urbana. Essa menor escala urba-
sora universitária de história: ~~Quando o aluno dom.iria
o conhecimento menor, é possível, então, passar a um
na é a quadra. Então, estuda-se a estrutura urbana de
uma quadra. Depois passa-se para uma escala maior
maior. Eu trabalho. com o conteúdo escalonado. Faço
qu.e _é o qua;teirã:0. Para uma escala maior que o quar~
uma hierarquia dasdificuldades do conteúdo. Quando teirão, que e o bairro. Do bairro para a cidade... A mesma
o aluno aprendeu o mais fácil, ele já pode dar outro
coisa com o arquitetônico... fazendo uma analogia, tam-
passo. Agora, se o conteúdo é muito complexo, o aluno
bém se começa com a escala menor, que é a casa, e dessa
fica impotente". Pode-se dizer que esta afir~a~~o .con- tu partes para prédios mais corripiexon, edifício de apar-
tém um argumento inatacável sob o aspecto di dát.ico-pe- tamentos, um shopping center etc. A nível teórico, quan-
dagógico. Mas, sob o aspecto epistemológico, constitui do tu passas de um menor conhecimento para um
ela uma explicação consistente? Pode-se afirmar o mes- maior... cada aulacorresponde basicamente a um tema,
mo da explicação que concebe a abordagem empírica, da a um item. Então tu tens uma aula, vamos dizer, estru-
qual parte, como sendo simples e a análise desta como turada dentro duma rotina onde tu vais abordar as
o caminho para o maior conhecimento: "penso que é por características principais da cidade, do traçado da cida-
especificações do acontecimento, porex~mplo, se a ~e~te de, da evolução da cidade. Teria uma leitura paralela
tem noções gerais a partir de um aconte~lmentoem.pirtco, daquela aula que seria uma leitura, então, de maior
ou a partir das bases de um aprendizado comum., do conhecimento em relação àquele roteiro, àquela síntese
dia-a-dia". A seguirite afirmação segue a mesma Iiriha que foi dada sobre aquele período. Uma leitura paralela
de pensamento. Sá medida que se dá mais oportunidade que possibilitaria desenvolver mais aquele tema e desen-
aumentando as dificuldades para que aprenda a conhe- volver maior-conhecimento sobre aquele assunto, mas na
cer melhor as coisas". O seguinte professor é ainda mais verdade, a nível da disciplina teórica, acho que a gente
claro ao entender a análise como o caminho para o fica ainda muito limitado à aula de (cuspe-giz', como se
conhecimento progressivamente mais complexo: "Eu diz".
acho que tentando, justamente, ent~nder ?,S parte~ e
depois compor o todo, o global. Para mim. seria um maior Apresenta-se igualmente como empirista a resposta
conhecimento: do simples para o complexo. Então é uma que explica a passagem de um menor a um maior conhe-
análise para depois se fazer uma síntese dessas partes, cimento como resultado de vivências, de algo que vem
então isso vai tornando mais complexo e crescente o de fora para dentro do sujeito; como estímulo, portanto,
conhecimento. [É assim que] se absorve um conhecimen- conforme vimos acima. Esta passagem dá-se "através da
to científico da coisa". Não se questiona de onde vem a
vivência, do contato" - diz a professora de quarta e
quinta séries do Primeiro Grau. «Cada criança não é

54 55
igual à outra, ela processa ?;.ife~en;'ementedentro dela a
visualização dessas expertencias . E a professo~a de "" qr:-e di7:,'!,!ão voAu ensinar tal coisa para vocês porque
e muito diftcil, voces não vão entender'. Na verdade, é o
quinta à oitava séries: "Depende da sua capacidade
professor que não entendeu e então não sabe ensinar"
intelectual". "E antes de nascer?" ''Através da mãe e das
Mais uma: "Na marra. A passagem é na marra. Às uezes
situações que a mãe vivencia". Até a afirm~ção_inatist~
desta última frase é transformada em explicação empi- u.
eu so recurs~ de mapa... Para as crianças é muito difícil
enetnar a região Nordeste. E uma realidade que elas não
rista, pois a criança é recep~áculo de. algum "estímulo conhecem".
vivenciado pela mãe. O seguinte depoimento e da mes-
ma ordem do anterior. "A partir das experiências viven- Apesar de restringir-se ao ponto de vista didático-
ciadas, a criança pode passar de um conhecimento pedag6gico, estas duas afirmações não escondem SUa
menor para um maior. As vivências que tra.z do s~u concepção empirista: não questionam nunca a radicali-
ambiente são enriquecedoras em todos os sentidos, aju- d?de do conhecimento, isto é, sua estrutura ou sua
dam tanto no crescimento do professor quanto no do genese, portanto, sua condição de possibilidade. Pensam
grupo". o conheclI~ento e, po~ conseqüência, a passagem para
A. explicação mais nitidamente empirista que aqui um conhecIme~tornars complexo, como um simples pro-
aparece é, sem dúvida, esta que atribui a passag~m de duto ~e aprendIzagem, de acumulação quantitativa. De
um menor a um maior conhecimento, a uma necessidade c~nteudo, portanto, e nunca de estrutura e, por exten-
A

reforçada por uma cadeia de estímulos: "Eu acho que sao, de. geneso: a estrutura é construída e não dada.
intensificando, ampliando, aumentando o estímulo~ o AprendIzagem no sentido empiristalbehaviorista do ter-
questionamento, o mesmo conhecimentopo~ese .a':lpll,ar m?: ~OIllO aquisição de algo externo ao sujeito sem que a
a partir do indivíduo, do pensamento. Ele e solicitado a atividade end6gena deste sujeito seja, por um momento
sequer, colocada em questão. Subjacente a estes depoi-
dar respostas maiores, maisprofunda.s. Um me~mc: co-
nhecimentoé passível de sofrer suceseuras ampliações a mento,s está ~ma relaç~o sujeit%bjeto na qual o objeto
partir de sucessivas solicitações. !al coisa é assim, ma.s ou estImulo e o determInante e o sujeito o determinado.
Esta relaç~oéfi){a,estática. Se, em algum momento, ela
por que é? Isso traz um outro estimulo, u"!a outra sol~­
citação, um outro questionamentc:. Quer dizer, na me.dl- parec:e fltrir-, tra~a-se, apenas, de uma ação puramente
exterior, no serrtido de uma espécie de colaboracionismo
da em que é exigido, uma necessld.aC!e qu~lquer,.asslm,
do sujeito com o estímulo para que este possa exercer
em sentido amplo, penso que o sujeito uai ampliando o
conhecimento". Acrescenta, na mesma direção, outro ~ompetentementeo seu papel, ou ainda uma atividade
Interiorizada ou "vivência" com a mesma finalidade.
docente: "Primeiro tem que haver o interesse do aluno,
depois o professor dar condições, e além disso o aluno
tem que se aprofundar mais".
8. CONHECIMENTO ,COMO ACUMULAÇÃO:
Há, ainda, as respostas que mostram que a pergun:a SOMA EM VEZ DESINTESE
da passagem foi entendida apenas co~o ~~a guest~o
didático-pedagógica. Esta passagem da-se por lnsat~s­ U~~das características da concepção empirista de
fação e dúvida, e incertezas. Os meus alunos me questl~­ - conhecIment9 é sua concepção estática de memória. A
nam. Então eu, para poder responder, tenho que ir memória é tida como um arquivo que acumula informa-
estudar mais; tenho que ir atrás pesquisar. Tem profes- ções vindas de fora, que soma os inumeráveis estímulos

56
57
~guns depoimentos mostram que existem docentes
que os sentidos vão captando. Tem-se, em vez de. sínteses
ensaIando.postura~,maiscríticas frente a esta concepção
cada vez mais abstratas, de formas cada vez m ars abran-
de conhecimento. 'Acho que (o conhecimento) não se
gentes, somas de elementos que continu~m ligados à
extrema diversidade do real, acumulaçoes de dados trfLnsmite, mas se constrói, é interno ao sujeito". Como se
como se fosse um armazém abarrotado de mantimentos. ve, no entanto, ao negar a hegemonia do pólo objetivo
Em vez de formas sintetizadas pela abstração reflexio- desl?ca-a para o pólo subjetivo e não para a relação; é
nante somas oriundas das sensações. Por isso, conside- por ~sso que este ensaio de crítica não produz avanço
consId~rável. Outro docente diz: "Não posso despejar
ramo~ a concepção de conhecimento como acumulação
ou soma a manifestação de uma concepção epistemoló- conhecimento, tenho que oportunizar que ele (o aluno)
- proce,..sse~ vive,n.cie essas informações". Aqui, embora a
gica empirista. E claroque esta ~oncepçao nu~ca a~are-
,~

aparancra crrtica, além de entender o conhecimento


ce pura; as manifestaçoes aproxlman:-~eou dlstanclam-
c~~o vivênci~, já criticado acima, conserva a relação
se mais ou menos da concepção ernpirrst.a-
básica, augerrndo apenas moderação no "tratamento de
Para este professor, "Conhecer é um constante vir g engorda" (Sartre!Freire), isto é, nas doses de conheci-
ser; são oportunidades que se colocam e11} tua fr~::te.. E mento academicamente concebido. Diz a professora de
somar é empilhar algo na tua cabeça, sao expenencws ~egundo,~, Terceiro graus, licenciada em letras: o conhe-
que váo se somando ao longo da v~d.a". O seguinte cIm~nto e um p~oce~so gradual, é intensificado, é gra-
professor, embora comece com u~a cntIca de_sua atua- datlV? Penso no inglês: no começo o professor fica muito
ção docente, imediatamente,;ecal na .afirmaça o da esta~ em clma~. tem papel mais necessário, fala mais, aos
ticidade do conhecimento: Para rnirn, ser professor e poucos ~al de cena, organiza atividade de tal forma que
'bico'. Eu nunca pensei a minha disciplina do ponto d~ fica mais a nível da turma, do individual. No início é um
vista pedagógico. Eu só trans(e~i o que ti:"ham me ensi- professor mais modelo, depois administra, gerencia
nado, não enriqueci. Para detintr c?J1'hecu~entoeu entro quem processa é ~ a.luno". Embora pareça avançar, con:
no esquema dos meus professores: E o acumz:lo de fatos s:~a o modelo básico da concepção epistemológica em-
comprováveis, demonstráveis"'. Outro en~revlstadoafir- p ir-í sta: o professor como fonte (sujeito) de todo
ma: "Acho que o conhecimento é uma m~stura de estar conhe~imentoaca.dêmico. O seguinte depoimento parece
exposto ao input, a uma experiência; um, pouco vem de aproXI~ar-se mais de uma visão epistemológica crítica
fora, outro de dentro. Se o aluno exposto e aberto par?, a na madida em que entende o conhecimento como "cons-
experiência, reformula isso em ~ua.,cabeça. E curriula.tiuo, t~ução"; ao mesmo tempo, porém, a enfraquece na me-
progressivo". Outro docente diz: Eu acho que conhec~- dida em que coloca o ponto de partida na "necessidade"
mento são todas aquelas informações acumuladas pelo (sujei~o?:."Existe um?, construção que se dá na interação
homem que visam a relação dele com o universo, dele co"!, d~ sujeito com. o, m~l,o. Parte da necessidade do sujeito,
o mundo. Como é que ele se dá? Acho que é essa ~omp.h­ ha um .desequllz.brlo e, então, se dá a informação deste
cação... ". Outro, ainda, embora em linguagem pw~etw~ conhecimento".
na, explicitamente afirma a soma e~ v~z d~ a smtese.
"Cada experiência se acumula em ass~m~laçao e acomo-
dação. Esquemas anterioT(;s somo:m-s e a no.vo~" esque-
mas e é formado então um conhec~mento maior ·

59
58
menta. O seguin~e depoimento é ainda mais claro ao
9. CONHECIMENTO X TREINAMENTO: afirmar que a orrgem do conhecimento estatístico está
CONTRADIÇÃO no concreto: "No caso da estatística é preciso que os
alunos partam de uma parte concreta para o abstrato".
Certamente a pior explicação da gênese e.do desen-
volvimento do conhecimento é a que está subjacente ao A explicação epistemológica empirista no entanto
conceito de treinamento. No seu âmago, o treinamento ~ostrou-se sempre incapaz de dar uma e~plicação sa~
implica da forma mais acabada, a relação unidirecional tisfatõria par.a. o conhecimento matemático. Incapaz,
do objeto para o sujeito epistêmico. Treinar significa o porque o empirrsmo parte do pressuposto de que a ver-
~ade .matemática - como, aliás, qualquer verdade - está
sujeito passar ao objeto (outro sujeito, psicologicamente
I~scrI~a nos objetos, e é retirada destes por uma abstra-
falando) habilidades ou conhecimentos que suposta-
mente este não têm. Elimina-se completamente qual- çao sLm.plesou empírica. A explicação piagetiana, ao
con.trárlo, entende que o conhecimento matemático é
quer interação. e~lI!ente:r.nente uI?~ construção efetuada na interação
O treinamento corno conceito implica, portanto, de sUJeIt?-obJeto, e orIgIn~rIa de t.Im processo de abstração
forma radical, a epistemologia empirista. A própria ação r~pe~lonante,ab~traçaoque Implica tomada de cons-
do sujeito da aprendizagem é reduzida ao valor de mero Cle?CI~ ou?proprIação pelo sujeito dos mecanismos da
reforço da estimulação, que é o apanágio do treinamen- proprra açao, O conhecimento matemático origina-se
to. De criadora de relações, a ação do sujeito da apren- portanto, da própria ação humana e de suas coorde.na-
dizagem é reduzida à condição de reprodutora_de ç?es, aSSIm que. se tornam conscientes. Provém prima-
estímulos, cuja seleção e controle escapa-lhe das rnaos, rI~mente ~a. expe~êncialógico-matemática, pela qual a
sendo exercido por'Sujeitos estranhos ao seu p~?cesso de açaod~ sUJeIto,retIraqua~idades da própria coordenação
conhecimento. O. professor de química dá-s~ conta ~e dasaçoes e,so'secundarlamente, da experiência física
que, embora suspeite de que a explicação I?~ra o feno- pela qual-a açãodo sujeito,já munida de esquemas entre
meno conhecimento é outra, sente-se, na pr-ática de sala S~Aco~rd:n.ados~ ~etil'a qualidades dos objetos;· a expe-
de aula amarrado à prática do treinamento: "Para rrencia !I~Ica s~ ~possível mediante um quadro lógico-
respond~r a isso (como se transmite con~eciment?) e..u matema ficoprévio. .
entro em contradição. Na minha aula só ha transm~ssa?
teórica. Os alunos -ião vão poder comprovar o conheci-
mento. Eles aprendem química porque têm que apren- 10. CONHECIMENTO COMO TRANSMISSÃO X
der, pelo currículo. Aprendem como quem aprende a APRIORI
escovar os dentes... Eu sempre adorei quimical" Esta
contradição é ainda mais viva no depoimento deste Na concepção piagetiana, o conhecimento não se
docente: "Ninguém pode transmitir. [O professor] co~oca trans~ite, co?~trói-se. Esta .construção ocorre por força
estímulos para o aluno e procura fazer com que ~le ~mta da açao do sujeito sobre o objeto - ou meio físico e social
a importância do conteúdo". Negar a transmissao do - ~ .pelo retorno ou repercussões desta ação sobre o
conhecimento significa negar um dos dogmas do ?eha- sujeito; O conh.ecimento dá-s~ por interação ou pelas
viorismo, por exemplo. No entanto, na f::ase segumte_ o troc~s d~ organls~o com o rnero, A ação do sujeito sobre
professor resgata este dogma constitUIndo a relaça.o o objeto e entendida como ação assimiladora que trans-
estímulo-resposta como constitutiva do ato de conhecl-

61
60
forma o objeto. As repercussões desta ação, ou ação de
que aprende. O processo é mai
retorno do objeto sobre o sujeito, enquanto implicam Outro docente afirma. «rr» _ ts cen~rado no aluno".
• .1. U nao transmlt
uma ação transformadora do sujeito sobre si mesmo ou t o. rr»
.1. u oportuniza pronici l e o cori heci
ecirnen:
sobre seus esquemas de ação/operação são entendidas supervIsora • '
escolar deL-'
tea, eva· a pessoa a c on h ecer "· A
como ação acomodadora. Assimilação é ação transfor- · rceira e quarta , . d Prí
~eIro Grau diz: "Ah l Isso é difícil senes o n-
madora do sujeito sobre o objeto. Acomodação é ação
transformadora do sujeito sobre si mesmo. O desenvol-
nznguém pode ensinar ninguém. pod~ k~qU~ acho CJue
vimento, e por extensão a aprendizagem, deve ser en- ~0d.e te~tar mostrar: por esse c~minho é ::":i;~11;s~lz~r,
sstrn, Jaz assim h' Jact , Jaz
tendido, para Piaget, como o resultante deste jogo to, uma auto apre ' mas...
d ac o que e um autoconheetrnen; ..
praticament~ ~ tzagem, Acho que a pessoa aprende
e .

combinado da adaptação e da organização, e jamais


como uma ação unilateral do objeto (meio físico e social) outro vai apP?r si, fazendo relação de um conteúdo com
sobre o sujeito. No livro Aprendizagem e conhecimento, , rlmorand . h
Esta outra·professora fiO, tra; avendo uma evolução".
Piaget afirma que o "mínimo que se pode fazer com o a irrna: '"~ h
para a ~riançai se transmite ~ C? que o conbecimeruo,
esquema S-R do associacionismo é modificá-lo para S- para mim intuitivo não se traoe» do brmquedo. Ele é
A-R, onde A significa os esquemas ou a coordenação dos , · , enslna não t
necessano o concretopara se conh ' "Nse ransmlte. E
. 7

esquemas de assimilação, isto é, quando um estímulo


to há uma co~tradição,no meu en~~;;d~r:ste depoimen_
atinge o sujeito, isto acontece porque este sujeito cons-
te. O conhecImento só acontece atra ' ~e~~ aparen-
truiu esquemas que otornam suscetível de ser atingido
por este estímulo; e estes esquemas não se originaram embora não explique o que entende P~:~'co~cr~~9;uedo,
de outros estímulos mas da ação assimiladora e acomo- A professora de bioquím· I . ·
avança decididamente na di Ica_ge:a e de blOenergética
dadora anterior do sujeito. A condição prévia, a priori,
do conceito associacionista IJ:~ao e ~~a postura crítica
para que um sujeito possa ser estimulado por qualquer
çãodo conhecimento como transr:::.~n_Izage~, da forma-
estímulo são os seus esquemas de ação, e no caso da
sua concepção sobre o querer b rssao, em ora assente
criança recém-nascida, os seus reflexos que são "esque-
"Em termos de universidade '[:~ re a vontade do aluno.
mas" inatos. Esta teorização piagetiana faz ruir, pelos mento se transmite. <» ti d Irma-se] que o conheci-
alicerces, o edifício epistemológico empirista e, por ex- ~ ar i r o momento e
J eesor quer tranem iet- e. , m que o pro-
tensão, o esquema S-R. ' 'lSSO e uma c .
c l aramenteeunãoconcordo O h. oisas que
Constatamos amplamente, nos depoimentos a se- tea partir do moment . . con ,eClmento se transmi-
guir, afirmações que negam a possibilidade de transmis- conhecimento. Agora ~::uqf:tlg:emquer adquirir este
. an o e~ .sala de aula: se
são de conhecimento no âmbito escolar. São afirmações
que, devido à sua origem intuitiva - prática de sala de
aula pouco refletida - e à ausência de teoria competente
tem alguns alunos ue
até é possível que e::
Agora, o que eu, na minha ex
tra~~:;;t";; ad1ul~lr conhecimento,
~?n .eclm~nto para eles.
para interpretá-las, não foram, salvo alguns ensaios sora, o que mais eu tenh penencl~, oejo como pr'ofes-
muito interessantes, explicadas racionalmente. Reme- contribuir para que o conh~cf~ns~guldo, rara~ vezes, é
tem a explicação do conhecimento não a uma construção, aluno, de colega para cole a en o se transmlta para o
mas a um espontaneísmo mais ou menos provocado ou para.oaluno... o exemplo [âo'li~r~~~~;;;~~::zes,de mim
dirigido. Vamos às entrevistas. Diz a professora univer- um liuro sobre educação 30 000 · Tu escreves
sitária de história: "Ninguém pode transmitir. E o aluno dizer que 30 000 ' _. exemplares. Não podes
· pessoas vao saber aquilo que tu sabes

62
63
sobre educação. Não transmites para 30.000 pessoas, inclusive a partir desse professor, acho que ele pode fazer
embora pões tudo o que queres no livro... só vais trans- alguma coisa. O aluno é quem adquire o conhecimento.
Quem se propõe a ensinar, e tem condição de ensinar na
mitir conhecimento para aquelas pessoas que sentarem . .
mcuoria das vezes atrapalha na aquisição do conheci-
'
e lerem aquele livro A mesma coisa é n!}' s?,la de aula,
só vais transmitir para aqueles que estao interessados mento". Esta minha interpretação não esgota o depoi-
no teu conhecimento, na tua experiência, e não para todos mento desta professora; pode-se ler mais coisas na sua
os alunos.. De repente um aluno pode ler... um artigo fala, como por exemplo a afirmação de que o ensino de
científico [meu]... que mostra uma coisa nova. Então. a nada vale sem a correspondência da aprendizagem - ou
minha contribuição, neste caso específico, na transmlS- a mot~vação estrutural que é definida por Piaget como
são do conhecimento, seria a de ter feito uma descoberta c~p~cldade c?nstruída de assimilação - o que tem, sem
científica e o aluno ter acesso... O. conhecimento vai ser du~da, um .lnt~resse especial sob o ponto de vista da
transmitido para aqueles que se intereesarerri em l~r o epistemologia piaget.iana.
artigo, e não para todos. Ou seja, de qualq.uer maneLra., Contrários a esta posição, mais ou menos distancia-
seja como for, a parte ativa é quem adquire .0 c~nhecL­ do.s ~ela, estão a<;lueles d~centes que admitem a tr~ns­
mento; para quem o conhecimento é transmLtLdo · mrssao do conhecimento. ~gente pode transmitir idéias
No entanto, para aquém desta crítica ficam os que pras pessoas e as pessoas organizam essas idéias de
negam simplesmente a tra~sm~ssão d? conhecimento '!"u;r:eira a pod~r int~rpretar os fatos ou as próprias
~d~~as; o que foz explicado pra elas. A gente passa as
sem apontar para uma exphcaçao convlnc~nte,co~ten­
tando-se em apontar para um espontaenelsmo mais ou idéias eas pessoas organizam mentalmente essas idéias
e no ~aso de .urna cobrança, se a gente averiguar se est6
menos orientado, dependente, porém, de um fator que
tudo explica, a motivação, o interesse, a vontade d? condizente com o que a gente disse, a gente verifica que
aluno. Diz a professora de bioquímica geral: "O con:hecL- ocorreu o aprendizado". A professora de quarta a quinta
mento se produz cada um adquirindo o seu. con~ecLmen­ séries também não põe- em questão a transmissão. Diz
to; ninguém ensina conhecimento para ninguem, quer ela: "Podemos encarar os meios de transmissão como
dizer todo mundo ensina para todo mundo ao mesmo algo que deva ocorrer de maneira que o aluno entenda o
temp~. Eu acho que uma pessoa só adquire conhecimento que o professor quer transmitir, porque transmitir é uma
de alguém quando está interessada. Por exemplo, se um coisa, aprender é outra. Devem caminhar juntos. O co-
nhecimento deve chegar ao nível da criança, do aluno".
professor dentro de uma ~ala de aula .tem 33 alunos: o
próprio professor não vai dar conhecimento para. nin- A professora de sétima e oitava séries não só deixa de
guém; pode ser que alguns alunos que.Lram e consisom questionar a transmissão, como afirma uma postura
adquirir conhecimento em parte a pa.rtir desse profe~sor, completamente empir-istar O conhecimento ué transmi-
em parte a partir de seus colegas, em parte a partir de tido através do contato de uma pessoa com outra; todo o
livros e em parte a partir de si mesmo. Mas o que pare: contato traz conhecimento. Na sala de aula é o contato
mim é cada vez mais claro é que ninguém dá conh-eci- do aluno com o professor". "O que é esse contato?" "É eu
mento para ninguém porque sabe mais, ou mel~or, um estar diante da pessoa, é transmitir algo a ela. Se eu não
professor não dá conhecimento porque sabe m.ais que a transmitonada, ela não aprende nada". Menos contun-
turma. Agora, se a turma ou um pedaço da turma ou um dentes são os dois próximos depoimentos: "Falando as-
da turma está interessado em adquirir conhecimento, sim parece uma doença, algo transmissível! ... se aprende

65
64
fazendo, embora [o conhecimento] seja um pouco trans- festa, até pelo poder feudal que os professores têm. O
missível. Quando eles (os alunos) estão tocando, fazendo, poder de vida e morte, de aprovação, de reprovação dos
é que aprendem... A gente assimila mais quando parte alunos". .
do concreto. (...) Acho que o conhecimento não é só trans-
Ao contrário do que se pode pensar, a postura empi-
mitido, é preciso disponibilidade de alguém para apren-
rista não é incompatível com a postura inatista: freqüen-
der". Estas afirmações, por falta de aprofundamento
temente, como veremos mais adiante, o sujeito da
teórico, prolongam a contradição transmissão de conhe-
entrevista busca a fundamentação da sua epistemologia
cimento X construção de conhecimento em que se encon-
empirista precisamente em componentes inatistas. E o
tram. Não se toma consciência da incompatibilidade das
duas posições. que acontece com a fala desta professora universitária
de história natural: "Bom, tem várias formas, acredito
O professor universitário de geografia humana reto- eu, de transmissão, e tem também técnicas para isso, que
ma a explicação empirista através do esquema básico ~o são técnicas mais didáticas. Então, eu acredito que al-
associaciorrismo clássico: '~ transmissão se dá a partir guma coisa nós aprendemos através de técnicas usadas
de estímulos em que alguém suscita [algo] em outro pela didática; tipos' de aulas, por exemplo, se aprende a
alguém, e esse alguém, pela 'via pessoal, é que vai fazer dar. Mas muito é até, vamos dizer, instintivo. A facilida-
a sua apreensão de conhecimento, que vai fazer a sua de de transmitir mais... Então temos, através disso tudo,
aquisição, a sua apropriação de conhecimento,nurr:a no meu entender, uma vocação. O ensinar, o transmitir.
dimensão pessoal indiuidual'Óé: concepção associacio- Assim como se tem. uma vocação para a música, o dese-
nista, especificamente a behaviorista ou aneobehavio- nho,se tem para ensinar, também. Nem todo o mundo
rista, implica a dimensão individualizante do ato de tem isso. Alguns se esforçam treinando muito através de
aprender. A concepçãopiagetiana de aprendizagem, e a várias técnicas existentes. Mas também eu acho que é um
fortiori do desenvolvimento,aocontrário, concebe a pro- tipo de um dom que as pessoas têm". É surpreendente,
dução do conhecimento tanto sob o ponto de vista da mas perfeitamente concebível ao nível do senso comum ,
estrutura quanto do conteúdo, cornoproduto da coope- a relação que esta docente faz de instinto' e transmissão,
ração,co·mo.processocoletivo, portanto. E precisamente de dom e treinamento, de vocação e ensino. Neste nível,
por este motivo que uma teoria epistemológica não é a crítica é tão distante quanto é remota a sua possibili-
neutra, não é isenta sob o aspecto ideológico. Este aspec- dade. Resgatemos um pouco a crítica do empirismo com
to constitui o alvo da crítica da professora de teoria geral a fala da professora de arquitetura e urbanismo: '~ nível
do direito: "Na universidade, eu acho que a tendência é de sala de aula, teríamos dois paralelos que seriam
que a transmissão é mais formalizada: conteúdos, um disciplinas teóricas onde esse conhecimento é transmiti-
que sabe outro que não sabe..Eujá aclio que de uma outra do de forma mais tradicional desde o 'cuspe-giz', até os
forma, o conhecimento popular tem outras peculia:ida- seminários, leituras dirigidas... A nível do projeto... ou
des. Eu acho que ele está um pouco menos hierarqüizado de projeto arquitetônico existe já um avanço, eu creio.
que na escola. Não que não haja um que sabe mais e outro Durante muito tempo, o ensino nosso de arquitetura foi
que sabe menos... Agora o que há, eu acho, é a colocação um ensino de desenho, no sentido de que o conhecimento
fora da escola, de. uma transmissão do saber de pessoas era transmitido via tentativa e erro. Por exemplo, tu
em que o fato de saber não significa estar acima dos começavas a fazer o projeto de uma casa, por exemplo, tu
outros. Enquanto que, na escola, em geral isso se mani- abrias uma porta da cozinha para a sala, a professora

66 67
a
dizia que assim não es,taua bom, então tu apagavas e ia randoem relação ao que o meio oferece, que a fi. '.
desenhando de novo. E isso que a gente chama de tenta- escola oportunizam". arnzl za, a
tiva e erro no processo de desenho. Tu vais indo, vais
indo até a coisa acertar... Hoje não. Hoje existem muitas Neste item encontramos uma epistemol .
met~dologiasno processo de ensin? do projeto. O ensino crítica. Apontam os depoimentos para aVan ogIa mais
parados com os itens anteriores: "O bicho e~os Se com_
do projeto deixou de ser uma COLS~ um tanto quan~o
empírica, de tentativa e erro, onde simplesmente tu oais estímulo / resposta. A criança envolve vueu ~ ad.estro, é
dizendo 'isso tá bom', 'isso não tá'i 'abre uma janela pra sameri t o diLVergente, ela questiona,
· vai além" gencza
A ,Pen.-
cá, pra lá' etc. Então tu c?meças, a trabalhar h~>je com sora de pré-escola introduz a noção de expe: Profes_
metodologias, comanalogias, da" que vem essa integra- pa.rad.escre.ver.,o q.ue e.nte.nde por conhecl·m rltll1entação
·
que o conhecimento se dá por experimentaç _eu O·· "P enso
ção das nossas .discipl~na.s teóric,a~ com as práticas... cias, observação. Como professora, proeu- co, eXperiên_
Assim a nível das disciplinaspráticas, busca-se resga-
mtnimo para que a criança toque, mexa exo ~n.~erferir o
tar de ~ovo a hietáriá.. a história da arquitetura, qu.e toda, • .. .-h' . • , Perlrn
essa geração que eu estou. dizendo; acho q'!e a rninh.a e para .isso o prolessorprec~sa ter r;-m pouco de' e~t~, e
um limite disso, que foi formada sobre a égide do moder- dade para perceber. se o aluno esta Ou não a fi 8enszbzli_
nismo. não teve esse respaldo histórico muito forte. O Esta noção de experiência não ultrapassa trri de algo".
mode;nismo aboliu dos currículos de arquitetura as mum. Restrinç-e-se à prática da criança, cU'ao se~so co-
deve ser r'espeifada. J motIVação
disciplinas de teoria e histÓria da: ar;Q.uitetura.... não se
tinha uma visão m.uito.largada hietôria da arquitetura, Coisa pareéida.acontete.com o próximo de .
da teoria da arquitetura... isso é uma coisa que agora que, ~pesar de~s~r a pala~''ra interação,desc~oImento
está mudando radicalmente. nos cursos". relaçao.entre '~UJ~ItO:~•. reahdade .Q.u7 nada te eVe u~a
rente darel?-~ao pensada pelo empIrIsmo, isto~ de dI~e~
em que o SUjeIto em vez de agrr, apenas "oi»: ~' relaçao
11. C ONHEC IMEl'{TO. COMO . _ recebe" informações, uma imagem dada Ou en. e, capta,
t ransmiti·t·d"
o: norma I mente se entende
. ~. . . ~. q ueUm
[ COn celto
.
EXPERIMENTAÇAO, CONSTRUÇAO OU ATO
CRIATIVO

Comecemos com uma concepção de conhecimento


mento] éum resultado de uma interação o conheci_
consciência de um sujeito pensante e a re
fenômenos diante desse sujeito. Dessa inter: ~dade dos
r Ure uma

que oscila entre o inatismo eo empir~smo: "Como a um sujeito aprende, capta, recebe as in.form ça:.: em qUe
criança adquiriu [conhecimento] não sei; acho que. bas- uma imagem; um conceito, uma idéia dest~ç~es, .dado
tou estar viva. Acho que olhando o mundo, o arnbiente; que está posta diante dele". Embora as afirm :alzdade
sofrendo influência das coisas ao seu redor começa-s~ a zem p~la'Vras fortes ~omo "transforrnação,~.ç~es?-tili-
estabelecer relações com este mundo. Traz todo o r~lac:o­ conhecímentojzo-m coisa nova, ou Uma tra' serza [o
namento as trocas de sua espécie". Na mesma oscilação: de algo já aprendido", ou "estabelecimento dnsfo~maçãO
'~ criança já traz parte do conhecimento. Adquire outra "o conhecimento deve ser abrangente, geral ri~ re ações":
parte com o meio e constrói a partir disto. Na escola ela ficar numa Só linha; sendo afetado Por ~ ,a? deven.do
pode ser trabalhada para 'mel.horar:essa carga d~ conhe- [caracteriza-se] pelo estabelecimento de reYrzc:: s coisas
cimentos". Ainda na mesma Iirrha: 'Acho que existe r:lgo adianta saber de uma coisa sem saber par açoes... n.ão
que vem em relação ao conhecimento, mas vai se aprimo- tais palavras fortes são reduzidas a relaç~ qUe S~rve",
es ll1aIS Ou

68 69
menos passivas. Apesar de a prática pedagógica ind~car não se confunde com o saber fazer, com a prática; mas
direções para avançar, as teoriz~ções epistemológIcas com a reflexão sobre o saber fazer, sobre a prática.
C.
não conseguem respond~r a elas: 0m o professora meu Quando um professor ensina um conteúdo aos seus
objetivo é passar o máximo que sei para o aluno, mas alunos - transfere um conceito, na acepção behaviorista
deixando que ele conclua alguma coisa por s~. E n;-elho.r - ele atravessa todo o processo de construção' do conhe-
do que ensinar tudo, fornecer eler::en,tos. E a,te ma~s cimento obstruindo o processo de abstração reflexionan-
criativo pois a conclusão, a relaçao e o que e o mal,~ te. Em nome da transmissão do conhecimento ele
importdnte, é o que saiu do aluno.": O exemp~o do cego e impede a construção das estruturas básicas ,de todo o
expressivo em questionar a fragIhdade das lnterpr~ta­ conhecer, o a priori de toda a compreensão. E isto que
ções do senso comum. Conhecimento é "t.en~ar, por SI. ~6, Piaget quer dizer ao afirmar que toda vez que ensinamos
e desvencilhar; é preciso procurar por SI, s~, ~ntes. Tl,ve algo à criança, impedimos que ela invente esta e tantas
um aluno cego que eu achei que não conseguirta apr~n~er outras coisas.
geometria analítica; eu temia sup~rp!otegê-lo,e fui rtgo- Sigamos o depoimento altamente crítico do professor
rosa comigo mesma na sua avalzaçao. Mas ele me sur- universitário de informática: eco conhecimento menor,
preendeu, pois teve um excelente desempenho; soube qu:e para um conhecimento maior vem com a experimenta-
ele estudava passando para a sua Linguagem. o conteu- ção. O aluno aprende melhor o que se deu conta. O
do". Esta "passagem" que o cego fazia não pode ser professor não pode dar soluções, precisa deixar lacunas
explicada pela epistemologia empirista. Remete-nos ela para que o aluno sinta necessidade que algo falta, que
para a experiência lógico-mate~atI~aou pa::a a a~s~ra­ desta forma está difícil achar uma solução, que ele
ção reflexionante, na acepção píagetíana, pOIS ~ ~tIVld~­ sugira uma idéia, indique o que é mais viável, proponha
de deste cego desenrola-se no plano oper'atórto, n~o soluções. Há alunos que acompanham, fazem exercícios,
passível de observação. no sentido ~e uma abstraçao sugerem, e os que estão passivos, aceitando o que o
empírica; pseudo-empínca, talvez, pOIS esta faz parte da professor propõe passivamente. Estes não estão atingin-
abstração refiexionante. . do o conhecimento, e sim recebendo informações sem um
Fazemos aparecer, aos poucos, os depoimentos ~~IS conhecimento de fato. Ver o fenômeno, entendê-lo, com-
críticos. Depoimentos no sentido de con~eb_er a exp~~len­ preendê-lo em seu princípio, e não apenas ouvir. Não
cia ou experimentação não como subrniasâo_do SUJeIto a adianta, por exemplo, uma aula prática de física com
um conjunto de estímulos, mas como ~çao sobr~ .os [ôrmulasçsem. vincular a realidade física ao fenômeno,
objetos e as próprias ações ou coordenaçoes .~o ~uJelto receber jogado sem apreciar o fenômeno. Isto não fica.
seguida possivelmente, de tomada de eorisctencra. Na Depois que a gente faz a experiência própria, é capaz de
acepção' de Aldous Huxley: "Experiência não} o que apreciar a soluçãoque o outro deu, antes não. É preciso
fizemos. Mas o que fazemos co:n o que fizemos · A P:o~ a experiência, o pensar no problema, sentir a necessida-
fessora de arquitetura aproxIma-se desta concepçao. de, compreender o problema e tentar por experimentação
"Olha, o conhecimento é o domínio sobre o saber fazer, ter a solução. Não adianta só entender na hora. E viver
no sentido da especificidade do curso que eu .trabalho o fenômeno, tentar reproduzi-lo, realizar os passos, ten-
(arquitetura). No outro sentido, vej~ com~ aquilo que tu tar chegar a uma conclusão. Isto é feito muito n9 pós -
produziste sobre esse saber fazer . Esta claro,. nesta os alunos são mais maduros, vão à biblioteca e prepa-
afirmação, que a experiência que produz conhecimento ram-se para discutir algo em aula. Estão, em tempo

70 71
cebido comojá estando presente no recém-nascido; neste
°
integral, motivados para tr~':a.lho. (...) Eu prefiro.:o"!,- caso é inato. Trata-se de uma pré-condição como o cére-
binar algo em que os aluno~ ja tiuerarn z:ma exper.l,enc~a bro humano, por exemplo: "Se o animal tem condição de
prévia e depois fazer a prática. Tem muito da motivação captar, um cérebro a nível de ser humano, eu acho que
do aluno acostumar com a metodologia prévia para ele aprenderia (a minha matéria - diz a professora de
pensar sobre o problema". educação física). Eu acho que o macaco consegue captar
A professora universitária e pós-graduarida em edu- tantas coisas; a gente vai ao circo e vê o macaco fazer
cação, embora com menor precisão vai n.a mesm~ li~?a tantas coisas que a gente às vezes não consegue fazer a
de raciocínio: "Existem determinadas coisas que a cl,~n­ nível de educação física". Vai até aqui sua manifestação
cia já confirmou~ um saber que não tem e ve'!l com sue: apriorista, pois na mesma frase ela continua explicitan-
vida. Deveria ser algo que já foi trabalhado em determi- do o seu conceitoempirista de aprendizagem: "dando um
nado momento de sua história, e reconstruído. A recons- estímulo, depois um prêmio o animal aprende muitas
tr ução de algo que pode significar melhoria para. a coisas; até o cachorro aprende". No mesmo contexto, o
pessoa. Um projeto histórico, um projeto .matemátwo professor deeducação fãsíca de Primeiro Grau dá c-onti-
surgiu como necessidade, e na escola deoeria eer traba- nuidade à mesma postura epistemológica: "Al urios meus
lhado como e por que surgiu isso, trabalhado de fo,:ma tentam ser uma cópia fiel de mim, eles procuram copiar-
a construir uma necessidade. O ser h.umano, a partir de me. Alguns atédizemrTllha, professor, eu vou ser pro-
sua reflexão, constrói algo. Ocontato~o1!L o mur: d o, as fessor de educação fisica'". E· flagrante -a concepção de
relações que se estabelecem,oconhecl,mento uai sendo conhecimento-cópia própria 'do sentido behavioristade
criado em alguns pontos e recoristruido em outros". aprendizagem. A imitação é entehdida como cópia e não
como construção. Da -interação que se estabelece na
relação concreta professor-alurio, o aluno jamais sairá
12. A PRIORI: CONHECIMENTO JÁ EXISTE, É "cópia fiel" ,por mais q'!-1e .0. queira.
SÓ DESPERTAR (cf. item J) Como se vê, por este caminho torna-se difícil explicar
por .qtre uma criança e -um. macaco, submetidos, aos
Nos antípodas do empirismo encontra-se a postura mesmos estímulos, corno a linguagem humana, por
apriorista, de tipo inatista .ou não. Essa postura, no exemplo, aprendem- diferenciadamente. Ou- melhor, a
entanto, não surge espontaneamente, como acontece criança aprende indefinidamente e o macaco, qu.e exibia
com as afirmações empiristas. Adiante,exploraremos vantagens em outros·comportamentos, estaciona. "Eú
mais detalhadamente o apriorismo, ocasião em que ana- acho que o aluno aprende muito mais [que o animal].
lisaremos as respostas provocadas por-perguntas.perti- Mas, por uma série de fatores, ,hoje, o aluno estádesmo-
nentes. Por enquanto, só de leve apa~ece ,;al tlpod.e tivado; por mais que a gente faça ... ". Torna-se difícil
resposta. Vejamos a rnais ~epresentat1va: - O conheci- entender, também, no mesmo contexto, o problema da
menta é alguma coisa que a gente tenta d~spertar no subnutrição. Ele é visto como interferindo nas condições
aluno. Ele tem aquela ânsia de conhecer, ma~ a gente te~ a priori, ou até inatas, de toda aprendizagem; interfe-
que dar condições para ele ,?hegar ao c?nhec~m,ento rruu.s rência sém nenhuma diferenciação de fatores, sociais e
específico, ligado ao curso . O corihecirnento e .algo que biológicos, por exemplo. Diz a professora de história, de
se desperta no aluno; isto é, ele já es~á .aí, mas faltou sétima e oitava séries: CCUm fator é a alimentação; tá aí
ocasião para manifestar-se. Este a priort pode ser con-

73
72
um grande problema; principalmente nas séries iniciais, não se faça através de uma epistemologia - mas a~ravés
que são a base de tudo o que eles estão sendo, agora, na de uma sociologia crítica - uma epistemologia equivoca-
quinta e sexta séries. Os que não tiveram condição ne- da, limitada, como a empirista, obstrui a compreensão
nhuma durante as séries iniciais, em termos de alimen- do problema na sua verdadeira dimensã? e acaba por
tação, [ou] durante a gestação; então é o reflexo do que atribuir à desnutrição uma pseudocausalidade e falsos
eles tiveram alguns anos atrás; crianças que durante efeitos.
alguns anos, pelo menos...". O aspecto emocional situa- Como se vê as considerações que fiz estão longe de
se, também, nesta explicação como um componente a esgotar a "matéria-prima" desta análise: o depoimento
priori, neste caso negativo, das contingências de um dos professores. Procure, vez por outra, presci~dir ~e
processo de aprendizagem empiristicamente entendido. minha interpretação e buscar uma interpretaçao p:o-
Diz a mesma professora de educação física: "o aspecto pria: você sentirá, provavelmente, o que eu estou sent.in-
emocional, além do alimentar, é um problema que os do: este material possui mais conteúdo do que aquilo que
nossos alunos enfrentam; isto não dá a mínima disposi- nossas análises conseguem captar. Pode-se dizer, por
ção pra eles tentarem aprender, adquirir mais conheci- isso, que as categorias que utilizei e os agrupamentos
mento. Claro que sempre tem as exceções: numa aula dos depoimentosque fiz têm muito de arbitrário: mas,
30% dos alunos conseguem captar na mesma hora aquilo de qualquer modo, estas categorias foram abstraídas
que a gente está tentando transmitir, pode transmitir de (abstração reflexionante) dos próprios depoimentos dos
várias formas. Uns 70% não conseguem captar; acho que docentes e a análise resultou do confronto dessa "maté-
tudo é desnutrição, problema social, isso aí tá tudo ria-prima" com a epistemologia genética de Piaget.
dentro deste contexto. Por isso, acho que o aluno de agora
não está conseguindo adquirir tanto conhecimento como
na época da gente".
Afirmar que a desnutrição não afeta a capacidade de
aprender, mesmo no seu sentido mais contingente, cons-
titui uma das insanidades do atual momento histórico
educacional. A desnutrição afeta sempre a aprendiza-
gem. Mas só em determinados e raros casos ela afeta de
forma irreversível o sistema nervoso, provocando um
déficit insuperável. O que deve preocupar a sociedade
como um todo, especificamente os que exercem o poder,
é o problema da desnutrição como síndrome. Explico: a
desnutrição nunca aparece como fator isolado. A mora-
dia de baixa qualidade, a falta de higiene,de saúde, o
difícil ou impossível acesso à educação,.o difícil acesso à
cultura etc., acompanham o quadro da desnutrição. A
desnutrição é, antes de qualquer coisa, um problema
social grave: s6 secundariamente é um problema bioló-
gico/neurológico ou afetivo. Embora esta compreensão

74 75
de abstração reflexionante (Piaget 1977). Ao contrário,
o treinamento nega este processo.
O professor de arquitetura 11: "embasamento do
2. projeto" afirma: "Acho que não [aprenderia]. Essadisci-
plina tem que despertar a sensibilidade do aluno. E meio
difícil fazer isso com o animal de laboratório. Eu nunca
CONDIÇÕES A PRIORI OU .. trabalhei [com animal de laboratório] mas não chego a
esse ponto aí (ensinar a matéria a um animal de labora-
CAPACIDADE DE APRENDIZAGEM tório)". A professora de história de Primeiro e Segundo
Graus, apesar de defender a existência de inteligência
no animal, nega-lhe a historicidade, motivo pelo qual
segundo ela o animal é incapaz de aprender sua matéria:
"Nas aulas de educação moral e cívica diziam que o
animal é racional. O homem é inteligente. Mas eu acho
que o animal-também. é inteligente. Um cachorro, às
vezes, te surpreende com uma reação; faz alguma coisa
inteligente. Mas não dá para ensinar história pra um
Às perguntas: "Se tu ensinasses.o conteúdo de t~a animal; ele 'não tem historicidade!" A professora de
um
matéria-:a _ animal de _laboratórlo, ele aprerideriaê
história e crftica-dear-te diz simplesmente: cCE impossí-
Qual a diferença na capacidade de aprender entre- o teu
uel!" Aprofessdra de matémática, especializada emes-
aluno e o animal de laboratório?" sucedem-se respostas
tatística,damêsma-form.a-'que a professora de
que, na sua maioria, distinguem, num nível descritivo,
bioquímica ·acima, denuncia- o uso do treinamento -
a capacidade de aprender do animal da do ser humano;
chamado aqui- de "condicionamento"- na docênciar "O
num nível explicativo, porém, salvo algumas investidas
aluno é condicionado, não abstrai' nada; a disciplina de
interessantes, nada acontece.
estatística, devido à exigência de abstração, é muito
Diz a professora de bioquímica no curso de odonto- difícil".
logia: "Um animal só é possível treinar, transmitir sem
Tentemos . explicitar o que entendemos ser a sua
modificar. Na minha disciplina, nas aulas práticas, denúncia. Aêstatística só pode ser compreendida me-
poderíamos treinar um animal para desempenhar a
diante estruturas d~peJ].samentoconstituídas pelo pro-
tarefa. Um sujeito retardado pode ser treinado. Alguns
cesso de abstração reflexionante.Ernlugar disto, o aluno
chegam até a professores (risos)". Sua aguda ironia ao
está sendo submetido a um processodecondicionamen-
desempenho dos docentes não pode ser perdida, ignora- to, que é o mesmo que otréiriamento, pelo qual torna-se
da. A ela deveremos voltar no decorrer deste relatório.
incapaz de compreender a estatfstica, que é uma disci-
A professora denuncia o uso do conceito de treinamento
plina a cuja formalidade só se chega pelos sucessivos
na formação de professores, e mostraremos ao longo de
patamares da abstração ref1.exionante. Em termos mais
toda esta pesquisa ser esta uma denúncia que deve ser
simples, ela denuncia que o ensino acadêmico está obs-
levada às últimas conseqüências; pois, o conceito de
truindo o processo de desenvolvimento do conhecimento
treinamento não serve para explicar o desenvolvimento do aluno, com cujos instrumentos ele se tornaria capaz
cognitivo, visto que de forma alguma explica o processo

76 77
de aprender o que este mesmo ensino pretende transmi- pode trabalhar neste sentido [pois ele pode] perceber,
tir-lhe. Isto é, ao ensinar pelas técnicas do condiciona- elaborar, pôr em prática. Se não fosse assim, não haveria
mento ou do treinamento, proíbe-se ao aluno a insucesso na escola - todas as crianças aprenderiam".
aprendizagem do conteúdo deste mesmo ensino. A pro- Há, aqui, elementos novos tentando explicar a dife-
fessora de terceira e quarta séries do Primeiro Grau rença entre a criança (o aluno) por um lado e o animal
expressa, com suficiente clareza, porém num nível rudi- por outro. A "elaboração" e a "maturidade" constituem
mentar, esta distinção: "Não. Depende do conteúdo. Eu dois importantes pólos do desenvolvimento cognitivo.
posso fazer um esquema de Shinner de E-R, mas não vai Para Piaget, a maturação é condição necessária, mas
ser um conhecimento tão aprimorado, s6 na base do não suficiente, do desenvolvimento cognitivo. Isto é, sem
prazer, de conseguir a comida, de satisfazer às suas a maturação não há desenvolvimento cognitivo; mas só
necessidades, o carinho. E basicamente E-R, não um com a maturação também não o há. A ação ~ e processo
conhecimento mais aprofundado como agente quer dar de apropriação desta - é a condição necessária e sufi-
às crianças. A relaçãoé diferente porque ele [o chimpan- ciente do desenvolvimento cognitivo e, portanto, a con-
zé] não raciocina ou raciocina nu-m nível muito elemen- dição prévia, o verdadeiro a priori de toda aprendiza-
tar. Agente não consegueee comunicar verbalmente com geme A professora de história; geografia, OSPB e moral
ele. A gente pode, num nível mais afetivo, digamos, dar e cívica, na segunda série do Segundo Grau, diz: USe
uma recompensa l}or um ato que ele faz, uma recompensa trabalha de acordo com o que se tem em frente. Com a
ou um castigo. E .atraués disso que ele vai aprender criança é um tipo de estratégia, com bicho, outro; se
algumas coisas básicas, so". Vai na mesma direção o ensina coisas prôpriae dele -guardar a casa... Tem
depoimento da professora de sétima e oitava séries do coisas que eu vou educar na criança ~ escovar os dentes,
Primeiro Grau: '"~ minha matéria -cmatemática - eu fazer cocô - é- outro tipo de- aprendizado". Ela não escla-
acredito que não. Eles (os animais) poderiam ter atitudes receem que esta aprendizagem é diferente da do animal,
mecânicas, p. ex.: 2 + 2 = 4. O conhecimento que eles têm pois ensinar a "escovar dos': dentes" ou "fazer cocô"pode
pra ir no pratinho comer. ou ir na areia fazer suas ser feito tanto 'mediante um esquema de condicionamen-
necessidades; isso seria praticamente mecânico. [A dife- to ou de treinamento quanto através da atividade espon-
rença entre esse animal e o meu aluno] é que o ser tânea, segundo Piaget.E nunca é demais afirmar que
humano é racional; ele tem condições de interpretar as as duas formas, são, entre si, contraditórias. A professo-
idéias, escutar, formular pensamentos. Até que adquire ra de pré-escola (nível Br.diz: "Acho que entre o animal
esses conhecimentos o animal já... não sei!" A professora e a criança em aprender algo, está que o animal é só
de Jardim de Infância diz: '"'"O animal é treinado e a instinto. A criança pensa, .pelas suas experiências de
criança é a aprendizagem; racionalidade e espontanei- expressar o que lhe faz bem ou mal". A outra professora
dade (da criança) fazem a diferença". A professora de de pré-escola (nível A) afirma: '"'"Não sei, acho que o
matemática do Primeiro Grau afirma: "Acho que difere animal é treinado, a criança é aberta, responde de forma
o raciocínio da criança para o do cachorro". A professora diferente". E explica: "Eú trabalho com as crianças a
de primeira série do Primeiro Grau e graduanda de partir do que elas me trazem, acrescentando mais infor-
psicologia é enfática: "Há uma diferença incrível! O ser mações aos interesses delas. Acho que ela aprende assi-
humano pensa, e isto influi muito. Para haver conheci- milando o que mais adiante ela vai me mostrar daquilo
mento, aprendizagem, é preciso elaboração, maturidade. que foi trabalhado; com a criança o resultado não é
Poderia haver repetição, mas com o ser humano não se

78 79
imediato. Ela aprende a partir do concreto, que ela possa portanto. Como o empirismo explica o fato de um maca-
experimentar e compreender melhor aquilo que se está co, criado desde recém-nascido em ambiente humano,
estudando". Como se vê, as respostas sucedem-se num sob todos os estímulos a que uma criança é submetida,
nível quase exclusivamente descritivo, tentando mar- não aprender a linguagem que esta criança aprende,
car, às vezes sem muita clareza, as diferenças da apren- linguagem que supõe a função simbólica (Piaget, 1946)
dizagem humana da animal. A seguinte professora, e não matematizar o seu mundo? Esta professora situou
também de pré-escola (Maternal I) diz: "Veja assim, que bem o problema, mas não buscou explicação para ele.
o princípio, a parte inicial de conhecimento está nas Prossigamos para conferir como a professora de história
curiosidades de mexer, lamber, cheirar, não ter noção do natural no Segundo Grau, na graduação e no pôs-gra-
perigo, se assemelha muito do animal ao homem; depois duação situa este problema: c~í tem uma diferença, para
difere, principalmente em termos de linguagem, .onde o mim fundamental. Uma é um tipo de treinamento e
homem, mais do que ·0 animal, tem mais chance de reflexo condicionado -os animais. Se ele aprende algu-
aprimoramento, apesar de vermos muitas crianças cria- ma coisa é por repetições, por reflexos que ele vai ter.
das comoanirnais, obedecendo sempre sem ser questio- Agora.eu-aehoque TUJJnG aula a g-ente tem outr-a parte-
nadora, de seguir uma linha preestabelecida, de que entra, que éo tipo de pensar, de raciocinar na
oportunidades limitadas. Por exemplo, quem trabalha informação .dada, e isso o animal não faz. Erri sala de
na lavoura e segue o mesmo método do pai, sem nunca aula, normalmente não um. treinamento a ponto de as
é

ter questionado se era o mais adequado; ou, meu pai é pessoas reagirem mecanicamente. No meu. entender,
advogado, vou ser advogada porque já terei escritório existe urna diferença. muito grande. Agora, para um tipo
montado, livros... ", Ap'rofessora de matemática em to- de trabalho de produção-é bom treinarum. pouquinho,
dos os níveis de ensino, incluindoo Supletivo, afirma: também, as .pessoae a: . reagirem rapidamente a certas
"Matemática não existe sem a humanidade, ela é essen- coisas, mas isso tamb.émnão é, no meu entender, o
cialmente humana. Temoligofrênicos que fazem cálcu- princípio do ensino, da transmissão em sala de aula, de
los, mas isto não é matemática. Podemos 'instruir' conhecimentos. Agora, treinar para um trabalho especí-
alguns animais para fazerem contas, mas .isto não tem fico ... as pessoas têm que-ter um certo ritmo- de trabalho,
valor - daí as calculadoras; eles ficam aí, sem o raciocí- um comportamento. Esse ritmo de trabalho é um treina-
nio, a lógica de abstrações, eles não vão adiante". mento. Aí não é uma transmissão de conhecimento, mas
Ela atinge em cheio, embora apenasdescritivamen- é um.treinamento para que se curnpra, em datas previs-
te, o "tendão de Aquiles" do empirismo: o conhecimento tas, o trabalho. Então, para mim, a transmissão em sala
matemático. De onde surge o conhecimento matemáti- de aula é uma coisa; agora-a obtenção de certos resulta-
co? Por que o animal não consegue, nern por vislumbre, dos de um trabalho, aí também requer um tipo de. trei-
matematizar o seu mundo, enquanto a criança, já na namento".
quarta fase do período sensório-motor, na coordenação A professora de primeirasérie do Primeiro Grau diz:
dos esquemas secundários (a partir dos 8 meses aproxi- '~ criança tem condição de assimilar conhecimento e de
madamente) começa decididamente a fazê-lo, de acordo expressá-lo; é claro que não posso ensinar aos animais a
com Piaget? O comportamento inteligente da criança ler e esérever; mas posso ensinar coisas diferentes aos
distingue-se do comportamento animal muito antes de animais em etapas sucessivas, e ele também apresenta
atingir a representação; antes de se tornar simbólico, crescimento, apresenta melhora. Ele tem um outro nível

80 81
de manifestação, de expressão deste conhecimento. Na curso história porque meu professor de história era mui-
o:
criança é diferente expressão ~o conhecimento~as eta- to bom: é uma questão de sentimento. Desde pequena a
pas são outras. A dLferença es~a no aspecto ra~Lonal. A criança tem personalidade. Aquilo que tu ensina é como
alfabetização está muito relacionada ao práprio a~uno, um espelho. O animal só repete; no primeiro momento a
ao conhecimento que ele tem do corpo dele. Ele precisa se criança aprende, num segundo momento ela escolhe".
conhecer para adquirir coisas de fora. Ele tem que se Encontra-se neste depoimento, parece-me, uma con-
conhecer ter uma relação boa, ele tem que ter vontade, fusão entre simbolismo e sentimento. O que faz com que
achar qrle aquilo que ele tá aprendencfo é tmportonte: ele uma criança sinta ~ dor, por exemplo, de forma ~iferente
tem que ter sucesso nas etapas an~erLores para s~ l,n.cen- \
do que o animal? E, sem dúvida, a sua capacidade de
tiuar, para prosseguir, para continuar; m.as p'r l,n cl,p a l- II significar, de diferenciar significado de significante.
mente -a aula expositiva não - o mais uioenciado Esta capacidade, de a.eor-do com Piaget, não vem dos
possível, que ele tenha contato, que ele p.ossa pegar, j sentidos, más da ação. E tributária do aspecto operativo
olhar, ver, daí ele consegue; se,!,ão fica muito abstrc:,t~j I do pensamento, e' nãodo seu aspecto figurativo. Este é
dai ele não alcança umntoel rniiito grarule de abstração · coordenado por aquele, e não vice-versa. Assim, a crian-
Este depoimento avança na direção da ação ~o alu~o.
Concebe-se o conhecimento ainda como algo nao muito
diferenciado do condicionamento ou . do treinamento,
I çaaprende porque age sobre o material a aprender, e
agindo estrutura sua capacidade simbólica, organizan-
do seussentimentos. Há; portanto, umavinculação pro-
mas avançando, embora ~i~da~um,ní~el intuiti.v?, no
sentido de superara passividade pr-opma do ernprrrsrno II funda entre' sentimento e: capacidade simbólica, 'pois é
humanamente 'impoasfvel 'sentir sem implicar todo o
subjacente às contingências do condicionament~ou d~ simbolismo já" estr'uturado; e vice-versa. O sentimento
treinamento. Note-se, porém, que este avanço nao esta co-mo óapacidadefig'uracivá é tributário do aspecto ope-
explicitado em nível teórtc~: ele foi ~rod?zido por .u~ rativo, dopensamentorde-onde .tira sua significação, ao
processo de abstração reflexionànte, nao a irid.a refletida; contrário do que o texto pressupõe: que o sentimento
portanto, não foi ainda objeto de 'uma tomada de. cons- deve ser usado como. "isca" para a constituição do aspec-
ciência. A professora de cálculo I!! e de álgebra' IIn~a:, to operativo, Istoé, .daaprendizagem a nível operatório.
no Curso de Engenharia,também suspeita que ~l at.iví- Oprofessor.degeogr'afia e de direito, no Segundo
dade do sujeito tem algo a ver' coma sua aprendizagem Grau e naUIliversidaderespectivamente, atribui tam-
para além da repetição. Diz. ela: "!Ju tenho a LmJ.!re~sc:o bém ao sentimento Uni 'caráter diferenciador do conhe-
que o animal não aprendena: po~s lhe (alta ractoctruo. cimento humano dodoanimal. Diz ele: "Conhecimento
Se fosse só repetição, talvez, SLm. E preCLSO que a"pessoa, eu acho que ele (o animal} não.teria como aprender. Eu
que está recebendo, contribua ~e a~guma fo,:ma · A pro- acho que 'não tem-intelecção, não tem processos mentais
fessora de segunda série do PrImeIro Gr~u Introd,:z um operatáriosnurri nível quese exige para um conhecimen-
elemento que até agora não tinha apa.recI~o~o s~ntImen­ to teôrico, para . uma formação teórica de realidade. A
to como elemento diferenciador da lntellgencla do ho- aprendizagem ·do· animal está circunscrita apenas à
mem dado animal. Diz ela: "É diferente. A criança tem automação de respostas, enfim, o animal só conhece o
sentimentos, o animal sente dor; a . maneira
- como tu que passa pela via do sentido, estimulação e resposta e
ensina - com brincadeiras, riso -a criança nao esquece- automatiza a resposta. O .aluno passa pelo sentido, por
rá. Se a criança é maltratada, também não esquece. Eu exemplo, o conhecimento a priori.i, o conhecimento de

82 83
uma idéia, o conhecimento de um princípio, puramente diferença seria essa: que eu gostaria que o aluno tivesse
abstrato; o animal é absolutamente incapaz". Pelo fato um maior senso crítico. Eu acho que o senso crítico é
de usar a mesma palavra "sentido" para designar o muito pouco. O raciocínio é pouco, seria isso".
conhecimento animal e um momento do conhecimento O professor de bioquímica e bioenergética, em gra-
humano, este docente sugere que concebe o conhecimen- duação e em pós-graduação, diz que o animal de labora-
to animal como restrito aos sentidos, enquanto o conhe- tório é "certo que não aprenderia" estas disciplinas.
cimento humano vai até à idéia, ao princípio, ao Sobre a diferença na capacidade de aprender entre o seu
conhecimento puramente abstrato... mas passando pelo aluno e o animal de laboratório, diz ele: "Os dois têm
sentido. Temos, então, uma forma de empirismo: o "sen- capacidade de aprender, quer dizer, aprender estas coi-
tido" é o caminho necessário de todo conhecimento. A sas fundamentais sobre a vida... quem sabe o animal
professora de teoria da arquitetura diz: "Cobaias? Eu mais que o homem". "Em que sentido?" "Por exemplo,
acho que não. Eu não sei se estaria correto, mas eu nenhuma outra raça mata seu semelhante por matar,
entendo.i, fazendo uma analogia cc!m~achorro... que então o aprendizadopa,ra uma uidá coletioa, para a
conheço maisde perto" seria a nível de adestramento, de sobrevida os animais têm mais que os sereshumanos~'.
treinamento e o tipo de exercício projectual ou mesmo de Parece claro que este docerite-estáconfundíndo o
exercicio teôrico que busca desenvolver não uma co~sa
é
aspecto político das .organizações'humanas.com o instin-
que haja resposta a nível de treinamento. ~ uma .cotsa to gregário" dos anímais."Oprirneiroimplica'a capacida-
que envolve além da absorção do conhecimento, uma de significadora do ser humanovacapacidade de pôr em
certa criatividade, como é que se chama aquele processo nível simbólico as suasnecessidades ea capacidade de
de... 'associações'. Então, eu acho que não. Eú não "consi- organizar, coletívamenterestratégias para reafizâ-Ias;
go imaginar um cachorro desr:nh a1:u:l?, vendo l~ o que implica, portanto, aprendizagemno' serrtido 'estrito e' no
que o Vitruvio, queria fazer. Vl,trUVl,oe um arquiteto do sentido amplo (Piaget, 1914).20Lségull'do 'irrrphca quase
período clássico". esclusivamente-umccnteúdo instintivo e apenas algu-
O professor de engenharia civil e:estrutura atual não ma aprendizugerrrque se srtu'àrrririto aquérrrde qual-
faz menção ao sentimento; ao contrário, valoriza a ca~a­ quer capacidade simbólica. O 'anirnal tem vida gregária
cidade crítica como objetivo da aprendizagem, a raCIO- enãovivência coletiva; 'tem vidaeriãosobrevida. .. pois
nalidade como objetivo da ação docente:,'~cho q.ue. u"! é' incapaz de tomar consciência desta sua condição, é
animal de laboratério, não [aprenderia]. E uma discipli- incapaz de fazer história.Se'ele é incapaz de dar outro
na muito teórica, muito de raciocíni().Acho que não significado a sua ação de matar, paraalérn do significa-
daria. É um raciocínio matemático e suponho que o do prático inatiritivamentedetermiriado de matar a sua
animal de laboratório não o teria. Pois éa diferença que fome, o fato de não pr'aticara ação de "matar por matar"
eu queria que tiuesse: que o meu aluno d.everia ter bem não lhe traz nenhum mérito' -- e também nenhum demé-
mais raciocínio. E justamente o tema muito enfocado na rito. Deixemos-este professor continuar seu depoimento:
minha disciplina. Isto é, o desenvolvimento do senso "Agora, aprender a fazer vinho uma tartaruga não vai
crítico. Faço uma cobrança um pouco diferente do qu~ ~ aprender a fazer nunca, aprende a fazer pão, bolacha.
maioria dos professores faz lá na PUC; eu sempre exijo Na questão do aprendizado qual seria a diferença do ser
questões teóricas que eles têm que r~spondercom base em humano, teu aluno, e de uni animal de laboratório? A
raciocínio lógico daquilo que fOL dado em aula, e a capacidade de aprendizado 'é multo maior. Acho que o

84 85
ser humano é mais inteligente no sentido de que a gente Trata-se, portanto, no caso do ser humano de um outro
tem uma inteligência. Mas é importante dizer que os n.ível de saber: o saber con-sciente, o sabe; que sabe de
padrões de aprendizado e de inteligência são definidos SI mesmo, o saber que se apropriou de si mesmo. Este
pela gente mesmo, quer dizer, de uma certa forma o ser saber, ao contrário do saber prático (instintivo condicio-
humano dominou a natureza e as outras raças mais do nado, treinado), implica a função simbólica, ou seja, a
que.: Agora, não sei bem da inteligência da formiga capacidade de diferenciar significado de significante. A
como é, como elas vivem; acho que o ser humano percebeu criança chega a isto por volta de um ano e meio a dois
mais sua existência, conseguiu estabelecer parâmetros anos de idade.
mais do que qualquer outro sinal, não sei se a formiga Diz o' advogado e professor de direito:"... eu não
sabe da existência do homem - a partir daí ela não sabe trabalho s6 com dados... Eu tenho, talvez, a fantasia de
se proteger do homem; agora se não tem o homem pisan- que ~ss~ conhecimento que não exige abstração, ou seja,
do em cima dela, colocando Detefon (tipo de veneno) e que e simples a~umulaçã? de informações, de dados, de
essas coisas, acho que a formiga vai viver bem! Afinal, elementos.... seria adestravel no animal. Agora vê bem
acho que o aluno é mais inteligente, tem uma capacidade eu distingo as .disciplinas que .eu dou atépara fim d~
de aprendizado muito maior". p:ns.ar· essa coisa. U,:"a, a -de introdução ao estudo de
Parece comum os entrevistados colocarem elemen- direito, trata da teoria geral do direito... tem muito de
tos suficientes para areflexãoavançar... .mas não avan- filosofia... Eu acho que narealidadeela é a única disci-
çam na reflexão cujas condições. eles mesmos .criam, plina que trabalha, 'dentro da faculdade, a filosofia do
Será isto um sintoma da precaridade da formação do direito, porque a filosofia do direito que é .do final do
próprio docente? Retomemos o exemplo da formiga no curso, vai pegar: uma clientela que já está em fim de
contexto da reflexão que fazíamos acima ao interromper curso, uma clientela obstinada para a profissionalização
o pensamento deste docente. Diz ele que a formiga e q,ue tem um profundo desprezo, portanto, pela filosofia,
provavelmente não sabe da existência do homem, ao ate por toda a formação que teve na universidade, e essa
mesmo tempo em que achaque o homem percebeu mais filosofia acaba sendo apenas dados gerais em termos de
sua existência. Parece-me que sua diferenciação do co- ~lustro'cultural do indivíduo. Linhas gerais do pensa-
nhecimento do homem do da formiga é, mesmo em nível mento... [de] pensadores do direito. Então dá um verniz
do senso comum, muito frágil. Se o homem deu-se conta do jurista, tem que saber falar de tudo; não sabe nada,
de sua existência, apropriou-se dela, enquanto a formiga mas fala de tudo. A grande eloqüência do imbecil de
não, deve-se isto a uma capacidade que o homem tem e direito, que é o estereótipo do bacharel engravatado, que
a formiga .não. Que capacidade é esta? A capacidade de é o que as universidades produzem. Então, eu vejo que
construir significantes (Piaget, 1946), a capacidade sim- essa cadeira de introdução, da forma como eu trabalho,
bólica ou semiótica (Piaget, 1974). Por outro lado, a eu não teria como trabalhar com um. macaco. Imagina
formiga sabe, em nível puramente prático, contingente, que esse macaco daNASA... Porquê? Porque, realmente,
da existência do homem. Mas é incapaz de apropriar-se a minha preocupação maior não é ensinar o como fazer,
deste fato em nível simbólico, e por este mesmo motivo mas é colocar dúvidas, porque uma cadeira no início
é

é incapaz de apropriar-se de si mesma. Ela sabe, mas do curso que pode levar o aluno a ter concepções diferen-
não sabe que sabe. Ela não sabe da sua própria existên- tes no resto do curso... ou seja, o esforço maior que eu e
cia, por isso mesmo não sabe da 'existência do homem. alguns outros professores costumamos fazer é no sentido

86 87
de dar um instrumental crítico. Muitas vezes se joga
pérolas aos porcos até pela falta de metodologia da gente. trás do fenômeno, a busca do processo pelo qual as coisas
Se propõe questões que o pessoal não alcança. No caso: se manifestam de certa forma. Interpretando, podemos
se eu fosse ensinar para um macaco da NASA... eu não
dizer que é a busca da essência para além das aparên-
consigo imaginar ele filosofando. Essa é a minha dificul- cias, no interior do próprio processo onde se produz o
dade, dificuldade de abstração mais profunda. Eu lanço fenômeno. Temos aqui uma noção de abstração que se
dúvidas, o animal não teria essa questão da dúvida. E aproxima do que é preconizado como o objetivo de certa
um preconceito que colocam na gente desde pequeno, que metodologia científica: a busca da essência para além
bicho não pensa, né, então eu vou muito por aí, até porque das aparências (Kosik 1976). Percebemos, agora, por
nunca pensei muito sobre isso". que a crítica do professor à produção acadêmica é con-
sistente e contundente ao mesmo tempo. Ele trabalha
Interrompamos um _pouco este longo depoimento. com uma noção de abstração que tem força interpreta-
Nota-se que, apesar' de este professor afirmar, reitera- tiva. Continua o docente: "Tem. uma outra disciplina que
damente, a incapacidade, do macaco de proceder a abs- eu dou que é o direito de família, que é mais instrumen-
trações, parece a drn tí r vné le a capacidade de
í
tal, no sentido de queeles uão usar concretamente para
apropriação de informações elaboradas.dentro do sim- fazer petições, para resolver casos, e até... de colocar a
bolismo humano que nãoestejamem nível da elaboração diferença de interesse doscdunoe pela teoria geral do
da dúvida ou em nível .da filosofia. De qualquer maneira, direito, por essa. disciplina mais .instrumental. Essa
não está claro, na mente deste' professor, o limite entre segunda disciplina,di.reitcJclefamília,muito vinculada
o máximo da inteligência do animal '(macaco) e o mínimo à uida deles, .porqueitodo mundo tem uma irmã que
da inteligência humap.a ("O .imbecil. .do.Direito que é o separou, herança...s. então o interesse; a. tesão das criatu-
estereótipodobacharel. erigr-avabado").... A não ser que a raspela disciplina émuitomaior. E impressionante, é
sua implacável ironia esteja me confundiridoarespeito muito maiorlÉ.a dificuldadeque.a gente tem de traba-
- o que é hem provável. Corrtirruernos ouvindo o profes- lharcom tornar interessante ateoria geral dodireito, é
sor: "Abetração mais profunda seria, a capacidadedenão um negócio extraordinário,qté:,porqjl,le,qs pessoas-reão
ficar só no fenômeno, não ficar só naquilo que aparece, levam a sério pensar sobre ascoisae.elasquerem. é dados,
mas buscar aquilo que subjaz por detrás do fenômeno, elas querem é como é qu,e se faz uma petição inicial, qual
da coisa que aparece, enfim, tentar alcançar o processo é a ação que se entra, ademanda das criaturas (alunos)
que leva as coisas a se manifestarem de determinada vai por aí. Assim, all.enteestá tentando trabalhar a coisa
forma ... [Por exemplo]: Em geral, o direito, na.sociedade, dó direito-puxando até da- uida.das criaturas as diversas
são as normas jurídicas, medidas provisórias, leis, coisa concepções dahistôria, c0111,O é, que historicamente se vê
e tal.; e noventa e nove porcento do pessoal que trabalha o direito. Depois que trabalhaete aquilo, começa a discu-
com direito, seja professor, advogado, aluno, acha que tir com as pessoas, daí vem uma criatura que diz: 'Não
direito é só isso. o que lhe parece fazer' uma abstração dá pra dar um exemplo da tal escola que pensou o direito
em cima disso? Fazer uma abstração dentro dessefenô- no início do século passado de uma determinada forma ?'
meno de direito significa buscar as origens históricas, Então, eles querem um exemplo da vida, como é que se
ideológicas, do fenômeno, realmente". manifesta hoje. Então, esta demanda muito forte pelo
Analisemos um pouco a .noçãode abstração trazida concreto, pelo real, é urna característica do estudante de
neste depoimento. Abstração é a busca do que está 'por direito, pelo menos o que eu posso perceber, até porque a
vida do cara vai se resolver pro lado dos outros e dentro

88
89
de instituição, dentro do mecanismo, da norma jurídi-
ca".
O esforço deste professor dirige-se no sentido de
mostrar que o conhecimento verdadeiro - objetivo do 3.
trabalho acadêmico - transcende as percepções cotidia-
nas, vai além das ações práticas, mesmo as de caráter
institucional, para buscar os processos que fundamen- AS CONDIÇÕES PRÉVIAS
tam todas estas percepções, todas estas ações. Denun- DA APRENDIZAGEM
cia, por outro lado, o despreparo do aluno que,
mergulhado na demanda de receituários profissionali-
zantes, desprestigia o verdadeiro esforço acadêmico, o
esforço de constituição do horizonte maior da estrutura
racícnal. frente ao qual os receituários se desman.cham
como poeira ao vento. A dificuldade do trabalho didático
está em desafiar o aluno em nível da abstração para
além do interesse pragmático de ações treináveis que o
habilitem .apenas para uma profissionalização imedia- Esta parte da pesquisa busca saber do professor,
ta; para o nível da construção do conhecimento, portan- pela investigação de suas concepções a respeito das
to. Na medida em que o professor perde de vista o condições prévias da aprendizagem da sua matéria,
horizonte do conhecimento e se perde em respostas a como ele concebe as condiçõesapriori de toda aprendi-
ações particulares, profissionalizantes, deteriora-se a zagem. Na busca destas concepções, fizeram-se as se..
ação pedagógica e deteriora-se, conseqüentemente, a guintes perguntas aos docentes: a) O que teu aluno
formação do profissional (de direito, no caso) na exata precisa saber para aprender o conteúdo de tua matéria?
medida em que se subtrai deste o que é essencial: a A aula expositiva é suficiente para que ele aprenda esse
construção da estrutura racional. conteúdo? b)Yocêfaz perguntas a seus alunos? Promove
Acompanhamos, neste capítulo, a concepção de a debate? c) Quando o aluno tem dificuldade de aprender,
priori cognitivo ou de capacidade de aprendizagem, sub- qual é (são) geralmente a(s) causa(s) da dificuldade?
jacente às respostas dos docentes. Acompanhemos, ago- Como você age com esse tipo de aluno? d) O que é
ra, a concepção de a priori didático-pedagógico para indispensável numa sala de aula para que um aluno
conferir se, subjacente a este, encontramos aquele (a aprenda? Basta que você ensine bem para que eleapren-
priori cognitivo ou capacidade de aprender). da?
A organização do material será feita de acordo com
os três critérios (categorias principais) básicos - aprio-
rismo, empirismo e interacionismo - que orientam a
própria pesquisa, ao redor dos quais agrupam-se os
temas (categorias secundárias) levantados dos depoi-
mentos dos docentes:

90 91
1. APRIORISMO: O PODER DETERMINANTE N a mesma linha de pensamento move-se a professo-
DO SUJEITO ra de ciências, de sétima e oitava séries, também de
colégio de periferia. "Pra matemática o aluno tem que
o apriorismo, como pano de fundo da explicação do ter raciocínio lógico; coisa muito difícil de a gente achar,
desenvolvimento cognitivo, nunca se manifesta de for- principalmente aqui na vila. Eles não têm um raciocínio
ma explícita, teorizada. Manifesta-se, antes, como algo lógico muito avançado". "Donde vem esse raciocínio
que se ignora, mas que é-apontado como "só podendo ser lógico?" ÇÇEle vem dos primeiros anos de vida, onde mui-
isso". Diz o professor de educação física em escola de tas famílias às vezes, já com aqueles brinquedos de
periferia: "Quanto mais inteligente uma criança, maior encaixe... conseguem ir fazendo com que a criança tenha
vai ser o desenvolvimento dela". Isto é, a inteligência é o um raciocínio lógico. Então, -nos primeiros anos- de esco-
pressuposto de seu desenvolvimento. Ela pré-existe ao la, os professores tentam dar atividades que eles preci-
desenvolvimento. Para ser um desportista "tem. que ter sam pensar; mesmo antes de eles aprenderem a ler e
a tendência pro esporte, tem que gostar daquilo". A escrever eles precisam pensar. Então o raciocínio lógico...
tendência-e o gosto pelo esporte constituem o pressupos- é umacoisaque vem, pode-se dizer, do berço; às vezes as-
to, o a priori da performance do esportista. Embora este crianças chegam à quinta ou sexta séries e precisam
professor afirme que esta tendência 'Já vem da experiên- mesmo usar o raciocínio e não conseguem. Os pais pre-
cia da criança", parece descrer, em seguida, do que cisam ir ensinando aos poucos, dando atividades em que
acaba de dizer, e remete para algum fatormais remoto elas usem o raciocínio para que depois, nurria idade um
à explicação desta tendência: Ç'Eu, p. ex., tenho urriirm.ão poucomais avançada, possam ir bem na escola". "Quan-
mais velho que não' caiu pro esporte, não sei por quê; eu do a criança começa a agir, ela já tem o raciocínio ou o
sempre-me dei bem 'no esporte, na parte prática fui bem, raciocínio vem doque ela faz?" "Não, eu acredito que a
e na parte teórica sempre tive a- maior dificuldade; con- gente já tem o raciocínio, mas na hora em que se está
ciliar os 'dois, às vezes se .consegue, mas é difícil". A dando alguma atividade pra criança, e gente está desen-
suspeita de que a tendência, -o gosto pelo esporte cornoa volvendo o raciocínio dela". "No caso do bebê?" "Também
própria inteligência constituem, para este docente, fato- com eles (bebês) a gente já tem condição de exercitá-los".
res inatos parece ser, de repente,. desautorizada em Até aqui esta professora exibe urna postura epistemoló-
favor de uma tese emprristara criança "tem que ter um gica inequivocamente empirista: a lógica provém do
acompanhamento motor desde o Jardim para um dia ensino que deve ser exercido o mais cedo possível! Sem
chegar a ser um esportista, acho desde que nasce tem que este ensino, a criança não terá a lógica necessária para
estimular o desenvolvimento motor... Uma criança des- tirar proveito 'do ensino ministrado mais tarde pela
funcionada não vai ter o redimentode uma criança escola. Mas, continuemos ouvindo a professora: "Esse
normal". No entanto, a expressão "criança desfunciona- raciocínio começa onde?" ç~ criança, desde o nascimento,
da" aparece como um a priori capaz de comprometer a já tem o raciocínio. Eu acredito que o raciocínio nasça
própria estimulação do desenvolvimento motor; isto é, [coma criança]. O problema é desenvolver esse raciocí-
esta estimulação só logrará êxito se a criança for "nor- nio. Seria o desenvolvimento do raciocínio que leva a
mal". A normalidade é vista 'corno a condição a priori criança/futuramente a ter melhores condições de perce-
para que a estimulação tenha efeito sobre o desenvolvi- ber as idéias, digamos assim".
mento motor. O conceito de normalidade, porém, não é
posto em questão.

92 93
A lógica, o raciocínio é inato. O ensino tem a função quente: queria ver se o palito aceso queimava na água
de expandir algo que já vem constituído na bagagem fervendo. O pai deixou ela experimentar, depois tirou
hereditária. O empirismo desta docente mistura-se, ago- tudo da mão dela; pela cabeça dela passou aquilo aí".
ra, com um apriorismo que se explicita de fato como um Por que o exemplo de ação espontânea é reduzido à
inatismo: a lógica nasce com a criança. Para a professora estimulação? Enquanto esta, epistemologicamente, se
de primeira série de Primeiro Grau esta postura é mais reduz à unidirecionalidade do objeto sobre o sujeito,
amena: "não há tanto um saber, mas uma maturidade aquela emerge de uma interação sujeito-objeto. Minha
interna, física, que é necessária (concentração, ossifica- hipótese é a de que o autor deste depoimento não se
ção da mão)". A postura apriorista de tipomaturacionis- apropriou de uma visão .teórica capaz de dialetizar os
ta (a criança nasce com as estruturas de conhecimento pólos da relação Efllistemológica. Daí o recurso alternado
ou de percepção, mas estas manifestar-se-ão somente ao empirismo e ao apriorismo sem nunca abarcar estas
mediante um processo de maturação) é afirmada pela duas explicações numa totalidade única, superando-as.
professora de educação física: "Uma família mais pro A falta de uma visão teórica-competente tende a reduzir
lado artística, ou mais pro lado cultural, agente conui- a Iímítesestreítos a compreensão dó processodecórine=
vendo com aquilo aí, 'a gente vai colocando na cabeça a cimento e, por conseqüência, a fazer o mesmo com a
parte da-gente, eu acho que aqueles fatos estão ligados aprendizagem e o ensino.
desde a hora da concepção, eu acho". O maturacionismo A-maior parte das respostas à' pergunta a respeito
é confirmado pelo professor de educação física: "Concor- das condições prévias-do conhecimento e da aprendiza-
do contigo, a -parte interior existe, ela só tem, que ser gem remetem para fatoreacont.ingerrtes; não necessá-
despertada. A área motora tem que ser preparada até-que rios, portanto. Diz a professora de história em colégio de
um dia desperte para, -de repente, começar a deslanchar, periferia: ,cÉ uma questão de-afinidade. Eu não tinha
acredito eu. E despertar cedo, o quanto antes, desde nenhuma afinidade com as ciências exatas, aquilo eu
criança... Estímulos têm que ser dados desde que nascem queria ver pelas costas, então eu gostei sempre de histó-
até a idade escolar; depois, quando chegam na adoles- ria, geografia... eu gosto de pintar, taua muito mais em
cência, acho que são muito mais resistentes". O que mim fazer aquilo ali do- que fazer um exercício de mate-
surpreende neste docente é sua crença inabalável no mática; é questão de afinidade, é uma coisa interior, vem
poder do estímulo. "Trabalho com classe especial na não sei de onde, é uma coisa rninhcugenética, de repente".
primeira série corri estimulação precoce. Eu acredito (que Este depoimento leva também o apriorismo aos limites
é o estímulo que desperta as capacidades que a criança do inatismo. Deste ponto devista;o ensino não é respon-
traz quando nasce). O pai que teve o filho desenvolvido sabilizado como fator determinante-do êxito precário n~
nas várias áreas, dando mais um estímulo dentro de aprendizagem discente. Aotcorrtrá rio, procura-se até
cada área, vai embora! Mas tem que haver (estímulo). isentá-lo. A professora de-primeira série do Primeiro
Inclusive, ele como exemplo. Não só forçando. Mas a Grau, com alunos predominantemente de classe média,
criança tem que fazer, tem que ser na prática... ", Inter- afirma quernosso ensino não é perfeito, mas não temos
rompemos este depoimento para tomarmos consciência condições de ter outro. Temos que melhorá-lo pelo menos
da força da crença no poder do estímulo aponto de para este momento". Entende que a criança não aprende
atropelar o próprio exemplo de ação espontânea da "por causa também da maturidade", entendendo esta
criança: "Como a criança que o pai chegou em casa e ela não como um a priori biológico, mas como "infantilidade,
estava brincando com fósforo e uma canequinha de água

94 f
95

j
manha" que leva as crianças a chamá-la de mãe, tia... A gero precaria apresentada por esta: "muitas vezes o
professora de ciências atribui a precariedade da apren- problema não está na sala de aula, até é de casa, ou da
dizagem de seus alunos de periferia, ora à "dispersão", criança mesmo; problemas familiares, de-casa... mesmo
"acredito seja esta a causa principal", situando portanto os problemas que parecem ser escolares têm um fundo de
no aluno a causa do fracasso, embora ela mesma discor- problema familiar. Os problemas de sala de aula tensio-
ra sobre causas que parecem não merecer maior aten- riam. como uma oportunidade para virem à tona. Por que
ção: "nas ciências, muitas vezes, é porque a criança tem uns assimilam e outros não ?Por que um tirou urna nota
que decorar; é porque ela não se fixa naquilo, ou escutan- melhor e outro não? Vem da própria criança: umas têm
do ou lendo. Porque a gente não tem a prática de labora- condições e outras não. -Algumas .matérias são mais
tório fica uma coisa abstrata, então a criança não lendo gostosas, outras a criança tem mais dificuldade. São
ou escutando com atenção eu acredito que então seja esta conteúdos que não chamam a atenção (p. ex., a matemá-
a causa principal, a dispersão". Ora à "boa vontade": "ele tica...I".
(o aluno), não tendo boa vontade, não vai aprender. Eu Comoo professor, visto aqui como representante- de
acho que a boa vontade e o fator primordial para poder uma epistemolo-gíaapriorista,ellfrenta, em sala de aula,
aprender: se ela (a-criança) não tiver afim, ela pode até os problemas relacionados com a aprendizagem ou com
ter condições psicológicas, mentais, ambientais, socioe- a formação do conhecimento? Os problemas que a crian-
conômicas, mas se não tiver boa vontade ela não vai ça traz de casa "o professordeue desco-brir... conversando
aprender". Outro doce-nte situa a -vontade como fator com os pais. A conversa coma criança é muito importan-
absolutamente determinante da aprendizage.m. Res- te porque ela entende e também é um meiodedescobrir
pondendo à .questão a respeito- do que é indispensável o que está acontecendo. Como- é que eu vou sanar as
para que seu alunoaprenda,diz ele: "Essaédificill Eu dificuldades? Conversando com ele (aluno). Eu 'souse-
não sei se tem alguma coisa que seja indispensável na gunda mãe, não "SOU a primeira mãe". A professora de
sala de aula. Não sei se a própria sala de aula não é ciências diz: "Eu falo,chamba atenção, digo que .isso aí
indispensável para o" aluno aprender. Porque eu não é uma coisa para a vida toda, ese euuejo que estão indo
entendo nada de pedagogia, mas eu acho que aprender mal nas provas, eu tento fazertrabalhospra que eles,
é uma coisa que depende muito mais do aluno que do pelo menos, vãocopiandopara.tentarfixar porque mais
professor. Acho que se tiver a fim de aprender alguma do que isso realmente, .alérri da aula, de fazer perguntas
coisa, tu vais vir atrás de mim, tu vais perguntar pro na aula, pedir mais atenção. e ainda pedir para eles
Fulano, pro Beltrano, tu vais aprender. Então, passa fazerem um trabalho sobre aquilo... eu me vejo assim
tudo por uma questão de .interesse, de opção da pessoa. muito limitada tantopeloespaço de tempo deles como
Eu acho que não existe nada de indispensável para que meu". "O aluno é questionado?"- Diz a professora: "Sim,
o aluno aprenda. Eu acho .que só tem .urna coisa indis- faço muitas perguntas. Tôsempreindagando eles justa-
pensável: é a vontade dele aprender. E isso não é dentro mente por eles pouco me indagarem. Como essa área não
da sala de" aula, está dentro do aluno. Além desses outros tem laboratório, então fica uma coisa meio abstrata pra
fatores ... ambientais, a didática do professor, a maneira eles. Eles não tão vendo aquilo; então como eles ficam
com que ele explica... os recursos que ele utiliza pra muito inibidos de perguntar então fico eu fazendo per-
chamar a atenção; já seriam secundários todos esses guntas". "Debate?" "Trabalho de grupo sim. Debate, eu
fatores". A professora de primeira série do Primeiro não diria que seria um debate, seriam conversas dentro
Grau também situa na criança as causas da aprendiza-

96 97

i
da sala de aula". O êxito na aprendizagem: "depende usada como "ajuda final para reorganizar os conheci-
também do modo de apresentar; p. ex., ensinar 'conjun- mentos... como início ou fecho de um conteúdo qual-
tos' com história do Chapeuzinho Vermelho. Tu não és quer... " (como) "exposição do professor no sentido de
um gênio, então, nem sempre tu consegues fazer uma colocar as tais reações que eu falei, que é estimular, que
brincadeira que possa fazer os alunos adorarem. Já é questionar".
aconteceu de eu não contar uma história, não dar uma
introdução, e a prova me mostrou que não houve uma
assimilação total". Neste momento, a professora desloca 2. EMPIRISMO: O PODER DE DETERMINAÇÃO
a causalidade do sucesso ou do fracasso da aprendiza- nOMEIO
gem para as condições materiais, o que parece tirá-la de
uma posição apriorista. "Eu já dei aula em sala de aula Consiste ~ empir~smo ~u~a concepção segundo a
que nem quadro tinha. Do ponto de vista do material, qualoconhecimentoé adquir-ido pelos sentidos e decal-
tanta coisa [auoreceu. .. audiovisual etc. As crianças da cados na mentevconcebida como tábula rasa. Epistemo-
vila têm um rendimento inferior, que se deve às condições lo~c!im~nte,.-eaF~i~ _G ~ eInpffista pela
materiais. Uma criança de uma escola particular tem urridirecionalidade nas relações sujeito-objeto: é admiti-
um rendimento superior, com mais material.que o da da como determinante a interferência do objeto sobre o
vila". Logo, porém, o apriorismo é reafirmado: "Não sujeito e não o corrtrário. O sujeito é passivo, a atividade
basta ensinar bem, senão tu põe o computador e ele, ou é propriedade do objeto; este é constituído, sob o ponto
a televisão, te substitui. Os sentimentos é que diferem. de -, vist.asociolõgíco, pelo meio social que, por, sua vez,
Não é só a maneira bonita de ensinar, mas o tratamento aubaurneo meio físicovNas relações de. ensino e apren-
teu com ela (a criança)...". Isto é, 0- sentimento, algo d.izagernescol area, dificilrnerrteas coisas acontecem com
a radicalidadeprópria do .empirismo aqui descrito, isto
interno à criança e ao professor,constitui, também, uma
é, na sua forma, pura.. O .importante é rastrear as con-
condição prévia da aprendizagem.
cepções epistemológicas docentes enquanto elas tendem
O professor universitário de geografia humana para a atrfbuirao.mundo do objeto ou meio social os fatores
o curso de história, com 25 anos de magistério e tendo determinantes do processo de conhecimento e, por con-
advogado por muito tempo, traz à tona a bagagem here- seqüência, do processo de aprendizagem. Urge buscar,
ditária como condição a priori da aprendizagem. Para assim, os diferentes componentes sociais (mundo do
aprender, o aluno "precisa ter um sistema orgânico cere- objeto), que são indicados pelos docentes como sendo
bral normal, acho que só isso; ... tendo ele um sentido determinantes ativos de um sujeito que é predominan-
perfeito, ele sendo normal em termos orgânicos, ele é temente passivo: o aluno. Ouçamos os docentes.
capaz de fazer aprendizagem... ; aí vai ser estimulado a) Determinação social
.
uai ser cobrado". Esta bagagem, no entanto, é situada
'
Ao ser perguntada: "O que teu aluno precisa saber
aqui apenas como pré-requisito, não como uma instân-
para aprender a tua matéria", diz a professora de segun-
cia de interação com o meio. Constitui ela apenas o chão da série de Primeiro Grau: "O que o aluno precisa levar
onde vai ocorrer a estimulação. Porque a verdadeira pronto, depende da classe social: a educação que ele já
condição a priori é "um acúmulo de conhecimentos ante- traz de .casa... capacidade de escolha... decidir entre o
riores adquiridos pela via empírica das experiências certo e o errado. Depende da criação. Tu vê aquela mãe
pessoais" do aluno. A própria aula expositiva deve ser que se preocupa, que traz o filho ... A família, a criação

98 99
influencia muito". Os fatores determinantes das condi- níveis de aprendizagem, diferentes etapas; comparação,
ções prévias do aluno para aprender esta matéria são análise".
vistos como produtos sociais, inclusive os subjetivos, a c) Aprendizagem da noção de espaço
ponto de atribuir ao professor a capacidade de eliminá-
Embora essa professora-de-assistência social pareça
los: "E também aquilo que vem da própria criança, a
personalidade, introversão, timidez, impedirá uma me- estar próxima de uma pedagogia interativa, o que im-
lhor expressão. Cabe ao professor a retirada da timidez plicaria uma postura epistemológica do ~~smo te~r, há
do aluno, ele tem capacidade para isto". variados fatores que a alinham ao ernprrrsrno. DIZ ela
que a criança precisa ter a noção de espaço para apren-
b) Sentidos: imagem der o conteúdo da matéria que leciona. Mas como chega
A própria necessidade cognitiva do aluno é vista a criança a esta noção? "Ela precisa ter o manuseio do
como algo que pode ser determinada socialmente. traçado, em termos de hábito... conseguir olhar bem,
"Quando os alunos não aprendem, ficam 'boiando', é copiar, reproduzir aquilo; ela precisa saber o espaço que
porque o conteúdo.não bate comanecessida,de del~s. Por as coisas [ocupam], pode-sf} começar pelo corpo do otuno,
exemplo, na quinta série eles não 'se interessam. por o espaço que ele ocupa para começar a ocupar o espaço
história do Brasil; mas o programa diz que tem que no caderno. Ela precisa saber olhar no quadro-negro e
ensina-r história do Brasil. Então, às uezes.éú dou histó- reproduzir no caderno. Isso são aspectos diferentes entre
ria geral, que eles se interessam mais. Eu conto história olhar lá e olhar aqui, copiar aqui, longe e perto, todas
medieval, faço historinhas. Por exemplo, eu descrevo as essas coisas ela precisa saber". "Donde vem .essa noção
vestimentas dos nobres e dos servos. Mas também .digo de espaço?" "Ah! Isso vem trabalhando com a criança, a
junto com toda a questão daclaseesocial, Eritãopra eles família... as pessoas trabalham a sua -noção de -espaço.
é como imaginar um filmezinhona cabeça. Com a Prin- Quando tu chegaedizpra .urnacriança ordenar suas
cesa Isabel, eu digo que elaestciva vestida assim e tal... coisas, tá trabalhando a noção de espaço dela; arrumar,
É muito difícil para eles a idéia de processo. Eu procuro montar a própria classificaçãod.as coisas, as suas rou-
contar historinhas de caualeira.de contos de fadas ... " O pas, obedece a uma classificação: os calçados sãoaqz:i,
que vigora nesta narrativa é a concepção de conhecimen- as outras coisas [ali], isso são noções de espaço-que sao
to-imagem, isto é, o conhecimento escolar só acontece se
trabalhadas no dia-a-dia". "E antes?" "Antes? Onde-o é
o professor alimentar os sentidos do aluno com imagens
que começa tudo? Não sei. Acredito qu~ um pouco pela
visuais ou auditivas; a ação do aluno que é o sujeito da
pessoa. Se ela tem condição de se orgaru.zar, O outro, as
a-prendizagem não entra em questão. Vejamos como a
professora de primeira 'série em colégio de periferia e outras pessoas erisinarri... a necessidade de arrumar suas
também de serviço social na universidade, embora sin- coisas, de encontrar suas coisasnomeemo lugar, tam-
tonizada com uma epistemologia empirista, manifesta- bém·, senão não acha nunca nada. Um pouco, as pessoas
se criticamente a respeito desta concepção de ensino. mais velhas ensinam, ou a professora ou a mãe, ou os
"Faço perguntas (aos meus alunos). Acho importante... irmãozinhos em casa... ". Para Piaget (1977), as noções
gosto que o aluno se manifeste, que o aluno ~e expres~e. de espaço estão entre aquelas noções que não se ensi-
Tem professores que gostariam que o aluno ficasse qute- nam; são construídas na ação espontânea, ação esta
tinho, só olhando, copiando. Eu acho importante que o definida como não determinada pelos estímulos escola-
aluno participe, é uma maneira de ele elaborar aquilo res , mas de modo nenhum independente . dos estímulos
-
que ele tá aprendendo, associar, comparar os diferentes sociais. Para esta docente, no entanto, ensrna-se a noçao

101
de espaço através do ensino da noção de ordem senão na fatores". A professora de matemática, na quarta série,
escola, fora da escola, mas por um ensino que tem as acha que as dificuldades de aprendizagem vêm da "falta
mesmas características do ensino escolar: alguém diz o de pré-requisitos". Esta falta torna o .aluno (de classe
que fazer e alguém repete ou faz o que foi dito, e por isso média) vulnerável: "às vezes o aluno não está disposto a
aprende, A ação não é espontânea e por isso mesmo não aprender, não tem motivação; ... são muito dispersos,
é criativa; tem apenas um efeito de decalque em função desde pequenos. Eles já vêm para a escola com hábito de
da repetição. desatenção de casa, e cada vez estão piores". O empirismo
d) Motivação da professora fica óbvio por um lado ao apontar as
A professora de história de Primeiro e Segundo causas: "Acho que a família e a TV são os culpados", e
Graus aponta a falta de motivação como causa do baixo por outro lado, ao apontar a solução: "Quando há difi-
rendimento do aluno. "Não sei se é s6 ensinar bem. A culdades faço atividades reforçando, extensivas a todo
gente tem que usar a.linguagem. deles... falar de forma grupo... ". Isto é, tanto a causa do sucesso quanto a do
que elesentendam, Eles vão pra aula desmotiuados. É fracasso no desenvolvimento do conhecimento vêm de
um lugar onde têm que ficar sentados, no mesmo lugar, fora; nada mais lógico do queasoluçãoou a cura virem
a manhã inteira... Os alunos aprendem mais fora do que também de fora, do mundo do objeto.
dentro da escola. Pelo menos os alunos de classe média. Acompanhemos novamente o professor de bioquími-
Aprendem no cinema, ,no videocassete, na, TV. Eles con- ca: "Acho difícil dizer, mas normalmente a causa da
tam direitinho um filme que assistiram, mas nunca vi dificuldade é o professor, o método de ensino, a falta de
nenhum deles contar uma aula de história. Do jeito que percepção: para que serve aquilo. Normalmente, a difi-
a estrutura da escola é atualmente, é muito difícil". A culdade no aprendizado vem porque aquilo não é uma
descrição da professora dá a entender que a desmotiva- coisa para ser aprendida. O aluno percebe que aquilo não
ção do aluno é produzida socialmente e que esta produ- é uma coisa importante, mas tem que fazer uma prova.
ção incide sobre o aluno deterrninando-o.jsernretorno. A Então ele tem que aprender".
solução por ela apontada confirma isso. Para superar P - Isso causa dificuldade de aprendizagem?
esta situação, "tem que ser dinâmico, falar bem, abrir R - "Imagina aprender uma coisa que tu não tem
pros alunos participarem". Pareceinquestionável tudo interesse, imagina fazer um esporte que tu odeias, tran-
o que ela disse. No entanto, dever-se-ia perguntar a ela sar com uma mulher que tu odeias, tomar uma comida
por que alguns alunos aprendem apesar de todas as que tu odeias. Basta não querer que fica difícil".
condições adversas? E, por que alguns alunos tendo
muitas condições favoráveis ainda assim não apren- P - Supondo que seja o seguinte: o aluno tem inte-
dem? isto é, a explicação acima é, na melhor das hipóte- resse, mas não. acompanha o ritmo dos demais.
ses, unilateral; parcial, portanto. O professor de R - "Eú vivo numa amostragem muito viciada, o
bioquímica parece suspeitar desta parcialidade ao dizer: aluno universitário estudando medicina: quando ele
"Eu tenho que estar .motiuado e o aluno também. Moti- quer aprender ele aprende. Não-existe querer aprender e
vação é a expressão da necessidade. Tem que estar que- não poder. Quer dizer, quem sabe é mais difícil aprender
rendo. Não me pergunte por quê. Eu sempre gostei de uma fórmula bioquímica do que aprender uma mensa-
química, mas não sei por que a química me motivou. Na gem de um filme do Hitchkoch. Agora vamos levar uma
motivação entra a questão da satisfação social e outros turma num cinema, sentamos lá; eu tenho impressão que

102 103
ali periga ter mais dificuldade de aprendizado. Se o É difícil determinar de que tipo de motivação fala
filme for bom, por exemplo, um filme do Bergman depen- este docente. Piaget diz que se falarmos da dimensão
de de cabeça, de cultura. Para entenderes um filme do estrutural do desenvolvimento é, pelo menos, desneces-
Bergman não basta ter conhecimento de técnica de filme, sário falar em motivação. Temos, por um lado, a moti-
e sim ter certa cultura; agora, para entender bioquímica, vação extrínseca, reconhecível por qualquer behavioris-
um estudante de medicina que saiba ler e escrever não ta, e que é rejeitada pelo docente de bioquímica: o
vai ter dificuldade... agora, se ele não quiser, vai ter professor dizendo da importância- da matéria que lecio-
dificuldade. A mesma coisa acontece com o filme. Se eu na. A motivação estrutural, por outro lado, identifica-se
levar uma pessoa analfabeta, assistir o filme do Berg- com a necessidade assimiladora do organismo ou do
man, ela não vai entender". indivíduo: a estrutura exige funcionamento. Parece-me,
P -Como tu ages com este tipo de aluno que não está no entanto, que a concepção de motivação deste docente
interessado em bioquímica? não pode ser classificada nem numa nem noutra destas
categorias. Configura-ela mais uma postura apriorista,
R~:- "Nao se tT1tg,.g$Jiª-,-º_qlJ,~ euooufazer; não vou
na--- medidaan--{Ja8--&--mativação,Hffi:l- -a-- dificuldade do--
dizer que bioquímica é iriteressante",
aluno, é concebida-como inatingível por estímulos exter-
P - Não dizes? nos, pela influência do professor, por exemplo.
R - "Não! Se ele não acha! Quando a coisa é interes- O depoimento que se segue parece confirmar esta
sante tu não precisa dizer". hipótese: "...0 que ajuda o aprendizado do aluno é
P - Não, mas supostamente t.u achas interessante. primeiro permitir que numa turma, por exemplo de 33
R - "Para mim, muito... Para mim é -tão importante alunos, não estejam 'aliúma massa de 33, e sim, que
que faz 'dez séculos' que faço bioquimica: Têm alurios que estejam ali 33 indivíduos, cada um com sua realidade,
começam -e terminam a disciplina e não acham interes- em princípio cada urn. traneandoà sua aprendizagem".
sante, têm outros que se 'babam' de tão interessante que P - A pergunta é: O que é indispensável?
acham; também não vou dizer para os alunos que acham R - ".. aquelas coisas elernentarestnão ser surdo, não
interessante pararem de se interessar, mas também não ser cego, não dar tiro... estas coisas",
vou dizer: 'se interessa por bioquímica, cara!' Este pro- P - Basta que você ensine bem para que ele aprenda?
blema da dificuldade de aprendizagem nunca tive na
vida, nunca tive um aluno que: 'Ah, nãoposso aprender!' R - "Não tem ensinar bem, 'esta relação não existe.
O que eles não têm com muita freqüência, e isso é uma Tu aprende o que alguémeneina. Se eu sei explicar esta
manifestação de sanidade mental, é 'saco'para bioquí- coisa, isso que é ensinar bem?"
mica. E, às vezes não se interessam -na época do curso, P - Está bom. Foi uma idéia que você teve. O profes-
quando têm 16 anos, e depois com 21, 24, 25 anos estão sor explica bem detalhadamente?
lá interessadíssimos por bioquímica; entraram na ativi- R - "É bobagem. Está 'perdendo tempo".
dade profissional e parece que bioquímica ficou impor- e) Conhecimento-transmissão
tante. Agora tem outros que foram interessadíssimos...
5, 10 anos depois 'nem tão' com bioquímica. Então por 'I'alvez a mais clássica concepção pedagógica ilumi-
que eu vou achar que bioquímica é interessante para nada pela epistemologia empirista encontra-se na con-
todos eles; isso seria mais que a Biblia". cepção de ensino como transmissão de conhecimento.
Diz a professora de educação física: "A gente procura

104 105
transmitir conhecimentos da melhor forma possível. Não a aprendizagem", diz a professora desta disciplina no
sei se ensinar bem é suficiente: têm alunos que conseguem curso de engenharia. O que entende ela por "participa-
captar logo aquilo que a gente ensinou, têm alunos que çãodo aluno?" A aula expositiva é provavelmente a mais
demoram, tem que dar reforço para aqueles que não genuína expressão do empirismo presente na atividade
conseguiram captar para chegarem ao menos a um nível docente. O professor que a utiliza indiscriminadamente,
mais parecido ao daqueles que conseguiram captar". e a maioria deles o faz, acredita que basta expor bem
Piaget refere-se a esta concepção com a radicalidade (clareza lógica + imagens sensoriais, visuais e auditivas
própria da sua teoria: "Tudo o que a gente ensina a uma precisas) a matéria, entendida sempre como conteúdo,
criança, a criança não pode mais, ela mesma, descobrir nunca como forma; conteúdo sempre desvinculado de
ou inventar" (apud Bringuier 1978). A concepção do qualquer contexto de origem, histórico. Essa matéria,
conhecimento como transmissão - não como construção que o mérito didático do professor fez penetrar nos
- vem, coerentemente, acompanhada do apelo ao refor- sentidos (visão e audição) do aluno, será decalcada na
ço.Não importa qual, o motivo da aprendizagem ou da sua mente, isto é, aprendida, na medida em que o aluno
não-aprendizagém ,órelorçosuprirâ Ou .corrtgtrá, -com repetir,óral()u porescrlto, õ quê anotou ou copiou. Isto
certeza. Se existe alguma condição prévia, a priori da implica, necessariamente, permanecer em silêncio; por-
aprendizagem, como a própria motivação, t.ão destacada tanto, não trocar .pontos de vista com os seus iguais, e
pelos associacionistas, não importa qual a sua origem. dirigiro. seu olhar exclusivamente ao professor ou iao
Importa apenas o que pode acontecer daí em diante no onipresente quadro-negro. Avaula expositiva implica,
plano dos reforçadores: estes (componentes objetivos) também, a concepção-de 'conhecimento corno produto
são oper-aciona.liaáve'is, os componentes. subjetivos não. acabado, tão perfeito. que não pode ser mexido, mas
O próprio passado da criança é integrado nesta genera- t.ão-somentereproduaido. O senso comum escolarconsi-
lidade que não. precisa ser analisada pelo professor de dera a aula expositiva como a panacéia do. ensino. Dar
educação física: "Tudo envolve o passado da criança, o uma boa aula significa dar uma boa aula expositiva.
que tu 'está ensinando, tâ te dedicando .ao máximo ao Compreende-se, assim, a hesitação do professor çle bio-
aluno... ". Já a professora de história vê no passado um química: "A aula expositiva não é suficiente... Espera
componente muito mais sério do desenvolvimento. E um aí!... estou em dúvida... Nós damos aula prática. E para
problema "não terem tido uma infância; ou eles se fe- fixar a aula teórica (expositiva)". A aula prática equiva-
cham ou se tornam agressivos": le, aqui, ao que é enuriciado porT'hor'nd.ike como lei do
A expressão escolar clássica do conhecimento, enten- exercício, isto é, o sujeitodaaprendizagem deve repetir
dido pedagogicamente como algo que pode ser transmi- o que foi expostoytarrtasvezes quantas forem necessá-
tido, é a aula expositiva. Longe de ser entendida como rias para que a matéria ernquestão seja decalcada ~a
um desafio para quemjá está estruturalmente motivado mente. É esta, portanto, a função da aula prática: repetir
(cf, "motivação estrutural", acima) a aula expositiva é a aula "teórica" ou expositiva. A professora de história
indiscriminadamente utilizada como a modalidade bá- e crítica de arte deu-se conta disso. Pergunt.ada se a aula
sica capaz de dar conta do ensino de qualquer conteúdo, expositiva é suficiente para a aprendizagem, responde:
para qualquer idade, em. quaisquer circunstâncias. E "Não. Jamais. Com aula expositiva ele (o aluno) só
isto sem limite de tempo. "Em estattstica, a aula exposi- repetiria. Se a exposição é dialogada é bom, mas mesmo
tiva, somada à participação. do aluno; é suficiente para assim o diálogo é só com alguns. Não dá pra dialogar
com todos. Só uns poucos participam. Eu procuro fazer

106 107
atividades que todos participem". Isto é confirmado pela do da ação original. Portanto, o reflexionamento ou ato
professora de terceira e quarta séries do Primeiro Grau de retirar elementos de sua própria ação e a reflexão ou
de colégio de periferia. Diz ela: ~'Não. Só eu falando até reconstrução, em outro patamar, destes elementos,
eles dizem que entendem, mas não. Eles vão ter que fazer constituem o próprio eixo do processo de construção do
de várias formas ede vários níveis pra ver se realmente conhecimento e, por conseguinte, a condição prévia (pré-
eles conseguiram aprender aquilo. Vai-se pra identifica- requisito) de toda a aprendizagem.
ção, depois para a comparação, vai subindo até conse- O que responde o professor ao ser perguntado 'a
guir analisar e sintetizar - Bloom (teórico empirista respeito d ascorrdições prévias da aprendizagem da ma-
americano de uma taxionomia cujas categorias foram téria que leciona?
obtidas, pretensamente, por indução) - só -aí é que eu
Diz a professora de estatística no curso de engenha-
posso uer se ele aprendeu ou não aquele conhecimento".
ria: -o aluno precisa de "noções de matemática e raciocí-
Todos os limites da aula expositiva que acabamos de ver
nio. Épreciso.queoalu"noaprendaapensar". O professor
parecem, entretanto, insuficientes para justificar a sua
de bioquímicaacrescentarD aluno precisa saber quimi...
superaçãó. Aproféssoradé calculõ e álgebra linear, ria
ca inorgânica pra entender à minha disciplina". A pro-
engenharia, afirma: "Eu uso aula expositiva - é o que" se fessora de ihiatõrta e crítica de arte responde:- "Ele
tem. O aluno precisa dominar a matemática elementar. precisa fazer as tarefas que eu indico em classe. O aluno
Os mecanismos até podem ser conhecidos, mas os alunos
não sabe, mas as tarefas são escalonadae em grau de
não conseguem relacionar". O maior obstáculo desta dificuldade ~ domais "fácil pro mais difícil. Galuno
superação, parece-me, é o limite teórico do professor. Se precisa se interessar pra aprender. Se o aluno não é débil
ele está convencido de que não há outro caminho - para mental, ele aprende "o meu conteúdo. Não tem segredo.
apropriar-se de matemática elementar, por exemplo - Não depende s6do professor. Depende do aluno a apren-
não lhe resta alternativa a não ser assumi-la integral- dizagem. Depende da situação de vida do aluno, do
mente. mundo em que ele vive, dàfamtlia.. ." Afirma- a professo-
f) Pré-requisito ra de Ja.rdim de Infância; rrível tB, de classe média:
Os conceitos fortes (assimilação, tomada de cons- "Nada. De conhecimento.riada. Esquema corporal (sim),
ciência, experiência lógico-matemática, abstração refle- noção deesquerda/direita,princípiosbasicos: criativi-
xiva) da teoria piagetiana têm em comum o seguinte: o dade, autonomia, respeito. Se as crianças vire-m com
desenvolvimento e, por conseqüência, a aprendizagem alguma dessae coisas, eu trabalha primeiro isto para
ocorrem na medida em que o sujeito pára a açãoprópria partir para um: conteúdo mais específico". A professora
e procura apropriar-se dela enquanto tal, isto é, dos seus de terceira e quarta 'séries diz: "Pelo menos... : espaço,
mecanismos" íntimos. A ação por si só não .leva à com- carinho, compreensão, alguns jogos - quebra-cabeça,
preensão, mas sem a ação certamente não haverá a manuseio de livros, jogos de montar, tintas, papel, lápis,
compreensão. Ao interessar-se. pela própria ação, o su- alguns brinquedos. A criança deve estar disposta a
jeito a interrompe, rastreia seus passos e retira dela aprender... Eu só estarei à disposição de quem será
(reflexionamento) elementos que lhe interessam, ele- tirado algo. Não quer dizer que eu não incentive a fim de
mentos que são relativos ao estágio em que se encontra despertar algum conhecimento". Continua a professora
no momento (motivação estrutural); reconstrói (refle.- de quarta série, de escola pública e particular: "Racioci-
xão) em seguida estes elementos em patamar diferente nio, observação, atenção. Não" só aula expositiva, mas

108 109
ta'!"bém reforço das atividades... É básico que o professor tir, e além disso, ter recursos para transmitir (audiovi-
seJt;L um estímulo, mas não só. Concentração, hora para suais., material de aula, organismos para poder verem,
brincar e para falar sério, freio inibitório são fatores manl,pularem)". Outro docente diz: "O indispensável é
necessários". A professora de segunda série do Segundo que ele (o aluno) se sinta o mais à vontade possível. Em
Grau afirma: "Uma aula expositiva não é o suficiente outras palavras, eu acho que a condição primeira é uma
para. que o. meu aluno aprenda. Preciso usar mapas, relação afetiva boa na sala de aula. Acho que isso é o
localizar coisas, observar o clima, o terreno. Em moral e fundamental. Alunos que têm problema de relaciona-
o,.SPB, trabalho e ensino conceitos, regras, condições que mento, têm dificuldade. Alunos que, por exemplo, já não
tem que se aprender... .0 d~bate é necessário, principal- tiveram uma sociabilidade desenvolvida, têm dificulda-
mente no estudo da h.istôria contemporânea. E preciso de de trabalhar em grupo, participar de pequenas dis-
que o aluno participe, mas o professor explica e dá cussões que se faz seguido... Então, a condição primeira
exemplos. Acho que para o aluno aprender ele deve estar é, enfim, relações afetivas em sentido amplo, boa para a
mo~i~Ctclc!,.estimulado, ten-ha, vC!,!t(J,de de dprendef, num sala de aula... material didático; dependendo dos ní-
veis... Nu.m: nível .já.maie elementor..sato-ambiente..N o
ambiente adequado à aprendizagem. » . -
nosso caso, no quarto ano, silêncio, não ter calor ~x~~~si­
A professora de Segundo e Terceiro Graus de histó- uo, não ter frio excessivo, uma relação afetiva boa o
ria natural, botânica e ecologia .vegetal, com doutorado conhecimento, (agora) num outro nível". O professor'de
e pós-doutorado. no exterior, diz: "Dentro de comunida- arquitetura: Embasamento do projeto afirma que ·0 alu-
~es vegetais, que é parte de uma disciplina que eu ensino, no "tem. que ter a parte de desenho que é importante...
e fundamental que o aluno conheça os organiemos que Alguma coisa da matéria, escala que ele tem que ter
fazem parte dessa comunidade, ou seja, asplantae.Uon- noção. Seria a parte .do .Segundo Grau . de expressão
sigam identificar essas plantas econsigam. relacioná-las gráfica". A aula expositiva é suficiente?"Não,nâo é ... A
com o habitat onde elas ocorrem, as condições ambien- gente tem muito contato com o aluno, vai ao terreno, faz
tais.·Então isso é o fundamental para a compreensão de comparações, conversa, mostra o trabalho de turmas
todo o conteúdo". Perguntada se faz pergunta a seus anteriores... Às vezes, leitura de textos, depois a gente
alunos, responde: "Não. Na minha área de botânica discute. Eles participam bastante... Elft acho que tem que
ecologia, biologia, é impossível um aluno absorver tud~ haver um relacionamento bom entre aluno e professor. A
teoricamente, ele tem que ter contato com os organismos. l{ente procura mais mostrar a realidade, sair a campo.
Tem que ter contato com os ambientes. Ou contato em As vezes, eu uso audiovisual, mas não é muito comum".
la~o,:at6rio ~u. na natureza mesma, para que a gente
atinja os objetiuos pretendidos. Eu já tive experiências
g) Dificuldades de aprendizagem
de tentar só fazer teoria, mas não tem bons resultados só À pergunta: "Quando o aluno tem dificuldade de
dar aulas teóricas. Realmente não é o melhor resultado". aprender, qual é (são) geralmente, a(s) causa(s) da difi-
Perguntada a respeito do que é indispensável para que culdade? como você age com esse tipo de aluno?" respon-
o aluno aprenda, diz esta professora: "Acredito-que a dem com alguns elementos reveladores de posturas
presença de um professor no qual eles tenham alguma epistemológicas, embora percam-se, na maioria das ve-
confiança. Acreditam naquela transmissão que ele traz zes, em particularidades que cada caso exige.
e... ajuda muito certos tipos de recursos audiovisuais que A professora de primeira série do Primeiro Grau diz:
a gente usa em aula... Pra mim, ensinar bem é transmi- "Há alunos que não estão aprendendo porque são desa-

111
110
tentos, não estão interessados, por 'n' fatores". A solução posta ou enfrenta problemas de ordem emocional (como):
"é uma conversa com a família, buscando dados anterio- imaturidade - do ponto de vista físico; preparação para
res... Em março, quando a gente começa, depois de uns a alfabetização; estímulo para estar na condição de
vinte dias, a gente... começa a detectar dificuldades. Aí aluno; muitas vezes, eles querem apenas desenhar!" Até
elas... têm que ser abordadas nas mais diferentes causas. aqui a explicação desta docente é empirista. Na própria
Pode ser uma questão de adaptação da criança à escola, seqüência do discurso aparece a explicação apr'ior-iata:
pode ser uma dificuldade clínica da criança, que precisa "E uma questão da própria criança, do próprioorganis-
um encaminhamento médico, uma avaliação médica... mo". Na mesma seqüência ainda, retoma a explicação
No meu caso, das crianças que eu encaminhei... os 4 empirista: "Também a maneira como a aula é dada... "
laudos médicos comprovaram que as crianças têm difi- A solução -é coerente com a explicação predominante:
culdade. Aí tem que dar o encaminhamento adequado. "trabalhar com a criança... mais intensamente; a conver-
De repente, tem que fazer um tratamento, ,dar medicação, sa entre eles -(colegas) é mais proveitosa, se entendem
algum outro tipo de terapia. Aí não cabe mais à escola, melhor; o auxilio do professor é importante. Também
ao professor, mas ao médico e à família também". converso com os pais e com a própria criança, para saber
Nas primeiras séries busca-se envolver os pais na o que há e .o que é possível fazer" (exemplifica contando
solução de problemas de aprendizagem, atitude que a história. de um· ahrnoique .marrifeatou regressão no
tende a-desaparecer posteriormente. Esta atitude pare- comportamento; ao conversar com' ele constatou que
ce estar ligada à crença de que a- influência '(negat.iva) sentia medo' e .não manha, .conforme os pais haviam
dos pais ou do meio seria indigitada como responaável afirrnadove então-chorava para. não vir à escola). A
pela dificuldade. As entrevistas, infelizmente, não avan- professoradepré-esçola,·declasse média e média baixa,
çaram por este caminho, de tal-modo -que não se pode afirma que pa'ra sevagtr-com. uma criança que tenha
inferir, com certeza, até onde vai o argumento empirista dificuldade "é preciso (descobrír) u m acontecimento an-
e onde começa o apriorista - dificuldades ligadas à terior, para que Si! possa . diagnosticar alguma coisa.
bagagem hereditária. A professora-de Jardim de Infân- Pode ser -uma dificuldade emocional que bloqueia o
cia (nível B) e de Primeiro Grau afirma' que é preciso cognitivo, ou uma dificuldade -cognitiva que pode ser
"trabalhar bastante-tempo em cima da dificuldade, até sanada com um -trab(fJ,lho:mais intenso. Depende da
ver que base a criança tem. Os que não acompanham dificuldade, às vezes preciso de auxílio de um especialis-
recebem um trabalho mais específico e os pais' são- enga- ta, não posso saná-la sozinha.. Fazemos um _trabalho
jados. Minha intenção principal fé atingir] os pais. Por mais intenso corn-o aluno, dando um auxílio maior a ele".
exemplo: os meninos eram muito agressivos e-a conversa Nada, nestes -depoimentos, permite inferir que o
com as mães adiantou: [de um lado] aagreseiuidade dos docente suspeite, em algum momento, que a dificuldade
filmes, brincadeiras, revistas e [de outro lado] eu sozinha de aprerrdiaagem, coma qual ele se depara, possa per-
contra a agressividade; imitação de brincadeiras, de TV tencer ao- próprio processo de conhecimento, em duplo
e não outras brincadeiras como antigamente; a vida real sentido: no estruburaf.enode conteúdo. O aluno pode
é difícil, e a TV [dificulta] mais ainda, incentivando a não ter construído as estruturas necessárias para assi-
agressividade". A professora de primeira série de Pri- milar o éonteúdo em questão, ou falta-lhe simplesmente
meiro Grau, atendendo alunos de classe média, indigita, pré-requisitos em termos de conteúdo: não adianta que-
sem rodeios, como causa a família "que exige uma res- rer ensinar álgebra para um aluno que não assimilou

112 113
bem a aritmética (conteúdo) ou que não seja operatório-
formal (estrutura). Este professor atribui, predominan-
eles aprendem tudinho, tudinho". "E o querer deles vem
de onde?" ç'Vem da necessidade que eles sentem de que
temente à falta de conteúdo (pré-requisito) a
isso vai ser útil pra eles. E, principalmente, se isso vai
dificuldade: "É difícil saber quem não acompanha a
matéria numa turma de 75 alunos. S6 se, no fim da aula, trazer uma recompensa imediata. Se eu di~o pra e,le.s que
o sujeito vem se queixar que não entendeu. Geralmente é
eles vão precisar isso pra quarta ou pra qUlnta (~erIes)...
Eu digo assim: Quem terminar tudo certinho uat ganhar
por problemas de base (background) ~eórica. Eu, então,
dispenso atenção para aquele aluno ali, naquele '!1'0men- MB, faço aquela escala como te mostrei aquele dia (es-
cala de comportamentos e respectivas atribuições de
to. Mas isso é errado, é uma conduta paternalista. Eu
acabo usando uma linguagem mais chão para explicar notas)... Aquilo motiva eles, eles têm necessidade de fazer
o conteúdo. Mas daí distorce a teoria. E subestima o
para se afirmarem". "Como trabalho as dificuldades de
aluno". Como se vê, as explicações do fenômeno "dificul- aprendizagem?" "Ah]. Com muito mais intensidade, exer-
°
dade de aprendizagem" envolve, via de regra, aluno, a
cício! Paro muito mais tempo nessas dificul dades; ten-
to, por um lado; não adiantando, vamos ver de outro
pessoa do aluno e, por extensão, ~o.ca~oda crianç~, os
jeito. Tentar avaliar, ficar ali parado, até que eu senti
pais. Uma análise um' pouco mars Ins~stente Ievaria a
que conseguiram pegar aquilo. Muitos não conseguem.
explicação a incluir o meio social, especialmerrte 1]-0. caso
Chegam até um nível e param". A professora universi-
da criança de periferia, que enfrenta toda espécie de
tária .de história explicaa relativa ausência de dificul-
dificuldade, .em casa e na escola, para. aprender. E, no
dades de aprendizagem no Terceiro Grau por uma
caso do aluno universitário, o próprio ensino portanto, espécie de seleção natural: çÇO aluno com dificuldade de
também o meio. Teríamos envolvido, então, tanto o
aprendizagem fica pelo meio do caminho. Na Universi-
sujeito quanto o meio social, na confec.ç.ão ~a causalida~e
dade, chega quem tem capacidade". Remete à organiza-
do fenômeno em questão. Reatar-iadialetizar estes dOIS
ção lógica do conteúdo a prevenção destas dificuldades:
pólos, mas para isso precisa-se de teoria capaz de mos-
"Para que não haja dificuldade de aprendizagem tem
trar como estes dois põlossedeterrninarn mutuamente.
que escalonar oconteúdo: .Aseimio aluno se sente com-
É esta dialetização que nos leva a superar, .de um só
petente 'parasubir os. degraus". Isto da parte do ensino,
golpe, o empirismo e o apriorismo... Estasuperação, Pia-
porque da parte da apren.dizagem a.responsabilidade é
get a chama de con.strutiuismo, _
atribuída ao esforço: "Mas (J, aprendizagem depende do
Carregada de ambigüidade - empirista/aprioris~a - esforço do aluno. Eu sempre dou -. tarefa extraclasse: pes-
é também a explicação das dificuldades de apre.ndiza- quisa em biblioteca, discoteca, museus. São atividades
gem pela vontade, pelo querer ou pela motivação do estimulantes. Mas eu também cobro. O aluno que não vai
educando. A professora de terceira e quarta séries, em bem na minha disciplina épo~que não fez as tarefas. Até
colégio de periferia, diz: ÇÇNão basta (ensinar), porque ele a metade do semestre eu permito que o aluno recupere as
tem que querer aprender. Ele tem que se esforçar, ele tem tarefas. Se o aluno tem dificuldade, eu dou mais orien-
que estudar. Fazer as tarefas". Surgem dificuldades J?or- tação".
que "eles não estão interessados. Eles têm outras coisas
Mais claramente empirista é a professora de educa-
na cabeça, outros interesses, outras motivações. Eles.não
ção física em colégio de periferia. Diz ela: "Tâ tudo ligado
tão realmente querendo aprender, -não estão serüindo
ao estímulo que não teve no passado. Problema muito
necessidade... Então fica difícil. Quando eles querem,
grande hoje é o de crianças trancadas em apartamento.

114
115
As crianças, aqui da vila, são mais desenvolvidas, no mente, a falta de concentração, muitas vezes, das pessoa»
aspecto motor, que crianças que moram na cidade, em na sala de aula, especialmente dos alunos de biologia. E
apartamentos. Estas desenvolvem praticamente sóa mo- isso eu acho que é um problema do momento... Agora,
tricidade fina e o raciocínio brincando com videogame, quando a gente leva eles a campo numa aula prática, já
e a motricidade ampla não é desenvolvida: por isso, as é bem melhor. Eu acho que chama mais atenção. Eu
crianças têm grande dificuldade hoje em dia. Compa- tenho agido com muita paciência. Tenho tentado dar
rando: as crianças daqui mostram melhor desempenho atendimentos individuais quando necessário... Atendo a
que as crianças de lá (de situação socioeconômica supe- perguntas extras feitas durante a aula para ver se eu
rior; a entrevista está sendo feita no colégio de periferia consigo transmitir a eles o que não foi possível ser cap-
onde trabalha a entrevistada) que mostram um proble- tado". Tudo se reduz, aqui, a condições objetivas - dis-
ma de coordenação motora para jogar um voleibol, p. ex. ciplina, aula prática, responder perguntas - que
O desenvolvimento motor desses aqui corre longedaque- determinam, Inchrsjve, o interesse do aluno pela maté-
les de lá". O professor de educação física do mesmo ria; são condições objetivas, sem as quais não há trans-
colégio parece andar na mesma direção. Acredita que missão de conhecimento. Esta transmissão precisa
um programa de treinamento tem o poder de determinar encontrar um aluno interessado, disciplinado, concen-
o desenvolvimento motor: "Na educação fisica-o proble- trado, capaz, portanto, de captar o que está sendo trans-
ma maior é o do desenvolvimento motor numa determi- mitido. .
nada etapa. E se aquele aluno tem dificuldade, eu O professor universitário de geografia, humana e
procuro ver onde é que ela está, e tento voltar atrás. Se o ex-advogado parece·alinhar-se ao mesmo tipo de em-
aluno não conseguiu resolver um exercício daquela eta- pirismo: "Excetuando os. casos de alunos que talvez te-
pa, eu procuro dar um mais simples; até ele conseguir nham até dificuldades orgânicas... são alunos que não
fazer o simples e depois dar um, um pouquinho. mais foram suscitadosa desenvolver . aintelecçãodos proces-
complexo". Qualquer semelhança com as pequenas uni- sosrneritais - saber identificar, saber relacionar, enfim,
dades, logicamente encadeadas, da instrução programa- ter estruturas e processosrnentais .operatórios ·desenvol-
da de Skinner, é mais do que uma coincidência! vidos - porque tiveram uma aprendizagem muitodistor-
A professora de história de colégio de periferia diag- cida; vêm de um nível mais baixo. Ele foi feito
nostica: "As crianças daqui ·nãoconseguem concluir, intelectualmente a facão, como se diz, então, ele sabe
comparar, dar sua opinião, não conseguem se expressar muita coisa, mas de maneiradesorganizada, e tem difi-
de maneira coerente". Qual a causa disto? Diz ela: "A culdade de chegara um nível de aplicar conhecimentos
única nutrição consistente que estas crianças têm é a novos". Os processos merrtaisxou capacidade operatória
merenda escolar. Elas ficam sozinhas o dia inteiro. Mes- estão longe de serem produzidas, aqui, através de um
mo pequeninhas, elas se viram". A professora de história verdadeiro processo de interação. Longe de serem sujei-
natural, pós-doutorada, diz que utiliza trabalho em gru- tos de uma verdadeira ação, os alunos precisam ser
po, debate. "Bom, a nível universitário... acho que não se suscitados para chegarem à operação mental. O que
pode falar em deficiência de aprendizagem. Acho que, fazer com tal aluno? Primeiro, "... dar mais atenção para
muitas vezes, depende muitodo interesse, e a disciplina ele. Essa é minha preocupação central, é nos desafios
eu acho que ajuda. Ter grande interesse ajudao apren- colocados em sala de aula, fazer com que participem
der, o absorver. Por outro lado, tenho notado, ultima- mais, se manifestem mais, que sejam mais solicitados

116 117
esses alunos... Isto é, ... sempre digo para eles que o construí-los. Numa palavra, deve-se ensinar não só o
professor tem que evitar o risco de trabalhar com os conteúdo, mas também a lógica imanente a qualquer
melhores de forma mais adiantada. Tem que tentar um conteúdo. E cada conteúdo tem a sua lógica.
meridiano; e o mais difícil é exatamente o aluno que fica
para trás, não avança, tem dificuldade de estabelecer
relacionamentos menos simples ... tem mais dificuldade 3. ~NTERACIONISMO:A DETERMINAÇÃO
de generalizar ... tem mais dificuldade de perceber afi- MUTUA
nidade entre os fatos ... que têm uma estrutura semelhan-
te, que têm algum tipo de relação". a) Assumir a linguagem, a experiência, a ação do
Na mesma direção vai o depoimento do professor de educando
arquitetura: "Muitas vezes, o aluno ruio chega a sentir o A postura epistemológica interacionista caracteriza-
que a gente quer despertar nele. Na arquitetura, todo o se por não admitir qualquer coisa, em termos de conhe-
espaço tem função. Não sei se é uma deficiência da cimento, que seja previamente dada em relação à ação
educação dele em casa. Talvez não tenha despertado do sujeito. A consciência não precede a ação, nem en-
para alguma coisa. Ou se tem alguma dificuldade mes- quanto conteúdo, nem enquanto estrutura. Isto é,"as
mo... o mais difícil é o aluno chegar à conclusão de que relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa
está errado, que aquilo que ele está fazendo-não é bom". interação radical, de modo tal que a consciência não
Embora o resíduo apriorista denunciado pela expressão: começa pelo conhecimento dos objetos nem pelada ati-
"o que a gente quer despertar nele", predomine a con- vidade do sujeito, mas por um estado indiferenciado; e
cepção empirista: as coisas acontecem do plano do objeto é desse estado que derivam dois movimentos comple-
para o plano do sujeito, e não vice-versa, e muito menos mentares, um .de incorporação das coisas do sujeito, o
na interação sujeito-objeto. A forma pela qual este do- outro de acomodação às próprias coisas" (Piaget, NI,p.
cente trata o aluno que apresenta problernade aprendi- 386). Os depoimentos que se seguem não podem ser
zagem não podia ser mais clara pa.ra. denunciar' o seu classificados claramente como interacionistas, mas
empirismo: "Eú procuro conversar, mostrar, explicar como aproximações maiores ou menores - às vezes "mí-
direitinho. COlha, não é bem assim. O espaço que' tu vais nimas - destemodelo, Veremos como a simples aproxi-
colocar uma planta é próprio para a folhagem e não para mação já muda a ótica pela qual um docente "vê" o
preencher um cantinho que sobrou'", Esta última frase conhecimento e encara aua inserção no. trabalho 'peda-
revela, com meridiana clareza, a concepção docente de gógico. .
um aluno incapaz de criar a mínima solução para qual- A professora de -Jardimde Infância, nível B, diz: "A
quer problema. Tudo deve ser ensinado, inclusive a aula expositiva é insuficiente.'A criança tem que partici-
capacidade de criar qualquer solução por mais .sirnples par sempre. Sempre partindo da própria criança, até
que seja, pois o aluno é tábula rasa; e é tal em cada novo onde ela pode ir. Que ela atue mais que eu: perguntas,
patamar de aprendizagem. Daí a importância dos pe- debates na rodinha, que é onde trazem novidades, o que
quenos passos, logicamente encadeados (vide a instru- querem aprender; estamos sempre conversando, mas
ção programada tipo Skinner) da matéria a ser esta é a parte culminante. Eles fazem questionamentos
ensinada. Cada um dos pequenos passos deve ser ensi- sobre o que queriam aprenderedisseram. 'nada'. Mas eu
nado, por men?r que sejam eles. O sujeito é incapaz de

118 119
vou continuar tentando. Levando em consideração o que deixar O aluno falar, o provocar sua fala é permitido
eles trazem". apenas como digressão com relação à matéria propria-
É neste contexto que cresce a suspeita sobre o ato de mente dita e com fortes indicadores de que se trata de
ensinar, suspeita que em Piaget encontra forte cober~u­ catarse tolerada pelo professor que não acredita que sua
ra. O professor de direito discorda de que o bom erismo matéria possa ser desenvolvida por este caminho. Como
seja suficiente para aprender-se alguma coisa, pois: "O aconteceu com um professor de educação física que
que é ensinar bem? .. Será que não ser matão e falar o "deixou" os alunos proporem mudanças nas atividades
tempo todo dá para dizer que o cara ensina bem? Eu acho de sua disciplina, pois eles se mostravam entediados
que não, sobretudo na disciplina de introdução ao e.stu~o com as tarefas propostas. Os alunos responderam com
de direito. Se não houver interesse do aluno nas Leituras forte unanimidade em torno do futeholcomo atividade
complementares, ele realmente fica para trás". substitutiva de atividades exigidas por este professor.
b) Promover a fala, o questionamento do aluno Ele reage com algumas racionalizações - a meu ver não
A postura construtivista aparece na maior parte das convincentes - justificando a não-adoção do futebol (cf,
vezes tímida e mesclada sobretudo de concepções ernpi- Conselho de classe participativo, abaixo). E os alunos,
ristas. De qualquer modo, toda vez que o professor claro, não conseguiram revidar, pelo menos naquele
demonstra acreditar, na sua prática, que o aluno é capaz momento, pois encontravam-se reunidos com a orienta-
de elaborar algo por si e apres-entar isto aos' outros, dora pedag6gicae com todos os' seus professores num
mesmo que em forma de pergunta, acreditamos que este evidente ·confronto em que o prato da balança do poder
professor supera, mesmo que momentaneamen!e, ~ pos- pendia decididamente a .favor da autoridade docente,
tura empirista. Freqüentemente, porém, o proprto do- emudeçendoafaladiscente.... <Mas, de. qualquer modo,
cente não acredita que haja lugar para isto em sala de encontramos e'lernerrtosrra direçãodeurna superação de
aula. modelos predominantemente empiristas. Diz esta pro-
fessora: "No ja17dim,~trabalhamosmaisa partir de expe-
Diz o professor de bioquímica: "Faço perguntas (a riências concretas. Com os adolescentes trabalho mais
meus alunos). O debate depende deles. Quando eles com o que eles questionam, -o que eles já conhecem.
fazem bastantes perguntas, o debate é bom. Se um aluno Através des-tes qu~stionamentos,debatemos,discutimos,
diz uma coisa e outro diz outra coisa diferente, eu pego e trocamos vivências e eles concluem. _Sempre eu coloco o
valorizo a diferença e estimulo o debate sobre isso. Mas que penso, não como a verdade, mas como alguém que
não acontece muito debate em geral na aula". O professor está no grupo, que faz parte do grupo".
de educação física em colégio de periferia diz: "Eú gosto
que os alunos falem durante as aulas e perguntem, e até Outra professora diz: úNaaula, o professor. .. deve
levo eles a fazerem perguntas. Este exercício é desta largar o papel de diretor: professor transmitindo e aluno
forma, e eles perguntam de que modo é feito, para que recebendo. Acho queaaula deve ser uma coisa boa. Se o
serve, e deixo eles criticarem. A maioria das coisas que aluno do pré-escolar à faculdade não-está a fim, vamos
eles falam é crítica a alguma coisa, e eu deixo eles conversar, chegar, aprender de outras maneiras... acho
criticarem. Tento perguntar por que ele tá criticando. Eu que temos que ter 'conteúdos', mas não como uma coisa
estimulo muito as perguntas, eu gosto que os alunos que se utiliza anos e anos os mesmos. Por isso, o professor
perguntem bastante". No entanto, nas aulas assistidas não transmite o conhecimento, ele oportuniza. Claro que,
(não especificamente às deste professor) notou-se que o num momento, dá aula. Ele mostra que também conhe-

120 121
ce... Também o professor deve dizer se não sabe, que vai vive. Deixar que os alunos, entre si, concluam determi-
pesquisar, pede ajuda aos alunos também". Ainda outra nados conteúdos da disciplina".
docente afirma: "Para mim, o aluno não é um mero A professora de cálculo e álgebra linear na engenha-
receptor. Pelo contrário, é um questionadorque muitas ria afirma, assim, sua ruptura parcial com o modelo
vezes faz o professor também reconstruir, modificar o que empirista: "adoto também a aula dialogada, pois não
dizia. Vejo isto quando converso com as crianças depois falo o tempo todo sozinha. Procuro fazer uma aula com
de uma história, por exemplo. Por isso, vejo que o ques- momentos de pouca seriedade; se o clima está tenso, ou
tionar, ter outras visões, ter outras perspectivas, por ter como na disciplina de álgebra, que o aluno é 'bicho', eu
lido, estudado, saber que é uma história, um filme, que tento relaxar, promovendo perguntas e fazendo com que
o lobo do livro da minha mãe não é igual ao do livro da eles mesmos respondam. Nos exercícios eu só ajudo -
aula, todo um questionamento que levou as crianças a depois de ter explicado, naturalmente - quando eviden-
'não terem medo do lobo'. Este trabalho de interpretação ciam estarem trabalhando mesmo". Todo professor de
de texto, faço na minha classe de Maternal Ieacho que matemática sabe que seo aluno não age matematica-
por isso o professor da turma passada veio e me disse este mente, ele não aprende; esta ação, no entanto, é enten-
ano que as crianças não ficam quietas depois da h.istôria, dida como simples repetição das lições do professor, e
querem falar sobre ela, ficam questionando. Acho ·que não como verdadeira interação. Este depoimento da
pra toda a educação não existe uma regra única. Cada professora no curso de engenharia bem ilustra esta
turma, cada grupo, cada aluno tem a sua especificidade ambigüidade vivida pela docência: "Bom, debate em
e até a necessidade oportuniza o conhecimento". engenharia fica mais difícil, mas-a gente ·procura'na
Caracteriza-se a postura irrteracioniatapordesacre- aula expositiva incentivar o raciocínio deles. 'Quando se
ditar no ensino segundo o modelo errrpir-ist.a: 1?-á" um chega a alguma parte que deveria ser uma- dedução
professor que ensina porque sabe e há ahrnoa que apren- lógica, uma conclusão a que se deva chegar, eu sempre
dem na medida em que repetem as lições do professor. procuro lançar a pergunta aos alunospará ver se alguém
Oconstrutivismo i nteracíorrista.rompe com estedogma, responde... e se eles não responderem;euficoseniada,me
As relações entre ensino e aprendizagem são muito mais sento numa classe e fico olhando até alguémfalar algu-
complexas. A aprendizagem do aluno só acontece na ma coisa. Agora eles já estão até aprendendo. Eu digo:
medida em que este age sobre os conteúdos específicos 'Enquanto vocês não falarem, a gente vai ficar até à meia
e age na medida em que possui estruturas próprias, noite aqui sentados, e eu nãovoú continuar a aula'.
previamente construídas ou em construção (cf. "zorrade Então eu procuro, assim, incentivar um pouco para que
desenvolvimento proximal, de Vigotsky"). Entende-se alguém fale". .
daí por que o pretenso jogo simples do modeloempirista Vê-se a que custas o aluno fala numa tal sala de aula.
é substituído pela crescente complexificação de. uma Isto significa que o estado norrnal desta sala consiste em
interminável interação. Daí que, para enfrentar as difi- o aluno não só calar'-se; mas assumir uma postura ex-
culdades de aprendizagem, é preciso "terpaciência, ten- tremamente passiva, diria até, semi-hipnótica. O pro-
tar entender o que ele (aluno) está entendendo ou não, se fessor de teoria geral do direito e direito de família
entende a simbologia trabalhada. Tentar adequar a enfrenta este ambiente: "Tem dois instrumentos de se
linguagem ao aluno. Variar os exemplos. Adequar a promover debate... em grupo, seminário. A participação
linguagem à realidade do aluno, à comu.nidade onde do pessoal é variada. O pessoal mais da noite, que é mais

122 123
maduro, já tem mais idade, eles têm um tesão por discu- Coordenação e diferenciação são, em Piaget, mutuamen,
tir muito maior que a gurizada, e aí eu fico abobalhado, te complementares. A atividade cognitiva do ser huma-
porque a expectativa da gente é que o pessoal da manhã, no implica, portanto, a capacidade de distinguir
por ser gurizão, tenha mais entusiasmo para debater, e qualquer coisa de qualquer coisa, seja esta coisa real ou
não é o que acontece. O pessoal novo tem um grande representada, concreta ou formal. Justifica-se, por isso,
espírito 'matão' etambérri de 'colar': a fraude acadêmica. a preocupação desta docente com a capacidade crítica.
O pessoal da noite leva muito mais a sério os debates. O Resta saber se esta capacidade é ensinada ("meu objeti-
outro lado é uma aula debatida, eu não exponho... vou vo é tentar desenvolver a crítica neles") ou se é construí-
falando, eles interrompem, a gente discute". Neste tipo da, como quer Piaget. E construída de acordo com o
de sala de aula é possível acontecer o aegtrirrte: "Eu tinha próprio processo de desenvolvimento, isto é, em função
um aluno que não sabia escrever... O não-escrever era, o da atividade organizadora do sujeito em interação com
seguinte: ele tinha urna letra enorme, não conseguia o meio em que vive, do meio que fornece a gama infinita
formar uma frase com sentido, nunca abriu a boca para de diferenciações na exata medida da capácidade orga-
falar... Se o aluno me procura, eu sento com ele e falo no nizadora do sujeito, já construída. A professora de pri-
recreio ou na sala de aula. A maioria deles não (me) meira série do Pr'irne'iro Grau, de classe média, afirma
procura. Eu não tenho tido essa iniciativa de procurar o que "sempre (promove debate) - sou chamada de a
aluno que está mal até porque eu acho que isso é urna professora do debate! -especialmente quando trabalha-
relação paternalista". A construção do, conhecimerrto é va da quinta à oitava .séries:dó'Primeiro Grau; esses
mediada por um interminável encadeamento de cornpo- alunos são mais, fervorosos. ',A"'minhá turma se coloca
nentes socioafetivos. Somente numa sala de aula cons- bastante, fazem ligação entreaC!q,ilo queseestáfalando
truída progressivamente dentro de um m odelo e a própria experiência". Já. aprofessora de, Pr-é-escola:
interacionista, superando passo a passo os modelos em- maternal I, classe média alta, .parece anular ou pelo
piristas e aprioristas, torna-se possível superar toda menos diminuir o teor crítico de sua fala ao reduzir tudo
forma de dificuldade de aprendizagem - exceto, obvia- ao "ser profissional", ao•• profissíonafismo .•. d(). professor.
mente, as que remetem a problemas orgânicos. Diz ela: "Acho que não 'se deve ter urnmétodoespectfico
c) Crítica e consciênciacrftica para ajudar a criança em seuprocesso dê conhecimento,
À pergunta: ''Você faz perguntas a seus alunos? e sim íconhecimento do próprio professor sobre lsso'; mas,
promove debate?'} a professora de história de Primeiro sinto carência de um profissionalismo 'mais consciente
Grau, em escola de periferia, responde: "Meu objetivo sobre o trabalho qu~ se vai realizar, gostar dele, se
principal é tentar desenvolver a crítica neles; a criticada dedicar a ele, saber que esta é a suaprofissão, que a coisa
crítica, entender por que se está criticando; não dizer não estaria do jeito que está se tivéssemos uma visão
coisas soltas, criticar sem argumento. Dentro da histó- melhor do nosso 'ser profissional'. Existe o 'quero traba-
ria, sempre saber o fato, a causa, não aceitar as coisas lhar com criança rica, não pobrezinha, pois terei mais
prontas". Lembrando a origem etimológica da palavra material', como se isto fosse a essência, de ser um bom
"crítica" (krinein = julgar, no sentido lógico) damo-nos
professor". Acho que reivindicar melhores condições de
trabalho é plenamente justo e em nada diminui o aspec-
conta de que ela implica a capacidade de discriminar,
distinguir (sujeito de predicado, no caso do JUÍzo), dife- to profissional do professor; antes pelo contrário. Teria
razão a professora se o nível de consciência política do
renciar. A esta capacidade corresponde a de coordenar.
docente fosse medíocre a ponto de sua opção de trabalho

124 125
reduzir-se a uma opção de classe: trabalhar cornalunos está pensando esta professora de Pré-escola, classe mé-
provenientes da classe abastada como opção fundamen- dia alta: "Acho que só o ver não basta, é preciso também
tal e sem alternativa. De qualquer modo, a categoria
debater, questionar, concluir, para que se aprenda. Dra-
"profissionalismo", utilizada por esta docente, corre o
matizar, ver slides, é melhor se trabalhar uma história
risco de cair no vazio idealista e, portanto, de nada
do que se ter um professor só lendo uma folha. A parte
explicar, se desvinculada de uma verdadeira consciên-
da cultura tinha que ser mais valorizada, ir a museu,
cia de classe. teatro. O gostar vem também do conhecer bem alguma
d) Interação com outros ambientes coisa. Acho que todo o esforço da pré-escola, da criança
Se pensada sob o ponto de vista dtdático-pedagógico, experimentar, vivenciar... acaba ali, não é contínua, não
a visão piagetiana do processo de conatrução do conhe- lhe é oportunizado ter mais o concreto. Só fui pensar na
cimento postula uma mudança tão profunda das rela- questão conh~cimento na minha vida profissional, na
ções de sala de aula ,e das relações de toda a estrutura escola. Acho isto uma falha de educação. Quanto mais
de poder que rodeia' a mesma sala de' aula a ponto de se tem vontade, se tem mais gosto, mais seuai conhecer
atingir os limites da, radicalidade. A sala de aula de se vai crescer", '
passiva, onde as relações professor/alunosão estáveis, Diz a professora que "o gostar vem também do co-
previamente definidas, fixas, passa a ser dinâmica, com nhecer hem alguma coisa"; parece-me que, em geral,
regras definidas pelo 'grupo de.' alunos .com o professor, pensamos o contrário, isto é, que o conhecer vem do
'regras que podem ser rompidas em função de novas gostar. Entretanto, gostare conhecer determinam-se
regras que o consenso: - obtido, via de' regra, através de mutuamente: o gostar deter'mina .« conhecer, assim
conflitos - do grupo estabelecer. Dialetizam-se asrela- como o conhecer determina o gostar.. Saber e· sabor são
ções gerando-se uma tensãocriutivaentre a estabilida- as duas faces do desenvolvimento, h.umano, cognitivo e
de e a mudança, entre a fixidez-e a ruptura: o professor, afetivo. Se gosto de algo ou de alguém, terei melhores
além de ensinar, passa a aprender, e o aluno, além de condições de conhecê-los...O .reveraoda medalha é que
aprender, passa a ensinar (Freire). Ou comoquer Inhel- não poderei gostar oudesgostar de algo ou de al guérn
der, Bovet e Sinclair: "Aprender é proceder a uma sín- que não conheço. As nossas análises dão conta, atual-
tese indefinidamente renovada entre a continuidade e a mente, de quão profundamente a escola e, em particular,
novidade", entre a conservação (inatismo puro) e as a sala de aula sacrificam o gosto, o prazer, o sabor, o
aquisições (empirismo) ou as transformações. Até as afeto enfim, em nome do conhecimento, do saber, da
relações entre forma e conteúdo passam a ser dinamiza- ciência. Somos herdeiros de séculos de mosteiro, de
das: o que era forma constitui-se em conteúdo na busca convento, de religiões que não suportam o prazer e
de nova forma. A escola, a sala 'de aula, transforma-se, definem o "Saber" como a quintessência da vida na
assim, no lugar em que a crítica corajosa transforma em medida em que se purificou (catarse) de todo sabor, de
alvo todos os aspectos da sociedade: . política, religião, todo afeto, de todo prazer. Falar de sexo ou de repressão
ciência, técnica, tecnologia, direito, poder, arte, ética etc. sexual, aqui, seria redundante por um lado, mas, por
Seria razoável falar aqui num novo iluminismo? O pró- outro, abriria um filão inesgotável que nos afastaria das
prio espaço da sala de aula deixa de ser exclusivo: intenções deste trabalho... ou será que, ao contrário, nos
busca-se outros espaços apreendendo-lhe seus proble- levaria ao cerne da questão? Não tenho certeza! O "fu-
mas para, então, voltar à sala de aula. Não é por aí que turo da psicologia", como fantasia Piaget, "será uma

126 127
grande síntese entre Freud e Piaget". Esperam.os por do consciência, não há verdadeira compreensão ou ver-
esta síntese. Já há notáveis trabalhos a. reapeito (cf. dadeira aprendizagem. Isto é, o aluno precisa apropriar-
Jean-Marie Dolle). Poderemos, então, carnirrhar melhor se do processo próprio de formação do conhecimento de
nesta direção. Afinal, Piaget já enunciara: :'0
afeto é o matemática e, por extensão, de todo conhecimento, no
motor da ação" e a ação é o motor do conhecimento... momento em que ele está acontecendo; no sentido histó-

f
e) Sentido histórico do conhecimento rico da ontogênese, portanto. O sentido complementar a
A professora de matemática, de todos os graus de este, o sentido da filogênese, a história da formação da
ensino (da Pré-escola ao Terceiro Grau), perguntada se matemática por milênios de história da humanidade,
a aula expositiva é suficiente, responde: "Nã.? pei aula tem toda importância que se pode imaginar; não acho,
em tudo que é lado, acho que o p.rof~ssor rruxts trrespon- porém, que seja indispensável no que se refere à mate-
sável é o do Terceiro Grau. No Primeiro e Segundo Graus mática elementar. Sua importância cresce na medida
é diferente; tens que partir da relação - se ligar - no a.l,,!,no em que se complexificam os conhecimentos matemáti-
e ele contigo. Uma parte da aula tem que ser expositiua; cos. Como compreender os conhecimentos algébricos
sem conhecer os problemas e os percalços de sua forma-
tem que ter exercícios, é preciso q,ue as pessoc;s c.onvers.em
ção? Como entender o cálculo integral sem conhecer a
entre si, que elas errem, que os pro.blemas sejam resol-
história de sua formação, os problemas que levaram os
vidos tanto individual como em conjunto: que se trabr:lh,e
o aspecto teórico da matemática através <!etex~o~ !t~sto­
matemáticos à sua formalização? Poderíamos resumir
com o seguinte enunciado: quanto mais se avança no
ricos, a fim de se ver o que estava por tras d.aldel,a,dos
matemáticos. A matemática não pode ser eneinadasáem ensino/aprendizagem da matemática, mais precisa-se
da história da matemática para dar conta deste ensino
cima da prática; é necessário teorizar, que~t.ionar, ~pe­ e desta aprendizagem. E. quanto mais desce...;se na faixa
racionalizar abstratamente". Os m at.ern át.icos, . da-se
etária, mais precisa-se da apropriação da história do
conta a professora, como quaisquer pensadores,. produ.-
processo de formação. A ontogênese dá-se na medida da
ziram conhecimento matemático para resolver.proble-
apropriação, pelo sujeito, de seu processo deformação e,
mas de sua época. Refazer esteconheclment.o
posteriormente, aos poucos, na medida da apropriação
matemático mediante o ensino, por exemplo, r'econat.i-
da filogênese. De forma talvez não muito clara a profes-
tuindo apen~s seu aspecto formal, sua logicidade, p~de sora em questão intuiu este caminho.
não ser suficiente. Esta insuficiência cresce na medida
em que descemos na faixa etária. Um. adulto ou até uma f) Usar analogias, fábulas, parábolas'
criança no período formal podem facil merrte compreen- Esta professora universitária de matemática pura
der conteúdos de aritmética concentrando-se na sua trata assim os problemas de aprendizagem: "No primei-
logicidade. Uma criança intuitiva ou operatório-concr~'­ ro dia de aula eu trouxe um 'probl~ma de raciocínio
ta, porém, precisa perfazer o processo de· abstraç.ao (aquele das idades, em que um amigo diz para o outro a
reflexionante - do real ao abstrato, chegando ao concreto idade da pessoa com quem casou através da idade de
- a fim de apropriar-se, de fato, de conhecimentos arit- outras pessoas; também descreve-a fisicamente dando
méticos "transmitidos" pelo professor. Se não há r~~ga~e como pistas as características de outras pessoas) para
do processo de formação, por construçã? (experiência ilustrar como seria nossa disciplina. Eles trabalhariam
lógico-matemática ou abstração reflexionarrte), pelo com o raciocínio, e quando não dá para ir por um
qual o sujeito apropria-se do próprio saber, dele toman- caminho, se vai por outro. Há alunos com mais dificul-

128 129
dades, outros com menos. Tento conversar e mostro que
as dificuldades são até naturais, embora se tenha que não é. Mas o que é indispensável fica difícil de eu diz
tentar, com tenacidade, resolvê-las. Para aqueles com A ntuel de recursos materiais" existe acesso a esses re er.
7\.T-' fi l CUr-
sos. 1..v ao e por a ta de recursos. Agente tem acesso a
muita dificuldade, eu tento tornar mais fácil, explicando
mais". Apesar de o objetivo da professora ser correto, vídeos, ,a !tente tem acesso à tecnologia contemporânea
parece que os meios que usa acabam por diminuir as que esta",aI" .mas"".eu acho que o que faltaria mais é uma
chances de conseguir este mesmo objetivo. A professora perrnanencia maior, um envolvimento maior do estu-
lança um desafio; um desafio em nível de raciocínio. dante com a universidade, a escola. Que essa discussão
Assume a possibilidade de resolver-se o problema, por não fosse uma coisa apenas de sala de aula. Que a tua
mais de um caminho. Exorta os alunos para que sejam aula não acontecesse apenas na aula. Mas que a tua aula
tenazes, mas perante a dificuldade, em vez de propor o se estent:!esse pelo _corredor, pelo bar. !Então, o espaço é
problema de outras formas, de ajudar a organizar gru- u,",:a COlSCf' que nao l!ropo.rcLOna mu"lto isso, o espaço
pos de debate, de propor problemas análogos, a profes- ftsico ... (CIta uma universidade partícular, situada na
sora puxa para si a dificuldade, amenizando-a mediante Grande Por.to ~egre). Aí então, as pessoas não têm
aqu,ela convwencl~, de a gente irjunto ao bar, tomar um
A

explicações. O que acontece com esta professora prova-


velmente atinge a maioria dos docentes: eles não estão cafe, conver~ar, cflscut~r sobre aquilo que estuda. Então,
preparados para produzir conhecimento, coletivamente, fica essa rrunoria aesirn, com mais oportunidade, que
pelo traballho de todas as pessoas presentes numa sala conself.ue desenvol~er um pouco mais. A maioria... fica
de aula, mas apenas para transmitir (repetir) conheci- bem a. margem dieso.s, a nível de aprendizagem, de
mentos já produzidos. O ensino visando a construção c~nhe:"mento,esse envolvimento mais universitário. En-
(produção) de conhecimento caracteriza-se pela promo- ~ao, nao basta apenas a aula ser boa, se é que é boa. Mas
ção do debate, da hipótese divergente, da dúvida - real e .essa e~trut1;"ra tod'!... A maioria dos professores é ho-
ou metódica -, do confronto de idéias, de informações rista, nao existe rrucita troca... ".
discordantes e, também, da exposição competente de A suspeita, ou mais do que uma suspeita deste
conteúdos formalizados. O ensino visando a transmis- p.rofessor, sobre as condições de estruturação do'conhe-
são caracteriza-se pelo silêncio, pela concordância, pela Clmento~c~ntrasta com as estruturas tacanhas, tanto do
subserviência, pela aversão à dúvida real e pela impos- espaço fISI:~ qua?to ~o tempo e do espaço acadêmicos.
sibilidade da dúvida metódica, pela repressão e até O espaço ffaico: sao rni.lhares de alunos deslocando-se _
punição à hipótese divergente, pelo monopólio da infor- de me.trô,. de ônibus e uma minoria de autom6vel- para
mação e da interpretação nas mãos do professor que a. ~erlferla de Porto Alegre, ou de cidades vizinhas _
freqüentemente trabalha com informações arcaicas e vlaJan~O~ em não poucos casos, até aproximadamente
descontextualizadas sob os aspectos antropológicos, so- 100 qul1ometros (ida e volta) para, às 19 horas, entrar
ciológicos e históricos (história das ciências). numa sala de aula e ouvir um discurso de um professor
g) Espaço da sala de aula que tambttm já está enfrentando o terceiro turno de
À pergunta "O que é indispensável para que teu ~rabal~o.. ~s 22 horas, já se inicia o nervoso retorno
aluno aprenda? A aula expositiva é suficiente? .." o pro- ImposSIbIhtando a continuidade da aula que deveri~
fessor de arquitetura na graduação e de urbanismo no ~rolongar-s~até às 22 horas e 30 minutos. Isto durante
pós-graduação, com mestrado em educação, diz: "Não, , 5, 6 ou .maIs anos. Espaço e tempo acadêmicos: o aluno
ouve o dIscurso docente, copia ou anota esse discurso ,

130
131
repete-o até a exaustão para retê-lo ~a ~em~ria, pois é
sua reprodução que é cobrada na aval iação: VIa de regra
grupo, se o cara tem alguma dificuldade que precisa de
tolera-se, na avaliação, o empobrecimento deste discur- uma noite na semana, não vai vir naquela noite do
trabalho em grupo, porque ele acha que o trabalho em
so, muito raramente, porém, a sua crítica. Quando o
aluno se forma (fôrmal) ele não está, por um lado, de grupo é uma coisa em que não se aprende, que é matação
posse de habilidades específicas de uma tarefa profissio- do professor, que o professor não quer dar aula... aquele
nal, pois a sala de aula não é uma oficina ou um lugar concficiona!'1 en to de que aula é professor falando e aluno
de treinamento stricto sensu, nem, por outro lado, cons- copla~do. E um negócio visceral, muito forte. E não é um
truiu, em competente interação com as teorias e siste- negôcio forte só nele, é na gente também". Este outro
mas de diferentes áreas de conhecimento, uma docent~ aproxima-se da distinção piagetiana entre
estrutura de pensamento capaz de enfrentar, com auto- aprendIz.agem e dese?volvimento, o que o faz suspeitar
nomia, situações novas que a vida implacavelmente irá da capacidada do enarno de criar conhecimento e da sala
de aula corno lugar apropriado para esta criação: "Acho
apresentar. O determinismo acadêmico opõe-se à inde-
terminação da vida social, na medida em qu.e se põe em que não existe uma aula que tu deixas o aluno pronto.
Ele pode até entender o conteúdo, mas aprender é outra
descompasso com ela, ao admitir, na prática pedagógica,
que o movimento da vida não passa de um eterno retorno
hist6ria. Eu acho que entender é uma coisa racional, tu
e que nada há de novo sob o sol.
olha, parece que o raciocínio está todo perfeito; agora, tu
aprender realmente uma coisa é uma questão de assimi-
O professor de teoria geral do direito,de direít.o de lação, e isso agente s6 consegue fazer refletindo em
família e advogado é ainda mais enfático ao apontar os alguma coisa sozinho; então, eu acho que necessita sem-
problemas do espaço acadêmico: "Eu estou me c~nven­ pre um tempo de estudo em casa, de forma que tu ·consi-
cendo de que [a aula expositiva] é absolutamenteineufi- gas realmente absorver aquele conteúdo novo dentro do
ciente. A grande desgraça é a seguinte: desde que eu teu conhecimento anterior. Então, eu acho que tu podes
entrei na faculdade (que dou aula), até porque era um ser o melhor professor do mundo, mas nunca -vai se
compromisso que a gente tinha ainda no tempo de estu- deixar um aluno pronto depois de uma aula. O aluno
dante, fiz um esforço muito grande para buscar novas sempre necessita um tempo de estudo".
metodologias de ensino dentro do direito. Por exemplo,
essa cadeira do direito de família, tu tens que passar Forçando um pouco a interpretação, diria que esse
docente aponta a sala de aula corpo lugar impróprio para
informações, senão as criaturas ~é!'0 têm ~o.m? [apren- a construção de conhecimento, a ponto de ter que recor-
der] e, em geral, a gente está condicionado a idéia de que
rer, necessariamente, para tempo e espaço extrac1asse,
passar informação é aula expositiva. A gente tem me~­
clado aula expositiva com atividades em grupo e serru- a fim de aprender realmente, isto é, de assimilar. A
a~ividade extrac1asse faz parte deste processo de apren-
nário.A gente que eu digo é eu e uma meia dúzia de
dIzagem formal, cujo cerne é constituído pelo processo
professores... Tentamos mesclar a aula expositiva com de construção de conhecimento, mas corno extensão da
seminário e grupo de estudo. Agora, a demanda- dos
sala de aula e n~o por causa de sua eliminação. A
alunos por aula expositiva é impressionante. A resis~ên­ professora de arqUItetura na graduação e de urbanismo
cia deles a qualquer outra atividade que não seja o no pós--graduação, com mestrado em educação, situa
professor falando e eles anotando é um negócio-extraor- be~ .essa questão: "Não, (a aula expositiva só) não é
dinário. Se tu propões: no dia tal a gente trabalha em suticience. Precisaria existir uma disponibilidade de lei-

132 133
gr~fico de como era. a cidade grega, por exemplo, aí ele
tura muito maior... É comum, por exemplo, numa disci- uai fa~er~maplantl,nha. Também existe dificuldade de,
plina minha, eles precisare",: »: d. 0is livros ~um seme~- no prl,mel,ro momento, transpor, copiar".
tre. S6 2 livros Na outra d~sc~pz"na, tambe",: de teonc: • ~ão podemos esquecer que este nível de quase ina-
arquitetônica foi solicitada uma ficha de leitura: (lei- mçao mental foi produzido pela escola, e a maior parte
tura) realmente... imprescindível para ~les passa:em n? dos docentes nem sequer percebe que possui alunos
final do semestre. Eles são, compulso::~a~en~e,~nt!-uz~­ operando em nível tão primitivo de inteligência. O sis-
dos a ler, mas é comum essa exclamaçao: 'Ah, e a pnme!- tema de avaliação, há muito viciado, não detecta tais
ra vez que eu leio um livro!'... Então, é comum .eles nao problemas. A relação direta, quase cotidiana entre pro-
terem esse hábito da leitura. Começa por aí a d~ficulda­ fes~or e aluno, faz vir à tona tal primitivismo. O difícil
de. Outra coisa, por exemplo, é fazer uma Leitura em é suportar esta carga, sem responder com violência
espanhol, eles têm muita dificuldade para ler em espa- como depõe esta docente: "Eu tento ir explicando, expli~
nhol... a maioria da bibliografia é em espanhol. Em cando... Eu tenho um aluno... que anda na lua! Há 3
algumas disciplinas eles não têm pré-requisito realrnen-: semestres... com o perdão da má palavra é uma anta
te.: a pr6pria língua portuguesa: escrever um poz:co completa; tu não podes acreditar que exist~ uma pessoa
melhor, pelo menos... As vezes, tu vês alunos que vem com. tão pouco raciocínio que nem ele. Sabe, eu tento
superduros a nível de expressão gráfica, expressão for,- explicar, mas chega uma- hora que eu não sou nenhum
mal e que evoluem muito durante o curso; com exercl,- ~J6', ~êm horas que eu tenho vontade de e-sganá-lo. Agente
cios' então desenvolvem muito". Para esta professora de explica uma vez, explica 2 vezes, ele olha: 'Hã, hã! Tá
arq~itetm=a, a maioria das causas das dificuldades está professora, tá professora!' Pega, vai fazer. Dali a dois
na formação, está em "não saber ler e não saber ~screver. segundo~ ele volta: 'Professora, eu não eritendi bem!' A
Isso é realmente um fato... Quando a gente uat estudar gente uai ver, ele não entendeu desde o começo (começa)
um texto... e cada um vai lendo uns parágrafos, daí tu tudo d,e n0Z!0. D~ um l?ouco de desespero. O qZ:e eu posso
chegas realmente a uma convicção de que eles não sabem fazer. e sá lSSO, e explicar, explicar uma, explicar duas,
ler, no sentido de, às vezes, estar soletrando... mudar o explicar dez.. Eu não sei, é a única forma que eu vejo.
sentido das palavras. Dificuldade de ler o tex~o para Ten~ar expllc?,r de formas diferentes, cada vez tentando
depois interpretar. Eu acho que para tu sabe:es l,ntep:e- esmiuçar mais; e mais do que eu esmiúço para a maioria.
tar tem que saber ler. Eles não sabem ler... e uma eousa Talvez".
qu; é séria, muito séria. Mas esse ~ o nível dagraduação.t
Uma das formas (de superar a dificuldade de apr-endi- h) Pré-requisito
zagem) é essa que eu estou dizendo: é fazer os caras lerem Como o professor concebe o a priori de todo conheci-
um texto em aula... Outra dificuldade que eles têm... é mento? Como ~ntende dever ser a base a partir da qual
redigir. Redigir é uma dificuldade enorme... uma difi- ele poderá ensI.na.r? ? conhecimento de qualquer nível,
culdade muito grande de compor um parágrafo de forma em qualquer disciplrna, deverá iniciar sempre a partir
clara, precisa. Aí tu ficas pensando: bom, quem sabe os do senso comum?
caras desenham melhor, então tu pedes também para A professora de engenharia civil (concreto protendi-
representar graficamente alguma coisa... q.ue desenhem do) e computação, em pós-graduação lato sensu discute
como é que era a cidade antiga... outra dl,ifculda,de: . a ~uest~o específica do pré-requisito no curr-ículo, na
transposição de conhecimen~odo t~;to l}ro niuei grafico . universidade onde leciona. "Lá, na PUC, depois de mui-
Se eu pedir para formar um croqui grafico, um esquema

135
134
tas brigas, muito mandato de ~seguranpa, el~s .fizeram
uma mágica: eles aboliram todos os pre-requlslto~. En.- engenheiro daqui de Porto Alegre que tem uma firma de
tão, na real, o aluno que estivesse. entra~do. n~ Uniuersi- estaqueamento. Marcaram o dia da visita; o cara per-
dade poderia se matricu:lar na .mlnha dl,scl,pll,nCf. Agora, guntou quantos iam à obra. 'Bom, tem 90, deve vir uns
isso já não tem acontecido .multo.... o_pessoal foi se cons- 3D, um terço'. Quando ele chegou na PUC parei buscar a
cientizando que não hauia condiçôes. Em termo~ de turma, tinham 6 alunos dos 90. Daí ele pegou os 6 e foi
pré-requisito essencial mesmo é que eles tenham feito a para a obra, sem jeito. Quando chegou na obra foi um
disciplina d~ concreto; a minha disciplina é concreto caos total; eles começaram a perguntar as coisas mais
protendido... O que eu chamo de visão estrutural....t:nh;o estapafúrdias, bobagens, absurdos, de ficar com vergo-
uma visão de que a engenharia estrutural é uma clenc~a nha. Perguntaram para o engenheiro da obra bobagens
física, então o que qUlf eucha;mo de ci~ncia estrutur~! ,!,ao assim que pareciam que nunca tinha entrado numa aula
é fórmula m.atemática, ate se precisa: de m~tematlca, de engenharia. Ele ficou bem envergonhado. Disse que
mas é principalmente o funcionamento das coisas... Por- não iriam mais levar esse pessoal... Daí eu sei que aca-
que a engenharia não pode sub'!"eter a natureza a ela, a baram com as visitas. Daí, eu começo a pensar: ... 'uou
engenharia tem que se render a natureza. Ela tem que levar para passar esse vexame? Pra chegar com 5 alunos
saber como as coisas funcionam na natureza. Quando e que vão falar bobagens... s6 cochichavam e riam?' Eu
falo 'a natureza', pode ser uma coisa, fe~ta pelo homem, acho uma coisa assim, comprometedora pra gente. En-
mas ela tem um funcionamento proprl.o, por .exemplo, tão, por causa disso eu não tenho feito maiores incenti-
uma estrutura de concreto tem seu proprio furicionarnen- vos". A análise desta docente revela um complexo de
to, e eu não posso interferir -nisso. Então eu t~nho que problemas produzidos pela própria escola enquanto ex-
conhecer como isso funciona, de modo a saber lidar c~m pressão das minorias que a determinam. No entanto, é
esses fenômenos e em cima disso propor novas. soluçoes~ incapaz de apreender a raiz dos problemas que ela
propor novas alternativas para a. engenha';,la ou ate mesma descreve. Atribui, ao invés, aos alunos-indiví-
(alternativas) velhas, mas com a minh.a cara . duos a fonte, a causa deles. Vejamos: quem freqüenta
A aula expositiva é vista por esta p~of:sso:a como aulas de engenharia numa PUC?De onde se originou a
modalidade viável, sem maiores cont.ra-iridicações. En- precária formação destes alunos? De onde vem aIirrrita-
tretanto ela mesma denuncia o que se produz num da concepção de aula destes alunos? Por que sua rejeição
contexto' pedagógico que a privilegi~. "Eu, na verdad~, a uma aula mais participativa, mais ativa, num canteiro
dou aula expositiva; mas acho que teria que se !c:zer rruu.s de obras? Qual a origem de seu descompromisso ou de
visitas coisas assim. Visitar o SENTE C, uisitar uma sua rejeição a esta proposta de aula? Isto tudo não surge
obra d~ concreto protendido... até fazer algum trabalho por geração espontânea; foi produzido socialmente. A
com modelo reduzido, tem infinitas... slide,. eu até que professora, porém, mostra-se sem instrumental (teoria)
faço uma aula de slides... mas eu acho que existem. outros para apreender criticamente este conjunto de proble-
problemas: eu tenho medo de faze~ isso. Medo p'0rque eu mas. O que se revela nesta narrativa? Uma professora
sei de experiências de colegas muito malsu~edLdas. !'or se~ instrumento teórico de análise de sua prática edu-
exemplo, há dois semestres, o pessa..al. pediú para i r a catIva e um grupo de alunos descompromissados, iner-
obras ver fundações ... estacas... Unãnime, todo mundo tes, d~pendentes e, o que é mais sintomático,
pertencente às minorias privilegiadas. Professora e alu-
queria ver a obra, e então (o professor) marcou com outro
nos são cara e coroa da mesma moeda; são frente e verso

136
137
da mesma realidade social. Mas, de qualquer modo, gente tem que se virar por outro lado'", Na explicação
verbalizar o problema pode ser um bom começo... desta docente os problemas de aprendizagem na sua
A falta de instrumentos de análise e de teoria ade- sala de aula devem-se à baixa cotação da engenharia no
quada leva esta professora e um diagnóstico altamente mercado de empregos, à falta de vocação e de talento dos
pré-conceituoso: "Bom, ... a engenharia está por baixo, alunos para a engenharia, à falta de raciocínio matemá-
agora. Na época em que eu entrei... o pessoal que era bom tico e físico, à falta de interesse. Um acúmulo de afirma-
em matemática no colégio, ia fazer engenharia. O pessoal ções, mesmo que supostamente verdadeiras, não
que não sabia o que ia fazer da vida, acabava num curso perfazem uma explicação verdadeira: "é possível dizer
de administração... hoje a situação se inverteu porque o um monte de mentiras só com verdades". A instância
pessoal viu que no campo de administração, por exemplo, organizadora de uma explicação coerente realiza-se na
tem muito mais futuro que no campo de engenharia, e teoria. Falta a esta professora uma teoria para explicar
então têm entrado realmente pessoas que não sabem os percalços do seu fazer educativo. Sem esta, o desfile
muito bem o que vão fazer da vida... então o que eu vejo de pré-conceitos será interminável, e a explicação con-
é muita gente que não tem vocação paraengenharia... sistente inatingível. .
acho que a engenharia, como o direito, como a medicina, Por que esta professora não dispõe de uma teoria
tem que ter um talento para a coisa também. Claro que pedagógica capaz de interpretar o seu fazer educativo?
a gente pode cultivar de alguma forma. Por exemplo, é A resposta a esta questão deverá mostrar outro proble-
mais fácil tu formares um engenheiro razoável que não ma: "Quem educa o educador?" Mas isto é um outro
tinha muito talento, que formar um pintor razoável, capítulo. Ou não? Não será o pano de fundo do mesmo
suponho eu. Tu podes até incentivar... também depen- problema?
dendo do interesse da pessoa de se tornar um engenheiro O professor de teoria geral' do direito, de direito de
razoável ou não... Então eu acho que uma das grandes família e advogado, responde: "Pré-requisito? Nessa ca-
causas da dificuldade de aprendizagem seria... a falta deira que é mais filosófica, que é introdução, ela real-
de talento para engenharia, pessoas com pouco raciocí- mente exigiria que o pessoal tivesse outra bagagem
nio matemático, pouco raciocínio físico, sem bom emba- cultural. A bagagem com que o pessoal vem do Segundo
samento... (isto é) a pessoa que teve um bom segundo Grau é muito fraca, sobretudo no exercício de pensar;
grau e tiver absorvido uma boa base matemática, uma pensar em pensar. As pessoas chegam na Universidade
boa base física e até pelo próprio gosto da pessoa, porque sem, talvez, nunca ter feito abstração, sem nunca ter
mesmo que a gente estude num bom colégio, se não gostar pensado. Pensar em pensar seria assim... como tu respi-
de matemática e física vai ser difícil que a gente tenha ras... mas tu não pensas que o pensamento é algo que tu
uma base razoável. Eu mesma, por exemplo, tenho hor- fazes, que tu produz, que tu pira, que há o criativo. Então,
ror de biologia; podia ter estudado no melhor colégio do as pessoas chegam nessa cadeira de introdução sempre
mundo e ia ficar sabendo pouca biologia. E outra coisa desprezando profundamente qualquer reflexão, qual-
é a falta de interesse dos alunos: as pessoas não têm quer piração. Eles querem saber o conteúdo, o que eles
interesse em aprender engenharia; às vezes eu acho que vão botar no caderno. Então, quando tu-jogas indagações
eles estão indo para pegar um diploma e sair fazendo para as criaturas ficarem pensando e discutindo e deba-
qualquer coisa depois, porque: 'É isso mesmo, a gente tendo, elas têm em geral um profundo desprezo por isso.
nunca vai ganhar dinheiro com engenharia, então a Esse desprezo vem daí, da falta de pré-requisito. ... então,

138 139
a formação cultural que o pessoal chega na UFRGS clara do direito de familia, de obrigações, de proprieda-
(compara com duas instituições particulares de ensino de, ele patina no direito de familia".
superior) é bem maior, apesar de também ser alienado, À pergunta: "O que teu aluno precisa saber para
ter um desprezo pela abstração. Isso aí é igual, mas a aprender o conteúdo de tua matéria? a aula expositiva
formação cultural é outra, o tempo, a possibilidade de é suficiente? .." responde o professor de bioquímica em
estudo é outra porque eles não têm que trabalhar 10, 12 graduação e em pós-graduação, com doutorado e pós-
horas por dia. Entre os professores da X (cita uma doutorado: "Ah, não sei, isso é muito variável... depende
universidade particular confessional da grande Porto em que nível ele quer aprender, principalmente o que ele
Alegre) há um profundo desprezo pelos alunos; acham quer fazer com este aprendizado. Em princípio, saber ler
que é uma corja de débeis rneritai.s, imbecis, bu.rros, e escrever... somar. Apartir daí eu não sei, porque depen-
incapazes. Costumam dizer que eles não têm as catego- de do que ele vai fazer com este aprendizado. Para ele
rias fundamentais na cabeça, não têm capacidade de aplicar na agronomia tem que saber agronomia, para
abstração, enfim, reduzem a macacos... A tendência das aplicar na medicina tem que saber medicina, para apli-
faculdades de direito é isso... não há formação metodo- car na veterinária tem que saber veterinária... Não, a
lôgica, não há nenhuma preocupação nesse sentido. Den- aula expositiva impossibilita o aprendizado. Se o aluno
trodessa primeira disciplina seria mais importante que em vez de assistir aula fosse estudar, talvez ele aprendes-
os alunos tivessem a prática de filosofia, de pensar sobre se. Não vou dizer que a aula expositiva não permita o
as coisas, e não só receber a coisa pronta e achar que aprendizado. Agora, se ele aplicasse este tempo apren-
conhecimento é aquilo que anotaram no caderno... a dendo realmente, ia ser um tempo muito mais bem
demanda é outra: 'o que que se põe no caderno, o que: que aplicado".
eu vou botar na proua, qual é a resposta certa, qual é a E - Aprendendo realmente seria fazer o quê?
corrente de pensamento certa'; a preocupação com o certo. P - "Estudando, em vez de ficar ouuindo".
Já no direito de família ... a maior parte dos conteúdos é

mais técnico, mais preciso. Com a nova constituição, que E - Estudando, lendo o livro?
temmaleabilidade porque tudo está indefinido, então é p - "Lendo o liuro, conuersando, perguntando para o
o pavor dentro da faculdade, porque aquela certeza que professor o que ele está interessado. O que é aula exposi-
se tinha desmoronou; concubinato é família: os filhos são tiva? Acho que é isso que você está perguntando. Um dia
todos iguais, como é que fica, não tem mais chefe de eu vou lá, tem 60 pessoas ali, daí eu começo: 'parão,
família, não tem mais a cabeça do casal, como é que tu parão'... quem me diz que eles estão interessados no
resolves os litígios? Tudo é um mundo aberto à constru- 'param, param'... De repente tem um interessado. Bem,
ção. É raro acontecer isso no direito. Não tem legislação esse aprende uma barbaridade, os outros são 59, prova-
complementar... para ensinar. Está tudo por fazer, tudo velmente estes estão anotando porque vai ter uma prova
por disciplinar, tudo por construir; mais do que isso, a depois, então para que esta bobajada toda. Acho que se
Constituição colocou nela conteúdos que eram do meio aprende com aula expositiva. Mas se o aluno em vez de
ordinário, conteúdos que sempre foram do Código Civil... ficar preso a um determinado conteúdo, em um determi-
a Constituição se sobrepõe à lei. Se tornou mais rico dar nado tempo, escolhesse o que queria aprender e usasse
aula de direito. O pré-requisito no direito de família é ter este tempo para estudar, ele aprenderia. Quem sabe... "
as categorias gerais do direito positivo que ele estuda nas
cadeiras anteriores, então se ele não tiver uma noção

140 141
Volto a repetir que minhas observações atingem
apenas uma pequena parte do conteúdo das falas dos
docentes. Há muitas coisas que eu gostaria de continuar
comentando. E, talvez, faça isto mais adiante. Importa,
no momento, que o leitor se debruce sobre estes longos 4.
depoimentos - que tive o cuidado de preservar, tanto
quanto necessário, para que o conteúdo das falas não
fosse prejudicado - e abstraia daí sua análise. Especial- PAPÉIS DE PROFESSOR
mente se o leitor for professor. E·DE ALUNO NO PROCESSO
DE APRENDIZAGEM

Note-se, inicialmente, que a resposta a esta pergun-


ta (Qual o papel do professor e qual o do aluno no
processo de aprendizagem?) traz consigo, por um lado,
conteúdos empiristas com alguns sinais de superação e,
por outro, conteúdos interacionistas com mesclas diver-
sas de resíduos empiristas. Surpreende a ausência de.
componentes explicativos aprioristas ou inatistas. De-
senvolvemos, de início, as contribuições, desde as mar-
cadamente empiristas até as que denotam algum
lampejo de superação do empirismo. Buscando, como
sempre, para além das mesclas, as posturas predomi-
nantes.

1. EMPIRISMO

A professora de história em uma escola de classe


média de Primeiro e Segundo Graus diz que: "Apesar dos
pesares, bem ou mal, eles (os alunos) aprendem. A escola
é péssima e, às vezes, a família é pior ainda. Mas, mesmo
assim, eles conseguem acumular conhecimento". A epis-

142 143
temologia genética piagetiana entende que em qualqu~r tendida, o papel do professor é o de transmitir e o do
situação onde haja interação social pode haver apreridi- aluno o de receber esta transmissão. Simples demais
zagem. Nega, porém, que as situações sejam, sob este para ser verdadeiro. Prato cheio para a ideologia (cf
ponto de vista, iguais. Afirma, a? ~ontrário,qu~ a apren- Kaufmann 1978).
dizagem encontra sua forma ótirna de r'ealtzação na
exata medida em que a interação se realiza num am- Diz o professor da UNISINOS, da área de arquitetu-
biente de liberdade e na qual há lugar para a ação ra: "O papel do professor é transmitir conhecimento e
espontânea (espontânea, para Piaget - como já lembra- além disso procurar despertar mais interesse no aluno.
mos acima - é a ação "não determinada por estímulos Do aluno tem que haver interesse". A professora de
escolares mas de modo algum independente dos estímu- estatística da PUC, lecionando para uma clientela de
los sociais") da criança e, por extensão, do aluno ou ainda classe média, afirma: «O papel do professor é, de certa
do ser humano em geral. A denúncia desta professora maneira, de transmissão do conhecimento, e o do aluno
é de vivência. A disciplina (conteúdo) é dada de igual
implica a percepção de que a criança ap.rende apesar de
a escola e a família permitirem que as difererites forrnas modo para todos, mas uns absorvem mais, outros me-
de interação aconteçam apenas em clima de intensa nos". A professora de pós-graduação da UFRGS, na área
de botânica, lecionando para alunos de classe média
repressão. Como na prática é difícil acontece: um c~so
em que a repressão se estenda a todas as manifestações alta, afirma o seguinte: "Pra mim o [papel] do professor
é realmente o de transmitir, o de tentar fazer com que
comportamentais de uma criança - embora já se conhe-
eles absorvam o conhecimento; e o do aluno seria, vamos
ça casos que se aproximem disto (cf. Dongo-Montoy~,
dizer, de tentar captar, entender, raciocinara respeito
1983) - obstruindo completamente o seu desenvolvi-
disso e questionar também se ele não está de acordo com
mento compreende-se por que "apesar dos pesares, eles
aquilo que é transmitido, masque esses questionamentos
aprendem". Resta saber se a escola e a família conten-
tenham bases de raciocínios lógicos. Não simplesmente
tam-se com aprendizagens tão medíocres.
um protesto: 'Não gosto. disso aí. Não quero aprender'.
A aprendizagem, entendida como transmissão. ~e Não! 'Isso aí não estou de acordo, por isso, por aquilo'".
conhecimento, constitui a marca registrada do emprrrs-
Este último depoimento traz já uma correção de
mo. Se a criança é entendida como sendo, ao nascer,
rumo no sentido de cobrar do aluno uma atitude mais
tábula rasa em termos de conhecimento; a apreridiza-
ativa, embora deixe intocada a relação básica. Os dois
gem só poderá ser entendida como algo que vem de fora
anteriores falam em interesse e vivência como caracte-
e adere na mente infantil. A expressão escolar deste
rísticas da aprendizagem. O. interesse é ·entendido. pelo
processo é a transmissão. Paulo Freire descreveu am-
empirismo como produzido por estimulação, enquanto
plamente este processo classificando-o de educação do-
que para Piaget ele faz parte da dimensão da própria
mesticadora: o professor é visto como quem sabe tudo e
estrutura. A vivência é o processo pelo qual o aluno
o aluno como alguém que nada sabe. Dado este pressu-
submete-se a determinada estimulação constituindo a
posto, do aluno é cobrada uma atitude passiva para que
experiência no sentido empirista, enquanto, para Pia-
ele possa "ouvir" e "ver" a fala e a exposlçã~ do profe.ssor.
get, experiência é ação, e abstração a partir desta ação
Os sentidos, ao contrário da compreensao piaget.iana,
e da coordenação das ações. "Interesse" e "vivência" são
são entendidos como instâncias passivas; sem atividade conceitos fortes num contexto epistemológico empirista.
intrínseca, portanto. Na relação pedagógica assim en-

144 145
No contexto interacionista piagetiano, apesar da impor- a ele. A metáfora do buraco Pode ser substituída pela do
tância que possam ter, sua ressonância dilui-se. arquivo: pega-se algo que vem de fora e coloca-se no seu
O professor do curso de odontologia da PUC, aten- lugar; qualquer semelhança Com a teoria do lugar natu-
dendo a alunos de classe média sobre os papéis de sala ral de Aristóteles é mais do que uma coincidência. A
de aula , diz: "O professor ensina e o aluno aprende! Qual metáfora do "bura~o" é de certa forma reprisada pela
. -
é a tua dúvida?! (risos) O professor orienta a construçao professora de terceira e quarta séries de classe baixa.
de conceitos, a construção teórica. Mas quem constrói são Diz ela: "Basicamente o autor da a~rendizagem é o
os alunos (usou uma metáfora dizendo que o ~r?fe~s~r aluno. O professor basicamente orienta, incentiva mos-
orienta o aluno como na construção de um pr'édio: p~e tra camin,hos... O professor pode dar as condições:quem
esse tijolo assim... o cimento põe assim.:.'). Os dois aprende e o aluno. Ele é que é o centro da sua aprendi-
acabam construindo. O professor se modifica com os zagem. O professor ajuda, mas não pode abrir a cabeça
alunos. Mas, na minha aula, não sei se acontece isso". e botar dentro". Será que seria malícia demasiada reler
Este docente começa enunciando uma postura niti- a frase desta professora da seguinte maneira: "Que pena
damente empirista, caracterizada pela não-dialetização que não se pode abrir a cabeça do aluno e botar aí dentro
dos papéis de professor e de aluno. Revela uma ~onceI?­ o conteúdo"? A postura teórica que centraliza o processo
ção "cumulativa" ("põe esse tijolo assim, ,(~epoIs) o CI-
de aprendizagem no aluno, escanteando o professor,
mento ...") de conhecimento, ao corrtr ário de uma comete exatamente o mesmo erro que a postura oposta
que o centraliza no professor escanteando o aluno. Al-
concepção "construtiva", embora use a palavra "con~tru­
ção". A surpresa da afirmação: "O professor se modifica guém tem que ser o centro e alguém tem que girar ao
redor deste centro. O mesmo sujeito rrão pode represen-
com os alunos" é imediatamente compensada pela sua
última afirmação, esta sim coerente com sua postura tar os dois papéis ao mesmo tempo, isto é, no mesmo ato
pedagógico. Trata-se de uma forma escamoteada de
epistemológica: "Ma~, na m~nha aula, não,,~ei s,~ aconte-
ce isso". Acho que é Impoasível acontecer ISSO na aula empirismo, apesar dos resíduos inatistas deste depoi-
deste professor. Poderá acontecer, se ele superar sua mento, na medida em que transforma o professor em
planeta que gira em torno do sol, o aluno. Alguém tem
epistemologia empirista.
que ensinar e alguém tem que aprender: quem aprende
A professora de história da UFRGS, lecionando para não pode ensinar, e quem ensina não pode aprender. Diz
uma clientela de classe média, afirma: "O professor dev~ Paulo Freire: educador é aquele que, além de ensinar,
organizar o conteúdo, esmiuçar, tornar agrad~ve~ e esti- aprende; educando é aquele que além de aprender, en-
mulante o conteúdo. O aluno deve perceber o significado sina. Escondida atrás desta postura está uma precarie-
do conteúdo e se apropriar dele. Ele deve reorganizar o dade teórica que precisa ser denunciada. Daí por que
conteúdo dentro de sua cabeça. Pôr o conteúdo nos bura- discordo com toda a força da afirmação do professor de
cos que ele tem na cabeça. Deve reorganizar o conteúdo educação física: "Se confirma que não é na teoria que se
junto com aquilo que já existia na sua ~a?eça". Embora vai conseguir alguma coisa, mas é na prática... ", A teoria
este depoimento aponte para alguma atl~ldade, tanto do legitima-se na prática, mas uma prática sem o constante
pólo do ensino quanto do pólo da apreridizagem, perma- aprofundamento teórico rapidamente perde a sua con-
nece a verdade empirista de que tudo que se aprende sistência.
vem de fora, através dos sentidos. Ao professor cabe
tornar palatável o estímulo, ao aluno cabe submeter-se

146 147
Problema dos mais sérios que a sala de aula enfrenta co; é ele que direciona o processo em si .
e que os analistas franceses (Bourdieu e Passeron, Bau- e ele faz isso através d ' - _ da aprendizagem,
deleau e Establet, Althusser, Foucault)já denunciaram, e uarto« expedlent
seu planejamento, no qual ele fixa obj. ~~a começ~r pelo
mas que nossas análises (Ereit.asLê'Sê; Vargas Dorneles
1986; Corso 1990 etc.) continuam a detectar, é o do ~os obj~ti.vos é que ele vai selecionar os :~~~:~~:':le~~O
autoritarismo e sua reprodução. A sala de aula é um o ten:ano geral programado de sua discl·pl;na d _0
na açao d do di " e epots
espaço de prática do autoritarismo e o ambiente ótimo , o la-a- la, de sala de aula, aula por aul
e exatamente ond t a, que
de sua reprodução. Não foi difícil detectar, no depoimen- entraria o m .e en :a~. os recursos e a técnica. Aí já
to dos 'professores, seu suporte teórico. Este trabalho aluno é exat aterial didático, textos, livros. O papel do
amente a pront -d - Do aluno
leva-me, inclusive, à compreensão de que o empirismo _ L ao. ~ a uno e a dlSposição
é -

em participar das sit


constitui o fundamento teórico do autoritarismo. Diz o de aula. As situaço- duaçoes que sao propostas em sala
professor de educação física, lecionando em Primeiro tionamen.to, as SLOtU es esafiado
- d e dü - - d e ques-
as situações
ras, id
Grau, em escola de periferia: "Acho que o professor está açoes
prouocadrig pelo pro-ressor e l UVL as, que devem ser
id.os e ouvir 'jtcom pe os seus col -cr
ali para proporcionar, novas experiências; acho que este t er OUVl. - d _ eoas. rr» ..L em que
é o papel principal do professor: tentar dirigir o aluno intelectual dele para busc~rVla e aczc;:nar a dimensão
para determinadas coisas. Se eu quero erisinar certas t ar d úvrd
UVI a que o ato. peda , .
respostas
.d·
Pare ce nao - res-
coisas, eu tenho de levar o aluno para aprender aquilo · - , . gOgIco, e acordo c m
visao, e um ato naturalmente autoritário C t·.o esta
ali. o professor serve mais como um meio para dirigir o com o depoí t d . . on lnuemos
aluno para determinado desenvolvimento. Se é na área Primeiro G~::~~ e~c~~aoftdesesora.1e.educação física, no
motora, para o desenvolvimento motor". "E o aluno?" cç _ ' perl~erla:

"Esse é o problema. O aluno aqui na escola não vem mais 'Eu, mazs uma vez colo I
crianças. (Sob a reclam'ação ~o a tu .pa nos pais das
para aprender, mas para se alimentar, para poder ter diz:) Tá então é no g e co egas qu.e a ouviam,
amizades... Eu vejo que é amigo de um, amigo de outro; . ' , . overno em prlm· l
8ztuação socioeconômica do p , . . ezro_ ugar, na
agora, o papel do aluno na escola seria o de tentar com isso eles mesrnos n - tê aLS, os pais estâr, sofrendo
adquirir, tirar o máximo que ele puder de conhecimentos, , ao em uma fio - .Jl4' •
vezes eles se deram bem id _ rmação. ~Y.LUltas
de experiência na escola para poder aplicar no futuro . t b' - na VL a, entao acham qu filh
São tantos os problemas sociais que a gente não sabe . arri em nao precisa estudar S h e o ti o
pação grande dos ais . e ouvesse .uma preocu-
se o pai está colocando na cabeça do aluno que pra ele é incutiriam na cab1;a d~o;::,. o futll;r~. dos filhos, eles
bom vir pra escola para estudar, para depois ter empre- importante a educa ão iança idéias do quanto é
go, para poder trabalhar, para poder se sustentar... ou o aprender, ter conh~ci";:e%~sedles,o CJ.uantoo é ir;tpc:rtante
se ele está colocando na cabeça do aluno que ele tem que - -, , as COlsas pronrLOp"
vir para a escola pra se alimentar porque o pai não pode aqul,Jata demonstrando que não adi · . _r ais,
O que adianta tirá uma faculd d :ant~ mais estudar.
dar alimentação pra ele em casa". Simplificando, o de- nada, que nem eu a ui a e, u nao ganha quase
professor, tem gente q~e t:~n~~u,;;eu salahrinho
poimento deste professor sugere que aprender implica
submissão. O professor de geografia, na Faculdade Por-
::ãU:: '!e
mais do que eu. Eles fazem u ' o e_ gan _a muito
to-alegrense de Educação, lecionando para alunos pre- pouco esperto e um pouco i:::e~rrsottécnico ~ se for um
dominantemente de classe média baixa, parece conhecimento e, de re ente ~e~ e e apl~car .bem o
confirmar esta percepção: "O professor, como eu disse, é
o condutor, o orientador, ele deve ter conhecimento técni-
tinha, vai crescer. É fó
s ' um bmlnlmo d~ c!lnhelro que
er um om admlnlstrador. Al-

148
149
· a ele saber administrar; se o pai A professora de educação física continua: "Os pais
guém que transm~.ta.pr dor transmite isso pros filhos. cobram muito a educação dos filhos na escola; a escola
for um bom adm~ms;r;;. dia não está mais trazen- que tem que educar os filhos. Quer dizer: não tem mais
Então, pra que escola. oje em '" a brincá, pra aquela educação em casa. Agora foi transferida comple-
t - les vem pra come, pr · , tamente pra escola. E diante disso, a gente procura fazer
E
do nada. n ao, e A isso aqui no colégio: pra. brigá,
q u e brá tudo. Eles vem pra . ,,, Há muitos o possível, entende". A professora queixa-se que a família
to ali pra namora ·
namorá, vão ~os cari t na análise desta docente, não cumpre seu papel na educação e joga esta função
a n es - d os
component e s lnteress , it té a percepção d e agu para o professor. Isto equivale a dizer que o professor
- d sde o pre-concel o a di - o ensina a partir daquilo que ele acha que os pais deram
que vao e .. as estou explorando seu ls~~rs
apenas sob o aspect . dé
r::
problemas SOCIaIS, do autoritarismo: "eles incutI:Ia m
»ou "vão rios canto afi pra
aos filhos. Como os pais não cumpriram esta função, o
professor ensina como aprendeu a ensinar e tem, como
na cabeça da criança I el~S xpressões que não conse- resultado, a dificuldade de aprendizagem, quando não,
namora,,, parece -me que.sao . e o na medida em que en- o fracasso.
guem disfarçar o a~t?dr~~ans~anto o namoro devem ser A professora de história, no Primeiro Grau, diz: "O
tendem que tanto as 1 elas q objetivo de eles estarem aqui é vir mandado: 'se não me
hierarquicamente controlad~~. ndendo a uma clien- mandassem, não me obrigassem, não viria'. Ou então:
A professora ~e ~uar~~sene~a;~ do professor e o do 'Eu vim porque ficar em casa é muito chato, depois
tela de classe medIa, dIZ. O P P bos O contato porque eu tenho que fazer serviço em casa'. Eu ouço isso
" . e aprender para am · --. , de uma série de alunos. Eu não sei, mas está faltando
aluno é enSl,nar ' rta série é até ruim se e
afetivo é fundamer:taJ e, n~ ~u:econhec~ que a aprendi- alguma coisa. A gente, na sala de aula, se pergunta: será
demais. Eu sou mae. emal,S · t am E-- ve" no fator afetivo que são os recursos que estão faltando, será que é a
zagem e o enSIno . se lnterpene r l - · P o r isso culpa-se matéria, será que não estou conseguindo despertar o
, 1 t bador desta re açao. · interesse do aluno? O que está faltando, será que é
um pOSslve per U!" arece mostrar que considere
de "ser mãe demaIs ,o que p 1· o : alguma coisa visual, algo para eles verem? O que será
· forma de paterna rsrn · 0.

que é? O aluno raramente está trazendo, hoje, o que ele


o abuso afetivo uma. " afia e OSPB, lecionan-
A professora de hIstorIa, g~o~ d S gundo Grau em precisa para aprender". As perguntas desta professora
n d a serre o e
do para alunos d a se gu, . . diz: "O aluno tem que dirigem-se todas à busca de algo externo ao aluno. Não
uma escola de classe média :taIxl~r~~ordialo professor suspeita ela que a motivação não está em algo que vem
estar disponível para apren .elr. fi A matéria é a de fora, do estímulo, mas éendõgena, construída pelo
. t r daqúi o que tiz... sujeito na interação entre o end6geno e o exógeno. Para
saber ens~nar, gos a , . e eu preparo em casa, eu
mesma, mas os exerc~cWS qu re aro em casa, tudo Piaget, a motivação é constituída pelo aspecto energéti-
mudo sempre. O trabalho ~u
aquilo que eu mostrar em au a P
I r~parado. O professor
t l" Como se vê
co da estrutura. Ela é a manifestação da vida da estru-
tura. Suas perguntas podem questionar o alimento da
t postura como a . ' estrutura: como o professor planeja sua aula, como uti-
é educador e te~ que er dizagem está calcada no tra-
toda a concepçao de ap~en rendizagem depende do liza os recursos didáticos, os audiovisuais etc. Mas, se a
balho do professor. O exIt? da ~p ó! Ou pelo menos, é a estrutura não existe, ou está em estado precário de
bom desempenho do ensmo. so: , desenvolvimento, não. adianta ir à busca de algo extrín-
condição sine qua non, seco para solucionar o problema da motivação. É neces-

151
150
sário intensificar os desafios para ativar a capacidade isto, .este ano (1988), a gente sabe _
construtiva do aluno. Não adianta, apenas, ensinar contznuar caindo d id que as escolas vao
bem, isto é, organizar bem a ação do professor. É preciso eut o ao mau tempo... (irônica)".
organizar bem a ação do aluno, o pólo da aprendizagem. A professora de Jardim de Infância ' I B I ·
nando pa I· I
ra uma c lente a de classe médI·a
,nlve
.,eCIO-
Um pouco como afirma esta professora, de primeira Superaç- d .}. , erraaaa uma
série do Primeiro Grau, lecionando para alunos de classe ao a um ateralídada da explicação em · - t
ao a firrrnaj- que- ~~O ,+; • prrrs a,
média, em uma escola particular: "O professor tem o ao conhecime· pro, essor tem qu;e estlmular a criança
papel de estimular a aprendizagem, e o aluno tem tam- sição da c ' nto, pass.ar o conhecimento, ficar à disoo-
rlança para lSS O l 'Y
bém o papel de estimular o seu aprendizado. Interna- diversas vontad o. a uno vem para a sala com
mente é o aluno, e externamente é o professor. Não só o · es, característi d '
estl,mulado. Sozinh l _ ca.s, mas eve tambem ser
professor ensina e o aluno apreride", Ou, ainda, como o e e nao apr d ·
sendo despejado conteúd " M en e, assim como só
afirma a professora, de pré-escola, atendendo a uma empirista convive, neces~~ria~'como se vê, a concepção
clientela de classe média baixa: "Ter o professor como senso crítico. O máximo ' ente, com a mordaça do
orientador dessa aprendizagem, como alguém que não epistemológica é a lamu'rI·aP,odsslve.lt'. dentro desta visão
dirige a aprendizagem, só orienta, pois os alunos não são d a.corrupçao -'. escrr rv a dos d
da ação política ofi · I R . esmandos e
apenas recebedores, são parte do processo de aprender". ·
ganlzar a ação no sentido d lCIa. e-orIenta r e re-or-
Embora este depoimento avizinhe-se da concepção roge- descritas como 'profundamen:e ~u:per:r est~s situações
riana (CarIRogers), liberal, de aprendizagem, ela sa- peração da epistemolo ·a ~~Jus as, exige uma su-
lienta o papel ativo do aluno, embora tire do professor condição necessária' m~ fiempIrllsta. S_uperaç~o como
seu papel ativo para distanciá-lo e aprisioná-lo na figura , , lque c aro, nao SufiCIente.
de um "orientador". O papel do professor é muito mais
do que isso. 2. CONSTRUTIVISMO
Continua a professora de história: ··E fora isso, acho
que a figura do professor, em termos de Brasil, está tão Procuramos, aqui, forçar um pouco a ótica da an '}.
desmoralizada. Alguns anos atrás, a gente via a figura para ver o quanto um . fi . a rse
do professor como o máximo. Atualmente não. Isso por- superação das amarrat~~:sso: pode estar próximo da
que os próprios órgãos que governam não estimulam isso real: o senso comum E mpIrISmo e da suaextensão
atçantes pelo contrário, a gente uê, dentro do Estado, do Ocorre devido ao vazio t:~r~~.este salto qualitativo não
Brasil, os professores reiuindicando salários, melhores A professora de Pré I
condições de eneino, as salas de aula, as escolas caindo; lação de classe média :l-t:c~ea, atend,endo a uma popu-
tudo isso... ". A professora de educação física faz coro com papel do professor e o d o 'I sponde a pergunta sobre o
esta crítica política, acrescentando: "Eles (os governan- que exista aprendiza em ; uno n~ s.ala de aula: "Para
tes) estão de camarote assistindo a escola caindo. O namento entre profes;or ; al~~~essarw um b0n:- relacio-
professor, automaticamente, também está caindo. Mate- professor é um orientador ri _ ' que o aluno strita que o
rial não entra mais nada nas escolas, não tem mais fessor oportunize o que el; ao um carrasco, que o pro-
nenhum interesse. A coisa tá degringolando". A profes- experimente, entre em cont:;t~er ~nslna.r, que a criança
sora de históra volta à carga: "Em período eleitoral a ficar sâ falando de sua mate ? nao adzan.ta o professor
gente ouve que se está construindo escola aqui, ali; mas ter acesso ao que ele está r;[la ··· mSas delxar a criança
'( an d o. e estamos falando

152
153
sobre o centro da cidade, que se vá até o centro... Na
faculdade há professores com postura de quem conh.ece do out~o. Não dialetizam os pólos da relação ensino-
muito, (de quem) é o dono do saber e (de quem acredita)
aprendizagem.
que o aluno não sabe nada. Acho que o professor não d.eve O professo: de medicina da UFRGS, cuja clientela é
'despejar' o conhecimento, cada pessoa o faz por SI,. O ,./
de clas~e média alta, chega a eleger, como princípio o
professor orienta como chegar da melhor forma". Já pararelIsmo ou a irredutibilidade dos processos de en~i­
Comênio, no século XVI, dizia: aprende-se a pintar, no e ~e aprendizagem. Acho que ele faz isso por não
pintando; a correr, correndo etc. Embora não apareça a · tâanela
POss. w r u m a rns · t e 6 nca
· capaz de dar um estatuto
fundamentação teórica que conduziu esta docente a tal eq,~valenteao nível de sua análise e de seu agudo senso
concepção, fica claro que ela está rompendo com o senso cntIco. Agudo senso crítico dirigido també t ·
comum e afirmandoa importância da ação do sujeito no ta · I ' m, ao au on-
nsmo esco ar, que - sabemos - produz tantas 't.
processo de aprendizagem. Acampanh di ãl vmrnas.
. . emos o logo entre o (E)ntrevistador e o
(D)ocente:
A professora deprimeir~ serre do Primeiro Grau,
lecionando para clientela de classe baixa, envolve ainda E - Qual é o papel do professor e o do aluno no
mais a ação do aluno, cobrando deste um compromisso processo de aprendizagem?
ativo com seu processo de aprendizagem: "O papel do D .- ...A cho que o papel do aluno é ser ele mesmo, com
professor é procurar favorecer a atividade que realmente seus lnt~r~sses, seus desinteresses, suas dificuldades,
interessa ao aluno, que eles estão envolvidos. Ao aluno suas facz.l1da,des e com suas potencialidades... O papel
cabe vir participar, o aluno que não vem à aula, que falta do prof.essor e ser um individuo que sabe mais tem mais
freqüentemente, ele perde o contato, ele perde a seqüência conh~clmento,mais experiência. Mas é funda/nental que
dos acontecimentos, e quando vem, se sente excluído do e~e nao exerça o poder do saber porque tem mais conhe-
grupo. Ele automaticamente se exclui. Então cabe ao CImento. Pelo menos, em principio, deveria ter. Agora,
aluno isso: ser integrado ao grupo de trabalho". Ação de tem casos ai... que o professor sabe menos que o aluno..•
aluno e de professor, porém, permanecem paralelas. Se o professor fizer deste saber uma fonte de poder o
Não se explica como uma interfere na outra, desafian- papel dele vai ser de antiaprendizado". '
do-a, corrigindo-a, reconstruindo-a. E - E o que seria exercer o poder?
Mesmo introduzindo uma palavra mais forte como
."participação", a professora, de sétima e oitava séries, D - "'Por_exemplo, o que eu sei tu tem que responder
na prova; nao o que tu sabe. Como sou eu quem corrijo
licenciada em ciências e atendendo a alunos de classe
baixa, não supera este paralelismo: "O papel do profes-
uma prova, não corrijo o que o aluno sabe, corrijo o que
sor é simplesmente o de um instrutor, e o papel do aluno o al,!,n.0 sabe do meu conhecimento - senão, como vou
seria o de um ouvinte participativo. Esta participação se cornglr um~prova. Estou corrigindo o que ele sabe do
daria nos 'debates', nas conversas participativas, nas meu conhectmento. Se eu faço isso, o que acontece? O
conversas de sala de aula, nas perguntas deles e nas aluno em vez de aprender o que ele quer aprender, tem
minhas, nas respostas deles. Participar tanto aluno-alu- q~e aprender o que ele tem que vomitar de volta. Se ele
no quanto aluno-professor". Ambos "participam", mas n a o uomitar bem, não vai passar. Então esta é a coisa.
O professor tem este papel... ".
ambos permanecem no seu papel; não invadem o papel
E - Qual papel?

154
155
D - "De ter mais conhecimento. Na grande maioria, coincide, pelo menos n
o conhecimento do professor serve como instrumento de «Estudei bastante mate':nrr:zll. onto, .co m o ~esse docente:
poder, e aí o aprendizado desaparece... ". c ca, sel o caminho ma -
posso carregar' o aluno El t . ' s nao
E - Mas tirando esse aspecto. nho E' ~ . t : e em que conetruir seu cami:
· P! ectso er paciênci li
D - "Tirando esse aspecto, o fundamental é o profes- eq u a c!on a m en t o há na es:~~~:::fa~~rd:der que tipo de
sor e o aluno, a relação professor-aluno. Posso saber d os tipo d b A· os apresenta-
maravilha de bioquímica e não ser um bom professor, se P ro~1 essor, n.ao
e ~ ;angenCla ~ restrições das sentenças. Sou
escondo ' di ·d
é que existe isto - não conseguir ensinar nada para o que eles aprendam o Jogo, lU. l o com o aluno, quero
aluno e o aluno não conseguir aprender nada de mim. O outros". A coiricí S.e sab~m meus do que eu, ajudem os
aluno. Ação en/e~~:t

importante é a relação que se estabelece, porque nesta n esta :r;o valor atribuído à ação do
relação existe um aprendizado conjunto, quer dizer, não como interação ee I a, porem, como individual e não
, m b ora o d e · t
é possível eu sentar com um aluno conversando só bio- sub-repticiamente pa I?oImen o aponte, muito
, ra esta dIreção.
química. Tem. todo um conhecimento além da bioquími- A professora de Maternal I I ·
ca, depende-de toda a relação da turma. Com muita clientela de classe média alta (h ~~~onando para uma
freqüência eu tenho notado que o grande, o maior e professor é, também ele ser c·' t. z.. O oue faz um bom
importante aprendizado no final do curso não é bioquí- e não tenho dinheir;' vai ser :;;~e~~~~s.eJuero um passeio
mica. Para alguns é, mas para a grande maioria, não. buscar soluções para que o p . to espender tempo,
Então, o papel do aluno e do professor é cada um estar dava aula na praça 21" El a!se.zoda.conteça. Platão não
.. a nao In ica p ,
na sua, e se, por acaso, nessa história, alguém se interes- c h ega a ser cr'i ativo Afi
- · lna I PI atão _ nã' orem,. · como se
sar por mais conhecimento vindo do professor, quem pender tempo com dinheir' .. . o preCIsava des-
sabe... ". Além da crítica ao autoritarismo escolar, este tudo proviam Po . o: pOIS t inha escravos que
docente situa bem a questão da motivação, situando-a, admirarmos ~té ~ I~SO, ele pôde s~r criativo a ponto de
porém, longe de qualquer interação: "o papel do aluno e Platão eram' criati;:~?s~a crIatIvIdade. Os escravos de
do professor é cada um estar na sua... ", No entanto, a criatividade? Qual seu· ,se eradm, como explicar sua
processo e formação?
grande percepção deste docente é a da interação que A professora de segu d ,. d
ocorre no processo ensino-aprendizagem escolar. Relem- atendendo a alunos de cla~eams:~::al~ Pr~meiro Grau,
bremos o que ele diz: "o fundamental é o professor e o professor é um amigo ' a, a Irma que: "O
aluno, a relação professor-aluno... " e "tem todo um co- transmitir conhecim;n~uma segunda.mãe, que além de
nhecimento além da bioquímica, depende de toda a dades" Afí os, procura ajudar nas dificul-
relação da turma". Mas, comojá lembramos, uma teoria ~ . rrrn ar- que um professor é "ma-e" , d t
rorma ornes di . e, e cer a
com base epistemológica empirista não consegue dar d fi ' - mo que rze r que ele é "sacerdote" A D
a a Irmaçao desta docente n - '. · orça
conta desta interação. Pelo que tudo indica, este docen- argumento ou no valor d ao esta, pOIS, no arranjo do
te, mormente sua descrição competente dos fatos, não na falácia da identificaçã~~~rdad~ ddas premissas, mas
dispõe de uma instância teórica capaz de superar este materno E .. pape ocente com o papel
. quem ousa crrticar o 1
quadro apontado pela sua crítica; de uma instância nossa cultura "mãe e' -- " . d pape materno? Em
teórica obviamente interacionista. . , mae , e ai e que d
tor'iz ar- uma mãe nã . fi ousar esau-
, o Importa o que faça a seu filho'
Embora sumário, o depoimento da professora de
_ O prof~ss.or do curso de arquitetura e do nó ·
matemática, que leciona para Supletivo e Universidade, çao (especIalIzação) em urbanismo d ULBeRPAos-gra?ua-
a (Unlver-

156
157
sidade Luterana do Brasil), cuja clientela é composta a interaç~o ~ntre um sujeito e um obieto .
predominantemente de funcionários de um setor terciá- entre um IndIvíduo e seu me- .c.;' • ~, a Interação
rio, retoma depoimentos acima na medida em que valo- · 10 J.lSlCO e social Ob -
te, uma teoría fundamentada e_ VIamen_
riza o saber do professor e critica a passividade do aluno. empirista não consegue conte~O~ uma ~PIst~mologia
Acompanhemos a sua fala: "... Eu acho que o professor experiência, do conhecimento h p ar o dInamIsmo da
tem que já estar de posse de conteúdos pertinentes a sua umano.
O depoimento do prof d di .
formação. Agora, existem outros conteúdos, outras coisas (u·. ressor e IreIto, da UNISINOS .
níversidade do Vale do Rio dos Sin .
que tu vais desenvolvendo com os alunos. Eu acho. que para uma clientela basI·cament d os), que Iecíona
existe um corpo de conhecimento... que tu és obrigado a ·
nOIte), é mais contundente ai d
e o setor t erciario
· ~. ( '-
a
saber, e existem conhecimentos que tu vais desenvolven- teoria deve captar, prio;ita~ia%:~mostrar que uma
do ao longo desse exercício com os alunos, também. Acho apreender a interação. "Eu - h e, o movImento,
que em função dessas condições. se a gente tivesse um
e e papéis definidos É u · na~ a~ o que eles tenham
outro sistema de ensino poderia desenvolver, desenhar que não dá par · m processo e Lnteração. Uma coisa
os artefatos a um nível mais concreto, do que ficar que provavel a negar, o pr~fessorcomo uma criatura
simplesmente no depôsito. O aluno se tornar um depósito d sabe ma ts d a ditsctp
mente
acho que o papel . Liiria, Também
de informação. ... a gente está desenvolvendo uma expe- rnerito e o aluno re~::z~ofessornão é 'cagar' esse conheci-
riência bem interessante a nível de ensino; numa turma bar' o seu processo de coe~es~es 'excrementos' para 'adu-
desse semestre, um grupo de 6 alunos optou por fazer um mais de orientar, de es~,:~::ento. O papel dele é muito
trabalho de uma área da cidade, que é o bairro Anchieta dar. O do aluno é ent o aluno a pensar e estu-
(Porto Alegre), e o outro grupo, de 19 alunos, pegou uma rar nesse pro
d ebater, discutir, contestar de I
·0 cesso e lnteração,
área proporcional ao bairro Anchieta e dividiu em 4 borar, também. Essa elabo;~ 'la'", ovo no p,:ofessor, ela-
entre os 19. Estes 6 estão fazendo uma maquete de todo Junta. A proposição inicial t ç o e necessarzamente con-
o bairro: ela tem 2m20cm por 2m40cm". Temos, aqui, esttmulo tem que ser do em que ser do professor, o
uma prática prenhe de significado, fecunda, pronta para reproduzir, é (fazer) av:nrçoafessor, o papel do professor é
dar à luz; mas, ainda, uma prática. Minha preocupação: . r esse pensamento"
A maior parte dos de oi ·
Onde está a teoria para dar conta do que está pronto mostram o quanto al~m:ent~s.desta segunda parte
para nascer? A t soria é aquele olhar significador que avançar, mas o quanto tam~' pratIcas têm tudo para
estrutura a prática jogando-a para além de si mesma. A ser comprometida pela' a ,.. em, sdu a fecundidade pode
verdadeira teoria é aquela que supera a prática, engran- · .. usenCla e uma - - t ' ·
Int~raclonlsta. No nosso modo . vrsao eorrca
decendo-a, e não a diminuindo. Engrandece-a na medida do Interacionismo construtivi ~art~cula~ de ver, dentro
em que mostra os seus limites e aponta para suas final da fala do doce t s a plagetIano. Vê-se no
possibilidades de crescimento. Mas a teoria pode, infe- vem do professor, a ~a~~Zr;:Z ele bus~a no estímulo, ~ue
lizmente, ser destruidora. Destrói a prática na medida buscá-la na atividade do ~I?rendIzagem, em vez de
em que não mostra seus limites e não aponta para suas estímulo docente· sua t t ~",!JeIto, ~uplementada pelo
possibilidades de crescimento. Uma má teoria é, tam- vez de engrandec~r en a I;~ teorIzante diminui em
bém, aquela que escamoteia o movimento, dando a im- , . ' a sua pratIca. '
pressão de que as coisas e as pessoas são o que são e não A crfnica inconteste de t e
respostas ao (E)nt . - t sd (D)ocente emerge de suas
são enquanto se transformam pela ação do homem. Tal reVIS a ar m t d
Como a apropriação c Iti d' os ran o novamente
teoria é aquela que contempla, como instância fundante, rr ica e uma prática - aqui, da

158 159
prática didático-pedagógica - constitui a condição ideal
para o advento da teoria; mas, deixe-se claro, não cons- aquilo quo este docente vislum
titui sua condição suficiente. Ihor, não existe na prática A bra como o ~certo, o me-
E - Qual é o papel do aluno e~ sala de aula? significa que a teorização·q ruptura esta posta. Isto
Prática está em desa d ue o professor faz de sua
D - "Na área da engenharia civil, o papel do aluno é cor o com 1
s~perá-Ia. A prática não está d e da, nega-a, procura
bem passivo, ele senta, fica ouvindo o que o professor diz;
eventualmente lança um comentário... a maioria não diz S.lgnifica, pois, que o professor ter::~ o c"onta. ~? .teoria.
Clente, pelo menos. Quais são b ma teoria ; inconn:
nada. Então, eu não sei qual o papel dele... Às vezes penso desta teoria? Como se articul as ases :pi~temoI6gicas
bem sobre o papel do aluno, mas não sei dizer o que ele Ela consegue delinear um h ~ sua coe:r:e~cla profunda?
está fazendo lá. Quer dizer, saber eu sei. Me passa uma zonte d· orrzonts prOXlm h·
sensação estranha olhar para a sala de aula... eu não sei lstante para a prãtí ? O o e um orr-
n:g a prática atual sem co~~a. . u ap~?as consegue
a r
por que nem eles sabem o que estão fazendo lá. Tento bê-Ia, re-estruturá_Ia? Num egurr recna-Ia, re-conce-
arrancar alguma motivação deles, mas vejo 30 pessoas Como vimo : a palavra, re-significá-la?
meio inertes na minha frente. Estão lá para responder à prática docente se'mmultos professores, mergulhados n
chamada, na verdade". , ergem de la a
contra ela, dizem palavrões . a lI~satIsfeItos, esbravejam
í • •

E - Pelo tftulo? ao sarcasmo. Mas na- ' IronIzam, chegam às vezes


, I d- o consegue ' ,
D - "É, pelo título". rnve os seus desejos d m re-estruturá-Ia em
E - Qual seria então a forma ideal, como deveria ser Nossa hip6tese é qu~ ~:~a/ontade política. Por quê?
~ papel do aluno?
uma teoria capaz de re-s: . alta, fundamentalmente
d~sta re-significação r ~1~Ificar ~ma prática e, a parti;
D - "Eu acho que deveria ser uma pessoa mais ativa hIpótese é o de que' n~ es rutura-la. O corolário desta
dentro da sala de aula - uma pessoa que questionasse o ao se trata de I
es t ruturada sobre qualq fi d qua quer teoria
professor, uma pessoa que tivesse um senso crítico; não ·
t eorra construtivista fu d d uer un ame té ,
. ,n 0, mas de uma
para aceitar tudo o que se diz, porque a gente fala, fala temol6gico. Trata-se: po~t:n:an~m lnteracio.nismo epis-
e pode falar a maior besteira do mundo e eles continuam ra, de um só golpe o e .'. e uma teoria que supe-
ouvindo, escrevendo e aceitando. · · , mplrlsmo po I
aprIorIsmo, por outro. Na dir - ' . r um ado, e o
O papel do aluno deveria ser quase o de uma pessoa formador da ação huma Ne.. ça o do dInamismo trans-
que estivesse lá para questionar o professor. De repente, daquela ação que progrna.. ao de qualquer ação mas
,essIvament . ,
até para ajudar dentro da sala de aula, porque, às vezes, mesma, mediante tomadas d e, .~e ~propria de si
o professor falha, não consegue ver exatamente onde avança Paulo Freire .de - e CO~scIencla. Ou, Como
está a dúvida do aluno, onde está algum ponto que talvez P ara voce~ , açao consclentizadora .
, que nos acom h
não tenha sido claro. Coisas que, às vezes, parecem para sua livre interpretaç- pan ou até aqui, ofereço
óbvias para a gente mas pode ser que não pareçam tão fessora à pergunta. "Se vo~~' est:;t resposta de uma pro~
óbvias assim para o aluno ... [o aluno] deveria ser: pri- uma criança de trê~ a le enSInasse este conteúdo a
meiro uma pessoa que questionasse o professor, depois ~~C' nos, e a aprenderia?"
orno e um bichinho elasr; ·
uma pessoa que, de uma certa forma, ajudasse o profes- fases, pois aos 3 anos ela' _a so devora. Isto depende das
sor a chegar a um melhor resultado dentro da sala de e pode até aprender, ma:ao..entende a fundo. Ela repete
aula. Atualmente, não tem sido assim". Está claro que crzança Puxa a meada". nao entende. Tu dás o fio e a
Então, o que Você d iIZ.?

160
161
de conhecimento tem uma criança de 217 anos? como ela
adquiriu isto?"

5.
1. A RESISTÊNCIA DA EXPLICAÇÃO
EMPIRISTA
DO PRÉ-REQUISITO AO A PRIORI
A professora formada em magistério e serviço social,
cursando atualmente história, responde: "Não, porque
ela está numa outra etapa de conhecimento, de aprendi-
zagem (Está faltando] maturidade. Que ela teje prepa-
rada e pronta: eu acredito que é assim. A criança de dois
anos ela tem algumas etapas; o nenê recém-nascido
mama por si mesmo. Uma criança de um ano, ou pouco
mais, já estápreparadapara andar sozinha. E assim vai
As questões, .V1sand~ ~ e~a
· 1 ntar o a priori cognitivo indo. Uma Sucessão de etapas". "Donde vêm essas coisas
ofessor .infelizmente
na concepção eplstemologIca s Z~~evistádos. Deverá O.U novas· que vão aparecendo?" "Um pouco éopróprio
foram respondl~as por pouco rofundam.ento. As .ques- preparo da criança, o crescimenm dela; tem criança que
precisará ser objeto de fut~ro a~este conteúdo (de tua vai ter 14 anos que nunca vai estar prepctradqpar.a
tões são: a) Se vo.cê enslnSs:nos, ela aprender~a?sim nenhum tipo de aprendizagem. 840 crianças que têm.
matéria) a uma crrança de - . d d e de conhecimento etapas de desenvolvimento, de conhecimentànãpllenci_
A? b) Que capaci a . . . . . ... ? ) das. Algumas coisas elas vão adquirindo, aiuema
ou não? por· que. de 2/7 anos -?-
co mo elaadquiriu
. -"- .isto'r d_-c
tem uma crrança . hecirr nto tem uma criança . e acumulação sucessiva de etapas". "De onde vemjsso que
Que capacidade de con .e~lIr::to? d) Que capacidade de elas adquirem?" "Um pouco pelo prôprio crespi
0/2 .anos? como ela a.dqtrir-i'u · tes de nascer? como 11lento
delas; o outro, a própria família, a sociedade, a convi-
conheclI~e.n?
· t t
ele adquir-iu iator e~e) O q ue tem, a. ver
o ser humano an b) )
? as questões , cre
vência acaba ensinando, vai puxando. A gente vai moti-
vando a criança". "O que você acha que os teus alunos
t ' d de tua m.atéria'r têm - ou não - para aprender o que tu tá ensinando?"
d) com o con eu o r e tende inutilizar progres-
A ordem das pergun~as
sivamente a resposta u!lll~
tte::1 da experiência, do obje-
a resposta empirista do
"Em grupo é uma coisa, eles correspondem muito bem;
indiVidualmente, algumas crianças não têm etapas de
to ou da pressão dOA m~Io, lS 1. ' t.i a da origem do conhe- ensino. Um dos alunostem dificuldade de traçado, tem
estímulo como iristância exp ica IV r relevante a análise dificuldade de reprodução de traçado: ele consegue ler as
cimento. Por este mo I ~ mantendo a seqüência das
tivo penso se _ _. palavras mas não consegue reproduzir. Elas estão fazen-
das respostas por questa~~ta Iniciamos, por isso, com do um conhecimento dissociado do outro. A ·leitui-a e
mesmas dur~nte a entrev. a) :'Se você ensinasse o con-
escrita são coisas simultâneas, acontecem juntas. Não
as respostas as per~ntas~ma criança de 3 anos, ela são todos os alunos; alguns têm etapas não vencidas.
Questão de maturidade da própria criança".
teúdo de · tua matér-ia a A" b) "Que capacidade
a pranderia'i? SIm
. ou na- o?. por que e

162
163
Teria que ser através da história da ' .
Este depoimento exibe uma explicação nitidamente da memória da família Tem fam.tlia dela, através
. . . que ser no con
maturacionista. Há etapas no desenvolvimento da ach o que uma criança de 3 _ . . ereto. Mas eu
. "A . anos nao la ter· .
criança, mas não há a mínima preocupação em apontar lSSO. credita ela na tese _ plque para
a sua origem. Elas se justificam por si mesmas. Embora transmissão. Faz apenas uma nosso1ver empirista - da
a ressa va para
"algumas coisas" sejam devidas "à família, à sociedade, provaveI mente, a excessiva "ab t -". " contornar,
à convivência..." tudo se dá por etapas, comandadas por concreto". Nem por vislumb s raçao . tem que ser no
um processo de maturação. Convivem aqui as explica- possibilidade; duvida ape re aponta. para alguma im-
ções apriorista e empirista: o maturacionismo não de- para isso. O professor, gr~~S q~e a crIanç~ ~erá "pique"
monstra ser incompatível com o empirismo. A origem da randoem bioquímica ua ? ~m rrredicirra e douto-
motivação ("a gente vai motivando a criança") deixa possibilidade de tal':; co~~rano, aponta para a im-
claro isto. Trata-sede uma posição epistemologicamente conteúdo teórico o arii r1en_ rz agern nessa .idade: "O
, rnrria nao apre d . A
eclética: há afirmação, e não superação, tanto do empi- ele .ap'rerrder'ia ..Se u ma crrariça
. d n eraa. execução '
q~í~ica orgânica, ela aprend . e um ~no soubesse
discip'liria. Mas 18so seria im en~ o conteu~o da minha
rismo quanto do maturacionismo.
A professorade'matemática de Primeiro e Terceiro abstração". possfvel..; p recrsa de muita
Graus diz: "Acho que não. A criança, de quarta série,
deve possuir' certos requisitos de raciocínio que a de 3 . A'professora e crítica de arte fl . ,
e doutorada em histó · ' ormada em m agistér-io
anos não tem".
A professora de Primeiro e Segundo Graus e aluna bé.m . ,·.• pe.lo argument:I~, nega ta~ aprendizagem tam-
deria ..... ...
' a~ao:. ivao
a exceSSIva abstr - cC7\·T-
depsicologiaa.firma:"Sêria uma aprendizagem de repe- a pre,!,ena porque o nível de lin
tição.É precisoestarpreparado para receber uma apren- to'. 'Linguagem abstrata - , guager:" e multo abstra--
As crianças de 6 anos já nao e para crianças de 3 anos.
dizagem, pois a áprlmdizagem da criança de três anos é
uma repetição - p.ex.:as cores, em inglês, recitadas aos Eu fui no colégio do meu (/!~eç~m O am entender
a um pouco.
três anos- É preciso distinguir qual a aprendizagem da arte e foi interessarit U ar u: aula de história
necessária naquele momento e o que é conhecimento entende os conceitos de c~Ítu~adcn,ança de 3 anos não
homens com os homens et E' e epoca, de relação dos
inútil". . mudados 3 para os 6 dno~·. u per:ebo Cj.ue uma criança
A professora licenciada em matemática, lecionando O argumento parece in ue~t'?l,as,nao sei por que muda".
nos três graus de ensino, afirma: "Com a criança de 2 e ção (estruturas sUficie~tem~o~avel:por ~a~ta de abstra-
3 anos; não sei dizer. Nunca pensei em sistematizar isto. mente em nível formal às e ~peratorIas, possivel-
p::ocesso de abstração reriexion~~Is) se ~hega por um
Vi problemas quando trabalhava com primeira série: a
sistematização, da criança é estranha. A medida que vai nao consegue a .' e . a cnança de 3 anos
crescendo, a simbologia vai se operacionalizando. Na "época" ·et· propr~ar-se ~e coricei tos como "cultura"
quarta série elajá esta mais preparada, com capacidade , c., e por ISSO nao pod .'
Nada se diz, no entanto 'sob e aprender htstória,
operacional maior. Na quinta série parece que regride: de que se fala. , r e a natureza da abstração
os professores se desesperam. Acho que esta passagem é
respeitada, este crescimento do pensamento formal das A professora de história nat
botânica, doutorado em ecolo ·a vez , com ~estrado em
I
crianças de quarta e quinta séries". em avaliação ambiental gi egeta! e pos-doutorado
A professora licenciada em história afirma: "Sim, , avança na dir-eção do mesmo
acho que sim (ela aprenderia), depende como transmitir.

165
164
argumento: ''A uma criança eu não posso exigir que ela E - S e voce enSInasse o conte'
A •

aprenda, por exemplo, o que é uma· comunidade vegetal, . . .


para uma criança de 3 ano 1 udo da tua dISCIplIna
mas eu posso transmitir a ela algum fator que a sensibi- D ,ve AT.
s, e a apre n d erra
.?
lize para começar a observar os organismos... que for- - unca tentei, mas acho s»
j.

mam a base da comunidade. Transmitir métodos de E -Acho? ...


avaliação científica para uma criança de 3 anos é prati- _ D - "N-ao seI,· nao
- tenho esta ex ." .
camente impossível de ela absorver. É um pouquinho nao, porque na verdad _ P~rIencla. Acho quo
difícil porque ela não poderia escrever dados. Então eu ' e, eu nao enSI
para d e 3 anos nem co 20
t "d
no con eu o, nem
poderia sensibilizá-la pra alguma coisa, mas não ensi- então não sei. ' m anos, nem com 100 anos;
nar esse conteúdo que eu ensino dentro de uma comuni-
Como eu não me disponh .
dade. Isso aíé realmente impossível. Uma criança de 8 qUe está Com 16 ano . o a enSInar para alguém
anos, já alfabetizada, teria que adequar. Teria que criar mica, onde eu sou s~~atrIcula~o no CUrso de bioqur,
maneiras de ensinar para a idade dela, para o nível dela, ensinar a uma crian ~ d essor, riao vou ter saco para
para a capacidade de raciocínio dela ... Usaria recursos int.eressante.mas ç e 3 anos. Quem sabe, fosse ma. is
audiovisuais, desenhos talvez, ou mostrar também no Por outro lado , s nUnca tentei . eI, nao - seI, · acho que não.
campo, por exemplo, uma planta ao lado da outra, por ensinar uma c~is~ udma crIança de 3 anos quisesse me
que elas estão assim. Olha como é que éo solo. Olha as aprenderIa, também"
." .. o mundo dela t
, cer amente eu nao
_
pedras .ao-redor. Então alguma coisa eu conseguiria E-Porquê? ·
transmitir. Para avaliar a capacidade de aprendizagem
e adaptar o conteúdo tenho que compreender realmente D _C'Porqu 'io li
, '. "__. e sa~ lnguagens bem diferentes".
que nível de elaboração tem essa criança. Como para .o . . ..E, pelo menos, Interessante
lnfo.r.ma.'Çã.Oéni neuroqur, ·;;fique um Intelectual com
.
aluno universitário eu uso métodos científicos, por exem-
plo, eu posso tirar desse método científico algumas bases b~ 1·l 1·d ade.
· .
do adulto C'om a
ImIca a Irme
.. .
uma Incomunlca-
.
, crIança· mai d
para transmitir à criança através de imagens ou simbo- s.or-adult·ocom o .a Iu .' s . o que doprofes-
. . no-crIança · e .' 1·
los que ela entenda nessa idade... " Apesar da argumen- lncom.u . ni.'cabilidade.pela dif .d" .. exp rq ue esta
. IJ.erença e lInguagem
tação aparentemente inquestionável, a crença na . A professora graduada em .. . . . '. '.' .
aprendizagem entendida como transmissão permanece educação afirma: "Se o cont ' d aj;qUltetura e mestre em
de pé; até a sensibilização funciona, do objeto para o transformadopara o enten~~ o osse adequad.0' ou seja,
sujeito, de acordo com o padrão empirista. Tudo se ~TlOS, eu á credi to que ela en7e~nto ~e um!! cn~nça de.3
resume em ver. Mas para que a criança veja, alguém lnteresse... Se tivesse assim deria.. Nao sei se tena
tem que mostrar: esta é a função do professor. E mostrar Revolução dos Bichos " por exemplo, como pegar. a
. , a muslcado Vi ' . .
da melhor forma possível, daí a presença de audiovi- erist.nar a~quitetura·.. 'E nlcluS,. aquela, pra
suais. De qualquer modo, a falta de abstração continua 7\T- • • ra uma casa m °t
iv cio tinha teto, nãotinha nada' Ach Ul o engraçada /
a ser apontada como a causa principal da impossibifida- ses, eles teriam alguma ti .. _ o que se tu ad.equas-
' mo ioaçao Ago d t:
de da referida aprendizagem por uma criança de 3 anos. ~omo e l a e ensinada para ad lt _. ra, a J orma
O (Djocente, doutor em aspecto biológico de compor- la. dormir sapatear ~, E b u os, nao, porque a criança
. . ' ... f i ora o par" t .
tamento e memória, com pós-doutorado em neuroquími- grco continue empirista not _ . ame ro epIstemoló-
ca, responde: te depoimento. "Se o co' t ' a s; rnars cautela no·seguin-
· Interesse
· d
se t erra d n f eu o J.osse adequ a d o ...' nao - ser·
'.. e orma como é ensinada para

166
167
adultos, não..." São formas que concluem pela impossi- uma criança de ] O a ""E
bilidade prática de tal ensino. É o que a professora, 3 anos! Recém-come ~os · uma de 3 anos?" "Bom d
formada em matemática e estatística, situa com clareza: mouca, não digo as;ü:: parfaZar... ~dem capacidade m::Zte~
"Uma estatística intuitiva ela consegue, de acordo com P ra Usar, assim, raciocínioalóapren er meu D .
.
lCO ' ,eu8, COZSQs
sua capacidade. Por exemplo, para ganhar um pirulito". mas existejá... justament _'!J , pra fazer calculo, não,
OCa) professor(a) de arquitetura, com 12 anos de magis- ticos, né, que precisa u e, sao aqz:,el;s.brinquedos didá-
tério, diz: "Alguma coisa a mais acho que daria para · sar o raClOClnl d .
encalxe,
· de cores, aqueles blocos ló . o a criança, de
transmitir, mas ainda não seria suficiente". , l880 aí é um raciocíni lá . glcos, grossura, Cor
O professor, graduado em direito e advogado, res- criança de 3 ano8J·a' t O . ogzco, matemático. Então ~
em lS80 tamb ' +:. r rr>:»
ponde: "Dâ para brincar de filosofar. Eu-não vejo como
A

c;ngulo, círculo, quadrado ela "á "": ,"ormasefiguras,


ensinar direito de família para uma criança de 3 anos. 110m, pra mim aí é ' J tem", E a de um. ano?"
Agora, introdução ao direito até que seria possível, até uma introduçãodesdemoerl?;~n.heclmento,
' nlClO o s · . é raciocínio
''. . ,
porque trabalho com essa coisa de 'uamos aprender a l
uo vendo ela agora cl pcue podem irdeeen.. -
pensar juntos'. Eu' distingo um macaco de uma criança . ' . , aro sempre d
vez ·mcuores
· Com um
..' . a no eXlste
' . m.uit com . osagens cada
de 3 anos". O professor, formado em arquitetura, afirma: po. e fazer com relação à mate u~ C:S coisas que agente
d
"Acho' que alguma coisa. .Totalmente não. Ela não tem Mas ainda não vai ser assim matlCa, com a criança.
ainda desenvolvimento na parte mental, e as experiên- + 1 = 2 simplesmente por uePorque ela aprendeu que 1
cias que o aluno já teve relacionado com o assunto, as ela de,coro.U a.quilo. a.Z /1 ela m:ntaüzou aquilo at
O

'. ··d····· t; J.V1.as ela nao t d· '


experiências anteriores' a criança não teve ainda". Como ~uantl .ade que] + 1 = 2". "E . en eri ealnda a
acumula-seesta experiência conatit.uirido-se pré-requi- ~cho que a única p' a.rte m t a ,~~lança quando nasce?"
·
d e, mamar ..... -: . . '.' , . a ematzca é h
sito para determinada aprendizagem, não é esclarecido. mesmo. acho . . o c ',. oro. nas horas
A professora de estatística, com 18 anos de magisté- é que. tu dfz : · .: . queacolsa maior é isso" "C
1zque tem mat't· · orno
rio, diz: "Partindo do concreto, apesar de aos 7 anos já não existe '.. \ '. . ema rca .,nesse choro?" CCS'.
!- ' uma organlzação de t p .' .' ,'.' ...'. ... - lm,
ter uma parte abstrata: a criança. de 7 anos já é muito entaoela tem o tempo para tudo !sem ?,. fl'?' na c.r~ança,
mais perceptiva. Partindo da vida à volta dela, através e~ que a gente pode medir .,. so a~ .ja e, no m9'!tento
do brinquedo, sendo sugerida, sendo levada a brincar se coisa ligada à matemátic~!a 4:,0de dlzer que éalgrtma
ela não aprender.. 'Eetim.ulando' talvez seja a palavra antes.de
. . ' me.u D,eus,
nasce.r .: ac·h··o qu antes
., , d.e.'..nas·ce .. . r?"... ·.. "E
...
apropriada". Embora seja vaga esta afirmação, a postu- lntra~ut~nnos mesmo". "Quer di e e so os 17l.oVlme,n,tos
ra epistemológica nela explícita, contudo, não deixa dela IndIca·que ela tem . Izerque.a movImentação
dúvida: é empirista. O "estímulo" produz a aprendiza- co?" · CI'AT-
.l.Vao dilGO um co . um comportam.
". ento m at. em·á·t·1-
., ~' mportamento t '..... ;, .,
gem, é o que sintetiza sua afirmação. ja tem um espaço entã l . ma ematlco, mas ela
Acompanhemos o depoimento desta professora, li-
Não digo assim u:n com~~r~ oioe dentro daquele espaço.
cenciada em ciências: "Que capacidade matemática te- eu disse. no intcio, a gente al;:ento .matemático.$ocom o
desde o intcio na-o qu p de desenvolver a. cria ri..'ça
ria um aluno de 5 anos?" "Capacidade matemática? De , . , e a gente vai d l ...' '.' . : ·
5 anos? Ela teria muita capacidade. Se tentarem ensinar matlca, rté, a gente pod. d esenvo ver a' mate-
na criança a partir do e es:nvolver o racioctnio lógico
alguma coisa, ela tem as mesmas condições, não digo que · ,. naSClmento ag .
um ractoctnin intra-ut . _' ora~ antes existe
ela vai aprender teoremas com 5 anos, não é isso, mas Se erino, eu nao sei di
houver uma iniciação, ela tem tanta capacidade como
fiiz, como se diz sonoterap· tzer, eu nunca
comigo antes". ' la para saber o que acontecia

168
169
, i uma confusão entre a matemá- mais, ou mesmo impossibilitam respostas no âmbito do
Parece que ha, aqu , , r um longo processo de senso comum ou explicação ·pelo estímulo - este é o
tica do adulto, ,construlda s~~tmos biológicos do feto ou objetivo destas perguntas. Sigamos os depoimentos, in-
abstração refleXlonant~d'e o ainda as coordenações de felizmente poucos e fragmentados, para ver a que tipo
· recém-naSCI a ou , . de resposta se faz apelo.
da crIança áti da criança sensorIo-motora.
ações puramente pr Ica~ podem ser matematizados A professora de história natural, com 11 anos de
Esses ritmos e coor d enaçoes . magistério, responde a respeito do conhecimento da
1 dIto mas não o são.pela craariça. . ,.
pe o a u , .. d d em exerCICIO afir- criança de 0/2 anos: "Bem, sensorial, né. Mas os psicólo-
O P r ofe s s or de dir-eito e a voga o t balhei gos sabem explicar muito melhor do que eu. A vida
· l ue eu nunca ra
ma" "Não tenho· mULto c aro, porq . t Tenho intra-uterina já recebe algumas influências do meio ex-
· .. · l E u. ho eles muito esper os.
com essa ~l'tente a'3 ac é muito esperta, Não sei se ~ terior, :màs é mais, eu acho, através dos sentidos, perce-
uma sobr.'tnhc: de 2, .: ano:~te acha que criança é déb'tl bidoissocdoque através de uma elaboração. Sentidos é
preconce'tto, a~ ve-zes a g tinar para as coisas, mas eu o sistema nervoso em si, que reagiria em função de uma
mental, que ~ao con~e~u~ a a pinta tem umas tiradas música, de alguma coisa assim. Até mais um coisa
vejo pela rriirth.a. so rui a, ... com 11 anos de aesim, sensorial do que racional".
geruats. . " · A professor a de arquItetura, ., tetaiei da
a rrii h
rn.t.r; a Sigamos as respostas desta outra (D)ocente ao
. . · tér'io diz: "Esse é opass o que euta e r-. (E)ntrevistador: ...
magIs .e ' . . "
ignorância.. com crLanças · di i to diz: E-:- Quala:.. capacidade de conhecimento que tem urna
d d gr a d u a d o em rrerco, .·
O pr'ofesso e~a . v .ogao,.
r
+; sLnceramente. que. . na'io tenho crrança errtr'e 2e 7 anos? Nãoa questão de ensinar a ela
"Do.8 2 ao.s. '7 aTl,os,co_n,esso -d . .a eu.« são esp.ertas O conteúdo, mas qual a capacidade de conhecimento que
· . .. Nao enten o na a.
noção d. e cnança C dições elas têm para pensar, elaternnease período? Que ti po de coisa elas aprendem
d TV
e não é porcausa.. a _ . tiC::::uladas para isso até porque nessa .idade?
acho que elas nao sao .es , " n·- ~~'alfabetizaçãonormalmente é feita nessa ida-
são 'tratadas' comocrLanças . .. . d .
,.. d ode ser tirado destes epor- de. A alfabetizaçãocaimpressão queeú tenho~ que é um
Como se ve,quase na ~~entementeà pergunta pro- salto.irnensoem termos de aprendizagem. É um conceito
mentos que responda c~ns_ mais ou menos vagamente totalmente novo, o conceito de leitura. É um conceito que
posta, salvo uma cono açao zes de componentes aprio- vai revolucionar a vida da criança, então acho que isso
empirista mesclada, por ,:e , i stê cia doparâme- já é um salto. Ela aprende, por exemplo, boa parte das
· tas/inatistas. E uma eVIdente reSIS en regras sociais que são aprendidas nessa época, o que ela
rIS. · . t
tro epistemológico emprris a. não pode fazer ou certas coisas... se feitas em público.
Acho que estes conteúdos aprendidos não são for-
2. A DIFÍCIL SUPERAÇÃO DA EXPLICAÇÃO mais: em termos de experiência de vida, de coisas práti-
casde aprendizagem, a criança tem um salto. Na vida
EMPIRISTA. da gente é um dos maiores saltos dos 2 aos 7 anos, onde
) "Que capacidade -de co- se concretiza a fala, aprende a linguagem falada.
As seguintes pergunt?-s: c d 0/2 anos? como ela
· t t uma crIança e ..
nheclmen o e m " ca.p acidade de conheCImento
adquiriuisto?" e d) Que d ?" diminuem ainda
tem o ser humano antes e nascer.

171
170
por coa.ção, quando se promete um cast - -
Depois aprende a linguagem escrita - tenho impres- cumpridas determinadas regras ou tgo se n~o forem
são, não sei, sou superleiga - que é uma fase importan- caso id
do chocolate.
Aliás por ~remlação
, ach o que se premia müit no
tíssima na aprendizagem". com" a, as crianças, hoje em dia". . t o, com
E _ Do nascimento até os 2 anos, qual seria a capa-
cidade de conhecimento que tem a criança nesse perío- ser ~u~~~:la:t:~P:~~:~~~:;t~~hecimento
q ue tem o
do?
aí. Não tenho nem idéi~".
D - "Esta eu não sei vou me abste d
D _ "O conhecimento que ela adquire é coisa mais r e responder esta
instintiva: comer, andar"· Pode-se dizer que é raro ne t ·
E .: Instintiva em que sentido? respostas tão bem art.ic I dar . f) a pesqursa, obter-se
D _ "Caminhar, por exemplo, não interessa qual bem constituído d .' ;cu a a.:.s gir-ando .sobre um núcleo
. ma nusea dias com certa
. ..... ança ... E. bo e InJ.ormaçoes
segur
sociedade que tute apresentes, tu vais caminhar, comer,
não interessa qual sociedade tu estejas - pode mudar a
. . .... m·ora exerça a
t'ivo associacioIlista não o s C:~ca. d o, modelo exphca-
1íti

pressesua concepção episteu Slt~t~l por outro que ex-


. ·

alimentação, a forma, os instrumentos de comer, mas tu pedagógica. mo ogrca, ou, pelo menos,
vais ter que comer. Então, acho que isso são coisas mais
instintivas. Agora, por exemplo, dos 2 aos 6 anos, ela . .Acornpanhernos asrespost d
aprende coisas mais características de sua prôpria socie- mica, ..compós-doutorado e' as. o professor de bioquí-
. .' .... . ' m neuroqulmlca:
dade, por exemplo, a forma de se comportar. O que uma E - Que capacidade de conheci . .' .
criançajaponesa vai aprender não vai ser a mesma coisa çaentre 2e 7. anos? ecirnerrto tem umacrian-
que uma criança brasileira. Acho então que é neste D""';n' t'Z·· , AT- ' . -' .
, 0 a,' .l.Vao sou a pessoa ma' S a
eentido-: Até 'os 2 anos são coisas comuns a todas as
e.u.m,
.. -a~co.·lsa
, ... ,' '.-
cien,tifilcamen'·t·e -d' - . t " gd
abar o

antad.a.·,
7 m-as
crianças, a aprendizagem não deve diferir muito de uma , ,.... . . . emons ra aAt'
eos.
>

équando maisse aprende' a '. ' . '.' - ' anos


criança japonesa e uma criança brasileira; é a partir daí
que começa a haver mudanças mais significativas, co- elapos~aaprendero ciclo de~o~~ "J::a'ift:
quem sabe, porter uma alta ca . , id. .. . e wqu't.m'tca;
:Ju~~ d'tz~r que
meça a aprender valores mais característicos". não vai aprender uma boba efnaC;. ade .de aprendizado,
E _ Como é que ela adquire conhecimento no período o ser humano tem m . . g . essa. E nesta fase que
de Oa 2 anos e de 2 a 7? capacidade' deconh ator capacidadede a~re~dizado. A
D _ "Em parte por observação dos adultos que estão mitada: bem até b~cer ~O't~as... a 'potencial.idade é ili-
em volta dela e, em parte, por incentivo destes adultos, futuro......' toqutrruca pode vir a aprender no
eles até fazem um certo condicionamento com a criança".
. E E nesta faixa etária .do.O até s 2
'.;0.;.' ·
E - Que condicionamento? Qual seria a capacidade de 'aprendi .od .• ?anos de Idade.
D _ "Aquela história de fazer pipi no piniquinho. Tem 'D "A . ." za o.
- 'Acho quelimit d
gente que diz isso: 'Se tu fizeres pipi nas calças, vais levar dosi~tema Tfervoso, 't~ aa;teem par:t e, pele: maturidad.e
duas palmadas'. Então a criança começa a associar. Que ambiente. E li -t d P , pela interação com o meto
_. _ _ , . lml a a por este lado ..
nem aqueles (ratinhos)- ilimitada, já que tudo é novidade' ' mas po: outro é
O outro tipo de condicionamento: 'Se tu comeres da mãe, o colo do pai l-SSO ai _ - a cor, o cheiro, a, tet,a
". ... nao enterul -t -
espinafre, ganhas um chocolate depois'. Então a criança e uma coisa ilimitada". o miei o, seique
deve comer espinafre. [Por] um certo condicionamento ou

173
172
E - Qual é a capacidade de conhecimento de uma produto do meio, eu acredito nisso" "E o que tem a~~
criança antes do nascimento até os dois anos? · d e com o conteúdo de tua
· ver
es t a capacida matéria?" "Nã
D - "Ilimitada". porque ". matemática_ é algo abstrato, fruto de gran:l;
E - Antes do nascimento? elaboraçao mental e nao so de uma pessoa. Não tem nada
P - "Ah, não sei, isto aí não estou a par. Tem gente Cf' ver se ele (o aluno) é diferente, como ele vai resolver
isto",
que acha que se aprende na vida uterina, fica questio-
nando o bebê de proveta quanto que se aprende, aí tem A professora de Primeiro e Segundo Graus e aluna
toda coisa que não sei". de psicologia responde à pergunta: "Qual a capacidade
Também este docente que afirma potencialidades e dE} conhecimento de uma criança de 217 anos?" Diz ela:
limites de aprendizagem, dependendo da m~turid~dedo "Iãem. relação à necessid~de da. criança naquela idade.
sistema nervoso e da interação com-o .meio ambiente; Sete.m sec:-e, começa a dieer: 'água', é uma questão de
A

não explicacomo tais instâncias iílterf~remn? proce.ss_o, co,,:vwencz.acom os pais - que são os estímulos intencio-
determinando o sujeito: se a matur-idade e condição nats - e de. necessidade - que é igual a estímulo interno".
necessária' e suficiente, se o rrieioé condição necessária "E uma cru:mçade .0/2 anos?" c'A criança nasce com algo
ou suficiente, ou ambos, etc. dentro de si que oai ser desenvolvido. Mas é também um
papelem .brancoonde vai ser escrito algo em função do
A professora de Jardim de, Infância, nível Bje de
Primeiro Grau, diz: A criança de três anos "aprenderia que e!a tnoe. O que. e.la traz é a cor do papel". "Como se
relaCIOnam as aquISIções destas idades com a aprendi-
hábitos. e atitudes, na medida em que ela coneegue.
Exigências diferentes, de acordo corri a i~ade, emborc: z~g~m do conteúdo~e tl;1a maté~ia?" "Toda a bagagem é
não se deva fazer isto (ensinar a Ier, neeta Idade), respei-
v~ltda, toda a expenencz.a anterz.or, se não, não háapren-
dtzagem..Tudo o que já foi 'escritono 'papel' (refere-se à
tando o tempo que ela ainda tem. E aques~ão. do decor,!r
mente da criança, ao nascer) é importante, assim como
x aprender. O bebê tem condições de ass~mz.lar, sentir;
toda a aprendizagem de agora vai influenciar na ap'ren-
aos 2 . 3 anos entra a questão da rnaturidade.. . uai se dizagem posterior".
mant~ndo mais capacidade, pois se soma a bagagem
anterior. É' a partir do que a criança pode fazer que tu Este pro~es~ó~, licenciado em educação física, comB
deves trabalhar o que ela traz e o. que está adquirindo". anos .d~magIsteno, afirma: "Isto se exige falar de p sico-
motricidade. Não adianta dar uma bicicleta de duas
Embora o desfecho pedagógico inatacável, teorica-
rodas 'para uma criança de um ano, que ela não vai
mente nada há que mereça maior atenção.
corisegtsir andar. Não está com maturidade suficiente
A professora Iicenciada em mate~ática, lecio~ando para fazer aquilo aí. Enquanto que uma criança decinco
nos três graus de ensino, diz, a r-espeito da capacidade anos se não conseguir andar de bicicleta é porque ela tem
de aprendizagem de uma criança de .2/7 anos: "Acho que algum problema motor. Nada a ver uma coisa coma
seaprendepelo meio, mas que cac:a um tem suas carac- outra. Isso exige o desenvolvimento motor da criança".
terísticas hereditárias, mas o meto faz crescer. Se temos Para e~t~ docent~, portanto, a maturidade é condição
uma turma de crianças, onde a professora traz poucas necessanae suficIente para a apredizagem, especifica-
atividades, sem proporcionar, o aluno não cr~sce. Cada mente para aprender a andar de bicicleta de duas rodas.
criança recebe de sua maneira, u.ns são mal~ lentos... Resta saber por que um macaco demanda tanto treina-
mas o conhecimento vem com o meio. A pessoa e bastante mento para tal aprendizagem, e só alguns a conseguem

174 175
em condições muito especiais (circo). Isto para falar de se inserida. (O macaco que é rei d . . _
uma aprendizagem como andar de bicicleta e não de apr~nde a falar?) "Porque ele nã: :mltaç~o, por que não
aprendizagem verbal: neste nível, o homem é animal aprlmorado. Isso at eu I. e,!! o sistema-da fala
simbólico (Cassirer) e o macaco não. rea mente ruio ent d .
que ele não nasceu pra fi. I'" O fi en o, mas sei
Para a professora formada em história, com 8 anos fisica, acima vale-se da a a. pro ~Ssor de educação
de magistério: "Qualquer ser humano tem fases que vai · - para ,dissertar s bmesma .expllcaç-
c 6 pia imitacã
ao - ImI açao-
conseguindo captar determinadas coisas, desenvolver sidade que ela (criança) ~e:;"~:Z;~em da fala: "A neces-
determinadas coisas. É o tempo que leva a isso". Esta ela tem necessidade de' se com' . . todo mundo falando,
id: de. que ela sente, como d unlcar d fal
"fenomenologia da percepção" consegue, no máximo, siaa Z·' e 1(_ 0;, e' a neces-
descrever precariamente o que acontece; nada, porém, macacos criados com . a a lmentaçao · (Caso dos
explica a respeito das condições prévias. da percepção e psicólogo que criou, dur~~:en~fs: conta-se a estória do
muito menos do conhecimento. (A capacidade de apren- nascido com seu filho recém-n gu~; a)n(o~? IJ1a~aco recém-
der de uma criança de um ano vem... T) A professora, gue este docente. "O meu asci o.r Ilêncíol) Prosse-
licenciada .em educação física, como 6 anos de magisté- tivesse condição de ser kC;:cO escuty a gente falar, se ele
rio, diz: "Do cuidado dos pais, do preparo, do estímulo". faltar alguma coisa no cér~~no, e e fala!"a, então deve
"Quando ela nasce...?" (Muita hesitação.) "Sugar o leite desenvolva~.não COnsiga imita~ qUfie ;le n~o consiga, não
da mãe, isso nãoé uma capacidade, isso é natural, isso mo as.suntodiz a rofe '. . ?' a C:, ~"e · Sobre o mes-
ela nãotâ aprendendo; isso ela traz, isso é instinto. É que -. . ". .ho. . P .. essora d.~ hlst6na: Isso aí t ' d ~~.'. - ·l
eu n,Q,~ten..o conhecimenmv ( · ) . a LI LCl ,
nem um animalzinho, o cachorrinho vai na cadelinha- sorada edueaçã físl·ca·. ."P . raso · Acrescenta aprofes-
0.
:. .:r....... ..·..l.!JU concordo d t ' fi 1
mãe emama.. ·Asucção.;..' Odesenvolv-imento da-criança a lgumacoisa.Racioctnio· A i ' .' eue a atando
é primeiro facial, depois desenvolve 0- movimento de 'À .. . .......". '.. . . . gl:tma COLsa no cérebro"
pergunta a respeito'dom' ' d - . . ..
cabeça, depois céfalo-caudal... " "Como a criança chega a educa~ão
:r
físíca: "A d;~ '.
..n. "1 erença-esta no ,.,
aC.,.a. co'. IZ o pr.ofessor .de
· ,.. "
falar?" A mesma professora de história diz: "Por imita-
ção, ela vê os pais falando, todo mundo que está à volta
dela falando, de repente alguma palavra, ela gostou de
que tudo tem a ver com adt'..
nua a professora dehistóri d .P . aC:lOclnlo · Conti-
e 'rrmeu-o Grau: "-:lcho
o animal tem umalimitaçãOfe~ença.cer;ebral doanlmal;
alguma palavra, urna palavra simples, ela acaba dizen- segue mais, o ser humanoná:. ~ uai ate certo ponto e não
do, uma palavra .monoestlaba". Oserhuma " . ... . ' 1,880 nasce com o macaco
A origem da fala é localizada no estímulo: a criança ninguém m=/~'::mq:~ ser ~xplorado, estimulado. S~
imita porque ouve alguma. palavra, algum monossílabo Dentro do cérebro da ge:te~al ficar parado aí mesmo.
do qual gosta. Esta explicação diverge radicalmente da fala da gente · acho . ue d: em um setor que comanda a
explicação piagetiana. A criança apropria-se da fala por aquele setor eksenvol~icioee:epente,o m.acacoriãn tem
construção e não, por imitação no sentido empirista.A vocais; eu não sou um cient:s~epenten~o tem as cordas
própria imitação, para Piaget, não é mera repetição, zoologista. se o biclünho tem t d
Inclusive, dizem que o ser Eu U o preparado para isso.
âeveria perguntar ao
mas apropriação construtiva. A criança fala na medida
em.quevconatrufda a função simbólica, passa a "dublar" t emos aquele ossinho o 6mano,vem ·.
do m AT
acaco. .lv6s
e
as suas ações através de significantes por ela mesma rab? Nlio sou conhecedor ~;'::t~tC?u. era o noss.o antigo
construídos. Só tardiamente e aos poucos apropria-se aeeim. o macaco não . m.
erta, a s eu uejo a coisa
dos significantes da linguagem social na qual encontra- Continua o professor ~:e~udese,!volv~mentocerebral".
caçao rrsrca: "Acho que a

176
177
- · l da fica como um macaqui- cação. Por que o macaco não sabe ler nem escrever?
criança que nao for ;st1,mu ~ do estímulo que ela vai Talvez porque não tenha significação. Porque talvez, de
nho, porque tudo e atrav . d hi t.ôria: "Tem crian- fato, aquestão genética dele, a questão de maturidade,
" R t a professora e 1 S · , de etapas de aprendizagem se esgota antes da leitura e
aprender. e oma. L região do cere-
ça que não consegue falar poorque aque ~ãO tem como ir da escrita.. Assim como algumas pessoas que têm proble-
bro, da fala, está afetada... macaco mas mentais; sua capacidade se esgota antes da leitura
a d·l,an te'
e .· .. . a ·stério e serviço social e da escrita, ela aprendeum montão de coisas".
A professora formada em m d'61 gistério responde: Aproíeesora licenciada em ciências,com 7 anos de
e cursando história, ~om 2 ano~ e maa s palav~as. Só por magiatério, afirma, a respeito da aprendizagem do ani-
"Porque o macaco nao sabe art1,cu l a;e o macaco sabe se mal de laboratório: "[A·diferença se atribui] acho que é
isso. Porque gr:-ranto q~e, :::ce::r~ado com afetividade, . em relação ao código genético nosso. Nós temos um
exp.res.sar e m.. uito be~. m . escer em termos d.e código genético, eles têm outro. Então eles não têm no
. ." .. d COl,sas, e l e uai c r . . código genético, eu acredito, a' fala. Eles têm cordas
e ·uma serl,e . e .' . . .' .. e ULr se comun1,car...
comport~mento e m,uito, ~le vC:1, c;:~~m vai ser grande. vocais, elestêrri tudo, eles emitem sons. Mas eles não têm
A capacl,dade de comunl,cc:çao . te a articulação. d.as a-capacidade de formular palavras, então eles podem, de
, . ae. . te ele . . nao .uau
Soque,erepen,
er
' ídade de fazer umtra- repente, fazer tudo o que se faz, mas falar eu acredito que
P a la v ra s" . "Mas. el.e., . •tem a. capacl a e"r? Ele não' tomo seja em relação :aoc6digo·genético". "Se está no código
I . aprende a escrev . . .' ·
çado, por que ee,nao . h .. em tem, então ele podel"~a genético, então por.. que a ériançacomeça a falar mesmo,
a-p-are.lho fonado.. r que o oro . . . ."- .... d e'" "Eu nao com-sentido.cporvoltade um, ano e meio a dois anos?"
; '. rit; mas ele nao apren .
se ex.pressarp~laescn a,.... · '. macaco a escrever! '~h!porque'antes'nãofoi desenvolvido nela -até· foi
sei porque eu ,nunca;~finte~J~~":~~orado macaco. Mas desenvolvido, eu' nuncapareipra pensar nisso -sagora
Eu acho que e uma 1, 1,CU · le Mas isso não tem eu tô dando ciências e eu realmente agora me deparo com

significaçãopraele. zs:
acho difícil que a gente ens1,~e e:aprender aeserever

e a desenhar? Sem s1,gn1, 1,C~ç


eã~ ~~; não vai aprender a
aluno de pais anal-
uma coisa que eu núncaparei pra pensar assim, por que
não antes? Antes ela só chora e aí ri, tem aqueles.soris,
enfimçeu.acha que é:·porqueaqueledesenuolvimento que
ler, escrever, desenhar. Ens1,nare~~umterror. De repente ela vem tendo ela começa daí aperceber que existem não
fabetos a aprender a.ze!e~scr:~guntao que está fazendo, s6 sons, mas.palavras, então ela começa a imitar, começa
alguém de sua convwencta,Pl do' E de repente, uma por imitação, .edat dessa imitação ela começa .por imitar
e respondem: 'Ah! ele. esta ~n t ·dd
c~iança de 3 anos tu Pe.g~.~a u:ntá fazendo? Tôlen~o.
com uma revista aspalaUras,daí então asfrases e assim por diante". "E
o macaco nãotemessa capacidade de imitar?" "Eu acho
mrc: d a c!-e cabeça, pra ba;:a~ fiiuras de cabeça pra baixo. queele não fala, .só imita sons porque ele não tem as
Tresan1,nhos. Taolhan d h ' bito da le1,tura ou o condições de formular as palavras, eu acho que isso tá
Mas tudo bem: Está pegati o o sã~ coisas importantes, no código genético que nele não existe. No código genético
hábito da escrua: ela ~cha :Juepor que ela não vai fazer dele não existeaquelapecinh.a que vai pro cérebro dele
pois aspessoas.fi ca m [tizeri o, analfabeta que não que comanda aparte da fala dele; a nossa existe, a dele
também?! Põe· isso p:a_,u,:,,~~~~~ático se os meus pais não existe". "Então não é só questão de diferença d'e meio
sabe quevive~•. o raCl,OC1,nl,O . m eu também posso ou de cordas vocais?" "Eu nunca abri um macaco nem
., b l nem escrevervl,ve , . ·fi uma pessoa (riso), mas pelo pouco que a gente estudou:
quenao sa em er . Então não tem Sl,gnl, 1,-
viver sem saber ler nem escrever.

179
178
o macaco é um mamífero também, possui cordas vocais;
penso que seja assim, a princípio o homem é r?,ci.onal, hist6ria da mãe coçar a barri ,
tem a capacidade de formular, de pensar, de imitr. O resposta a um estímul D u« e ela se mexer e uma
o. e urna . I
macaco, se agente deixar ele por si só, ele não tem segue responder a alguns si . . certa maneira e a cori-
gunta do macaco criado e nalS em.1,tldospe
. .. la-mae.
C P er-
condição de inventar uma coisa, ele só imita". "Homem
recém-nascido perdido no meio dos macacos. Ele fala- níveis de conhecimento p rn ambIente familiar) ... São
e n ta
ao o macaco chegou ao ra crescer' para d esenvo l ver;
ria?" "Não, não falaria, só daria aqueles ganidos que o
macado faz porque justamente ele imita, mas ele vai to, de conhecimento d aUfIe no seu nível de crescimen-
imitar-aquilo que ele está escutando; então quando eleé Então, tem uma séri~ d: c~~sa que ele podia adquirir.
nenê, ele imita os sons que a família emite... e aí foi aos animais e eles respon~::nm.ulosqz:-e a gente pode dar
encontrado com uma cadela, ele se arrastava no chão, ele as pessoas por serem pessoa 19ualzlnho, rié, é claro que
terem uma série de o t ~' por serem racionais por
não pesava mais do que 2 quilos, ele já tinha parece qu~ não"'··"D d u r a s coisas aprendem e .'.
3 anos e ele era um bichinho junto com a cadela; acredi- .-. ron e vem essa ca a · d d .os arurnais
humano do ,animal?" «É el p CI a. e qUe dIferencia o
ta-se que a cadela saia à rua, buscava alimento q.ue ela
achauano lixo e a criança comia, porque ela (a criança)
ser humano, outro ~ão I: a a. capacldade humana; um é
te. A pessoa não s6 respond nlmal.responde emotivamen_
com.ia como uma cadela. Então, eu acredito que é o
mesmo -caso com os macacos; se agente deixar uma el?,bora os seus sentimentos~~~otlVam.ente,mas também .
criança no-meio de. macacos ela vai agir como macacos. difere da capacidade do mae capacldade hU~anaque -
(Pesos em%.) Meu Deus, é uma coisa assim tão, 30%, mana ela tem pela prónrl·a . ac:o: Essa capacld.ade· hu.-
35% de inteligência e 75% de fatores ambientais para ela gene"'t·lCO•. rr» ~
cem. m uita in/Zu". especze em,. q ue e l a nasceu; é
erictri genetzca"
desenvolver a inteligência e se dizer que ela é uma pessoa Embora negando' saber d . ·
inteligente". ~uestão colocada, estes docent r respo.sta consistente â
Informações interessantes d .es contrIbue~menos com
Parece-me que um dos resultados mais significativos
mãtic.as. Um. docente d . . . 0 q1ue co. m.heslt.aç.ões.sinto_
desta pesquisa acontece aqui. Na medida em qu~ ·os IZ Slmp emente· ~'"M- -
argumentos empiristas ~ão pulverizados por de.termIn~­
responder essa pergunta" A'.:6 · ao, nao sei te
mestrado e doutorado.e· P. r 0 eSSora de história, Com
do tipo de questão (Por que o macaco, sob est.imulação cC1\T-. . com I 8 anos de ma · t ' · .
de um ambiente humano, familiar, não aprende a fa- .l v ao selo. Nunca pensei niss gIs. er~o,. dIZ:
lar?), o docente busca explicação na bagagem hereditá- »ros meus filhos quando esti~ Eu, n~nc,c; e~Slnel nada
fessora e pesquisadora, gradu edgravlda (:ISOS). A pro-
ria no a priori biológico. Trabalharemos melhor. este mestrado em educação com . 6a a em arqUItetura e com
res~ltado, em capítulo à parte, ao an~lis~rlongit~dinal­ ma: cCTambém não. sei. 'n ~n~s de magistério,. afir-
mente, sem recortes, as (algumas) ent.reviatas mais com- · . .eveexzstlr algu ma... como . de-
POlS, s6 que eu não... " .
pletas desta pesquisa.
O depoimento desta professora, formada em magis- · .Uma resposta, que se rep t ' . .
InSIste na- idéia de qu .. . e e em varros depOImentos
térioe serviço social, com 2 anos de exercício profissio- ·
d e viria e a crIança Com d '
e a criança antes d . menos e 2 anos
nal, prossegue no mesmo sentido: "Eú não sei responder. e não cognitiva ou racional~as~er~eagemafetivamente
Ela sabe os passos dela. .Ela sabe crescer. Ela ~em um
em.medicina e doutorado eme~i:' u,pr.°fessor, graduado
esquema de comunicação. Ela se mexe, se mouimenta. mero de magistério diz. "T. q I~Ica, com um ano e
Ela sabe responder a alguma espécie de estímulo; a afetiva. Ela aprende a'p embcapacldade só emocional
erce er o qUe é bom ou ruim',

180
181
quem a ama e quem não a ama. Aprende a classificar;';'.
Outro(a) docente afirma: ÇÇEle tem uma bagagem pré-de- ~?-mente diferente do macaco por ' .
ja traz na bagagem he d·t'~. que, quanto a ongelll
terminada. E tem a mãe que é orientadora de modelação, ·
SImbólico mas soment re 11 a.rra a capaciid a d e d e Ser'
o pai, os irmãos... ;';' O professor, licenciado em história, . ' e pe a sua aç - c (d
V1mento) ela trm ser ai .b '1· ao raz-se esenvol-
com 8 anos de magistério, diz: "Nunca me preocupei com t es. A criança traz rm · t o t·ICO idcapaz d e errar
· · ifi
sigrn tcan-
isso. Mas acho que ele tem reações. Se a mãe sofre, a ·
mIlhões - ou.atéde b ilhõ
SIn e iza a em -
d SI o tra b a Ih o de
criança percebe. A coisa é no sensível, mas também é no oes- eanosde
· I
e aSSIm que nasce mergulh . evo1uçao - d a VIid a,
aprender". A professora de matemática e especialista ·
t rza · a num mel · 1 ·
mIlhares de anos d · ·1· o SaCIa que srnte-
em estatística, com 18 anos de magistério, diz que a e CIVI
h erança.evolutiva na berano .. . .. Ização O
modalidade de conhecimento da criança enquanto feto mergulho desta
e nos seus primeiros anos, de vida resume-se a: "Carinho, processo que produz novas sí~~~~:Ih~at~ria dispara um
Coordenadoras da ação S VItaIs: as estruturas
só afeição';'. A professora, formada em arquitetura, com t ' as estrutura - b o'1-Ic_as, as
12 anos de magistério, diz que a criança desta idade é es .ruturas do pen~amento.. Est S SIm
SUJeIto nem objeto, mas sÍlites as ~s~ruturas riao são
capaz de: "Perceber cor, forma, essas coisas. Tem a noção
peram indefiIlidamente a di es su~eIto-?~jeto que su-
de dimensões. Falandoem. termos daminha disciplina: constituindo u~novosu· . ~t IcotomIa sUJelto x objeto,
ela tem noção do que é maior, do que é menor, de forma novo objeto. o fator que d~~I o e, por cOnseqüência, um
também;';'. "Cores, sabe ou. não sabe?'.~Ç~cho que não.
é.a a,ç~o dosuje~t(lquete~s::rae s~s~enta este.p~o.cesso
Talvez mais claro, mais escuro, mais vivo... ;" no objeto (meio físi~o ou socia~)condIçaode possIbIlIdade
O professor e· advogado, .graduado em direito, diz: na organização do própr. . ~or um lado, e por outro
"Esse conhecimento que tem dos Q aos 2 anos de idade? vida. 10 SUJeIto, na organização· da
Acho que pela vida. Achoqueéosaber popularno sentido
mais amplo, dasociedade.mae todo o saber não letrado, A única resposta dada à - "
b), c) e d) com o conteúdo de ~:stao ~): ~ qu~ tem a ver
o saber informal... Fui numa regressão do Padre Albino professora, formada em ~~tena. ,fOI dada pela
Aresi e vi um homem muito gordo deitado no chão em estatística com 18 a mdatema~lCa e especialista em
posição fetal. O padreperguntouoque ele" estava sentin- .' nos e magIsté - . çÇS- 0
partlr do concreto, do carinh rIO_ _ a. passos a
do.A criança chorava muito e dissei 'O meu pai está dor- aprender, é o desenvolvime t ~, da. receptwldade para
mindo com outra mulher'. Eu acho que desde a concepção
deve começar um processo de concepção. A criança sente
par da vida de forma gradn t·
a crzança tem de partici-
lacunas, nunca se canse U a toa, por degraus. Onde há
energias boas, negativas que os pais transmitem. O co- com +alhas" C
It •
'lf e c~egar aod·Itopo,
orno se ve o dis -
ou, se chena
nhecimento não começa assim.; danada, que nem cogu- qUe a imprecisão torna-~e suacurso I U1-~e a tal ponto
b ;,

melo depois da chuva. Há todo um processo de evolução';'. não falar das respostas qu . marca regIstrada; para
o problema é ·saberoque possibilita o nascimento dadas, o que acontece e simp esmente não foram
de um cogumelo e quais as condições ambientais de seu entrevistados. u com a quase ·totalidade dos
desenvolvimento, pois nenhum cogumelo aparece por
Como se vê o parâmet . - -
acaso, nem a chuva constitui uma explicação suficiente ?sta é utilizad~ para dar s~~t:r::iaIr~staresis~e~ o aprio-
de seu nascimento. Mas o macaco é muito diferente do e, os depoimentos estão rnuít 1 çao ao empInsta. Isto
cogumelo no plano da evolução da .vida'; quant,o à sua de vida, como organiza _ I o onge daquoln concepção
origeme ao seu desenvolvimento. E a criança? E infini- Possibilidade não sõ da~azpqued~onstItula condição de
ren lzagens cotidianas, in-

182
183
. em mas da construção de !"
cluindo nelas .a hnguag lin~agens científicas; e, ~a~s
linguagens, tais com~.a~ de possibilidade do propno
do que iss?, .~a co~ 1Ç~~ta condição de possibi1id~de 6.
processo cIvIh~at6~0·da vida que cada recém-nascIdo
está na OrganIzaça~ a em hereditária: não como a~go
humano traz na sua ag gl onto que apenas precIsa PERIFERIA X CENTRO:
acabado (inato) ou como atgo pr_ o mas como algo a ser APRENDIZAGEM E ORIGEM
. t as de ma uraça , - d
passar por e ap . 1 coordenação das açoes e SOCIOECONÔMICA
construído pela ação ~ pe a) f i interação com aso cie-
cada indivíduo (ontogenese e
d n a. qual
d ae '.,
vive.
,
c.: . - s
itante seguir as a.lIrmaçoe . '
De qualquer m?do,_e exc e a ões do que recém-ti-
as. dúvidas, as hesl~çOe~t ast:t!m~r consciência do tra-
nha sido afirmado. excn an t der o gigantesco pro ce s-
balho do pensa~entop:.r~t::d:~ehumana - correlativa
so de construçao da s.u ~e. d d _ da quàl o pensamento
d construção da obJetlvl a e . .?
a. podemos contInuar. . Sãoas seguintes as perguntas feitas aos. docentes
mesmo partâci
rcipa. para esta parteda pesquisa: "A criança queriasce e se
cria na favela conhece do mesmo jeito que a criança de
classe.média (ou alta)? (Ouinverter as classes.) A cr'ian-
çado meio rural aprende do mesmo jeito que a criança
do meio urbano? Explique!"
Temos, de um lado, teorias que.afirrnam que a crian-
ça vítima da pobreza e, a fortiore, da miséria, é afetada
na sua capacidade de aprendizagem: a marginalização
socioeconômica, especificamente a desnutrição, provo-
caria .na criança -prejuízos, ou déficits comprometendo
sua situação napsicogênese das funções cognitivas. Tais
prejuízos seriam irrecuperáveis. A criança estaria con-
denada-a níveis de aprendizagem mais ou menos precá-
rios, e isto por toda a vida. É assim que a teoria da
carência cultural entende a incidência de fatores socioe-
conômicos negativos sobre a capacidade de aprendiza-
gem da ériança.
De outro lado, temos teorias que afirmam que a
pobreza e mesmo a miséria, especificamente a desnutri-

185
184
ção, não causam prejuízoS na psicogênes e das funções
não ocorrerão.
este · t· ,portanto ,um dééficit
déficit' Haverá, .. de fato mas
o bijetrvas so perSIS ibjli
. . que. Ira enquanto
t .- d urarem as condições
'. -
cognitivas da criança; esta conservaria intacta sua ca- rmpoasi lIam a irit - ·
pacidade de aprender, pois sua interação com a subcul- trutora de conhe - t eraçao, esta SIm, cons-
crmen o.
tura na qual está imersa garantiria a evolução normal . Vemos por onde anda a ex li - .. .
de suas funções cognitivas. poderá ela entrar na escola ínteracíonísmo radical pos tu! ap coridi caçao plagetlana: seu
-
e aprender da mesma forma que as crianças de outras conhecimento de ambos o '1 d . rçoes, para haver
origens socioeconônicas; bastaria, para isso, que a escola cimento não c~meça nem: po ~s. a Interação. O conhe-
adaptasse sua linguagem às características lingüísticas no ponto de encontro dos d~tUJ~Ito nem no ?bjeto, mas
da referida subcultura. Tal é a postura da teoria da rrufdo (o sujeito sofr s. ~ ~m dos polos é dimi-
sonegados) a intera ~ d~.s~b~utrIçao ou objetos são-lhe
diferença cultural. ça
Piaget pouco sabia dos problemas violentos gerados m. as ou. e.s.truturas d ? Iml1nlu de qualidade, e osesque-
pela subnutrição nos países do Terceiro Mundo. Não
-
d e açao quantitativa e ual-
ar resu tant
~s eXIib em um potencial
dispomos de textos seus que tratem diretamente de tais tau.ra.. da .. s'. ,.. a scondições sq b i lt~atlvamente inferior. Res-
problemas. Podemos, no entanto, inferir o que seria a vo lta a construir conh u· ~e rvas ou o b~e
i . . . ' i t.irvas, o s'uj eito
t.i d
a par Ir o estágio em ecirnerrto - Ele c
o rar-a, ,
no entanto
postura de Piaget a respeito. A criança nasce com uma
bagagem hereditária: uma organização caracterizada radicalmente individu~fen~eoenc~ntra.va; este estágio é
pela existência de reflexos que passam imediatamente com o de nenhum outroindivíà~o~ pOIS ser confundido
a funcionar. Se não há prejuízos sérios, inatos ou não,
que atingem o sistema nervOSO de forma irrecuperável,
esta bagagem hereditária tem tudo o que é necessário 1. PERIFERIA X CENTRO· M
para dar conta dos desafios que a vida apresentará. Isto MEIO URBANO · ElO RURAL X
é, a criança poderá, teoricamente, enfrentar os desafios
que o meio físico ou social lhe apresentar- No entanto, Vejamos as respostas dos d ..
esta capacidade não é ilimitada. Dependerá da energia pesquisa. Confrontemos est ocentes as perguntas da
(afetividade) própria da estrutura e da própria estrutu- mologia genéticapiagetiana~srespostas com aepiste-,
ra enquanto organização de esquemas, enquanto orga- Du~s r'espoataa, pelo menos ..
nização da ação. Assim, um desafio poderá ou não ser conhecimento devida' . ' ne.gam. a d.ifer'eriça de
respondido de acordo com o potencial de ação (organiza- negam no que se refereaa~~em ~oclOeconômica; mas a
çãodos esquemas) disponível e de acordo com a energia ao fator endógeno, portantoecamsmo da aprendizagem;
Diz o professor de odont~lo· 1 ·
(afetividade expressa como necessidade ou motivação)
intríseca à estrutura desta ação. Isto é, se o meio lançar nos.. d..e classe rnédí . "E
. .., la.
~a, . ecioriarido
m essenCLa - "d·
para alu-
desafios para além desta capacidade haverá uma "assi- mecanismo interno de co h . . , nao e iferente o
milação negativa"; se, também, o meio sonegar os ins- me. idu
la e,mais
. .
estimulad n ecimento .";" A c riança
. d e classe
trumentos (brinquedos, espaço, tempo, escola, igreja, O teste de QI quem [a a ~ensonalmente, afetiuamente
clube, cinema, teatro, viagem, livro, revista, televisão,
-
é
estimulação dVerentZe
I
PA~
a segunda vez, faz melhor. À
S vezes no cam ' .
etc.) que permitem a interação, construtora de conheci- t
mu1a d o, meus criativo. des
-
l . po e mais esti-
mento, do mesmo modo as assimilações adaptadas ocor- n_ ' . envo ve COlsas ·
ao... matarpassarinho ___ "A proreasor r CJ.ue na cidade
a universitária de
rerão de forma cada vez mais precária, ou simplesmente

187
186
pra mim é inteligência aliada ao desenvolvimento mo-
. lunos de classe média, predo- tor... e acho que aí traz um atleta, ou um superatleta. E
história , ensInando
, d·para .a
baixa a fiIrma que.· "A· criança co- ele (Pelé) teve a felicidade de ser o que é, é um caso raro.
minantemente m~ . la ' . s diferentes. O processo
nhece do mesmo ]eLto, mas coisa Acho que é aliada à inteligência dele com o desenvolvi-
e, o mesmo " · , pinião mento motor". Acrescenta a professora dePristóri a, de
sar mais no entanto, e a o . colégio de periferia: "Observo que os grandes atletas vêm
O que parece pe , · · . ., s de três pro-
. A panhemos as oprmoe da favela, da vila". Continua o professor de educação
pró-dIferença. co~. . . A rofesso r a· d e educa- física: "Mas esportes assim de coletivo, volei, basquete,
fessores em entr~vls~ac~etIvade ~olégio de periferia,
acho que esse aí é da .classe alta, mas todo mundo
ção físic~ de .Pnroe:zro fa~:Zd não se alimenta como a consegue se desenvolver se o pai levar ele a se desenvolver
afirma: :A cnança, ~ de classe alta acho que desde desde pequenininho. Mas, pra mim, Pelé é a inteligência
criança de classe média, ou . /0"
. O professor
aí já começa ~ ?-iferença. en~re u~a:o~:ro~smo colégio, com o desenvolvimento motor aprimorado. Hoje, em fu-
tebol, _ não sei como é que estão jogando, porque não tão
de educação flSlca de prn,>-el::: mais desenvolvida que jogando nada".
diz: "Na área. moto~a, e a.e m tivesse uma boa alimenta-
a outra e seria mutt~matss~ ducação física: "[Acrian- o máximo que se consegue neste jogo que atribui ora
ção'?Cont.inuaa p.ro-". essodra e e lvimento motor mel.hor ao desenvolvimento .motor ou -ao componente genético
Co 1] t m um. esenvo. Cf . ' •
ou até. à-inteligência como algo dado, ora ao meio o
ça daJ.ave a . e . .. . uem. a artamento e a da uila
porque a da', c Ldafcde r;:;~:la bri~cadeirade tapa, anda desenvolvimento: do conhecimento, é atribuir à soma
mora em casa e az .A .' novas Mas se a de classe (ecletismo) ·destes fatores-a responsabilidade pela .gêrie-
.
muito so a,
lt tem experl,encl,as
.. . ·
limentação que tem e o se do conhecimento; longe se está de dialetizar os fatores
média m. or.asse em casa~tl,vesseao· '.·m·.erendaido colégio e genéticos e os dorneíoe v:er sarrdaf sínteses que supe-
d nao . ., . . . omesse --come s . . . . ., rem indefinidamente os fatores originários.
fave 1aO c . . . não alimenta porque nao tem
mais alguma coisinha- qur média seria muito melhor A professora de arquitetura, lecionando para alunos
proteína - claro que a d~e~~:~to até o desenvolvimento predominantemente de classe média, afirma: "Asexpe-
em tudo, desde o con, . . arte motora porque ele riências são bastante diversas da criança da favela eda
motor. O rioseo (~luno): bom na ~do fazendo atividades criança de classe média. Agora, os meios de comunicação
vive pel.a rua, brmc:n .~ .. ::;:and~ que mora em apar- estão mais avançados. [Embora] às vezes, não tenha
naturais: mas se c e ci a teria muito mais condição que acesso a certo tipo de conhecimento, por exemplo, escolar,
tamento morasse"" ctSfimentada". Retoma o professor mas acho que capacidade eles teriam". A professora de
uma pessoa qu~e m.<;a.. .. is ue moram em aparta- Primeiro e Segundo Graus, atendendo a alunos de classe
de educação fíSIca: MUl,toslPaqem algum clube para média, também afirma .a diferença: '"~ criança favelada
os .filhos e co ocam ... ,
menta pegam:. ! ." bol bas uete,· voleibol ou ate, também conhece, mas é outro conhecimento. Ela aprende
treinar a nataçao, lute bd-lho de
quando peque,,!,o, um t~a .p.ara Fazer um trabalho de
estimulação precoce. outras coisas... malandragem... Ela tem interesses dife-
rentes, tem outra visão de mundo. Para ela, aprender tem
L e~a m para uma c l,tnica . J' • 1 que sentir identificação com a coisa. Matemática é mais
. ., _. " "Pelé explica-se pelo meio ou pe o
esttmular;,a? pr~~oc~. . fi rte em genética, mas acho que difícil na vila.. Se ela se alimenta mal, ela se preocupa
fator genetIco~ . Nc: o~o~ o a a palavra a professora de primeiro com a barriga. Para ensinar, tem que adaptar
o ensino às condições do meio (favela, meio rural). A
tem fator genético .· : oro. · ra mim não tem genética;
educação física: "Eu nao set P

189
188
criança pobre pode demorar um pouco mais. Às vezes,
tem problemas de nutrição, não tem ambiente de estudo material. Todas essas coisas pesam fazem p t d o

grande componente, não dá par ' . ar e .e um


em casa". favelada' n - t . a generallzar,· a crlança
ao em, a criança de classe alta tem D d
Não se pode afirmar que estes depoimentos errem em que condições de convivência l ' epen e
fi
o

no diagnóstico cognitivo de crianças originárias de dife- familiar. [A afetividade tem] mu °t a ta no seu meio
rentes contextos socioeconâmicos. O que acontece é a desenvolvi'?!ento não só na relaç;o~;;Jfil~o~roce;so de
falta quase total de uma visão geral do problema. Difi- uma relaçao boa então ele mostr o se e e tem
cilmente um docente considera os fatores hereditários e cresce, ele não tem medo de errar e~ o seu cad~rno,_ ele
os do meio ao mesmo tempo. Considera, num momento, relação professor/ aluno. se el ' _ e se mostra, entao a
o o

os fatores do meio, noutro, os fatores hereditários. Não se ele tem medo do profe l e nao gosta do professor,
há uma instância conceitual - de totalidade, pdrtanto- na aprendizagem E ss~r, ~ e tem medo de se arriscar
· ... aSSlm e com o p . ..
que possibfliteLntegrar .a ambos, mobilizando-os num demais, .se obriga que ele tem u . ai, se o _paL ex~ge
sentido de- múbuadeterrrrinaçãotaem a hereditariedade com uma sobrecarga, emotiva q e.tpass a r, entao ~.le fica
de nada vale o meio; sem o meio a hereditariedade . l . mui o grande em c d
SI, que ta vez não consiga vencer" "Ent- .' .l"!a e
sucumbe. Porque o professor não dispõe desta totalida- pode aparecer como fator d. .o .ao a afetIVIdade
de conceitual, isto é, de ·teoria que·o ·torne capaz de processo?" t~;claroIUmaafeti~l:t:r::or ou inibidor do
pensar a complementaridaderadical destes fatores? Por venha corresponder realment t bem. trar7:sada, que
que a "academia" 'não discute este problema para além vai encaminhn». »rum. lado. e "". ermo afet LVo:. né, só
do curaodegenáticafDu será que este é-urn problema obrigator.'ie. dade,d.e . ·.co .' . Pdosttwo. Se ele serztir: uma
,} ....' . . rrespon er bem aqu l h.i ".
que só interessa a alguns iniciadps, aos geneticistas? Ou, recebeu 'õtimono cadern l . '. . e. a lstorla,
quem sabe, é este um feudo do neodarwinismo ... vai coritiruiar.n see~forç::;sÚ~et~~ .sen;z.r estimulado ele
outro (õtírno)",: -- . . . ..' OLmo vaL trazendo um
A professora 'de primeira série de' Primeiro Grau de
colégio de periferia afirma,também,a diferença, mas Apesar de. as respostas dos docer t .,
introduzindo um elemento causal novo: a afetividade em mais par'ao sujeito era mais para.o obje~S ~end~rem ora
detrimento do fator socioeconômico, embora reconheça no entanto, uma compreensãod. .. o~ _eno am elas,
a importância deste. "Ahl Isso depende não de a criança na construção do conhecimento e ~s condIç~es objetivas
ter nascido na favela, mas das condições que ela tem; ela to mais crítica do queví h. a aprendIzagem mui-
pode ter nafauela condições mais harmoniosas do que Levanto, por isso, a hipót:~e~eacontecendo até agorao
uma pessoa de classe alta; não adianta ter nascido num espontaneamente daorí em d que o professo- ao falar
grande lugar se de repente ela foi criada com desprezo, ta-se empiristicamente Xo··
o ~on~ecImento compor-
com distanciamento; ela também vai ter dificuldade, ter zação empirista res ~. pe:rc~. e.r alseada sua teorí-
um outro nível de problemas: a criança pode ter todos os excepcionalment~ dePf::rd e aprlO~IstIcamente ou até,
brinquedos masnãosesentegostada, não se gosta como perante a realidade que se~:s~n~tIsta..A? ser colocado
pessoa... o meio econômico é claro que influencia. É claro seusolhos,da ual · · ? ra cotIdIanamente aos
que tu não vai pedir pra uma criança mal vestida, mal letizando os co~po~:-:~~I~~b~tI;amente'ore~ponde d ia-
alimentada, num dia chuvoso, toda molhada, que ela a tônica das respostas a' ~e IVOS e obJetIVOS. Esta é
presente pergu t V·
permaneça nas mesmas condições de aprendizagem que resposta da professora de sét.i . n ,a: ejarnos a
outra que veio seca, veio limpa, veio alimentada, que tem de periferia: "Aprend, lIma e oItava serre de colégio
er e a aprende do mesmo .jeito,

190
191
agora o tempo que ela leva pra aprender é diferente. É def!ciência física, d~!ici~ncia de aprendizagem, um QI
bem mais demorada, é uma coisa aseim, porque daí já baixo ou u~a deficlencl.a genética e não de aprendiza-
entra o problema da alimentação; é uma criança que já gem, do meto que ela tnue ou de oportunidade que ela
não tem uma alimentação adequada, então, ela já tem teve". A professora universitária de estatística, lecionan-
problemas físicos, digamos assim, então ela até aprende, do para a.lurios de classe média, diz: "Não, embora para
mas não seria no mesmo "espaço de tempo porque as certas COlsas eles (alunos do meio rural) sejam mais
condições não são as mesmas, os recursos não são os avançados, se safem melhor, em termos de luta pela vida
mesmos de uma criança de classe média ou de classe para a aprendi::,.ag:m, não. A realidade deles é tão dife~
alta". Pode-se traduzir esta resposta assim: a criança ren!e (e~ relaçao as crianças da favela). São distintas
d . ,
A

desfavorecida economicamente tem condições de apren- aV1,venC1,a é ma .


Zas. A que-Z· 1,S re uzzda, embora sejam mai-s tranqüi-
der , .mas enfrentará mais dificuldades do que a criança . o .que trazem de d t d
·
resto da vida", eri ro esua casa fica parao
de origem abastada. Isto é, a pobreza não compromete
necessartameute sua bagagem genética, embora as con- Embora. certas mistificações como a afirm -
dições objetivas dificultem sobremaneira a concretiza- r'alíz .·d d ." . " . .. .. açao gene-
.. u.: e. nOffi..ero rur.a.l. se come bem"
a.· a . e. q .d
ção do desenvolvimento e da aprendizagem possíveis. caso d d t .. - b · , quan o
.. ... ~ .. e esnurlçaoqueelram o limite da sobrevivên-
O que diz a professora de terceira e quartaséríes ·de c~a sao encontrados .no meio rural, em zonas de latifún-
colégio de periferia? "Depende, elas vêm de dois meios dlO,~arecehaver umá certa verdade de que o meio rural
diferentes, duas experiências diferentes, bagagens dife- n~ RIO Grande do Sul, s?bretudo em zonas onde predo-
rentes. Comer: no 'meio rural se come bem; aqui, também ~Inam.apequen~ proprIedade, propicia uma a limeritn.,
se come bem, então elas vão ter a mesma capacidade de çao ,maIs.farta que na periferia urbana. Com certeza
ter essa aprendizagem, mas elas vão ter mais capacidade porem~t:m-s.en.esté~eiomuitomais condições dees~
pra coisas que elas já vivenciaram... mas a criança do truturaç~odoreal EobJ~to,espaço,tempoe relação cau-
meio rural vai entender, vai saber, vai participar; já a sal) do que na favela e InclUSIVe do que na classe média
do meio urbano como ela não vivenciou aquilo... vai ser urbana q"?e ~ora em apartamentos e tem certo acessO a
grego. Depende basicamente da experiência que elas praçaspu~hcas. ou parques. Aqui o espaço é extrema-
tiveram que elas vão. ter facilidade para determinado :nen~e!Imltadoeo acesso pela criança à maior parte dele
conhecimento". "Se uma criança do meio rural vai desde e prOlbI~o, co~o o é também o acesso ao local de trabalho
recém-nascida para o meio urbano e vice-versa... as duas does) p~I(s?La.o.espaçoé amplo eo acesso.àatividade
quando crescidas terão a mesma capacidade par~ apren- dos p ars e fa c!lItado e progressivamente solicitado.
der?" "Essa pergunta é sem-vergonha! Aí que tá. Eo meio Com? o conhecImento, em. qüalquer nível, depende da
que ela tâ. Se ela foi recém-nascida, ela vai trazer a carga qualIdade da construção das categorias do real ocorrida
genética, só. Então (vale) a mesma resposta da pergunta n? per~o~~ sensóroio-motor e prolongada no si~bólico, a
anterior". "Qual a importância da carga genética?" dISPO:~llbIhdade dIferenciada de espaço tende a determi-
"Olha, geralmente a gente percebe mais a carga genética nar. dIferenf~s na qualidade da construção destas cate-
se o aluno é deficiente. A questão da inteligência ainda gorIas, facIlIta~do ou comprometendo a construção
hoje é muito polêmica. Uns nascem com mais inteligên- futura ~'O conheCImento. FaCIlitando ou comprometendo
cia, uns desenvolvem mais inteligência. Então eu fico a capacidade de ~prendizagem na sala de aula.
meio na dúvida, a não ser quando a pessoa tem uma

192 193
o advogado e professor de direito afirrna: "Não. O meio. O conhecimento não se reduz ao biológico. Sem o
conhecimento não é um neg6cio biológi~o. E um processo componente biológico, no entanto, não há conhecimento.
social. Pode ter concepções acerca da uida completamen- A psícogênese cognitiva se inicia com o exercício dos
te diferente da outra. Pode sen~ir e perceber as ,cmsas d~ reflexos. O conhecimento é, portanto, nos seus primór-
uma maneira diferente. Tudo "lSSO ao meu ver e. conheci- dios, manifestação desta organização - os reflexos do
mento. Ele conhece o universo de uma f or m.a d"lferente .e recém-nascido - que sintetiza em si milhões ou mesmo
pode nomeio da cultura letrada conhecer diferente. Po:s bilhões de anos de evolução da vida neste planeta. Em
veja se ela (a criança) cresce com eles, mesmo que ela nao seguida, porém, const.ittri-se o conhecimento comosfrrte-
· 'de'b;l mental acho que a tendência é que ela assuma se desta organização e do meio físico e social operada
seja " -- , -, d . h ' O d-
o comportamento semelhante dos !!a ""': os .. pa rao. pela ação complementarmente assimiladora e acomoda-
:I
de normalidade vai ser esse. Ela nao v.,a"l irüuir 0 nada dora .do sujeito. Assim, o conhecimento, mesmo nos
um comportamento, uma condut~ dwer~a ate porqu~ estágios mais' avançados das operações formais, conti-
esse comportCLm~nto, esse conhec"lm:nto e um ~onhec"l­ nua a manter um isomorfismo com a-organização bioló-
mento determina.-do socialmente. ,Na;o .quero dieer com gica. Reduzi-lo ao biológico ou às co mp o n e n t e s
· que o filho do débil mental e debumentoi. mas se ambientais constitui os equívocos do apriorismo, de um
1,SSO - - ~." l tenha
viver com os pais dele, a ten'!encLa: e ~ue e e lado,e do empirismo, de outro, equívocos que Piaget não
o-

-
atitudes semelhan,tes. Se ela vwer nao. so, mas fUlJdCJ:- cessa de denunciar.
mentalmente,Oa forma de almoçar, de Jantar, ? proprio "Mas serecordamos,com o biólogo, que a diferencia-
processo· de identificação. Agora~ põ~ ~ssa criançà ria ção embrionária dos tecidos comanda toda °a anato-
de uma familia que não seja débil rnerita], se ela mia"adulta, deixa.r-se-á de considerar o estado larvar
casa - ,t.o --- - , b· l' . h que o
não tiver problemas de ordem 1,~ ogtca, ac o - dos.conhecimentoacomo situação sem significado
processo de comportamento,aprend"lzac!0 de conduta, de teórico e se utilizará o método novo de análise, que
atitudes vai ser diferente porque ela uai ter outrosmode- a psicologia, genética oferece como instrumento su-
los". plementar de informação epistemológica: instru-
A explicação deste docente tende clarame~t: para mento indisp-ensável no caso das questões mais
uma explicação empirista: mudando-se as eorrdições ob- gerais, pois essas se referem às noções mais-primiti-
· t· mudam-se automaticamente os resultados da vas, isto é, precisamente as mais acessíveis à pesqui-
Je rvas, · - t
di
apren lzagem. APSI-CO-gênese
- - plagetlana nunca- assen
P da aa.geriétdca" (Piaget, PE, 1973, p. 49).
a força do processo num único pólo da relaçao. o e Do mesmo modo, a professora universitária e de
acontecer que o filho de débeis~ent,aI~ao ser tr,?-nspost~ Segundo Grau de história natural, trabalhando com
para "uma família que não seja debIl me~tal ,pode:a alunos de classe média (tendendo para média alta),
sentir-se a tal ponto deslocado (fator afetivo? que nao dialetiza pouco os fatores envolvidos, pendendo mais
_rrá avançar na construção do conhecImento. A para os fatores ambientais: "Não, porque eu acredito que
conse gu ' '" -
relação sujeit%bjeto é dialética e não mecanlca. o meio influi muito' sobre a aquisição do conhecimento,
Além disso, este docente afirma que "o conh~ci~e~to tanto é que eu disse que conhecer é identificar aquele
não é um negócio biológico. E um processo soci al · Pia- mundo que nos cerca. Então o mundo de uma criança da
get, ao contrário, pensa o conhecimento como o processo favela, aquilo que a cerca, é muito diferente, sob certos
mais especializado de adaptação de um ser qualquer ao aspectos, daquilo que cerca uma criança de classe média.

194 195
Então o conhecimento será mais focalizado para alguma ela não está preparada, mas em contrapartida ela o está
coisa. E da outra criança, vamos dizer, privilegiada, muito mais para outras habilidades intelectuais, para
para outras coisas. ~ aí-somam-se experiências de vida C?utros tipos de comportamento, de conduta, de ação
desde pequeninho. E mais uma experiência do que o Lnteligentes, habilidades essas que se desenvolveram no
conhecer que leva ao conhecer, à descoberta das coisas". meio próprio e (de) estímulos que ela recebeu. Agora, se
Volta esta docente ao modelo empirista na medida em esses processos e operações mentais diferem da criança
que carrega a importância do meio e .reduz o conheci- da-favela para a criança de classe média, aí a minha
mento à identificação deste meio e ao somatório das grande dúvida. Eu realmente não conheço num nível em
experiências-arquivadas desde pequeno. Pelo que tudo q'!e essas ~iferençaspodem se dar. Dei respostas que não
indica, "experiência" aqui significa "vivência" e não-ação_
e abstração a partir desta ação ou da coordenação de
sao.da m." n h a Iormoçao, mas parece que pesquisas vêm
se'}-do. felt(Lspo,: ai e sobretudo constatações têm sido
ações. E conhecimento é identificação (cf. princípio de feitasde mecaruemos de aprendizagem. Talvez se dêem
identidade da lógica aristotélica) e não-ação e abstração po,:qutro~camin!ws.(Quanto à criança do meio rural)
(empírica ou reflexionante) incluindo tomadas -de cons- deixando em aberto essa possibilidade de haver meca-
ciência; é, portanto, identificação e não-operação. Mas, nismos de aprendizagem que eu desconheço, falando
de .qualquer jeito, acredito que esta docente estápróxi- segundo os parâmetros... (de)minhà graduação, (em
ma, muito próxima de um salto qualitativo na direção que). me formei e aprendi, eu acho que num nível lá do
de urnaepiaternologiacnítica: os elementos estão dados, intf!lf!cto,ospropessos são os mesmos. Acho apenas que
falt.a.di.alefizá-Ios. Com que teoria? a,s:p,p·rendizagens, a "aquisi:çãodo conhecimento, vão ser
A professora- de teoria da arquitetura, com mestrado matizadas pelo ambiente, pelo tipo. de estímulo, pelas
em educação, diz: "Ela (a criança do meio urbano) não experiênc~(;xs dela nomeio rural, que são cada vez mais
conhece devido ao. contexto... em que ela vive, não que diferen te Si do meio urbano".
necessariamente ela-não tenh-a condições psicológicas ou . 1'l:lIIlb~m este docente expressa, de forma per'spicaz,
neurológicas para aprender... [A criança do meio rural] a suspeita de que existe algo que ele desconhece - que é
tambémnão{conhece] em função do contexto, mas talvez precisamente a organização biológica herdada com toda
esteja mais. beneficiada a .niuel ambiental, a nívelecoló- suá estupenda e extraordinária complexidade - e que
gico, do que a do meio urbano pra aprender". falta aquívparn que sua teoria atinja um patamar de
O professor de geografia humana para o curso de maior consistência. Por isso, acaba retornando à expli-
história, advogado e escritor de livros didáticos afirma: cação pelo estímulo, pelo ambiente, à explicação empi-
cc••• vou falar de forma leiga e curiosa... a criança carente, rlsta,---enfi..m~Tenhocertezaque se este .docente tiver
como se corisagra dizer, aprende de maneira diferente, acesso a um mínimo de informações nessa área, cons-
pessoal, cuja aualiação, inclusive, deve ser feita segundo truirá rapidamente uma explicação interacionista.
parâmetros diferentes da criança de pequena e média A.companhemos este professor (P) enquanto contra-
burguesia. Já li vários artigos. Uma das dificuldades da cena com o entrevistador (E):
criança carente, a qual encontra dificuldade na escola,
E -, A criança nasce e se cria na favela, ela conhece
acaba sendo rejeitada e depois vai pra repetência e acaba do mesmo jeito que a criança de classe média?
alijada, na nossa escola elitista e elitizante porque ela é
cobrada a dar respostas... segundo padrões para os quais

196 197
p - ~~É óbvio que não". E - A criança do meio rural aprende do mesmo jeito
E - Qual é ...? que a criança do meio urbano, independente do conteúdo
que ela vai aprender?
P - "É outra percepção social nas coisas que vão ser
repassadas para ela. Começa pela própria família dela; P - "Ah, isso eu também não tenho certeza, acho que
a criança que mora na favela, os pais vão vir da classe não, até como experiência de vida diferente, elas devem
com cultura mais baixa, um menor nível cultural, e com ter uma forma de aprendizagem particular também".
outras preocupações e necessidades de um pai de classe O professor CP) de bioenergética, com pós-doutorado
média. O que um pai de classe média se preocupa em em neuroquímica, responde, contracenando também
passar para o filho? Ele se preocupa em passar para o com o entrevistador (E):
filho ... o lado cultural, procura incentivar a criança, ir E - A crfariça que nasce e se cria em favela conhece
ao teatrinho, procura desde os 4 anos mostrar livrinhos do mesmo jeito que a criança de classe média?
à criança para incentiuar a leitura, comprar brinquedos p - "Isso é difícil responder. Um problema funda-
pedagógicos; toda aquela história. Enquanto que a preo- mental para o aprendizado é a nutrição infantil. Uma
cupaçãodo pai da criança da favela é que ela não morra criança desnutrida até os 2 e 3 anos de idade pode ter
de fome, feito isso ele já está muito satisfeito, muito feliz. lesões,psíquico-rnotora-comportamentais-neurológicas
Então vão ser dois enfoques diferentes. irreuerstueis., mas por outro 'lado, se tu pôr uma criança
Acho que o conhecimento prático da criança dafave- de Z'anos, família classe A, educada em colégio de freira,
la muito máior que o de uma criança da classe média.
é bater .urna: carteira para ver o que acontece; já um pive-
Se tu largares um gurizinhode 5 anos dafavelana Rua tezinho de 7 anos e capaz de roubar um saco. de batatas
da Praia,ele se vira, não morre de fome. Agora, pega de ,60-kg. Eritão muito difícil dizer, porque os padrões
é

uma criança de classe média, da mesma idade, e larga de.aprendizado são determinados pela classe- Are B".
sozinho na Rua da Praia. Se rii ng'uérn tomar conta dele, E -.Ea criariçadomeio rural aprende,domes:mojeito
certamente ele vai morrer de fome, frio ou de qualquer que a .crâança do rneio urbano?
outra coisa".
P - "Vamos colocar o seguinte: temos ,que partir do
E - Agora mudando o enfoque: Uma criança do meio princípio que a nutrição é igual, se não tens um compo-
rural aprende do mesmo jeito que uma criança do meio nente biológico que hoje está cada vez mais bem demons-
urbano? trado, quer"dizer, uma criança clásse Aque fica 5 ou 10
P - "Acho que não, porque acho que o 'em torno' minutos sem oxigênio na hora do parto, nasce com retar-
influencia muito no aprendizado. Uma criança do meio dornental. O irmão dela que nasce um ano depois ou um
urbano [não sabe] nem o que é uma vaca, muito menos ano antes sem'... (gravação incompreensível) porque teve
como se ordenha uma vaca; um outro tipo de conheci- uma lesão cerebral. Não vamos' entrar na medicina,
mento. Agora, por exemplo, uma criança do meio rural vamos imaginar que a criança rural e a da favela e a que
não sabe o que é sair, às 5 horas da tarde, no meio de um vive em Assunção (bairro classe média alta de Porto
trânsito que enlouquece todo mundo, cheio de fumaça. Alegre), têm o nível nutricional que não dê lesões bioló-
São duas verdades diferentes". gicas. Eu acho que uma criança do meio rural e da favela
acaba .aprendendo mais, porque ela tem uma interação
com o meio ambiente menos pre-conceituosa, ela é mais

198 199
solicitada para a vida, ela tem obrigação de ser mais
independente. O contato c?m a natureza; issC? é '"?"
,
.

~~
:1.:
.

i~
.•.•
,...• •

sempre lendo, sempre se renovando, sempre se atualizan-


dop, a conversa dela tem o que se tirar de proveito, a
ficção mais filosófica que cientifica ou mais peicologica criança que tâ naquele meio, ela vai ter mais condições
que filosófica. A criança do meio rural interage com a de ser inteligente, esclarecida... acho que é tudo através
natureza mais que a criança do meio urbano. Acho que de estímulo". "Se são débeis mentais... ?" "Pode vir a ser,
o meio natural é ainda uma fonte de aprendizado de mas não quer dizer que a criançaoai ser".
maior conhecimento; em princípio a criança do meio É inequívoca a linhaempirista deste docente: "é tudo
rural aprenderia mais". através de estímulo". Resta saber como o sujeito assimi-
Na medida em que as explicações . ignoram a função la o estímulo e qual o impacto que este causa naquele.
da assimilação (Piaget 1978), isto é, a da organizaçã_o Aprofe'ssora de primeira série de Primeiro Grau, 25,
biológica, herdada, tendem a reduzir-se a explicações diz: "Não-necessariamente. A questão da inteligência é
empiristas. Quando se traz à tona condições biológicas mais aspecto cultural:i. Por que geralmente os alunos da
que funcionam como condições prévias que p~la sua UFRGS .são de classes abastadas? Pela convivência que
característica negativa impedem que o conhecimento eles, têm, têm acesso 'às melhores escolas, às melhores
aconteça, a explicação empirista é; então, relativizada. informaçõés,o nível cultural deles, até a conversa de fim
Tais fatores são a desnutrição que "até os 2 e 3 anos de de semana, de amigos... têm acesso a coisas diferentes
idade pode (causar) lesões 'psíquico-motora-comporta- que possibilitam a ele ter melhor nível de conhecimento.
mentais-neurológicas irreversíveis" ou oret.ardoment.al A conversa, a convivência influi, a informação é maior.
porque a criança ficou "5 ou 10 minutos sem oxigênio na a acesso 'a informações é maior. Geneticamente há gran-
hora do parto". Tais condicionantes biológicos, no entan- de possibilidade que .sejam (débeismen tais crianças de
to são postos em paralelo, ou superpostos, com os fatores pais débeis mentais).·E se, nãofor a influência, como eu
amb'ient.aia, O passo seguinte - e que passo! - é dialeti- falei, a convivência, o assunto, a argumentação, se ele
zá-los , isto é , sit.uá-los como radicalmente complemen-
. ficar restrito em casa ele pegará uma série decomporta-
tares, como mutuamente determinantes: dater-minação, mentos que o pai ou-a mãe têm dentro da vivência deles.
no entanto, que é função da ação do sujeito. Então, de repente, uma série de comportamentos que ele
acaba adquirindo. Daria 25% x 25% para o fator genético
e o do meio... (e os out.ros 50%?) Para atividades de sala
2. INTELIGÊNCIA E HEREDITARIEDADE de aula, interesse, preparação 'do aluno, tem coisas aí,
um pouco deles, um pouco do aluno, um pouco do am-
Se os pais de uma criança são inteligentes, ela tam- biente escolar, do trabalhodogrupo, do que é propiciado
bém será? Se os pais são débeis mentais, que comporta- a ele".
mento manifestará a criança? Por quê?
Esta estranha atribuição.de causalidade faz com que
Visa esta parte da pesquisa melhor clarear as rela- caiba ao sujeito (hereditariedade) apenas 25% e ao meio
ções entre hereditariedade e meio, nos depoimentos dos ("meio" + atividades de sala de aula, etc.) 75%. Será um
docentes, como fatores determinantes da psicogênese. ensaio interacionista ou um empirismo velado?
O professor de educação física, 34, diz: "Não ,!ece~­ A professora de Primeiro Grau, 28, diz: "Não neces-
sariamente, mas acho que estimula uma pessoa inteli- sariamente. Eu já tive aluno que era filho de professor,
gente que vai ter o hábito; a pessoa inteligente está filho de psicóloga, e era um desastre... Mas a origem da

200 201
classe tem a ver com inteligência, geralmente. Eles têm repetição ou cópia; deve ser identificada como ação com-
mais acesso ao conhecimento, pelo cinema, etc. Eu tenho plementar à ação assimiladora, constitutiva da inteli-
alunos ótimos que os pais são uns débeis mentais. A gência, portanto.
criança é legal; ruim são os pais. Não sei como acontece, A.professora de Primeiro Grau, 25, diz: uÉ o que eu
mas é assim". lhe disse antes. Se ela nasce de pais inteligentes mas não
Esta descrição apresenta um fenômeno contraditó- for estimulada, acho que ela não vai ser mais inteligen-
rio. Numa visão linear, ele não tem sentido. O docente te". "~ capacidade genética não faz diferença?" "Não
reconhece que não encontra explicação, pois, como o filho acredito. Acho que é questão de oportunidade, de interes-
pode ser diferente dos pais, ainda mais pelo avesso. Eles se de: criança de querer aprender, sentir necessidade,
são ótimos e os pais débeis mentais. Se o desempenho sentir gosto pelo saber, pelo aprender, buscar mais. Mes-
cognitivo dependesse apenas da hereditariedade, este mo que exista uma pequena diferença, é muito mais da
fenômeno seria.insolúvel ou negaria a teoria. Mas, como pessoa. Pode ter pais burros, mas se ela tiver outras
ele é produto da interação do sujeito com o meio social vivências ela vai... " "E pais débeis mentais... ?" "Olha, aí
em que vive, no qual se incluem os pais... a explicação q~e tt!',se a debilidade mental dos pais for passada
vai, então, por outro caminho. O próximo depoimento geneticamente pros filhos, é claro que vai, né. Se o filho
pode ser incluído aqui. não tiver a carga genética atingida, e for colocado no
meio de estímulos, de aprimoramento, ele vai conseguir
A professora universitária de história, 39, diz: "Lsso
acompanhar qualquer criança e vai até superar; nada a
é uma dúvida para mim. Eu me considero inteligente e
ver, arelação com outro se ·não afetar a carga genética,
os meus filhos já rodaram no colégio. Foi um trauma
se ele for colocado num meio em que tem estímulos
para mim. Tenho amigos que são inteligentes e a filha é
normais.como qualquer outra criança". "O que a criança
uma débil mental. Aprender todo o mundo aprende, mas
faz no dia-a-dia -tem influência na sua inteligência?" c'A
tem gente que consegue manipular o que aprende com
criança... vai estar experienciando, estar respondendo,
brilhantismo. Eu vejo que existe, mas não sei como
vai e~tarinicianC!0o seu processo de aprendizagem; acho
funciona. Por outro lado, conheço pais que são uns tro-
que I,SSO tem muito a ver com o desenvolvimento da sua
lhas e os filhos são brilhantes. Afinal, isso não é heredi-
inteligência. Acho que inteligência é muito uma questão
tário".
de desenvolvimento gradatiuo, diário, evolutivo, com
A professora deodontologia diz: "Urna grande ques- estímulos apropriados; acho que é isso que vai dar maior
tão é: 'Como se avalia a inteligência?' Se o pai é culto, o desenvolvimento da sua inteligência, e conseqüentemen-
pai lê, o filho fica pensando: 'Eu. vou ler também!' Inte- te maior conhecimento, aprimoramento, aprendizagem,
ligência seria a capacidade de resolver problemas de e é aquela, roda que vai girando, girando, vai aumentan-
forma rápida - tenho dúvidas... não sei se inteligência é do até chegar nos níveis mais avançados".
isso... As provas em sala de aula são com tempo fixado.
Interrompamos aqui este depoimento. Parece que
O aluno não tem o tempo inteiro. Quem resolve as ques-
esta docente concebe a hereditariedade como um dado
tões durante o tempo estabelecido supostamente é mais
compacto sobre o qual incide o meio (estímulo), determi-
inteligente". .
nando ,o conhecimento. O meio é totalmente versátil· a
A imitação é uma forma de ação privilegiada no hereditariedade, nada. Vejamos se o depoimento não
período simbólico. Ela é o próprio esforço acomodador confirma isso.
neste estágio. Não pode, entretanto, ser confundida com

202 203
"O caso dos filhos criados com chimpanzés. Por que líbrio a respeito de suas pseudocertezas: "eu vou ficar
o macaco não fala e a criança sim?" "Porque o macaco meio no ar", "tenho que estudar mais". O que a escola
não tem cordas vocais apropriadas da fala. Também o fez durante todo o tempo que esta docente nela perma-
QI dos macacos, que eu não sei se ele consegue através neceu? Por que não lhe fez estas perguntas? Por que não
de estímulos apropriados desenvolver o mesmo potencial lhe deu informação a respeito?
que uma criança. A gente sabe que ele não tem cordas A professora de estatística, declarando-se com idade
vocais... " "E por que a criança aprendeu a falar?" "Por- entre 35 e 45 anos, diz: "Sô se a' debilidade for devida a
que ela ouve falar; a mãe diz mamã, papá. Então, é o algum fator genético. Mas o fato de ser inteligente, não.
estímulo que ela recebe que... ela vai desenvolvendo, ela O fato genético se aplica para 6 lado da doença, não da
vai .estimulando, é... basicamente .o desenuoluimento, inteligência. Nem sempre os gênios têm 'pais gênios, ou
experienciação, desenvolvimento, e assim vai". "Mas o dão força para a genialidade",
macaco também tem o aparelho fonador... " "Não sei te A professora de sét.irna e oitava séries, 28, diz: "Não
responder a esta pergunta. Quem sabe tu adota um .~.: até; tem' ostestes 'deQI, mas não acredito que a gente
chimpanzé e a gente conversa... " "Qual então a diferença possa medir a inteligência de uma pessoa; têm pessoas
entre o recém-nascido chimpanzé e o recém-nascido que podem serignorarues e são superinteligentes. Isso
criança?" "Tâ aí uma coisa interessante, dizem ,que o naoquerdizer que se os pais forem. inteligentes, elas
homem descende dos macacos, né, mas seria interessante serão inteligentes, pelo menos no código genético; pelo
deuerqual éa carga genética do homem e do. macaco; se c

menoseú 'nuncá estudei que a inteligência étrarisporta-


eles forem submetidos ao mesmo estímulo, eles vão con- da a tra oé« das células". "Se não é t.ransportadaatravés
seguir;pra mirre.até hoje esse negócio de o anirnalruio das células, de onde e que ela vem, então?" "Pramimé
falar seriapelas cordas, uocais; ele não consegue... Acho doidesenuoluimento que a criança tem desde-que ela
queessa.atetc vou. ficar meio no ar. [Adif~rença deve-se] 'nasce, . .queos pais vão desenuoluendo as habilidades
basicamente aos estímulos, ao meio, ao modo pelo qual nelas e, sei lá, é desenvolver ashabiiidades nas crianças,
elas são estimuladas. Tenho que estu.dar mais, não sei acho .que elas têm um futuro bem rriais-promiesor que
realmente te responder-Basicarnente o aparelho fonador uma criança que nunca teve nadaisiesenuoluidoriela.
e asexperiências a que cada umé submetido. Eaçarga Agora, é bem aquilo: inteligência eu achobemciificiide
genética: do macaco que eu não sei agora como fica essa se-medir; de repente tu pode ter condições de .apretuier, e
relação. Porque o homem tem um gen... Eurião estudei eu' não ter condições de aprender, e eu me saio melhor do
zoologiaç biologia, então eu não sei te dar como eu vejo. que tu, entende? Então eu' não seiatéqueponto se pode
Pra rnirri fica uma interrogação". medir a' inteligência: tu foi' bem desenvolvido, teve uma
Trata-se, de fato, de um empirismo radical. Subme- boa alimentação, teve um nível bom devida, eu não tive
tidos aos mesmos estímulos, macaco e homem deveriam e aprendi. Então será que dápra medir a inteligência?"
dar asmesmasrespostas. Se não, é porque o macaco não "Débeis 'mentais?".~~,doença débil, débil de doença?
tem cordas vocais. Então, por que ele não aprende outra Bom!"~Não' necessariamente de doença?" "Cientifica-
forma de manifestação simbólica, como, a escrita ou o mente, ela , até tem chance de não ser débil mental de
desenho? Será que desta vez é porque ele não tem o dedo doença, a pessoa imbecil de doença... mas tem 75% de
opositor? No entanto, basta urna entrevista, algumas chance de ser débil mental. Como é que eles vão agir com
perguntas, para que esta professora entre em desequi- a criança é que eu não sei". "Se não for transmissível,

204 205
você acha que ela vai ficaI débil mental ou não?" "Se for do meio para que a aprendizagem se realize. Ou seja, a
criada por pessoas débeis mlj!ntais~ n.0rmal é que ela não forma do conhecimento é a mesma, o conteúdo é diferen-
uai ser. Não digo que ela uat ser débil mental ~orqu~ ela te. Isto é, como forma ou fatores subjetivos e conteúdo
não tem no c6digo genético dela... mas ela nao uai ser ou fatores objetivos mutuamente se determinam neste
uma pessoa de conduta normal." "Quer ~izer que . ~ processo.
inteligência dela terá problemas? Donde vem eles, ja
que não vieram por hereditarie~ad~?""Po.r um bloqueio Oía) professor(a) de arquitetura, 53, diz: ~~í depende
do desenvolvimento que. os proprtos pais fizeram em da parte genética, as condições que levam. Quanto às
relação à criança. Não deram condições normais de experiências da criança, se ela tem experiências com os
desenvolvimento da capacidade". pais que são inteligentes, s6 tende a despertar mais. Não
necessariamente ela vai ser uma débil mental, mas acho
Impressiona este depoimento pelos avanços cons- que não vai 'ter o mesmo: nível da outra. Por exemplo, se
truídos como respostas aos desafios que a entrevista geneticamente <ela não herdou as condições do pai, ela
coloca. Do seu empirismo em que afirma que "os pais vão tem possibilidade de: ter conhecimento, experiências.
desenvolvendo as habilidades nelas (e) é desenvolver as Mas acho que a experiência que ela tem com os pais não
habilidades nas crianças", chega a afirmar que há uma proporciona conhecimento".
"capacidade" na criança que diz respeito ao seu dese~­
volvimento e contra o qual. o comportamento dos. pars Surge, .aqtri, com bastante clareza, uma afirmação
pode interferir como bloqueio: Isto é, embora de form~ que até agora apenas 'se 'suspeitava de sua existência e
ainda precária, passa a admitir fatores de desenvolvi- que, apesar das aparências, atinge o auge da explicação
mento que não se reduzem à influência do meio, mas que empir-iataro meio podê dar oqueos fatores genéticos não
podem sofrer com ainterfer~nêiadeste. N':l~a palavra, o conseguiram: :-use·geneticamente ela não herdou as
o objeto perde sua hegemonia frente ao SUJeIto, embora condiçõesdo.paí.osla tem possibilidade de ter conheci-
nãofiqueclaro qual opapel deste. mento, experiências". Isto sé entendermos bem este
depoimento-que, .diga-se·· de 'passagem, não prima pela
O professor .de direito, 27, diz: "Aplico o mesmo clareza.
princípio. Acho que o que determina é a condição de vida.
(Esta}uai determinar formas diferentes de aprender, de A professora de história natural de Segundo e Ter-
conhecer. O filho do índio vai aprender da mesma forma ceiro Graus, 44, diz:", .. tem aí, eu aého, que haver certas
queo filho do colono, do japonês. Acho que eles apren,dem adaptaçõ(;!s· ao meio deles para' eles poderem aprender
necessariamente a apreensão do mundo, que se da por com mais facilidade. $n~tão, por exemplo, usar exemplos
óticas,perspectivasdiferentes~que é a perspectiva que
em aula que. são exernploe corriqueiros de uma cidade
cada cultura determina.. Eles vão aprender. Tanto um paramotivaçãô na aprendizagem, talvez não seja o
como outro aprendem. Têm conhecimentos diferentes melhor. Então, tem que usar exemplos da vida deles, do
sobre o mesmo objeto, mas eles aprendem de forma diário deles. Porque eles, em primeiro lugar, vão querer
Ibastante semelhante. o conhecimento que é trabalhado conhecer aquilo que os.· cerca normalmente. Tem que
1"eren te'
e, que e, dit) e . " hauer uma adequação. Então o conhecer pra eles também
é um pouco diferente da criança da cidade, da criança
Embora a importante afirmação de que crianças de da favela, pra mim. Claro, parece que parte da capaci-
diferentes culturas têm a mesma capacidade de apren- dade intelectual é herdada, mas muito é adquirida,
der, não se diz como ocorrem-os fatores subjetivos e os também, com as experiências da vida, com o aprendizado

206
207
posterior. Então, pode-se desenvolver mu: ito também a A professora universitária de arquitetura e urbanis-
capacidade. Geneticamente falam que existe uma ~apa~ mo, 35, diz: "Vou repetir a piada do Dali. O Dali diz que
cidade intelectual, uma parte herdada, e que LSSO e pais inteligentes fazem filhos idiotas, e vice-versa, filhos
transmissível de pai para filho, assim como a cor do inteligentes têm pais idiotas. Acho que existe alguma
cabelo a cor dos olhos, e assim vai. E parte, vamos dizer, coisa de certo a ser investigado por aí. (Quanto ao débil
pode s~r aperfeiçoada, ou, dependendo do mei~ em que_a mental) ... 0 ser humano tem uma capacidade criativa,
criança se encontra, pode não ser desenvoloido, entao de buscar certas condições que lhe são importantes, de
não aparecerá, ela não se sobressairá pO:CJ. u e falt~u passar por cima. Acho que ele tem alguma chance".
chances, oportunidades pelo meio onde ela VLULa, ela nao Quanto ao humor de Salvador Dali, deacordo apenas
tinha chances de desenvolver". com o humor. De acordo também com o resto da afirma-
Este depoimento faz constara presen~a ?e fatore~ ção da docente. Porém, como se explica este processo da
relativos 'ao sujeito (parte herdada,transmIssIvel de pai criatividàde huin:ana? ;
para filho) e relativos ao objeto (aperfeiçoamento, de- O professor ,uniyersitário de geografia humana 47
pendendo do meio) e, por fim, uma parte que pode ser diz: "Não, de jeito nenhum. Acho que a inteligência s~
desenvolvida, desenvolvimento este que depende das desenvolve. E, corno digo, uma questão de estímulo.
oportunidades do .meio. No entanto, seu autor parece Dentro do sistema neurocerebral intelectual, a criança é
que rrão tem consciência do que acontece quando. este.s potencialmente inteligente. 'Acho que se você pegar ela,
compone:ntessão .colocadosem interação; não os dialeti- vai aprender segundo o que ela for estimulada. Lógico,
za, porta.nto.Tudg:par~ce,muito tranqüi!o. Pergunte-se há os aspectos orgãnicos, alimentação... Agora, a criança
a este docerrte; PQr que seráque uma crrança, de pouco estando suprida "~ em terrriosde subsistência, aí tudo é
mais 'de 'um ano.ichora por'cnão conseguir, na enésima questão de solicitação da mente, em sentido arnpiovéo-
tentativa, colocar uma bola dentro de um copo cuja bretudosocial.,Ospaispodem ser pessoas muito creden-
embocadura é menor que aquela? Por que será que uma ciadas, muito inteligentes. O que-acontece ?Filh·osdepais
criança 'chora quando a mãe interrompe seu bri~quedo inteligentes .serão inteligentes não tanto ' pelo, 'fato 'dos
para ir tornar a refeição - ~~smo que ela ~step~. com pais serem inteligentes, [mas] porque os pais vão oportu-
muita fome? A'relaçãó do aujerto com seu mero fISICO ou nizar boas condições de, aprendizagem, sob o ponto de
social apr'eserrta-se repleta de conflitos. Longe está de vista material e sobretudo afetivo e relações sociais, esta
ser' ,harmoniosa como muitos dos depoimentos desta vivenciando 'n' situações- com 'n' estímulos, ela vai desen-
pesquisap~recemdar a entender. Os suc~ssivos dese- volvendo.Se os pais forem débeis mentais, no sentido
quilíbrios eas reequilibraçães de que' fala Piaget .custam o ligofrênico, com poucaLnteligência, eu' acho que essa
ao sujeito, psiquicamente falando, um pr~ç~ rn u to alto.
í criança pode conuiuercom. pessoas ria célula familiar, na
Nunca 'é demais lembrar que t.arrto o ernprrrsrno quanto aprendizagem informal que é a mais importante que 'a
oapriorismo subtraem ao desenvolvimento se'":l d!~a­ sistemática. Os pais sendo intelectualmente limitados, a
mismo intrínseco: a atividade humana que faz histór'ia, criança será muito pouco suscitada a desenvolver sua
que cria cultura, rompendo as barreiras do determinis- inteligência, terá muito mais possibilidade de não desen-
mo biológico, físico, social, etc. volver sua inteligência. Agora, se ela oportuniza novas
situações fora da limitação representada, pela convivên-
cia com os pais, ela poderá ser muito inteligente".

208 209
Os fatores do meio são relativizados em função das P - "Não é necessariamente criada pelos pais se ela
condições prévias em nível subjetivo: "aspectos orgâni- for criada pelos pais... " ,
cos, alimentação". Estes aspectos, porém, não parecem ,E - Está bem. Como seria esta distinção que você
tão subjetivos assim, pois a alimentação pode ser repre- I esta fazendo, se ela é criada pelos pais ou não?
sentada como um fator do meio. Sobra assim, parece-me,
uma explicação marcadamente empirista: "É, como
I p - "Se ela for criada pelos pais e não for débil
digo, uma questão de estímulo... Acho que se você pegar, I mental,. pelo menos ela vai ter um grande retardo na
ela vai aprender segundo o que ela for estimulada". E I
I
aprendl,z~gem,porque dois débeis mentais têm um grau
de maturidruie multo menor, idade mental de cinco anos.
como fica o a priori hereditário? A bagagem hereditária
é entendida como um. "sistema neurocerebral" dado.
Mas, eo desenvolvimento de que fala o docente, já que
ele afirma que "dentro do sistema neurocerebral intelec-
I
I
Para cr~ar uma crionça ia ser um caos. Agora, se ela não
fosse eriadá pelos p'als, '}-ão sei exatamente... porque daí
ent~a aparte da biotogia; genética, isso já não entendo
tual a criança é potencialmente inteligente?" Só pode ser I mais",
E - Como seria essa parte de biologia?
entendido como conteúdo, como acumulação de estímu-
los que incidem sobre o sujeito, e não como forma ou
I .p - "Não sei. Acho que, de repente, pode haver mon-
estrutura construída pela ação assimiladora e acomoda-
doradeste. A partir de um cérebro dado, tudo passa a
I sotiemo.: acho que é isso pelo menos que lembro do
Segu77;.do Grau... De. repente, a criança pode apresentar,
ser determinado pelo estímulo. Que dist.ância será que tambem, traços de retardomenmles tloerherdado",
existe entre est~ concepção ea tábula rasa de Locke? . . E --= Isto no caso do mongolismo, mas a questão é dos
,O professor (P) (sem dados de identificação disponí- palsnao-mongólicos?
veis) diz ao .errtrevâstador (E): p~ cC~ue nãohaja fator genético?"
E -- Se os pais de uma criança são inteligentes, ela E - Si~, 'neste sentido.
também será inteligente?
p -. "Se não houver fator genético e ela for criada
P -"Não necessariamente. Vide os filhos do Eins- IOT1:c.e . dos pais, não deve apresentar nenhum traço de
tein". debilidade mental".
E - O que têm os filhos do Einstein? .Percebe...se a dificuldade de resposta deste docente
P - "Um. deles virou comerciante na Europa ou Esta- VIsto que a pergunta exige a coordenação de dois fatores
dos Unidos, sei lá, e o outro se formou em física, um físico complexos: o concurso da hereditariedade e do meio. No
medíocre, um ·professor obscuro de uma universidade momento em qU,e ~e põe sob controle um dos fatores, a
americana, sem nenhuma relevância, nem dentro da resposta vem raplda e c~rteira: "se. não houver .fator
própria universidade". g'errét.ico... nenhum traço de debilidade mental" R t
· 1-" · ,
b ~e ~ lnte,lgencla - es a
E- Se os pais são débeis mentais, que comportamen- saer 'n?rmal" deste sujeito hipotético
to uma criança vai ter? d~-se segundo uma explIcação empirista ou interacio-
nísta. '
p - "Corno assim? Ela vai ser criada por dois débeis
mentais?" O que supreende no depoimento dos docentes e o
q~ase constante e~panto com as perguntas a respeito da
E - Os pais da criança são débeis mentais, que
genese do conheCImento. Tratando-se de pessoas que,
comportamento ela vai ter?

210 211
em sua maioria, cursaram, pelo menos, uma faculdade,
o fato assume proporções de maior gravidade na medida E - O que é inteligência?
em que é possível permanecer, em nosso sistema escolar, P-"NãoseiIAgente· ua
quinze ou mais anos sem ser questionado ou informado de inteligentes ~ burras ~:~e~:be~d~chama as p.essoQS
a respeito da natureza do fator número um da escolari- exemplos clássicos de Einstein que fin~m vou cldtar Os
zação: o conhecimento. E por isso que pesquisadores, faz matemática, etc. Toma u-m. tr ' _ otreproua o em
poucos anos, eleg~ram a sala de aula como espaço prio- ;~me; está com um problema:~~o~~;i~:~~~~~:rn~o
ritário de pesquisa. O que encontraram - e encontram que t:::"s:~en~:x~;:e. Com isto at nã.o fe~ho muito, se~
- aí? A reprodução dos "mecanismos seletivos" (Dornel-
les 1986) pelos .quais a escola expulsa. dela anualmente
capazesdesedese~v~t::aso que eu se} que têm pessoas
. E N-. - . .. er mat.s numa area que em outra"
enorme quantidade dacrianças das classes populares. - ao. Ocaso a'qui seo« .. ··.d· ....é ..
A "reprodução da ignorância" (Freitas 1988) em vez da inteli.ge.ntes· ··elatam·.·.b·'é 1 se ??s pais re uma criança são
'. m sera. _ _'
construção do conhecimento, visto que tudo se faz para P-"Depenâêddquecham··· l " ' ....
que a crtançaireproduza 'comportamentos em vez de çapodeserburran()curs(jde'6~lnt; l~ente.' Umacrzan-
construir conhecimentos.iOu, . ainda, utiliza métodos e cU~.so- deanatotnia- .eo' -.s»: l?.quzmzca e znteligente no
, . . .. .. ,. ", ,. s pazs saoos mesrn~ . . .
técnicas de ensino 'quem.ais fazem dar continuidade ao queconsldero inteligentes-;.-;'sàob . . . . . mos., ~ em palS
quadro precário em termos de solicitação simbólica da r~ubO-rmU;it(ibem:que'gehte. i nteünqUelrOS que sabem
parte do meio .social marginalizado ·em que viverngr'an- uu
uiâaâo ,r9 9 fih u'ifceiro! lJaium fiz.f~nte, de ~ucesso na
de parte das crianças .brasileiras, do que construir as d..e.. • ed.
ml,ca.
u.caç.,ão.·:-
. ,'_ «> ».
Nao 'Vti/iJios~-:d·' u, a.~luno
.·e_··. -m.:--rl-.'·
'~', ,.. '., ..
,,0. deZ. e...ds
-..... _.. d..e bloqul'm·lca
'. 8._ . e te.u. ai.un. o
. . -a ora lOqUl-
-. bi ,
condições prévias de aquisição do conhecimerrtosociali-
• , . ' -'.,
b loqulml,Ca eadora-edti}-·;-:.----'-:-U - ' . 1,zerqq,eeZe'-seJa mJais\.lucid d'·.. -~
zado: se o meio não solicita . a ativa representação da _.." .. _ 0, o ela
criança, do que ela faz, ela não constrói os instrumentos assim:'Porra1S," " ~ca~ao. os encontramos e dizes
simbólicos com os quais poderá apropriar-se do meio dizer~· .~Q. ue (na" ~alua:ospa~s,c?m? éinteligentePEu vou
, ua, satu. aQSpals eumb .- I'E:
socialem que vive; isto é,oque acontece nomeio carac- são- os mesm·os.,-De -; ois -'-OSi" . - . ' .. , • urro.' .. o~ pais
terizado pela extrema pobreza. e pela rnisérta (Montoya gentesc·na:vtda p rô~ssion.'a,Pl'. ate podem s~r.muttolntelz_·-
iÓ;

~ iliar, - 'p~.. e-serem: uns ;asnos - . ·d


1989; Velhinho Corso 1991). A escola que atende a estas ,aml l,ar,-entao"êml:l."ito.'d;.~Ç,' -: .... "' ~,lCl·Z esta . pergunta - ...'~. na ui a
crianças -reproduz esta-inanição representativo-simbóli- E - E se os pais são débeis t · .
ca condenando' a criança, que mais depende da escola mento··manifes-tara'. . esta.oi . fi? en aIS, que comporta-
para esta construção, à repetência e à evasão; ao anal-
_ _ . ', nança. _
fabetismoperpétuo,portanto" de d~bi;~~":t~n::,:::t'Jei~~~~1-lr~n~mi~sãoher~clitária
Acompanhemos o contraponto do professor de bio- co_m traumatismo dep!,.to'e ela~ seopaz.lf(lsceuJ{u.alf
química, 41: nao quer dizer que o filho vá "sCeOrU dC~b~Z retardo mental
E - Se os pais de uma criança são inteligentes, ela
também será? >
com é l ·
o que e e uat reagir a um paidéb "z
ou menos perguntar como '
e z mental Ag a
Z·,
l. menta , e rncu.s
0r.
p - "Dizerri que tem este componente, embora eu média brasileira reage à ma::' q~e a crzar:ça da classe
tenha uma séria de restrições ao que se chama de inteli- padrão de vida de débil m ~a Z ~ seu,s pais, que t~m um
~ .»
gencla .
. lá sei eu. Se a debilidad:~~n~~~r~veZ. ,~ora lSS~ aí,
resposta depende de que tipo de d b 'tiâ mdedlca, entao a
e i z a e, se for por este

212
·213
lado. Agora, se a criança reproduz a deb}lidade .social
dos pais, não sei. Acho que reproduz, senao a sociedade
melhorava".
Não deixa de ser fascinante este depoimento na 7.
medida em que desfecha ironias diretas con.tra a orde~
social vigente. Quanto à origem d~ conh~~Ime~t~, ~a~
aceita umaabsolutização do conceito de Irrtefigência
na medida em que esta pode manifestar-se sob formas AVALIAçÃO
especializadas que os testes de inteligência (QI) ?ão
detectariam. Não aceita, poroutro lado, uma heredlt~­
riedade especial da inteligência; aceita, sim, a deter:r~l.1­
nação do meio, embora não esclareça como esta se dana.
A professora de hist6ria natura~ na .gr~du..ação, de
ecologia e botânica em pés-graduação, dIZ: ~ao neces-
sariamente débil mental. Agora, se ele corunuer nesse
meio sempre. a tendência é não muito p'0sitiva. Ac.ora. se
'ele for levado para um meio de pessoas intelectualizadas, A questão sobre avaliação - Como você avalia seus
com mais capacidade, ele talvez desenvolva bas.tante... alunos? :- foi respondida por alguns docentes, apenas.
débeis mentais depende .' se isso é herdado, se 1S80 for Embora Isto, este tema afirma-se, imediatamente, com
adquirido depois [se] isso é demência... " força explosiva:Podería.mos ter pensado esta pesquisa
Não acredita, portanto, na transmissão hered~tária somente a partír deste ponto de vista. Daí a importância
da debilidade mental. O perigo está em que a crrança de apresentar esta parte, mesmo sabendo de sua limita-
darepresen-tatividade.
conviva s6 com débeis mentais. Por isso, se ela mudar
de meiodesenvolver-se-á. Resta saber como: somente
por infl~ência deste meio ou por agir ativamente sobre 1. DEPOIMENTO' DOS DOCENTES
este meio? -
Desta fascinante discussão, passemos a uma outra Sigamos primeiramente os depoimentos dos docen-
que também desperta certo fascíni~, embora seja trata- tos. Partiremos em seguida para algumas análises.
da nesta pesquisa de forma marginal. Como pequena
complementação, apenas. A avaliação. (\. ~rofessora de Primeiro Grau, 25, em escola de
pen~ena, responde: "Avaliação: geralmente é por »rooa
esc'".lta. O colégio exige. Agora estão mudando. Estão
ace~tando ~m processo mais global de avaliação. in-
clulndo atltudes.· comportamento, participação traba-
lhos indiv~du_aise em g!"upo. Eu estou começand~a fazer
auto-avallaçao. Eles discutem com o professor a avalia-
ção . q~e receberam. Faço prova objetiva (5 questões).
~ObJetlVa'é marcar com um 'x'. 'Subjetiva' são perguntas.
Faço perguntas maliciosas pra ver se eles entenderam a

214
215
xava louco, só que eu não fazia chamada e não conseguia
,. 711 •
matéria. lY.LaS lSS
O dá um trabalhão pra corrigir. O
, · ligar o nome à pessoa, e ficava pensando: 'será que esse
conhecimento é elaborado a partir de pensar a propna aqui não é o cara, aquele que participa?' O instrumento
id O conhecimento é elaborado socialmetite- Sobre a da chamada é o instrumento que serve só para isso:
~~a~e Média o que sabemos é o que foi esc~ao. ~ con~e~ juntar o nome ao indivíduo. A coisa que mais me angus-
cimento que os servos elaboraram não fOL escrito e OL tia é a avaliação. Acho que há um ano e meio, dois anos
perdid l O"- . ,. eu não reprovava ninguém. Eu não tinha instrumento de
O rofessor de medicina, doutorando em blOqulmlc~, avaliação. Euriãotinh.a legitimidade de aprovação. Os
lecion~ndo em universidade particular, para c~asse .me- caras. estavam se. inscrevendo na minha disciplina por-
dia- sob re avaIiI ação , diz·- "Eú "faço prova escrita.G mi.sta, que todo mundo passava. Aquilo era formentar um este-
co";" questões objetivas e subjetivas. No Segundo ra.u ~u lionato intelectual. Daí eu comecei a ser bem criterioso.
fazia 10 perguntas sobre praticamente o que eu t':.n ~ A proua é sempre subjetiva, duas por serriestreçurri grau
it em aula com 'as mesmas palavras. Só 2 questoes e
d ito écoletiuo pra.mim, outro grau é se a prova é escrita, daí
erri u ucw, , d S aluno
que precisava ser criativo pra respon. er. e ~ . ha forma a média. Daí as criaturas vão todas, compulsoria-
respondia essas duas questões, eu sabia. qr:e e ~ tin. ue mente, para exame; o exame tarnbémé escrito"..
did Mas às vezes a nota era a meus baixa q O professor de arquitetura, 53, afirma: "Eles não têm
apren l o . , , ,d ' bem Eu
outros, porque quem decorava o c_onteu o sala . provas. Eles fazem. trabalhos, esses levantamentos, de·-
nunca gostei de testes, então eu nao uso testes com meus pois quando fazem o último trabalho, um projeto, um
alunos". . , . projetinho pequeno. Nós... na UNISINOS~ avaliamos
A doutora e .prdfessora de história e crítica de arte, por doisgrausc.depois.a média dos dois graus eo exame
39 '. diz: eComo. tu fazes a avaliação"} ~<Fa..ço por eta1!as: formam a média do período entre os dois graus (Primeir.o
stÍovádasatividades. Então a avalw..,Çao final nao e e Segundo Graus) e depois a média final. é a do período
sur resa nem. pra mim nem pro aluno. As vezes eu teri h o e. do exa.me.-Nóstemos.um trabalho correspondente-a
su; resa~ mas são agradáveis: daqueles alunos que cada grau etimitrabalho correspondente ao exame. -. O
ren~em b~stante no final. No meio dosem~stre eu. faç~ projeto seria praticamente o fechamento de um semestre.
uma rova sobre os conteúdos fundamentm~.N~ final: e Euacho-queestá muito bem desenvolvida a disciplina
um t~balho bem pessoal. O trabalho final e de integra- porque a gente trabalha no Primeiro e Segu.ndo Graus
. ão de conteúdo. Tem que manipular os dados do con- tudo aquilo quesedesenuoloeú no projeto, e se o aluno
~eúdo. O alurio tem que fazer com os dados algo que tenha conseguiu captar tudo, então ele consegue, dependendo
significa d o .para,~ l e"
e - . ' • a da, capacidadedele.fechar osemestre. Eles desenvolvem
O professor .de direito .e advogado~ 27, afirma. A aesimiprimeiro eeegundo graus são trabalhos muito
Li _., o diabo E onde me sinto rncu.s despreparado, exteneoe..então eles desenvolvem em grupo, grupos de 3,
ava iaçao e _.. . Oh E t b lho com um trabalhofinal. individual. Eles têm nota pela quali-
é onde. toda a minha crise se manu esta. u rac cu: '. . _
turmas imensas onde o ensino demassda, a a~al~açao dade do trabalho e também eles têm uma ficha de acom-
acaba e tende a ser de massa. Tem a not.a ~ tra a o em panhamento, a maneira como o aluno se comporta
que é o mesmo grupo o semestre inteiro, e a prova. dentro. da.sala de aula, participação. Nos trabalhos
'f::;"'d,o fazia chamada até porque acho que a chamada (contalnão só a qualidade, mas o conteúdo, quer dizer,
não pode ser o que prende o a!uno na. aula. Masd~~ se desenvolveu o trabalho todo como foi pedido..Na
corrigir a prova eu via umas coisas assim, que me

217
216
avaliação entra a qualidade e também a quantidade. va só em alguma d!sciplina teórica em que se faz a prova
Existem vários itens que eles têm que responder naquele d: exames, que sao provas obrigatórias. No mais eles
trabalho em termos de graficação, de análise, então a vem resolvendo a questão da avaliação em atividades.
quantidade também é considerada, porque se ele apre- Agora, n~ fin~l, .realmente existe a prova de exame. É
senta s6 uma parte do trabalho... Alguns fazem, por obrigatório o úlfimo exame... e existe registro do exame
exemplo, os levantamentos gráficos,. mas não faz~m as em s.acos lacrados, envelopes lacrados... Nas disciplinas
análises, então isso aí é um trabalho incompleto, nao tem prát~cas e~ função da natureza do trabalho. Agora das
l .» te6rl~as, ~ao. No ,ano p~ssado foi feita uma consulta em
o mesmo valor de um trabalho comp eto ·
A professora de história natural na grad,uação e de relaçao a ~~so. Nos e~vlamos um parecer feito em algu-
mas r'euruoes, mas ai não houve resposta. E veio uma
ecologia e botânica na pós-grad~ação,com P~S-,?outora­
c~nsulta da Universidade aos departamentos em rela-
do no exterior em avaliação ambiental, ~4; diz: B?m,.eu
çao ao processo de avaliação. Desde média, quala média
a nível universitário, por exemplo, aplico as m.ais :J-Lfe-
ac~n~elh_adae.tal.Mas também se faz a avaliação dessa
rentes técnicas, e no pós-graduação eu acho que e .um solicitação rmrito rápida. Pra te dizer a verdade, nem me
grau de ensino mais superior, e aí eu tenho técnL~as
lembro bem das conclusões que nós chegamos a fazer.
especiais. Eu não aplico normalmente prova es~nta.
F~ram. duas noites para discutir esse assunto, acho que
Então no pós, eu avalio através da apresentaçao ~e
fOI rmrito acelerado. Mas também não sei se isso vai ser
trabalhos, apresentação de seminá'.'ios, apr;s~ntaçao levado muito a sério. Mas é isso sobre avaliação".
oral, apresentação de trabalho e.scnto, relatôrio sobre
alguma coisa. Análise de relatórws~o?reesses resulta-
dos obtidos durante a aula. Aulas práticas, por exemplo.
2. TIPOS DE AVALIAçÃO
E no graduação eu tenho usado, també"!, técnicas às
vezes de prova escrita, dependendo do interesse- _ Uso - O professor, quando avalia seus alunos, vê-se às
também técnicas de trabalho em grupo, apresentaçao do voltas com a questão: Por que avaliar? Parece-nos que,
u-
trabalho e questionamento oral sobre trabotbos em gr: para alguns docentes, esta discussão implica unicamen-
po. Trabalhos em fotolitos em aula ou coisas aSSLm,
te a. opção por técnicas: qual a melhor técnica para
discutidos. Então eu faço perguntas sobre esses traba- av alia.r, na crença de que a técnica em si mesma tem um
lhos depois". p-?der má~coc&paz de apontar sem mais para as solu-
A professora universitária d~ ar~ui:et~rae Urbanis- ç.oes_al~eJadas. Ass~m, afirmam professores que a ava-
mo 35 diz: «Via de regra a avaliação e feita ao longo do ~Iaç~o .ge~alme~te.e por"prova escrita", ou: faço prova
se~est~e como se fosse um modelo de avaliação, uma subjetiva ,ou objetiva , ou: o colégio está aceitando
ficha de avaliação, o process? c:e evolução.do !raba~ho do
<

"um processo mais global de avaliação, incluindo atitu-


grupo. Existem alguns req,!,LsLtos.d~.avaLLaçaoa niuel de des,. comportamento, participação, trabalhos indivi-
coerência formal, coerência de idéias, e dentro desses duaí s e em grupo", ou: "estou começando a fazer
quesitos tu vais avaliando tanto o grupo que dese~vo.lv~ · - " ou: "eu
a U t o-ava1iaçao', . t ' "laço
. prova escrita mista com
um trabalho prático em comum, quanto ~ aluno, Lndw~­ questões ob~etivas ~ subjetivas", ou, ainda: "no Se~undo
dualmente, através de apresentação de leituras em semi- ~rau e~ fazia 10 perguntas sobre praticamente o que eu
nários, através da própria participação d~le dentro do t.irrha dito em aula, com as mesmas palavras". Quando
grupo... " "Faz Prova?" "Não. Não, necessanamente. Pro- se busca saber os motivos de uma ou outra técnica ,

218 219
ouve-se respostas tão primitivas como estas: "'objetiva' o prt?~essordcontrlol?ar os que participam dos que não
é marcar com um 'x', 'subjetiva' são perguntas". par icipam a au a.
Para outros, a avàliação demanda concepções um Estas formas mais elaboradas de avaliação intuem
pouco mais elaboradas. Diz uma professora: "Faço por por um lado, a complexidade do problema e por outr~
etapas. São várias atividades... No meio do semestre eu denotam o domínio da inc1areza a respeito das condições
faço uma prova sobre os conteúdos fundamentais., No da construção do conhecimento.
final é um trabalho bem pessoal. O trabalho final e de
inte~açãode conteúdo". Outra acrescenta: ''Via de re-
gra a avaliação é feita ao longo do semestre como sefosse 3. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
um modelo de .avaltação, lima' ficha de avaliação, o
processo de evolução do trabalho do grupo". Intercala Não' resta dúvida que a discussão sobre critérios de
provas teóricas e 'práticas. Não faz prova escrita, a não a~aliaç~,?temaAsu~importância e que a própria avalia-
ser o exame final obrigatório. Acrescenta outro docente: ç~o . .t~mlmport . a
. ~cIa fundamental sob o ponto de vista
"Eu trabalho com turmas imensas onde o ensino de didãtíco-pedagõgíco.No entanto, tal discussão só, come-
massa, a avaliação... tende a ser de massa. Tem anota ç~a,.tersentido~.na'_meq.i~aemque aquilo que constitui
do trabalho êm'grupo~que'éomesmogrl.lpoo semestre o objeto ;d~ aV'allaça~,estlverclaro.Enquanto os profes-
inteiro, e a prova.. ; á. prova é sempre subjetiva, duas por sores', ,contlnuarema~confundirconteúdoco:m técnicas
semestre, um grau é' coletivo pra'mirn"outro grau é se a oU'c()nhecimento:comcemportamentó ou' aindafazere~
prova é escrita daí forma a média. Daí as criaturas vão mecânicos ouautomátdcoscom compreensão, ,t.udnrrão
passará-de -umgrandeeqúívoee. Trata ~se, porém, de' ~m"
todas, compuls~riamente,para ~xam~;.o exame também
é escrito". Outro docente: '''Eles 'não têm, provas. Eles equívoco.capaa-de.gerar graves .deterrninações ideológi-
fazem ... levantamentos... um projeto... eles desenvolvem casvConfundircozn queav'aliar com o que,aVJaliar Ievao
assim: primeiro e segundo .gr'aús são trabalhos muito docente' a, em-nome .da produção do conhecimento; exer-
extensos, então eles desenvolvem em grupo, grupos de cer-o controledo comportamento, Sób adeseulpa; é claro,
três e um trabalho final, individual". Ainda outro, afir- de que" se ''não forem 'utilizadas' tais técnicas -não "se
a?rend~rá,taisconhecimentos - se não utilizar tal algo-
ma:'"Eu não aplico normalmente prova escrita... avalio
r'itrno nãoaprenderãtalcónteúdo de 'ar-itmética. Impor
através da apresentação de trabalhos, apresentação de
seminários, apresentação oral, apresentação de ~raba­ uma disciplinapolicial. em nome de UIl1a disciplina inte-
lho escrito, relatório sobrêalguma coisa. Análise de lectual - "semão-ficares calado, não aprenderás tal
relatórios sdbrees'ses resultados obt.idos durante a conteúdo de comunicação". "
aula... 'USO" também técnicas 'de trabalho, em grupo, São realmente raras as compreensões como o deste
apresentação do trabalho e questionamento oral sobre docente: "O conhecimento é elaborado a partir do pensar
trabalhos em grupo. Trabalhos em fotolitos ... eu faço a prõprtavida, O conhecimento é elaborado' socialmente.
perguntas sobre esses trabalhos depois". Até a chamada Sobre a .IdadeMédia o 'que' sabemos é o que foi escrito.
entra no jogo das técnicas de avaliação: "O instrum~nto O conhecimento que os servos elaboraram não foi escrito
da chamada é o instrumento que serve só para ISSO: e (por isso) foi perdido". Isto é, o que está escrito não está
juntar o nome ao indivíduo", caso contrário como poderá legitimado porque estáescrito. E a deste outro docente:
"O aluno tem que fazer com os dados algo que tenha

221
220
significado para ele". Com estes pressupostos em mãos: conclusões que nós chegamos a fazer. Foram duas noites
qualquer conhecimento que entrar n~ s~~a ~e au~a sera para discutir esse assunto, acho qUe foi muito acelerado.
alvo de crítica. Sem esquecer que crftica desl~a.a Mas também não sei se isso vai ser levado muito a sério".
capacidade humana de diferenciar, dejulgar, de at.ribtrir Os critérios de avaliação são invariavelmente confundi-
valor (avaliar). ". .. dos com procedimentos práticos: "Existem alguns requi-
A maior parte dos depoimentos, ao con~r~no, dll~l o sitos de avaliação a nível de coerência formal, coerência
debate maior sobre a matéria-prima da atividade didá- de iàeias e dentro desses quesitos tu vais avaliando
tico-pedagógica - o conhecimento - perde~do-se na ma- tanto o grupo que desenvolve um trabalho prático em
gia das técnicas: "No meio do semestre - dIZ este docen.te comum quanto o aluno individualmente através de
- eu faço uma prova sobre os conteúdos fundamentaIs; apresentação de leituras em seminários, através da
No final, é um trabalho bem pessoal. O t:abalho final e própria participação dele dentro do grupo... "
de integração de conteúdo? Tem que manIp,?lar os dados
do conteúdo". Qual a natureza deste conteudo? ,Co~o ~e
configura o processo de form?-ção d:ste. conte':ldo. Sao 4. O ESTELIONATÁRIO
questões que parecem não ter ImpOr~ancIa.~~r ISSO, com
a maior facilidade, a epistemologia ernpir-ist.a acaba o professor, afurrdadn nesta anemia teórica, sentirá,
embasando a compreensão dos problemas enfrentad?s mais cedo ou mais tnr'de, o mal-estar próprio do recesso
pela docência: "e, diz outro docente, se'o aluno conseguI~ da razão. .Porém, o diagnóstico não capta isso. Surge daí
captar tudo,entãoeleconsegue, dependendo dacapa<:I expedientes vários que tentam contornar o problema
dade dele, fechar osemestre... Nos trab~lhos [conta} nao detecta.poapena§intuitivamente. Diz esta docente:
sóa qualidade, mas o conteúdo, quer dizer, s~ d~senvol­ "Faço.p~rID1ntas,J:lla!iciof:;a§prav er se eles entenderam
veuo trabalho todo como foi pedido.N~ avahaç.a? entra a matélia.~Ma.~,isso dá um trabalhão pra corrigir". Este
a qualidade e também a quantidade . Ao utIhzar as docente p~~..l imita o-âmbito da criatividade: "Só (em)
categorias "qualidade x quantidade" pensa-se que o duas questões é que precisava ser cr'iafivo pra respon-
verdadeiro 'debate volte à tona. No enta~to, acontece der. Seo aluno respondia essas duas questões, eu sabia
apenas uma confusão entre estas categorias e formas que ele tinha aprendido... quem decorava o conteúdo
práticas de exec rtar um traball~o prete~sa~ent~ com sllíabe.m.~,. Q seguinte professor mostra bem o insólito
valor avaliativo. O seguinte depoimento e mars aClnto~o que Çl preêà.riedad.e teórica'g~ra: "A avaliação é o diabo.
ainda ao indicar a forma policialesca de t:atar a questão E onde eu me sínto mais despreparado, é onde. toda a
do conhecimento: "É obrigatório o últImo exame... e minham-ísa sê manifesta.. .Eu não fazia chamada até
existe registro .do exame em sacos lacrados, en~elopes porque acho que a Chamada não pode ser o que prende
lacrados..." E não em última análise este.dep~lmento o aluno na, aula. M'as ao. corrigir a prova eu via umas
denuncia a inépcia das instituições de enarno ao tratar coisas aasim, que me deixava louco, só que eu não fazia
da avaliação: "no ano passado foi feita uma ~onsulta em charnadá e hão conseguia ligar o nome à pessoa, e ficava
relação a isso. Nóserrviarnos um parecer feito e~ algu- pensando: 'será que esse aqui não é o cara, aquele que
mas reuniões, mas aí não houve resposta. E vela uma participa?'... eu não reprovava ninguém. Eu não tinha
consulta da Universidade aos departamentos em rela- instrumento de avaliação. Eu não tinha legitimidade de
ção ao processo de avaliação... nem me lembro bem das aprovação. Os caras estavam se inscrevendo na minha
disciplina porque todo mundo passava... " Emerge daí

222 .~.
223
sua grande conclusão: "Aquilo era fomentar um estelio-
nato intelectual. Daí eu comecei a ser bem criterioso. A
prova é sempre subjetiva... " Vê-se por onde vai aquilo
que chamamos de processo ensino-aprendizagem: em
vez da clareza epistemológica a respeito da matéria-pri-
ma de sua atividade docente, o professor gera uma
intuição que o obriga a ser, doravante, criterioso. Como? Parte 11
Pelo caminho do eterno retorno: a prova subjetiva; etc.
Pois, como diz outra docente: "Eu nunca gostei de' testes,
então eu não. uso testes com meus alunos". A forma
(teste, prova escrita,ficha de avaliação, etc.) da avalia-
ção detém um poder mágico que tudo resolve. E o con-
teúdo? Que se dane o conteúdo! E o processo de
construção do conhecimento? Este nem existe. EMPIRISMO E APRIORISMO
Se o conteúdo já vem pronto e é entregue pelo pro-
fessor ao. aluno (empirismo) ou seoaluno é (ou não) NAS REPRESENTAÇÕES
inteligente (aprlorismo), por que preocupar-se ··com··· o DOS DOCENTES
processo de formaçãode conhecimentos, com a psicogê-
nese? Embora alguns docentes ,estêjammuito próximos
de uma epistemologia crítica, a maioria encontra-se
mergufhada em epistemologias' 'que os 'empurranipara
um determinismo tecnicista semposaibifidade deretor-
no- a não ser que uma interferência ·teórica exterria
mude esta determinação. Mas isto 'depende, evidente-
mente, de políticas educacionais. ede um diferencial de
esforço pessoal.
Na Parte II deste trabalho vamos acompanhar al-
guns docentes, em todas as suas respostas, na seqüência
em' que elas ocorreram. Até agora, analisamos opiniões
isoladas, sob a ótica de categorias que possibilitaram
impor alguma ordem .Eis Informações, mas que fizeram
perder o jogo do pensamento do' docente ao enfrentar as
contradições que lhe foram colocadas, ouaquelas prepa-
radas pelo seu próprio pensamento. Vamos resgatar, na
próxima parte, o jogo de cirrtura do pensamento do
docente ao encontrar-se em becos sem saída ou ao sen-
tir-se em desequilíbrio ao ser-lhe puxado o tapete em
que se encontrava.

224
8.

EMPIRISMO
, . E APRIORISMO:
". .. . .. ~

A pIFICIL SUPERAÇAO DO SENSO


COMUM

Esta_~nálisep~et~nde.apreendero movirnerito do
pensamento.de -,s ujeitos particulares -quanto àscatego-
rias ut.iltzadas na presentepesquiaa; empirismo, aprio-
rismo, Interacionismo.. Na. análise anterior agrupamos
os depoi~~ntose~torno.detemas ícategorias), indepen-
dentesdoseu aparecimentona~dinâmicad8:entrevista.
Procuramos agora resgatar este movimento, reinte-
grando as falas dos docentes na seqüência própria das
entrevistas; de algtlmasentrevistas.Da.quelas em que
às
os sujeitos, frente contradições emquese vêem enre-
dados,apêlam :paramudançadeparadigma epistemo-
lógico frente à' incapacida-de' de.. o paradigma em uso dar
conta das explicações solicitadas. Mudança, na maior
parte das vezes, inconsciente'. .
Note-se. que estas entrevistas fizeram parte do ma-
terial analisado na Parte 1.0 mesmo material será,
agora, objeto de..o utra análise. .

227
básicas, só". Mais adiante, torna a falar de níveis de
PRIMEIRO CASO complexidade: "Ele (o aluno) vai ter que fazer de várias
Acompanhemos as démarches do pensamento da formc:s e de vários níveis... Vai-se pra identificação,
d~pot~ para a comparação... até conseguir analisar e·
professora, com graduação e especialização em supervi-
são escolar, com dois anos de magistério, com 25 anos de siritetiear: (Bloorn); só aí é que eu posso ver se ele aprendeu
idade, lecionando em escola de periferia urbana, para ou não aquele conhecimento". A explicação empirista e
o elemento a priori convivem aqui, legitimando-se rnu-
terceira e quarta séries. tua~ent~. No entanto, a ausência de uma teoria capaz
A professora começa. afirmando que o "conhecimento de dI~letIzar estas posturas faz com que elas permane-
é perceber a realidade, as formas como se dá as coisas na çam Justapostas..
realidade. conhecer é perceber, principalmente".
.. Desta
~

postura empirista que fundamenta a pr-ática do enSIno ~o falar das dificuldades de aprendizagem, respon-
entendido como transmissão, salta para uma postura sabifizaa falta de motivação e aponta, como causa desta,
apriorista, negando o ensino-transmissão: transmi~ir o o reforço externq.R~tori1aao empirismo, portanto. "Nor-
conhecimento Ué difícil... acho que ninguém pode erisuruir: malmente,quando issoaconteceç.eles não estão interes-
ninguém; ... acho que a pessoa aprende praticamente por ~ados. Eles têm ou~ras_ coisas na cabeça, ou.tros
si... Ensinar: eu chegar e dizer, ela pode decorar, mas ela interesses, outras motiuações. Eles não estão realmente-
querendo apr~nder,não,estão sentindo necessidade de
não conhece aquilo... " aprenderaquilosEntão fica difícil. Quando eles querem
Em seguida, ao responder, "como se passa de um eles aprende~tudinho.. tudinho".Eles aprendem porqu;
menor para um maior conhecimento", retorha ela ao sentem motívação.quando sentem motivação eles que-
empirismo: "Ela. (a~riança) usa basicamente os sentidos rem, '. equFlnto qller~m, aprendem. Pergunta-se: E o
dela _ a uieão; a audição, a fala ... " Na mesma resposta, querer de~esvemdeonde? Diz a professora: "Vem da
porém reafirma um apriori: o raciocínio. Diz ela, " a necess~da.de,.que.,elessentem deque isso' vai ser útil pra
crianç~ tem dificuldade, mas.ela tem um raciocínio " O :les.~prl,ncl,palm:ntese isso vai trazer uma recompensa
raciocínio ium dado de partida e não um ponto de
é
imediata'. Se .~u. digo pra eles . que eles vão precisar isso
chegada. pra q.uq,rta ou pra fJ.uinta (séries)... Eu digo assim: Quem
Sua resposta .à pergunta, se um animal de laborató- terminar tudo certinho vai ganhar MB... Aquilo motiva
rio aprendeIja o conteúdo da matéria lecionada por ela, eles,,,eles têm necessidade de fazer para eles se afirma-
responde: "Não/''' Mas, ajustifica,tivadesta resposta não rem -. o querer vem da necessidade e a necessidade é
reside numa impossibilidade genética, mas no conteúdo: gerada pela e~peGtativadeu~ reforço. Temos, aqui, os
"Depende do conteúdo. Eu posso fazer um esquema de ele~ent~s báSICOS da noção beha,viorista (empirista) de
Skinner... basicamente E-R, não um conhecimento mais motivação.
aprofundado como a gente quer dar às crianças. A rela- Negar a aula expositiva não significa necessaria-
ção é diferente porque ele (o chimpanzé) não raciocina ou mente a superação do empir-ismo. A aula expositiva "não
raciocina num nível muito elementar. A gente não con- basta, porque ele (o aluno) tem que querer aprender. Ele
segue se comunicar verbalmente com ele. A gente pode, tem que se esforçar, ele tem que estudar. Fazer as tare-
num nível mais afetivo. digamos~ dar uma recompensa fas". Tudo i~to, claro, é conseguido pela mot.ivação, mas,
por um ato que ele faz, uma recompensa ou um castigo. volta e meia, suplementado pela imposição. E neste
É através disso que ele vai aprender algumas coisas

228 229
A resposta à pergunta: "Se uma criança do meio
contexto que faz sentido a afirmação desta professora: rural vai, desde recém-nascida, para o meio urbano e
"Debate mesmo com eles eu não trabalho". vice-versa, uma do meio urbano para o meio rural, as
As dicotomias, aqui, são: motivação x vonta.4 e, e duas, quando crescidas, terão a mesma capacidade para
necessidade x imposição. A motivação e a necessidade aprender?" parece confirmar esta análise. Responde ela:
são suplementadas, na prática pedagógi~a,pela v?nta~e "Essa pergunta é sem-vergonha! Aí que tá! É o meio que
e pela imposição. Dicotomias não resolvIda~ pela IneXIS- ela tâ, Se ela foi recém-nascida, ela vai trazer a carga
tência de instância teórica capaz de supera-las. genética, sâ. Então (vale) a mesma resposta da pergunta
Alguém chamou de ventríloquo o discurso pronun- anterior». Paradoxalmente, .maacoerentemente, dáa
ciado, mas não assimilado. Quando a professora fala do entender que a carga genética tem pouca importância.
papel do professor e do aluno na sala de aula, afirma que Daí a pergunta: "Qual aimportância da carga genética?"
"basicamente o autor da aprendizagem é o aluno'. C? "Olha, geralmente agente percebe mais a carga genética
professor basicamente orienta, incerüiua; mostra cami- se o aluno é deficiente.' A questão da inteligência ainda
nhos... O professor pode dar as condições, que"}' aprende hoje é muito polêmica. Uns nascem com mais inteligên-
é o aluno. Ele é queé o centro da sua aprenâizoüem- O cia, .uns desenvolvem mais inteligência. Então eu fico
professor ajuda, mas não p0d:..e abrir a co:.beça ebota.r meio-na dúvida, a não ser- quando, a- pessoa tem uma
dentro". Toda a fundamentaçao do porque.da aprendI- deficiência ftsica, deficiência de .aprendizagem, um QI
zagem do aluno, da sua motivação, foi atnbuída ante- baixo ou uma :deficiência genéticae não de .aprendiza-
riomente a causas externas, a reforçadores. Agora, ela gem, de meio que elauiue . ou -de oportunidade que ela
afirma que é o aluno que aprende, o -p~ofess~~ apenas teve". .Pareceque..a heredítar-iedadenão constitui .urna
ajuda: a causa externa fica, portanto, desautonza~a.. variável, mas umaconstanteque será-totalrnente deter-
Parece-me que,. aos poucos, as afirm,açãesaprlqrIs- minada pelomeío.T'assemosparaa prõxima pergurrta,
tas vão se configurando como conveniência_s de momento que vai name~maJJ.ir_~çª,o:;"As.:_cnançash~rdama inte-
que não são, de fato, integradas na reflexao. J:o respon- ligência ou adebífidade mentaldos pais?"
der à questão sobre as diferenças de. aprendIzage~ da Responde a professora: Se ela nasce de .pais inteli-
criança da favela e da classe média ou alt~, e da cnan~a gentes mas não for estimulada, achoqueela não vai ser
do meio rural em confronto com a dorneí» urbaIlo, dIZ mais inteligente.". "A capacidade genética não faz dife-
ela: "depende, elas vêm de dois metos diferentes, du~s rença?" "Não acredito. Acho que é-questão de oportuni-
experiências diferentes, bagagens dIfe~~n~es... ~las vao da de, de interesse da criançade querer aprender, sentir
ter mais capacidade pra coisas que elasJavI~encI~ram..: necessidade, _sentir gosto pelo saber.pelo aprender, b us-
a criança do meio rural vai entender, V~I sa?er, ~aI car mais. Mesmo ..que exista urna pequena diferença, é
participar; já a do meio urbano, como n~o VIvenCIOU muito mais da pessoa. Pode ter pais burros, mas se ela
aquilo, pra ela vai ser grego. Depende ~asIcame.n.te da tiver outras vivências ela vai... "·"E pais débeis men-
experiência que elas tiveram, qu~ elas vao te: facI1I~ade tais... T" "Olha, ai que tâ, se a debilidade mental dos pais
para determinado conhec~mento,; Resp.~st~ I~atacave~, for passada geneticamente pros filhos, é claro que vai,
não fosse o conceito empinsta de exper~encI~ ' entendI- né. Se o filho não tiver a carga genética atingida, e for
do aqui como "vivência" de ev:entos ou s.Ituaçoes reforça- colocado no meio de estímulos, de aprimoramento, ele vai
doras ou produtoras de motivação, orrgern da necessi- conseguir acompanhar qualquer criança e vai até supe-
dade que leva um aluno a estudar.

231
230
rar; nada a ver, f... se não afetar a carga genética, se e~e conseguir; pra mim até hoje esse negócio de o animal-não
for colocado num meio em qz;,e"tem estímu.los norrruits falar seria pelas cordas vocais; ele não consegue..."
como qualquer outra criança. O que a crrança faz no Como se vê, esta professora chega ao ponto de afir-
dia-a-dia tem influência na sua inteligência?" '~criança. mar a indiferenciação no que concerne ao conhecimento
no dia-a-dia'vaiestar experienciando, respondendo, uai da bagagem hereditária do homem e do macaco; o que
estar iniciando o seu processo de aprendizagem; acho que diferencia é o estímulo. É a expressão máxima do empi-
isso tem muito a ver no desenvolvimento da sua inteli- rismo. O'rnacaco deve ter um raciocínio, como diz ela no
gência. A~ho que intelig~ncia.~ ~uito um~ questão df} início da entrevista, e fica claro agora, que ele não
desenvolVl,mento gradativo, diário, eoolütiuo, com es.tL- consegue expressá-lo por falta de cordas vocais - reside
mulos apropriados; acho que é isso qtienrai. dar maior aí a diferenciação do macaco com relação ao ser humano,
desenvolvimento da sua inteligência, -econseqüentemen- em termos de hereditariedade.
te maior conhecimento, aprimoramento, aprendizagem, O que surpreende, no entanto, é que basta uma
e é aquela roda que vai girando, girando, vai aumentan- entrevista de uma- hora de duração para que estes dog-
do até chegar noeniueis mais avançados". Deliriei a-se, mas do sen-so comum 'sejam colocados na berfinda, A
pois, a noção empirista de conhecime~to.Seucresc:men- reflexão sobre estas concepções _precárias das relações
to dá-se por complexidade progressiva em funçaoda entre hereditariedade e meio é.a condição básica da
acumulação quantitativa. superação destes dogmas que tanto nos afasta da iden-
A pergunta que segue ttazàtoIla umarespostaque tidade própria dó- ser humano e, portanto, da compreen-
confirma a direção de nossa aIlálise: ."FHhotes de maca- s ão do seu p roces sovde 'conhecimento eda sua
cos criados em ambiente Iru'rrrarro; com cr-ianças peque- apreridizagem. A professoracaminhano sentido de rom-
nas, aprendem a'falar?"-Omaca'có-.Iião fala porque não per com estas cOIlcet>'çôês; auavheaitação é expressão
tem cordas vocais apropriadas dá fala. Também o QI dos deste desequilíbrio "em- que 'sé encontra. Diz ela:'~cho
macacos eunão sei se eleconseguecatravés'deestímulos queessa al,:'éuvou'ficarmêio no ar. [A'díferertçadeve-se]
apropriddos desenvolver o mesmo potencial qu.e u,;r;;a basicamenteaoseettmulos, ao meio, ao modo 'pelo qual
criança. Agente sabe que ele não tem cordas uocais.s. E elas eãoestimuladaeTenho que estudar mais, não sei
por que a criança aprendeu a falar?" "Porque ela ouve realmente te responder. Basicamente o aparelho fonador
falá; a mãe diz <mama', 'papa'. Então, é·~ estímulo qu~ e as experiênciasaquecada um ésubmetido. E a carga
ela recebe que... ela vai desenvolve.,ndo, ...e o des~nvolu.~,­ genética do macaco que eu' nãoseiagora como fica essa
mento experienciação, deeenuoloimento, e aSSLm vai · relação. Porque o homem tem-um. geri... Eu não estudei
"Mas o, macaco também tem aparelho c. lona d or... " "7\.T-
iv ao zoologia, biologia, então eu não-sei te dar como eu vejo.
sei te responder a esta pergunta. Quem sabe tu adota um Pra mim fica uma interrogação". Este desequilíbrio
chimpanzé e a gente conversa... " (risos) "Qual então a vivido por ela postula estudo teórico para sua superação,
diferença entre o recém-nascido chimpanzé e o ·rec:ém- pois o dogma behavioristada hegemonia do estímulo
nascido criança?" "Tâ aí uma coisa -interessa'!'te~ dizem. não será superado..a .não ser com .forte base teórica.
que o homem descende dos macacos, mas seria interes- Resta saber se a sociedade ou, mais especificamente,
sante ver qual é a carga genética do homem edo macaco; o sistema educacional, darácondições a esta professora
se eles foram submetidos ao mesmo estímulo, eles vão de superar as amarras que 'a prendem ao senso comum,

232 233
à concepção associacionista de aprendizagem e' de co- esse animal e o meu aluno] é que o ser humano é racional;
nhecimento. ele tem condições de interpretar as idéias, escutar, for-
mular pensamentos até que adquire esses conhecimen-
tos; o animal, já não sei". Ela introduz, aqui, a
SEGUNDO CASO diferenciação entre conhecimento mecânico (automáti-
co), que seria próprio dos animais, e racional ou inter-
Sigamos o percurso do pensamento da professora de pretativo, próprio do ser humano. Mas introduz ambas
sétima e oitava séries, que leciona em escola de periferia as categorias como dados a.priori.
urbana, licenciada em ciências, com 28 anos deidade e É preciso buscar a origem da racionalidade, da !ógica
7 de magistério. no ser humano, na explicação desta professora. A per-
"Como se dá o conhecimento?" "Pela vivência e pela gunta:~"~ que teu aluno precisa saber para aprender o
cultura. Culturas. o que eles aprendem .na escola, o que c?nteúdodetua matéria?"'ela responde: "Pra matemá-
eles lêem... Pra mim isso é básico: vivência e leitura". A tl~~, .0 aluno tem que ter rac:io~fnio lôgico; coisa muito
palavra "vivência", como veremos adiante, denuncia dificil de a gente achar, 'principcümera« aqui na vila.
uma postura empirista. Esta postura é confirmada pela Eles não têm um racioctnioLôgico muito avançado".
resposta à pergunta: "Como se transmite oconhecimen- "Donde vem esse raciocínio lógico?" pergunta-se. CCEle
to?" "Agente pode transmitiridéiaepras pessoas e as vem dos primeiros anos de vida... com aqueles brinque-
pessoasorganizaTlJ, essas idéias. de maneira a poder dos deen·caixe,.com, brincadeiras que eles precisam pen-
interpretar os fatos ou as próprias idéias... Agente passa sar, as famüiaefâ conseguem ir fazendo com que a
as idéias e as pessoas organizam. mentalmente essas criança tenha umracioctnio lôgtao.Éntão, nos primeiros
idéias, e Tf,O CÇLSO de uma cobrançac.se agente averiguar anos de escola osprofessorestentam. dar atividades que...
se está condizente como que agente disse.ogente verifica mesmo antes 'de eles .aprenderem a .ler e escrever, eles
que ocorreu o aprendizado". A~ idéias. não .são construí- precisam pensar. Então o racioctnio lôgico... é uma coisa
das pelo sujeito, .no seu urriverso endógeno, a. partir de que vem, pode-se' dizer, doberçoçàe vezes, as crianças
sua interação com o mundo do objeto. Elas vêm de outras chegam à quinta ou sexta sérieseprecisam usar o racio-
pessoas; o sujeito apenas as organiza. Para saber se cínio e nãoconseguem: Os pais precisam ir ensinando
estas idéias foram de fato apreendidas, averigua-se, aos poucos, .· dandoF-atividades·emque elesueem o racio-
simplesmente, para saber se o que foi apreendido condiz etnia para que depois, numa idade um pouco mais avan-
com o que foi passado. Aidéia de avaliação é congruente, çada, eles irem bem na escol-a".A capacidade racional, a
aqui, com a idéia de ensino e de aprendizagem. A matriz lógica, provém do ensino que se .pr'atica 'desde tenra
epistemológica é inequivocamente empirista. infânciajána farnfl iaçeque é, posteriormente, continua-
"E se o professor ensinasse sua matéria a um animal do pela escola.Peraclarear melhor esta origem, propõe-
de laboratório, este aprenderia?" Responde a professora: se a seguinte questão: "Quando a criança começa a agir,
"A minha matéria ..... matetruitica»- eu acredito que não. ela játem o raciocínio ou o raciocínio vem do que ela faz?"
Eles poderiam ter atitudes mecânicas, p. ex.: 2 + 2 = 4. Responde a professora: "Não, eu acredito que a gente já
O conhécimento que eles (os animais) têm pra ir no tem o raciocínio, mas a gente, na hora que se está dando
pratinho comer ou ir na areia fazer suas necessidades; alguma atividade pra criança, a gente está desenvolven-
isso seria praticamente mecânico. [A diferença entre do o raciocínio deles". Insiste-se na questão: "E no caso

234 235
da criança pequena, do bebê?" "Também com eles (bebês) importância para a aprendizagem. Por isso, contraria-
a gente já tem condição de exercitá-los". "Esse raciocínio mente à sua metodologia de ensino, passa a fazer per-
começa onde?" '~ criança, desde o nascimento, já tem o guntas a seus alunos, já ·que eles não lhe dirigem
raciocínio. Eu acredito que o raciocínio nasça [com a perguntas.
criança]. O problema é desenvolver esse raciocínio. Seria A pergunta: "Quando o aluno tem dificuldade de
o desenvolvimento do raciocínio que leva a criança futu- aprender, qual seria a causa?", responde ela: "Falando
ramente a ter melhores condições de perceber as idéias, em ciências e matemática: matemática é racioctnio lógi-
digamos assim". O raciocínio é, portanto, inato. O ensino co. Agora, a (disciplina) ciências muitas vezes é porque
familiar ou escolar podem, no máximo, interferir 'no seu a crl,~nça tem que decorar, é porque ela não se fixa
desenvolvimento, não no seu surgimento, ria sua gênese. naqu.ilo, ou escutando ou lendo. Porqueagenm não tem
O raciocínio é um dado a priori que o ensino, praticado a prática de laboratório fica uma coisa abstrata
quando a criança ainda é bebê, irá desenvolver. . . . . '· então
a criançaçnão lendo ou escutando com 'atençao, eu acre-
Procura-se saber como o docente pensa a interação, dito que então seja esta-a causa principal, a-dispersão".
o desafio. Daí a pergunta: "Você faz perguntas a seus "Nestes casos, como você age?"C'Eu falo,chamoaaten-
alunos?" Responde ela: "Sim, faço; muitas perguntas! ção, digo que isso aí éurrui coisa para a vida toda,' e se
Estou sempre indagando eles-justamente por eles pouco eu' vejo que estão indo 'mal nas provas, eu tento fazer
me indagarem. Como essa área não/ tem laboratório, trabalhopra que eles, pelo menos, vão copiando para
então fica uma coisa meio abstrata praeles. Eles não tão tentar fixar, porque mais doque isso realmente, além da
vendo aquilo; então, como eles ficam muito inibidos de aula, de fazer perguntasn:aaula,pedirmais atenção e
perguntar, então fico eu fazendo perguntas". "Promove ainda pedir para -elesfazeremum'lrabalhosobre aquilo
debates?" "Trabalho de grupo, sim. Debate, eu não diria eu me vejo assim muito limitada, tanto pelo espaço de
que seria um debate, seriam conversas dentro da sala de tempo deles como rrieu": Solapadas as-condições de uma
aula". O que será que inibe a criança? Será o ambiente explicação aprioristada p-roduçãódoconnecimento, o
opressivo da sala de aula ou a falta de interesse pelo que faz a pnofeasor'a?' Respon-de' ·dentro .do. âmbito do
assunto em pauta? Ou ambas estas coisas? A ausência modelo pedagógico-epistemológico que herdou de sua
da fala do aluno denuncia um ambiente impróprio. à formação: o modelo de conhecimento:'repetição;: além de
construção do conhecimento. Denuncia, também, um apelar para os conhecidos reforços externos- e para a
modelo didático-pedagógico que suprime a fala do aluno punição. Se o modelo pedagógico," no qual opera a pro-
por considerá-la fator perturbador da aprendizagem. Ou fessora, produzfracasso,com'oela mesma reiterada--
seja, a escola, em nome da aprendizagem, instala um mente constata, sua conclusão deveria ai na.lízae ma
modelo de relação professor/aluno que inutiliza ascon- direção didática contrária a este modelo. Como não há
dições prévias da produção do conhecimento, entre as consciência de que exiata.relação errtre modelo didático-
quais está a fala do aluno. O professor acaba sendo a p.edagógico e fracasso na -aprendizagem,~a:-respostaprá-
primeira vítima deste modelo: "como eles ficam muito t íca da professora caminha no sentido de fazer
inibidos de perguntar, então eu fico fazendo perguntas", recrudescer a aplicação de técnicas de errsirio do modelo
diz a professora. A professora pratica um modelo didá- vigente. Diz ela: "eu tento fazertrabalhospraque eles,
tico-pedagógico que inibe a fala do aluno. Intuitivamen- pelo menos, vão copiando para tentar fixar... " -_
te, porém, percebe ela que a fala do aluno tem certa

236 237
Mas, continuemos a procurar as condições prévias "Que capacidade matemática teria um aluno de 5
do conhecimento, na explicação desta professora. "Basta anos?" "Capacidade matemática? De 5 anos? Ela (a
que você ensine bem para que o aluno aprenda?" "Não, criança) . teria muita capacidade. Se tentarem ensinar
não basta. Eu posso estar com boa vontade, mas ele não alguma coisa, ele tem as mesmas condições, não digo que
tendo boa vontade, ele não vai aprender. Eu acho que a ela vai aprender teoremas com 5 anos, não é isso, mas se
boa uontade é o fator primordial para poder aprender: houver uma iniciação ela tem tanta capacidade como
se ela (a criança) não tiver a fim, ela pode até ter condi- uma criança de 10 anos". Está óbvia, aqui, a presença
ções psicológicas, mentais, ambientais.éocioeconômicas, de um a priori que não precisa de explicação: "o raciocí-
mas se não tiver boa vontade, ela não vai aprender. Além nio" acima referido ou uma tábula rasa que tudo absor-
desse, outros fatores seriam: o assunto intereseante, meu ve, independente da idade. Mas, continuemos a
Deus do .céu, tantos fatores existem.... tantos fatores am- perguntar: "E .urna de 3 anos?" "Born, de 3 anos! Recém-
bientais, a didática do professor, amaneira com que ele começou a falar.:.. Também, né?! Tem capacidade mate-
explica, meú Deus" são uáriosos recursos que ele utiliza mática, não digo assimpra,aprender, meu Deus, coisas
pra chamara atençãot já seriam. secundários todos esses pra usar, assim, ra~idcíniol6gico,.prafazercálculo, não
fatores". Tudo o que o modelo epíeternológico empirista mas existe já.•. justamente, são aqueles brinquedos didá~
tem projetado no modelo pedagógico do conhecimento- ticos, né,queprecisa uearcorracioctriin da criança, de
repetiçãop.erde aua consistência.e a -professora passa encaixe; tudo; de coresçaquelesblocne .Iôgieos, grossura,
atribuir, como causa pr'imeira daupa-endiaagern, a boa cor, isso aí urn raeioctniologiea, mate má tieo. Então, a
é

vontade. O modelo ernpi'r-isna tfraoaaaa se rião puder criança de 3, anosjá tem isso.tqmbém,formas e figurae,
contar com a "boavontade'tdo alunoj.aoIado deste, todos ângulo, .círculo, .quadrado; .. ela já tem. ".OraciocínioJjá
os outros fatores são secu.ndár'ios. Resta saber seaboa existe com, 3~nos,~p,oisl'-'E adeaam 'a~o?~~C~om,pramim
vontade é ensinada-e aprendida ou.se é,ta~bé~ela,um aíé .mero ', c()nhecim"e11:to.,'éx:;Faciocínio,uma~introdução,
causadorc priori .de todoo conhecimento. desde o tntcioos paiepodem it.désenvolvendo·ela,agora,
"E·os papéisde saladeaula? Como se definem?" "O claro, sempre com. dosagens-tca.davez, mcüoree.Com um
papel do professor é 'simplesm-ente [o de] um instrutor e ano existe muitas coisas que:ua"gente.pode .. fazercom
o papel. do aluno seria o. de um ouvinte participativo. relação à matemática, com a criança. Mas ainda não vai
Esta participação se. daria nos> 'debates', nas conversas ser. assim porque- elaaprendeuque 7: +.-,1·.. = 2, . sirnples-
participatiuas, nas conversas de sala de aula, nas per- mente, porque ela "fentali~ou aquilo, aí, ela decorou
guntas deles e nas minhas, .nas respostas deles. Partici- aquilo ali. Ela não entende, ainda a gua11,tidade que 1 +
par tanto aluno-aluno quanto aluno-professor". O papel 1 = 2". O r'aciocírriujá exista e0Il:l Um ano, pois? "E a
do professor está coerente comavisãoempirista: é , criança quando nasce?" c~Chtl.qU~ ,a . única parte mate-
aquele que' expõe (estímulo)o conhecimento.Odo aluno mática é ochoro riashorae de:.. momormesmorocho.oue
"é ser ouvinte", também está coerente. E "participativo?" a coisa maior é isso". Há,p«;>,rtânto~-elementomatemático
A explicação que se impõe e que não é inédita nesta na criança -. recém-nascida, há. componente .rnatemãtíco
pesquisa, é a de que a participação é necessária para inato, portanto. "Como é que tu diz que tem matemática
"vivenciar" o estímulo; só isto, salvo melhor análise. nesse choro?" "Sim, não, existe, uma organização de
Continuemos em busca das ·condições prévias já referi- tempo, né, na criança, então ela tem o tempo para tudo.
das. Isso aí já é, no momento em, quea gente poCJ,e medir, já
pode dizer que é alguma coisa ligada à matemática". "E

238 239
antes de nascer?" "E antes de nascer, meu Deus, acho que recursos não são os mesmos de uma criança de classe
é s6 os movimentos intra-ute.rinos mesmo". "Quer dizer média ou de classe alta". A coerência com o modelo
que a movimentação dela indica que ela tem um com- empirista continua na medida em que as diferenças nas
portamento matemático?" "Não digo um" comportamen:to contingências estimuladoras produzem a diferenciação
matemático, mas ela já tem um espaço, então ela uuie nos resultados da aprendizagem entre os dois tipos de
dentro daquele espa90. Não digo assim um comporta- crianças.
mento matemático. E.como eu disse no início: eu não sei "E se os pais de uma criança são inteligentes, ela
dizer, eu nunca fiz, como se diz, sonoterapia para saber também o será?" "Não, isso não quer dizer, se bem. que a
o que acontecia comigo antes". Vê-se, portanto, que esta inteligência, até tem os testes de QI, mas não acredito que
concepção admite uma forma 16gico~matemática- uma a gente possa medir a inteligência de uma pessoa. Têm
tábula rasa - que serve de receptáculo para qualquer pessoas que podem ser ignorantes e são superinteligen-
conteúdo, que sobrevenha em forma de estímulo.e que tes, né. Isso não quer dizer que se os pais forem inteligen-
respeite certas .condições de .cornplexidade própria do teselas serão inteligentee.pelo menos no código genético;
mundo do objeto. É a tâbularasa do-empirismo clássico, pelo menos eu-nunca estudei que a inteligência é trans-
porém .com um estatuto um pouco melhorado. Mas, ao portada através daecélulas", "Se não é transportada
mesmo tempo, elatem um sabor de elemento apriorís- através das células, donde é que ela vem, então?" "Pra
tico que serve:apenas.paralegitimar fi explicaçãoempi- rnimédodesenuoluimento que a criança tem desde que
rista;elemento apriorísticoquedesce àvidaintra- ela nasce..que . os pais.vão desenvolvendo ash.abilidades
uterina: a ••• agora, antes; existe um raciocíniointra-ute- nela e,' sei láçé desenooloer as habilidades nas crianças,
rino"~Alémdisso,merece especial atenção o V:,erbo "de- acho que elas têm um-futuro bem maieprorniesor que
senvolver", usado.pela:professora-comooobjeto direto: "a uma criança quenunca-. teve-nada-desenvolvido nela.
gente. pode desenvolvera criança desde o início... agente Agora,ébemaquilo:-inteligência,euacho<bem difícil de
pode desenvolver ~. raciocínio lógicona criança a partir se medirtderepente, tu podeter.cendiçôes de aprender,
do nascimento..." E indiscutivelmente abase epistemo- e eu nãoter condiçõesde aprenderçeeurneeaio melhor
lógica empirista -queforrrece suporte a esta arrogância da que tu, entende? Então eu não sei até.queponto se pode
didático-pedagógica. medir a inteligênciattufoi bemdesenuoluido, .teoe uma
Continuemos à procura dos pressupostos epistemo- boa alimentação, teve um: nível bom de vida; eu não tive
lógicos na fala desta professora. "A criança que nasce' e e aprendi. Então-será -que dâpra medir a inteligência?"
se cria na favela .conhece domesmo jeito que a criança "E -se forem (os pais) .débeís mentais?" 'f Cientificamente
de classe média ou alta? Ou a que nascenorneio rural ela até tem chancede nãoserdébil mental de doença, a
com relação à que nasce nó meio urbano?"J"Aprender~ela pessoa imbecil de doença, Até tem. chance de não ser, mas
aprende do mesmo jeito; agora, o t~mpoque ela leva pra tem 75% de chance de ser débil mental. Como é que eles
aprender, é diferente. É bem mais demorada, é um,a coisa vão agir com a criança é que eJJ,·· não sei". "Se não for
assim, porque daí já entra o problema da alimentação; trarismissível, você achaque ela vai ficar débil mental
é uma criança quejá não tem uma alimentação adequa- ou não?" ÇÇSe for criada por peSSOÇLs débeis mentais,
da, então ela já tem problemas físicos, .digamos assim, normal é que ela não vai ser. Não digo que ela vai ser
então ela até aprende, mas não seria no mesmo espaço débil mental porque ela não tem (a debilidade mental)
de tempo porque as condições não são as mesmas, os no código genético dela, mas ela não vai ser". uma pessoa

240 241
perceber que existem não só sons, mas palavras, então
de conduta normal". "Quer dizer que a inteligência dela
~la começa a imitar, começa por imitação, e daí dessa
terá problemas? Donde vêm eles, já que não vieram por
imitação ela começa por imitar as palavras, dai então as
hereditariedade?" "Por um bloqueio do desenvolvimento
frases e assim por diante". Como se vê o desenvolvimen-
que os próprios pais fize:am em relação. à criança. Não
to consiste na ação do meio, ação esÍimulante, sobre o
deram condições normais de desenvolv~mentoda capa-
que é dado na bagagem hereditária. O sujeito é desen-
cidade". Como se vê, o código genético é algo ÍlXO que
volvido, nunca se desenvolve. Prossegue-se, então:
serve de ponto de partida, masque nada mais influen-
ciará na configuração do ser inteligente. Tudo depende- "E o macaco não tem essa capacidade de imitar?" "Eu
rá do meio tudo será determinado pelo meio: ela não acho que ele não fala, sô ·imita sons porque ele não tem
será norm~l se for criada por pessoas débeis mentais, a~ condiçõ~s de formular aspalav-ras,. eú acho que isso
pois seus problemas origi~a~-se "ppr um bloqueio do ta n,0. cádigo ge!!ético. que nele' não existe. No código
desenvolvimento que ospropnos pars fizeramemrela- genético dele nao existe aquela pecinha que vai pro
ção à criança". Como se vê, o próprio frac~ssoescolar,é cér.ebro dele que comanda a parte ria fala dele· a nossa
explicado por incidência do meio de maneIra.desfavora- e~~ste, a dele n~o existe". "Então não é s6 q~estão de
diferença de meio ou decordas vocais?" "Eú nunca abri
vele um macaco nem uma pessoa (riso), mas pelo pouco que
"Se você ensinasse o conteúdo de sua matériaaum
animal de laboratório, ele aprenderia? Qual adíferença, a gen~e estudou: o macaco é um . Tn,a,rníferotambém,
pOSSUI, cordas vocais; penso que seja assim, aprinctpio o
na capacidade de aprender, entre o teu ~l,uno e oan!mal
de laboratório?" "[A diferença] acho que e em relaçao ao homem é r~c~onaJ,. tem a capacidade . d e formular, de
código genético nosso. Nós temos um código genético,· eles pensar, de imitar. .O macaco, seagentedeixarelej>or si
têm outro. Então eles não têm no código genético, eu
sô, ele não tem- condição de inventar -urna.coisa. ele só
acredito, a fala. Eles têm cordas uocaie: eles têmtud,o,
im~ta"~ Como se vê, o processode ciínità'Çãortão~roduz
efeito sobre o deaenvolvimerrtó.tE coerente na medida
eles emitem sons. Mas eles não têm a capacidade de em que o que define desenvolvimerrtoéo dadogenétdco
ó
formular palavras, então eles podem sie repente fazer
llXo_ e a influência· ou pressão-do .meío. Pergunta-se,
tudo o que se faz, mas falar eu acredito .queseJa e~ entao: . , .
relação ao código genético". Afirma-se, aqur, uma c_ondI:
ção prévia muito clara: a capacid~de de falarna~ ~Ol "E um homem recém-nascido perdido. nomeio dós
dada no c6digo genético de um animal de laboratono, macaco~. Ele falaria?" "Não, nãofalciria,_ só daria aque-
por isso não pode ser desenvolvida. Pargtmt.a-se, então: ~es ganidas que o macaco fazpor:quê'justamente ele
"Se está no c6digo genético, então por que a criança imita, mas ele vai imitar aquilo que ele está escutando;
então quando ele é nenê, 'eleimita os sons que a-família
começa a falar com sentido somente por':.olta~eumâno
e meio a dois anos?" "Ahl porque antes nao foi desenvol-
emite... e aí foi encontrado-rum nenêHumanojcczn uma
cadela, ele se arrastava no chão, ele não pesava mais do
vido nela - até foi desenvolvido, .eu nunca parei pra
que 2 quilos, elejá tinha parece que 3anose"ele-era uma
pensar nisso - agora eu tô dando ciências e eurealm.ente
bichinho junto com a cadela; acredita-se que a cadela
agora "!e deparo com uma coisa que eu nuncc: parei pra.
saía à rua, buscava alimento que ela achava no lixo e a
pensar assim, por que não antes? Antes e!a.so chora e ai
crian.ça comia, porque ela comia como uma cadela. En-
ri, tem aqueles sons, enfim, eu acho que e porque aquele
tão, eu acredito que é o mesmo caso com os macacos: se
desenvolvimento que ela vem tendo ela começa dai a . '

243
242
I:,.'. •.' !•.
j:

I
a gente deixar uma criança no meio dos macacos ela vai transferi o que tinham me ensinado... " Aceitando, tam-
agir como os macacos". Parece que não re~ta dúvida: a.s bém, que o conhecimento "é o acúmulo dos fatos compro-
capacidades de inteligência ou de aprendIzagem, ~Xpl.I­ váveis... "'Mostra que traz subjacente ao seu pensamento
cam-se pela existência de um núcleo fixo heredItano e à sua prática uma epistemologia empirista.
sobre o qual incide as determinações do meio, "desenvol- Em resposta à questão: "Como se transmite o conhe-
vendo-o". Resta saberem que medida este núcleo fixo e cimento?", declara: "Para responder isso, eu entro em
em que medida o meio determinan: o d~se~v.olvimento. contradição. Na minha aula só. há transmissão teórica.
Pergunta-se, pois: - Que pesos voce atrIbuIrIa, em per- Os alunos não vão poder comprovar o conhecimento. Eles
centuais, à bagagem hereditária e ao meio?" Responde aprendem química porque têm que aprender, pelo currí-
ela: "Meú Deus, é uma coisa assim tão, 30%, 35% de culo. Aprendem como quem aprende a escovar os den-
inteligência e 75% de fatores ambientais para ela desen- tes... Eu sempre adorei química... ~~ A descrição que este
volver a inteligência .e se dizer que ela é uma pessoa professor faz do ensino, no qual ele mesmo está envolvi-
inteligente". Portanto, 300/0 ou 35% de núcleo fixo, es~a­ do, é arrasadora e confere com as descrições desta pes-
belecido a priori. P restante é contribuição do meio. quisa. O que impressiona,no entanto, é que ele percebe
Resta saber como O meio age sobre este núcleo fixo. o impasse profundo do ensino mas não vislu:mbra saída
para a prática docente. A percepção de que os alunos
"aprendem química como quem aprende-a .escovar os
TERCEIRO CASO dentes" opõe-se' à percepção de que "eu sempre adorei
química". No entanto, 'não há instância teórica que dê
Sigamos o pensamento do professor de qU.íqlica, com conta destes elementos, -percebidos . como inconciliáveis
15 anos de magistério, graduado-o emmedlçlna, douto- - que entram "em contradição"--por este docente.
rando em bioquímica, lecionando em uníveraidade par- A passagem de urncorihecímerito m.enorpara uni
ticular de tipo confessional, comi trânsito anterior em maior dá-se: "Por insatisfação, dúvida e. incertezas.
magistério de Segundo Grau, também emescola da. rede Como professor, os meus alunosmequ'estiana-m.Então
privada de ensino de tipo confessional. Devido a proble- eu, para poder responder, tenho que ir estudar mais. Eu
ma de entrevista, este professor permanec~ no dIS~U:SO sei um pouquinho e tenho queiratrás,pesq'uisar.Quan-
pedagógico em vez de assumir odiscurso~pIstemologIc? do eu comecei a dar aula, eu sabia pouco. Não sei como
Entretanto, sua fala, freqüentemente Irônica, derruncia consegui ensinar as coisas erradas - eu não entendia, ou
determinadas concepções epistemológicas, mais ou me- entendia errado.s-proemeus alunos. Tem professor que
nos subjacentes, que merecem ser rastreadas. diz: 'Não vou ensinar tal coisa para vocês porque é muito
A" pergunta: "O que é para voce,.. o connecrmen
heci t o.?" , difícil, vocês não vão entender'. Na verdade,éo professor
responde: "Para mim, ser professor é ~~ico'. Eu n,u,!,ca que não entendeu, e então não sabe ensinar". A interação
pensei a minha disciplina, do ponto de uista peda~ogl,co.. professor/aluno, como explicação da passagem de um
Eu só transferi o que tinham me ensinado, não enrl,quecl,. conhecimento menor para um maior, apresentaelemen-
Para definir conhecimento eu entro no esquema dos meus tos de uma explicação interacionista; no entanto, o pro-
professores: 'é o acúmulo de fatos comprováveis, demons- fessor parece não ter consciência dos fundamentos desta
tráveis... '" Ele reconhece, pois, que na sua prática peda- explicação. Sua constatação de que o professor não sabe
gógica, assume o convencional, sem tematizá-lo: "Eu só ensinar porque não. sabe o conteúdo é, sob certo aspecto,

245
244
aguda e inatacável; mas, novamente, este profes.sor não debate é bom. Se um aluno diz uma coisa e outro- diz
fundamenta sua afirmação sob algum ponto de vista das out:a coisa diferente, eu pego e valorizo a diferença e
ciências que concorrem para a confecção do pensamento estimulo o debate sobre isso. Mas não acontece muito
debate em geral na aula". A descrição que este professor
educacional.
À pergunta: "Se você ensinasse o conteúdo de s?a faz da prática escolar é lúcida e coerente. Embora con-
matéria a um animal de laboratório, ele aprendena? funda "debate" com "fazer perguntas" e a qualidade do
debate com a quantidade de perguntas, termina dizendo
qual a diferença, na capacidade de. al.?,render, entr~, teu
aluno e um animal de laboratóno? ,responde: Um que "isto não acontece muito..." Isto é, ele não se ilude
animal só é possível treinar, transmitir sem modificar. com algumas incursões inovadoras da prática escolar
Na minha disciplina, nas aulas práticas, poderíamos por ele estabelecidas.
treinar um animal para desempenhar a tarefa. U~ . "~omo trata as dificuldades de aprendizagem?" cCÉ
sujeito retardado pode ser treinado. Algz:ns chegam ate. difícl,lsaberquem não acompanha a matéria numa
a professores (risos)". A crítica do ensino ultrapassa, turma de 75 .alunos. S6se no fim da aula o sujeito vem
aqui, o. âmbito da' ironia e chega quase ao sarcasm? se queixar que não entendeu. Geralmente, é por proble-
Denuncia um ensino que não atinge o pensamento, pOIS mas de base (bachground) . teórica. Eu, então, dispenso
detém-se apenas no treinament~ de ha.bili~adesque atenção para aquele aluno", ali, naquele. momento. Mas
animais ou débeis mentais não teríammaror dIficuldade isso é errado, é 'uma 'conduta·.paternalista. Eu acabo
de atingir. Está claro que este docente postula um ensi- usando umalinguagemmaischão para, 'explicar o con-
no que desafie o pensamento, super~~doinfinita~e~te teúdo. Mas .dat distorce a.teoria.ílúeubestima o aluno".
o que aí está. A fundamentação teonca- pedagogl.ca, O que.há.deer-éadoemusan; num -detérrninado momen-
epistemológica, etc. .,.... para .t.al. superação, no entanto, to, -umaHnguagemdespojadade terminologia técnico-
não se manifesta. Não foi formulada por este professor. científica, para esclarecer incompreensões de um .ahano,
Isto quer dizer que ele, se apro~i"?-a, na ~m~.~is~ que faz abordando-o individualmente? No entanto,odocente,
do ensino, de uma epistemologIa InteraCIonlstaque, no por.. estiar desprovido .debaseteõríca (pedagógica, epis-
temológica, etc.jpensac.imediatamente, queestáenvol-
entanto, não tematizou.
vido em' atitudepaternalíata..
Perguntado sobre pré·requisito responde que "O alu-
no precisa saber química inorgânica pra e~~ende!: ~ "O que é necessário··'pará'}qlle'l.lmaluno aprenda?
minha disciplina". E continua: "A aula expoeittoa nao e Basta-utnbomensin()?"~Eutenho que estar motivado e
suficiente... Espera aí!... estou em dúvida... Nós damos o aluno tarnbém> respondeoprofessor. Motivação é a
aula prática. É para fixar a aula teórica". .Quanto, a~ expressão da necessidade. Tem-que estar querendo. Não
pré-requisito, esperava-se uma resposta epIstemologl.- me . . ,porquê: Eu 'sêmpre,gosteide química', mas
- pergunte
nao set por que a-química me motivou, Na motivação
. , '

ca .e veio uma resposta didática. No entanto, ao falar da


relação prática/teórica, o professor trai uma postura entra a questão da satisfação social e outros fatores". Já
empirista ao conceber a teoria como algo que pode ser distinguimos, alhures, eom-Piaget, motivação externa
de motivação estrutural. Esta é 'a expressão viva da
"fixado" pela prática. estrutura. Por isso, parece legítimo defini-la como "a
Pe~guntado: "Você faz pergunta a seus alunos, pro-
expressão da necessidade"~Identificarmotivaçãocom
move debate?" responde: "Faço perguntas. O debate de- querer, como faz o professor, aquivjáé outra questão. É
pende deles. Quando eles fazem bastantes perguntas, o

246 247
só sugerir a distinção entre vonta~e e de~e~o, q~e esta dizer: "Mas na minha aula não sei se isso acontece" isto
identificação já denota pelo menos rmprecrsao. A Impre- é, não sei se "o professor se modifica com os alunos", já
cisão aumenta ainda mais se questionarmos o impera- que a interação funciona em índices tão precários.
tivo categórico: "tem que querer". De qualquer modo, o
professor tem razão em apontar para o .aspecto Incons- "Se você ensinasse sua matéria a um animal de
ciente da motivação ("Não sei por que a química me
motivou"), no qual "entra a questão da motivação social
e outros fatores". Revela, aqui também, ao lado da
precariedade de abordagem da motivação, a ausência de
teoria capaz de dar conta de tão complexo fator.
I laboratório ou a uma criança de um ano, ele/ela apren-
deria?" «O conteúdo teórico, o animal não aprenderia. A
execução, ele aprenderia. Se uma criança de um ano
so';!-besse 9uímica orgânica, ela aprenderia o conteúdo da
mln.h a dlSciplina. Mas isso seria impossível... precisa de
muita abstração". Suposta a distinção entre trabalho
"Qual o papel do professor e qual o do. aI.uno no manual e trabalho intelectual o reconhecimento de que
processo de aprendizagem?" "O professorenslna e o o animal seria capaz de apr~nder o trabalho manual
aluno aprende! Qual é a tua dúvida? (risos) O profes.sor parece arrojado, ainda mais se pensarmos em trabalho
orienta a construção de conceitos, a conetruçãoteôrica. manual n?m laboratório ?-e química. "Que capacidade
Mas quem constrói são os alunos". (Usouurna metáfora, d~ conhecimento tem a cnança nos primeiros meses de
dizendo que o professor orienta o aluno comoriacons- VIda?" "Tem capacidade só emocional, afetiva. Ela
trução de um prédio: põe esse tijolo.assim.... ocimento aprende a perceber 'o que é bom ou ruim, quem a ama e
põe assim... ) "Os dois acabam .construindo, O professor quem não a ama. Aprende aclassificar~'.~Ao. mesmo
se modifica com os: alunos. Mas naminhaaula.nãosei tempo em que afirma que a criança, nos . primeiros
se acontece isso". A dicotomia ou air-redtrtibifidade entre meses, tem capacidade somente emocional "afirmaccon-
o ensinar e o aprender derrunciaatéqueponto a ~~piste­ ~raditoriamente, que a criançaaprendeà'classiÍicar.
mologia empirista determina o pensamento desteip~o­ Como o ser humano aprendeu isso?" "Ele tem uma
fessor. Paulo Freire diz que educadoréaquele que alem bagagem pré-determinada. E tem a mãe que é orienta-
de ensinar, aprende; e educando é aquele'que:al~m de dora d;e,modelação, o pai, os irmãos... " Afirma-se, aqui,
aprender, ensina. E próprio da concepçãop'edagó~ca;de o que ja se .tornou usual: ° docenteafirm'a.a existência
base empirista conceber o conceito como umaentl~ade de um núcleo fixo herdado, sobre o qual o meio exerce
desvinculada da prática que pode, cornotal, ~e~:eI;!,slna­ su~ pressão~ a part.í r do qual ocorre. a "modelação". É a
da. É neste sentido que a concepção constr-utdvista, .de epistemologín empIrIsta, complementada por um a prio-
base epistemológica interacionista, não tem.lugar aqui, ri hereditário.
a não ser por equívoco. Equívoco que o docente. mesmo
encarrega-se de desfazer ao usar a metáfora da conatr'u- "A criança que nasce ese cria nafavela, conhece do
ção de um prédio: trata-se de um conceito de construção mesmo modo que a criança de classe média (ou alta)? E
por somas sucessivas e cumulativas, e não deco~~tru­ a do meio rural, com relação à do meio urbano?" "Em
ção-sfritese, próprio do interacionismo construttvísta. essência não é diferente o mecanismo interno de conhe-
No primeiro, há complexidade em função d~s~~umula­ cimento. A criança de classe média é mais estimulada
ções sucessivas, no segundo há saltoaqualit.ativos em sensorialmente, afetivamente. O teste de QI, quem faz
função da acumulação quantitativa. Novamente, po- pela segunda vez, faz melhor. A estimulação é <diferente'.
rém, o olhar agudo deste professor faz-se presente ao As vezes no campo é mais estimulado, mais criativo,
desenvolve coisas que na cidade não... matar passari-

248 249
nho..." Apesar de apontar ~ara o e~er~ício, o que poderia colégio de periferia urbana, com 25 anos de idade e dois
levar para uma explicação lnter~clonlsta:t~do reduz~se, anoS de docência, responde a esta entrevista.
em última análise, à estimulaçao, apariagro da explIca- Pergunta-se: "Como se dá o conhecimento?" '"'"O co-
ção empirista. O estímulo tem, por si mesI?~' ? poder nhecimento - diz ela - se dá por diferentes processos
absoluto de determinação da bagagem heredItana. Wat- mentais, por adquirir tudo aquilo com o qual se entra em
son, pai do behaviorismo, dizia: passem-~e o controle contato; o conhecimento se dá por diferentes níveis men-
das variáveis do comportamento de uma crrariça, que eu tais". "E como se transmite o conhecimento?" "A'gente
farei dela um anjo ou um demônio. leva o aluno a pensar sobre uma série de assuntos que se
"Como se avalia a inteligência?". "Se o pai é culto, o apresentam; pede-se a ele que faça diferentes análises,
pai lê, o filho fica pens~ndo: <Eu vou ler também!' lnte- comparações; através disso, dacomparaçãoçda análise,
ligênciaseria a capacL~a.de de r:solv~r p'robl~":.as.d~ interioriza aquilo que a gente mostra, aquilo que a gente
forma rápida - tenho dúvidas... nao sei se mteügencLa e apresenta. Acho que é isso". Identifica-se, logo, a base
isso... As provas em sala de aula são com tempo fixado. epistemológica empirista: o aluno interioriza o que lhe
O aluno não tem o tempo inteiro. Quem resolve as,que~­ é mostrado. Embora a professora reconheça que o aluno
tões durante o tempo-estabelecido supostamentee.mals proceda por diferentes processos mentais, estes são ati-
inteligente". A explicação da maior o~ menor .ca~acldade vadospelo professor; e rrãopor ele, aluno, mediado pelo
intelectual pela interação. com·o·paI·culto lndlcaum~ professor.
direção interessante. No entan~o,p~rec~~erum~ expl'i- "Como se passa de um menor paraum rrraiorconhe-
cação que não ultrapassaonlvellntultl~o,~Ol~ -sea cimento?" "Vencerido etapaseuceseibas queeão função
capacidade intelectual define~se ~elas .contIngenClas~~ da pessoa, função do '~stágio q'feela~eenc()rdra de
interação, não pode ser reduz~daa rapidez n~ resoluçao conhecimento. Se elaa.âqztireuma coisante,npr~ ela con-
de um problema. "Como. avalla~ teus alunos. -:per~~­ segue, com maiorfacilidade, ampliar .aquele conheci-
ta-se. "Eu faço prova escrita mista, com9uestoes obJetL- mento de qualquer área. Ensino a ler, 'escrever, a
vas e subjetivas. No SeguridoGraü eu. f a z La 10perguntas entender". Como se vê;~admitir ést.ágiosde 'desenvolvi-
sobre praticamente o que eu tinha. dL~oe,!" aulaicom.as mento, em que se vertfica crescimento da. coIllplexidade
mesmas palavras. Só em duasquestoese que pr.eclsava a cada nova etapa, não é exclu~ivid.ad«-:·de-únla episte-
ser criativo pra responder. Se o aluno resp~ndla ess~s mologia construt.ivistav A diferença errtre tais: concep-
duas questões, eu sabia que ele tinha aprendido. Mas, as ções está em que na visão empirfsta () córihecímento é
vezes, a nota era mais baixa que outros, por9 u e quem algo que vem de fora e impõe-se ao sujeito pela pressão
decorava o conteúdo saía bem. Eu nunca goeteide testes, do meio; na visão ccnatr'utiviata, o conhecimento é cons-
então eu não uso testes com meus a l unos " · truído pelo sujeito nainteração com o meio, cuja pressão
é entendida como mediação. "
"E se você ensinasse o conteúdo de sua matéria a um
QUARTO CASO animal de laboratório, ele apreriderta'i" Qual a difer-ença
na capacidade de aprender de teu alunoeo do animal
A professora, formada em magistério (S~g,:n?o de laboratório?" '~ criança tem condição de assimilar
Grau), serviço social (graduação) e c~rsa?do lristória, conhecimento e de expressá-lo; é claro que não posso
lecionando para primeira série de Primeiro Grau, em ensinar aos animais a ler e escrever; mas posso ensinar

250 251
coisas diferentes aos animais em etapas sucessivas, e ele 'diferentes entre olhar lá e olhar aqui, copiar aqui, longe
também apresenta crescimento, apresenta melhora. Ele e perto, todas essas coisas ele precisa saber". A percepção
tem um outro niuel de manifestação, de expressão deste do espaço, e não a sua construção, constitui a condição
conhecimento. Na criança é diferente, a expressão do prévia da coordenação da ação. Ohábito forma-se pela
conhecimento, as etapas, são outras. A diferença está no reprodução de ações controladas de fora; a instância
aspecto racional. A alfabetização está muito relacionada mediadora desta formação é a percepção, entendida
ao próprio aluno, ao conhecimento que ele tem do corpo como sensação. As afirmações desta professora são ricas
dele. Ele precisa se conhecer para adquirir coisas de fora. em caracterizar ("hábito", "reprodução", "olhar .bem",
Ele tem que se conhecer, ter uma relação boa, ele tem que "copiar", "olhar lá e olhar aqui", etc.) o modelo empirista
ter vontade, achar que aquilo que ele tá aprendendo é que explica a formação do hábito pela reprodução de
importante; ele tem que tersucesso nas etapasanteriores ações. N es~e modelo é a percepção que tem a hegemonia,
para se incentivar, para prosseguire continuar; mas e.nao a açao', Em lugar do processo de abstração refle-
principalmente - à aula expositiva não! - o mais viven- xíonarrte apoiado nos objetos (abstração empírica) e nas
ciado possível, que ele tenha contato, que ele possa pegar, ações e coordenações das . ações (abstração reflexionan-
olhar, ver, daí ele consegue; senão fica muito~Çtbstrc:t~/ te), subsumindo a percepção, temos a observação cuida-
daí ele não alcança um nível muitogrande de abstração . dosa visando a cópia fiel do objeto que será decalcada na
A diferença está em que o aluno, ao contrário do anirnal, mente por força da reiteração.
é humano e, portanto, racional. Note-se, ele não se faz
"Donde vem essa noção de espaço?" "Ah.I Isso vem
racional,ele é racional. Este ,é oponto de partida.Em- trabalhado com a criança, a fam.tlia, tudo o mais,' as
bora a afirmação de. que o aluno "precisa aeconhecer pessoas trabalham a sua noção de espaço. Quando tu
para adquirir coisas de forat'pareça introduzir algo para
chega e diz prauma criança ordenar suas coisas, tá
além do empirismo, as afirmações seguintes vão recupe- trabalhando a noção de espa~odela;arrumar, montar a
rando a visão empirista até não deixar mais dúvida: o
própria classifi,caçãodascoisas, dae suas roupas, obede-
trunfo do conhecimento está no contato' sensorial (olhar,
ce.a um. a classificação: os calçados-são aqui, as outras
pegar, ver... ), "o mais vivenciadopossível". Mas, como coisas, lSSO são noções de espaço que são trabalhadas no
nem a visão empirista su-porta atábula rasa, é preciso dia-a-dia". A distinção é sutil; mas clara. No pensamen-
colocar em seu lu o-ar "a vontade" como fundamento da to desta docente, não é a ação e a coordenação das ações
função do est.ímulo: sem vontade, o estímulo não produz que constitui o espaço, a ordem espacial, mas o ensino
os efeitos desejados. ("quando tu chega e diz pra uma criança ordenar suas
"O que teu aluno precisa saber para aprender o coisas, tá t~abalhando a noção de espaço dela") que
conteúdo de tua matéria; a aula expositiva é suficiente?" Impondo, reiteradaments, ações ordenadas, decalca fi-
"Ele precisa ter. o manuseio do traçado, em .terrnos d.e nalmente a ordem espacial objetiva, no interior da sub-
hábito; p. ex., atender linha de reprodução, de coriseguir jetividade. "E antes?" "Antes?" "Onde é que começa
olhar bem, de copiar, de reproduzir aquilo, tá; ele precisa tudo?" "Não sei. Acredito que um pouco pela pessoa. Se
saber o espaço que as coisas [ocupam], pode-se começar ela tem condição de se organizar. O outro, as outras
pelo corpo do aluno, o espaço que ele ocupapara começar pessoas ensinam, a convivência, acabam. ensinando isso
a ocupar o espaço no caderno. Ele precisa saber olhar no a necessidade de arrumar suas coisas, de encontrar sua~
quadro-negro e reproduzir no caderno. Isso são aspectos coisas no mesmo lugar, também; senão não acha nunca

252 253
do a gente ~omeça, depois de uns vinte dias a gente já
nada. Um pouco, as pessoas mais velhas ensinam, ou a tem conheclmento,come~aum processo de conhecimento
professora ou a mãe, ou os irmãozinhos em casa, alguém e se começa a de:ectar dificuldades. Aí elas têm que ser
tem que se organizar para ter uma convivência melhor". estudadas, elas tem que ser abordadas nas mais diferen-
O modelo empirista está clara e repetidamente delinea- tes causas. Pode ser uma questão de adaptação da crian-
do. Porém, um leve escorregão aponta uma perturbação ça à esco.la, pode ser u~a dificuldade clínica da criança
na harmonia deste modelo. Diz a professora: "Acredito qu~ p'reclsc: um encaminhamento médico, uma avaliação
que um pouco pela pessoa. Se ela tem condição de se médica, a~ ve"!, a resposta. No meucasocas crianças que
organizar". Esta fala soa como a afirmativa da condição eu en~am"nh:"... o~ 4 laudos médicos comprouaram que
prévia que viabiliza o ensino. Mas, na seqüência, não é as crianças tem dificuldade. Aí tem que dar o encami-
lembrada - muito menos dialetizada. Tudo isso .em nhamento adequ.ado. De repente tem que fazer um trata-
nome da reafirmaçãodos atributos que delineiam o mento,_dar "!-ec!:lCação, algum outro tipo de terapia. Aí
modelo empirista. . cabe nao mcue a escola, ao professor mas ao 'd·· "
"Você faz perguntas a seus alunos? Promovedeba- ili. t b ' "u J"" me LCO e a
fiarrit la am em. . m aluno não aprende porque é desa-
te?" "Faço perguntas. Acho importante. Eu particular: tento, po:que não ~.stá interessado. Onde estão as causas
mente gosto que o aluno se manifeste, que o aluno se . de sua ~~o-apr~ndlzagem7Obviamerrtecfora dele; estão
expresse. Tem professores que gostariam que O aluno na f?mIha,etc. E.,~nde estáasuperaçiiodadifi.culdade?
ficasse quietinho, só olhando, copiando, tal. Eu acho Esta fora do a'lurió, está no médicovEiassim por diante.
importante que o aluno participe, é uma maneira de ele A profe~sora e coerente com Seu modeloepiatemológico
elaborar aquilo que ele tá aprendendo, associar, de ele n~ medida. em. que busca,fora.do.al.uno,acaus~<las
comparar os diferentes níveis de aprendizagem,'né", dife- d ificu.ldadea de aprendizage.m,.Escorl\ega"p~rélll,'qU.a.n­
rentes etapas, comparação, análise". (Não promove de.. do c?loca no aluno a desatonção . e, .o . d~sinteres'se. A
bate) "porque são pequenos e sua capacidade'de quah~ade ve.~ de fora; o defeito está dentro, Â;epi~te..
argumentação se esgota facilmente". A ação e a partici- ~olo~~a empir-ista.forriece- lastro ;para a ideologia
cron.arra. '. ..'
discri-
pação podem sinalizar, aqui, algum avanço didático-pe- z Ó . , ' ' .Ó:

dagógico. No entanto, longe estão de indicarem uma ,,~ ~O <:Iue é i:r;dispensávelparaqueumalunoáprenda?"


superação do modelo empirista. Ao contrário, rião pas- E. indispeneáuel ele ter interesse em aprender. É' uma
sam de formas, intuitivamente obtidas, de melhorar a c~"sa que a gente pode desp~rtar, é uma, coisa.que.pode
performance do ensino, dentro do modelo. Acho que não tnr de casa, tem que ter umaintegraçãoprofeesor [aluno
seria exagero dizer que a professora pensa que a parti- tem .que!ostar d~ atividade didática quesse-propõe", Á
cipação do aluno possibilita que ele associe melhor; mot~vaça~, ta.mbem: é produzida de fora para dentro.
Lembremos que associação é a palavra-chave doempi- AqUI, porem, Intervem o elemento aprioriio núcleo fixo
rismo para designar a formação do conhecimento. . q~e ~ torn~ possível. O associacionismo científico(beha-
"Como você explica·e como procede frenteadíficul- vior'ismo) e ~oer:nte com a postura-ernpirfsta; ele dá
dades de aprendizagem?" (CHá alunos que não estão conta da motivação pela disposição das contingências de
aprendendo porque são desatentos, não estão interessa- reforço. Em parte, acontece o mesmo com .os docentes
dos, [não aprendem] por 'n' fatores. Normalmente uma
é entrevIstad~s. Na hora de explicar a motivação, ou bus-
conversa com a família, buscando dados anteriores, cam uma origem externa ou apelam para uma espécie
quando a gente não tem conhecimento. Em março, quan-

255
254
de imperativo categórico: "ele tem que ter interesse em Uma sucessão de etapas". "Donde vêm essas coisas novas'
aprender". Ambas as explicações estão eqüidistantes da q~e vão aparec~ndo?""Um pouco é o próprio preparo da
explicação piagetiana da motivação como dimensão criança, o cresczm:nto dela; tem criança [que] vão ter 14
anos que nunca vao tar preparado para nenhum tipo de
energética da estrutura.
aprendizagem- São. crianças que têm etapas de desenool-
"Qual o papel do professor e qual o do aluno no tnrnerito, de conheczmento, não vencidas. Algumas coisas
processo de aprendizagem?" "O papel do professor é elas vü,? c;dquirindo, aí ~em a acumulação sucessiva de
procurar favorecer a atividade que realmente interessa etapas. De onde vem ISSO que elas adquirem?" "Um
ao aluno, que eles estão envolvidos. Ao aluno cabe vir pouco. do próprio crescimento delas; o outro, a pr6pria
participar; o aluno que não vem à aula, que falta fre- farnilia, a sociedade, a convivência acaba ensinando, vai
qüentemente, ele perde o contato, ele perde a seqüência pu:a'!do. A g~'!te vai motivando (motivação) a criança".
dos acontecimentos, e quando vem ele se sente excluído O ~ucleo fixo ,aqui, recebe um nome: maturação. O que
do grupo. Ele automaticamente se exclui. Então cabe ao a crrança traz. por m~turação chama-se, aqui, de "etapas
aluno isso: ser integrado ao grupo de trabalho". "Por que' de deaenvolvirnento ou "o crescimento dela" . A o u t ra
um aluno freqüenta ou .não a escola?" "Pergunte-se aos , .
part~ : p:o~da pela "p~ópria família, a sociedade, a
pais! Há crianças que vão à escola todos os dias, mas não cO"n:IvencIa . E a expressao que faltava, para não deixar
pelos mesmos motivos. Algumas vão porque gostam, não dúvi da ~obre t~d? o que dissemos sobre motivação na
necessariamente da' aula, mas do brinquedo, dos colegas, concepçao empirtsta desta decente, está condensada
de amigos, da merenda escolar. Outras porque são obri.. nesta frase: "A gente vai motivando a criança". E o
gadas pelos pais. Por que um <menino de rua' vai à escola resultado da aquisição, a partir das etapas produzidas
e outro não?" A descrição da professora, soboaspecto pela maturação, é designado por "acumulação sucessiva
pedagógico, parece-me correta. Nó entanto - pergUnta.- de etapas". O quad.r~ e.mpirista es~ádeline-ado:'a partir
ria - como conciliar· a visão·pedagógica,·com·base.. empi- da bagagem .hereditár-ia, progressivamente determina-
rista, segundo a qual a motivação deve-se a fatores da ~ela ~atu~ação, procede-se aquisições, inclusive da
externos, com a afirmação de que o professordeve "pro- n:otIvaçao, CUJO acúmulo constitui, finalmente, o conhe-
curar favorecer a atividade que realmente interesa ao cIme~to. A resposta à seguinte questão apenas confirma
aluno?" Se a motivação é de origem externa, o interesse esta Interpretação: "O que você acha que os teus alunos
do aluno pode, também, ser produzido de fora para têm ou não têm para aprender o que estás ensinando?"
dentro. Não é isto que propõem os behavioristas?Neste ~'Ern: ~rupo é uma coisa, eles correspondemrnuito bem;
caso, o respeito pelo interesse do aluno e a pedagogia de Lnd~vLdualmente, algumas crianças não têm etapas de
base empirista seriam inconciliáveis. en:sLno. Um dos alunos tem dificuldades de traçado, tem
"Se você ensinasse o conteúdo desua matéria a uma dificuldade de reprodução de traçado: ele consegue ler as
criança de três anos, ela aprenderia?" «Não, porque ela palavras mas n.ão conse~ue r~produzir. Elas estão fazen-
esta numa outra etapa de conhecimento, deaprendiza-
gemo [Está faltando] maturidade. Que ela teje preparada
do z:m conhecimento dissociado do outro· a leitura e
es..crzta são coisas simultâneas; acontece"'; juntas; não
e pronta; eu acredito que é assim; a criança de dois anos sao todos os alunos; alguns têm etapas não vencidas:
ela tem algumas etapas; o nenê recém-nascido ele mamá questão de maturidade da própria criança". '
por si mesmo. Uma criança de um ano, ou pouco mais,
já está preparada para andar sozinha. E assim vai indo.

256
257
"Que capacidade de conhecimento tem o ser human~ "E a criança da favela em comparação com a de
antes de nascer? Como ele adquiriu isto?" "Eu não sei classe média ou alta? E a do meio rural com relação à do
responder. Era sabe os passos dela. Ela sabe crescer. Ele: meio urbano?" "Ah! Isso depende não de a criança ter
tem um esquema de comunicação. Ela se mexe, se movi- nascido na favela, mas das condições [com] que ela vem
menta. Ela sabe responder a alguma espécie de estí,;"ulo; [para a escola]; ela pode ter na favela condições mais
a hist6ria da mãe coçar a barriga e ela se m~xer e uma harmoniosas do que uma- pessoa de classe alta; não
resposta a um estímulo. De uma. certa ."!,aneLra ela c~~­ adianta ter nascido num grande lugar se de repente ela
segue responder a alguns sinaLs. emitidos pelamae · foi criada com desprezo, com -distanciamento; ela tam-
"Psicólogos que criaram macacos Juntamente com se~s bém vai ter dificuldade, ter um outro nível de problemas:
filhos, o que você acha q~e aco~teceu com estes arn- a criança pode ter todos os brinquedos mas não se sente
mais?" ~~Esta pergunta esta relacionadci cc: m uma a,n~e­ gostada; não se gosta como pessoa. Depende não exata-
rior sobre se o animal ensinado, na minh.a matéria, mente do meio econômico; é claro que influencia. É claro
aprenderia; são níveis de conhecimento pra crescer, pc:ra que tu não vai pedir pra uma criança mal vestida, mal
desenvolver; então o macaco chegou ao auge no seu n~v~l alimentada~num dia chuvoso, toda molh.ada, que ela
de crescimento, de conhecimento, de coisa que ele podia permaneça nas mesmas condições de aprendizagem que
adquirir. Então tem uma série de estímulos que a .gente outra que veio seca, veio limpa.ioeio alimentada, que tem
pode dar aos animais e eles respondem [sempre] igual- material. Todas -essas coisas pesam; fazem parte de um
zinho né: é claro que as pessoas por serem pessoas,. por grande componente, não da para generalizar; a criança
sere";' ra~ionais, por terem uma sériede.outrasco~sas, favelada não tem, a criança de classe alta tem. Depende
aprendem, e os animais não". Cada o~ganlsmo-pum~no em que condições de convivência ela 'tâ: no seu meio
ou não - nasce com uma certa capacidade de ap:endl~a­ familiar. De repente um susto. Parece que-tudo virou de
gem que se manifesta nas etapas da maturação..Al~m cabeça para baixo.iEapera-se da-professoraque, coeren-
disso, é impossível aprender qualquer COIsa; e ? l~mIte. temente, atribua ao meio social a-boa ou má performan-
O macaco tem seu limite, o homem tem seu Iirrrite. A ce do aluno, e o que faz ela? Atribui tudo à afetividade,
noção da inteligência-construç.ão. é comple:amen~e des- relavitizando o meio social. -Parece que deslocou toda
conhecida. Se bem entendi, oIirrrite do es.tl~~lo e dado, explicação da influência -do· meio para um a priori afeti-
de forma definitiva, na bagagem here.dItar,~a. Parece- vo: a criança "pode ter na favela condições mais harmo-
nos que a próxima respost~ confi~ma Isto. E de ond~ niosas do que uma pessoa declasse.alta", No entanto, se
vem essa capacidade que diferericia o humano do arn- ouvirmos com atenção o que diz a professora: "não adian-
mal?" "É pela capacidade humana; ~m é ser humano, o ta ter nascido num grande lugar se de repente ela foi
outro não. O animal responde emot~vamente. A pessoa criada com desprezo, comdietariciamento", ou: "a crian-
não s6 responde emotivamente, mas também eld,?ora os ça pode ter todos os brinquedos, mas não se sente gosta-
seus sentimentos. É a capacidade humana que difere da da, não' se gosta como pessoa", damo-nos conta de que a
capacidade do macaco. Essa capacidade hu:nana; ~la coerência não foi rompida. Por quê? Porque ela continua
tem pela própria espécie em q~e ela nasceu; e gen.et~co. atribuindo ao meio a causalidade primeira de toda
Tem muita in!Zuênciagenética". Está c1~ro: ~ capacIdade aprendizagem, inclusive da afetividade: é o meio que
de conhecimento é determinada heredItarIamente, em transmite o afeto. Um meio rico pode sonegar afeto; um
forma de núcleo fixo inato. meio pobre, "periférico" pode dar afeto. A continuidade
da resposta da professora parece confirmar o que acaba-

258 259
mos de dizer. A afetividade tem "muita força no processo for a influência, como eu falei, a convivência, o assunto,
de desenvolvimento não só na relação pai / filho - se ele a argumentação, se ele ficar restrito em casa ele pegará
tem uma relação boa então ele mostra o seu caderno, ele uma série' de comportamentos que o pai ou a mãe têm
cresce ele não tem medo de errar, ele se mostra; então a dentro da vivência deles. Então, de repente, uma série de
relaçáo professor / aluno também; quer dizer, se ele não comportamentos que ele acaba adquirindo. Daria 25% x
gosta do professor, se ele tem medo do professor, ele tem 25% para 0 fator genético e do meio... (e os outros 50%?)
medo de se arriscar na aprendizagem, ele não se arrisca. Para atividades de sala de aula, interesse, preparação
E assim é com o pai, se o pai exige demais, se obriga que do aluno, tem coisas aí, um pouco deles, um pouco do
ele tem que passar, então ele fica com uma sobrecarga aluno, um pouco do ambiente escolar, do trabalho do
emotiva muito grande em cima de si que talvez não grupo, do que é propiciado a ele". Ao falar em influência
consiga vencer". "Então a afetividade pode al?arecer do meio, a professora exclui a sala de aula, atribuindo a
como fator disparador ou inibidor do processo?" "E claro!
esta 50% do peso na determinação do conhecimento. O
Uma afetividade bem transada, que venha corresponder que significa que ela atribui 75% de peso ao meio e
realmente ao termo 'afetiuo'iné, só vai encaminhar prum apenas 25% à bagagem hereditária, na determinação da
lado positivo. Se eleseruiruma obrigatoriedade de cor- psicogênese. Isto é coerente coma sua postura empiris-
responder bem, aquela história, recebeu 'ótimo' no cader- ta, postura reiterada nesta resposta: seo filho de pais
no se ele se sentir estimulado ele vai continuar-a se débeis mentais "ficar restrito em casa, ele pegará uma
esforçar. Um 'ótimo' vai trazendo um outro". Como se vê, série de comportamentos que o pai ou a mãe têm dentro
na explicação desta professora, a afetividade é uma da vivência deles... " Mesmo quando.ela se refere à in-
condição de aprendizagem que relativiza ain.f1?ê?c!a do fluência cultural, lembrando que alunos, filhos de pais
meio; mas não é vista, ela mesma', corno orrgrnarra do "abastados" vivem rrurn meio em que a convivência conta
meio· esta origem é que nossa análise aponta como com a contribuição de "rnelhoresescolas", com "melhores
est.ando presente, mais subjacente que explícita, na informações", em que "até a çonversadefim de semana"
concepção, epistemológica da professora, cuja matriz é "(os) amigos", o "acessoacoi~as diferentes", o "acesso a
o empirismo. Para ser. mais direto: a afetividade tam- informação é maior", mesmo aí, diríamos, em que esta
bém é aprendida, no sentido behaviorista do termo. docente parece dialetizar os fatores pelo modo de des-
"Se os pais são inteligentes ou débeis mentais, a cre.vê-Ios, está, de fato, entendendo que é a ação quase
criança sairá igual a eles?" "Não necessariamente. A unIlateral destes fatores (meio) que determina o conhe-
questão da inteligência é mais aspecto cultural... Por que cimento (sujeito) de tais alunos.
geralmente os alunos da UFRGS são de' classes abasta- "Por que o macaco nao ~ ra a "Porqueo macaco-não
c: 1°?"
e ,,

das? Pela convivência que eles têm, têm acesso às melho- sabe articular as palavras. Só por isso. Porque garanto
res escolas, às melhores informações, o nível cultural que, de repente, o macaco sabe se expressar e muito bem.
deles até a conversa de fim de semana, de amigos, não O ma~aco criado com afetividade, e uma série de coisas,
sei o ~ue, têm acesso a coisas diferentes que possibilita a ele.uat crescer
ele ter melhor nível de conhecimento. A conversa, a
. em termos de comportamento e muito, ele
uat coneeguir se comunicar..·. A capacidade de comuni-
convivência influi, a informação é maior. O acesso a cação também vai ser grande. Só que, de repente, ele não
informações é maior. Geneticamente há grande possibili- oai ter a articulação das palavras". "Mas se ele tem a
dade que sejam [débeis mentais essas crianças]. E se não capacidade de fazer um traçado, por que ele não aprende

260 261
a escrever? Ele não tem o aparelho fonador que o homem pois esta "capacidade se esgota antes da leitura e da
tem, então ele poderia se expressar pela escrita, mas ele escrita"; is~o é, a ~apacidade que o macaco tem, por
não aprende". "Eu não sei porque eu nunca tentei ensinar herança, nao permite que ele chegue até a leitura e a
o macaco a escrever! Eu acho que é uma dificuldade escrita. Esta é uma explicação apriorista. Empirismo e
motora do macaco. Mas acho difícil que a gente ensine apriorismo complementam-se, aqui, fornecendo este a
ele. [Porque] isso não tem significação pra ele. Por que base explicativa daquele; explicações, tanto de uma
ele vai aprender a escrever e a desenhar? Sem significa- qua~to de outra postura, viciadas pelaestaticidade que,
ção ele não vai aprender a ler, escrever, desenhar. Ensi- PQL1SS0 mesmo, não dão conta do movimento da vida
nar um aluno de pais analfabetos a aprender a ler e muito menos da capacidade simbólica do homem e do
escrever é um terror. E, de repente, uma criança de 3 anos s~mbolismo nas sociedades humanas. Nem' a mais pro-
tu pega lendo com uma revista virada de cabeça pra VIda bagagem hereditária conseguirá por si mesma le-
baixo... Tá olhando as figuras de cabeça pra baixo. Mas var. alguJ? organismo ao exercício da linguagem. Nem o
tudo bem. Está pegando o habito da leitura ou o hábito, rnars e~tIm~lant~ dos .meios conseguirá, por si mesma
da escrita; ela acha, que' são coisas importantes, pois as p roduz ir' o SImbolIsmo se o organismo não dispor previa-
pessoas ficam fazendo, por que ela não vai fazer tam- m~nte, na sua b~g~ge~h~reditária, de capacidade pró-
bém?! Põe isso pra uma pessoa analfabeta que não sabe pr~a .para constituir aigrrificarrtas. Não basta, porém,
que vive... o raciocínio é automático se os meus pais que eXI~tIr uma bagagem h.ereditária própria e um meio
não sabemLer nem escrever vivem, eu também posso e~tImulante;.e. necessária a, ação assimiladora do orga-
viver sem saber ler nem 'escrever. Então não tem signifi- ~ISm? (do sujeito frente ao objeto ou do indivíduo frente
cação. Por que o macaco ·'não sabe ler 'nem escrever? a SOCIedade) para que se.efetue~interação- esta sim-
Talvez porque não tenha, eignificação. Porque talvez, de fec~nda em tra~s.formar tanto o organismo quanto o
fato, a questão genética dele, -à questão- de maturidade, rnero, tanto o SUJeIto quaritoo objeto, tanto o indivíduo
de etapas de 'aprendizagem se esgotam antes da leitura quanto a sociedade.
e da escrita. Assim como algumas pessoas que têm pro-
blemas mentais; sua capacidade se esgota antes da lei-
tura e da escrita; .." QUINTO CASO
Na minha interpretação, há nesta resposta duas
afirmações que são contraditórias entre si. Primeira, Acompa~h~mosa fala do professor de geografia hu-
que o macaco poderá atingir grande capacidade de co- mana e ~e. direit.o, com rneatr ado em .geografia humana
municação, desde que competentemente ensinado: só ~ com varres cursos de 'esp_ecialização, com 4 7 anos de
que, Infeltzmerrte.mão saberá 'articular palavras. Trata- Idade, ~5 de ma~stério, lecionando em faculdade parti-
se, portanto, de uma explicação empirista. Postura ine- cular n~o confesslOn~l;f.oi durantemuito tempo advoga-
quívoca quando fala que a crian-ça "está pegando o do, e .ha anos sua pr'incipa] atividade profissional é ser
hábito da leitura ou o hábito da escrita". Segunda, que "escrItor de didática".
o macaco não poderá afing'ir uma capacidade de comu- Responde à primeira pergunta: "Como se opera o
nicação' - oral, ou lecto-escrita - devido à inexistência conhecimento?" "O conhecimento se dá pela reação, pen-
de bagagem hereditária ("questão genética", "questão de so ~u, mtelectual: no c?,so da pessoa, através de alguns
maturidade", "etapas de aprendizagem") pertinente, estim ulos, a partir de sltuações estimulantes. Na medida

262 263
em que a pessoa é estimulada, ela é perguntada, ela é citações: tal coisa é assim, mas por que é? Isso traz Um
incitada, ela é questionada, ela é até obrigada a dar uma outro estímulo, uma outra solicitação, um outro qUestio-
resposta. Isso deflagrá processos mentais a nível do namento. Quer dizer, na medida em q~~ é exi?ido, Uma
pensamento em que a pessoa vai exercitar operações
mentais, cuja natureza não conheço especificamente, ece ssid a d e qualquer... penso que o sujeito oat amplian-
n o conhectmento.
do . · " P ara aument ar a comp Iexiid ade do
mas imagino que a partir de uma situação estimulante, conhecimento deve-se intensificar, ampliar o estímulo.
de uma proposta, de uma pergunta, ou até de uma Centraliza-se tudo no estímulo, nada no sujeito da res-
imposição, acho que o pensamento reage e se deflagra posta. Por que um sujeito responde a determinados
então processos variados que vai se dar a aquisição do estímulos e não a outros, ou por que diferentes sujeitos
conhecimento, a apreensão de uma verdade, de um fato". respondem com intensidade variável ao mesmo estímu-
O conhecimento é uma reação intelectual a um estímulo lo, ou ainda, por que um sujeito "responde" na ausência
cuja forma varia de uma simples proposta até uma de estímulos ou na contracorrente de determinados es-
imposição. O exercício das operações mentais está, por- tímulos, parece que não vem ao caso no discurso deste
tanto, na estrita dependência do estímulo. Continuemos professor e autor de textos didáticos.
para ver se este empirismo se confirma. À pergunta: ··"Se você ensinasse o conteúdo de sua
"Como se transmite o conhecimento?" "... Acho que o matéria a um animal de laboratório, ele aprenderia?",
conhecimento é um fenômeno 'pessoal: Agora, em se tra- responde d-eforma puramente descritiva, sem se dar
tando, por exemplo, de verdades irrefutáveis, seria uma conta do abismoque separa as duas situações· de apren-
definição a priori.•. e daí como é que se transmite? ... A dizagem -- a huma.nae anão-humana. "Eu acho que não
transmissão se dá a partir de estímulos, em que alguém poderia. Conhecimento, eu acho que ele não teria como
suscita em outro alguém e esse alguém, pela via pessoal, aprender. Eu acho-qu'enãolem intelecção, não tem
é que vai fazer a sua apreensão de conhecimento, que vai processos mentaieoperatórioerusni nível que se exige
fazer a sua aquisição, a sua apropriação de conhecimen- para um conhecimento teórico, para uma formação teó-
to; numa dimensão pessoal, individual". Dá-se a trans- rica da realidade.A'·aprendizagemdo animal estácir-
missão do conhecimento a partir de estímulos, por um curiscrita apenasrã .automação 'de respostas, enfim, o
processo sediado no indivíduo. O indivíduo não tem animal s6 conhece o que passa pela via do sentido, .
iniciativa, ele é produto daquilo que o estímulo arrancar estimulação e resposta, e automatizaa resposta. O aluno
dele. Alguém constitui-se como estímulo na medida em passa pelo sentido, por exemplo, o conhecimento a prio-
que suscita em outro uma resposta. O conhecimento tem ri... o conhecimento de uma idéia, o conhecimento de um
sua fonte primeira no estímulo. Continuemos, para ver princípio puramente abstrato; o animal é absolutamente
se a hipótese empirista se confirma. incapaz". O professor simplesmente constata que o ani-
"Como se passa de um menor para um maior conhe- mal tem restrições quanto a conhecimentos teóricos e o
cimento?" "Eu acho que intensificando, ampliando, au- homem não, mas pára a fim de pensar o que isto signi-
mentando o estímulo, o questionamento; o mesmo fica. (A falha do entrevistador está em não ter questio-
conhecimento pode se ampliar a partir do indivíduo, do nado isto.)
pensamento. Ele é solicitado a dar respostas maiores, "O que teu aluno precisa saber para aprender a tua
mais profundas; um mesmo conhecimento é passível de matéria?" "Eu acho que ele precisa ter um sistema orgâ-
sofrer sucessivas ampliações a partir de sucessivas soli- nico cerebral normal. Acho que só isso, aí vai ser estimu-

264 265
lado, vai ser cobrado. Pré-requisito? Conhecimentos an- estímulo, que entretanto deve exercer um importante
teriores? Basta um acúmulo de conhecimentos anteriores papel didático.
adquiridos pela via empírica das experiências pessoais "Como você procede frente a dificuldades de apren-
deles. Ele é capaz de pensar, depensar o espaço que é dizagem?" "Excetuando os casos de alunos que talvez
exatamente o que se trata... Ele sendo capaz de processos tenham até dificuldades orgânicas... São alunos que não
mentais elementares, vai ter alguma aprendizagem. Por- foram suscitados a desenvolver a intelecção dos proces-
tanto, ele tendo um sentido perfeito, ele sendo normal em sos mentais: saber identificar, saber relacionar, enfim,
termos orgânicos, ele é capaz de fazer aprendizagem, uns ter estruturas e processos mentais operatórios desenvol-
mais, outros menos, é claro". A referência empirista vidos porque tiveram uma aprendizagem muito distor-
confirma-se passo a passo: o aluno precisa de "um siste- cida, vêm de um nível mais baixo. Ele foi feito
ma· orgânico cerebral normal" (fator hereditário enten- intelectualmente a facção, como se diz, então ele sabe
dido como base fixa da aprendizagem) e de um acúmulo muita coisa, mas-de maneira desorganizada e tem -difi-
de conhecimentos obtido pela via empírica das experiên- culdade de chegar aum niuel de aplicar conhecimentos
cias pessoais (fator do meio). Já vimos que "experiência" novos". Coerentemente, alunos com dificuldade de
é sinônimo de estimulação. "A aula expositiva é suficien- aprendizagem são aqueles que foram pouco estimula-
te?" "Não, de jeito nenhum. A aula expositiva é usada dos, que "não foram suscitados a desenvolver a intelec-
apenas como proposta de situação, como enquadramento ção dos proc~ssos mentais". "Como vocêage com este tipo
geral de uma situação sobrea qual se vai debruçar como de aluno?" "E urn problem.a..Primeira coisa é, na medida
ajuda final para reorganizar os conhecimentos: A aula do possível, dar mais, atenção para. ele. Essa é minha
expositiva, em si, é um recurso que..s6 deve ser usado preocupação central. E nos desafios colocados em sala de
assim, como início ou fecho de -um capítulo, de um aula, fazer com que participem mais, se manifestem
conteúdo qualquer. Dependendo da situação... Em geral, mais, que sejam mais solicitados esses alunos, assim que
a expositiva é usada como início... para . uma introdução, eles são identificados, como. aquele corn o nível mais
para fazer um enquadramento geral da temática e fun- singelo. Digamos que aprende o conhecimento a nível
damentalmente a aula expositiva... a exposição do pro- in.ferior. Isso é, pelo menos;pela minha parte, sempre
fessor no sentido de colocar as tais reações que eu falei, digo para eles que o professortem. que evitar o risco de
que é estimular, que é questionar". A aula expositiva trabalhar com os melhores deforma mais adiantada.
preenche, portanto, a função de estímulo, embora, como Tem que tentar um meridiano, e o . mais difícil é exata-
insiste aqui o professor, deva exercer um papel didático m.e,:te o aluno que. fica para trás, . não avança, tem
de pequeno alcance. dificul.dade de estabelecer relacionamentos menos sim-
"Você faz pergunta a seus alunos? Promove debate?" ples, é aquele que tem mais dificuldade de generalizar,
"Muito. É comum ~e começar a aula com uma pergunta. é aquele que tem mais dificuldade de perceber afinidade
Grande questão. E a partir de uma questão, a partir de e'}tre fatos trazidos, aparentemente distintos, mas que
respostas, aumentando as respostas, ampliando as res- tem ~ma estrutura semelhante, que têm algum tipo de
postas, diversificando as respostas; o eixo do debate é relaçao. Então, eu acho que é por aí". Ainda, coerente-
papel dó professor manter. Acho que é fundamental". A men~~, c~rrigir def!ciências de aprendizagem é corrigir
pergunta, pelo que parece, também tem a função de deficIencIas de estImulação, entendendo que a estirnu-

266 267
lação deve ser adequada: para os mais atrasados, para disciplina e depois na ação do dia-a-dia, de sala de aula,
os médios, para os mais adiantados. aula por aula, que é exatamente onde entram os recursos
"O que é indispensável, numa sala de aula, para que e a técnica. Aí já entraria o material didático, textos,
o aluno aprenda? Basta ensinar bem?" "O indispensável livros. O papel do aluno é exatamente a prontidão. Do
é que ele se sinta o mais à vontade possível. Em outras aluno é-a disposição em participar das situações' que são
palavras, eu acho que a condição primeira é uma relação propostas em sala de aula. As situações desafiadoras, as
afetiva boa na sala de aula. Acho que isso é o fundamen- situações de questionamento, as situações de dúvidas,
tal. Alunos que têm problema de relacionamento, têm que devem ser provocadas pelo professor e pelos seus
dificuldade. Alunos que, por _exemplo, já não tiveram colegas. Tem que ouvir com o [objetivo] de acionar a
uma sociabilidade desenvolvida, têm dificuldade de tra- dimensão intelectual dele para buscar respostas". Para-
balhar em grupo, participar de pequenas discussões que fraseando Paulo Freire: o professor é o condutor; o aluno,
se faz seguido. -Vêm: 'Professor, é pra fazer sozinho?' Não, o conduzido. O professor é o orientador; o aluno, o
não é pra fazer sozinho. É prafazer com os outros'. Então, orientado. O professor é o planejador; o aluno, o plane-
a condição primeira, é, enfim, relações afetivas em senti- jado. o professor dá ordens; o aluno está pronto para
do amplo, boa para a sala de aula. Com margem ao cumpri-las. Numa palavra, o professor é o estirnulador·
material didático, claro, dependendo dos níveis, né. Num o aluno, o estimulado. 'I'odasas afirmações deste p'rofes-
nível já mais elementar, sala-ambiente. No nosso caso, sor roduzem-se aeata relação básica. Mesmo quando ele
no quarto ano, aí é silêncio, não tendo calor excessivo, puxa o registro do fator afetivo.
não tendo frio excessivo, urrui relação afetiva boa, o "Se você ensinasse-o conteúdo de sua matéria a uma
conhecimento (anda); aí é num outro nível". Nada de criança de três anos, ela aprenderia?" "Não tem -condi-
novo. Skinner falaria em contingências de reforço. A ções, porque ficaíconhecimento teórico. Quer dizer, o
estimulação precisa ser organizada .na disposição dos nosso trabalho é exatamente a formulação do conheci-
reforçadores: não adianta trabalhar com bom material mento sobre o real. Talvez tenha, mas eu não teria
didático, fazer um bom ensino, se a sala está excessiva- condições _de mensurar. Lógico, -nunca me [preocupei]
mente quente, se há problemas afetivos, se o ambiente mas eu acho que foi até oportuno, você vê o que é apren-
é barulhento. Dados estes. componentes, aaprendiza- dizagem. Pela primeira- vez eu fui suscitado a pensar
gem s6 pode ocorrer. Trata-se, mais especificamente, de nisso aí. A primeira vez. E estou pensando agora. Estou
administrar o reforçador negativo, isto é, remover a formulando. Acho que ela aprende na dimensão da qual
causa geradora da situação desagradável para que se ela biologicamente c~ capaz. São as noções em alguma
verifique o comportamento desejado. esfera. Ela deve pensar, agora" não .sei como é que a gente
"Qual o papel do professor e qual o do aluno no vai medir, como é que vai expressar. Noção espacial. A
processo de aprendizagem?" "O professor, como eu disse, minha disciplina trata exatamente das questões espa-
é o condutor, é o orientador, ele deve ter conhecimento ciais. Espaço criado pelo homem, atuando com e na
técnico, ele é que direciona o processo em si da aprendi- natureza. Espaço geográfico urbano, agrário, espaço do
zagem, e ele faz isso atraués de vários expedientes, a homem, o espaço da sociedade, não do homem genérico.
começar pelo seu planejamento, no qual ele fixa objetivos. Ela, acho que deve ter algum tipo de apreensão do
Em função dos objetivos é que ele vai selecionar os conhecimento pela via empírica, a via da experimenta-
conteúdos dentro do temário geral programado de sua ção dela. Agora, como é que ela vai experimentar isso,

268 269
como é que ela adquire, como é que ela armazena isso aí fora para dentro do sujeito; é neste contexto que a
e transmite é que eu acho que não... " Impressiona como observ~ção encontra seu sentido. Para Piaget, a função
o professor-é capaz de apreender-se como sendo desafia- do rnero (ex6geno) é de desafio que faz disparar as
do por urnproblerna inédito, num contexto de interação construções end6genas. Para o empirista o meio é de-
entrevistador/entrevistado, mas imediatamente limita terminante; é ele que plasma o mundo endógeno.
a capacidade de aprendizagem da criança ao que "ela
bidlogicajnente é capaz" e a "algum tipo de apreensão do "Que capacidade de conhecimento tem uma criança
conhecimento pela via empírica"; seu modelo epistemo- de 0/2 anos?" "Isso ateu não sei". . "~
lógico torna-o incapaz de situar o processo na ação do "Que capacidade deconhecímento tem o ser humano
sujeito, vendo no sujeito o espetáculo do conhecimento antes de nascer?" "Não sei. Tenho um material de uma
enquanto encontro da bagagem ,hereditária e do meio revista e tal, que parece que teria alguma coisa, mas não
(estímulo); .encorrtro em que, por força da referida ação, tenho condições de responder".
o sujeito se faz objeto e o objeto se faz sujeito, encontro "A criança que se cria na favela ou a criança do meio
de subjetivação e de objetivação correlativas. Para ver ru;a~ conhecem do mesmo modo que a criança de. classe
isto, só mudando o .paradigma epistemológico. ~edla (o~ alta) ou a do meio urbano, respectivamente?"
"Que capacidade de conhecimento tem uma criança lss~ aí e uma questão que vou falar de forma leiga e
de 2/7 anos? Como ela adquiriu isto?" "Acho que ela curl,o~a, porq~e eu jâ li alguma coisa e pela via pessoal,
adquiriu (isto) pela experiência pessoal dela. Adquiriu a me sl,ntC? fortiseimamente inclinado Ja admitir] como
experiência pessoal dela diferentemente do animal. Acho verdad.el,ro,-dt; que ela sabe até em termos de processos
que o conhecimento que elatem. é pessoalteeimo-Acho que mentais, a crl,anç'!': ~c~r~nte, como se consagra dizer, ela
é exatamente aí que vai se robustecer-aquilo que eu disse, C?'prencfe de manel,~Cf tjifer:ente, pessoal, cuja aualiação,
que tenho como verdade, que a aquisição do conhecimen- inclueiue, deve ser feitasegundo parâmetros diferentes
to é um processo individual, pessoal. Acho que ele (aluno) da criança d~ pequena e média burguesia. Já li vários
aprende pela experiência dele. Se ele põe a mão no fogo, artigos. Uma das dificuldades da criança carente, se-
queimou, ele não põe maie a.rniionofogo. Se ele ouviu gundo a qual encontra. dificuldade na. escola; acaba
alguma coisa, se ele viu algum gesto, observando a sendo rejeitada e depois .ve;ti pra repetência e acaba
imagem ou a natureza, observando sobretudo as outras alijada, na nossaescolaelitista e elitizante porque ela e
pessoas". Uma epistemologia interacionista poderia as- cobrada a dar respostas .segundo parâmetros, segundo
sumir esta fala,provavelmente sem nada modificar. padrões para os quais ela não está preparada, mas em
Entretanto, o significado dos termos usados como "expe- contrapartidaelao está muito mais para outras habili-
riência" ou a ação de "pôr a mão no fogo", ou "observação" dades intelectuais, para outros tipos de comportamento,
diferem de uma para outra epistemologia. "Experiên- de condutcçde ação inteligentes, habilidades essas que
cia", para Piaget, é ação seguida de abstração; para um se desenvolveram no meio pr6prio e (de) estímulos que
empirista é sensação entendida num fundo de passivi- el?, recebeu. ~ora, seesses processos e operações mentais
dade; de menosprezo da ação; na melhor das hipóteses. diferem da criança da favela para a criança de classe
Para Ptaget, até os sentidos são ativos, e é nesta ativi- média, aí a minha grande dúvida. Eu realmente não
dade que reside seu significado.maior. Para o empiris- con.heço num nível em que essas diferenças podem se dar.
ta, a experiência é o meio utilizado para trazer algo de Del, respostas que não são da minha formação, mas
parece que pesquisas vêm sendo feitas por aí e sobretudo

270 271
criança será muito pouco suscitada a desenvolver sua
constatações têm sido feitas de mecanismos de aprendi-
inteligência, terá muito mais possibilidade de não desen-
zagem. Talvez se dêem por outros caminhos. Em crian-
ças reprovadas, por exemplo, na nossa escola tradi- v?lver sua inteligência. Agora, se ela oportuniza novas
s~tuações fora .da limitação representada, pela convivên-
cional. Deixando em aberto essa possibilidade de haver
mecanismos de aprendizagem que eu desconheço, falan- cta com ?s pcus, ela poderá ser muito inteligente". Aqui,
do segundo os parâmetros a operação conceitual, segun- o entrevistado retoma sua linguagem usual confirman-
do o qual eu fiz a minha graduação, me formei e aprendi, do, ass~m, minh~ h~pótese, sustentada desde o começo:
eu acho que num nível lá do intelecto, os processos são os sua epiaternologia e claramente empirista. Dada uma
mesmos. Acho apenas que as aprendizagens, a aquisição bagagem hereditária fixa ("a criança é potencialmente
do conhecimento, vai ser matizado pelo ambiente, ·pelo inteligente"), o estímulo, ou seja, .0 meio faz o resto: "ela
tipo de estímulo, pelas experiências dela nomeio rural, vai aJ?render segundo o que ela for estimulada", ou: "aí
que são cada vez mais diferentes do meio urbano". O tudo e questão de solicitação d-o meio, em sentido amplo,
entrevistado fala de "processos mentais", mas não se sob!~tudo"social~.E~bora as e~pressões: "solicitação do
sabe exatamente o que quer dizer. Mais moderad-a- meIo. ou os pais vao oporturiizar . boas condições... ", o
mente do que vinha falando até agora, afirma que a conc~I~o de exper'iência que comanda a explicação é
aquisição do conhecimento vai ser apenas "matizada" empir'iata, pOIS a cr'rança "está vivenciando 'n' situações
com 'I?-' estímul?s,.ela vai.de~~nvolvendo".A divergência
pelo meio. da epiatemologia inter-acioniatarcom relação .ao modelo
"Se os pais de uma criança são inteligentes, ela empirista, não está na presença do meio ou do estímulo
também o será? E se os pais forem débeis mentais?" mas na função uni!ateral que o empirismo atribui ao
"Não, dejeito nenhum. Acho que a inteligência se-desen- meio ou estímulo. E difícil exagerar a importância do
volve. É ... uma questão de estímulo. Deritroclo sistema meio na gênese e no desenvolvimento do conhecimento
neurocerebral intelectual, a criança é potencialmente Atribuir, no entanto, ao meio o papel de det.errrrinarrte
inteligente. Acho... ela vai aprender segundo o que ela for hegemônico desta gênese e deste .deeenvolvirnento, in-
estimulada. Lógico, há os aspectos orgânicos, alimenta- dependente da ação do sujeito, é afirmar uma distância
ção... Agora, a criança estando suprida em termos de abissal entre esta explicação e o interacionismo. O meio
subsistência, aí tudo é questão de solicitação do meio, em tem toda a força ~e pressão que se sabe; no entanto, em
sentido amplo, sobretudo social. Os pais podem ser pes- termos de conhecIm.ento, esta pressão assume significa-
soas muito credenciadas, muito inteligentes. O que acon- do somente na m~dI~a da ação assimiladora do sujeito.
tece? Filhos de pais inteligentes serão inteligentes não Trata-se de um aigrrificado que ultrapassa em muito a
tanto pelo fato dos pais serem inteligentes, porque os pais função ?~ "vivência", própria doconceito de experiência
vão oportunizar boas condições de aprendizagem, sob o do e~pIrIsmo. E a ação que dá significado às coisas. Os
ponto de vista material e sobretudo afetivo e relações serrtidos têm toda importância que se sabe· no entanto
sociais, está vivenciando 'n' situações com 'n' estímulos, eles assumem significado somente na medida em que ~
ela vai desenvolvendo. Se os pais forem débeis mentais, ação assimiladora os coordena.
no sentido oligofrênico, com pouca inteligência, eu acho
que essa criança pode conviver com pessoas na célula Como vimos, a epistemologia empirista delineia o
familiar, na aprendizagem informal que é a mais impor- pano de fundo do pensamento deste docente. No entanto,
tante... Os pais sendo intelectualmente limitados, a parece que basta, pelo menos em certos momentos, um

273
272
pequeno empurrãozinho para ele saltar para uma epis-
temologia interacionista. Se acrescentássemos em toda
a entrevista, sem nada subtrair dela..a contrapartida da
ação assimiladora - e, portanto, transformadora - do
sujeito, teríamos, certamente, um-a epistemologia deste
tipo. A diferença entre uma e outra é, por vezes, sutil. É Parte III
necessário um jogo de inferências, ao longo da análise,
para descobrir que o empirismo, de fato, comanda o
espetáculo epistemológico na fala deste professor de
geografia humana. Minha hipótese, para que se dê este
salto qualitativo, é a de que o professor precisa construir
uma sólida base teórica de tipo interacionista ~ única a
dar-lhe condições de superação do senso comum.
Impressiona como discursos tão diferentes aproxi- COTIDIANO DA ESCOLA:
mam-se epistemologicamente. Os mais diferentes cami- EPISTEMOLOGIA E
nhos e a mesma epistemologia! Entremos em sala de
aula para ver se estas concepções epistemológicas são A~TORITARISMO
confirmadas na prática pedagógica.

274
9.

OLHANDO A SALA DE AULA:


EMPIRISMO x CONSTRUTIVISMO

Esta última parte da pesquisa visa a complementar


a irrvestdgação da epjatemologia do professor pela fre-
qüência a-algumas aulasde alguns docerrteserrtrevíat.a-
dos, edealgunsnão~entrevistados, ,e pela observação de
eventuais outras: atividades importantes da escola. A
receptivi(ladeda parte-daescola pela presença depes-
quisadores foi contraditória. ,.Na. escola que freqüentei
em algumas de suaaatdvidades {sala de aula, reuniões
de conselho de classe, etc.) fui muito bem. recebidoape-
sar de alguns professores seesquivarem ou até declara-
rem, num caso com toq'ue de 'humor, não quererem ou
detestarem ser enta-eviatados ou. mostrarem certa reser-
va quanto ,a urnest.rarihoasaistdr seu trabalho em sala
de aula. Tal at.itude, porém, não foi regra geral. Obser-
vemos, ainda, que os relatos serão apresentados entre
(... ), seguindo-se, imediatamente, o comentário. Acom-
parihemoso relato de Tânia Ramos Fortuna, auxiliar de
pesquisa:

277
1. ENTRANDO NA SALA DE AULA
direção, onde tudo o que acontece na escola é sabido.
a) <Dois aspectos merecem destaque no que se refere Como não poderia deixar de ser, a permissão para rea-
ao estabelecimento de contato com a escola X, da rede lizar a pesquisa foi ali obtida, após numerosos entraves
privada de ensino: as ,dificuld~des ~nc~ntradas na p~o­ burocráticos e argumentação baseada na proteção dos
posta de colaboração a pesquisa feita a escola, e o dis- professores, e graças à intervenção de uma professora
curso dos seus técnicos, especialmente da parte da de estatística do Curso de magistério. Foi preciso contra-
coordenação pedagógica, na introdução da investigação. argumentar com a afirmação veemente da necessidade
Ambos os aspectos estão imbricados, e, como se verá de fazer pesquisa em função da sua reversão em conhe-
adiante, sua análise possibilita antecipar o modo geral cimento, para obter a permissão de realizar a coleta de
de organização e funcionamento da escola, e, P?r con~e­ dados. Antes, ainda, da realização da pesquisa propria-
guinte, a ideologia que a sustenta. Contud~, e preciso mente dita, junto aos professores, foi necessário conta-
descrever a escola: trata-se de um estabelecimento prr- tar com a coordenação pedagógica das séries iniciais e
vado de ensino, situado em um bairro predomina~te­ do curso de magistério, que, após certificar-se dos pro-
mente de classe média baixa, que abrange desde a pósitos do trabalho, elaborou um cronograma de entre-
pré-escola até o curso superior; mantém, entre os cursos vistas baseado no horário de educação física das classes,
de Segundo Grau, o magistério intensivo que em um ano correspondente ao horário livre dos professores. A fala,
e meio possibilita aos alunos serem portadores. ~eu~ tanto da coordenadora pedag6gic;a.quanto da direção, foi
certificado de conclusão de Segundo Grau: a habil'itação perpassada por expressões como "mudança", "conflito",
em magistério das séries iniciais: ~ste.· é. ~ t~rceiro ·ano "abertura", "devolução dos resultados. da pesquisa" e
de funcionamento do curso, e as serres InICIaIS da es~ola traduzindo a ansiedade decorrente dê .expor va escola,
ocupam o papel de classes-Ia~o:atório, o ~ue exphc~, através de conversa entabulada com os prôfessores e
segundo a coordenadora pedagógica, a provavel recepti- observação do seu trabalho, a olhos públicos, num perío-
vidade das professoras e crianças à presença do peaqur- do em que - afirmam! - está passando por uma verda-
sador na sala de aula, já que "estão acostumados com deira revolução metodológica e nas relações interpes-
movimento de pessoas estranh as ". soais. Esta atitude defensiva evidenciou-se mais inten-
samente na argumentação da direção, sobre a não-par-
Do ponto de vista da estrutura fí~ica ~a escol.a, ~onta ticipação da escola em investigações acadêmicas: os
o prédio com ótimas instalações, i.ncltrirrdo .plscln~ .e professores não gostam de ser incomodados com entre-
ginásio, e um único portão, com um zel~s? P?rtelro, vistas e observações, e cabe à direção protegê-los do
possibilita a entrada de qualquer pessoa, apos rlgoro~a assédio dos pesquisadores.P,erguntamo-nos sobre a pro-
identificação. O fato, todavia, de ultrapassar o portão cedência efetiva do poder que a direção possui de decli-
não representa, absolutamente, o efetivo ingresso na nar da participação de atividades de pesquisa, em lugar
escola, e sim a entrada num extenso corredor que fun- dos próprios professores.
ciona como ante-sala e (novo) filtro de pessoas estra-
nhas, além de abrigar intenso movimento de professores Nossa hipótese baseia-se na crença de que a escola,
e abundante número de diligentes serventes. Esta ver- centralizadora e autoritária, teme a reflexão e o confron-
dadeira artéria principal da escola conduzirá, qu~se to com á própria prática docente que a participação
inevitavelmente, às salas da presidência, direção e vice- nestas atividades pode fazer decorrer. É possível, .de
fato, que os professores igualmente temam este confron-

278
279
to, mas questionamo-nos sobre o fato de terem estes . <As crianças entram na sala bastante agitadas, de-
professores outorgado à direção o direito de falar por eles pOIS da educação física; vendo-me, cercam-me sentando-
sobre colaborar ou não em uma investigação. A insegu- s~ ao meu redor. Perguntam-me o que estou fazendo e
rança que surge diante da possibilidade de expor o digo que est~u escrevendo sobre a aula, sobre o que
trabalho docente à análise, especialmente quando esta fazem. Dez crianças, em "cascata", passam a me dizer o
análise procede de uma atividade de pesquisa externa à que fazem ~a aula, ~ontrolando minha escrita: "A gente
escola, constitui, sem dúvida, indicador, por si só, do d.esenha; brinca ~e J~~inho;.faz massinha; vai na pra-
ideário mantido por essa escola: a resistência à reflexão CInha; ~az educaça? ffsica; br-inca; faz tinta; pinta; dese-
e a concepção de conhecimento baseada no fixismo, nha; brinca na caairiha; lancha; es-cova os dentes· lava a
mesmo quando se fala em mudança.> mão; ajuda a professora; pode trazer brinquedos de casa.
Fica claro, por este relato de Fortuna, o motivo pelo conta, etc.." Os alunos podem pegar o material que qui~
qual optei por preservar na íntegra os relatos deobser- se em
: , pOIS este é o horário livre de que dispõem para
vação de sala de aula, reuniões, etc. Eles vêm prenhes b r mcar A .. d ·
· _ maIorIa as crIanças que me viram estão
de interpretação, de hipóteses explicativas do fenômeno escrevendo, ou melhor
h I·d rocor. Outras . , pintando co m Ia 'p·rs d e cor ou
observado. Não se pode separar o relatada interpreta- brincarncom massinha· aI
ção. E quem viveu o fenômeno "por dentro" não pode dela · d ' gumas com
JC?gos . e montar. A professora está a organizar o mate-
se eximir. E, aqui, as interpretações brotaram espontâ- rial dos alunos. Envolve:-se, por um bom tempo, com um
neas e transbordaram dos fatos. São legítimas, portanto. a!~no que se destaca por sua extrema agitação e agres-
Uma hipótese a mais pode ser 'acrescentad~ às já SlVlda?e; na verdade, o que faz. évreparar- os danos
levantadas neste relato. O que faz com que a dir-eção de cometidos por ele.. Por fim, canta uma música para
uma escola considere o ensino que pratica uma espécie guardar os brinquedos.>
de propriedade privada que não pode ser invadida. por . ~mbora este:r;elato seja omisso no. que se refere à
"olhares estranhos?" Entendemos que a educação é emi- at~vldade da professora, .cabe irrter-rog'ar- se o que as
nentemente uma questão pública. O fato de ser exercida c~Ianç.as refletem não denuncia que o pdncípio pedagó-
por uma instituição privada não justifica a mudança grco vigente nest~ sala carece do <esforço de teorização
desta ótica. No entanto, a tendência parece clara: isto é que deveria seg'urr-aa ao brinquedo. O que distingue
uma instituição (propriedade) privada; portanto, o ensi- u~a sala de aula do brinquedo .extraclasse? Neste, a
no que aqui se pratica poderá ser avaliado apenas pelos criança faz reto~nos espontâneos sobre sua ação e seus
seus proprietários e de modo algum por "olhares estra- resultado~ e. ate sobre a. coordenação de suas ações;
nhos". A pergunta central desta pesquisa aqui aplicada retornos Iímítados pelo rneío social em que vive e pelas
é: qual "a epistemologia subjacente ao t.rabalho docente" suas estr~turas .deassi~ilàção. Naquela, porém, os
praticada - ou possível de ser praticada - nesta escola? retornos. sao provocados sIstematicamente, em níveis de
b) Tânia Ramos Fortuna observa a aula da professo- cornp lexidarls, e num leque de diversidade cada vez
ra, pedagoga e especialista em educação' pré-escolar, ~a~ore~, por al~é~ (professora) que pode superar as
com dois anos de magistério, 26 de idade, lecionando lImItaçoe~ do cotI~Iano dessa criança. Em outras pala-
para Jardim de Infância nível B e para o Primeiro Grau. vras: a crIança brIncou de massinha. E daí? A- .
D· , · . · . crIança
Acompanhemos suas observações: ' 01 a p'racínhn, E daí? Que atividades de representação
(desenho, escrita, "teatro", etc.) foram organizadas pela

280 . . 281
.~

il"",;",·
~,
professora sobre tais atividades? As. atividades que fa- embora haja tantos .reais esperando solução - muito
zem a criança avançar no desenvolvimerrto, ou n~ ~ons­
trução do conhecimento, são de segunda (ou de.eneslma)
i~
t~
menos se discute o referido problema, arquitetando nes-
ta discussão estratégias de solução. O aluno poderá, no
potência: trata-se de atividad~s representatI,:a~ - no I final de um programa de matemática deste tipo, fazer
plano simbólico, portanto - apoiadas sobre as atlvIda:des todas as contas propostas, mas não saber resolver ne-
práticas que levaram aoêxito. Parece que a aula .aclma nhum problema, o que implica estruturar ~ solução e,
não está avançando nesta direção, mas sim pr-aticando apenas em última instância, fazer contas. E o que de-
um espontaneísmo. Que epistemologia fundamenta tal
pedagogia? Não será a apriorista? (Lembremos que
aprioristas são todos aqueles que pensam que as estru-
turas de conhecimento já vêm programadas na bagagem
II mostra, por exemplo, o trabalho de N eila Tonin-Agra-
nionih (O ensino e a aprendizagem matemática: uma
intervenção construtivista. Porto Alegre, F ACEDI
UFRGS, 1991 (dissertação de mestrado).
hereditária; basta o processo de maturação para que
elas, percorram os vários estágios.) I, d) Tânia Fortuna observa a aula da professora de
Primeiro Grau (incluindo ensino religioso), formada em
c) Tânia Fortuna observa, também, a aula da profes- t magistério em nível de Segundo Grau e cursando psico-
sora com formação matemática, de quarta série, com 11 I~ logia, com 22 anos de idade. Eis o relato:
anos de magistério, 29 de idade, que leciona para alunos <As "crianças ,estão comendo a meranda na sala 'de
provenientes da classe média. Acompanhemos seu rela- aula,pois o tempo, está ch'uvoso. Não terão recreio a
to: seguir, somente no final da aula,já que a professora
<Os alunos estão resolvendo uma prova de matemá- afirma ser muito difícil acalma-los e, sendo no final da
tica copiada do quadro. A professora, queestá se~tada, aula, eles já vão embora. Quando rernicia a aula, as
é chamada por alguns alunos... Ela.áe dir-ige ate sua~ crianças fazem umyerdadeiro coro para pr-essionar' a
mesas. Depois vai ter comigovComerrta que a tu~~~ e realização de um trabalho: ditado. Eles lêem "dita", e de
tranqüila ela afirma que eram muito agitados no InICIO, fato é só assim que estáescrito.. .Penso que é só o que
mas que 'a sua calma os contagiou. Anda pela sala, sabem ler, pois a professora. só escreveu, isso. "Ela dita e
parece distante; é lacônica. Contudo, ao aproxrrrrar-se de as criançastrabalham, embora solicitem em demaaia a
um aluno coloca a mão na. sua cabeça. Passa alguns repetição. Conversam "e explicam as palavras ditadas
segundos 'diante da janela, olha para o .relógio e para (dói, dedo). Toda a 'lembrança que a professora estimula
mim; talvez esteja incomodada com a rninha presença. é relacionada aos animais (p. .ex.: "O que vêm do lado do
Observo que os alunos se movimentam bastante na t? É o elefante?"), e assim parece que os alunos têm um
classe, e isto é progressivo; balançam, p~s e bra~os; enorme zoológico na memória. Depois do ditado, as
viram-se para os lados, mexem no pr-oprto rnater.ial. crianças devem copiar o que está no quadro, enquanto a
Nenhum aluno pergunta sobre nota ou coisas do gênero; professora passa de mesa em mesa para corrigir o dita-
contudo, como quando cheguei ela já havia, falado da do. Neste momento ela repete o que era para ser escrito,
prova, talvez isto já tivesse sido esclarecido> se a criança errou (p. ex.: "era para escrever 'mamãe' e
Como se ensina matemática? Põe-se uma conta no não 'mõe'"), evidenciando que basta expor a criança
quadro-negro, os alunos a copiam e fazem-~a de acordo reiteradas vezes ao que é correto para que aprenda. Ela
com os algoritmos para os quais foram t.reirrados. ~s.ta parece não "marcar" alunos, mas comentou, minutos
é a rotina. Não se põe um problema - mesmo que fiCtICIO, antes da aula começar, que tinha alunos que bancavam

282 283
os "palhaços", explicando este procedimento em função
diSCUSSão conseguir envolvê-los um mínimo, partirem
da experiência familiar. Ela chama a ~tenção ~os alun~s
para ~ produção de um texto que expresse a temática
de modo demorado - o que parece agitá-los airida rnars
debat.ida, o professor ou, pior ainda, a cartilha determi-
- embora torne o clima bem informal. Embora as crian-
na o texto que não se refere a uma temática criticamente
ças tenham pressionado para a realização de um tipo de
elaborada, mas textos freqüentemente ingênuos ou "ne-
atividade , é a professora quem decide o que vai ser , tros", que referem apenas dificuldades várias de lingua-
ensinado. A freqüência com que. os alunos acorrem a
gem: este texto é "ditado" ipsis litteris. Após, o professor
professora, com cadernos e perguntas, indica o quant?o
conhecimento parece "emanar" da professora, aSSIm corrige os er-ros de acentuação, de regência, de concor-
dância, erros sintáticos e gramaticais, enfim. Corrige-os
como as ordens e as condições em que deve se realizar.
Com a precaução de quem acredita.que o erro deve ser
Ela repete a ordem das tarefas: copiar o que está ~o
quadro. Alguns dize~ que já cO~,iara,m, ao que el~ dIZ:
evita~o por todos os meios: corrige-os com a preocupação
"então façam um borrito desenho . E aqueles que d'izern de evItar que o aluno fique exposto a ele. Ficar exposto
já ter desenhado, diz que devem pintar. Ou, se já fizeram a ele ou repeti-lo significa reforçá-lo. Reforçá-lo significa
a~mentar a probabilidade de sua incidência. Além de o
isto também, que fiquem em silêncio. Chamacom fre-
qüência a atenção de uma aluna,já sem brincar e mesmo
"~I~ado" constituir uma aplicação prática da lei do exer-
ClCU~ de Tho::ndike, é ele uma aplicação quedesconsidera
irritada e ameaçadoramente. Contudo, parece-me ~ue a. lel. doefe lt? deste mesmo autor. Como.o rrrarrejo do
antes as crianças estavam tão agitadas quanto a memria SIgnIficante Independente de seu significado éjI).~ípido,
que é repreendida. Enquanto as crianças. trabalham, a urge apelar para alguma "motivação" extrfnseca; não
professora passa de mesa em mesa, olhando o qu;e fazem estrutural, portanto. Isto ~,.o "ditado" é, na sua essência
os alunos e corrigindo suas tarefas; alguns a chamam: tr'eiriamerrto de significante8completamenÚ~alheiô·ao~
"Tia vem corrigir". Parece-me que esta é a sua função
no momerito: verificar se realizaram a cópia corretamen-
s~gnificados~.Nãocabe dis~uth~o~signiÜ~a.dospois •. eles
sa? f!x0:J e totalmente_ determinaà~spela.:'~eali4~de
te dizendo se está certo, bonito ou errado e deve ser ?bJetIva · Trata-se, entao~ de aprender os significantes.
copiado de novo. Os alunos trabalham individúalment_e, Isto é condição suficiente deacessoaossignificad'os. ci
apesar das conversas e movimentos pela sala - o quenao
comJ?~rtamen!o dos alunos d~núricia a . epistemologia
traduz trabalho coletivo, e sim agitação. Nos rnornerrtos ernprriata subjacente a estes exercícios didáticos: estão
em que a professora não corrige os cadernos de mesa em a toda' hora conferindo se seu escrito está de acordo com
mesa, o faz na própria classe, sendo, desta vez, os cader- o m?delo. E no objeto que est;~ a verdade, e não nosujeito;
nos de tema o seu alvo.> mUI;o menos na relação. Chega-se ãverda.de por repro-
Talvez o "ditado" seja a forma mais acabada ide duçao (de modelo) e não por construção.
desconfiança na capacidade de aprende.r do aluno. M~s Para entender o que estou dizendo, utilizemos como
é por outro lado, a forma por excelência da pedagogia e~em~lo a proposta de Paulo Freire: deve-se começar
"tradicional", "diretivista", "reprodutivista". A episte- dIsc~tIndo a~pl~mente os sígnífícados quep()rtam de-
mologia subjacente a este procedimento didático e aos termInados SIgnIficantes privilegiados por uma subcul-
procedimentos que a cercam é, com toda a certeza, t?ra.para, apenas então, estruturar cognitivamente o
empirista. Em vez de o professor e os alunos p.roporem sIgnI?C~nte. Para usar o exemplo clássico "tijolo": ele é
e discutirem temas de interesse comum e, aSSIm que a um SIgnIficante oral, não ou precariamente escrito, cujo

284
285
e resolvend?-os no"qua?ro-verde. A participação dos
significado será amplamente discutido nas suas dimen- aluno~ restrInge-se_a emissão de respostas ou a pergun-
sões econômica, cultural, política para, daí sim, gerar-se tas tais como: "Entao, qual é a média... ?" Faz referência
o pedagógico; ultrapassado o sincretismo, construído o constante à ausência dos alunos na aula anterior em
significado no plano da consciência, passa-se à (re)estru- tom de repreensão, salientando o que perderam na com-
turação do significante no plano sintático. É claro que preensão do andamento do conteúdo. Faz constante
estes passos não estão dispostos numa seqüência crono- "propaganda" do uso da tabela, salientando que sua
lógica rígida, pois o cérebro humano não funciona segun- finalidade é, antes, "facilitar, e não complicar". "É me-
do o modelo do equilíbrio mecânico ou termo dinâmico, cânico, ~~qui pra frente as coisas se mecanizam. Eu
mas segundo o modelo da equilibraçãomajorante(Pia- ~cumulellnform~ções,agora é uma questão de aplicar".
get): modelo biológico-cognitivo, mais recentemente Es~a ta,?ela ,voces vão usar até o final do semestre,
(1977) descrito como abstração reflexionante. A abstra- entao, rririg'uérnvpode dizer esta parte
ção reflexionante significa, paraPiaget, que o conheci- d. " A . da rnatéerra· eu
ispenso'. gora a professora passa exercícios no qua-
mento desenvolve-se apoiado tanto na abstração dro e os alunos devem resolver co-m o auxílio da tabela...
empírica (determinação do objeto ou meio fisico e social)
Conforme disse, o emprego do "eu" é constante em
quanto na abstração reflexionante (ação e coordenação
toda a sua fala, como se fosse "porta-voz" dos alunos.
das ações do sujeito).
Percorre a sala, atendendo a quem chama e olhando
e) Tânia Fortuna observa, ainda, aaula da professo-
o cad~rno de quem trabalha, silenciosamente.' A turma
ra de estatística ministrada para alunos predominante- se agrta um pouco, conversam ent.re.si., mas tudo indica
mente de classe média numa universidade do setor que estao tr-abalhando.Apõsmais ou menos Lümirrutos
privado de ensino. É- este o relato: _, __ volta ao quadro para corrigir o exercício. Consta.ntemen~
<Quando entro na.sala, depois dê começada·.a.~ula, te remete "ao que ,se .quer" em tal exercício, o que é
a professora está a-dizer: "Vocês têmquepen~arassim... con!irmado pela- proprra resol uçãodo exercício que ver-
Eu tenho que raciocinar assim..." ExerCíciossão coloca- ~ahza. Os alunos devem responder perguntas como:
dos no quadro e a participação dos alunos. é s()licitada Quanto vale a área esquerda de... ?" "Façam a letra~d'
pela professora quando os questiona sobre' a resolução e vamos ver se ficou claro". Esta é a expressão que parece
do problema (o método de resolução). Enunciaexpres- revelar CO~O a aprendizagerné verificada, qual oresul-
sões de "reforço", mas sem docilidade, ou mais, com tado do enarno. (Todos os alunos portam boa vestimenta
firmeza. Eles devem usar uma tabela, é a aula parece e trazem consigo calculadoras; a 'aula é do curso de
versar sobre a aprendizagem do uso da t.abela.. Lápelas engenharia e se realiza pela manhã. Há 33 alunospre-
tantas a professora retoma, segundo diz, o sentidode sentes, e apenas um é de cor .negr'a.) .Parece-existir
estarem aprendendo a uaar tal tabela, historiando o algu~a solidariedade entre os alunos, que em duplas ou
problema que os levou a constatar que os instrumentos em trIOS mostram seus exercícios, questionando-se mu-
disponíveis até então eram suficientes para sua resolu- o ~uamente. A'professora continua circulando pela sala, e
ção. A turma é grande, composta em sua maioria por e constantemente chamada. A-turma parece revelar-se
jovens do sexo masculino com média de idade de 20 anos. ~ep~nd~~te~a ~ireção da aula que a professora propõe:
A exposição do conteúdo é feita pela professora, que . MaI~ silêncio, SIm? Quernjá terminou o número 4 pode
explana, na primeira pessoa do singular ("Eu"), os pas- Ir adIante, fazendo o 5 ... " "Agora eu te pergunto:... " É o
sos da resolução do problema, desenhando-"os (gráficos)

287
286
que a professora começa a dizer a um aluno que a professora e expõem suas dúvidas. Normalmente, fazem
chamou e expôs sua dúvida. "Têm várias maneiras de isto quando a professora se dirige às suas classes ou os
resolver, o que importa é que vocês aprendam". Expõe, argúi. Salvo se ela olha os cadernos ou chama na classe,
no quadro, as diversas maneiras adotadas pelos alunos, o assinalamento dos erros não existe, pelo simples fato,
dizendo que vai mostrar os errosçometidos. Para isto, suponho, de serem omitidos. Quando ela faz uma per-
solicita a participação da turma. "E outro caminho, mas gunta, ou ninguém responde e ela mesma responde, ou
chega na mesma resposta". um ou outro aluno "salva a pátria", satisfazendo o desejo
Alguns alunos parecem isolados demais, e não é de resposta dela à pergunta: "Quem não achou esta
possível verificar se estão acompanhando ounão a aula, resposta?" Ninguém responde, dando margem para a
pois não questionam a professora riemos colegas,'traba- crença de que há dificuldade. na turma.
lhando com a cabeça baixa sobre a mesa. "Daí, tá pen- "Quem quiser ver as ·provas {será 'possível fazê-lo],
sativo... " É assim que se dirige a um dos' alunos que se amanhã, nos dois períodos. Não adianta receber as notas
encontra isolado; este responde com gesto -de levantar- e não conhecer o que errou. Acho muito bom que vejam
se, dizendo que vai ao banheiro. Será fuga? "Menos as provas". Exemplo de um problema constante da pro-
conversa, mais trabalho... Bem, se estão conversando, va:Aaltura de 10.000 alunos de um colégio temdistri-
então já acabaram. Vamos corrigir". Esta é uma afirma- buição aproximadamente norrnal, com altura = 1.70cm
ção que faz constantemente, evidenciando a crença de e desvio padrão = 5. a)·Qual o-número esperado de alunos
que em grupo não há trabalho, ao corrtr-ár'io do que posso com altura superior a·1,65cm?b) Quafó.-intervalo simé-
perceber em alguns, casos. "Tem .que .Ier Q enunciado!" trico em torno da média queconteriaYãsê das alturas
Fazendo referência à dificuldadederesponder,dosalu- dos alunos?>
nos, segundo a professora, às respostas óbvias.. .•. De vez A concepção de;c?n~ecíllleIltodàpr()f~ssora e, por
em quando, alguns alunos se descontraem,faz'endo pia- extensão, auá concepção,~deapren-diza~eJ?-e~rnergem-não
das ao responder às·questões;ela.não oscondena,tam- s6 de sua prátícadídátic'a;m~stàmbéni'deteórizações
pouco os acompanha. Este gesto indica que a integração esporádicas que ocorrem .no decórrervdest.a prática.
entre ela e os alunos é bastante formal, não havendo Aprender significa apropr-iar-se deialgtrns pr-incípios
espaço tanto para a consideração da experiência indivi- "teóricos" e aplicá-los mecanicamente 'aoS dados. Que
dual dos alunos como para uma maior exposição pessoal dados? Por exemplo, "asvrendàs-diáeias de um .resüau-
da professora. rante". Este mecanismo conseguedepredar a estatísti-
A matéria é sobre probabilidade, e um· dos exercícios ca, impossibilitando errterrdê-Iatcorno ci êrici a. Há
refere-se às rendas diárias de um restaurante. A profes- fenômenos que não poderrrser -d'etermínados anão ser
sora situa os alunos no conteúdo da disciplina, arrun- por aproximações quantãtativas regidas pela lei da pro-
ciando a matéria que lecionará no dia seguinte. Sua fala babilidade. A estatfsticaé aciêríciaquetr'ata dos esta-
soa como ameaça equivalendo a: "Hoje é a última chance tutos destas aproximações. É, portartto, totalmente
de vocês!" Tenta fazer uma "ponte" entre conteúdos antidogmática. Mas basta que se torne objeto de ensino
lecionados no dia anterior e o problema a ser resolvido, para que sua natureza se evapore: torna-se rígida, dog-
evidenciando que há um certo encadeamento entre os mática. Não há aluno, ainda mais de Terceiro Grau, que
diversos conteúdos da disciplina. São poucos os alunos não esteja de posse de algum fenômeno estatisticamente
que, espontaneamente e em voz alta, questionam a descritível. No entanto, o docente ignora isso e traz

288
problemas já confeccionados para que o aluno, munido de ar quente: frentes frias; frentes quentes; outros fato-
de calculadora, simplesmente aplique técnicas estatís- res importantes para a previsão do tempo: umidade;
ticas, calcule. Todo o trabalho criativo, de montagem e temperatura e pressão atmosférica. Os alunos copiam,
descrição do problema, de preparo dos cálculos, da defi- meio irrequietos. As poucas conversas giram em torno
nição dos cálculos necessários, é atropelado em favor de de dúvidas na leitura do quadro: a professora pergunta:
probleminhas que constituem de certa forma uma afron- "Qual o motivo da conversa?" Uma aluna que terminou
ta à inteligência de alunos que tudo têm - recursos recosta a cabeça, de lado, na parede, olhar perdido. A
materiais, tempo - para construir um sólido conheci- professora senta à espera do fim dos trabalhos de cópia;
mento estatístico. perarnbula pela sala conferindo, junta um lápis aqui,
O silêncio denuncia esta patologia da sala de aula. responde uma dúvida de cópia a li, Queixa~se de não ter
Ele é cobrado em nome de um conhecimento que não laboratório, nem sequer uma pia na sala de aula. Conta
acontece. Em nome de uma disciplina que visaaocon- a aula em que saiu para a rua para estudar o "ciclo da
trole do comportamento e não à construção do conheci- água", para estudar as nuvens; "eles são alunos de sala
mento. Em nome destes e de .outrosmitos:, elimina-se de aula; quando saem, muda o coreto, dá bagunça",
preconceituosamente o trabalho de grupo, colocando sob justifica. Ela falava e os alunos anotavam; depois, apre-
suspeita a. relação dos. alunos entre si e reconhecendo, sentaram "relatório". Qualquer conversa e a professora
como única legítima, a relação de cada aluno individual- interpela: "Para que essa conversa?" "Vocês. sabem..o
mente com o .professor. O resultado não pode ser mais, significado da palavra 'denso'?" Dá como significado:
dramático: os alunos não se relacionam com oprofessor; "pesado, = denso". Daí lê a frase do quadro: "ar frio é
o professor monologa e o aluno foge do confrontoger'ado mais denso; o ar frio é mais pesado"~Adiferenç'ade
por estemon6logo. A pedagogia que seconstrtuí.apartrr tempo entre o ahrno que copia màisrápídoa o maislento.
do boicote preconceituoso àrelação grupalçà palavra do éde 28 minutos. (Os que 'terrniriam ficam sem fazer
aluno,à ação criativa é uma pedagogia da dependência, riada.) Faltam 7 minutos para terminar a a u la, A pro-
da subserviência. Uma pedagogia que suprime aIiber- fessora vai à fila de carteiras junto à parede da porta e
dade noporito de partida só pode colher a ignorânciano diz: "Quem desta fila quer ir ao banheiro?" De 4, 3 'se
ponto de. chegada. levantam; dá a ficha para um e diz: "Vai o comboio
Na medida em que esta docente concebe uma ordem junto". Passa assim por todas as filas e diz: "Voltam
disciplinar que determina previamente o comportamen- todos juntos: se o guarda pegar, eu .não vou buscar".
to "correto" do aluno, impondo-lhe a "lei .doexercício" Debocha do "cansaço" (tédio?) de uma aluna: "Tu deves
como caminho privilegiado para que o conhecimento que trabalhar muito? Tu trabalha até meia-noite?" A .sala
ela detém "penetre" no educando, o modelo epistemoló- possui janelas altas, pequenas; tipo basculante; é pinta-
gico é, se não exclusivamente, pelo menos predominan- da de cor cinza, tem quadro-verde; luzes fluorescentes
temente empirista. acesas (enquanto lá fora há um claro sol de inverno);
f) Fernando Becker observa a aula de ciências,quin- pelas paredes distribuem-se algumas pinturas em papel
ta série, ·turma com 30 alunos, dos quais 10 são negros, tamanho ofício.>
em escola de periferia urbana: Uma hora-aula dura 50 minutos. Cinco minutos são
<A professora enche o quadro-negro de informações gastos até o início dos trabalhos. Durante meia hora a
redigidas em boa linguagem, copiada da cartilha: massa _ professora dita ou copia a cartilha na lousa, cópia que

290 291
deve ser copiada pelos alunos nos seus cadernos de nha: "barômetro", "higrômetro" (cujo significado obvia-
cópia. Durante os 15 minutos restantes ela confere os mente não é explicado). A coordenadora pedagógica bate
cadernos dos alunos e administra a ida ao banheiro. A na porta, a "aluna-professora" atende. Ela traz uma
aula resume-se em reproduzir o ditado, copiar da lousa aluna que estava com a diretora e chama um outro
e conferir se o ditado e a cópia estão corretos. aluno: "BEN, a Diretora quer falar contigo!" Alguns
O desafio à inteligência destas crianças é quase nulo. alunos reagem: "Hiiii!" Uma aluna copia do caderno de
Sua capacidade ativa e cognitiva é subestimada, redu- uma colega, completamente alheia ao que ocorre na
zida a níveis de quase debilidade mental. Suas ativida- sala.
des ou verbalizações espontâneas são consideradas A sala possuijanelas basculantes,altas, inacessíveis
"bagunça". Nesta aula nada secr-ia, tudo se copia.rCon- aos adultos; a cor das paredes é cinza, asala é semi-es-
sidera-se, inclusive, que a criança não sabe ir ao barihei- cura apesar da luz fluorescente (várias lâmpadas não
ro. funcionam) e do sol claro lá fora.
a comportamento, porém, mantém-se sob controle: Cordões atravessam a sala pelo teto com bandeiri-
a professora ironiza o espreguiçar da aluna, organiza nhas feitas de recortes de revistas ilustradas. Algumas
"comboios" para ir ao banheiro, ameaça com' o guarda, cartolinas e muitos desenhos infantis estão colados nas
perambula por entre os alunos 'insistindo na correção paredes.
gramatical das cópias, investigando o motivo deconver- A professora volta, 'assume Oi ditado .Um alunõ'recla-
sas. ma, ela grita em agudo: "Querir prafora?"O'àhinose
Somente 'uma epistemologia empír-ista pode servir aterroriza: "deixapraIã". ()utrac?orden1;\d.0raiD;~errom­
de inspiração para uma didática tão per-veraa. A-profes- pe, dá cuidadosas instruç,ões]Jl;ira a próxima . ~pl~do
sora, cheia de boas intenções, demonstra uma consciên- professor que não, veio. "Ele ficou'papat.rnãoviráàlgusns
ciaquase nula desta situação. É ela o "recur-so humano" dias", explica. A professora ,' Sai 'poriJ:lgtIns . momentos'.
certo para esta pedagogia, para a pedagogia dareprodu- Um aluno levanta de um canto da sala e vai até ooirtro
ção. afim deperg'urrtara uma.colegarYl'emuma falha-aqui
g) Fernando Becker observa a aula de ciências, quin- no meti-cabelo?" (na parte de trás,Iia~cabeçaLA'profes-
ta série, em, colégio de periferia urbana (Restinga): sora volta, flagra acena eiroriiza:"Olh'a só, que lindo!"
Para outro aluno que" conver-sa diz e'la.; "O que há; quer
<A professora faz "adiantamento" de aulaporfalta
sair pela janela?" BEN volba; A ,profe'ssora inquire: "E
do próximo professor. "Eu peço compreensão de vocês
porque eu tenho que ir na (turma) 52, senão, daqui a onde a dondoca foi?" "Pra secretaria",re'sponderápido.
"Senta!"> '
pouco eles estão quebrando tudo". Pergunta onde ti-
nham terminado na última aula. Alguns alunosrespon- Se aditado constitui agrande estratégiade apren-
dem em coro. Passa, então, o texto para que uma aluna dizagem, não há por que não substít.uir umprofessor por
voluntária dite a matéria. A situação incômoda de ter um(a) aluno(a). Mas a escola não entende aasirna .ques-
que atender a duas salas faz com que ela se irrite tão: o essencial da escola não é a perforrnàricedoprofes-
facilmente: grita para um aluno e sai da sala. A aluna sor no que se refere à tr'ansrrrissão - nem falemos de
dita mascando e estourando chiclete. Os alunos inter- construção! - do conhecimento, mas sim a competência
rompem-na a toda hora, a cada palavra um pouco estra- no controle do comportamento, na capacidade 'discipli-
nadora.Justifica-se tudo se o professor "tem domínio de

292 293
turma", sabe impor disciplina. Se um docente "inventa" - O professor apresentava ao aluno programas de ins-
alguma forma pedagógica que inclua a fala do aluno, que trução programada que, preenchidos por este, serviam
tire as carteiras das monótonas retas direcionadas para de parâmetro para informá-lo da aprendizagem do alu-
a lousa, se "dá liberdade" para irem ao banheiro na hora no. Ou o professor aplicava testes de múltipla escolha
que desejarem, ele terá' que provar que sabe a matéria que, também, eram (ou deveriam ser) feitos pelos "ex-
e que sabe ensinar. Este "pacto de mediocridade" da perts" nos referidos laboratórios. A "ciência" (seria me-
escola com o professor discipliriador/condicionador e a lhor dizer a "tecnologia") que embasava tais procedi-
intolerância com o professor que reflete, propõe mudan- mentos era o behaviorismo (ou neobehaviorismo) de R.F.
ças, inventa e tenta novas formas de encarar a relação Skinne:. A epistemologia subjacente a este 'comporta-
ensino/aprendizagem, bem denuncia o papel ideológico rnerrta.l iamo não poderia ser outra: o empirismo.
da instituição escolar. Havia um menino, nesta sala de estatura abaixo da
Neste contexto, o "ditado" constitui estratégia didá- média e de idade acima da média, que era tido como
ticaextremamente eficaz: faz com que o aluno "aprenda" tend.o problem as de aprendizagem. Era o que mais se
a manipular o significante ("barômetro", "higrômetro") mOVIa na s~la. As ob~erv~ções da professora para que
com pouco ou mesmo nenhum domínio do significado. E ele se maritivesse em seu lugar, respondia de tal modo
um "sujeito" que está sendo preparado para cumpr-ir que a professor:a não se irritasse e até esboçasse, vez por
ordens sem saber para quê. É claro que um significante outra, um sorraso. Acertaalt~radaaula, desloca-se do
assim manipulado não se revela na .sua riqueza sernân- seu lugar, que ficava próximo à pr'ofeasor-a, e vem sen-
tica ao sujeito que o manipula> O sujeitosabe prorrun- tar-se ao meu lado, no fundo da sala.' "Puxa" conversa
ciá-Io, escrevê-lo, mas é incapaz de aproprtar-sede seu comigo. Por duas vezes a professora chama'sua·atenção.
significado. Trata-se, efetivamente, da. produção da ig- Na terceira insistência delavdebruça-se para o meuJado
norância: o sujeito "aprende", naescola, a ser ignorante e cochicha: "Ela está com ciúme!"
(Freitas 1986). . . Este aluno era, nesse semestre, sujeito de umapes-
Não é gratuito que, durante a dit.adur'a rpilitarre- quisa, envolvendo educação é .informática (linguagem
cente neste país, durante o chamado "tecnícismo peda- L~GO de programação). Entre as constatações dá pes-
gógico", a função de ensinar era "treinada" sobretudo em quisa consta a·de que ele não apresentava "déficit" de
cursos de "reciclagem", em que se chegou, a .afirmar que aprendizagem; ao contrário, revelou-se cri a tiv o e Inven-
o professor poderia ensinar qualquer coisa mesmo que tivo na programação emLOGO;sem·manifestar.defasa-
dela nada entendesse. - Como?- Apreserrtando "compe- gem na estrutura lógica, de seu'pe.nsamento. Os
tentemente" aos alunos a matéria. - Como?- Expondo-a problemas vividos por ele não eram de caráter cognitivo,
com o auxílio de programas de Instrução Programada, mas, certamente, socioafetrvos.
de Tarefas Individuais Programadas (TIP), etc., ou de ~) ~ernando Becker observa a au'la de ciências, quin-
lâminas de retroprojetor, lâminas e programas prepara- ta serre, c~m 24 a~unos, de colégio público de periferia
dos por algum expert, em algum laboratório de tecnolo- urbana (VIla Reatrng'a): '
gia educacional. Laboratórios criados ad hoc. -. Mas <A professora fez esquema no quadro desenhando
como o aluno aprendia? - Copiando o "conteúdo" das os tipos. de nuvens: baixas, médias, altas. Sua exposição
lâminas e reproduzindo-o tantas vezes quantas fossem a ~espeIto do~ e~quem?- são cOJ:~ceitualmenteclaras, per-
(
necessárias para gravá-la na memória. - E a avaliação? feit.arnerrte lógicas. Le na cart.ilha cada conceito.
I
294

I 295
Tipos de nuvens entanto, encontra-se, via de regra, distante do nível de
formalização de quem ensina. Segue-se, daí, que aquilo
Altas Cirros Cirros-estratos Cirros-cúmulos
que é claro para quem ensina pode ser totalmente obs-
Médias Altos-estratos Altocúmulos curo para o destinatário deste ensino.
Baixas Cúmulo- Estratos Nimbos- Cúmulo Estrato- Se um professor, operatório-formal, ensina os tipos
nimbos estratos cúmulos de nuvens, suas definições e as relações entre estes
vários tipos, seus alunos, operatório-concretos - como os
Enquanto, os alunos copiam esta tabela, um deles acima - podem sentir-se desconfortados perante tal
chega àtémime pergunta: "Você é tipo de psicólogo?" ensino: acham tudo confuso, entendem apenas fragmen-
"Você está anotando o comportamento da professora e tos do que é dito, copiam o escrito do quadro-negro ~
dos alunos?" "Sim" "Ê péssimo!" (O comportamento). como o quadro acima - sem compreendê-lovconfundem,
A esta altura a professora muda o rumo da aula: dá enfim, tudo com tudo. O professor freqüentemente se
tarefa de matemática do professor que não veio: desespera e justifica-se: "Eu ensinei tudo a eles, era
impossível ser mais claro, etc." Na quase totalidade, os
6) Verifique quais os números que são divisíveis por próprios professores já não se lembram como pensavam
três. quando tinham a idade ou a escolarização' de seus .alu-
7) Verifique quais os números divisíveis por 4. nos.
8) Marque os divisores de 6. Como se vê, o professor pode ensinar cornpeterrte-
9) Marque os divisores de 5. mente e o aluno prestar atenção, copiar eres,olv:er,~ as
, Aisala é gelada, de cor cinza, as janelas são tipo lições, e no entanto não haver rendimentonaaprendi-
basculante, altas, há alguns papéis (desenhos) pelas" zagem. Por quê? .Porque existe .urna distância el1tr~".~
paredes..A professora reclama do aluno (ELSJ que não lógica. do professor e a lógica do aluno. Distância 110
páradefalar. Pede para que ele sente em outro lugar. sentido da formalização: o professor é mais formal, do
Daí aproxima-se dele e diz: "Sabes que usar a. c:=tlc~l~­ que o aluno. Esta distância é: intransponível . pa~,a..,o
dora não deixa você pensar? Calculadora e dicioriár'io aluno; freqüentemente precisará de anos de desenvolvi-
são, iguaizinhos".> mento para transpô-la. Sóresta uma safda, Orprofessor-
deve, pedagógica e, portanto" didaticamente falando,
A clareza é, sem dúvida, um requisito didático im-
contemporizar com o aluno. Corno diria Paulo Freire, o
portante. Confunde-se, no entanto, clareza ·com forma-
educador,deve assumir o nível de consciência.do educan-
lizaç-ão. Sabemos da importância dos sucessivos níveis
do, não importa o teor de ingenuidade que o car'acterâza.
de formalização para a compreensão de qualquer tema
Isto não significa .d.imirrufr a i nterraidade dos desafios
na ciência, na literatura, etc. No entanto, a clareza
didaticamente recomendáveis. Significa, antes, intensi-
própria à formalização não constitui uma qualidade que ficar os desafios, mas no plano da lógica do aluno. Lógica
possa ser ensinada; e isto pelo seguinte ~otivo: ~quele que não é necessariamente função da idade, mas daação
que ensina exerce seu pensar num d~te,rIP-Inado.n~vel de ou, melhor dito, da interação do indivíduo com o meio
formalização, que depende de sua h ietór.ia cognít.iva, da físico/social que o rodeia. E é, menos ainda, funçãodo
história de sua experiência, de sua interação com o ensino. A lógica não se ensina, desenvolve-se por força
mundo que o rodeia. O destinatário deste ensino, no
da ação do sujeito sobre o meio físico e social e, de

296 297
retorno, da coordenação destas ações em nível endógeno. quero perguntar eu ponho que ponto? Quando eu quero
Para Piaget, antecipar as operações formais significa exclamar eu ponho que ponto? Quando eu quero afir-
retardar o processo de desenvolvimento: precisamente mar... que ponto?" Tudo em função do preenchimento
o oposto pretendido pelo ensino praticado em nossas das lacunas levantadas na correção das últimas compo-
sições. Um aluno pede pra ir ao banheiro. "Vai", dIZ ela.
escolas.
Um outro pede para pôr água numa folhagem queestá
Assumir a lógica do aluno/educando constitui, a nos-
no parapeito da janela. "Vai!" Três outros correm para
so ver, o grande desafio do professor/educador atual e pegar as duas folhagens que sobram. A professora en-
futuro. trega-as para duas alunas; sobra uma aluna. Uma me-
i) Fernando Becker observa a aula de português, nina pede para ir ao banheiro. Diz ela: "Falta somente
terceira série, 24 alunos, de escola pública de periferia 10 ~inu~os para ir !lo banheiro". A temperaturana sala
urbana'(Vila Restinga): esta ~UIto baixa. E natural que a demaridapara, ir ao
<A professora insi'ste para que cada um ocupe o seu bariheiro aumente.
lugar. Insiste com o FAB, mas este posta-se ao lado da qhama-~e a professora de "Tia", o tempo todo. Grita
escrivaninha "dele". Chega a diretora e parg'urrta; "Este ela: Eu dei um trabalhopra ser fei to", Dá instrução
merece mais uma chance?" "Acho que merecec- diz a . para outro aluno: "Chega. na secretaria e perg'uritaquem
professora - mas precisa 'ter mais hábitos, atitudes". 'é tia Alda". Outro 'garoto repete: "Q,uem é tia Alllda?"
Continua a professora: "Corrigi a composição de voc'ês e Outro aIuno passa .pelo cordão embandeirado que-cai do
'fiquei 'muito preocupada porque vocês não põemponto, teto, salta; cabeceia e diz: "Olá, 'I'afarelfll"..Visivelmente
acentuação, seguindo as regrinhas. Vocês têm .idéias as crianças não têm comportamento .recatado de classe
ótimas, jóias... Vocês têm que querer>aprender.' Vou média. São desembaraçadas, sem' muita concessão . a
colocar no quadro: vocês sabem mas têm que prestar refiname~tos'._Passeiam' pela .sala, exibem-se; saltam,
atenção". Faz exercícios de giz e quadro-negro. Há crfari- pula,~, vao ao quadro escrever," dizem l.lmaquantidade
ças que participam apesar do nível formal e árido da de COIsas usando mímica de palhaço.>
aula; outras, porém, "nem estão". Há uma certa empatia Não se pode dizer que esta sala não é ativa. Trata-se
que perpassa a aula e que é da r'esponsabilida'de da P?rém, de atividades fortuitas, sem direção, sem plano:
professora: as crianças fazem 'as tarefas aparéntemente diapersas em torno de um p~etenso .corrteúdo que à
ár'idas com certa esportividade. F AB mostra sua Iição, professora pretende estar desenvolvendo. Atividades
A professora diz: "Há alguma coisa que me doeu os' olhos; didáti~as cruzadas por .açõesdisciplmares 'ou por ações
o que tu escreveste aí?" Ele arranca' afolha do caderno. de revide e· estas ações viridasde alunosv Longeseeatã
Depois reclama da professora: "O que está errado?" A daquela ação que motiva o grupovque.fazasenergias se
professora insiste que ele deve descobrir - maarrão diz concentrarem e~ t?rno de um mesmo objetivo, objetivo
como - o que errou; e arremata: "Quem descobre por que' ~uecarregade significado estas ações ligando-as seman-
'errou não erra nunca mais". Continua: "Você respondeu tIcamente, embora aparentemente dispersas. A idéia de
assim. Por quê?" (Insiste neste por quê). Um al'uno corre que o aluno deve assumir seu processo só existe na
até o fundo da' sala e volta correndo: "Fulano, por favor cabeça tia professora. Não foi traduzido didaticamente.
(em tom de súplica) só um pouquinho!"
A professora faz "competentemente" a aula girar em
torno do assunto. E o faz pela pergunta: "Quando 'eu

298 299
j) Fernando Becker observa a aula de ciências, de. Símbolo CQ P N e Z A
oitava série, t'urrna com 18 alunos, em colégio de perife- Au Ouro 79 118 79 79 197
ria urbana:
Br Bromo 35 45 35 35 80
<A professora faz chamada enquanto os alunos vão
Co Cobalto 27 32 27 27 59
se ajeitando. Enquanto uma aluna distribui provas já
corrigidas, a professora continua "passando a limpo" as
notas. Os alunos conferem as provas feitas com questões É só operar ~m pequeno cálculo para encontrar.o
de completar (mimeografadas) e questões dissertattvas, número de nêutrons de um elemento qualquer a part.ir
mas tanto umas quanto outras são predominantemente dos números de prótons, número atômico,número de
definit6rias. ~O que é átomo, ânion, cátion, va.lência, etc., massas. Ou permutando.>
etc., o que significa o número de uma fórmula?" Ela É difícil imaginar um ensinar mais mecanicista do
'alerta os alunos: "Vocês têm que combinar para buscar que este. Ensinar é reproduzir- a cartilha, o marrual:
.merenda; senão vocês' perdem de 5 a 10 minutos 'e Aprender é submeter-se totalmente ao modelo fixado na
"perdem a cópia de matemática"..Comenta a prova, ques- cartilha; é reprodução pura. A única exigência feita pela
tão por questão, sem ultrapassar o plano definitório. O professora refere-se à precisão da reprodução. Aavalia-
aluno pergunta: "Como botei tudo isso aí (referindo-se à ção exigirá a exata reprodução do qu:e está~acartil}1ae
resposta que a' professora transcreveu na lousa)' e ~ do que a professora falou; e -o-qu~ ela .falou esta na
Senhora só me deu meio ponto?!" "Eu considerei, viu cartilha. Se um aluno não lograr aprovação.tecã.a.recu-
como eu sou boazinha de vez em quando! Quando:um peração, ria qu.alae espera querepit.ao Ifian'\1al.'~e,-no
átomo é monovalente positivo? Quando um átomo 'é final de tudo, o aluno não conseguir reprodueir, ao jetto
bivalentenegativo?" De vez em quando os alunos res- da cartilha e .da-professor-a.cesta. suspmará rprofunda-
pondem em coro as respostas (pura reprodução do quê a mente: "Eu fiz t.udoque.eraposeívele.ele não.aprerideu".
professora ditou). Um aluno levanta e vai conferir urna Adisci pliria, .aparentemente, -não.,temou:tra.:::funçã~
resposta sua com a dos colegas. "Viu como eu ainda te a não serade garantir areproduçãoperfeitsr.A merenda
dei meio ponto?!" pode atr-apalhar. Diz a professora: .perde.ndo--·--5- al0
Nota-se uma interpretação puramente,mecânica das minutos, "vocês... perdem tacópiaide matemática", E
fórmulas químicas. "O que é matéria?" "E tudo quanto pensar que' se trata de oitava série! A ausêricia.de.desafio
tem massa e ocupa lugar no espaço". "Mas nãoéa à inteligência desses alunos é quase total..Quase só sua
mesma coisa?" "Não,se não botar massa não serve. Que memória é desafiada; e desafiada da-piorforma, .visto
são misturas e combinações?" A professora lê pausada- que ela precisa reter sigriíficantes-quase-vazãosde sig-
mente a única resposta. Um aluno pergunta a outro: nificado.
"Vamos ver o que tu botou?" Não há lugar para adiscor- Os conceitos de "ciência'tede "metodologia de pes-
dância, pois a .matér'ia é "objetiva", não diz respeito "ao
quisa" são totalmente .depredados nesta salade aula. É
aluno. A aula é tranqüila. "Essa nota vocês' tinham de difícil imaginar que algum aluno nutra, nestas condi-
graça - conclui a professora - olha, mais exercício do que ções, a pretensão de ser pesquisador, deser cientista. A
se fez!. .." ciência aparece como produto acabado" sem.r-efer-ência à
Há respostas que simplesmente deveriam ser iden- metodologia, ao' processo, que a produziu. A história das
tificadas na seguinte tabela: ciências é ignorada. A matemática não tem. história. O

300 301
pensamento humano não tem história. Perderam-se as vão ser honestos com vocês mesmos. Vocês podem enga-
perguntas cujas respostas geraram tal saber. nar todo mundo menos a vocês mesmos". "Eu confio em
Fundem-se, aqui, o mecanismo científico, a didática ti, Fabiano", afirma ao aluno que foi mostrar o seu
do treinamento e a negação da história. O princípio acerto. Diz em seguida: "Cada um vai botar a nota que
epistemológico unificador desta fusão é fornecido pelo merece. Com honestidade" (sacudindo o indicador). Há
empirismo: epistemologia subjacente, isto é, inconscien- crianças se contorcendo para ir ao banheiro. "Enquanto
te. O professor não sabe que seu pensar está fundamen- não ficarem em silêncio, rringuémvai sair", diz impávida
tado por tal epistemologia. Na sua formação não se a professora. Segue, a rigor, a cartilha. Preocupa-se em
deparou com instâncias didáticas. que o desafiassem a reforçar positivamente os alunos que lhes apresentam
conhecer o seu conhecimento, a pensar o seu pensamen- coisas certas.
to. Nesta inconsciência, a única prática que se descorti- Transcreve na lousa: Copie as palavras, substituin-
na no seu horizonte pedagógico é a da didática do do as * (asterisco) por al, el, il, 01, ut: *, fút *, difíc*,
treinamento; a mesma' que ele viveu tantos anos como especi *, s * vagem, fun *, impassív *, pinc *,p' * seira.
aluno. Trata-se da mesma didática que usamos com Uma aluna t.errnirrae. tarefae apresenta: a professora
arrimaisdomésticos para torná-los dóceis às nossas .or- "inventa" outra tarefa: escrever 10 palavras quetermi-
dens; para torná-los obedientes aos nossos desejos. Pau- nem com al, el, il, 01, uI... (A eficiência,aqui,. recebe
lo Freire se refere a ela como "educação domesticadora". punição.) ''Vamos fazer a fila mais organizada para ir ao
1) Fernando Becker observa a aula de terceira série, banheiro".
com 27 alunos, de. escola pública de. periferia urbana Há 20 minutos do término da aula - era um dia frio,
(Vila Restinga): com vento minuano soprando .lá fora - um alunopedira
<Diz a professora: "JEF,continua, faz favor.. Os para ir ao banheiro. A professora não deixouçargurnen-
outrosó!" (Dedo na boca significando "silêncio".) O aluno tando que não era hora de ir ao banheiro. A mais ou
lêa redação sem que a sala ouça..Outromenino cochicha menos 10 minutos 'do término, o mesmo aluno pede
virado para trás. A professora. coloca a mão 'espalmada novamente parairao banheiro. Ouve de novo que não é
sobre a cabeça dele e vai forçando .para que ele vire para hora. A aproximadamente cinco minutos do encerra-
a' frente. "Agora quem vai ler é a Roseli", diz. Outro mento da aula o aluno torna a pedir. Desta vez ele
aluno, no fundo da sala, sapateia em ritmo bem compas- caminha inclinado para frente, com a mão no meio das
sado. Um aluno se levanta, outro fala pelo colega... a' pernas como quem segura o pênis 'para não deixar sair
professora fala controladamente mas não agüenta e O· "xixi". A resposta é peremptoriamente negativa. O
levanta a voz. Perdeu a paciência e gritou para o menino aluno submete-se com visível sofrimento estampado na
que novamente virava para trás. face. Finalmente, soa a cigarra indicando o término da
Faz ditado e põe na lousa uma convenção paraatri- aula. Quem diz que o aluno pode, agora, ir ao banheiro'd
buição de nota ao ditado pelos próprios alunos: Quem A professora exige fila para sair da sala. Como a fila não
acertar: 11 ou 12 MB; 8 a 10 B; 6 a 7 R; menos que 6 NS. se forma imediatamente, ela cruza os braços como quem
"Eu não vou fazer", diz um aluno. "Eu não vou te obri- dispõe de todo o tempo. E avisa: "Vamos fazer a fila mais
gar", responde a professora em tom de quem tem outro organizada para ir ao banheiro!" Enfim, a fila começa a
controle à sua disposição. Ela dita palavras: "ninguém", andar. Sai da sala, desce uma escada, atravessa um
"futebol", "buzina", "deixava", "estória"... "Agora vocês pátio, entra no hall de outro prédio onde se encontra o

302 303
banheiro. A 10 metros do banheiro, aproximadamente, cado do que administrar os abusos em torno da proibição
manda parar a fila. Destaca, em seguida, os 3 primeiros da mesma ação? Será?
meninos da fila para irem ao banheiro masculino e as 3 Como se vê, a categoria culpado/não culpado de
primeiras meninas da fila para irem ao banheiro femi- . nada vale para avaliar o comportamento da professora,
nino. Ospr6ximos 3 e as próximas 3 só serão liberados se a preocupação for científica. É uma categoria que
para irem ao banheiro após voltarem os primeiros, e serve antes ·para desviar a atenção ·do verdadeiro pro-
assim sucessivamente. O aluno que pedira há tanto blema: o problema da reprodução do autoritarismo,que
tempo para ir ao banheiro continua segurando o "pinto", constitui parte importante do problema de reprodução
pois ele se localiza no meio da fila ... > da ideologia ou das relações de produção de umasocie-
Penso que este é, de fato, o princípio da punição: se dade. Esta professora representa uma síntese de sua
alguém apropria-se do controle das necessidadesbásí- individualidade e do contexto ideológico em queelaffoi
cas de uma pessoa, pode apropriar-se, sem mais, de sua formada" comocidadã e, em particular, como profissio-
consciência. É este, aliás, o princípio da mais vergonho- nal da educação. E claro que ela dispõe de um relativa-
sardetestável e covarde de todas as formas de punição: mente amplo-espectro de oportunidades que dependem
a tortura. de sua capacidade crítica, de sua vontade polfüicá.rMas
Você pode retrucar, dizendo: mas a professora não esta capacidade crítica e esta vontade 'polftíeariêosur-
teve ·emmente tal arbitrariedade. Concordo. Mas per- gem por geração espontânea. São próduaidassocialrnen-
gunto. Então, por que comportou-se deste modo? Como te. Dependem fundamentalmente·da possib'ilidade de
justifica ela tal proibição? A disciplina d·a escola exige acesso a teoriaS capazes de demonstrar (pelá al'lálisé)as
da professora tal procedimento. Com que direito uma tramas .ideológicas que determinam o seu fazere o Seu
instituição atropela o ritmo das necessidades básicas de pensar. Este é, aliás, o presauposto de>qllalqueração
uma pessoa? Como se vê, as perguntas podem "puxar" o transformadora no micromundo educativo'no qual 'ela
assunto da punição, da violência, da arbitrariedade, da se movimenta. Nestes últimosanos-, .estas . oportami'da-
disciplina, etc. com uma recorrência implacável. Temos des têm-se multiplicádo, mas são.raindavfracamerite
a obrigação de manter vivo o debate destes temas,pois institucionalizadas. .
longe dele é.fáciljustificar arbitrariedades de todo o tipo m) Tânia Ramos Fortuna observa a aula de segunda
com os mais. "devotos" argumentos, como, .por' exemplo, série de Primeiro Grau, de escola .da rede ·p-riv~dade
este:. a escola vira bagunça setodo aluno que pedir para ensino que atende a crianças de classe média alta,de
ir ao banheiro recebe licença para ir. Posso até concordar professora com 19 anos de idade: .
com argumento tão esfarrapado. Mas torno a perguntar: <A professora fala comigo em.mais rnadur-osxinfan-
Quem estabeleceu tal regra? Os alunos foramconsult.a- tis. Depois dirige-se aos alunos: "Aqueles que não enten-
dos ou.part.icipararn da confecção de tal convenção? Por deram... ", repetindo a ordem no quadro (o.exercício ê
que as escolas não discutem tais regras com os alunos? sobre números ordinais). Permite que as crianças falem,
Com seu quadro de funcionários? Especialmente, neste discutam o número de exercícios. Os alunos tentam
caso, com os funcionários que têm por encargo conservar adivinhar a matéria, o tipo de exercícios, e,a professora
a higiene dos banheiros? faz questão de fazer diferente, dizendo-lhes: "Nãov.a
.., tia
Será que administrar os abusos em torno da permis- faz diferente". Passa os exercícios no quadro e promete
são. de ir ao banheiro à hora que desejar é mais compli- explicação depois que copiarem. "Já vou explicar". ·A

304 305
aula, bastante centrada na professora, consiste em per- a conversa quando pergunta: "O feriado estava bom, né!?
guntas individuais que todos os alunos fazem a ela: Voltaram a toda!" Na correção dos exercícios no quadro,
"Tia..."; "Tia... "; "Tia, me diz uma coisa..." Para levantar a ordem é "quem pede é quem não vai no quadro", sendo
e falar, a ordem é pedir licença, embora isto não ocorra. a professora a indicar os nomes dos que corrigirão os
As crianças perguntam o tempo todo sobre uma peça de exercícios. Enquanto isto ocorre, os colegas identificam
teatro que assistirão e a professora diz: "Quando chegar erros, erros estes que a professora, diz que "corrigirá
a hora, n6s vamos falar nisto". Para o próximo exercício depois, .em conjunto". Muitas vezes a professora pede
no quadro, a ordem de realização é explicada epergun- silêncio. A correção é feita em conjunto, quando a pro-
tas são feitas para obter respostas em coro. "Entenc;le- fessora pergunta aos alunos: "Está certo? Por .quê? E
ram?" Então repete. "Se tem alguém que não entendeu, agora?" ou: "Como é, então?" O aluno, autor do erro,
levanta o braço que a Tia explica de .novo".. Os. alunos embora não marcado pela professora, fica nitidamente
sugerem atividades, pedindo par-a r ealiza.r um exercício acabrunhado, pois é apontado pelos colegas. A professo-
que chamam de "tema livre": também pede:rn "desenhos, rasalienta que devem confrontar seu caderno com o que
ligar". Mesmo com o dedo levantado e o pedido de licença está escrito no quadro, "que é o certo". Em função de
para falar obedecido por algumas crianças, a professora solicitações para ir ao banheiro, diz: "A escola, não a Tia,
atende primeiro àqueles .que levantam e dirigem-se a não gosta de. gente andando noscor:redores, indo ao
ela" enquanto, os outros, de dedo Ievarrt.ado, são os últi- banheiro". E tra,nsfereoproblemap.ara.os'alunos:.,"ü que
mos a serem atendidos. Com a atividade, o silêncio se fazer, se eu deixo vão dizer (... ), se não deixo, .fazem. pipi
instala na aula. "Quando for-a hora, t.u vai ver", éo que na calça. Então, o recreio deve.serviatocorno.sinônimo
~ • . '. _. . J • •..•... ' •• . .. ' , ..• ·'C-. t.Ó. :.", ,

a professora diz para 'aquelesqu.e_ pedem oprossegui- como igual a ir ao banheiro". A professora.fazreferêricia
menta das tarefas, perguntando qu.ais serão as ~eguin­ às suas experiências, à sua vida pessoal, j ~mborB::.~qm
ctes.Aqueles que insistem em questõesjá expljcadas,.ela tom moralista. Ao corrigir a postura de tlp1.~luno,.come-
dizque com tanta conversa' acabam pão entendendo ça sua fala com "quando eu erapequerrinha... "··Durante
nada. "É ·preciso prestar mais atençãoquan-do,·.aTia a aula, movimenta-se o tempo todo por errtre asclasses,
explica; quando tu ri, tu não entende. Euperguntei ,se conversando comos alunos.::>
todos entenderam, e. se tu não entendeu" era, só ter Parece claro que, o objetívodorniriarrte nest.a.salade
pergurrtadovUm diaeu não vou poder explicar 'de novo aula não é a transmissão ou produção do conhecimento,
eaí quero ver como é que vai ser".Con~uz aa.respost-as mas o controle do comportamento. Assim, o-,errQ,do
das crianças com questões como: ."E daí? Errtão, . . o que aluno, em vez de ser aproveitado comoopor-tunidade
acontece? Por quê?" As crianças vibram com o exercício construtiva, ecoa sobre ele. afetando sua auto-estima- (~'O,
de ligar que a professora começa a colocar no ,quadro. aluno, autor do erro... fica nitidamente acabr-unhado...,");
Pede para que cada um que terminou leve oéàderno quem pede para fazer uma tarefa nalousa é punido com
para sua mesa, onde ela corrige e comenta os ~rros"(:hão a negativa de ir à lousa; o riso é visto comoalgo didati-
ouço quais, nem como). A ameaça maior - e que pa-rece camente negativo: "quando tu ri, tu .não entende"; no
sensibilizar os alunos - é que a professora não vai mais jogo de, adivinhação de, tarefas a serem propostas, ,a
passar matéria enquanto a conversa continuar. A~ro­ professora faz propositadamente diferente do q'ue a "adi-
p6sito das colocações dos alunos sobre os colegas, a vinhada"; ao pedido de informação sobre o prósse~l­
professora diz: "Cada um cuida do que. é seu, e Deus mento ou antecipação de tarefas, a professora responde
cuida de todos". Contudo, a própria professora provoca

306 307
sonegando informação: "Quando for a hora tu vai ver"; forma de círculo. Um aluno exclama (apontando para
chega ao extremo de ameaçar com sonegação ~e tarefa, mim): "Olha. que ele tá anotando!"
ameaça que, surpreendentemente, surte efeito; tudo O professor (brincalhão) diz que vai fazer uma per-
dentro de um clima em que trocar informações com os
gunta difícil: "Glico~e c~meça com que letra?" Pede a ~m
colegas é interpretado como delito, de tipo religioso: .aluno que leia a primeira pergunta do polígrafo. Apos,
"Cada um cuida do que é seu, e Deus cuida de todos".
três alunos elaboram respostas. Ele confirma a exatidão
Todo este poder é exercido por uma personagem que não
das mesmas e faz outras perguntas: "O que a enzima
é propriamente mãe, nem propriamente pai, nem pro-
priamente professora, mas "tia". O que é ser "tia"?
tema ver com a história toda? Como a substância
estimula o metabolismo?" Os alunos respondem. Quan-
Apesar dos esforços de Madalena Freire, acho que esta- do pareceu que haviam esgotado a questão, perguntou:
mos longe de ter uma resposta definitival?ara esta "Todo mundo entendeu?" Um aluno disse: "Eu não!" E
pergunta. Será que .este esforço despers~naIIza~te da então discutiram mais um pouco.
estrutura hierárquica da escola segue carní nhos SImples
para 'ccncerrtr'ar t.arnarrho poder nas mãos de uma. pro- Nessa altura da aula, 8 alunos já haviam falado. No
fessora? Para tornar legítimo seu comportamento de final da·discussão sobre a segunda pergunta do polígra-
escamotear toda tentativa de o aluno saber por-q'ue está fo,ele pergunta para a turma: "Ficou claro?", e passa,
aí, o que vai fazer,para que vai fazer tal coisa, com quem então, para a questão 3, pedindo que um outro aluno a
leia~
vaifazertal tarefa, etc.?
n}-PauloSlomp observa a aula de bioquímica (pri- Há "um momento em que os alunos. têrn..respostas
meiro ano de medicina), em universidade pública fede- diferentes para certa questão e inicia-se um debate. O
ral,:JcoIl128 alunos: professor não se manifesta. Mais adiante há"u!m "novel
debate, e então O· professor intervém e. respondeàquas-
<O professor japreserita-me à t~rma e ~u _falo que tão. Às vezes dois alunos que estão lado a lado começam
estou fazendo uma pesquisa sobre tr-ansrnrssão do co- a conversarem voz :baixa (aparentemente, "sobre .•. as
rihecimentoem sala de aula", etc. Perante todos,ele me questões da aula).
explica que o esquema da aula é que, num primeiro
momento-os Novamente alunos falam ao mesmo tempo e o pro-
, alunos estudem o polígrafo (preparado,pelo
. . . fessor intervém para organizar a discussão. Um aluno
Departamento de Bioquímica) e pensem nas possrvers
respostas par'aas perguntas do polígrafo. No segundo faz uma pergunta e o professor responde: "Ai, não sei...
(expressão de dúvida), provavelmente (frizou esta pala-
momento, as perguntas são lidas em grandegrul?o e .os
alunos respondem: é feita uma discussão. No prlIIJ.-eIro vra) o efeito vai ser equilibrado". Diz que a pergunta era
m-omento ·0 aluno pode estudar sozinho, em grupo, den- rrruí'to boa. NtrmIrnornarrtn de confusão na discussão
troda saia, no corredor; "pendurado no teto" (diz brin- sobre "lactose" ou "glicose" o professor diz: "Vamos ficar
cando). no exemplo do polfgrafo". E depois: "Não vamos teori-
zar".
Após isso, houve um momento em que vários alunos
começaram a falar ao mesmo tempo, uma certa "desor- Uma àluna faz uma intervenção com bastante aegu-
ganização". O professor pede a atenção de todos e o rança, pondo um ponto final na discussão sobre uma
questão que estava bastante confusa. Essa alunà ainda
silêncio retorna. A disposição das carteiras na aula é em não havia falado.

308 309
o professor, para ilustrar a discussão com al~o P:~­ Como o conteúdo já está "exposto", o professor pode
tico, perguntou sobre a dieta para um bebê com diar-réia fazer perguntas sobre ele; perguntas cujo conteúdo não
e para um alcoolista. Houve três situações em que o é estranho aos alunos. Temos, assim, uma aula sur-
professor respondeu: "Issoé uma c~isa que ~ão se sabe, preendente em que 18 alunos, de uma turma de 28,
(ou) isso ninguém sabe... E uma COIsa que ta obscura... participam verbalmente.
As pesquisas não dão uma resposta... " Mencionou que Duas observações, no entanto, são necessárias: pri-
os dados do polígrafo são sobre experiências com bacté- meiro, o mediador da fala é apenas um polígrafo e não
rias e que "nós, seres superiores (risos), somos muito uma literatura mais ampla, ou, ainda, outras .fontes
mais complexos". (entrevistas, conferências, etc.); segundo, o professor
Em três situações, frente a uma resposta de um refere toda pergunta a si mesmo como se pensasse o
aluno, disse: "Não! Não!" e corrigiu a resposta. Ao final seguinte: "Se eu não sei tal resposta, nenhum ahrno a
da aula, um aluno perguntou algo, e ele respondeu: "Isso saberá" o que me leva a ter que aprofundar as leituras
eu vou responder na próxima aula. Eu não sei. Vou ver, para poder responder a todas as perguntas". Ele não
vou procurar. Depois eu respondo" ~ Elogiou as pergun- devolve as perguntas aos alunos para responder, pelo
tas em duas ocasiões, dizendo: "Otima pergunta" ou polfgrafo, pela busca de outros documentos, na escola ou
"bo~ pergunta". A impressão que eu tive foi de que em casa ou, ainda, pela busca de outras fontes. Por este
realmente os alunos eram inteligentes e faz i arn pergun- caminho o professor desafiaria os alunos a realizarem,
tas que extrapolavam as questões do polígrafo. Eles aos poucos, dois objetivos: alargar e aprofundar os co-
conseguiam pensar mais adiante. ' nhecimentos pertinentes e construir sua inde'pendêhcia
Depois de terminar a aula, pergunteip.ara um á~uno do professor, no sentido da autonomia do conhecimento,
se a aula tinha sido típica ou atípica, e ele disae.que t.ínha segundo Piaget. Numa palavra, o professort.ransforrna-
sido típica em relação às aulas antes do períoçlo,de greve. ria a aula num autêntico ato educativo. '
Depois da greve a, coisa tinha "deagr'ingolado"; Na .atrla o) Paulo 810mp observa a aula de organização 'de
anterior o professor tinha conversado com a turma e empresas, do curso de processamento de dados, na Es-
"deu uma prensa" para que todos estudassem rnais. cola Técnica de Comércio (anexa a uma universidade
18 alunos fizer-am intervenções durante eat.aiau.la. federal), em 28/08/89:
Às vezes o professor assobiava como forma de pedir <O' professor apresentou-me à turma e falei algo
silêncio aos alunos.> sobre a pesquisa. Sentei-me ao fundo da sala. Ele iniciou
A nosso ver, esta aula diferencia-se das demais en- escrevendo no quadro-negro:
quanto avança no sentido de uma aula mais particip~­ 3) Organização das modernas empresas
t.iva. Desfecha-se um processo de pensar em que estao - Especialização
envolvidos professor e alunos; o processo é mediado pelo - Tratamento interpessoal
texto previamente lido por todos. Portanto, esta é uma - Qualificação técnica e indicação por mérito
aula em que os alunos já vêm informados não apenas do - Hierarquia e autoridade
título da aula, mas do próprio conteúdo da mesma. A - Regras e regulamentos escritos
discussão é possível em bases reais, não apenas fanta-
siosas.

310 311
4) Organização das atividades empresariais . ,!sa a palavra layout e uma aluna pergunta o que
a) Racionalização e divisão do trabalho SIgnIfica.. ~l~ responde que ·é a disposição dos móveis
b) Unidade de comando e direção num escritôrio, numa casa, numa sala de aula. E conclui
c) Ritmo, tempos e movimentos afirmando que "isso também é um estudo científico".
d) Centralização e descentralização Sobre "unidade de comando e direção" menciona que
Durante o tempo em que ele escrevia isso no quadro, "não pode haver mais de um chefe". Se alguém tem que
os alunos conversavam entre si (2 a 2), aparentemente obedecer ao chefe A e ao chefe B e os dois dão ordens
sobre questões outras, que não o conteúdo anunciado. diferentes, existe então duplicidade de comando. "A
pessoa não sabe quem vai dirigir: seus passos, suas
Ele começa então a falar: "A aula passada foi sobre ações". Alunos fazem perguntas e ele responde.
o ponto 3, organização de empresas. Vou recapitular o
conteúdo, comentando cada um dossubitens". Sobre a " Sobr.~ "centralização e descentralização" ele fala que
questão de "hierarquià e autoridade" diz que "é preciso centralIza-se a coordenação e o controle e descentrali-
fazer cumpriras regras e regulamentos",e dá como zam-se as tarefas, a execução". Dá o exemplo daprõpria
exemplo a Constituição': Federal. "As regras têm que ser aula: "Eu fiz o cronograma de todo o semestre e então
escritas, e quem sai fora das regras é 'preciso aplicar posso avaliar se tenho que acelerar ou se posso me
penas, corrigir desvio de rota". demorar mais". "Alguma dúvida?" - pergunta. ''Vamos
escrever, então".
No ponto sobre "qualificação técnica e indicação por
mérito", fala que "a pessoa não podese deixar conduzir Passo~ a ditar um text? onde os subitens do pontd4
por impulsos", e.dáoexemplo do chefe que promovepara eram explIcados, r'epr-oduzírido mais ou menos o que 'ele
já havia falado.
os melhores cargos os funcionários que ele simpatiza. e
não aqueles que têm capacidade técnica e mérito. F'ala a) "Racionalização é produzir maiS e' melhor com
sobre "Q.I." (Quem Indica: deputados, senadores, etc.) custos de produção mais baixos, etc~""
Há cochichos entre os àlunos. b) "Estabelecer a seqüência das ações", .etc."
Recapitulado o ponto 3, avisa que na aula de hoje Nessa altura, não sei como,.suriiu o assunto de
será tratado o ponto 4. Sobre "racionalização e divisão ganhar na loteria. O professor fala em "viagens para. a
do trabalho" diz que "racionalização" é "não desperdi- ~urop.a,casa na praia, carro do ano", e que para. ter isso
çar", etc. Sobre "divisão do trabalho" diz que "cada um e precls.o trabalhar. Mas eles, os alunos, eatãóno.perfodo
tem que fazer o seu", e quem for fazer a divisão do dequalificação para o trabalho, assistindo.a~I~.,;Quando
trabalho tem que conhecer todas as tarefas, do início ao começarem a trabalhar vão ganhar dinheiro'e com .di-
fim. nheiro poderão ir viajar para o exterior' ter casa na
Sobre "ritmo, tempos e movimentos" dá o exemplo praia, etc. Mais adiante, depois de fálar- sobre uma
do "tempo que demora para ir da escola até a rua 7 de questão, adve:rtiu: "Isso pode cair na prov~~,:.>heimJ" _
Setembro". Uma aluna diz que demora 15 minutos. Bate com a caixa de giz na mesa para pedir silêncIo.
Outro diz que leva 10 minutos. Ele diz que o tempo para Sobre: "Introd~zirmáquinas nas tarefas repetitivas,
executar uma tarefa numa empresa também é assim: que podem ser feitas mecanicamente", diz: "Uma. des-
existe um tempo otimista (10 minutos), um pessimista va~ta?em é qu~ a m~quina pode gerar deaernp'rego. Mas
(20 minutos) e o mais provável (15 minutos). rnaqurna tambem tem vantagem: máquina não faz gre-

312 313
ve, não tem licença materrridade, férias, décimo terceiro, Sobre "hierarquia e autoridade" diz o professor 'que
FGTS, vale-refeição, vale-transporte. Ela pode substi- "é preciso fazer cumprir as regras e regulamentos" sem
tuir o homem, com vantagens". perguntar pela natureza dessas regras, por quem as
c) Dita aos alunos: "Unidade de comando não signi- confeccionou e com que finalidade as constituiu; e equi-
fica que o chefe decide sozinho e impõe sua decisão para parando-as com a Constituição Federal, afirma: "As
que todos a cumpram. Quer dizer que o chefe escuta a regras têm que ser escritas, e quem sai fora das regras
todos os participantes da organização, discute os diver- é preciso aplicar penas, corrigir desvio de rota". Sobre
sos pontos de vista com seus auxiliares e s6 depois, "qualificação téenícaeindicação por mérito", diz que "a
levando eIll consideração o parecer de todos, toma a pessoa não pode sedeixar conduzir por impulsos", e dá
decisão final". o exemplo do chefe que promove para os melhores cargos
d)Continua ditando: "Não significa que as decisões os funcionários aos quais ele tem simpatia, e não aqueles
são centralizadas numa única pessoa. Pode descentrali- que têm capacidade técnica e mérito. "Capacidade téc-
zar, desde que todos 'tenham em mente os mesmos nica" e "mérito" são termos ideologicamente carregados,
objetivos e trabalhem para alcançá-los.' A centralização rnasnãosão alvos de um questionamento sequer.
consiste em reduzir ao mínimo os centros de decisões, Referírrdo-se à "divisão do trabalho", diz que "cada
possivelmente a um só, localizado na direção geral. A um tem que fazer o seu", e apenas quem for fazer a
descentralização consiste em colocar os centros de deci- divisão.do.ürabalho tem ,que conhecer todas as tarefas, ,
são próximos. aos órgãos de execução para que as deci- do início ao fim. A "divisão do trabalho", .responsável.por '
sões .sejam mais rápidas e .dêem à organização maior tsmto-ernpohrecimerrto humano, sequer é questionada.
eficiência. Observação': Manter centralizada a coordena- Sopre "cerrtr-alízaçãoe descentralização",afirma: "cen-
ção e controle, e descentralizada a execução das tarefas". tz-aliaa-sea.coordenação. e o controle e descerrtrafizara-
Estava no final da aula. e ele começou a fazer a se astarefas..a execução". A divisão do trabalhointelec-
chamada. 'I'odosconversam. Ele pede silêncio por duas tual e dofrabalhobraçal, subjacente .à cerrtr-alização-
vezes. Após a chamada, anuncia que a prova será na descentralização, que serve de justificativa -par'a o
próxima aula. Os alunos ficaram surpresos. ("Opa! O afastarnento-do ,trabalhador da formação intelectual,
que?!") não merece sequer uma pausa para reflexão. E exempli-
fica com a programação centralizada da sua disciplina:
Penso que, dado o relato desta a ula, devemos proce-
"Eu fiz o cronograma de todo o semestre e então posso
der, preferencialmente, a uma análise da ideologia sub- avaliar se tenho que. acelerar ou se posso me demorar
jacerrte ao trabalho docente, relegando para segundo
mais".. Parece que rrurica ouviu falarem planejamento
plano a análise da epistemologia subjacente, embora
participativo. Depois não sabe por que seus alunos não
seja estreita a relação entre ambas. A carga ideol6gica,
participam! Diz que "não pode haver mais de um chefe",
inerente ao "conteúdo" ensinado pelo professor, ultra-
ao referir-se à "unidade de comando e direção", pressu-
passa em muito o que comumente alertamos a respeito.
pondo, claro, que a unidade de poder viabiliza o controle
Ele nem sequer menciona este fato. Parece que não só o
absoluto:" do trabalhador; mas ele não queationaa xes-
ignora, mas até o assume como parte integrante da
peito. Idealmente, a justifiéativa que usa para tal ar'gu-
matéria a ensinar e na qual acredita sem restr-ições
mento é impecável: "Se alguém tem que obedecer ao
religiosamente. chefe A ou ao chefe B e os dois dão ordens diferentes,

314 315
existe então duplicidade de comando" e "a pessoa não organizar seu estudo se o futuro escolar é uma caixa de
sabe quem vai dirigir seus passos, suas ações". surpresas que só o professor conhece?
Afirma que "racionalização é produzir mais e me- p) Paulo 8lomp observa a aula de geografia humana,
lhor, com custos de produção mais baixos, etc.", mas não para o curso noturno de história, de faculdade da rede
diz a que custo e ·de onde vem o rebaixamento do custo privada de ensino, com aproximadamente 30 alunos:
da produção. Convenientemente, não fala de salários. <O professor escreve no quadro-negro:
Também não fala de mais-valia. Ao falar sobre "intro-
Dinâmica do capital
duzir máquinas nas tarefas repetitivas, que podem ser
1) Formação e reprodução do capital
feitas mecanicamente", mostra o que pensa a respeito
do trabalhador, dizendo: "Uma desvantagem é que a 2) Criação e apropriação de excedente
máquina .pode gerar desemprego. Mas máquina tam- Quem cria o excedente?
bémtemvantagem: máquina não faz greve, não tem Maneiras de transferir o excedente às classes dirigentes
licença maternidade,' férias, décimo terceiro, FGTS, - empréstimos: inflação .
vale-refeição,vale.:tra~sporte.Ela p ode substituir o ho- - incentivos fiscais
mem, com vantagens". Só não diz de quem serão as - investimentos estatais em áreas pouco produtivas
vantagens. -variação dos preços relativos
A conversa que se segue bem revela em que universo 3) Concentração de capital
imaginário estamos. Na conversa sobre "ganharcria lo- 4) Internacionalização do capital
teria", o professor fala em "viagens para a Europa, casa Depois de escrever, iniciou a chamada. Ele sabia o nome
na praia, carro do ano, e que para ter iaso é preciso de vários -alunos (depois da aula ele me disse que já
trabalhar. Mas os-alunos estão, ainda, no período' de conhecia'70'%da turma, do semestre passado). Àsvezes
qualificação para o trabalho, assistindo, aulavQuarido
c
os alunos respondiam que fulano'''ai:p.da rrãcchegrru",
começarem, ,a trabalhar :vão ganhar dinheiro, e .com como forma de dizer que fulano provavelmente virraà .
dinheiro poderão' ir 'viajar para o exterior, ter casa-na aula. Durante a chamada"'chegaram vários:' alunos. "E
praia, etc." O mito de que trabalhando ganharão muito depois, durante a aula, também.
dinheiro está presente de forma totalmente inconsciente
Diz que é preciso entender a dinâmica do capital
na sua fala. A av aliação é tida como forma de coação
para poder entender o funcionamento da sociedade' nOS
para que se estude - isto é, se reproduza - o que o
seus' mais variados aspectos, inclusive a geografia,o
professor' quer: "Isso pode cair na prova, heim!" Neste
espaço.i''Isso evita cumprir de maneira ingênua' o nosso
contextoídeolõgíco, faz sentido que, para obter silêncio papel".
para a sua fala, bata com a caixa de giz na mesa.
Os tópicos 1 e 2 foram vis'tos na aula passada e ()
No final, anuncia, de surpresa, que a prova será na
professor começa a recapitulá-los. Um aluno pergunta0
próxima aula. Os alunos reagem: "Opa! O quê?!" Estes
queé "D". Ele explica. Diz que "poupança é o não-consu-
não sabiam que no planejamento da disciplina estava
mo", e cita o exemplo de alguém que quer abrir uma
prevista uma avaliação formal para a próxima aula.
creche e outro que recebe um terreno de herança. (Havia
Este elemento "surpresa" visa o quê? Qual é sua função 24 alunos na sala.)
pedagógica, sua função educativa? Como um aluno pode

316 317
o professor fala na especulação financeira existente "Foi muito adequada a tua pergunta". Duas alunas
no país. Faz a seguinte pergunta: "Como o capital se conversam em voz alta. Depois, baixam a voz e uma diz:
multiplica?" Ninguém responde, e ele segue falando. "Não tô e'ntendendo bem", referindo-se ao conteúdo da
Pergunta várias vezes: "Quem cria o excedente?", e aula. Um aluno pergunta sobre um pequeno agricultor
ninguém responde. Menciona o papel do protestantismo onde s6 a família trabalha na terra: "E capitalista?" - o
no desenvolvimento do capitalismo. Uma aluna fala em professor responde.
"mais-valia"; ele aproveita e segue falando sobre isso.A Ele fala da dupla exploração da mulher e também
essa mesma aluna, o professor pergunta se ela trabalha. dos menores. Em algumas situações o professor gritava
Ela diz que ajuda o marido, proprietário de um depósito uma frase no meio da sua fala. Interrompeu uma aluna
de Coca-Cola. O professor, daí por diante, usao exemplo que começava a falar, pedindo "um minutinho", e termi-
do marido da aluna como capitalista e seus empregados nou o que queria falar. A aluna não voltou a se manifes-
como trabalhadores explorados. A aluna viu-se envolvi- tar.
da no conteúdo da aula e, por várias vezes, discordou do Aconteceu outras vezes que alguém levantava o bra-
professor. A discussão foi tomando um caráter pessoal: ço para pedir a palavra e o professor continuava falando.
a aluna' tentando "defender" o marido que o-professor O aluno ab'aixava o braço, mas depois não voltava a
utilizava, como exemplo, para explicar a lógica do capi- pedir a palavra.>
talismo e a ação do capitalista apropriando-se .do exce-
Ao contrário/do professor anterior, estedocente en-
dente.
tende o conhecimento como instância capaz de se distan-
Um aluno pergunta se a especulação f-inanceira ciar de qualquer realidade e de negar compromisso 'com
acontece só no Brasil. OprQfessor se vê iobrtgado •. a ela. A teoria pode ser esta instância; elaré necessárta à'
ampliar o ârnbito de seu pensamento e dizer, qtrerrãoé crítica". Assim, uma teoria capaz de "entenderadinâ-
'só no Brasil. Há um entra-e-saide alunos na salavO mica do capital" será capaz de entender o "funcionamen-
professor grita: .' "Quem .produz . mais que o mecesaáríç to da sociedade em todos os seus aspectos". -Este;
para sua própria reprodução" E logo depoisresponder.flil entendimento é "condição de super'açãóda ing'ehuida-
o assalariado!" de".
Entra um aluno do Diretório Acadêmico e anuncia Daí as perguntas que visam a produzir uni efeito
que no próximo fim de semana haverá uma pr-omoção didático para levar o aluno a refletir atealidadeda
para integrar os alunos entre si e com os professorea.Vai dinâmica do capital e a pensar em ternas como 'o-da
ter almoço (NCz$ 15,00), futebol, vôlei, música, poesia, "especulação financeira no país". Perguntas como
exposição de trabalhos artísticos de alunos, etc. (Isto "Quem cria o excedente?" "Como o capital se multipli-
soou um pouco estranho porque geralmente é o Diretório ca?" "Quem produz mais que o necessário para sua
que pretende politizar os alunos. A situação estava própria reprodução?" pretendem desafiar o aluno' na
invertida: o professor dando urna aula pol.itiaada e o direção desse objetivo. Ao contrário da aula anterior, o
aluno do Diretório dando um aviso totalmente despoli- assalariado assume papel central na .dinâmica da pro-
tizado sobre uma promoção para integrar os alunos da dução capitalista.
FAPA).
É neste contexto que faz sentido assumir a pergunta
Um aluno pergunta sobre a produção através de da aluna sobre "mais-valia", falar sobre o "papel do
robôs, no Japão. O professor explica e conclui dizendo:

318 319
protestantismo no desenvolvimento do capitalismo" e, uma teoria que não impregna a prática corre o perigoda
até, desajeitadamente, tomar o proprietário do depósito tornar-se estéril. O seu exercício didático-pedagógico
de Coca-Cola - marido de uma aluna - como exemplo de carece, num primeiro momento, de uma fundamentação
capitalista, e seus empregados como exemplos de explo- teóric~-epistemológica consistente; num segundo mo-
rados. Faz sentido, também, falar da exploração da mento, de uma reconstrução de sua prática à luz desta
mulher e de menores. Perde o sentido e cai no ridículo o fundamentação.
representante dos alunos que irrompe na sala de aula A nosso ver, esta dinâmica da reconstrução comple-
para falar em festinha de integração de professores e mentar da teoria e da prática é necessária para que esta
alunos, como se as diferenças econômico-sociais entre. as sala de aula rompa com a inanição, herdada do' senso
pessoas pudessem ser anuladas pela prática conjunta de comum acadêmico, que não deixa que ela se encaminhe
esportes e por um almoço "comunitário", por mais im- na direção da dinâmica, própria da construção do conhe-
portância que possam ter tais eventos. cimento; que é, no fundo, a dinâmica própria da vida.
Entretanto, há sinais de que a postura pedagógica
do professor e dos altrnos e o exercício didático do pro-
fessor não acompanha o teor crítico desta aula. A soli- 2.' MARCANDO PRESENÇA EM . REUNIÕES
dariedade dos alunos para com colegas retardatários ou
faltosos, os gritos esporádicos do professor, a inibição do q) Fernando Becker observa, sob convite .irasiaterrte
exercício da palavra dos alurios, provocada pelo exercício da diretora do: colégio (de~periferiaurbana),-visivel-
da palavra do docente", mostram que a crítica construída mente interessada no anunciado trabalho. de pesquisa-
em nível do conteúdo. curricular não aconteceu ainda em uma reunião dos 21 alunos da oitava série com seus oito
nível das rrelações intraclasse. Podemos acrescentar: profess.ores,uma. psicóloga estagiária, a diretora, a
nem acontecerá.. se esta crítica não for exercida direta- orientadora pedagógica e a supervisoraescolar:
mente sobre os procedimentos didático-pedagógicos, de <Inicia-se com permuta de lugares por i'niciativade
professor e, dealunos, um professor. Nãofoipossívelsaber qual o objetivo desta
Nossahipõtese é a de que a transformação da postu- permuta.. Talvez para queos alunos não formassem um
rapedagõgica implica uma irrstâricia crítica que não se blococompacto.tde umIado, e os professores o mesmo,
confunde 'com a crítica eventualmente inerente ao con- do outro lado. A diretora justifica as ausências de alg'uns
teúdo curricular. A crítica a esta postura passa por outra professores. O "líder" e "vice-líder" dos alunos lembram:
mediação. sem a qual nada se fará neste plano didático- "A aluna x diz-quenão vir-ia perder seu tempo aqui!"
pedagógico: a crítica epistemológica. O professor traba- Umaprofessora do SOE coordena a reunião. Uma aluna
lha com o conhecimento e não fundamenta criticamente reclama que a professora chamou-~ de "baixa", "cínica".
a "matéria-prima" do seu trabalho. É "sujeito" de uma A professora responde que teria dito: "Deixade ser essa
epistemologia inconsciente e, com alta probabilidade, de barreira e seja outra MAR!" Um aluno interpreta: "Na
uma epistemologia que não gostaria e não admitiria ser oitava série reuniram-se muitos líderes: pessoas que
a sua. lutam, fazem, brigam, têm cabeça, mas têm opinião do
seu jeito". "Isto resulta em desunião. Se tentasse com-
Está aí a condição da coerência do professor, com o preender o outro, só tentassem,já mudaria", acrescenta
que pensa e com o que faz; com a teoria e com a prática. uma professora. Alguém lembra que a reunião partiu
Uma prática não se transforma sem teoria (crítica) e

320 321
dos alunos. Uma professora insiste no objetivo da reu- República. Em todo lugar é assim. Se você vai trabalhar
nião: "Botar os podres pra fora, falá tudo que tem pra na Olvebra... e fizer o que quiser e já tem alguém te
falá". Uma aluna quer saber do "negócio de cigarro". A controlando". Cita (como exemplo) seus alunos que pas-
diretora responde: "Tenho encontrado tocos de cigarros saram no vestibular da PUC, da UFRGS. "Sinto o maior
na sala de aula". A aluna retruca: "Mas não somos nós". prazer em ver que um aluno que passou por mim ,é
A diretora: "Se há outros alunos que vêm fumar aqui, é aprovado no vestibular". A orientadora pedagógica as-
só ir à direção". Continua a diretora: "Jogaram e brin- sume o ponto de vista do professor, publicamente. Con-
caram com as canecas no refeitório. Ninguém levou tinua o professor: "Eu dou tudo que eu sei pra vocês. Não
punição porque foi esclarecido". Uma aluna reage: "A sonego conhecimento, como fazem os outros... " Continua
Senhora (diretora} chegou e afirmou que toda turma a professora de história: "Na minha aula há debate
seria purrida'". Responde a diretora: "Em princípio,se porque.a matéria exige. Quando se faz crítica é -impor-
não aparece .o "responsável, todos são responsáveis". E tantequese tenha argumento". O .professor continua:
continua: "Para que omurido mude, cada um de nós tem "Eu sou cheio de gostos. Aluno estáaqui para aprender:
de ter consciência". Uma professora responde: "Por que não pode ter gosto! (em tom de brincadeira). Alunos
as lideranças não se reúraem? Porque o que tá acorrte- ficam amontoados de 3: isto propicia a conversa. Não dá!
cendo prejudica aos alunos. A gente pode exigir seu É 'desagradável dizerpra um, senta aqui, pra outro,
direito se cumprir com seu dever. E preciso haver muita senta aí... mas .não há outro jeito". Uma a'lurra pergunta
mudança na sociedade para que o aluno goste da escola. pela .quarrtidade de tempode corrida, na educação física ..
Ou vocês vão para a idade adulta ou ficam crianças para Aprofessóra justifica com, argumentos btn-ocrát.icoa. Os
o resto davida". Um professor reflete: ''Vocês vão para alunos-reclamam contraditoriamente: falta de treina-
o colégio de Segundo Grau (Julinho, Inácio Monta- montoparateste na Academia. Militar. A dir'etora juati-
nha... ). Lá vocês serão adultos. Os professores não dão fica a "corrida" cientificamente: "físico" ("mental~",
bola praaluno. Aqui agente é pai, mãe, professora... " intervém a professora). Uma aluna reclamart'As gurias
Continua a diretorar ''Vocêsnão têm maturidade ainda. menstruadas têm que tácorrendo: basquete, futebol...
Se vocês não têm base, vão se ralar no Segundo Grau. também agente corre. Em T .A. a gente fica capiriarido.
Precisam consciência e maturidade para se dar .bern no Agora é época de computador". A dir'etorajuatifiçar.r.A
Segundo Grau". Um professor adverte:."Se vocês capta- alface vai continuar saindo da terra, não sai do compu-
rem 80% da matéria que estou dando aqui, vocês irão tador". A professora de inglês: "Eu consigo me dar bem,
bem no Segundo Grau". Um, aluno diz: "Se é pra ser individualmente, mas com a turma', não". Aluno retr-uca:
professor é pra sê humano". A diretora: "O professor não "Então dá' aula iridividualrnente (risos)".
tem obrigação de ficar esperando que cada a hrnoquoira Às 10h20min pinta um ar descontraído, brmcadeira,
ou não queira assistir à aula". Um professor reclama: aluno(a) belisca aluno(a), ,ao contrário do irrício, rígido.
"Quero resposta, exijo resposta. Estas duas (apontando) Aluno 'conclui: "Vocês têm qtreLerrtar entender as p'es-
na aula x fizeram de conta que eu não existia. Como soas". Retruca uma professora: "AFAB (aluna)" ela se
vocês se sentiriam?" Um aluno reage: "A obrigação dele acha... a rainha de tudo". Aluno: "Nós vamos respeitar
é passar a matéria". O professor retruca: "Nós somos os professores mas eles vão ter que nos respeitar". Apro-
mandados. Todo o melindre de vocês é que vocês não veitando o "clima", a diretora propõe colocar sugestões
querem receber ordem. A diretora vai pra delegacia, a no quadro-negro:
delegacia pra secretaria, até o MEC, Presidente da

322 323
1) Respeito mútuo: aluno-aluno, aluno-professor, do o aluno(a)/filho(a) o transmite aotà) professor(a) ou
professor-aluno. quando o faz aos pais.
2) Manter e respeitar o "espelho" de classe (disposi- Diz uma mãe: "Eu digo pra ela (filha) que vocês
ção dos alunos na sala de aula decidida pela professora, (alunos) precisam do professor: o professor já está for-
sem sugestão de aluno). mado, ele não precisa de vocês. Não sei se eu errei porque
.' Professora acrescenta: "Respeito e educação nunca é a gente trabalha sempre e eduquei eles para serem
demais". independentes".
3) Colaboração individual: responsabilidade, cons- -A professora de ciência chama a atenção para que os
ciência, união. alunos 'precisam saber de muitas coisas. Por-exemplo:
"Camisinha. 'Não se lava para usar' de' novo". .
Uma professora chama a atenção "que a turma é
unida". Aluno retruca: "Para conversar!" Acrescentà Das poucas mães que estavam presentes, uma so-
uma aluna: "Não gosto de apelidos". "Não chamo de mente manifestou opinião própria, falou efetivamente.
apelido". Uma professora lembra: "O FER assinou um Motivo pelo qual penso que esta reunião está longe de
t.raba.lhocomo: Banana". Um aluno resiste a assinar o refletir a intensidade da experiência da' reunião ante-
compromisso: "Acho que não precisa assinar nada. Só a rior.>
palavra-basta!" Frente a insistência da diretora, ele s) Fernando .Becker- observa o Conselho de Classe,
asairraia .atavOutro aluno propõe mais flexibilidade. Par-ticipatdvo, envolvendo uma t.urrna rle qirar-tajsér-ie,
Professoresperguntam 'pelo sentido de "flexibilidade". em colégio de' periferia urbana: ,- .' ',. "
O'professor.de matemática: "O aluno que chega atrasado s
<Diz a professora de educação ôslça:,"A.Ig-uIl ~eJi­
não .fiqtre do ·lado de fora. Mas que entre sem sorriso, saiam umagrevezinhaquando não tem ruteb()bN~9f~ni
etc. ~ (~Arreganho", traduz uma aluna). essa não". Prossegue a professora de es~udos. ~9.cia.is:
Na ocasião desta observação (junho de 1988) acres- "Acho que vocês. estão. contentes com 011()ss<>. crabalho.
centeiá estesapontamentos a seguinte impressão: "Há, Estou fel~zéoma turma. Oaalunos estãosernpre atrás
aqui.vmais 'democracia que na Assembléia Nacional dos professores agarrando, beijando. E isto érp.uitoP9rp..
Constituinte".> -'_'\ Me.sinto realizada e gratificada comoprofesso:r,;~sP~rQ
r) FerriandoBecker observa a reunião da turma de que vocês sejam gratificantes .para cornos ·Pélis:;,.tjç)s,
avós, como para comigo. O .único problema é (fd~':,tbIl~;"
oitava 'série com os pais - melhor dito com" as mães, já
versa. Ninguém quer múmia aqui: mas vocêsidevern
quê rienhurnpai compareceu - ocorr-ida imediatamente
saber a hora de 'conversar porque ninguém érnaíscrian-
após a reunião acima: cinha de J ardimde Lnfârtcia".
'.. <A Diretora expõe a problemática: apelido, fumo, Nota a 'orientadora pedagógica: "Acredito que os
desrespeito. Uma professora observa: "Os pais que de- professores querem participar, vocês são" bons alunos,
veriam vir, não vieram". Uma mãe desculpa-se: "Nã,o mas' a conversa tem de diminuir". Outra "prdfes's'ora
falo bonito, português declarado, mas esper-o... " Segué- alerta: "Temos que aproveitar o tempo. Eujádisseque
se uma análise variada dos alunos, em que as informa- eu assisto novela fazendo tricô", 'diz cit.arido-sevco'mo
ções das mães contrapõem-se às das professoras. Em exemplo. Prossegue a coordenadora: "Alguém. quer dizer
outras palavras: .0 mesmo fato recebe uma versão quan- alguma coisa? Ninguém. Que horror!" O ambiente está
supersilencioso.

324 325
Diz a' coordenadora: "Concluindo, acho mais difícil
Uma aluna penitencia-se: "Eu tenho vários NS (não eu falar que eu sou fora da turma. V ocês têm consciência
satisfaz). Eu passo o tempo conversando. Eu falo alto,
de que o que atrapalha é a conversa, é essa parte do
mas eu .amo a professora". Acrescenta a coordenadora
comportamen t o "( most ra aI " conversa.,
pa avra " no qua-
com 'voz complacente: "Então tu sentes que isto (os
. comportamentos que ela descreveu) te atrapalha". dro-negro).>
A antítese entre a reunião da oitava série, com seus
Muno intervém: "Gostaria se não poderia colocar um
professores e a direção do colégio, e o C.C.P. (Conselho
handball no horário de educação artística (sic). Alguns
de Classe Participativo) da quarta série, salta aos olhos.
dosjogosnovosque a gerrtejoga em casa". A pr-ofeasor'a Na primeira, 'temos pessoas 'dizendo o que pensam:
deeducação física responde "não" e justifica este "não" alunos marcando' claramente sua posição, professores
pela exig'üidade do tempo. SôIá adiante vai ampliar um falando de suasconcepções sem meias palavras, a dire-
pouco o futebol,. "mas agor~ não vejo oportunidade". ção enunciando claramente o jogode regras que acreditá
Os depoimentos são todos subservientes e os profes- ter porfunção fazer valer. Verificam-se .Iancesautorttá-
sores os ouvem. com olhar complacente. rios de todos: as lados, lances que são imedia.tamerrte
Prossegue um aluno (Prof. chorou): "A turma é muito relattvízadospelo clirnademocrát.icoda reunião e pela
boa: sem a conversa vai ser melhor ainda". Intervém a vontade polftíca 'de criar um foro onde se possa chegar
coordenadorarff'or q'ue vocêsnão têm o mesmo compor- aos acertos mínimos para tornar possível a- convivência
tarnento.naaula damaternét.ica, educação física, etc.?" de pessoas tão diferentes, provenientes de diferentes
D~iz 'oU:tro' aluno: ·,,'0 meu,.prqblemaé que eu desenho classes .sociais. Um foro onde se possa fazer valer, antes
muit0IIl.al". CoIltinua uma. professora: "Eu gosto de e acima de qualquer instância, a própria dignidade,
trabalharcom 'vocês. Porque eu sou afetiva, carinhosa. resgatando-a.e afirmando-a. .A, aluna não admite ser
O MAR temIíndosdesenhoé, desenha tparavilhosamen- chamada, de ,"baixa"' e "cínica"; o aluno precisa recuperar
te bem. Só não faz as 'corrtas.. ~" Irrtervém outra profes- sua precária auto-imagem 'que oleva aaasiriar "Bana-
sor,a.:"QueInsaR~,vamosdividiressa cabeça: par,tepara na"; oprofessornão admite ser ignorado pelos alunos ,e
d.~~senho,·pàr'te:,pa:raedlicaçãbfísica, (parte para) mate- insiste em ver respeitada sua função de ·ensinar.
mática" .. ;AcoordéIi.Çidora '. pedagógica •. acrescenta: "Eu Ao contrário do que o nome (Conselho de Classe
nãosabia
":
disso'.' MAR!".....,
".'"
........•. -, .
(em. tom maternalmenteamea-
•......
Parcíctpativo) indica, a reunião' da quarta sérienâo
çador). E. icoJitinua:. "Sabe-que a t.abuada não adianta passou. de um complô (ao meu ver, inconsciente), de
erisinarvVocês t,êmq~.~aprender!" . professores .e direção, contra osulunos, negando-lhes
Penitencia-se.outroal~no:' "Eu converso rrruito..• mas todas as .suas reívíridicações e submeterrdo-os, mrmclí-
eu vou mudar". Uma professorairrtervém r'Wocê concor- ma de sensível morbidez, aq.ma subserviência tal que
da que a conversa atrapalha?" "Sim!" "E, tem que con- só restou a eles. confessar as suas culpas em vez de
trolar .a bocal", conclui 'à professora..Outro aluno exercer o direito à palavra livre. Supõe-se que um con-
promete: ~Eu.tirei todasasnotas boas; eu, com o braço selho de .classe qualquer para que seja participativo
quebradoçaprendía. escrever com essa mão. Eu gosto de deva ter, como garantia básica, o direito à palavra. No
estu:q.a:r;"·.Ap~oveita.aprofessora: "A nota não se dá de entanto, a unanimidade de professores e direção dirigiu-
presente, p'eta. car'inhaborrita". se à repressão da fala, da "conversa". Diz uma professo-
ra: "O único problema é o da conversa. Ninguérnquer

327
326
múmia aqui: mas vocês devem saber a hora de conversar carregado de sentimentalismo, que é us~do como i~stru­
porque ninguém é mais criancinha de Jardim de Infân- manto de controle - diz uma professora: Estou feliz com
cia". A orientadora pedagógica acrescenta: "... vocês são a turma. Os alunos estão sempre atrás dos profess~res
bons alunos, mas a conversa tem de diminuir". Conti- agarrando, beijando. E isto é muito bom". Em se~ld~,
nua, em tom penitente, uma aluna: "Eu tenho vários NS acrescenta: "O único problema é o da conversa · ~IZ
(não satisfaz). Eu passo o tempo conversando. Eu falo outra professora: "Eu gosto de trabalhar com ,:oces,"
alto, mas eu amo a professora". Acrescenta outro aluno: Porque eu sou afetiva, c~rinhosa. O ~ tem .hnd~s
"A turma é muito boa: sem a conversa vai ser melhor desenhos, desenha maravIlhosamente bem ;, Eap~ovel­
ainda". Ainda outro aluno penitencia-se: "Eu converso ta para acrescentar: "Só não faz as contas.i. A orienta-
muito... mas eu vou mudar". Uma professora intervém: dora pedagógica afirma; "•.. vocês são bons alu~os~, e,. d!
"Você. concorda que ,a conversa atrapalha?" "Sim!" "É, imedi.ato, acrescenta: "mas a conversa tem de dímirruir ·
temquecontrolar abocal'Lconclui aprofessora. A coor- Tudo isto ocorre num mesmo colégio, num colégio
.denadcraarremata: ''Vocês têm consciência de que o que público de periferia de Porto~egre. Resta proce~~r a
atrapalhaé a .corrveraa... " Num tal clima de repressão à uma análise que detecte a r'aiz destas corrtr-adíções.
fala não. é de; se, estranhar ,que acoordenadorapedagõ- Análise que permita ao docente, e também ao aluno. ~ à
gicaterrte, no meio doC.C.P., rornpero silêncio, pergun- direção,e'ntend'e r melhora sua prática. Tomarconsclen-
tarido; "Alguém.querdizer alguma coisa? Ninguém?!" E eia do movimento histórico do qual fazem parte.
ela ,m~sma esparrta-se.t'Que horror!" Olhamos, com o olhar da teoria que assumi~os
.Nareurriãodaoitava sér-ie, chega-se aacert.osmfni- desde o início, as salas de aula e algumas~~unlo~s
mos" Yotados'e'abaixo~assinados:respeito mútuo, man- escolares. Impressionou-nos os diferentes caml~hosdI­
tere.respeitar.·, o "espelho" de classe, colaboração dático-pedagógicosaí encontrados. São ve:dadel:os. ca-
individual:· '. responsa:bilidade, .consciência, união. No minhosde buscas ede tropeços pelos quais camirrha a
"C.-C.:P~nenhum acordo é levado a termo a não ser a hist6ria da liberdade humana. Caminhos fascinantes e
atitude subserviente dos alunos prometendo; de todas muitas vezes entristecedores. Mas também desafiado-
as formas.. cumprir um incondicional silêncio tal como respara quem buscatrab~lhar n.act?nstrução1 no que
exigido.pelos professores e pela direção. .Nerihu.ma de compete à educação, da, cidadania Iivre, autonoma. e
suaspoucas reivindicações aparece neste acordo. criadora.
Na reunião da oitava série temos o protótipo do
parlamento. No C.C.P. temos a rendição incondicional
do confessionário, Naquela, a consciência toma posse de
aimesrna, .Iiberta-see expressa-se pela palavra; neste,
a consciência é apr'isionadae amordaçada pelo silêncio
disciplinar. Naquela temos o regime democrático em
formação, embora em muitos aspectos incipiente; neste,
temos a ditadura do paternalismo ou do maternalismo.
Naquela não se faz concess..ã o a sentimentalismos, o que
está claro no objetivo da reunião: "Botar os podres pra
fora, falá tudo que tem pra falá". Neste, o ambiente está

328 329
I
t1

I Conclusão
\
~
1
l

Provavelmente" é inadequado chamara esta parte de


"Conclusão". ,-O que predominou, .em nossa análise, foi
precisaraente.oensaío interpretativo, a dúvida, a· terrta-
tiva.:.-dehuscar o movimento ··do' penaamento c-co.rnovi-
mentormuito mais do que as certezas. Ent.ret.anto; foi
perseguindoomovimento que encontramos certas cons-
tantes.·São estas que pretendemos explorarv.aquiva fim
de.iaporrtar as direçõespa-ra. onde nos conduziu esta
pesquisa e os pontos para onde ela nos. t.rouxe, -'
".: A.primeira grande constatação que se delineou, des-
de as primeiras arrál isea, mas que precisouvparachegar
aondechegou.ide demoradas leituras e re-leiturasdas
errtrevíetas dos docentes e dos protocolos de observações
de, sala de':aula e-de reuniões, foi a de.que a-epistemologia
subjacente ao-trabalho docente éa.empirista e a de .que
sõ.em.. condiçõesespeciais o docente afasta-sedela.wol-
tando a ela assim que a condição especial tiver sido
-, superada.
Aojser instado a conceituar "conhecimento" (trê-s
primeiras perguntas - cf. Anexos), ora) entrevistado(a)
.professa uma epistemologia empirista. Ao sentir solapa-
da sua convicção empirista pela pergunta 4, apressa-se

331
eleta) a buscar uma fundamentação apriorista. Ao retor- como ação -- e abstração a partir desta 'ação -mas como
nar ao ambiente didático-pedagógico(questões 5-8), ora) ação de submissãoa um estímulo até o ponto em que
docente retoma suas convicções empiristas. Procura-se, este' 'estímulo "cole", adira na mente; o que -se .fazpela
então, desautorizar sistematicamente (perguntas 10- repetição. "Vivência" significa, portanto, submissão ao
14) o paradigma empirista:o docente torna a apelar meio,ao Inundado objeto, ao estímulo, e não a sua
para pressupostos epistemológicos aprioristas. Ao pro- transformação. o sujeito reproduzvpela experiência, o
porem-se questões de aprendizagem e desenvolvimento meio; não o transforma. ''Vivência" é esta sensação in-
de crianças de meios sociais diferentes (questão 15) ou terna de que o objeto penetrou a subjetividade, subme-
de crianças filhas de pais débeis mentais (questão 16),
oCa) professor'(a) volta novamente aoe:mpirismo, embo-
1I
1
tendo-a: é como se-o sujeito"tivesse perdido algo .de si e
tlvesse .se transfôrmado1,Jm pouco mais em objeto. Em
ra, em alguns casos, com insegurança e com tentativas
l
I vez: de um.prccessocom desdobramentos correlativos no
de 'refazer este paradigma epistemológico. I sentidodasubjetividade e .daobjetividade, aperiasreifi-
cação. Em, y,ez·decrescim,ento, correlativo no sentido do
, , Muito raramente um docente responde segundo o Ii sujeito-e doobjetovaperias "eoisíficação", Ovempirismo
modelo interacionista~construtivista;isto acontece,
trazemsi, o dualismo, a irredutibilidad,e dos pólos sub-
quase 'com exclusividade, ao se defrontar com sua prá- !
t
tica escolar. Em outras pala-vras, o docente responde ! jetívo.eobjetívo.
I "E~:a.9ã:o,cOmo entra nessa hrstór-ia". Para' que o
segundo o modelo empirista 'ao perguntar-se 'sobre seu
conceito de conhecimentojao perceber afragflidade de
seu par'adigrnaepiaternológíeo peearrtequestõesde fun-
I~
~
objeto pertetre .~ .subjetividade é: precisoque eate.sujeito
aja.nosentídode-recebereste objeto. Isto acontece quan..
damentação ou de condições prévias,' apela- .para um ~ dourn-alurre.de.prímeiras séries decora a tabuada: ele-
modeloapriortsta.ràs vezes atéinatíata; ao ser questio- age. sobre a-tabuadaa 'fim de interiorizá-la tal e qual..e
nado, sobre sua ,prática, porém, responde com ensaios Ii não·-â fim-. de,f.transformá-la.Ela: não é "vista" como
construttvistas. tb transíornrãvel; 'ela"sâmplesmerrteécA verdade está 'no'
Isto sugere um camirihodidáfico para a formação de que: ela. ,é,2-'êfiã€ftlfl ,SUa 'transfo:rmação.É por .isso que
i

professores: refletir,primeiralllente, sobrea prática pe- dtscursossobrepedagogías 'ativas podem estar satura-
dagógica da qual O docente é sujeitovAperras; então,
apropriar-se: de, teoria capaz de desmontar a prática
I dós deambigüidades, podem ser enganosos.
Explicam-se, a.ést~·f(jrmà.as confusões a respeito de
conservadora e apontar para as conatruções fu turas. .Em propostaapedagõgícas ativas. Ouvimos e' observamos
genal, a.formaçãode 'professores segue- o caminho '(cur- docentesconvíctos' dequeprocedem didaticamente se-
:Ículo), inverso: apropriar-se da teoria e,;,em- .segutda, gundo um "modélo'pedagógieo 'conatr-trtivist.a.: Organi-
impô-la à prática, através devreceituá.rios didáticos zam 'ações .efazern Seus' alunos: realiza-rem" tais ações.
independentemente de' sua pertinência a esta mesm~ Mas, como 'sua, concepção epistemológica, não mudou,
,<

pr-ática. cobramações de .seus alunoscoma finalidade única da


Duas questões, relacionadas entre si, chamaram-nos reprodução: o .aluno deve executar tais ações a fim de
con~egu.ir o objetivo' já delineado 'pelo professor; e nada
-especial atenção, sobretudo pela dificuldade de desven-
dá-las, A concepção de experiência e a função da ação. mais. Nem pensar num objetivo trazido pelo aluno. Não
pode haver surpresas. Trata-se, tão-somente, da aplica-
A "experiência" é amplamente entendida como "'vi- ção da lei doexercteio Be Thorndike, e não de uma
vência", Isto significa que experiência não é entendida

332
proposta que se aproxime das concepções de ação ou de bra de dúvida, a do autoritarismo. O autoritarismo não
interação dePiaget, Freireç.Vigotsky, etc. As ações pro- encontra apenas campo propício na epistemologia empi-
gramadas. pelo professor devem ser mecanicamente re- rista; muito mais do que isso, o autoritarismo encontra
produzidas; elas têm um poder mágico que produz efeito no empirismo a sua fundamentação e a sua legitimação
certo, dependendo apenas da quantidade de repetições. teórica e prática.
Um ponto de chegada que nos parece muito signifi- O docente que professa esta epistemologia manifes-
cativo eque, tnrnbérn.diz respeito à formação de profes- ta via de regra, uma arrogância didática, Ele acredita
sores - é () aegu.irrte ; a' concepção epistemológica é, q~e seu,ensino tem poder ilimitado para produzir apren-
primordialmente, efeito e não causa. Mas uma vez cons- dizagem; se esta não ocorre, a culpa é inequivocamente
tituída, adquire um.poderdedeterrninação. Deste modo, do aluno. Toda a avaliação escolar passa a ser processa-
um docenteque professe uma epistemologia empirista da à base desta fundamentação. O subproduto inevitá-
não' conseg'ueçem função' de sua concepção epistemoló- vel de tal relação didático-pedagõgíca é a morte da
gica,' avançar pedagogicamente.' Os avanços pedagógi- criatividade. Não há lugar para a no~~da.~e em tal rela-
cosimplicam mudança de paradigma ·epistemológic~.A ção. Reproduz-se o que já existe; o que não existe não
forma mais" elementarde relacionar-se .corno mundo é pode ser reproduzido; o que não pode ser reproduzido
repeti-lo, imitá-lo ou copiá-lo. O empirismo fundamenta não tem valor pedagógico.
esta formaderelação~'A·relaçã.o.ativa,·que produztrans- Penso, por isso, que a simples mudança de paradig-
formaçõeseorrelativasrio sujeitoeno objeto, implica um ma epistemológico não garante, necessariamente, uma
paradigma-epistemológico de outronível: .'. uma episte- m-udança de concepção pedagógica ou de prática escolar,
mologia.interacionista, que -: explica . o trabalho. da ação mas sem esta mudança de paradigma - superando o
por progressivas reconstruções com avanços, ou traba- empirismo e o apriorismo - certamente não haverá
Iho da açãocomoubatração reflexionarite, ou ainda o mudança profunda na teoria e na prática docentes. A
trabalho-da .açãoeomo experiência lógico-matemática. superação do apriorismo e, sobretudo, do empirismo é
Em ,todos estes casoacumconjuntode.ações de. primeiro condição necessária, embora não suficiente, de avanços
nível são" matériade apropr-iação por .ações .de segundo apreciáveis e duradouros na prática docente.
nível. Estas ações de segundo. nível têrn o .poder de
construir relações inédit8:s usando como matéria-prima
as ações .de .prtmeironfvel. Ações de terc~iro nível farão
o mesmo co.m ~ç~es desegundo nível, e assim por diante.
Aqui sobrevém 'outra constataçãodeste tr'abalho.
A epistemologia empinista constitui, em . larga esca-
la, e de forma quasetotalmente inconsciente, ofunda-
mento "teórico-filosófico" da pedagogia de repetição ou
da. reprodução. Esta pedagogia- e a didática pela qual
ela se manifesta - identifica-se .com tudo aquilo que
atribuímos ao conceito de treinamento. Derrtre todas as
qualidadesantipedagógicas que o conceito -- e a prática
- de-treinamento condensa, a mais nefasta é, sem som-

334 335
Anexo

-1. ROTEIRO DE EmREVISTA

. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Idadec. .'. Sexo:.. '. .. 'I'empodemag'istérfo; .... '. .....•.


.F()r~~ç~o:· ,.,.. · ~... · .. .... . · ... .. · ·.i" • ,. •• • • • fi •• ..- .. • • •

Esêolà.(sJa~l1al(ais) "~" " " " "."" "" " " "" : " " ..•.. " , ..
Cllentelá. da escola (classe social) . .. - ~' ..:.
Sé'rie(sJ emqueIeciona: .>.~ •••••••• •• Grau: ' .
Possui outra profissão? . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. "' .

.. ENTREVISTA
. . . .

.. '1) 'Como se dá o conhecimento? O que é' para você o


conhecimento? - ,
'2) Corno setransmite o conhecimento? .
3) Como se passa de um menor conhecimento para
um maior conhecimento?
4) Se você ensinasse o conteúdo da sua matéria a um
animal de laboratório, ele aprenderia? Qual a diferença

337
na capacidade de aprender entre teu aluno e o animal 2. ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO-DE.SALA DE
de laboratório? AULA
5) O que teu ..aluno precisa saber para aprender o
conteúdo de tua matéria? A aula expositiva é suficiente
para que ele aprenda este conteúdo?
6) Você faz pergunta a seus alunos? Promove debate?
7) Quando o aluno tem-dificuldade de aprender,
qual(is) éIsãojgeralmente aís) causafs) da dificuldade?
Como você agecom esse tipo de aluno?
8) O que é indispensável numa sala de aula para que
um aluno aprenda? Basta que você ensine bem para que
ele aprenda?
9) Qual o papel do professor e qual o do aluno no
processo de aprendizagem?
10) Se você ensinasseeste conteúdo a uma crí ança
de 3 anos, ela aprenderia?:SilIlou'não?Porquê?
11) Que capacidade de conhecimento tem uma crian-
ça de 2/7 anos? Como ela ad'guiriu'isto?
12}Que capacidade de conhecimento tem urnacrian-
ça de 0/2 anos? 'Como ela .adqífir-iu isto?
13) Que capacidade de conhecimento temo ser hu-
mano antes de nascer? Como ele adquir-iu isto? _
14) O que tem a ver 11), '12) e 13) .com o .conteúdo de
tua matéria?
15) A criança que nasce e se cria na favela conhece
do mesmo jeito que a criança de classe média (ou alta)?
(Ou inverter as classes.) Acriança do meio rural aprende
do mesrno jeitoquea criança do meio urbano? Explique!
16) Se os pais de uma' criança são .inteltgentes, ela
também o será? Se os pais são débeis mentais, que
comportamento manifestará a criança?' PÓ~ quê?

338 339
3. CARTA DE· APRESENTAÇÃO

OCA) alunota) ;. ,
do Curso de Pós-graduação em-Educação, da Universi-
dade Federal do Rio' Grande do.Sul, participa da coleta f
de dados para; a pesquisa: A Epistemologia Subjacente Bibliografia
ao Trabalho Docente, Realiza-se esta. pesquisa ,sob res-
ponsabílídadado Prof. Dr..Fernando Becker e com o
apoio do INEP.
Solícítamosa facilitação e a receptividade necessá-
rfàapara' que' o{a)aluno{a} acima possa reafizar este
trabalho.
Agradecemos-ã- atenção.

" '.:' ",. .'. . .

Porto Alegre, de de 1988. AGltANIONIH,. N~ilª T. O ensino e a aprendizagem.


.TntJ;temátjç.Qr ;.1.tmq, interuenção c.onstrutiv.i$,ia.Porto
.A1é'gTe,.FACEDIUFRGS,1·991 (d issert.ação de :mes-
tradp).
BEOKER.'F~rnªnd(}.Da ação à operação: o caminho da
apre.lJt,dtz~g~'!t;J. Piaget e P. Freire, São Paulo,
IPUSP,1983 (tese de doutorado).
Prof. Fernando Becker -... Uma socíõlogaIê Piaget: as confusões conceituatsde
Coordenador da pesquisa B·árb'ataFreltag-.Ed·ucação e Realidade, Porto A1~­
gre, 12(1):'7~~8'~rjan/jun1~l87.
-. Piaget: a I>I:ofissão·. empirista de Bárbara Freitag.
Educação 'e Realidade, Porto Alegre, 13(1):' 87-95,
jariljurl1988. . ..:' . .'
_. SaberouIgnorânciarPiaget e a questão do conh-eci-
mento na escola-pública. Psicologia-U'S'P, 1(1):' 77-
87, jan/jun 1990.
-". Alter-natívas teóricas em aprendizagem. Em: Coletâ-
nea detextos de 'psicologia, ·HEM/CEFAM, SEC/SP,
1990, v. 1,"p.63-90.
- Saber ou ignorância: Piaget e a questão do' conheci-
mento na. escola pública. Em: Coletânea de textos de

340
psicologia, HEMlCEFAM, SEC/SP, 1990, v. 1, p. epistemológica de Jean Piaget. São Paulo, 1983'(dis-
167-193. sertação de mestrado).
- Saber ou ignorância: Piaget e a questão do conheci- DORNELLES, B. V. Mecanismos seletivos da escola
mento na escola pública. Revista de Estudos, Novo pública: um estudo e tnogrâfico na periferia de Porto
Hamburgo, 14(1): 21-30, jul t1991. Alegre. Porto Alegre, 1986 (dissertação de mestra-
- Epistemologia genética e aç!ti 'docente. Em: SIMPÓ- do).
SIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Anais. Frederico FORTUN~, Tânia 'R. O pensamento educacionalbrasi-
Westphalen, ago 1991, p. 30-32. o
leiro e fracasso escolar: o que dizem os artigos do
Cadernos 'de Pesquisas. Porto Alegre, 1990 (disser-
- Produção do saber e da ignorância na escola pública.
Brasília, Resumos da 39ª Reunião anual da SBPC, taçãodeme'strado)·
1987, p. 143. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro,
, Paz e Terra, 6ºed. 1976, 230p.
- Epistemologia subjacente ao trabalho docente: a ori-
gem do conhecimento. Porto Alegre, Anais da 42ª FREITAS, Lia. A produção de ignorância na escola. São
Reunião anual daSBPC, 1990, p. 170. Paulo, Cortez, 1982, 132p.
BORELLA,Nelcy E. D.Astra1J-sformaçõ~sespac.iaisna KAUFMANN, B. A. Piaget, Marx and the polítical ideo-
atividade da criança .de B a 7 anos durante a iniera- .Jogy of schooling. Curriculum Studies, 10(1): 19-43,
çãocom o computador. FAC E DlUFRG8, 1991 (dis- 1978.
.sertação . de mestrudo). KOSIK"Karel.~,Dialéticado concreto. "Rio de J arieirocPaz
BRINGUIER, Jean-Claude. Conversando com JeanPia- . e Terra, 1976, 230p, .
, get. Rio deJaneiro, ~~~oPaulo,Difel;1978, 2:12p.",· ~ MARASCHIN,Cleci.'Processos cognitivos enuoloidos na
CELMA~ Jules.' Diârio de um (eq,u)r;astrador.S'ão,p'a ulo, atividade de crianças de 4 a 6 anos com linguagem
.Saraiva, 1974, 166p. . . .. Logodeprogramação. Porto Alegre, 1986 '(disserta:"
ção de mestrado) ~ ~ ;.
CO,RSO"Hel~n~Velliriho.A representação infantil e a
, educação pré-escolar: -uma pesquisa: de intervenção. MARQUES, Tania B. I. Mecanismos cognitivos e afetivos
Porto Alegre, 1991 (dissertação de mestrado). namanutençãode uma estrutura socialta formação
do "tipo-adequado de homem". Porto Alegre,',1989
DOLLE, 'Jean-M~~~e.;PlZra compreender Je,a.n Piaget: (disaertaçãodemestr'ado).
uma iniciação à psicologià genéticapiagetiana. Rio
de Janeiro, Zahar, 3ª ed._1981, 202p. NEVAl)O, Rosane Aragõnde.Aseószzcções naconstru-
ção da ltnguaescrita e do 'espaço métrico na. in-teração
- Para além de Freud e Piaget.'Pétró,polis, Vozes (em com ocomputadordurante o processo de alfabetiza-
'preparo). .
ção. Porto Alegre, 1989 (dissertação de mestrado).
-, De Freud ~ Piaget. Lisboa;Mo~a,~s, 1979, 132p. PIAGET, Jean. Recherches sur l'abetractiori réfléch.is-
DONGO-MONTOYA~A.O."De que modo o meio social sante. Paris. PUF, 1977, 2v.
influi no desenvolvimento da criança marginaliza- - (1946) A formação do símbolo na criança; imitação,
da? Busca de uma explicação através da concepção jogo e sonho, imagem e representação, Rio de Janeiro,
Zahar, 3ª ed., 1978, 370p.

342 343
- . -... (1948) Para onde vai aeducaçãoê Petrópolis, Vozes,
2ª .ed., 1972, 110p.
----.(l959) Aprendizageme conhecimento (primeira par-
te)!' Em,:PIAGET, Jean e GRECO, Pierre. Aprendi-
zagem e conhecimento. Rio de Janeiro,Freitas
Bastos, 1974, p. 33-91, E.E.G., v. 7.
_..-.... Apprentiss.ag.e et connaiasance (second partie).Em:
.Etudes d'epistemologie gériétique. La Logique ries
apren,tissages.Paris, PUF, 1959,v. 10, p. 159-'1',88.
~Fa~er e compreender. São Paulo, Melhoramentos,
EPUSP, 1978-b.
PIAGET, ,Jean e SZEMINS'I(A, A. A'gênese do número
na criança.. Riode.danejro, Zahar, J~ 98.6.
RAMOZZI~CHIAROTTINO,- Zélia.·Em busca do sentido
. ' da.obrade Jean. Piaget. São,P'aulo, Ática, 1·-984.
~. Psicologia '·-eepistemologia genética de Jean Piaget.
.S ãoPaulo, EPU, 1988.
.RANGEL, Ana C.·A educaçãomatemática ea conetrução
do número pela criança: uma experiência na' primei-
.rasérie ,em,difer;entes .çon,textossÓcio-econÔ1J1;icos..
·rQrtoAlegre,-1987 (disaer-tação de mest.rado),
. REGGINI, Horácio. Alas para la mente; LOGO:'un len-
guajede computadoras yun estilo de pensar. Buenos
Aires, Galápago, 1986.
SÁ,~Luiz-Fernand- -'N. As noções de espaço': ponte entre a
'" -- 'físicageométrL.~a e o conhecimento construído. Porto
Alegre, 1990 (dissertaçãodé.mestrado).
SNIDERS, Georges. Para" onde' vão aspedagogias ruio-
,direct'i,!as?~Lisboa,'Moraes,1'974', 365p.
. SLOMl;?, PauloPrancisco., Conceituàlização da.'leitura e
escrita por adultos não ·alfitbetízados. Porto Alegre,
1990: (dissertação de mestrado). .

344 DOAÇÃO 26/03/2015


Origem: Profa Roseli Baumel

Você também pode gostar