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ÉTICA GERAL E JURÍDICA

Prof. Me. Henrique de Campos Gurgel Speranza


Prof. Guilherme Bernardes Filho
Diretor Presidente
Prof. Aderbal Alfredo Calderari Bernardes
Diretor Tesoureiro
Prof. Frederico Ribeiro Simões
Reitor

UNISEPE – EaD

Prof. Me. Alexander Lopes Neves

Coordenador EaD de área

Prof. Dr. Renato de Araújo Cruz

Coordenador Núcleo de Ensino a distância (NEAD)

Material Didático – EaD

Equipe editorial:
Fernanda Pereira de Castro - CRB-8/10395
Isis Gabriel Alves
Laura Lemmi Di Natale
Pedro Ken-Iti Torres Omuro
Prof. Dr. Renato de Araújo Cruz – Editor Responsável

Apoio técnico:
Alexandre Meanda Neves
Anderson Francisco de Oliveira
Douglas Panta dos Santos Galdino
Fabiano de Oliveira Albers
Gustavo Batista Bardusco
Kelvin Komatsu de Andrade
Matheus Eduardo Souza Pedroso
Vinícius Capela de Souza

Revisão: Isabela da Silva Pery, Alessandra Ribeiro de Abreu

Diagramação: Máira Ribeiro Fernandes, Chrystian da Silva Santos


SOBRE O AUTOR:

Henrique de Campos Gurgel Speranza, formado em Direito pela Universidade


Católica de Santos (UNISANTOS); especialista em Direito e Processo do Consumidor
e Processo do Trabalho, também pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS);
Mestre em Direito Internacional, também pela Universidade Católica de Santos
(UNISANTOS), bolsista pela CAPES.

SOBRE A DISCIPLINA:

A disciplina Ética Geral e Jurídica é uma disciplina propedêutica voltada para a


formação do discente aos aspectos centrais da ética e do bom procedimento moral,
sendo a base para a manutenção da atuação profissional proba.

Tem por ementa:

Introdução ao estudo da ética: conceito, objeto e métodos. Características dos juízos


éticos. Termos de natureza especulativa e prática: bem, valor, dever, norma e
responsabilidade. Valores morais: conceito, objetivismo, subjetivismo e ceticismo
axiológico. Objetividade dos valores morais. A Ética e a Moral. Relação com outras
ciências. Contexto histórico e filosófico da ética. Ética e Direito. Espaços e dimensões
da Ética. Ética no mundo contemporâneo. Liberdade, Consciência e Responsabilidade.
A ética no contexto étnico-racial e de preservação dos direitos humanos.
Os ÍCONES são elementos gráficos utilizados para ampliar as formas de
linguagem e facilitar a organização e a leitura hipertextual.
SUMÁRIO

UNIDADE I .............................................................................................05
1º Contexto histórico e filosófico da ética...............................05
2º Definições gerais de ética..................................................15

UNIDADE II ...........................................................................................27
3º Fins e objeto da ética.........................................................27
4º Liberdade, consciência e responsabilidade.......................36

UNIDADE III ..........................................................................................45


5º Ética e a razão...................................................................45
6º A ética no contexto étnico-racial e direitos humanos........55
UNIDADE I
CAPÍTULO 1 – CONTEXTO HISTÓRICO E FILOSÓFICO DA
ÉTICA
Ao término deste capítulo, você deverá saber:
✓ Filosofia, ciência e ética;

✓ Período clássico;

✓ Ética no Cristianismo;

✓ Ética no Renascimento;

✓ Ética na modernidade;

✓ Ética na pós-modernidade.

Introdução:

Explanar sobre a ética nunca é uma tarefa simples, haja vista sua raiz ligada não só à origem
filosófica, mas também ao desenvolvimento empírico e científico, que fazem com que a ética assuma
características próprias e que merecem atenção redobrada.

Assim, verifica-se que o proceder de forma ética está, de certa forma, dentro do pensamento de
todos os seres humanos, como em uma consciência geral proveniente da binaridade do pensamento
humano, que relaciona tudo em certo e errado, verdadeiro e falso.

Contudo, percebe-se pela origem histórica, a ser apresentada neste capítulo, que a construção da
filosofia moral, ou da ética, é marcada por uma grande pluralidade de pensamentos e correntes
filosóficas que direcionam a existência da ética a diferentes fatores.

Assim, nesse momento, é importante fazer uma análise dos pensamentos mais marcantes por eras
de desenvolvimento do pensamento filosófico existente para que, em geral, se possa ter uma noção
do ser ético, capaz de imprimir mudanças interiores e exteriores ao ser.

Bons estudos!

1.1 Filosofia, ciência e ética

É comum a confusão de conteúdo existente entre a filosofia e as ciências naturais, de tal forma que
a ética é estabelecida em uma relação de difícil compreensão.

Isso porque, ambas, tanto a filosofia como as ciências naturais, convergem quanto à necessidade
do homem de alcançar a verdade, em que pese o fato de ser a verdade filosófica reconhecidamente
dinâmica e relativizada, ao passo que as ciências naturais buscam uma efetivação da verdade
através de métodos objetivos.

Contudo, em todos os casos, o homem é colocado como sujeito do universo, ou seja, é o centro da
problematização tanto na filosofia como nas ciências naturais, bem como na ética.

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Para tanto, observa-se que existem três óticas que devem ser levadas em consideração para esta
formulação, sendo a primeira delas o materialismo, que estabelece o homem e seu proceder em
sociedade direcionados pelas suas necessidades de produção e subsistência.

Em outra vertente, surge filosoficamente o idealismo, pautado pela colocação do homem como ser
pensante, preocupado com seu arredor, ou seja, com a dinâmica do universo, em que pese sua
destinação posterior à produção, mas uma produção orientada pelo pensamento crítico.

Por fim, vislumbrando que o fim da ação humana é sempre a sua produtividade e sua subsistência,
ao conjuntar as duas visões anteriores, nasce uma terceira visão, chamada de dialética, que
estabelece o paralelo entre o pensamento e a preocupação do homem com seu meio, e a satisfação
de suas necessidades.

Assim, em um primeiro momento, podemos definir a filosofia como: “a ciência do conhecimento que
busca a verdade e o sentido das coisas, dos fenômenos, dos seres e dos homens. Seu objeto de
estudo é o saber, o questionar, indagar e criticar o próprio conhecimento, as verdades e os sentidos”
(ROCHA, 2011, p. 15).

A ciência terá uma busca pelo conhecimento com outro enfoque. Segundo Rocha:

Já a ciência procura o modelo e a explicação objetiva. Por isso estabelece


paradigmas à custa da comprovação mais empírica possível, dando-se à refutação
a premissa de sua veracidade, mas pretendendo ser a verdade, pelo menos até que
a experimentação e experiência posteriores não construam outra verdade (ROCHA,
2011, p. 16).

Assim, observa-se que, em ambas, o que procura o homem nada mais é do que o saber, sendo este
seu ponto de maior impacto, através de um conhecimento pautado no descobrimento e no sentido
de todas as coisas que o cercam.

Contudo, a orientação do pensamento humano é marcada por conceitos binários de certo e errado,
bem e mal, fazendo surgir, entre a filosofia e a ciência, os conceitos de moral e ética, sendo que:
“Moral é esse conjunto de valores. A ética são os comportamentos orientados pela moral. Mas esses
comportamentos éticos também como que realimentam, reforçando ou enfraquecendo a moral e
suas máximas” (ROCHA, 2011, p. 17-18).

Assim, o comportamento humano, dentro de seu pensamento crítico e orientado pelas


experimentações da ciência, é focado no estabelecimento de máximas morais, que têm por fim
estabelecer padrões admissíveis pela sociedade, de forma que não se deve, sobremaneira, agir em
desacordo com esses padrões.

Evidentemente que os padrões morais redundam no comportamento ético, de tal sorte que implicam
no comportamento humano adequado. Contudo, há que se distinguir o padrão moral do padrão ético,
haja vista que aqueles são perenes, ou de lenta adaptação cultural, enquanto estes encontram uma
maior relativização.

Assim, o que se pode dizer é que a ética é mais relativa do que a moral, sendo considerada como
decorrente da moral, mas não idêntica, haja vista que, nas nuances práticas da vida social, algumas
modificações comportamentais podem gerar conceitos eticamente aceitáveis, enquanto moralmente
seriam considerados inadequados.

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Isso significa que a adequação ética nem sempre revela completa adequação moral, considerando-
se que os conceitos morais são lentamente adaptados às modificações sociais e demandam uma
forte transformação no pensamento humano, enquanto a admissão de padrões éticos novos é
relacionada à razão e ao relativismo cultural, acompanhando, de forma mais dinâmica, o que pode
ser aceito pela sociedade em si como correto.

Reflita sobre as correntes do materialismo, idealismo e a dialética e pense qual teoria melhor contempla os
aspectos éticos.

No Período Clássico, a ética é vista a partir de uma interação do indivíduo com a ordem social.

1.2 Período clássico

O período clássico da ética é edificado nos séculos V a.C. até II d.C. e é marcado pelo pensamento
dos Sofistas, e, principalmente, pelos pensamentos de Sócrates, Platão, Aristóteles e Epicuro.

Nesse período, a característica marcante é a relação dos padrões éticos com a relação homem-
sociedade, colocando o desenvolvimento humano adequado e moral em constante ligação com a
ação dos Estados e da sociedade.

Em um primeiro momento histórico, surge o pensamento socrático e platônico no sentido de


reconhecer o julgamento das ações humanas e da natureza ética com vias à responsabilização em
decorrência das ações do Estado.

Nesse momento filosófico do pensamento ético, tem-se que cabe ao Estado e à sociedade a
conscientização do homem sobre suas atitudes, para então haver a possibilidade de
responsabilização pelas práticas tidas como antiéticas, ou seja, pela falta de ação estatal em educar
os homens, seria impossível a punição pelos desvios de padrões da moral comportamental.

É uma visão focada na construção e educação dos homens pelo Estado e pela sociedade, sendo
impossível punir a ignorância.

Em um momento histórico mais adiante, surge o pensamento aristotélico, que direciona ao indivíduo
o dever de se informar, além do reconhecimento desse encargo sobre o Estado e a sociedade.

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Veja que no pensamento aristotélico o objetivo central do homem é a busca pela felicidade, que só
pode ser alcançada pelo saber. Contudo, diverge do pensamento anterior ao passo que direciona ao
indivíduo também a responsabilidade pelo saber.

Caracteriza-se por ser uma visão mais legalista, ou seja, os padrões devem ser impostos de forma
coercitiva, cabendo não só ao estado o dever de educar, mas também ao indivíduo o dever de
cumprir as normas morais e éticas, buscando o saber na ausência estatal.

Por fim, neste momento histórico da filosofia ética, surge o pensamento epicurista, em que se parte
da premissa da insignificância humana frente ao cosmo, ou seja, os feitos humanos individualmente
considerados são pífios frente à magnitude do universo.

Nessa linha de pensamento, surge para o homem a necessidade de adequar seus comportamentos
e sua busca pelo prazer às necessidades de algo maior, algo que suplante sua existência curta e
passageira e perpetue em favor da humanidade.

Assim, prega-se como baliza moral a necessidade de edificação pelo homem de uma obra maior, ou
seja, a atitude individual deve ser limitada pela existência do outro, e, ainda, contribuir para o
desenvolvimento geral da sociedade e do mundo.

1.3 Ética No Cristianismo

Marcado pela queda do Império Romano e desenvolvimento da Idade Média, a ética no Cristianismo
retorna a contextos da Antiguidade ligados ao pensamento de Platão, de forma que estabelece a
crença na conduta ética como meio de salvação perante Deus.

Evidentemente que o Cristianismo tem seu desenvolvimento e difusão com a Igreja Católica, que
assume o papel central de regulamentadora do comportamento ético-moral do homem através dos
dogmas cristãos de salvação.

Nesse período, entende-se que a conduta ética (e orientada pelos dogmas) é a única capaz de salvar
o homem quando do Juízo Final, bem como o único caminho para alcançar o céu na vida eterna.

São condutas morais atreladas intimamente aos dogmas religiosos.

Não se resume apenas a atuação da Igreja Católica, mas também de todas as correntes filosóficas
atreladas ao Cristianismo e à Reforma Protestante.

Em resumo, este período marca a construção da ética através da crença em um Deus único e maior,
que apenas admitirá a absolvição dos pecados (e condutas antiéticas) através das ações terrenas
do indivíduo, de forma que é necessária a conduta ética para que se alcance a salvação.

Os dogmas cristãos influenciam a ética diretamente quando do surgimento do Cristianismo, retornando a uma
visão de que a ética é o caminho adequado para a salvação. Ética com fundamento no temor ao inferno.

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1.4 Ética No Renascimento

O Renascimento, como se sabe, é o período marcado pelo rompimento da visão cristã sobre o
homem, em que este deve agir vinculado aos dogmas divinos, passando, assim, a voltar os olhos
sobre a própria humanidade, recém-liberta de amarras religiosas.

Neste contexto histórico, nascem correntes filosóficas e éticas relacionadas ao comportamento


humano em si, desvinculadas da crença na absolvição divina e voltadas para o agir corretamente em
prol da condição humana.

Verificam-se traços do pensamento de Epicuro e Aristóteles no pensamento renascentista, uma vez


que a ética passa a observar as ações humanas e seus comportamentos com base na vida em
sociedade e não na crença no divino.

Assim, voltada para o pensamento político coletivo do homem, a era renascentista é marcada pelo
surgimento do utilitarismo e do jusnaturalismo.

No utilitarismo, sobretudo na visão de David Hume, assume-se uma ética pragmática, visando que
o comportamento humano só é moralmente aceito e ético quando representa utilidade para o seio
social, ou para a coletividade.

Então só é bom aquilo que é útil à sociedade, e só há regra ética se refletir em utilidade social, de
forma que não se imagina o proceder ético pautado apenas pelo interesse individual e o benefício
próprio em detrimento do meio social.

Evidentemente que a estruturação de classes sociais e a crescente ascensão da burguesia foram


fatores de desconstituição desta corrente ética, de forma que apenas era reconhecida pela classe
dominante (burguesia) o padrão ético que lhes convinha, assumindo uma utilidade individualista e
não geral como pretendida pelos criadores do pensamento utilitarista.

Aqui, enfatiza-se a base do pensamento socialista, uma vez que todas as ações humanas, para
serem consideradas éticas, assim como as leis e padrões comportamentais, devem ser orientados
pelo bem-estar coletivo, ainda que em detrimento de interesses individuais.

Em outra vertente, o jusnaturalismo surge para a ética na mesma esteira do Renascimento, contudo
pelo reconhecimento de direitos ou padrões inatos à condição humana, que são universais e devem
ser seguidos como necessárias à vida em sociedade.

Através dessa linha de pensamento, tem-se que todos os homens são detentores de direitos
inalienáveis e inatos, além de serem considerados universais, no sentido de pertencentes a todos os
seres humanos, dada sua condição única.

Assim, pelo jusnaturalismo inato se têm padrões éticos balizados pela condição humana, que devem
ser garantidos e respeitados contra violações, haja vista que se fundamentam na dignidade humana.

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Tente se informar mais sobre o utilitarismo e o reflexo que esta corrente filosófica tem sobre a ética.

1.5 Ética Na Modernidade

O período da modernidade, marcado pelo século XIX, floresce com o reconhecimento claro do Direito
como ciência, bem como, ainda, o reconhecimento do positivismo de Augusto Comte.

Neste momento histórico, tem-se a construção ética através da guarida de uma ciência humana e
social, que é o Direito, edificado não só filosoficamente, mas também pautado pelo reconhecimento
das normas postas e de sua validade como meio de regulamentação da vida em sociedade.

Através do positivismo rompe-se com padrões anteriormente estabelecidos pela metafísica ou por
conceitos religiosos, construindo-se as normas jurídicas como o único meio de regulamentação da
vida em sociedade.

A ética do positivismo é fundamentada no respeito às normas, focando o comportamento humano


em um direito posto, escrito e objetivo, dotado de generalidade e coercitividade.

Neste período, destaca-se a contribuição de Hans Kelsen com a teoria pura do Direito, colocando o
tripé para a aplicação do positivismo estabelecido na relação de fato, valor e norma.

Fato relacionado aos acontecimentos da vida humana, a norma como o preceito posto na forma de
comando imperativo e o valor como referencial de enquadramento e harmonização entre os outros
dois pontos, sendo aquilo que se pretende resguardar.

1.6 Ética Na Pós-Modernidade

A pós-modernidade é marcada pelo final do século XIX até os tempos atuais.

Nesse período, há um resgate ético dos conceitos atrelados ao materialismo, sobretudo no


pensamento filosófico de Marx, relacionando o proceder ético à produtividade do ser e ao labor pela
sua subsistência.

A teoria de Marx não é meramente materialista, mantendo seus aspectos dialéticos com o bem-estar
comum, relacionando o proceder ético-moral com a produção para o bem comum, ou para a
coletividade.

Nesse período também se fala no existencialismo de Sartre, que desvia o foco materialista de Marx
da produção e o direciona para o aspecto subjetivo do ser, focando o pensamento ético nas ações
subjetivas de cada indivíduo para o bem comum.

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Pelo existencialismo, rompe-se com o aspecto objetivo do que se produz para que se observe o
aspecto subjetivo do ser, focado em suas ações e procedimentos, levando em consideração sua
voluntariedade e a tomada de decisões.

Descubra mais sobre a ética na teoria de Marx:


https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rfe/article/view/8651032

Considerações Finais:

Neste capítulo, você viu que o reconhecimento da ética é atrelado não só à filosófica como à ciência,
bem como, ainda, deflui de diversas formas de pensamento, considerando por vezes o homem sob
um olhar materialista, outras vezes sob um olhar mais idealista.

Contudo, o que se percebe é que pelas inúmeras eras de desenvolvimentos humano, várias são as
correntes filosóficas do pensamento ético focados não em uma ou em outra ideia central, mas sim
em lados diferentes do mesmo procedimento humano: o procedimento ético.

Para tanto, observe que nenhum pensamento filosófico sobre a ética é inválido e nenhum
corresponde à completa definição da ética ou atende às necessidades humanas.

Compreender a ética também é entender a variável humana, que não pode ser apenas pautada por
um único aspecto, nem sequer definida em uma simples relação.

O que se pode imaginar é que o proceder ético, ou a ética em si, está ligada à vida humana, à
natureza do ser, seja do ponto de vista material e produtivo, como também em seu âmago mais
intimista, focado na tomada de decisões, em sua consciência.

A conclusão central é que a ética é necessária ao ser humano como um predicado a ser considerado
em decorrência de sua capacidade de pensamento, devendo orientar o procedimento e o
desenvolvimento humano em todas as searas do saber, seja ele jurídico ou de outra área.

FILOSOFIA, CIÊNCIA E ÉTICA:

• Materialismo: estabelece o homem e seu proceder em sociedade direcionados pelas suas


necessidades de produção e subsistência;
• Idealismo: pautado pela colocação do homem como ser pensante, colocando o homem como ser
preocupado com seu arredor. Vislumbrando que o fim da ação humana é sempre a sua produtividade
e sua subsistência, ao conjuntar as duas visões anteriores, nasce uma terceira visão, chamada de

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dialética, que estabelece o paralelo entre o pensamento e a preocupação do homem com seu meio, e
a satisfação de suas necessidades.

PERÍODO CLÁSSICO:

• Pensamento socrático e platônico no sentido de reconhecer o julgamento das ações humanas e da


natureza ética com vias à responsabilização em decorrência das ações do Estado;
• Pensamento aristotélico, que direciona ao indivíduo o dever de se informar, além do reconhecimento
desse encargo sobre o Estado e a sociedade;
• Pensamento epicurista em que se parte da premissa da insignificância humana frente ao cosmo.

ÉTICA NO CRISTIANISMO:

• Entende-se que a conduta ética (e orientada pelos dogmas) é a única capaz de salvar o homem quando
do Juízo Final, bem como o único caminho para alcançar o céu na vida eterna.

ÉTICA NO RENASCIMENTO:

• Utilitarismo: visa que o comportamento humano só é moralmente aceito e ético quando representa
utilidade para o seio social, ou para a coletividade;
• Jusnaturalismo: tem-se que todos os homens são detentores de direitos inalienáveis e inatos, além de
serem considerados universais, no sentido de pertencentes a todos os seres humanos, dada sua
condição única.

ÉTICA NA MODERNIDADE:

• Tem-se a construção ética através da guarida de uma ciência humana e social, que é o Direito,
edificado não só filosoficamente, mas também pautado pelo reconhecimento das normas postas e de
sua validade como meio de regulamentação da vida em sociedade.

ÉTICA NA PÓS-MODERNIDADE:

• Há um resgate ético dos conceitos atrelados ao materialismo, sobretudo no pensamento filosófico de


Marx, relacionando o proceder ético à produtividade do ser e ao labor pela sua subsistência;
• Existencialismo de Sartre: desvia o foco materialista de Marx da produção e o direciona para o aspecto
subjetivo do ser, focando o pensamento ético nas ações subjetivas de cada indivíduo para o bem
comum.

QUESTÃO: O Existencialismo de Sartre:


a) Desvia o foco materialista de Marx da produção e o direciona para o aspecto subjetivo do ser, focando o
pensamento ético nas ações subjetivas de cada indivíduo para o bem comum;
b) Segue a mesma linha do pensamento de Marx;
c) Tem-se a construção ética através da guarida de uma ciência humana e social, que é o Direito, edificado
não só filosoficamente, mas também pautado pelo reconhecimento das normas postas e de sua validade como
meio de regulamentação da vida em sociedade;
d) Visa que o comportamento humano só é moralmente aceito e ético quando representa utilidade para o seio
social, ou para a coletividade;

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e) Tem-se que todos os homens são detentores de direitos inalienáveis e inatos, além de serem considerados
universais, no sentido de pertencentes a todos os seres humanos, dada sua condição única.
Resolvendo...
A alternativa correta é a letra A, pois o Existencialismo se distancia da posição de Marx, ao contrário do que a
alternativa B expõe, bem como não é igual às teorias da Idade Moderna, do Utilitarismo e do Jusnaturalismo,
respectivamente ao que compõe as alternativas C, D e E.

1 -QUESTÃO: O Cristianismo influencia a ética com seus dogmas, sobretudo no que concerne ao temor quanto
ao:
a) Direito;
b) Estado;
c) Juízo final;
d) Normas legais;
e) Tempo.
Resposta correta: C.

2 -Diferencie o Utilitarismo do Jusnaturalismo.

OBRA: NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 432 p.
A obra faz uma abordagem do diálogo entre a filosofia e a ética jurídica, estabelecendo as principais teorias
filosóficas com aplicação ética.
Vale a pena a leitura do livro, principalmente em seus primeiros capítulos que guardam pertinência com o
estudado nesta unidade.

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Explanar – explicar, dissertar sobre;
Binaridade – em padrão binário (0 e 1; sim e não);
Convergem – se encontram;
Diverge – discorda; diferente;
Inatos – desde o nascimento.

Gabarito:
1 -Resposta correta: C.

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UNIDADE I
CAPÍTULO 2 – DEFINIÇÕES GERAIS DE ÉTICA
Ao término deste capítulo, você deverá saber:
✓ Conceito de ética;

✓ Agente moral;

✓ Valores e meios morais;

✓ Ética profissional;

✓ Código de ética e deontologia.

Introdução:

A ética não só orienta os padrões de conduta dos profissionais, como, em verdade, se torna uma
verdadeira vantagem competitiva, uma vez que a conduta ética contribui para o andamento das
instituições sociais, fomenta a melhor prestação jurisdicional e contribui para a celeridade dos
processos e práticas jurídicas.

Portanto, a abordagem dos conceitos de ética, bem como o estudo dos fatores morais que a
influenciam, torna-se imprescindível para a construção do que se espera do profissional do Direito.

Assim, a ética profissional assume um papel de extrema relevância na formação do discente de


direito, não só como disciplina exigida em exames da Ordem, mas, também, como norteador do labor
profissional e mecanismo para a edificação de um sistema jurídico saudável.

Vale lembrar que a ética profissional não é construída sobre conceitos abertos e desvinculados de
obrigatoriedade; ao contrário, apresenta-se como uma forçosa manifestação da conduta profissional,
com a imposição de penalidades aos transgressores.

Bons estudos!

2.1 Conceito De Ética

Os conceitos de ética são bastante abrangentes, bem como, ainda, muito discutidos pela filosofia.
Partindo-se de um conceito inicial, pode-se definir a ética como sendo um conjunto de regras
valorativas sobre a moral, com a definição de condutas adequadas à esta.

Para tanto, observa-se que ética pode ser definida como:


1 Parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam,
distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo a respeito
da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer
realidade social;
2 Derivação: por extensão de sentido; conjunto de regras e preceitos de ordem
valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade
(HOUAISS, 2009).

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Com isso, o conceito de ética abrange não só um aspecto filosófico como também a criação de um
padrão de conduta pessoal, no caso dessa disciplina, profissional, a ser seguido, abrangendo não
só a adequação das normas e valores ao comportamento humano, mas também se apresentando
como um conjunto de regras de conduta a serem seguidas.

A ética é proveniente da prática costumeira, ou seja, é criada e conduzida através dos costumes de
determinada sociedade, costumes estes que acabam por exercer o controle primordial sobre os
padrões éticos, reservando-se eventual normativa ao fomento de práticas gerais e imprescindíveis,
adaptáveis aos costumes.

Assim, os padrões éticos de conduta são estabelecidos pelos costumes e com eles se desenvolvem
e se adaptam, passando por constantes modificações, de forma que também assumem um papel
vinculado aos costumes de determinada sociedade, podendo sofrer variações culturais entre povos
diversos.

Os costumes são anteriores a cada indivíduo, sendo formados ao longo do desenvolvimento social,
estabelecendo uma relação que supera a mera ligação filosófica entre eles e a ética, mas também
abrangendo questões subjetivas, como o caráter dos sujeitos e sua aceitação quanto aos padrões
éticos e costumeiros enraizados socialmente (Chauí, 2012).

Chauí (2012) estabelece que a ética abrange o estudo do senso moral e da consciência moral dos
indivíduos, definindo senso moral como a forma de avaliação subjetiva sobre os contextos fáticos,
através dos filtros do justo e do injusto.

A consciência moral, por sua vez, traduz a reflexão sobre a tomada de decisões, expondo ao agente
a justificação, perante aos demais, de suas condutas, bem como, ainda, a responsabilização pelas
decisões tomadas:

[...] exigem que, sem sermos obrigados por outros, decidamos o que fazer, que
justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que
assumamos todas as consequências delas, porque somos responsáveis por nossas
opções (CHAUÍ, 2012).

Assim, o que se tem é que o senso moral é de ordem subjetiva e traduz o pensamento sobre o que
é certo e errado, enquanto a consciência moral se desenvolve a partir desse senso para a tomada
de decisões.

Pesquise sobre a formação dos processos morais em sociedade e o quanto historicamente a moral exerce de
influência nas relações interpessoais e jurídicas.

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OBRA: CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012.
Nessa obra, a autora questiona a formação da ética e da moral, partindo das premissas aristotélicas para
desconstruir e reconstruir conceitos, vislumbrando uma formação ética menos pragmática e mais voltada ao
humanismo. Em sua visão, a ética e a moral são construções humanas relacionadas às relações intersubjetivas
e são construídas como padrões costumeiros e históricos.
Vale a pena conferir!

2.2 Agente Moral

O agente moral é o sujeito das relações intersubjetivas morais e que irá existir se preenchidos alguns
requisitos, sendo ele o responsável pelas relações morais em sociedade, através das aplicações do
senso e da consciência morais.

São condições para a existência do agente moral, segundo Chauí (2012):

• Ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de


reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a si;

• Ser dotado de vontade, isto é:

o De capacidade para controlar e orientar desejos, impulsos,


tendências, paixões, sentimentos, para que estejam em
conformidade com as normas e os valores ou as virtudes
reconhecidas pela consciência moral;

o De capacidade para deliberar e decidir entre várias alternativas


possíveis.

• Ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos


e as consequências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la, bem como às
suas consequências, respondendo por elas;

• Ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus
sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos
que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A
liberdade não é tanto o poder para escolher entre vários possíveis, mas o
poder para autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de conduta.

Assim, apenas os seres capazes de preencher todos os requisitos podem ser considerados agentes
morais, uma vez que dependem desses predicados para que possam exercer corretamente a
consciência moral na tomada de decisões no mundo real.

Os dois primeiros requisitos, a consciência de si e dos outros, bem como a vontade do ser, refletem
a capacidade civil e são de suma importância para o desenvolvimento da consciência moral, uma
vez que sem capacidade o sujeito sequer possui o senso moral adequado, visto que sua percepção
de mundo é claramente afetada.

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Já em relação ao terceiro requisito, estampado como a responsabilidade, surge o reflexo perfeito das
consequências da consciência moral, sendo que o agente deve ser capaz de ser responsabilizado
ou assumir as responsabilidades por seus atos. Se houver causa que afaste essa responsabilidade,
naturalmente esse agente não será um agente moral, pois desvincula-se dos valores centrais éticos.

O último item, por sua vez, traduz a autodeterminação do ser, como a consciência de liberdade e
autonomia nas decisões do agente moral, sendo que, quando lhe falta o aspecto livre de
pensamento, ainda que tenha capacidade, não poderá praticar atos moralmente aceitos ou éticos.

Ainda em relação à liberdade do agente moral, ele pode ser passivo quando se deixa guiar pelos
impulsos e paixões, ou ativo, quando controla internamente seus impulsos, assumindo uma
característica mais racional (CHAUÍ, 2012).

2.3 Valores E Meios Morais

A ética busca a criação de valores morais como postulados a serem seguidos, institucionalizados
pelos costumes de determinada sociedade, que fazem crescer, através dos agentes morais e das
práticas dos sensos e consciências morais, importantes pontos, chamados de valores, que se
consubstanciam os ditames do que seria bom ou mau.

Assim, normalmente na sociedade os valores classificados como bons são atrelados às virtudes,
pois são relacionados a valores morais que fazem o bem, ou que são classificados no senso moral
como justos.

Já os valores maus são aqueles, por sua vez, que defluem da má prática aos olhos costumeiros da
moral social, sendo classificados como vícios e denotam os comportamentos moralmente
repudiados, ou imputados como injustos pelo senso moral.

Vale ressaltar que estes valores não são estáticos, pois variam de acordo com os costumes, podendo
evoluir ou regredir, dependendo do momento histórico ou do panorama social vigente, como é o caso
de períodos de prosperidade e aberturas científicas, ou períodos de crise econômicas ou guerras.

É evidente que essa retração é, a todo custo, evitada pelas sociedades, de tal sorte que os sistemas
jurídicos se posicionam de forma a evitar retrações morais, ainda que em tempos de crise, criando
sistemas que não podem ser suprimidos ou abandonados, como os direitos e garantias
fundamentais, por exemplo.

Contudo, para que esses valores sejam edificados na sociedade, torna-se necessário que meios
morais sejam empregados, de tal forma que nenhum valor moral emergirá de meios imorais, e assim
por diante, na mesma lógica reversa.

Chauí (2012) ensina que:

A relação entre meios e fins pressupõe a ideia de discernimento, isto é, que saibamos
distinguir entre meios morais e imorais, tais como nossa cultura ou nossa sociedade
os definem. Isso significa também que esse discernimento não nasce conosco, mas
precisa ser adquirido e, portanto, a pessoa moral não existe como um fato dado, mas
é criada pela vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores
morais e para as virtudes de sua sociedade.

18
Assim, pelas lições, constata-se que a criação de valores morais deflui de um processo moralizante,
construído por toda a sociedade ao longo de sua evolução, com a criação de meios para a
transmissão dos valores já construídos e a abertura para sua evolução.

Fica claro que a criação de valores morais é um processo lento e histórico, intimamente relacionado
não só aos costumes, mas com todo o desenvolvimento histórico de determinada sociedade, bem
como pela aglutinação das características culturais e de ensino.

Com isso, os valores morais são construídos ao decorrer do tempo e transmitidos de geração em
geração, que não apenas receberá valores prontos, mas toda a informação sobre os meios para sua
obtenção, com vias ao fomento de inovações salutares e constante desenvolvimento desses valores.

Observe o trecho a seguir:


A relação entre meios e fins pressupõe a ideia de discernimento, isto é, que saibamos distinguir entre meios
morais e imorais, tais como nossa cultura ou nossa sociedade os definem. Isso significa também que esse
discernimento não nasce conosco, mas precisa ser adquirido e, portanto, a pessoa moral não existe como um
fato dado, mas é criada pela vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores morais e para
as virtudes de sua sociedade (CHAUÍ, 2012).
Reflita sobre a formação dos valores morais através dos meios para seu alcance e pense se a máxima “os fins
justificam os meios” poderia ser empregada para esse fim, ou seja, seria possível alcançar um valor moral
através de um meio imoral?

2.4 Ética Profissional

A ética profissional reflete o comportamento do profissional com vias a não gerar prejuízo ao outro,
seja seu cliente, ou até mesmo outras pessoas envolvidas na relação intersubjetiva.

Pode ser definida como:

[...] um norteador do comportamento humano no trabalho, ela pode ser compreendida


como um conjunto de valores e normas que possibilitam saber distinguir não só o
bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o lícito e o ilícito, o conveniente e
o inconveniente, mas também o honesto e o desonesto no cotidiano da organização.
(OLIVEIRA, 2012, p. 80)

Ainda, complementando esse conceito, temos que a ética profissional é “o conjunto de normas que
formam a consciência do profissional e representam imperativos de sua conduta” (SÁ apud REIS, et
al, 2017).

O que se percebe é que a ética profissional nada mais é do que a aplicação dos valores éticos e
morais para a relação profissional com vias à manutenção da harmonia nas relações intersubjetivas
e das instituições sociais de labor profissional.

19
Para tanto, verifica-se que a ética profissional atua em dois prismas: em cooperação e na
generosidade, ou seja, o profissional ético deve pautar seu labor visando a produção em conjunto
(cooperação) e para benefício alheio (generosidade) (CORTELLA; LA TAILE apud REIS, 2017, p.
903).

Assim, para o desenvolvimento da ética profissional, deve-se cumprir alguns deveres, enunciados
por Marques (2018) como:

Competência: o trabalhador deve atuar baseado no “pleno conhecimento, domínio


sobre a tarefa e sobre a forma de executá-la, além de atualização constante e
aperfeiçoamento cultural, onde a ética profissional deve prevalecer” (SÁ apud REIS
et al, 2017, p. 903);

Zelo: a execução da tarefa deve ser feita de forma cautelosa, seguindo parâmetros
de qualidade e pontualidade;

Honestidade: lealdade do profissional à confiança que o outro depositou nele. Apesar


de importante, vemos muitos exemplos na nossa sociedade de falta de honestidade,
como é o caso da corrupção na política;

Sigilo: respeitar as informações que lhe são confiadas, guardando-lhes sigilo. Muitas
empresas trabalham com informações com um nível de confidencialidade tão alto
que incluem cláusulas de sigilo em contrato de trabalho;

Responsabilidade e comprometimento: cumprir sua função com empenho e


consciência de que cabe a si atingir o acordado;

Prudência: a prudência na realização da atividade deve se voltar, entre outras coisas,


na separação entre as relações de trabalho e pessoais, de modo a impedir que
problemas de relacionamento atrapalhem o desempenho e os resultados da atividade
profissional;

Respeito aos colegas: respeitar a privacidade de seus colegas e manter-se longe de


fofocas, comentários ofensivos e de pessoas que gostam de julgar e criticar os
colegas, pois são comportamentos que podem prejudicar a imagem profissional, uma
vez que afetam o clima organizacional, transmitem futilidade e falta de respeito ao
outro. Além disso, manter a educação, a cordialidade e ser cuidadoso se for fazer
uma crítica, de modo que ela seja sempre construtiva.

O labor profissional ético reforça não só os valores morais e melhora a qualidade do serviço como
contribui para a melhoria dos relacionamentos interpessoais, favorece a motivação profissional,
permite o autoconhecimento, fomenta o respeito às diversidades, e incentiva a boa educação entre
todos os envolvidos.

Enquanto a ética geral se preocupa com o comportamento moral em sociedade, a ética profissional é
responsável pelo comportamento dos profissionais com vias a tornar o labor mais produtivo e mais correto, de
forma que suas normas vão além do comportamento moral e das caracterizações de justo e injusto,
expandindo-se para a contribuição dos métodos éticos no desenvolvimento da profissão, seja ela qual for.

20
2.5 Código De Ética E Deontologia

O código de ética é variável para cada profissão e apresenta o conjunto de normas de conduta, com
deveres e penalidades para os profissionais de cada área. Esse código recebe o nome de
deontologia, que consagra a “ciência ou estudo dos deveres” (OLIVEIRA, 2012, p. 51).

Para o labor do advogado, não só existem previsões sobre a conduta ética profissional previstas no
Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, consistente na lei federal nº 8.906, de
4 de julho de 1994, como também pelo Código de Ética e Disciplina da OAB, publicado pelo próprio
órgão de classe.

Assim, no Código de Ética e Disciplina, verificam-se os ideais éticos sobre o qual a normativa é
construída logo em seu preâmbulo:

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao


instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a
consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, tais
como: os de lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da
Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com
retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do
bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus
elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações
profissionais e em todos os atos do seu ofício; empenhar-se na defesa das causas
confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e
proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses; comportar-se,
nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo
humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável senso profissional,
mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material
sobreleve à finalidade social do seu trabalho; aprimorar-se no culto dos princípios
éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança
do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade
pessoal; agir, em suma, com a dignidade das pessoas de bem e a correção dos
profissionais que honram e engrandecem a sua classe.

Inspirado nesses postulados é que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do


Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos arts. 33 e 54, V, da Lei nº
8.906, de 04 de julho de 1994, aprova e edita este Código, exortando os advogados
brasileiros à sua fiel observância.

Pela deontologia da advocacia, verifica-se a preocupação com a atuação profissional ética e pautada
na cooperação com o sistema jurídico nacional, bem como no adequado trato de confiança com o
cliente.

Lembre-se, a DEONTOLOGIA é a ciência ou o estudo que analisa a formação ética e estabelece as normativas
de uma determinada categoria profissional!

21
Considerações Finais:

A ética assume um papel muito superior ao simples estabelecimento de padrões de conduta que
devem ser seguidos sob a imposição de penalidades aos transgressores. Consubstancia
comportamentos baseados na moral social e que demonstram a necessidade de observância com
vias à garantia de harmonia nas relações intersubjetivas.

Desse modo, a ética profissional assume um papel de destaque no exercício da advocacia, pois é
ela a responsável pela descrição dos comportamentos esperados como morais pelos que exercem
a profissão.

Além do senso moral e da consciência moral inerentes a todos os agentes morais, a ética profissional
traduz uma série de regramentos postulados para nortear o pensamento do advogado no exercício
de suas funções.

Indo muito além da imposição das penalidades, a ética profissional impõe aos advogados um padrão
de agir em benefício da cooperação com as instituições jurídicas, bem como de generosidade para
com os clientes e demais envolvidos no processo jurídico.

Para tanto, verifica-se que o conjunto deontológico jurídico é pautado pela moral, construída através
de processos histórico-costumeiros, em franca evolução, cujo objetivo central é o fortalecimento da
profissão e das relações morais de seu labor.

Respeitar a ética profissional não traduz apenas o bem para o sistema jurídico ou ao cliente, mas
também fortalece toda a classe que por ela se orienta, de tal sorte que contribui para a boa visão
social sobre os profissionais da categoria.

São normas que demandam observação e respeito absolutos, pois estão enraizadas nos anseios
morais da sociedade, bem como são formadas por valores morais ancestrais e intimamente
relacionados com a cultura social.

A ética profissional da Ordem dos Advogados do Brasil, caracterizada em dois documentos


normativos codificados, bem como em uma série de resoluções específicas, representa todo o
arcabouço de normas de conduta profissional necessários ao bom exercício da profissão, com
repúdio às más práticas profissionais, contribuindo para a moralização do ofício.

Ética é o conjunto de regras valorativas sobre a moral, com a definição de condutas adequadas a esta,
proveniente da prática costumeira, ou seja, é criada e conduzida através dos costumes de determinada
sociedade, costumes estes que acabam por exercer o controle primordial sobre os padrões éticos, reservando-
se eventual normativa ao fomento de práticas gerais e imprescindíveis, adaptáveis aos costumes.

Abrange o estudo do senso moral e da consciência moral dos indivíduos, definindo senso moral como a forma
de avaliação subjetiva sobre os contextos fáticos, e a consciência moral que traduz a reflexão sobre a tomada
de decisões.

22
O agente moral é o sujeito das relações intersubjetivas morais e que irá existir se preenchidos alguns requisitos,
sendo ele o responsável pelas relações morais em sociedade, através das aplicações do senso e da
consciência morais.

Os valores morais são postulados a serem seguidos, institucionalizados pelos costumes de determinada
sociedade, que não são estáticos, pois variam de acordo com os costumes, podendo evoluir ou regredir,
dependendo do momento histórico ou do panorama social vigente.

Para a construção dos valores morais é necessário que meios morais sejam empregados, de tal forma que
nenhum valor moral emergirá de meios imorais, de maneira que a criação de valores morais deflui de um
processo moralizante, construído por toda a sociedade ao longo de sua evolução, com a criação de meios para
a transmissão dos valores já construídos e a abertura para sua evolução.

Fica claro que a criação de valores morais é um processo lento e histórico, intimamente relacionado não só
aos costumes, mas com todo o desenvolvimento histórico de determinada sociedade, bem como pela
aglutinação das características culturais e de ensino.

A ética profissional reflete o comportamento do profissional com vias a não gerar prejuízo ao outro, seja seu
cliente, ou até mesmo outras pessoas envolvidas na relação intersubjetiva, que nada mais é do que a aplicação
dos valores éticos e morais para a relação profissional objetivando a manutenção da harmonia nas relações
intersubjetivas e das instituições sociais de labor profissional.
o labor profissional ético reforça não só os valores morais e melhora a qualidade do serviço como contribui
para a melhoria dos relacionamentos interpessoais, favorece a motivação profissional, permite o
autoconhecimento, fomenta o respeito às diversidades, e incentiva a boa educação entre todos os envolvidos.
O Código de Ética é variável para cada profissão e apresenta o conjunto de normas de conduta, com deveres
e penalidades para os profissionais de cada área.

Para o labor do advogado, não só existem previsões sobre a conduta ética profissional previstas no Estatuto
da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, consistente na lei federal nº 8.906, de 4 de julho de 1994,
como também pelo Código de Ética e Disciplina da OAB, publicado pelo próprio órgão de classe.
Pela deontologia da advocacia, verifica-se a preocupação com a atuação profissional ética e pautada na
cooperação com o sistema jurídico nacional, bem como no adequado trato de confiança com o cliente.

Você pode consultar a íntegra do Código de Ética e Disciplina da OAB no link abaixo!
https://www.oab.org.br/arquivos/pdf/LegislacaoOab/codigodeetica.pdf

Em relação à definição de deontologia, assinale a alternativa correta:

23
a) Corresponde ao estatuto da OAB;
b) É a ciência que estuda as normas de conduta ética profissional de determinada categoria;
c) É a ciência que estuda as normas de conduta ética profissional apenas dos advogados;
d) É a ciência que estuda as normas de conduta ética profissional apenas dos juízes;
e) É a ciência que estuda as normas de conduta ética profissional apenas dos promotores.
Embora seja uma questão bastante simples, é repleta de conteúdo didático, senão vejamos: Inicialmente,
cumpre estabelecer que a Deontologia é uma ciência, ou um estudo, de tal sorte que jamais será um código
ou estatuto em si, mas sim a ciência por detrás da normativa. Dessa forma, não é correta a alternativa A. No
mais, verifica-se que a deontologia, como ciência, é relacionada à ética profissional, e não a uma classe
específica, de tal forma que apenas a alternativa B contém a verdadeira informação, qual seja, “é a ciência que
estuda as normas de conduta ética profissional de determinada categoria”, pois a deontologia não é exclusiva
apenas do meio jurídico.

1 -Para a construção de valores morais, é imprescindível que:


a) Os meios sejam imorais;
b) Os meios sejam amorais;
c) Os meios sejam igualmente morais;
d) Não importam os meios, pois apenas o resultado deve ser considerado;
e) Existam mecanismos para a justificativa de meios imorais.
Resposta Correta: C.

2 -Defina ética profissional e a diferencie da ética geral.

Prestação jurisdicional – atividade estatal de resolução de conflitos;


Celeridade – velocidade;
Imprescindível – indispensável;

24
Transgressores – infratores;
Enraizados – com raízes;
Predicados – qualidades;
Atrelados – vinculados;
Prismas – lados; faces.

Gabarito:
1 -Resposta Correta: C.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012.


INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Houaiss Eletrônico 3.0. São Paulo: Objetiva, 2009.
LENCIONI, Patrick M. Faça o que eu digo. HSM Management, São Paulo, n.36, p.110-114, jan./fev. 2003.
Disponível em: <https://slidex.tips/download/faa-o-que-eu-digo>. Acesso em 7 jul. 2020.
MARQUES, J.R. Os 10 mandamentos da ética profissional no trabalho. Blog do JRM. 15 mar 2018. Acesso
em: < https://www.jrmcoaching.com.br/blog/os-10-mandamentos-da-etica-profissional-no-trabalho/>. Acesso
em 7 jul. 2020.
MOREIRA, J.M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1999. Acesso em:
<https://www.passeidireto.com/arquivo/22842456/a-etica-empresarial-no-brasil-j-m-moreira>. Acesso em 7
jul. 2020.
OLIVEIRA, A.R. Ética profissional. Santa Maria: UFSM, 2012. Disponível em: <
http://estudio01.proj.ufsm.br/cadernos/ifpa/tecnico_metalurgica/etica_profissional.pdf >. Acesso em 7 jul.
2020.
REIS, A.L.T. et al. Ética profissional e empresarial. Revista Conexão Eletrônica, Três Lagoas, vol. 14, nº. 01,
2017. Disponível em < http://revistaconexao.aems.edu.br/wp-content/plugins/download-
attachments/includes/download.php?id=153>. Acesso em 25 mai. 2020.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012.
LENCIONI, Patrick M. Faça o que eu digo. HSM Management, São Paulo, n.36, p.110-114, jan./fev. 2003.
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MADEU, Diógenes. Ética geral e jurídica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 142 p.
MOREIRA, J.M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1999. Acesso em:
<https://www.passeidireto.com/arquivo/22842456/a-etica-empresarial-no-brasil-j-m-moreira>. Acesso em 7
jul. 2020.

25
NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 432 p.
PERELMAN, Chaim. Ética e direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 722 p.
SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e sociedade. 18.ed. Petrópolis: Vozes,
2011. 117 p.
VALLS, Álvaro Luiz Montenegro. O Que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2014. 83 p.

26
UNIDADE II
CAPÍTULO 3 - FINS E OBJETO DA ÉTICA
No término deste capítulo, você deverá saber:

✓ Fins da ação ética


✓ Objeto da Ética e as normas morais
✓ Ética e o Direito
✓ Relação do Direito e Moral

Introdução

Neste capítulo será apresentada a Contabilidade com enfoques improváveis. Isso porque a
sociedade foi direcionada a observá-la a enquanto uma prática das ciências exatas e não da ciência
social, ou seja, é comum as pessoas conhecê-la por apenas números e cálculos matemáticos.

A Ética abrange não só um aspecto normativo, como também versa sobre uma ideia maior,
intimamente ligada à filosofia e à ciência, e posiciona-se como baliza moral do comportamento
humano.

Assim, neste capítulo, você estudará a finalidade da ética, de forma a entender melhor os motivos
que levam essa parte da filosofia a se desenvolver com certa autonomia, colocando-se em conjunto
com a moral, mas desenvolvendo-se com regras próprias.

Em seguida, verá também o objeto da ética, com a delimitação de seu conteúdo de racionalidade,
observando que não há apenas a ética do ponto de vista normativo, mas também um saber ético,
um pensamento sobre a razão ética.

Por fim, estudaremos as relações existentes entre a Ética, o Direito e a Moral, de forma que será
possível verificar como todas essas disciplinas andam lado a lado com uma ligação íntima muito
próxima.

Bons Estudos!

3.1 Fins da ação ética

Toda ação ética é necessária ao bem-estar e intrínseca à condição humana, ou seja, para que o ser
humano alcance seu real potencial, deve ter consciência ética e agir de acordo com a ética, sendo
essa consciência inata da natureza do ser humano. Assim, inicialmente cumpre expor que o ser
humano é ético por natureza, ou seja, desde o seu nascimento e a sua consciência sobre si mesmo,
o ser humano busca a criação dos padrões éticos e reconhecer o que seria ético em seu
procedimento.

A finalidade da ética, em si, é buscar o melhor resultado comportamental, ou seja, dirigir a ação
humana para o melhor resultado, para o melhor fim. O maior problema que é encontrado é a definição

27
do que seria o melhor resultado, que varia de acordo com a corrente filosófica seguida pelo indivíduo
ou por determinado grupo.

Para alguns grupos tem-se, por exemplo, que o melhor, em termos de padrões éticos, é o repúdio
ao pecado, a abstinência, ou até mesmo o prazer desmedido, acima de todas as coisas. Essa
variante pode gerar diferentes posturas que não deixam, em si, de serem éticas, ao passo que
buscam, inicialmente, o melhor resultado para a condição humana.

O que se entende como o chamado resultado ético desejado é justamente a conjugação do melhor
ético individual com o melhor ético do outro, ou seja, apenas através das relações interpessoais, de
alteridade, é possível se obter uma finalidade ética adequada.

É evidente que se compararmos duas correntes diametralmente opostas, sendo uma que prevê a
completa abstinência de prazer como o melhor ético e outra colocando a potencialização do máximo
prazer como esse mesmo fim ético, teríamos uma situação de difícil resolução para averiguar qual
seria a resposta ética adequada.

Contudo, não se pode dizer que uma ou outra está incorreta, já que buscam, em verdade, o melhor
em cada pensamento, não existindo um fim individual correto, mas sempre lembrando que o fim da
ética deve ser o melhor coletivo, o melhor referente à relação entre o eu e o outro. Assim, nada
impede que um indivíduo busque o prazer como o melhor ético e conviva, harmonicamente e de
forma ética, com o outro que busque a abstenção desse mesmo prazer, desde que, em suas posturas
éticas, haja o respeito à finalidade escolhida pelo outro.

Trata-se de uma relação construída a partir da alteridade, que, dentro do convívio humano, imprime
à finalidade ética a necessidade de respeito ao melhor alheio, ou seja, embora a ética parta da
consciência individual, ela encontra seu limite e adequação a partir do convívio interpessoal.

Além disso, a consciência individual ética emana não só da condição inata do ser, como também do
meio em que ele vive, em um juízo ético reverso, que parte do meio (outro) para a influência do eu
(indivíduo). Por isso, é completamente impossível dissociar as ideias de finalidade ética individual da
finalidade ética proveniente da diversidade e do convívio.

Arriscamos dizer que a ética emana do indivíduo e encontra sua régua no convívio com o outro,
perfazendo a ideia de que o ético não é apenas a busca pelo próprio conceito de melhor atitude,
como também da atitude que não viole o melhor ético alheio.

Assim, a ética tem por finalidade alcançar o melhor resultado através da dialética indivíduo-
coletividade, ou eu-outro, de tal sorte que os padrões por ela estabelecidos e buscados levam em
consideração a diversidade sociocultural.

28
Reflita sobre qual seria a sua definição de melhor comportamento ético quanto às posturas relacionas à
discriminação racial.

Não importa qual filosofia ética seguir, o importante é ter em mente que a ética pauta a conduta humana sempre
almejando o melhor resultado.

3.2 Objeto da ética e as normas morais

A ética, ao contrário do que normalmente se imagina, não constitui apenas um conjunto de normas
a serem seguidas, lastreadas na moral social, mas sim algo muito maior.

Vale enfatizar que a normativa ética, como já foi observado no capítulo anterior, é estudada e
construída pela deontologia, que observa, inclusive, as especificidades profissionais, bem como se
baseia, por vezes, em legislação posta.

Contudo, o objeto de estudo da ética é extremamente mais abrangente, não só se referindo às


normas morais, ou padrões de conduta normativamente postos ao ser humano, abrangendo também
a ideia de saber ético. Esse saber ético pode ser imaginado como o estudo lógico e filosófico sobre
a construção da ética, seus valores, padrões e, em um único aspecto, das sanções sociais.

Veja que a ética, assim, tem como objeto o comportamento humano, entendendo não só como ele
deve ser, mas também as origens e as construções que envolvem esse padrão que busca a
finalidade ética descrita no item anterior.

Para tanto, devemos entender que toda normativa ética, com a construção de padrões, normas e
sanções, passou por um desenvolvimento atrelado à história humana de experimentações.

Aqui vale lembrar o que você viu na finalidade da ética, sobremaneira o quanto disposto sobre a
interação dialética do eu e do outro, ou seja, os padrões éticos, surgem a partir da experimentação
humana individual ou social e são, reciprocamente, transferidos para a coletividade ou para o
indivíduo, passando por diversos filtros de aceitação.

Vale mencionar que a ética é intimamente ligada com a moral e edificada sobre movimentos de
consciência sobre o certo e errado, sobre o bom e o mau, de forma que essa consciência varia
historicamente na mente humana.

29
Assim, o objeto da ética e a sua relação com a moral reside justamente no estudo constante dessas
variantes de entendimento sobre os conceitos éticos, ou seja, sobre as constantes mudanças sobre
o entendimento binário de certo e errado, tudo com o fito de encontrar as relações de bom e mau
que todo ser humano busca.

Imagine você que discutimos, em um aspecto alimentar, diferentes culturas, abrangendo aqueles
que, de forma simplista, comem ou não comem proteína animal.

Discute-se a natureza animal como seres sencientes, ou seja, capazes de ter sentimentos, além de
sentirem dor, angústias e outras sensações, que são, de certa forma, desconsideradas quando da
coisificação do animal.

Porém, surgem discussões que podem redundar na formação de um comportamento ético que
reconheça que, existindo substituto não animal para o componente nutritivo deles proveniente, não
seria ético romper com a cadeia de consumo animal, evitando assim o abate de seres sencientes?

Nesse momento inúmeras correntes se formam sobre o pensamento moral e o comportamento ético.
Assim, veja que a moral ainda permite, de forma sedimentada, o consumo animal com tranquilidade,
contudo, os padrões éticos têm sofrido forte abalo pelas correntes que repudiam o consumo animal.

Não há uma questão de certo e errado ainda definida, porém é possível que o padrão atual, que
permite moralmente (ética) o consumo animal, venha a ser modificado para um estado de repúdio a
esse consumo, vendo-o como uma conduta antiética.

Lógico que essa é uma questão atualmente complexa, contudo, veja que em outras questões a
postura elegida como ética pela sociedade é um pouco diversa, como é o caso dos sacrifícios de
animais para fins religiosos, o que, normalmente, é eticamente repudiado pela coletividade em geral.

Mas aqui cabe uma reflexão, buscando a ideia do melhor dentro do fim ético e, nesse ponto, percebe-
se a clareza do objeto de estudo do saber ético.

No embate entre a liberdade religiosa e o cumprimento de práticas religiosas, seria admissível como
adequado o pensamento ético que redunda no repúdio ao sacrifício animal?

Assim, o que se percebe é que o objeto da ética é estudar os padrões morais que emanam do
indivíduo para a sociedade e em sistemática inversa, verificando de forma argumentativa a validade
dos padrões morais estabelecidos como certos e errados, fomentando o melhor resultado da ação
humana.

A ética deve ser considerada não só pelo aspecto individual, mas pela interação do ser ético com o meio em
que vive, consagrando assim o respeito à alteridade.

30
3.3 Ética e o direito

Já se definiu que a ética estuda o comportamento humano e suas interações sociais sempre na
busca do melhor resultado moralmente aceito. Também desse estudo formam-se normativas, que
por vezes sequer são postas, mas que influenciam diretamente o comportamento humano.

Por esse motivo, deve ser considerada a clara interação entre a ética e o Direito, uma vez que aquela
estuda o comportamento humano com aspectos morais normativos, enquanto esta ciência tem sua
concentração nas normativas postas e no sistema jurídico constituído.

É evidente que a Ética e o Direito são diferentes e autônomos, sendo que, por vezes, algumas
normas éticas não encontrarão respaldo no Direito, assim como algumas normas jurídicas podem
ser questionadas sobre seus aspectos éticos. Contudo, é impossível a dissociação completa delas,
uma vez que cabe ao jurista e ao Direito dar amparo à normativa ética, bem como tomar a moral por
base para seu desenvolvimento, uma vez que são afins em sua finalidade de alcançar o melhor do
potencial humano e reprimir transgressões.

Saiba mais sobre a interação entre a Ética e o Direito, acesse: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-


23/etica-e-direito/

3.4 Relação do direito e moral

Tanto o Direito como a Moral encontram sua base de criação independente, embora, em nosso
pensamento, sejam intimamente ligados. Para melhor compreensão, devemos observar a existência
de três correntes de pensamento sobre essa interação.

A primeira corrente esposa a ideologia de que Direito e Moral são completamente independentes e
tutelam pontos de estudo diversos, sendo estabelecidos graficamente como círculos independentes:

Direito Moral

Já a segunda corrente esposa a ideia de que o Direito faz parte da Moral, estando graficamente
representados como círculos concêntricos:

Moral

Direito

31
Por fim, na terceira corrente, a que se entende mais adequada, Direito e Moral gozam de
independência quanto a alguns pontos, porém trabalham em conjunto para alguns assuntos comuns,
sendo graficamente representadas por círculos tangenciados:

Direito Moral

Por fim, vale expor que, na teoria dos círculos independentes, o que é Moral é Moral e o que é
Direito é Direito, ou seja, toda vez que uma normativa de cunho moral passa a integrar o sistema
jurídico ela deixa de ser moral e passa a ser apenas jurídica.

Já a teoria dos círculos concêntricos parte da premissa de que todo o Direito deve ser moral, mas
a Moral é maior, possuindo parte de seu conteúdo alheio ao Direito.

Por fim, a teoria dos círculos tangenciados expõe que a Moral e o Direito possuem matérias
próprias e independentes, contudo, parte do conteúdo Moral é regulado pelo Direito, sem que perca
o conteúdo Moral, e parte do Direito é também regulado pela moral, sem que perca seu conteúdo
jurídico.

Que tal você investigar mais sobre a relação existente entre a Moral e o Direito com olhos críticos sobre a
regulamentação ética profissional?

Considerações Finais

Você viu que a Ética tem por finalidade o melhor comportamento humano, sendo que tem como
objeto de estudo a moral humana, projetada sobre sua razão, bem como as interações humanas
sobre o ambiente.

Assim, a Ética procura estudar e estabelecer o comportamento humano baseado na moral, de forma
a alcançar as definições do melhor procedimento, estabelecendo por vezes normativas de conduta
baseadas no comportamento adequado ao bem do indivíduo e ao bem comum.

A Ética, por sua vez, faz interações com o Direito, visto que ele é capaz de dar a força cogente e
imperativa que se espera de toda normativa, ao passo que o Direito também se relaciona com a base
moral que dá origem à ética.

Como visto, o Direito e a Moral mantêm uma forte relação entre eles, haja vista que, para a teoria
dominante, da qual nos esposamos, observa-se que ambos, embora atuem cada um em sua

32
especificidade, possuem alguns pontos de convergência, permanecendo intimamente ligados entre
si.

O ser humano é ético por natureza.

A finalidade da ética é buscar o melhor resultado comportamental, que é justamente a conjugação do melhor
ético individual com o melhor ético do outro.

Trata-se de uma relação construída a partir da alteridade.

O saber ético pode ser imaginado como o estudo lógico e filosófico sobre a construção da ética, seus valores,
padrões e, em um único aspecto, das sanções sociais.

O objeto da ética reside nas constantes mudanças sobre o entendimento binário de certo e errado, tudo com
o fito de encontrar as relações de bom e mau que todo ser humano busca.

Deve ser considerada a clara interação entre a ética e o Direito, uma vez que aquela estuda o comportamento
humano com aspectos morais normativos, enquanto esta ciência tem sua concentração nas normativas postas
e no sistema jurídico constituído

Tanto o Direito como a Moral encontram sua base de criação independente, embora, em nosso pensamento,
sejam intimamente ligados.

Na teoria dos círculos independentes, o que é Moral é Moral e o que é Direito é Direito.

A teoria dos círculos concêntricos parte da premissa de que todo o Direito deve ser moral, mas a Moral é maior,
possuindo parte de seu conteúdo alheio ao Direito.

A teoria dos círculos tangenciados expõe que a Moral e o Direito possuem matérias próprias e independentes,
contudo, parte do conteúdo Moral é regulado pelo Direito, sem que perca o conteúdo Moral, e parte do Direito
é também regulado pela moral, sem que perca seu conteúdo jurídico.

QUESTÃO: Segundo a natureza do ser humano e a sua relação com a ética, temos que:

A) Os conceitos éticos não fazem parte da natureza humana


B) O ser humano é ético por natureza
C) A ética é imposta exclusivamente pela sociedade
D) A ética apenas serve para culpar as pessoas por maus comportamentos
E) Não há ligação entre a ética e a natureza humana

Resolvendo...

A alternativa correta é a letra B, pois as relações éticas e a consciência ética são inatas, ou seja, inerentes à
condição humana, acompanhando o ser desde o início de sua personalidade.

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Questão Objetiva

QUESTÃO: A teoria dos círculos concêntricos contempla que:

A) Direito e Moral têm um centro comum, sendo que tudo que é Direito é Moral, e tudo que é Moral é
Direito
B) Direito e Moral têm um centro comum, sendo que tudo que é Moral é Direito, mas nem tudo que é
Direito é Moral
C) Direito e Moral têm um centro comum, sendo que tudo que é Direito é Moral, mas nem tudo que é
Moral é Direito
D) O que é Moral é Moral e o que é Direito é Direito
E) A Moral e o Direito possuem matérias próprias e independentes

Questão Discursiva

Aponte qual é a finalidade da ética.

Baliza – diretriz

Inato – desde o nascimento

Repúdio – repulsa

Abstinência – privação

Conjugação – conjunto

Emana – nasce; é proveniente

OBRA: PERELMAN, Chaim. Ética e direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

A obra em comento reporta aos objetivos da ética, promovendo sua interação com o direito e expondo, ainda,
a necessidade de interação entre a ciência jurídica e a ética para estabelecer, de forma clara, aquilo que deflui
do comportamento ético e que retém a guarida jurídica capaz de gerar a força cogente.

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CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012.

LENCIONI, Patrick M. Faça o que eu digo. HSM Management, São Paulo, n.36, p.110-114, jan./fev. 2003.
Disponível em: <https://slidex.tips/download/faa-o-que-eu-digo>. Acesso em 7 jul. 2020.

MADEU, Diógenes. Ética geral e jurídica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 142 p.

MOREIRA, J.M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1999. Acesso em:
<https://www.passeidireto.com/arquivo/22842456/a-etica-empresarial-no-brasil-j-m-moreira>. Acesso em 7 jul.
2020.

NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 432 p.

PERELMAN, Chaim. Ética e direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 722 p.

SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e sociedade. 18.ed. Petrópolis: Vozes,
2011. 117 p.

VALLS, Álvaro Luiz Montenegro. O Que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2014. 83 p.

Questão Objetiva - Resposta correta: C.

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UNIDADE II
CAPÍTULO 4 - LIBERDADE, CONSCIÊNCIA E
RESPONSABILIDADE
No término deste capítulo, você deverá saber:

✓ Atitude natural
✓ Atitude fenomenológica
✓ Indivíduo e Liberdade
✓ Responsabilidade ético-moral

Introdução

As relações éticas são bastante complexas de serem analisadas, isso porque, como vimos no
capítulo anterior, redundam de um enquadramento entre o Eu e o Outro, assim definidos em termos
de indivíduo e coletividade.

Para tanto, é necessário, para o fomento do aprendizado sobre a ética geral e jurídica, o estudo da
Ética Fenomenológica através do modelo criado por Husserl, que estabelece a formação da ética
humana através de um processo de racionalização das suas ações.

Você verá então que o processo ético deflui da racionalização da vontade humana sobre a natureza,
mas, para o processo fenomenológico adequado, é necessário que se parta da racionalização do ser
para sua projeção e entrelaçamento com a natureza e a coletividade.

Neste capítulo, você também verá como é posicionada a responsabilidade ético-moral como parte
integrante do processo ético e do reconhecimento da liberdade moral.

Bons estudos!

4.1 Atitude natural

Investigue sobre o mito do bom selvagem presente na literatura.

Até o presente momento, você já estudou sobre a ética, seu objeto de estudo e ainda como são
formados os agentes morais e a normas morais e a sua interação com o Direito.

Contudo, é necessário também entender como essa interação humana com a ética é desenvolvida,
visto que, como já exposto em outros capítulos, a ética é inata do ser humano e essa relação ocorre

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instantaneamente tão logo o ser assuma consciência sobre si mesmo. Com isso, torna-se
imprescindível reconhecer como se dá esse contato do homem com o meio ético ou com o
conhecimento ético.

Para tanto, questiona-se a existência da chamada atitude natural, que consiste na ação humana
decorrente do contato com o mundo que lhe é entregue de pronto, uma ação impensada,
desenvolvida sem reflexão como resposta aos acontecimentos fáticos.

Aqui, em literatura, é comum que se fale no mito do bom selvagem, reconhecendo aquele que não
foi incluído no seio social como naturalmente bom, posto que destituído de conceitos sociais
formulados pela reflexão sobre a ética e a moral. A ideia é bastante semelhante, embora aqui não
se faça o juízo valorativo sobre o bom e o mau, mas apenas se estude a ação humana em si.

Assim, a atitude natural é aquela exercida pelo ser quando do seu primeiro contato e conhecimento
do mundo, como uma resposta natural e impensada sobre os fatos da vida.

Imagine a situação de que uma criança que, ao observar uma pessoa que a assusta, começa a
chorar, sem pensar que esse choro pode atingir algum trauma ou causar alguma ofensa para o
motivador do medo.

Nesse ponto, verifica-se que a resposta humana natural é desprovida do pensamento, da análise e
da observação crítica filosófica, tratando-se de uma resposta natural ao quanto lhe é exposto do
mundo.

Esse tipo de atitude é muito comum de ser observada em crianças de tenra idade, posto que ainda
não se familiarizaram nem iniciaram o juízo valorativo filosófico, respondendo aos estímulos do
mundo de forma automática e natural. Por esse motivo, é comum que se escute a máxima “criança
é cruel” quando se observa o grupo de iguais em que uma provoca a outra ou então quando, em
conflitos, não medem esforços para repelir agressões.

Trata-se de uma ação natural, proveniente de um mundo que já se encontra formado e é entregue
ao ser pronto para viver. O interessante de se considerar a atitude natural é observar que ela redunda
em uma resposta ética que não emana na consciência do indivíduo, mas sim do que lhe é enviado
pelo elemento exterior de mundo.

Assim, dentro da atitude natural, ainda que em momentos posteriores do desenvolvimento humano,
percebe-se que é um estágio marcado por conceitos pré-estabelecidos, bem como por ações
discriminatórias e de julgamento se formando.

É normal ao indivíduo que permanece vinculado à ação natural apresentar comportamento de


julgamentos dotados de ignorância, ou seja, marcados pela intolerância imotivada ou pela
discriminação não fundamentada, haja visto o desconhecimento da causa em si que levou à ação
discriminatória.

Por esse motivo, é importante frisar que a atitude natural é desprovida do pensamento e da
reflexão crítica sobre a existência humana.

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Reflita sobre a atitude natural e busque exemplos de comportamentos éticos lastreados nessa atitude na sua
vida ou na de seus familiares.

A atitude natural é aquela proveniente da ação humana em resposta aos estímulos da natureza, tratando-se
de um comportamento irrefletido.

4.2 Atitude fenomenológica

Diferentemente do que ocorre com a atitude natural, a atitude fenomenológica é a atitude pensada,
focada no senso crítico e no pensamento filosófico sobre todas as interações do ser para com o
mundo.

Na atitude fenomenológica, diferente do que acontece com a atitude natural, que consiste em uma
resposta impensada aos acontecimentos do mundo, ocorre o pensamento sobre o contexto externo,
sobre a consciência humana e a resposta ética que deve ser exprimida.

Dentro dessa ideia, constrói-se uma resposta voluntária, pensada e refletida sobre os
acontecimentos externos, de tal sorte que o homem deixa de ser uma pequena engrenagem no
processo ético para tomar, em verdade, o seu controle.

Através do pensamento e do estabelecimento de juízos de valores sobre os acontecimentos


mundanos, a reflexão crítica sobre a vontade ética faz com o que o ser humano assuma o controle
da resposta ética, direcionando o mundo à sua vontade.

Observe este pequeno trecho sobre o assunto:

Tal atitude, que provém da própria vontade daquele que se coloca nela, consiste em
uma suspensão de todos os juízos de valor acerca dos fenômenos, de maneira que
reste somente aquilo que se apresenta à consciência como evidência de caráter
essencial e necessário. Portanto, é nesse horizonte de caráter essencial que residirá
o interesse maior da investigação fenomenológica – que procurará resgatar a
dimensão de constituição de sentido dos fenômenos antes irrefletida pela atitude
natural. Em outras palavras, o que Husserl propõe é que deixemos de lado as
determinações mundanas, desprovendo-as de seu uso filosófico, e que nos voltemos
para o horizonte de sentidos dado pelos fenômenos. (WEIDMANN, 2008, p. 135-136)

Para a abordagem fenomenológica da ética, observando a construção do mundo e perfazendo um


juízo crítico sobre todas as coisas, é construída uma ideia de inibição lógica, ou seja, um resgate de

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métodos filosóficos remotos em que o pensador deve se abster de tudo e de qualquer verdade que
lhe foi entregue, partindo da consciência sobre o eu.

Aqui, vale lembrar a máxima de René Descartes, “penso, logo existo”, como ponto de partida para
seu método racional de inibição, com o desprendimento de todas as verdades que lhe são impostas
pelo meio, em resposta a uma atitude natural.

Assim, para a fenomenologia dentro da ética, deve-se imaginar apenas o Eu e a sua consciência
sobre o mundo, interiorizar a consciência sobre o Eu e compreender esse sujeito em primeiro lugar.

Com a consciência voltada para o Eu, individualmente considerado, livre de crenças, alcança-se a
inibição metodológica pretendida pela fenomenologia, proporcionando, assim, uma reconstrução do
pensamento desprovido de qualquer conceito anteriormente estabelecido e irrefletido.

A construção do novo pensamento sobre o mundo, baseado apenas na reflexão do eu, desprovido
de qualquer outro conceito externo e previamente estabelecido, proporciona ao pensador ético a
edificação de valores e posturas desprovidas de preconceitos.

Trata-se de uma metodologia que coloca o homem como centro do pensamento ético, rompendo
com a atitude natural de resposta aos estímulos do mundo, colocando esses estímulos sobre a
análise do pensamento e da manifestação da vontade humana.

A atitude fenomenológica, em suma, traduz o resgate da condição primigênia do Eu, ou seja, a


construção de um Eu completamente puro e livre em seu pensamento e sua vontade, que passa,
então, a fazer a análise crítica do mundo, observando, assim, as construções das interações
humanas e a criação dos juízos éticos.

Observe:

O Eu puro, por ser uma estrutura universal portadora de uma liberdade racionalmente
concebida que aglutina e confere o sentido para toda a objetividade, é perpassado por
um Eu pessoal que o define como liberdade ética A partir disso, definiremos o sujeito
em sua liberdade pelo modo como se posiciona em sua vida prática quando fundada
em justificativas racionais. (WEIDMANN, 2008, p. 137)

Assim, como se vê, a construção fenomenológica resulta em uma consciência completamente livre
sobre a realidade fática e ética, sendo que apenas através da vontade do ser é que as construções
éticas são estabelecidas.

Na atitude fenomenológica, é necessário, em um primeiro momento, se despir de todos os conceitos morais


impostos pela sociedade, bem como de todos os conceitos pré-estabelecidos, para que se reflita sobre o
comportamento humano a partir, apenas, do eu.

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4.3 Indivíduo e liberdade

A partir do ponto em que se encontra o Eu puro ou o Eu baseado na redução fenomenológica,


alcança-se um estado de liberdade do ser focado na maior amplitude de procedimentos.

Essa liberdade de agir encontra seu primeiro aspecto quando considerada em relação à liberdade
de locomoção, de movimentação do próprio corpo, redundando na máxima do “eu posso” enquanto
se leva em consideração os aspectos físicos de contato com o mundo.

O saber ético começa a ser construído a partir das interações cinestésicas do corpo, em sua
liberdade, com o mundo natural, de tal sorte que deflui da plena capacidade de realização dos atos
físicos pelo ser.

Contudo, essa liberdade se desenvolve pelo aspecto do pensamento, enquanto o mesmo goza da
mesma liberdade conferida ao corpo físico, porém projetada ao aspecto psicológico, ou seja, redunda
em uma construção livre da vontade.

Assim, neste momento, cumpre ressaltar a construção existente de liberdade focada no eu. Com o
nascimento da vontade crítica sobre o mundo real, percebe-se a construção de uma liberdade
ilimitada edificada a partir do Eu puro. No exercício dessa liberdade, o Eu começa a edificar alguns
valores éticos, todos baseados na sua vontade livre, implicando em modos de procedimento, bem
como na consciência livre sobre o certo e errado.

Essa manifestação de vontade inicial é totalmente desprovida de influências limitadoras externas e


repercute apenas na percepção do ser e na consciência individual sobre seus próprios limites,
baseados em uma ética puramente individual.

É evidente, como se verá posteriormente, que essa manifestação de liberdade encontrará outros
limitadores externos, porém, na construção da ética fenomenológica, há o nascimento de uma
consciência ética livre e individual.

Assim, pode-se dizer que o próprio indivíduo, em sua plena liberdade, se impõe os limites éticos do
certo e errado, bom e mau, por ato de manifestação de sua vontade, baseando-se na consciência
de seu próprio corpo em movimento.

4.4 Responsabilidade ético-moral

Uma vez construído o indivíduo através do Eu puro e da liberdade de manifestação e de sua


consciência sobre seu corpo e mente, o exercício da vontade começa a ser realizado e, com ele,
começam as construções éticas.

Então, a ética fenomenológica nasce, como visto, através de uma consciência inicialmente individual,
pautada pela liberdade de manifestação do pensamento e dos aspectos cinestésicos do compor
humano.

A partir desse ponto, um novo sujeito é inserido na equação da ética fenomenológica, o Outro, ou
seja, a ética fenomenológica segue para o reconhecimento da existência de outros personagens
além do indivíduo, em uma construção de alteridade.

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Assim, a partir desse momento, passa o Eu a considerar os padrões éticos e as necessidades e
consciência do Outro, ou da sociedade, ou seja, começa a definir os padrões éticos de
comportamento, com a finalidade de definir o certo e o errado, o bom e o mau, a partir da consciência
individual, considerando os aspectos externos e universais.

Trata-se, em verdade, de internalizar nas definições éticas a construção universal externa e


reconhecer os limites do Outro como limites internos. A partir dessa formulação, o procedimento ético
passa a contemporizar não só o melhor para o indivíduo, mas o melhor para o indivíduo e para os
demais.

Essa construção fenomenológica faz surgir a ideia de responsabilidade, ao passo que o indivíduo
passa a assumir a responsabilidade por seus atos, uma vez que, embora sua liberdade continue
plena, o mesmo passa a ter consciência universal sobre a prática dos mesmos, assumindo, assim,
os revezes e as consequências de cada ato praticado.

Considerações Finais

O ser humano nasce como ser ético, porém sem consciência sobre o estado moral das coisas da
natureza, apresentando um comportamento ético natural padrão focado na resposta aos estímulos
da natureza.

A essa resposta ética não pensada dá-se o nome de atitude natural, que se caracteriza como uma
resposta automática aos estímulos do mundo, com o único foco no indivíduo que pratica os atos em
questão, sem considerar os reflexos ou sua consciência sobre o ambiente.

Em uma atitude de pensamento ético, deve, para a fenomenologia, haver a redução inicial do
pensamento para o Eu puro, ou seja, aquele desprovido das interferências do ambiente e da
natureza, em uma livre disposição da consciência individual humana, em manifestação do
autoconhecimento.

A partir dessa redução, torna-se possível a consideração do meio e a projeção das ações éticas,
considerando os impactos das mesmas sobre o meio na relação de alteridade. Assim, nesse
momento, emerge a consciência da alteridade e da adequação moral da liberdade individual com a
limitação imposta pela liberdade do outro.

Com isso, nasce também a consciência da responsabilidade sobre a liberdade adquirida, de tal sorte
que redundará em uma consciência limitadora do proceder humano, com vias ao cumprimento
voluntário das ações éticas criadas pela racionalização humana.

É na ação humana decorrente do contato com o mundo que lhe é entregue de pronto, uma ação impensada,
desenvolvida sem reflexão como resposta aos acontecimentos fáticos.

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A atitude natural é aquela exercida pelo ser quando do seu primeiro contato e conhecimento do mundo, como
uma resposta natural e impensada sobre os fatos da vida.

A resposta humana natural é desprovida do pensamento, respondendo aos estímulos do mundo de forma
automática e natural.

A atitude natural é desprovida do pensamento e da reflexão crítica sobre a existência humana.

Diferentemente do que ocorre com a atitude natural, a atitude fenomenológica é a atitude pensada, focada no
senso crítico e no pensamento filosófico sobre todas as interações do ser para com o mundo.

A reflexão crítica sobre a vontade ética faz com que o ser humano assuma o controle da resposta ética,
direcionando o mundo à sua vontade.

Observando a construção do mundo e perfazendo um juízo crítico sobre todas as coisas, é construída uma
ideia de inibição lógica, ou seja, um resgate de métodos filosóficos remotos em que deve o pensador se abster
de tudo e de qualquer verdade que lhe foi entregue, partindo da consciência sobre o eu.

Com a consciência voltada para o Eu, individualmente considerado, livre de crenças, alcança-se a inibição
metodológica pretendida pela fenomenologia, proporcionando, assim, uma reconstrução do pensamento
desprovido de qualquer conceito anteriormente estabelecido e irrefletido.

Percebe-se a construção de uma liberdade ilimitada edificada a partir do Eu puro.

No exercício dessa liberdade, o Eu começa a edificar alguns valores éticos, todos baseados na sua vontade
livre, implicando em modos de procedimento, bem como na consciência livre sobre o certo e errado.

Passa o Eu a considerar os padrões éticos e as necessidades e consciência do Outro ou da sociedade, ou


seja, começa a definir os padrões éticos de comportamento, com a finalidade de definir o certo e o errado, o
bom e o mau, a partir da consciência individual, considerando os aspectos externos e universais.

Saiba mais sobre a aplicação da fenomenologia na ética:

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812008000200007

QUESTÃO: A liberdade ética toma como ponto de partida:

A) A liberdade de locomoção
B) A liberdade de expressão
C) A liberdade de pensamento
D) A liberdade da prisão
E) A liberdade científica

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Respondendo...

A alternativa correta é a A, uma vez que essa liberdade de agir encontra seu primeiro aspecto quando
considerada em relação à liberdade de locomoção, de movimentação do próprio corpo, redundando na máxima
do “eu posso” enquanto se leva em consideração os aspectos físicos de contato com o mundo.

Questão Objetiva

QUESTÃO: A partir do reconhecimento da liberdade, um novo sujeito é inserido na equação da ética


fenomenológica, o Outro, ou seja, a ética fenomenológica segue para o reconhecimento da existência de outros
personagens além do indivíduo, em uma construção de alteridade, que repercute na consciência de:

A) Estabilidade
B) Responsabilidade
C) Individualidade
D) Desrespeito
E) Probabilidade

Questão Discursiva

Relate o que a reflexão crítica sobre a liberdade gera para a ética humana.

Redundam – são provenientes; decorrentes

Entrelaçamento – ato de juntar-se

Desprovida – esvaziada

Exprimida – exposta

Cinestésicas – relativas a movimento

OBRA: LENCIONI, Patrick M. Faça o que eu digo. HSM Management, São Paulo, n.36, p.110-114, jan./fev.
2003. Disponível em: <https://slidex.tips/download/faa-o-que-eu-digo>. Acesso em 7 jul. 2020.

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CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012.

LENCIONI, Patrick M. Faça o que eu digo. HSM Management, São Paulo, n.36, p.110-114, jan./fev. 2003.
Disponível em: <https://slidex.tips/download/faa-o-que-eu-digo>. Acesso em 7 jul. 2020.

MADEU, Diógenes. Ética geral e jurídica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 142 p.

MOREIRA, J.M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1999. Acesso em:
<https://www.passeidireto.com/arquivo/22842456/a-etica-empresarial-no-brasil-j-m-moreira>. Acesso em 7 jul.
2020.

NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 432 p.

PERELMAN, Chaim. Ética e direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 722 p.

SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e sociedade. 18.ed. Petrópolis: Vozes,
2011. 117 p.

VALLS, Álvaro Luiz Montenegro. O Que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2014. 83 p.

Questão Objetiva - Resposta correta: B.

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UNIDADE III
CAPÍTULO 5 - ÉTICA E A RAZÃO
No término deste capítulo, você deverá saber:

✓ Aspectos gerais sobre a ética de Kant;


✓ Vontade, felicidade e virtude;
✓ Influência do Cristianismo na ética Kantiana;
✓ A ética da razão.

Introdução

Agora você já aprendeu bastante sobre a ética e a estrutura do pensamento humano. Além disso, já
verificou com deve ser feita a redução fenomenológica para fomentar o pensamento ético e implicar
numa maior racionalização do homem sobre os aspectos do meio em que vive.

Também percebemos que a ética é resultado da interação humana com o outro, em uma análise de
respeito racional à esfera individual do semelhante, bem como que a ética tem por finalidade sempre
a busca pelo melhor, ou seja, pela melhor atitude, melhor procedimento, melhor resultado.

Assim, para a melhor racionalização sobre a ética, é importante que observemos os pensamentos
de Immanuel Kant, filósofo alemão que deu enorme contribuição para a racionalização da ética.

Kant estabeleceu, através de premissas do determinismo, que o homem, uma vez que seja produto
do meio em que vive, deve racionalizar seus comportamentos para que, apenas através do puro
exercício de sua razão pública, possa exprimir comportamentos éticos adequados.

Bons estudos!

Kant estabelece, em seu pensamento sobre a ética, o racionalismo, focando o pensamento sobre a razão e
afastando a ética, em sua perfeita expressão, dos anseios humanos decorrentes de suas vontades individuais
e desejos, partindo da premissa de que o ser humano é mau por natureza.

5.1 Aspectos gerais sobre a ética de Kant

Kant estabelece, em suas razões críticas sobre a moral e a ética, que o ser humano é um ser natural,
e, por este motivo, não pode ser considerado bom, haja vista que vive em função de suas próprias
vontades.

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Ainda, Kant estabelece que a ação humana é o meio para que se atinja determinado fim, que é
estabelecido de acordo com a vontade, sendo classificado como objetivo ou subjetivo.

Será objetivo o fim quando decorrente do querer humano, fundado em comandos racionais claros
e diretos.

Será, em contrapartida, subjetivo, quando decorrente do desejar, ou seja, quando for proveniente
da vontade humana carregada de emoções e influências naturais.

Aqui, há de enfatizar que o querer humano e o desejar partem de estruturas completamente


diferentes. Ao passo que aquela se vale exclusivamente da razão, estabelecendo claros comandos
e normas, esta se vale dos sentidos, sentimentos, criando condicionais.

Diante disso, surge, na teoria de Kant, a existência dos imperativos, sendo que, relativo ao desejar,
aparece o chamado imperativo hipotético, baseado em reações condicionais formuladas
hipoteticamente em razão de eventos da natureza como respostas hipotéticas fundamentadas nas
relações do desejar em razão dos estímulos da natureza.

Ao contrário, o imperativo categórico estabelece a relação de universalidade de seu conteúdo


proveniente da razão.

Trata-se de criação de comandos universais, que não variam de acordo com aspectos do desejar,
mas sim resultam de claras formulações do querer humano, provenientes da razão e da autonomia
da vontade humana.

O imperativo categórico assume valor normativo e tem valia universal, ou seja, seu enquadramento
na realidade ética não assume condicionais ou situações hipotéticas variáveis.

Por meio dos imperativos categóricos, Kant estabelece a criação de máximas capazes de orientar a
ética humana, mas não estabelecendo regras de conduta de cunho permissivo ou proibitivo, e sim
fixando modos de procedimentos universais para a orientação do pensamento humano.

Assim, Chauí (2000, p. 170-72) estabelece três máximas segundo Kant:

1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal
da natureza;
2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
outrem, sempre como um fim e nunca como um meio;
3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres
racionais.

E ainda, a autora completa:

O motivo moral da vontade boa é agir por dever. O móvel moral da vontade boa é o
respeito pelo dever, produzido em nós pela razão. Obediência à lei moral, respeito pelo
dever e pelos outros constituem a bondade da vontade ética.

O imperativo categórico não nos diz para sermos honestos, oferecendo-nos a essência
da honestidade; nem para sermos justos, verazes, generosos ou corajosos a partir da
definição da essência da justiça, da verdade, da generosidade ou da coragem. Não

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nos diz para praticarmos esta ou aquela ação determinada, mas nos diz para sermos
éticos cumprindo o dever (as três máximas morais). É este que determina por que uma
ação moral deverá ser sempre honesta, justa, veraz, generosa ou corajosa. Ao agir,
devemos indagar se nossa ação está em conformidade com os fins morais, isto é, com
as máximas do dever.

Como visto, o imperativo categórico de Kant é estabelecido como uma direção, ou um meio, para
que o ser humano tenha sua conduta moral e ética preservada, agindo, pela razão, contra sua
natureza não bondosa natural.

É através da autonomia da vontade, em um pensamento objetivo e formal, pautado pelos imperativos


categóricos, que o homem consegue prescrever para si uma lei moral e cumpri-la, sendo esse
mesmo labor impossível quando não há autonomia, e sim heteronomia moral, que é baseada em um
pensamento subjetivo de desejar, focado em construções não racionais.

Reflita sobre a relação entre o desejar e o querer no procedimento ético humano e verifique como as
condicionais do desejar podem repercutir em respostas éticas impensadas.

5.2 Vontade, felicidade e virtude

A partir da criação das normas morais, que, como visto, decorrem da vontade humana e são
construídos a partir da razão, lastreada no querer humano, torna-se possível alcançar a virtude e a
felicidade.

A virtude resulta do cumprimento e do respeito às normas morais criadas pelo ser humano no
exercício de sua autonomia da vontade em manifestação dos imperativos categóricos.

Assim, surge o respeito à virtude toda vez que o homem não só cria as normas morais, mas também
as segue e respeita, dando-lhes cumprimento.

Em outro lado, a felicidade se apresenta como o cumprimento dos fins humanos, ou seja, a
satisfação dos objetivos estabelecidos, proporcionando ao ser a ideia de sucesso e completude.

Contudo, embora sejam conceitos que se pretende, obviamente, que caminhem juntos, não são,
necessariamente, ligados, ao passo que a satisfação da virtude não redunda, necessariamente, em
felicidade, assim como, ainda, a realização da felicidade não decorre, naturalmente, da existência da
virtude.

Assim, para que seja feliz, uma pessoa, por exemplo, pode praticar atos em contrariedade aos
valores morais que estabeleceu, ou seja, não alcançando a virtude que se propôs, e, ainda sim,
alcançar seus objetivos de felicidade.

47
Em outro lado, é possível que alguém, agindo virtuosamente, nunca consiga alcançar os fins que
traduziriam sua felicidade, de tal sorte que são conceitos não só desvinculados, como também
sequer versam sobre o mesmo momento de realização, pois a virtude está mais ligada ao meio,
enquanto a felicidade se une à finalidade.

Segundo Kant, inclusive, seria impossível conjugar felicidade e virtude no procedimento humano,
uma vez que, ao respeitar a felicidade, ingressa-se em um campo de desejos e, com isso, a ação,
ainda que moral, perde seu aspecto de razão e se afasta da consciência sobre a virtude.

Em uma lógica inversa, toda vez que se age de acordo com a virtude, a felicidade torna-se
condicionada e limitada, uma vez que não se pode ser plenamente feliz dentro da ideia limitadora da
moral.

A esta conjugação impossível, com a plenitude da virtude e da felicidade, Kant atribui o nome de
soberano bem, que seria, então, irrealizável na vida terrena, salvo se o sujeito colocasse como fim
para a felicidade a realização da virtude, resumindo uma no fim da outra.

Diante dessa impossibilidade de se alcançar o soberano bem, Kant se vale das influências do
Cristianismo para fomentar a luta do ser humano no sentido de alcançar essa ideia utópica.

A felicidade é encontrada pelo ser humano quando este alcança seus objetivos, enquanto a virtude redunda
do cumprimento estrito dos deveres éticos. Apenas é possível encontrar a satisfação de ambos se o objetivo
humano foi delineado pela realização da virtude.

5.3 Influência do Cristianismo na ética Kantiana

Como visto, Kant recorre a questões religiosas para proporcionar a satisfação da utopia construída
sobre o soberano bem, partindo de dois pontos-chaves para tanto.

O primeiro deles é a existência de Deus como o ser representativo de tudo, toda a bondade e moral,
toda a felicidade, e o único salvador, sendo ele o caminho para o soberano bem.

O segundo ponto é a crença na imortalidade da alma, o que proporciona o tempo infinito para que o
homem possa alcançar o soberano bem.

Nesse ponto, além desses dois destaques assinalados, pode-se ver que a lógica de Kant se
assemelha a alguns dogmas religiosos, que, embora não sejam imperativos categóricos em si,
assemelham-se muito em termos de conteúdo. Observe:

1. Ama o próximo como a ti mesmo;


2. Faz aos outros aquilo que gostavas que fizessem a ti.

48
Veja que, nessas máximas, não se questiona a similitude de definições, embora, em verdade, só
pode ser considerado imperativo categórico aquilo que deflui exclusivamente da razão.

Contudo, é esta mesma razão que leva Kant a se aproximar do Cristianismo em suas teorias, haja
vista que interpreta a ideia de Deus como uma verdade puramente racional, de tal forma que Ele
representa, em verdade, o máximo bem, a maior bondade, o melhor agir.

Veja que através desse pensamento, Kant coloca a busca por Deus como a razão humana de busca
do melhor, do bem, totalmente baseado na realização das normas morais como meio para que se
alcance a finalidade maior.

Em verdade, o que se percebe é que Kant resgata os pensamentos platônicos relacionados à crença
em algo maior como baliza moral, mas, em outra interpretação diversa, racionaliza o que antes era
relegado à fé abstrata.

Assim, ao racionalizar os dogmas do Cristianismo, Kant consegue estabelecer na fé uma forte


conexão com os imperativos categóricos, fomentando o desenvolvimento de sua teoria e
aproximando-a da crença religiosa, sem desnaturalizar seus ensinamentos sobre a razão.

Para melhor entendimento, Kant coloca Deus como representante do bem maior, do melhor estágio
do bom, e, como ser não pertencente ao mundo físico, não pode ser amado como tal, mas sim, é
colocado como o centro do proceder humano.

Em uma interpretação mais livre, na visão kantiana, deve ser a razão o centro de comando das ações
éticas humanas, e, para tanto, racionalmente, Deus representa a perfeita conjunção entre o virtuoso
e a felicidade plena, sendo que apenas o homem poderia encontrar o soberano bem através da
busca racional pela realização da virtude divina.

Investigue sobre a influência do Cristianismo na construção kantiana sobre a ética.

5.4 A ética da razão

Kant, em sua teoria, estabelecia que o uso público da razão deveria ser livre, como único caminho
válido para a ética e para que o ser humano pudesse moralmente evoluir.

Vale mencionar que o uso público da razão é aquele feito de forma livre e aberta, sem qualquer
vinculação de funções, trabalhos, ou outros motivos que detenham limites temporais ou ideológicos.

No uso público da razão, o homem assume sua autonomia da vontade, sendo o caminho para a
manifestação perfeita do querer humano e da construção dos padrões morais éticos necessários
para a virtude e para a persecução da felicidade.

49
Para Kant, o único caminho para o meio ético e moral é a razão, e apenas com o racionalizar o ser
humano conseguiria conceitualmente evoluir e se desenvolver.

Ainda é feita uma reflexão sobre a manifestação do pensamento racional e o interesse


governamental, no sentido de que apenas pela razão o ser humano pode proporcionar e alcançar
mudanças comportamentais que pretenda, não bastando apenas revoluções para a queda de
regimes ou desenvolvimentos estatais, mas sim a racionalização como meio hábil a provocar a
mudança social.

Segundo sua teoria, vivemos em uma época de esclarecimento, ou seja, os conceitos sobre a moral,
a ética e a humanidade em si ainda não foram desvendadas, só podendo ser desvendados pelo uso
da razão.

A razão é o ponto de partida e o desenvolvimento de toda a teoria kantiana e deve ser observada
como o meio hábil para a criação das normas morais, capazes de influenciar e direcionar o
comportamento humano.

Como visto, a razão é a única forma capaz de criar os imperativos categóricos e segui-los, ao passo
que, caso não seja levada em consideração, cederá o homem à heterogeneidade da vontade e
colocará seus desejos em situações hipotéticas, sendo incapaz de criar normas de conteúdo ético e
moral.

Assim, a ética, segundo Kant, é plena e exclusivamente proveniente da razão humana no exercício
do pensamento sobre a realidade natural.

Considerações Finais

A ética de Kant é bastante complexa, mas merece ser lida e estudada com bastante atenção.

Por meio da criação dos imperativos — hipotético e categórico —, Kant consegue estabelecer que a
postura ética apenas pode ser derivada do imperativo categórico, ou seja, daquele que é proveniente
da razão humana, que se afasta dos elementos subjetivos do desejo humano e se viabiliza pela
autonomia da vontade no querer.

Assim, pela razão humana, podem ser estabelecidas normas de cumprimento voluntário pelo ser,
capazes de direcionar seu comportamento no sentido da virtude, fazendo com que o proceder ético
redunde em um bem-estar que parte do indivíduo para o coletivo.

Além disso, Kant ainda estabelece que a felicidade humana reflete o atingimento dos fins a que se
propõe a ação humana, porém não mantém relação com a virtude em si, sendo virtualmente
impossível alcançar a virtude e a felicidade com a mesma ação, ainda que ética.

Por fim, vale lembrar que o racionalismo de Kant toma por base dogmas do Cristianismo,
racionalizando-se e colocando sobre esses dogmas a carga ética proveniente dos imperativos
categóricos.

50
Kant estabelece, em suas razões críticas sobre a moral e a ética, que o ser humano é um ser natural, e, por
este motivo, não pode ser considerado bom, haja vista que vive em função de suas próprias vontades.

A ação humana é o meio para que se atinja determinado fim, que pode ser classificado como objetivo ou
subjetivo.

• Será objetivo o fim quando decorrente do querer humano, fundado em comandos racionais claros e
diretos;
• Será subjetivo quando decorrente do desejar, ou seja, quando for proveniente da vontade humana
carregada de emoções e influências naturais.

Diante disso, surge a existência dos imperativos:

• Imperativo hipotético: relativo ao desejar surge o chamado;


• Imperativo categórico: estabelece a relação de universalidade de seu conteúdo proveniente da razão.

O imperativo categórico assume valor normativo e tem valia universal, ou seja, seu enquadramento na
realidade ética não assume condicionais ou situações hipotéticas variáveis.

É através da autonomia da vontade, em um pensamento objetivo e formal, pautado pelos imperativos


categóricos que o homem consegue prescrever para si uma lei moral e cumpri-la, sendo esse mesmo labor
impossível quando não há autonomia, e sim heteronomia moral.

A virtude resulta do cumprimento e do respeito às normas morais criadas pelo ser humano no exercício de sua
autonomia da vontade em manifestação dos imperativos categóricos.

A felicidade se apresenta como o cumprimento dos fins humanos, ou seja, a satisfação dos objetivos
estabelecidos, proporcionando ao ser a ideia de sucesso e completude.

A conjugação atribui o nome de soberano bem.

Kant recorre a questões religiosas para proporcionar a satisfação da utopia construída sobre o soberano bem,
partindo de dois pontos-chaves, e interpreta a ideia de Deus como uma verdade puramente racional, de tal
forma que Ele representa, em verdade, o máximo bem, a maior bondade, o melhor agir.

No uso público da razão, o homem assume sua autonomia da vontade, sendo o caminho para a manifestação
perfeita do querer humano e da construção dos padrões morais éticos necessários para a virtude e para a
persecução da felicidade.

A razão é o ponto de partida e o desenvolvimento de toda a teoria kantiana e deve ser observada como o meio
hábil para a criação das normas morais, capazes de influenciar e direcionar o comportamento humano.

51
Saiba mais sobre a visão kantiana da ética. Acesse!

https://www.scielo.br/j/rk/a/KsMDjn7GKWzDc8VkLp9C8Sv/?lang=pt

QUESTÃO: Trata-se de criação de comando universais, que não variam de acordo com aspectos do desejar,
mas sim resulta de claras formulações do querer humano, provenientes da razão e da autonomia da vontade
humana. O trecho se refere ao:

A) Imperativo categórico;
B) Imperativo hipotético;
C) Querer;
D) Soberano bem;
E) Cristianismo.

Resolvendo...

A alternativa correta é a letra A, pois, no imperativo categórico, as máximas são criadas para conduzir, de
forma cogente, a conduta humana.

Questão Objetiva

QUESTÃO: A conjugação entre a virtude e a felicidade redunda no:

A) Imperativo categórico;
B) Imperativo hipotético;
C) Querer;
D) Soberano bem;
E) Cristianismo.

Questão Discursiva

Diferencie as ações éticas em caráter objetivo do subjetivo.

52
Baliza – parâmetro, sentido de direcionamento e limites;

Fomentar – estimular;

Completude – sensação de completo;

Conjugação – união;

Similitude – semelhante;

Desvendadas – descobertas.

OBRA: SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e sociedade. 18.ed. Petrópolis:
Vozes, 2011.

Obra de leitura densa aborda os aspectos sobre o pensamento ético e a relação com a sociedade, colocando
a alteridade como um ponto de comento essencial.

Alia-se às teorias de Kant sobre a ética ao passo que coloca o proceder ético como existente de forma válida
toda vez que é estabelecida a consideração da comunidade como baliza moral.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012.

LENCIONI, Patrick M. Faça o que eu digo. HSM Management, São Paulo, n.36, p.110-114, jan./fev. 2003.
Disponível em: <https://slidex.tips/download/faa-o-que-eu-digo>. Acesso em 7 jul 2020.

MADEU, Diógenes. Ética geral e jurídica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 142 p.

MOREIRA, J.M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1999. Acesso em:
<https://www.passeidireto.com/arquivo/22842456/a-etica-empresarial-no-brasil-j-m-moreira>. Acesso em 7 jul
2020.

NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 432 p.

PERELMAN, Chaim. Ética e direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 722 p.

53
SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e sociedade. 18.ed. Petrópolis: Vozes,
2011. 117p

VALLS, Álvaro Luiz Montenegro. O Que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2014. 83 p.

Questão Objetiva - Resposta correta: D.

54
UNIDADE III
CAPÍTULO 6 - A ÉTICA NO CONTEXTO ÉTINICO-RACIAL E
DIREITOS HUMANOS
No término deste capítulo, você deverá saber:

✓ Breve relato sobre os direitos humanos e a preservação ética;


✓ Respeito à diversidade étnico-racial, ética e direitos humanos;
✓ Ações afirmativas.

Introdução

Ética e direitos humanos são intimamente ligados, não só do ponto de vista da proteção humana,
como também no que concerne às bases que fundamentam ambas as disciplinas.

Evidentemente que delas também decorre a necessidade de respeito à diversidade étnico-racial,


bem como, ainda, a realização de práticas empoderadas daqueles pertencentes aos grupos menos
favorecidos ou discriminados.

Assim, o debate sobre a ética, os direitos humanos e as diferenças étnico-raciais existentes e que
são objeto de discriminação se faz um dos pontos de maior destaque dentro do contexto da ética
contemporânea.

Para tanto, é necessário que você conheça, em um primeiro momento, sobre a disciplina dos Direitos
Humanos para depois iniciar o debate sobre a diversidade e a utilização de ações afirmativas.

Bons estudos!

6.1 Breve relato sobre os direitos humanos e a preservação ética

As noções de direitos humanos e a ética são extremamente ligadas, haja vista que conceitualmente
parte dos mesmos pressupostos de preservação da dignidade de pessoa humana.

Vale lembrar que os direitos humanos são inerentes a qualquer pessoa, bastando a condição
humana para que o sujeito se torne sujeito desses direitos, ou seja, são direitos inatos.

Doutrinariamente observamos a estruturação dos direitos humanos em três dimensões básicas,


embora uma parcela da doutrina ainda acrescente outras dimensões. Contudo, é importante frisar
que a pluralidade de dimensões apenas realça as inúmeras faces dos direitos humanos, visto que
nenhum deles se anula ou se suplanta.

As dimensões, sejam elas quantas forem, apenas dividem por similitude espécies de direitos
humanos que são sempre complementares.

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A primeira dimensão, associada ao ideal de LIBERDADE da Revolução Francesa, resguarda os
direitos e garantias individuais, projetando-se nas relações sujeito-estado, relacionados em nosso
sistema no artigo 5º da Constituição Federal.

A segunda dimensão, por sua vez, associada à ideia de IGUALDADE também da Revolução
Francesa, repercute nos direitos e garantias de cunho social, cultural e econômico, que podem ser
encontrados em vários dispositivos legais, a exemplo dos artigos 6º e 7º, da CF.

Por fim, a terceira dimensão versa sobre os direitos transindividuais, em referência ao ideal e
FRATERNIDADE, reconhecendo os direitos que permeiam a camada do indivíduo e representam
direitos de todo o grupo social ou de toda a humanidade, a exemplo da proteção que se dá ao meio
ambiente.

São inúmeras as características dos direitos humanos expostas na doutrina, sendo em resumo
estampadas por Sampaio (2013, s/p) a seguir:

I) Historicidade – os direitos fundamentais apresentam natureza histórica, advindo do


Cristianismo, superando diversas revoluções até chegarem aos dias atuais;

II) Universalidade – alcançam a todos os seres humanos indistintamente; nesse


sentido, fala-se em “Sistema Global de Proteção de Direitos Humanos”;

III) Inexauribilidade – são inesgotáveis no sentido de que podem ser expandidos,


ampliados e a qualquer tempo podem surgir novos direitos (vide art. 5º, § 2º, CF);

IV) Essencialidade – os direitos humanos são inerentes ao ser humano, tendo por base
os valores supremos do homem e sua dignidade (aspecto material), assumindo
posição normativa de destaque (aspecto formal);

V) Imprescritibilidade – tais direitos não se perdem com o passar do tempo;

VI) Inalienabilidade – não existe possibilidade de transferência, a qualquer título,


desses direitos;

VII) Irrenunciabilidade – deles não pode haver renúncia, pois ninguém pode abrir mão
da própria natureza;

VIII) Inviolabilidade – não podem ser violados por leis infraconstitucionais, nem por atos
administrativos de agente do Poder Público, sob pena de responsabilidade civil, penal
e administrativa;

IX) Efetividade – a Administração Pública deve criar mecanismos coercitivos aptos a


efetivação dos direitos fundamentais;

X) Limitabilidade - os direitos não são absolutos, sofrendo restrições nos momentos


constitucionais de crise (Estado de Sítio) e também frente a interesses ou direitos que,
caso confrontados, sejam mais importantes (princípio da ponderação);

XI) Complementaridade – os direitos fundamentais devem ser observados não


isoladamente, mas de forma conjunta e interativa com as demais normas, princípios e
objetivos estatuídos pelo constituinte;

56
XII) Concorrência – os direitos fundamentais podem ser exercidos de forma
acumulada, quando, por exemplo, um jornalista transmite uma notícia e expõe sua
opinião (liberdade de informação, comunicação e opinião);

XIII) Vedação do retrocesso – os direitos humanos jamais podem ser diminuídos ou


reduzidos no seu aspecto de proteção (o Estado não pode proteger menos do que já
vem protegendo).

Reflita em como as características dos direitos humanos contribuem para o respeito desses direitos tão
importantes para a humanidade.

6.2 Respeito à diversidade étnico-racial, ética e direitos humanos

Os direitos humanos são edificados assim como os padrões éticos, embora ambos defluam da condição
humana, sendo, em regra, inatos.

Os direitos humanos se ligam à ética através da forma de estruturação do pensamento, ao passo


que a garantia da preservação ética redunda como direito humano, intimamente relacionado à
preservação da dignidade humana.

Com isso, nesse ponto, convidamos à reflexão e resgate do conteúdo da fenomenologia, para
entendermos, em conjunto com a razão de Kant, que as diferenças de conteúdo étnico-raciais
existem por uma construção do meio externo, sem uma resposta impensada da atitude natural de
repúdio ao diferente, e de um desejo não racional de dominação.

Para tanto, ao se encontrar o Eu puro e se estabelecer o pensamento ético e racional sobre as


relações humanas, verifica-se a necessidade de reconhecimento da ausência ética sobre práticas
discriminatórias.

Em verdade, o que se vê é a indignificação, pelo preconceito, da condição humana em razão da


diversidade racial, ou seja, uma resposta imoral e irracional à pluralidade biológica do ser humano,
que deve ser visto como espécie única, tal qual, de verdade, é.

Contudo, é fato que a diversidade étnico-racial é ponto de conflitos constantes em razão do


preconceito e da violação de direitos humanos relativos à igualdade. Todavia, é crucial a
racionalização da ética e dos valores morais para que se possa, de forma plena, reestabelecer a
igualdade como deve ser e o respeito pela condição humana.

57
Para tanto, observe o próximo item sobre as ações afirmativas e faça uma análise constante delas
como meio ético para a promoção do adequado respeito à diversidade.

A ética e os direitos humanos encontram íntima ligação, ao passo que apenas é possível o respeito à condição
humana quando se tem um procedimento ético.

6.3 Ações afirmativas

As affirmative actions, ou discriminações positivas, denotam medidas de tratamento isonômico


aplicáveis nos casos concretos em decorrência da existência de desigualdades existentes na nação.

Em verdade, são medidas que visam, através do reconhecimento de discriminações históricas que
geraram a desigualdade social, minimizar e até mesmo extinguir o tratamento desigual, criando
medidas de compensação capazes de fomentar a igualdade.

As medidas de compensação atuam como agentes minimizadores das desigualdades, gerando


melhores oportunidades aos grupos historicamente prejudicados pela discriminação ou preconceito.

Dentre medidas afirmativas, podem ser citadas as normas decorrentes da criação de alguns institutos
jurídicos, por exemplo, a Lei Maria da Penha, que assumiu seu papel de destaque na proteção da
mulher contra a violência doméstica; a criação de programas públicos de acesso à educação ao
estudante carente, como o PROUNI, entre outras.

Porém, em destaque especial, dada a polêmica e a controvérsia sobre o instituto, surge o


estabelecimento, pelo país, da política de reserva de cotas raciais, não só no ensino superior público,
como também a destinação de uma parte das vagas em concursos públicos para os cidadãos negros.

É evidente que a coisificação do negro, quando do período de escravidão, fez com que toda a etnia
fosse estigmatizada por anos e que sofresse os reflexos econômicos e sociais até os presentes dias.

Independentemente de qualquer discussão que possa existir em meios jurídicos ou sociológicos


sobre a adequação da medida desenvolvida no país, é fato que ela é constitucional, assim como
reconhecida largamente pelo Supremo Tribunal Federal.

Não só o ingresso no ensino superior público como também a reserva de vagas em concursos
públicos, já foram objeto de análise pelo STF, resultando no reconhecimento da medida resultante
da reserva de cota racial como medida de manutenção da isonomia material (Vide ADPF 186; e ADC
41).

Ainda, a reserva de vagas em concurso público foi reconhecida pela Lei Federal nº 12.990/2014,
com a previsão de reserva de 20% das vagas para negros.

58
Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos
concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito
da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na
forma desta Lei.

Ainda, como fundamento para a aplicação das cotas raciais, deve ser observado o Estatuto da
Igualdade Racial, consistente na Lei nº 12.288/2010.

Tal legislação define seus objetivos logo em seu artigo 1º:

Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população
negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos
individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de
intolerância étnica.

Também, nesse contexto, é interessante observar a existência de previsão expressa quanto à


isonomia material, com a invocação de toda a população para o dever de tornar efetiva a igualdade
entre todos, reconhecendo-se juridicamente a existência de diferenças raciais (de cunho social e
econômico decorrentes de fatores históricos).

Art. 2º É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades,


reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da
pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas,
econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua
dignidade e seus valores religiosos e culturais.

Art. 3º Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos
direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o
Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas
de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da
identidade nacional brasileira.

Por fim, o Estatuto da Igualdade Racial reconhece e positiva a necessidade de aplicação das
medidas afirmativas, com dois pontos em destaque:

Art. 4º A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade,


na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente,
por meio de:

I - Inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;

II - Adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa;

III - Modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado


enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e
da discriminação étnica;

IV - Promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação


étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais,
institucionais e estruturais;

V - Eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem


a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada;

59
VI - Estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil
direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às
desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios
de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos;

VII - Implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento


das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde,
segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos
públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.

Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas


públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas
discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de
formação social do País.

Observa-se que no inciso V há o reconhecimento dos obstáculos históricos que levam à


discriminação racial, bem como, no inciso VII, há a previsão expressa sobre a necessidade de criação
de ações afirmativas.

Busque saber mais sobre as ações afirmativas, quantas existem, e busque identificar qual é o grupo protegido
e qual o motivo da proteção.

Considerações Finais

O debate ético sobre a diversidade étnico-racial, assim como sobre qualquer outra diversidade, é um
dos pontos de maior comento no estudo da ética nos dias atuais, uma vez que redunda da
necessidade humana de sempre buscar a melhor convivência e o seu melhor potencial.

Aliás, é neste momento que lembramos dos fins da ética, qual seja, o de buscar o melhor, não só o
melhor de si, mas o melhor também para os outros, de uma forma que todos possam ser
contemplados pelo bom procedimento ético e pelo respeito ao próximo.

Para tanto, cabe à ética observar, estudar e racionalizar sobre a aplicação de ações éticas capazes
de não só eliminar as discriminações e preconceitos, fomentando o respeito aos direitos humanos,
como também analisar as melhores possiblidades de medidas sociais adequadas à reparação dos
danos éticos e morais já causados aos discriminados.

Assim, observando a conduta ética, entende-se que, em um primeiro momento, cabe a reflexão
internalizada no sentido de encontrar a consciência moral pautada pela razão e pela criação de
padrões voluntários de conduta capazes de imprimir o melhor dos comportamentos.

Em seguida, torna-se necessário efetivar a adequação desses padrões ao seio social, projetando
essa recém-adquirida mentalidade ética para o mundo, adequando aos anseios dos demais.

60
Assim, o que se pretende ao final é criar uma interação humana desprovida de maus
comportamentos, bem como de condutas reprováveis ou discriminatórias, em suma, buscar o melhor
em termos de conduta e comportamento humano para tornar a humanidade melhor.

Direitos humanos e ética são extremamente ligadas, haja vista que conceitualmente parte dos mesmos
pressupostos de preservação da dignidade de pessoa humana.

Os direitos humanos são inerentes a qualquer pessoa humana, e a estruturação é feita em três dimensões
básicas:

• A primeira dimensão, associada ao ideal de LIBERADE da Revolução Francesa, resguarda os direitos


e garantias individuais, projetando-se nas relações sujeito-estado, relacionados em nosso sistema no
artigo 5º da Constituição Federal;
• A segunda dimensão, por sua vez, associada à ideia de IGUALDADE também da Revolução Francesa,
repercute nos direitos e garantias de cunho social, cultural e econômico, que podem ser encontrados
em vários dispositivos legais, a exemplo dos artigos 6º e 7º, da CF;
• A terceira dimensão versa sobre os direitos transindividuais, em referência ao ideal e FRATERNIDADE,
reconhecendo os direitos que permeiam a camada do indivíduo e representam direitos de todo o grupo
social ou de toda a humanidade, a exemplo da proteção que se dá ao meio ambiente.

As características dos direitos humanos:

• Historicidade;
• Universalidade;
• Inexauribilidade;
• Essencialidade;
• Imprescritibilidade;
• Inalienabilidade;
• Irrenunciabilidade;
• Inviolabilidade;
• Efetividade;
• Limitabilidade;
• Complementaridade;
• Concorrência;
• Vedação do retrocesso.

Direitos humanos se ligam à ética através da forma de estruturação do pensamento, ao passo que a garantia
da preservação ética redunda como direito humano, intimamente relacionado à preservação da dignidade
humana.

É fato que a diversidade étnico-racial é ponto de conflitos constantes em razão do preconceito e da violação
de direitos humanos relativos à igualdade. Para tanto, as affirmative actions, ou discriminações positivas,
denotam medidas de tratamento isonômico aplicáveis nos casos concretos em decorrência da existência de
desigualdades presentes na nação, ou seja, são medidas que visam minimizar e até mesmo extinguir o
tratamento desigual, criando medidas de compensação capazes de fomentar a igualdade.

61
Que tal saber mais sobre o Estatuto da Igualdade Racial? Acesse o link e consulte a íntegra da legislação:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm

QUESTÃO: Assinale a alternativa que não corresponde a uma característica dos direitos humanos.

a) Historicidade;
b) Universalidade;
c) Inexauribilidade;
d) Essencialidade;
e) Prescritibilidade.

Respondendo...

Todas as alternativas correspondem às características, com exceção da alternativa E, que prevê a


prescritibilidade dos direitos humanos, que são, por natureza, imprescritíveis, ou seja, não são apagados com
o decurso de tempo.

Questão Objetiva

QUESTÃO: Em relação aos ideais da Revolução Francesa, assinale a alternativa que corresponde,
respectivamente, a primeira, segunda e terceira dimensão dos Direitos Humanos:

A) Igualdade, liberdade e fraternidade;


B) Fraternidade, igualdade e liberdade;
C) Liberdade, igualdade e fraternidade;
D) Liberdade, fraternidade e igualdade;
E) Igualdade, fraternidade e liberdade.

Questão Discursiva

Cite dois exemplos de ações afirmativas.

62
Realça – destaca;

Suplanta – supera; sobrepõe;

Permeiam – ultrapassam;

Indignificação – tirar a dignidade;

Fomentar – estimular.

OBRA: VALLS, Álvaro Luiz Montenegro. O Que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2014. 83 p.

Na brilhante obra do Professor Álvaro Luiz Montenegro, você encontrará, de forma didática, as construções
das definições gerais de ética, como ela é desenvolvida, bem como poderá observar as relações basilares que
podem ser empregadas neste capítulo da unidade III, sobremaneira quanto à consciência ética em relação à
diversidade.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012.

LENCIONI, Patrick M. Faça o que eu digo. HSM Management, São Paulo, n.36, p.110-114, jan./fev. 2003.
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Questão Objetiva – Resposta correta: C.

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