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CORREIO BRAZILIENSE - BRASIL

  Lei Maria da Penha pune também as mulheres

Criada em 2006 para punir autores de agressões praticadas no ambiente doméstico


contra mulheres, a Lei Maria da Penha tem sido cada vez mais utilizada para
enquadrar o público que, em tese, deveria proteger. No Brasil, pelo menos 19
mulheres já foram para a cadeia por conta da legislação. Levantamento mais
recente do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da
Justiça, registra 11 internas condenadas com base na norma em presídios
femininos espalhados por Acre, Goiás, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Com
dados mais atualizados, o Distrito Federal confirma a passagem de oito mulheres
no presídio da capital em função da Lei Maria da Penha. A aplicação da legislação
contra o público feminino divide a opinião de especialistas.

Para a advogada Rúbia Abs, coordenadora da Themis Assessoria Jurídica e Estudos


de Gênero, até cabe acionar a Lei Maria da Penha se a violência ocorre no
relacionamento entre duas mulheres. Mas ela discorda da aplicação em casos de
mães que agridem os filhos, muito comuns entre as condenadas que já passaram
por presídios, ou que praticaram violência contra homens. "Há outros instrumentos
para serem utilizados. Acaba sendo um desvio do espírito da legislação, de sua
essência e de sua justificação", destaca a advogada. Ela ressalta, porém, que essas
interpretações são corriqueiras no direito. "Não sei se chega a ser um problema",
minimiza.

Com base numa analogia, um juiz de Cuiabá (MT) justificou a aplicação da Lei
Maria da Penha para determinar uma medida protetiva, impedindo uma ex-
namorada de se aproximar do ex-namorado. Nesse caso específico, o promotor
Fausto Rodrigues Lima não vê problemas devido à inexistência de prisão ou
punição. Ele acredita, no entanto, que a utilização da lei de violência doméstica foi
desnecessária. "Apesar do fundamento ter sido na Lei Maria da Penha, creio que
seja mais de fundo constitucional, baseado no direito à intimidade. Caberia até
mesmo um pedido de medida cautelar cível para evitar perturbação da ordem",
afirma o promotor.

Ele destaca que os homens vítimas de lesão corporal praticada pelas companheiras
no lar podem procurar seus direitos. "O que rege a punição, para homens e
mulheres, independentemente do sexo do agressor, é o Código Penal, com pena
prevista de três meses a três anos. A Lei Maria da Penha apenas trouxe as medidas
cautelares, ou seja, urgentes, para tirar a mulher da situação de risco, e também a
obrigatoriedade do processo penal", defende.

Constitucionalidade
Para Rúbia, na medida em que homens têm sido contemplados com a Lei Maria da
Penha, menos riscos corre a norma de ser declarada inconstitucional. Este ano, o
Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar a constitucionalidade da lei. Para
Fausto, essa questão está absolutamente pacífica entre os juristas. "Tenho
confiança de que o Supremo vai confirmar a plena constitucionalidade", afirma o
promotor. Segundo ele, a justificativa da ofensa à igualdade é um falso argumento.
"Na verdade, nunca houve igualdade. E para reverter todo o processo cultural que
coloca a mulher numa posição submissa ainda nos dias de hoje, veio a Lei Maria da
Penha deixar claro que a violência doméstica é crime, e não mais um problema de
âmbito familiar", defende.

Mais palpitante que a discussão no Supremo, na avaliação de Fausto, será a


avaliação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da lei. Este ano, o STJ vai
avaliar um pedido do Ministério Público do Distrito Federal sobre os efeitos da
desistência da vítima no meio do processo. Como muitos juízes de primeira
instância estão incentivando o arquivamento das ações, ao realizar audiências de
conciliação, promotores da capital pediram aos ministros criminais do STJ uma
palavra final. "Defendemos a investigação obrigatória no caso de lesão corporal,
independentemente da vontade da mulher. Caso contrário, continuaremos
devolvendo o problema às vítimas", afirma.

Fausto refuta os argumentos presentes no debate, de que é preciso preservar a


autonomia da vontade. "Aí é que está a grande falha, entender a violência como
uma questão privada, e não pública. Se a mulher quer se reconciliar, tudo bem, é a
vida privada dela. Mas quanto ao crime, é uma questão pública, cabe ao Estado
investigar e punir", reforça. A diretora da Penitenciária Feminina do Distrito Federal,
Deuselita Martins, diz que a passagem das oito internas enquadradas na Lei Maria
da Penha pelo complexo foi breve e em clima de tranquilidade. O fato de
responderem pela legislação de violência doméstica não causou surpresa entre as
demais apenadas, somente um pouco de comoção quando o fato envolvia agressão
contra filhos. Houve também casos de briga entre mulheres, explica.

Vale para todos


Conheça detalhes de dois casos em que mulheres foram enquadradas na Lei Maria
da Penha.
Homem denuncia ex-namorada
Em novembro de 2008, em Cuiabá (MT), um advogado utilizou a Lei nº 11.340
para proteger seu cliente, um homem que sofria ameaças de agressão física de sua
ex-companheira por meio de e-mails e mensagens de celular. O homem alegava ter
prejuízos financeiros e ser vítima de danos morais por conta da acusada. O juiz
Mário de Oliveira determinou medidas de proteção em favor da vítima,
determinando que a mulher não mantivesse qualquer tipo de contato com o ex-
namorado e conservasse a distância mínima de 500 metros do seu local de trabalho
ou residência. Se não cumprisse a determinação, a acusada poderia ser presa. Na
decisão proferida, o juiz enfatizou que homens não devem se envergonhar em
buscar socorro no Poder Judiciário para fazer cessar as agressões da quais vêm
sendo vítimas. É sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se
utilizar de atos também violentos como demonstração de força ou de vingança. E
compete à Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma
solução de conflitos em busca de uma paz social, declarou o juiz.

Mulher ataca ex-companheira


A empregada doméstica A., 36 anos, foi presa em julho de 2008, em Goiânia, com
base na Lei Maria da Penha, ao ser acusada de atear fogo à residência de sua ex-
companheira. A mulher foi presa em flagrante a poucos metros da casa, sentada
em uma calçada. Separadas havia duas semanas, A. teria surpreendido a ex-
companheira deitada na cama com outra mulher. Pelo depoimento da vítima,
quando notou a presença de A. no quarto, viu que a doméstica estava com uma
faca na mão. As duas começaram a discutir. No meio da briga, A. teria jogado uma
televisão no chão, causando o incêndio. Tal versão foi contestada pela acusada.
Segundo ela, foi a dona da casa, sua ex-namorada, que esbarrou na televisão,
causando um curto-circuito. Autuada em flagrante, A. ficou detida na carceragem
da Delegacia da Mulher, mas acabou solta após pagar fiança no valor de R$ 200.

Renata Mariz

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