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Guilherme de Sá Meneghin
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto.
Pós-Graduado em Ciências Criminais pela Universidade Candido Mendes.
1
NUCCI. Leis penais e processuais penais comentadas, p. 1164.
2
Fonte: <http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha>. Acesso em: 19 ago. 2013.
Não se pode olvidar que um dos postulados essenciais para a criação dessa
norma vem da clássica lição aristotélica, reintroduzida pelo célebre Rui Barbosa,
segundo a qual o princípio da isonomia consiste em tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais.
As mulheres, em razão da sua condição de vulnerabilidade, quando cote
jadas com o sexo masculino, precisavam de uma norma de conteúdo penal que
traduzisse o tratamento mais adequado para equilibrar as relações entre os sexos,
pois em outros campos jurídicos essa distinção era mais expressiva.3 Os crimes
que constantemente eram noticiados e apurados pelas autoridades realçaram a
necessidade de uma legislação com esse fim específico.
A Lei nº 11.340, de 2006, tem diversos objetivos, que foram relacionados no
artigo 1º, in verbis:
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência do
méstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros trata
dos internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em
situação de violência doméstica e familiar.
3
Por exemplo, no direito constitucional, a mulher não está sujeita ao serviço militar obrigatório; no
direito trabalhista, a mulher possui licença maternidade, com duração muito superior à licença
paternidade; no direito previdenciário, a mulher se aposenta com menos tempo de contribuição
ou de serviço.
4
Fonte: <http://oglobo.globo.com/pais/cabeleireira-morta-pelo-ex-marido-com-sete-tiros-dentro
-de-salao-de-beleza-em-minas-gerais-3065361>. Acesso em: 19 ago. 2013.
5
NUCCI. Código Penal comentado, p. 1279.
Vale registrar que alguns julgados vêm aplicando à referida conduta — des
cumprir medida protetiva — o crime previsto no artigo 359 do Código Penal, pois
constituiria o descumprimento a uma ordem judicial que teria vedado o exercício
de um direito. Vale citar um acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul:
Sem adentrar nos detalhes da questão, a tipificação mais correta, sem dúvi
da, é a desobediência genérica, prevista no artigo 330 do Código Penal, tese essa
que tem o respaldo da jurisprudência e doutrina majoritárias.
Segundo a lição de Mirabete, dissertando sobre o artigo 359 do Código
Penal, “para que ocorra o delito em estudo é necessário que a decisão desobede
cida tenha transitado em julgado. A execução das penas de interdição de direitos
e os efeitos da condenação só se tornam possíveis depois que a decisão se torna
irrecorrível”.6 Porém, a decisão que defere medidas protetivas tem caráter acau
6
MIRABETE; FABBRINI. Manual de direito penal, p. 447.
Por isso, dizem os defensores da segunda corrente, a norma não poderia so
frer a subsunção da Lei Maria da Penha, autorizando a aplicação das disposições
da Lei nº 9.099, de 1995.
A terceira e mais rigorosa corrente assevera que infringir as medidas proteti
vas caracteriza, igualmente, o crime de desobediência tipificado no Código Penal
e autoriza a decretação da prisão preventiva, desde que presentes os demais re
quisitos legais. Além disso, suscitando sua conjuntura, isto é, cometido no âmbito
da violência doméstica e familiar contra a mulher, atrairia a incidência total da
Lei nº 11.340, de 2006, permitindo a prisão em flagrante e vedando benefícios
penais, já que não seria aplicável a Lei dos Juizados Especiais Criminais, por força
do artigo 41 da Lei Maria da Penha. Essa explicação, sem dúvida, é a que melhor
garante a eficácia e eficiência das medidas protetivas.
O ideal seria que o legislador incluísse na própria lei as consequências do
descumprimento das medidas protetivas, prevendo o rito processual respectivo.
Porém, na omissão, cabe ao aplicador da lei utilizar os mecanismos interpre
tativos para concluir qual das três correntes seria condizente com a Constituição
e com a mens legis.
Dessas três opiniões a que representa o maior risco para a ineficácia da lei
é a primeira, porque, de maneira incongruente, elimina a existência da própria
desobediência, em quaisquer de suas formas.
A primeira corrente é absolutamente inconstitucional, porque enfraquece
a lei, transformando uma grave infração em um indiferente penal. O espírito que
exortou a criação das disposições protetivas foi exatamente de conferir maior
efetividade às suas normas. Afinal, se o descumprimento a qualquer ordem judi
cial configura crime de desobediência, porque justamente a que aplica medidas
protetivas seria subtraída desse efeito? Ora, se o legislador previu outras possibili
dades, como prisão preventiva, isso não pode eliminar automaticamente o crime
de desobediência.
No processo penal há outras situações de cumulatividade de sanções admi
nistrativas e penais. A testemunha que, devidamente intimada, falta à audiência
sem justificativa, está sujeita a penalidades administrativas (multa e condução
coercitiva) e responde pelo crime de desobediência, a teor dos artigos 218 e 219
do Código de Processo Penal. Esse raciocínio pode ser adotado analogicamente
no descumprimento de medidas protetivas.
De acordo com essa orientação, alguns juízes vêm rejeitando denúncias
oferecidas pelo Ministério Público, que imputam aos autores do fato o crime de
desobediência. Essa teoria, portanto, está irradiando negativamente, atalhando o
processamento dos autores do crime, fragilizando a garantia das vítimas e incen
tivando a impunidade.
Os defensores da segunda orientação dizem que crime de desobediência
afeta primordialmente a Administração Pública, por isso não seria possível sus
tentar o artigo 41 da Lei Maria da Penha nessa hipótese. Mas, como foi visto, isso
não resolve integralmente a eficácia preventiva da legislação.
Com efeito, afastadas as duas primeiras, a terceira corrente parece mais ade
quada e amolda-se perfeitamente ao papel desempenhado pela Lei nº 11.340, de
2006.
Decerto, a chave para decidir a querela está no artigo 7º da Lei Maria da
Penha. De acordo com esse dispositivo, a violência doméstica e familiar contra
a mulher pode se dar de variadas formas. Assim, não estabelece, a priori, quais
infrações penais podem ser caracterizadas como violência contra mulher no âm
bito doméstico, elencando apenas os critérios hermenêuticos para sua incidência.
Confira na íntegra:
4 Conclusão
A Lei nº 11.340, de 2006, passou por uma intensa mutação interpretativa nos
tribunais superiores, tornando-se mais eficaz com a recente decisão da Suprema
Corte na ADI nº 4.424, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei,
convertendo as lesões corporais tipificadas no §9º do artigo 129 do Código Penal
em crime de ação penal pública incondicionada.
O surgimento da Lei Maria da Penha no Brasil foi inovador e causou inegável
impacto na mentalidade jurídica nacional, influenciando a promulgação da Lei nº
12.403, de 2011, que inseriu no sistema processual penal as medidas cautelares
diversas da prisão cautelar.
Todavia, a eficácia da norma depende dos efeitos de suas normas preventi
vas, especialmente as medidas protetivas. O exame da eficácia delas, por sua vez,
está amarrada às consequências do descumprimento por parte do agressor.
Referências
GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 5. ed. Niteroi: Impetus, 2011.
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009.
MENEGHIN, Guilherme de Sá. A eficácia das medidas protetivas da Lei nº 11.340, de 2006, em
face do crime de desobediência. JUS, Belo Horizonte, ano 44, n. 28, p. 75-89, jan./jun. 2013.