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Antes de a Lei Maria da Penha entrar em vigor, a violência doméstica e familiar contra a mulher

era tratada como crime de menor potencial ofensivo e enquadrada na Lei n. 9.099/1995. Na prática,
isso significava que a violência de gênero era banalizada e as penas geralmente se reduziam ao
pagamento de cestas básicas ou trabalhos comunitários. Em outras palavras, não havia dispositivo
legal para punir, com mais rigor, o homem autor de violência.

A Lei Maria da Penha (11.340/06) completa 11 anos em agosto. Ela é um marco


histórico na defesa dos direitos das mulheres brasileiras. Segundo a Organização
das Nações Unidas, a Lei é a terceira melhor e mais avançada no mundo em
relação ao enfrentamento a violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Nessa primeira década a legislação tornou-se conhecida. Pesquisas indicam que
98% da população brasileira já ouviu falar na Lei Maria da Penha e 70%
consideram que a mulher sofre mais violência dentro de casa do que em espaços
públicos. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, mais de 212 mil novos
processos registrando casos de violência doméstica e familiar foram abertos em
2016. E mais de 280 mil medidas protetivas foram proferidas para proteger as
mulheres em situação de violência.

Você sabia?
A Lei Maria da Penha é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três mais
avançadas do mundo. Uma das principais inovações trazidas pela lei são as medidas protetivas de
urgência para as vítimas. Além disso, ela prevê a criação de equipamentos indispensáveis à sua
efetividade: Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Casas-abrigo, Centros de
Referência da Mulher e Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
entre outros.

Inovações da lei
Com a LMP, a violência doméstica e familiar contra a mulher passa a ser crime, deixando de ser
tratada como de menor potencial ofensivo. A lei também estabelece a definição do que é a
violência doméstica e familiar, bem como caracteriza as suas formas: física, psicológica,
sexual, patrimonial e moral. Além disso, a Lei n. 11.340/2006 cria mecanismos de proteção às
vítimas, assumindo que a violência de gênero contra a mulher é uma responsabilidade do Estado
brasileiro, e não apenas uma questão familiar.

Para além da dimensão punitiva

É importante que se diga que a Lei Maria da Penha não pode ser tratada apenas como uma via
jurídica para se punir os agressores. Isso porque ela também traz em seu texto o conceito de todos
os tipos de violência doméstica e familiar; insere a criação de políticas públicas de prevenção,
assistência e proteção às vítimas; prevê a instituição de Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; institui as medidas protetivas de urgência; e estabelece a promoção de programas
educacionais com perspectiva de gênero, raça e etnia, entre outras propostas. Todos esses
dispositivos intensificam uma rede integrada de enfrentamento à violência doméstica e familiar
contra a mulher, além de atenderem às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos para o caso Maria da Penha Maia Fernandes. Mais do que uma alteração da legislação
penal, a Lei n. 11.340/2006 representa um importante instrumento legal de proteção aos direitos
humanos das mulheres para uma vida livre de violência.
POR QUE A LEI MARIA DA PENHA
É IMPORTANTE HOJE?

Além de proteger mulheres em situação de violência e salvar vidas, a Lei n. 11.340/2006 pune os

agressores, fortalece a autonomia das mulheres, educa a sociedade e cria meios de assistência e

atendimento humanizado, bem como inclui valores de direitos humanos nas políticas públicas para o

enfrentamento e combate à violência de gênero.

AFINAL, O QUE É UMA MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA?

Trata-se de uma determinação do juiz ou juíza para proteger a mulher em situação de violência

doméstica, familiar ou na relação de afeto, conforme a necessidade da solicitante. As medidas

protetivas podem ser demandadas já no atendimento policial, na delegacia, e ordenadas pelo juiz ou

juíza em até 48 horas, devendo ser emitidas com urgência em casos em que a mulher corre risco de

morte. Assim, conforme o art. 22 da Lei Maria da Penha, o juiz ou juíza poderá determinar:

 A proibição ou restrição do uso de arma por parte do agressor.

 O afastamento do agressor da casa.

 A proibição do agressor de se aproximar da mulher agredida.

 A restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores.

 A obrigatoriedade da prestação de alimentos provisórios.

 A restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor.

 A proibição de venda ou aluguel de imóvel da família sem autorização judicial.

 O depósito de valores correspondentes aos danos causados pelo agressor etc.

Além disso, a Lei n. 13.641/2018 altera dispositivos da Lei n. 11.340/2006, tornando crime o

descumprimento de medidas protetivas de urgência expedidas em razão de violência doméstica.


BAIXAR A LEI MARIA DA PENHA

Resumo da lei

A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art.
226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro (Convenção de Belém do
Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher).

 O Título I determina em quatro artigos a quem a lei é direcionada, ressaltando ainda a


responsabilidade da família, da sociedade e do poder público para que todas as mulheres
possam ter o exercício pleno dos seus direitos.
 IIJá o Título II vem dividido em dois capítulos e três artigos: além de configurar os espaços
em que as agressões são qualificadas como violência doméstica, traz as definições de todas as
suas formas (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral).
 IIIQuanto ao Título III, composto de três capítulos e sete artigos, tem-se a questão da
assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com destaque para as
medidas integradas de prevenção, atendimento pela autoridade policial e assistência social às
vítimas.
 IVO Título IV, por sua vez, possui quatro capítulos e 17 artigos, tratando dos procedimentos
processuais, assistência judiciária, atuação do Ministério Público e, em quatro seções (Capítulo
II), se dedica às medidas protetivas de urgência, que estão entre as disposições mais
inovadoras da Lei n. 11.340/2006.
 VNo Título V e seus quatro artigos, está prevista a criação de Juizados de Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher, podendo estes contar com uma equipe de atendimento
multidisciplinar composta de profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e da
saúde, incluindo-se também destinação de verba orçamentária ao Judiciário para a criação e
manutenção dessa equipe.
 VIO Título VI prevê, em seu único artigo e parágrafo único, uma regra de transição, segundo
a qual as varas criminais têm legitimidade para conhecer e julgar as causas referentes à
violência de gênero enquanto os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
não estiverem estruturados.
 VIIPor fim, encontram-se no Título VII as disposições finais. São 13 artigos que determinam
que a instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher pode ser
integrada a outros equipamentos em âmbito nacional, estadual e municipal, tais como casas-
abrigo, delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde, centros de educação e
reabilitação para os agressores etc. Dispõem ainda sobre a inclusão de estatísticas sobre a
violência doméstica e familiar contra a mulher nas bases de dados dos órgãos oficiais do
Sistema de Justiça e Segurança, além de contemplarem uma previsão orçamentária para o
cumprimento das medidas estabelecidas na lei. Um dos ganhos significativos trazidos pela lei,
conforme consta no art. 41, é a não aplicação da Lei n. 9.099/1995, ou seja, a violência
doméstica praticada contra a mulher deixa de ser considerada como de menor potencial
ofensivo.
TIPOS DE VIOLÊNCIA
Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da
Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III,
IV e V.

Essas formas de agressão são complexas, perversas, não ocorrem isoladas umas das outras e têm
graves consequências para a mulher. Qualquer uma delas constitui ato de violação dos direitos
humanos e deve ser denunciada.
Esvazia-me os olhos e condena-me à escuridão eterna... – que eu, mais do que nunca,
dos limos da alma, me erguerei lúcida, bramindo contra tudo: Basta! Basta! Basta!
Noémia de Sousa, poeta
1.
VIOLÊNCIA FÍSICA

Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.

 ESPANCAMENTO

 ATIRAR OBJETOS, SACUDIR E APERTAR OS BRAÇOS


 ESTRANGULAMENTO OU SUFOCAMENTO

 LESÕES COM OBJETOS CORTANTES OU PERFURANTES

 FERIMENTOS CAUSADOS POR QUEIMADURAS OU ARMAS DE FOGO

 TORTURA

2.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

É considerada qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique
e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões.

 AMEAÇAS

 CONSTRANGIMENTO

 HUMILHAÇÃO

 MANIPULAÇÃO

 ISOLAMENTO (PROIBIR DE ESTUDAR E VIAJAR OU DE FALAR COM AMIGOS E


PARENTES)

 VIGILÂNCIA CONSTANTE

 PERSEGUIÇÃO CONTUMAZ

 INSULTOS

 CHANTAGEM

 EXPLORAÇÃO

 LIMITAÇÃO DO DIREITO DE IR E VIR

 RIDICULARIZAÇÃO

 TIRAR A LIBERDADE DE CRENÇA

 DISTORCER E OMITIR FATOS PARA DEIXAR A MULHER EM DÚVIDA SOBRE A SUA


MEMÓRIA E SANIDADE (GASLIGHTING)

3.
VIOLÊNCIA SEXUAL

Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual
não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.

 ESTUPRO

 OBRIGAR A MULHER A FAZER ATOS SEXUAIS QUE CAUSAM DESCONFORTO OU


REPULSA

 IMPEDIR O USO DE MÉTODOS CONTRACEPTIVOS OU FORÇAR A MULHER A


ABORTAR
 FORÇAR MATRIMÔNIO, GRAVIDEZ OU PROSTITUIÇÃO POR MEIO DE COAÇÃO,
CHANTAGEM, SUBORNO OU MANIPULAÇÃO

 LIMITAR OU ANULAR O EXERCÍCIO DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DA


MULHER

4.
VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de
seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

 CONTROLAR O DINHEIRO

 DEIXAR DE PAGAR PENSÃO ALIMENTÍCIA

 DESTRUIÇÃO DE DOCUMENTOS PESSOAIS

 FURTO, EXTORSÃO OU DANO

 ESTELIONATO

 PRIVAR DE BENS, VALORES OU RECURSOS ECONÔMICOS

 CAUSAR DANOS PROPOSITAIS A OBJETOS DA MULHER OU DOS QUAIS ELA GOSTE

5.
VIOLÊNCIA MORAL

É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

 ACUSAR A MULHER DE TRAIÇÃO

 EMITIR JUÍZOS MORAIS SOBRE A CONDUTA

 FAZER CRÍTICAS MENTIROSAS

 EXPOR A VIDA ÍNTIMA

 REBAIXAR A MULHER POR MEIO DE XINGAMENTOS QUE INCIDEM SOBRE A SUA


ÍNDOLE

 DESVALORIZAR A VÍTIMA PELO SEU MODO DE SE VESTIR

CULTURA DA VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO


Seja na esfera pública ou privada, os abusos contra a mulher ocorrem de muitas formas. Frases
como:
Entre tantas outras, compõem o panorama cultural de uma sociedade patriarcal que legitima,

banaliza, promove e silencia diante da violência contra a mulher.

Mudar essa mentalidade e combater os estereótipos de gênero é uma maneira de


enfrentar e não tolerar mais esse tipo de agressão.

Conhecia também uma violência praticada de forma quase invisível, que éo preconceito contra as
mulheres,desrespeito que abre caminho para atos mais severos e graves contra nós. Apesar de
nossas conquistas, mesmo não tendo as melhores oportunidades, ainda costumam dizer que somos
inferiores, e isso continua a transparecer em comentários públicos, piadas, letras de músicas, filmes
ou peças de publicidade. Dizem que somos más motoristas, que gostamos de ser agredidas, que
devemos nos restringir à cozinha, à cama ou às sombras.
Maria da Penha
Trecho do livro Sobrevivi... posso contar (1994)
MITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

1.

"As mulheres apanham porque gostam ou porque provocam."

Quem é vítima de violência doméstica passa muito tempo tentando evitá-la para assegurar sua
própria proteção e a de seus filhos. As mulheres ficam ao lado dos agressores por medo, vergonha
ou falta de recursos financeiros, sempre esperando que a violência acabe, e nunca para manter a
violência.

2.

"A violência doméstica só acontece em famílias de baixa renda e pouca instrução."

A violência doméstica é um fenômeno que não distingue classe social, raça, etnia, religião,
orientação sexual, idade e grau de escolaridade. Todos os dias, somos impactados por notícias de
mulheres que foram assassinadas por seus companheiros ou ex-parceiros. Na maioria desses casos,
elas já vinham sofrendo diversos tipos de violência há algum tempo, mas a situação só chega ao
conhecimento de outras pessoas quando as agressões crescem a ponto de culminar no feminicídio.

3.

"É fácil identificar o tipo de mulher que apanha."

Não existe um perfil específico de quem sofre violência doméstica. Qualquer mulher, em algum
período de sua vida, pode ser vítima desse tipo de violência.

4.

"A violência doméstica não ocorre com frequência."

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2013 o Brasil já ocupava o 5º lugar,
num ranking de 83 países onde mais se matam mulheres. São 4,8 homicídios por 100 mil mulheres,
em que quase 30% dos crimes ocorrem nos domicílios. Além disso, uma pesquisa do DataSenado
(2013) revelou que 1 em cada 5 brasileiras assumiu que já foi vítima de violência doméstica e
familiar provocada por um homem. Os resultados da Fundação Perseu Abramo, com base em estudo
realizado em 2010, também reforçam esses dados – para se ter uma ideia, a cada 2 minutos 5
mulheres são violentamente agredidas. Outra confirmação da frequência da violência de gênero é
o ciclo que se estabelece e é constantemente repetido: aumento da tensão, ato de violência e lua de
mel. Nessas três fases, a mulher sofre vários tipos de violência (física, moral, psicológica, sexual e
patrimonial), que podem ser praticadas de maneira isolada ou não.

5.

"Para acabar com a violência, basta proteger as vítimas e punir os agressores."


Tanto a proteção das vítimas quanto a punição dos agressores são importantes no combate à
violência. Mas isso não é suficiente, principalmente porque a violência doméstica e familiar contra as
mulheres é um problema estrutural, ou seja, ocorre com frequência em todos os estratos sociais,
obedecendo a uma lógica de agressões que já são mapeadas pelo ciclo da violência. Daí surge a
necessidade também de ações sequenciadas para o enfrentamento da violência de gênero, tais
como inserir essa discussão nos currículos escolares de maneira multidisciplinar; criar políticas
públicas com medidas integradas de prevenção; promover pesquisas para gerar estatísticas e
possibilitar uma sistematização de dados em âmbito nacional; realizar campanhas educativas para a
sociedade em geral (empresas, instituições públicas, órgãos governamentais, ONGs etc.); e difundir a
Lei Maria da Penha e outros instrumentos de proteção dos direitos humanos das mulheres.

6.

"A mulher não pode denunciar a violência doméstica em qualquer delegacia."

A violência doméstica pode, sim, ser denunciada em qualquer delegacia, sem perder de vista,
entretanto, que a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) é o órgão mais
capacitado para realizar ações de prevenção, proteção e investigação dos crimes de violência de
gênero. O acesso à justiça é garantido às mulheres no art. 3º da Lei Maria da Penha.

7.

"Se a situação fosse tão grave, as vítimas abandonariam logo os agressores."

Grande parte dos feminicídios ocorre na fase em que as mulheres estão tentando se separar dos
agressores. Algumas vítimas, após passarem por inúmeros tipos de violência, desenvolvem uma
sensação de isolamento e ficam paralisadas, sentindo-se impotentes para reagir, quebrar o ciclo da
violência e sair dessa situação.

8.

"É melhor continuar na relação, mesmo sofrendo agressões, do que se separar e criar o
filho sem o pai."

Muitas mulheres acreditam que suportar as agressões e continuar no relacionamento é uma forma
de proteger os filhos. No entanto, eles vivenciam e sofrem a violência com a mãe. Isso pode ter
consequências na saúde e no desenvolvimento das crianças, pois elas correm o risco não só de se
tornarem vítimas da violência, mas também de reproduzirem os atos violentos dos agressores.

9.

"Em briga de marido e mulher não se mete a colher./Roupa suja se lava em casa."

A violência sofrida pela mulher é um problema social e público na medida em que impacta a
economia do País e absorve recursos e esforços substanciais tanto do Estado quanto do setor
privado: aposentadorias precoces, pensões por morte, auxílios-doença, afastamentos do trabalho,
consultas médicas, internações etc. De acordo com o § 2º do art. 3º da Lei Maria da Penha, é de
responsabilidade da família, da sociedade e do poder público assegurar às mulheres o exercício dos
“direitos à vida, à segurança, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao
lazer, ao trabalho, à cidadania, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. Além
disso, desde 2012, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a Lei Maria da Penha é passível
de ser aplicada mesmo sem queixa da vítima, o que significa que qualquer pessoa pode fazer a
denúncia contra o agressor, inclusive de forma anônima. Achar que o companheiro da vítima “sabe o
que está fazendo” é ser condescendente e legitimar a violência num contexto cultural machista e
patriarcal. Quando a violência existe em uma relação, ninguém pode se calar.

10.

"Os agressores não sabem controlar suas emoções."

Se isso fosse verdade, eles também agrediriam chefes, colegas de trabalho e outros familiares, e não
somente a esposa, as filhas e os filhos. A violência doméstica não é apenas uma questão de
“administrar” a raiva. Os agressores sabem como se controlar, tanto que não batem no patrão, e sim
na mulher ou nos filhos. Além disso, eles agem dessa maneira porque acreditam que não haverá
consequências pelos seus atos.

11.

"A violência doméstica vem de problemas com o álcool, drogas ou doenças mentais."

Muitos homens agridem as suas mulheres sem que apresentem qualquer um desses fatores.

12.

"A Lei Maria da Penha é inconstitucional."

É comum ver argumentos de que a Lei Maria da Penha fere a Constituição Federal em seu art. 5º,
inciso I, segundo o qual “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta
constituição”. Assim, o problema estaria no fato de que a lei teria tratado a violência doméstica e
familiar pelo viés de gênero, o que, para muitos, seria uma “discriminação” do sexo masculino, pois
marcaria uma diferenciação entre homens e mulheres e infringiria o princípio da isonomia. No
entanto, esse princípio não significa uma igualdade literal, mas prescreve que sejam tratadas
igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Ora, as mulheres enfrentam
desvantagens históricas dentro do contexto machista e patriarcal em que vivemos, as quais vão
desde o trabalho, passando pela participação política e o acesso à educação, até as relações
familiares, entre outras. Dessa forma, a Lei Maria da Penha, longe de privilegiar as mulheres em
detrimento dos homens, tem uma atuação imprescindível para equilibrar as relações e proteger as
mulheres em situação de risco e violência, visando uma igualdade real, e não apenas teórica. Por
fim, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF) também já se posicionou quanto a essa
questão, decidindo pela constitucionalidade da lei.

13.

"A Lei Maria da Penha pode ser aplicada tanto para o homem quanto para a mulher."

A Lei Maria da Penha será aplicada para proteger todas as pessoas que se identificam com o gênero
feminino e que sofram violência em razão desse fato − conforme o parágrafo único do art. 5º da
lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher pode se configurar independentemente de
orientação sexual. Inclusive, alguns tribunais de justiça já aplicam a legislação para mulheres
transexuais. Quanto ao homem, ele será colocado diante da Lei n. 11.340/2006 sempre que for
considerado um agressor. Se ele for vítima, serão aplicados os dispositivos previstos no Código
Penal, e não aqueles presentes na Lei Maria da Penha.

14.

"A Lei Maria da Penha só foi feita para as mulheres se vingarem dos homens."

A Lei Maria da Penha cria mecanismos para enfrentar e combater a violência doméstica e familiar
contra a mulher, ou seja, trata-se de uma lei elaborada para proteger as mulheres, trazendo
inclusive definições claras e precisas sobre a violência de gênero. Todo homem que se tornar um
agressor infringe a lei e viola os direitos humanos das mulheres. Portanto, é preciso fazer o registro
de ocorrência para que a autoridade policial realize os procedimentos necessários tanto para a
proteção da vítima quanto para a investigação dos fatos. Diante disso, em vez de falar em
“vingança”, deve-se falar em “justiça”.

COMO BUSCAR AJUDA

As mulheres devem procurar, em primeiro lugar, um Centro de Referência de Atendimento à


Mulher (CRM) em sua cidade. Lá elas podem buscar orientações para entender melhor a situação
pela qual estão passando, obter informações sobre a Lei Maria da Penha e de como romper o ciclo
da violência. Dessa forma, as mulheres vão se empoderar e decidir o melhor momento de fazer a
denúncia.

Nos locais em que não existe esse equipamento, é possível acionar o Ligue 180, um serviço
disponibilizado pelo Governo Federal, que funciona 24 horas por dia durante todos os dias da
semana. Por meio desse canal, a mulher pode saber onde existe um Centro de Referência de
Atendimento à Mulher ou uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), bem como
conseguir outras informações que precisar. É possível também dirigir-se diretamente a uma DEAM,
sobretudo se a mulher estiver sob ameaça ou sofrendo violência física.

Todos esses passos são muito importantes para quem é vítima da violência de gênero. E quando a
mulher revela as agressões que sofre, ela dá um passo importante para quebrar o ciclo. Essa atitude,
muitas vezes difícil, ajuda a diminuir o seu isolamento e solidão; por isso, deve ser apoiada e
incentivada. O primeiro passo para o acolhimento da mulher em situação de violência é dar crédito
aos seus relatos. Mensagens positivas e palavras de apoio vão dar segurança e melhorar a
autoestima da vítima, podendo ser preciosas para encorajá-la a sair dessa situação: “Você não está
sozinha”, “Eu me preocupo com você e, juntas, vamos buscar a sua segurança e bem-estar”, “Eu
acredito em você”, “A sua vida é importante para nós”, “Nenhuma a menos”, “O que você deseja
fazer? Como posso te ajudar?”.

Com a Lei Maria da Penha, não é preciso mais que as mulheres sofram caladas por anos.

UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA É POSSÍVEL E CERTAMENTE TERÁ UM


NOVO SIGNIFICADO.
CICLO DA VIOLÊNCIA
Saiba identificar as três principais fases do ciclo e entenda como ele funciona.

Apesar de a violência doméstica ter várias faces e especificidades, a psicóloga norte-


americana Lenore Walker identificou que as agressões cometidas em um contexto
conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido.
AUMENTO DA TENSÃO

FASE 1
AUMENTO DA TENSÃO

Nesse primeiro momento, o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando

a ter acessos de raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos.

A mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As
sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas.

Em geral, a vítima tende a negar que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais

pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do

agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode durar dias ou

anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é muito provável que a situação levará à Fase 2.
ATO DE VIOLÊNCIA

FASE 2
ATO DE VIOLÊNCIA

Esta fase corresponde à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao

ato violento. Aqui, toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal, física,

psicológica, moral ou patrimonial.

Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande

em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação. Aqui, ela

sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e

sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor.

Nesse momento, ela também pode tomar decisões − as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar,

esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se. Geralmente,

há um distanciamento do agressor.
ARREPENDIMENTO

FASE 3
ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO

Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor,

que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a

manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras

palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”.
Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as

mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a

demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência

entre vítima e agressor.

Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a

tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.

É PRECISO QUEBRAR ESSE CICLO. E A LEI MARIA DA PENHA ESTÁ AO LADO DAS
MULHERES PARA ISSO.

As mulheres que sofrem violência não falam sobre o problema por um misto de sentimentos:
vergonha, medo, constrangimento. Os agressores, por sua vez, não raro, constroem uma
autoimagem de parceiros perfeitos e bons pais, dificultando a revelação da violência pela mulher. Por
isso, é inaceitável a ideia de que a mulher permanece na relação violenta por gostar de apanhar.
NÃO SE CALE

Quando a vítima silencia diante da violência, o agressor não se sente responsabilizado pelos seus

atos – isso sem contar o fato de que a sociedade, em suas diversas práticas, reforça a cultura

patriarcal e machista, o que dificulta a percepção da mulher de que está vivenciando o ciclo da

violência.

SAIA DO CICLO

Com o tempo, os intervalos entre uma fase e outra ficam menores, e as agressões passam a

acontecer sem obedecer à ordem das fases. Em alguns casos, o ciclo da violência termina com o

feminicídio, que é o assassinato da vítima.

FASE 1
AUMENTO DA TENSÃO

FASE 2
ATO DE VIOLÊNCIA

FASE 3
ARREPENDIMENTO
Ajude outras mulheres a reconhecerem as fases do ciclo da violência.

COMPARTILHE ESTE CICLO

Maria da Penha Maia Fernandes (Fortaleza-CE, 1º de fevereiro de 1945) é farmacêutica bioquímica e

se formou na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará em 1966,

concluindo o seu mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas na Faculdade de Ciências

Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em 1977.


TRAJETÓRIA
O caso Maria da Penha é representativo da violência doméstica à qual milhares de mulheres são

submetidas em todo o Brasil.

A SUA TRAJETÓRIA EM BUSCA DE JUSTIÇA DURANTE 19 ANOS E 6 MESES FAZ DELA UM


SÍMBOLO DE LUTA POR UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIA.

Autora do livro Sobrevivi... posso contar (1994) e fundadora do Instituto Maria da Penha

(2009), ela ainda hoje fala sobre a sua experiência, dá palestras e luta contra a impunidade dessa

violência que é social, cultural, política e ideológica, afetando milhares de mulheres, adolescentes e

meninas em todo o mundo.

O INÍCIO

1974 - 1976

Maria da Penha conheceu Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano, quando estava cursando o

mestrado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em 1974. À época,

ele fazia os seus estudos de pós-graduação em Economia na mesma instituição.

Naquele ano, eles começaram a namorar, e Marco Antonio demonstrava ser muito amável, educado

e solidário com todos à sua volta. O casamento aconteceu em 1976. Após o nascimento da primeira

filha e da finalização do mestrado de Maria da Penha, eles se mudaram para Fortaleza, onde

nasceram as outras duas filhas do casal. Foi a partir desse momento que essa história mudou.
As agressões começaram a acontecer quando ele conseguiu a cidadania brasileira e se estabilizou

profissional e economicamente. Agia sempre com intolerância, exaltava-se com facilidade e tinha

comportamentos explosivos não só com a esposa mas também com as próprias filhas.

O medo constante, a tensão diária e as atitudes violentas tornaram-se cada vez mais frequentes.

FORMOU-SE, ASSIM, O CICLO DA VIOLÊNCIA: AUMENTO DA TENSÃO, ATO DE


VIOLÊNCIA, ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO.

Foi nessa última fase, também conhecida como “lua de mel”, que, na esperança de uma mudança

real por parte do ex-marido, Maria da Penha teve a sua terceira filha.

O CRIME

1983

NO ANO DE 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco

Antonio Heredia Viveros.


Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. Como resultado dessa agressão,

Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras

torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda – constam-se

ainda outras complicações físicas e traumas psicológicos.

No entanto, Marco Antonio declarou à polícia que tudo não havia passado de uma tentativa de

assalto, versão que foi posteriormente desmentida pela perícia. Quatro meses depois, quando

Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ele a manteve

em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.

Juntando as peças de um quebra-cabeça perverso montado pelo agressor, Maria da Penha

compreendeu os diversos movimentos feitos pelo ex-marido: ele insistiu para que a investigação

sobre o suposto assalto não fosse levada adiante, fez com que ela assinasse uma procuração que o

autorizava a agir em seu nome, inventou uma história trágica sobre a perda do automóvel do casal,

tinha várias cópias de documentos autenticados de Maria da Penha e ainda foi descoberta a

existência de uma amante.

Cientes da grave situação, a família e os amigos de Maria da Penha conseguiram dar apoio jurídico

a ela e providenciaram a sua saída de casa sem que isso pudesse configurar abandono de lar; assim,

não haveria o risco de perder a guarda de suas filhas.

A LUTA POR JUSTIÇA

1991 - 1996

A próxima violência que Maria da Penha sofreu, após o crime cometido contra ela, foi por parte do

Poder Judiciário:
O PRIMEIRO JULGAMENTO DE MARCO ANTONIO ACONTECEU SOMENTE EM 1991, OU
SEJA, OITO ANOS APÓS O CRIME. O AGRESSOR FOI SENTENCIADO A 15 ANOS DE
PRISÃO, MAS, DEVIDO A RECURSOS SOLICITADOS PELA DEFESA, SAIU DO FÓRUM EM
LIBERDADE.

Mesmo fragilizada, Maria da Penha continuou a lutar por justiça, e foi nesse momento em que

escreveu o livro Sobrevivi... posso contar (publicado em 1994 e reeditado em 2010) com o relato de

sua história e os andamentos do processo contra Marco Antonio.

O segundo julgamento só foi realizado em 1996, no qual o seu ex-marido foi condenado a 10 anos e

6 meses de prisão. Contudo, sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados

de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida.

1998

O ano de 1998 foi muito importante para o caso, que ganhou uma dimensão internacional. Maria da

Penha, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do

Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) denunciaram o caso para a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).


Mesmo diante de um litígio internacional, o qual trazia uma questão grave de violação de direitos

humanos e deveres protegidos por documentos que o próprio Estado assinou (Convenção Americana

sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica; Declaração Americana dos Direitos e

Deveres do Homem; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher – Convenção de Belém do Pará; Convenção sobre a Eliminação do Todas as Formas de

Discriminação contra a Mulher), o Estado brasileiro permaneceu omisso e não se pronunciou em

nenhum momento durante o processo.

2001

Então, em 2001 e após receber quatro ofícios da CIDH/OEA (1998 a 2001) − silenciando diante das

denúncias −, o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à

violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.

A história de Maria da Penha significava mais do que um caso isolado: era um exemplo do que

acontecia no Brasil sistematicamente sem que os agressores fossem punidos.

FOI ASSIM QUE A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DEU AS


SEGUINTES RECOMENDAÇÕES AO ESTADO BRASILEIRO:
1

Completar, rápida e efetivamente, o processamento penal do responsável da agressão e tentativa de

homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Maia Fernandes.

Proceder a uma investigação séria, imparcial e exaustiva a fim de determinar a responsabilidade

pelas irregularidades e atrasos injustificados que impediram o processamento rápido e efetivo do

responsável, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes.

Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão,

as medidas necessárias para que o Estado assegure à vítima adequada reparação simbólica e

material pelas violações aqui estabelecidas, particularmente por sua falha em oferecer um recurso
rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por impedir com esse

atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação e indenização civil.

Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento

discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão recomenda

particularmente o seguinte:

a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para

que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica.

b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual,

sem afetar os direitos e garantias de devido processo.

c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos

intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais

que gera.

d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-

las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de

violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes

judiciais.

e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da

importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará,

bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares.

COMO SURGIU A LEI

2002
Conforme se verificou, era preciso tratar o caso de Maria da Penha como uma violência contra a

mulher em razão do seu gênero, ou seja, o fato de ser mulher reforça não só o padrão recorrente

desse tipo de violência mas também acentua a impunidade dos agressores.

Diante da falta de medidas legais e ações efetivas, como acesso à justiça, proteção e garantia de

direitos humanos a essas vítimas, em 2002 foi formado um Consórcio de ONGs Feministas para a

elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher:

Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA); Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos

(ADVOCACI); Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE); Cidadania, Estudo,

Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA); Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos

Direitos da Mulher (CLADEM/BR); e Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (THEMIS), além de

feministas e juristas com especialidade no tema.

Após muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da

Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi

aprovado por unanimidade em ambas as Casas.

ASSIM, EM 7 DE AGOSTO DE 2006, O ENTÃO PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


SANCIONOU A LEI N. 11.340, MAIS CONHECIDA COMO LEI MARIA DA PENHA.

Considerando que uma das recomendações da CIDH foi reparar Maria da Penha tanto material

quanto simbolicamente, o Estado do Ceará pagou a ela uma indenização e o Governo Federal batizou

a lei com o seu nome como reconhecimento de sua luta contra as violações dos direitos humanos

das mulheres.

2006
Lei n. 11.340
E DEPOIS DA LEI?

A contribuição de Maria da Penha com essa importante conquista para as mulheres brasileiras tem

lhe proporcionado, no Brasil e no exterior, muitas homenagens:


 Ordem de Rio Branco − 2009

 International Women of Courage Award − 2010

 Orden de Isabel la Católica − 2011

 TEDx Fortaleza − 2012

 Prêmio Direitos Humanos − 2013

 Medalha da Abolição − 2015

 Prêmio Franco-alemão de Direitos Humanos e do Estado de Direito − 2016

 Indicação ao Prêmio Nobel da Paz − 2017

 Grande-Colar do Mérito do Tribunal de Contas da União − 2018

Além do seu reconhecimento nacional e internacional, Maria da Penha conta a sua história de vida e

alerta sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de palestras, seminários e

entrevistas para jornais, revistas e programas de rádio e televisão etc. Ela atua ativamente para

divulgar a Lei n. 11.340/2006 e contribuir para a conscientização dos operadores do Direito, da

classe política e da sociedade de uma maneira geral sobre a importância de sua correta

aplicabilidade, ao mesmo tempo em que esclarece também a questão da acessibilidade para pessoas

com deficiência.

Desde a sua criação, muitos projetos de lei tentaram enfraquecer a Lei Maria da Penha, mas, devido

à ação conjunta de Maria da Penha com movimentos feministas e instituições governamentais, a lei

nunca sofreu retrocessos.


Com a fundação do Instituto Maria da Penha (IMP), uma organização não governamental e sem

fins lucrativos, Maria da Penha segue o seu trabalho de dialogar com diversos setores da sociedade e

promover ações de enfrentamento à violência contra a mulher. Também exerce pressão junto às

autoridades (advocacy) para que haja o total cumprimento da Lei n. 11.340/2006; a uniformidade de

sua aplicação, evitando interpretações pessoais dos operadores do Direito; e a garantia de todos os

direitos reconhecidos nas convenções e declarações assinadas pelo Estado brasileiro.

A LUTA PARA INIBIR, PUNIR E ERRADICAR TODA E QUALQUER VIOLÊNCIA DE GÊNERO


FAZ PARTE DA TRAJETÓRIA DE MARIA DA PENHA.

Desconstruir a cultura machista, promover ações educativas de conscientização e fortalecer a rede

de apoio às vítimas é o único caminho possível para que as mulheres realizem todas as suas

potencialidades e garantam a participação na vida social, a inserção no mercado de trabalho, o

respeito, a dignidade e a justiça.

POR ELA E POR TODAS. POR UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIA.


Dependência econômica

“São vários os fatores que fazem a mulher permanecer ou voltar para o agressor; a
dependência econômica é um dos mais comuns. Mulheres sem profissão e sem rede
de apoio familiar tendem a suportar a violência em razão do próprio sustento e dos
seus filhos. Outro fator é a dependência afetiva e redução da autoestima”, aponta
Hermínia Azoury.

A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos


Direitos das Mulheres (Nevid) do Ministério Público Estadual (MP-ES), Cristiane
Esteves Soares, acrescenta, ainda, que é comum a mulher não perceber a escala de
violência aumentando no relacionamento, o que dificulta o rompimento do ciclo,
“visto que um dos primeiros e mais recorrentes tipos de violência que sofrem é a
psicológica”.

Cultura machista

A juíza Hermínia Azoury relata que já ouviu as mais diversas “justificativas” de


homens que agrediram suas companheiras, como o jantar não preparado, casa não
arrumada, entre outras. Ela acredita que a violência dos homens em relação às suas
companheiras se resume a um sentimento equivocado: a supremacia do poder que o
homem acha que tem sobre a mulher.

“Esse sentimento foi construído ao longo da história, à luz do sistema patriarcal de


dominação, sendo reforçado pelos papéis sociais estereotipados para homens e
mulheres, traduzidos na subserviência destas e domínio daqueles”.

Adriana Müller também aponta o machismo presente no sentimento de


superioridade masculina como razão para atos de violência doméstica, na qual a
mulher é vista como um objeto, sendo desqualificada como pessoa e culpada de toda
e qualquer ação contra ela.

“Por isso insisto na questão da importância de as pessoas passarem a ter vergonha


de suas atitudes machistas – aí sim estaremos no caminho de uma real mudança
social baseada em princípios éticos tais como respeito, justiça e responsabilidade
social”, pondera a psicóloga.
As estratégias de enfrentamento à violência doméstica adotadas pelas instituições
públicas passam justamente pela desconstrução da cultura machista, com ações
voltadas para a conscientização dos agressores, como inserção em grupos de
reflexão sobre o tema, e empoderamento das vítimas, com oferta de serviços de
apoio emocional, informações sobre direitos previstos em lei e capacitação
profissional para garantia da independência econômica.

Cristiane Soares reforça que, mesmo fragilizada, a vítima tem como buscar auxílio
profissional para sair da situação de violência, especialmente, acionando os serviços
da rede pública de atendimento, como os centros de referência de assistência social
(Creas), unidades básicas de saúde, delegacias especializadas, dentre outros
equipamentos.

Leis e projetos

Além do trabalho à frente da Procuradoria da Mulher, a deputada Janete de Sá é


autora de projetos que viraram lei nos últimos dois anos. Duas delas (Leis
11.204/2020 e 11.079/2019) instituem, respectivamente, períodos de discussão sobre
a temática da violência de gênero, como o “Agosto Lilás”, mês de conscientização pelo
fim da violência contra a mulher no Espírito Santo, e a Semana Estadual de
Prevenção e Combate ao Feminicídio.

Outra lei da deputada (Lei 11.147/2019) torna obrigatória a notificação compulsória


de casos de violência em todos os serviços de saúde e em instituições de ensino e de
assistência social, de caráter público, privado ou filantrópico, em todo o território
capixaba.

“Conseguimos transformar em lei também o projeto que proíbe a utilização de


recursos públicos para contratação de profissionais e espetáculos que desvalorizem
ou exponham mulheres a situação de constrangimento, incitem a violência ou
contenham manifestações de homofobia ou discriminação racial”, lembra a
parlamentar, numa referência à Lei 11.046/2019.

De autoria de Janete, tramita na Casa o Projeto de Lei (PL) 339/2019, que garante à
mulher vítima de agressão física devido ao gênero prioridade na oferta de cirurgia
plástica reparadora, no âmbito dos serviços públicos de saúde do Estado.

Autora de três projetos (PLs 287/2019, 819/2019 e 113/2020) em tramitação na


Assembleia que versam sobre violência contra a mulher, a deputada Raquel Lessa
(Pros) comemora as conquistas femininas ao longo do tempo.

“Vimos, nos últimos anos, uma maior mobilização e divulgação desses dados, seja
por meio de campanhas ou lutas de movimentos feministas, para que os casos de
violência sejam denunciados”, afirma Raquel.

Além de políticas públicas adequadas, a deputada Iriny Lopes (PT) defende também o
cumprimento efetivo da legislação. “A Lei Maria da Penha é considerada uma das três
melhores do mundo nessa área. Muitas alterações foram feitas. Algumas benéficas,
mas outras que vulnerabilizam a legislação. De toda forma, mais do que leis,
precisamos que elas sejam cumpridas por todas as instituições responsáveis pela
aplicação”, destaca Iriny.

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