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JÚRI, MÍDIA E CRIMINALIDADE: PROPOSTAS TENDENTES A EVITAR A

INFLUÊNCIA DA MÍDIA SOBRE A SOBERANIA DO VEREDICTO

JÚRI, MÍDIA E CRIMINALIDADE: PROPOSTAS TENDENTES A EVITAR A INFLUÊNCIA DA


MÍDIA SOBRE A SOBERANIA DO VEREDICTO
Revista dos Tribunais | vol. 928/2013 | p. 305 - 342 | Fev / 2013
Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal | vol. 7/2015 | Dez / 2015
DTR\2013\448

André Luiz Gardesani Pereira


Especialista em Direito Constitucional pela Unisul - Universidade do Sul de Santa Catarina. Mestrando em Literatura
Comparada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Procurador do Estado de São Paulo.
 
Área do Direito: Constitucional; Penal; Processual
Resumo: O Júri, uma das principais garantias da segurança individual, encontra-se, cada vez mais, sujeito às
inquietantes campanhas promovidas pela imprensa sensacionalista. O fato de o homem do povo julgar os seus
semelhantes faz, da instituição, a instância de julgamento mais sensível aos clamores populares. Assim, considerando
que os meios de comunicação social têm um papel relevante na formação do pensamento coletivo, pode-se dizer que
o sucesso da acusação ou da defesa em plenário condiciona-se a um conjunto de antecedentes, que constituem a
causa real de um veredicto. A partir do estudo de alguns crimes que tiveram grande repercussão na imprensa e o
abalo emotivo causado pela sua divulgação, constataremos a premente necessidade de adotar soluções tendentes a
harmonizar os direitos dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e a liberdade de imprensa.
 
Palavras-chave:  Tribunal do Júri - Imprensa - Criminalidade - Erro judiciário - Colisão de direitos fundamentais.
Abstract: The Jury, one of the main guarantees of individual security, is increasingly subjected to the disturbing
campaigns promoted by tabloid press. The fact that the man of the people is judging their peers makes the institution,
the most sensitive instance of trial to the popular uproar. Thus, considering that the media plays an important role in
the formation of the collective thinking, one can say that the success of the prosecution or the defense in plenary is
dependent on a set of background, which are the real cause of a verdict. From the study of some crimes, which had
great impact in the press and the emotional shock caused by its dissemination, we can see that there is an urgent
need for adopting solutions to harmonize the rights of the accused by the practice of intentional crimes against life and
the freedom of press.
 
Keywords:  Jury trial - Press - Crime - Judicial error - Collision of fundamental rights.
Sumário:
 
1. INTRODUÇÃO - 2. O JÚRI E AS SUAS LINHAS ESTRUTURAIS - 3. A MÍDIA - 4. CRIMINALIDADE: ORIGEM
CAUSAL DO DELITO E O FASCÍNIO DE SUA NOTÍCIA - 5. REPERTÓRIO DE CASOS CRIMINAIS CÉLEBRES - 6. A
PENETRAÇÃO DA MÍDIA NO MUNDO DA JUSTIÇA CRIMINAL - 7. A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA PELA
MÍDIA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS JULGAMENTOS - 8. AS REPERCUSSÕES DAS CAMPANHAS
PUBLICITÁRIAS NA SOBERANIA DOS VEREDICTOS E O ERRO JUDICIÁRIO - 9. PROPOSTAS DESTINADAS A
EVITAR A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA SOBERANIA DOS VEREDICTOS - 10. CONCLUSÃO - 11. BIBLIOGRAFIA
 
1. INTRODUÇÃO
A mais famosa instituição existente nos anais do universo jurídico é colocada à mercê de frenéticas campanhas
orquestradas pela imprensa sensacionalista. Em meio a distorções, acusações levianas, precipitadas e, não raro,
inverídicas, divulgadas pelos veículos de comunicação de massa, com o escopo de se obter a primazia da publicação
exclusiva, vê-se cada vez mais mitigado o ideal de justiça social a que o Tribunal do Júri, como garantia fundamental
do homem, destina-se.
No Júri é o homem do povo que julga a atuação de seu semelhante, e é, justamente em razão dessa sua peculiar
característica, que os seus veredictos sujeitam-se mais facilmente às influências da opinião pública, a todo tempo
seduzida e estimulada pelas pressões oriundas da mídia, cujo poder de persuasão pode determinar a culpabilidade
ou a inocência da pessoa que será submetida a julgamento. Resta, então, somente o cumprimento de ritos, incapazes
de mudar o que fora previamente estabelecido.
A consciência dos jurados, que deveria ser exercida ante si mesma, passa a ser influenciada por fatores extrínsecos à
causa. Desagrega-se, pois, dos valores de verdade e de justiça, a decisão gerada na sala secreta. Por outro lado, a
questão adquire maior relevo diante da possível profusão de erros judiciários, sobretudo considerando-se que as
decisões do Júri caracterizam-se pela sua soberania.
A temática torna-se ainda mais interessante na medida em que alguns crimes emblemáticos e de grande notoriedade
na mídia estrangeira e nacional são apresentados, tornando o abalo emotivo causado pela imprensa no plano social
ainda mais evidente.
Progride, na mesma proporção, a premente necessidade de se sopesar direitos de igual nobreza constitucional: de
um lado, o direito à presunção de inocência, o contraditório e a ampla defesa, o devido processo legal e a proteção da
honra e da imagem dos acusados; doutro, a livre manifestação do pensamento e a plena liberdade de comunicação
independente de censura.
Assim, sob o prisma da sociologia e da psicologia, é necessário melhor compreender o fascínio que o ser humano
tem por notícias referentes a fatos criminosos. Já sob a vertente jurídica afloram as tão esperadas soluções na ânsia
de se compatibilizar os direitos constitucionais em aparente rota de conflito e, ao mesmo tempo, aprimorar o
funcionamento da instituição do Júri e da imprensa, adequando a atuação desta última aos direitos e garantias
fundamentais previstos na Constituição.
2. O JÚRI E AS SUAS LINHAS ESTRUTURAIS
Tendo sido acusado de corromper a juventude e de renegar os deuses, Sócrates foi conduzido a julgamento perante
os cidadãos atenienses. Em uma das mais célebres passagens do citado julgamento, Sócrates, mantendo uma
atitude firme perante os seus acusadores, pediu que lhe fosse aplicada a penalidade de viver no Prytâneo à custa do
Estado. Entretanto, essa atitude em nada agradou os seus julgadores, resultando numa condenação consistente em
beber cicuta, por 281 votos dos 501 cidadãos que compunham o Conselho de Sentença. A decisão não foi executada
de imediato, pois Sócrates ainda permaneceu durante um mês na prisão até chegar o dia, quando, após ter-se
despedido corajosamente de Xantipa e dos filhos, diante dos amigos que choravam, esvaziou o copo do veneno e
morreu com uma simplicidade verdadeiramente estoica.1
O julgamento do grande parteiro de ideias grego serviu para colocar o Tribunal do Júri na história. É ele uma
instituição secular, cuja origem remonta longínqua data.

De fato, embora não haja unanimidade entre os estudiosos sobre a origem do Tribunal do Júri,2 pode-se dizer que os
seus antecedentes mais remotos se encontram nos judices jurati romanos e nos dikastas gregos, passando-se pelos
centeni comites germânicos; acolheu inovações entre os teutões, os eslavos, os normandos, os dinamarqueses; até
que finalmente adquiriu seus traços definitivos em território britânico, conquistando a sua segunda pátria em terras
norte-americanas. Durante todo esse tempo, o plenário dessa democrática instituição serviu de palco para muitos
julgamentos marcantes, o que fez com que aludido Tribunal ganhasse popularidade, tornando-se, assim, o mais
famoso instituto do ordenamento jurídico processual da maioria dos países.3
Entre nós, o Júri popular é de consolidada tradição na cultura jurídica, merecendo a atenção do legislador pátrio
mesmo antes da nossa primeira Constituição, pois já predominava na legislação do reino imposta pelos colonizadores
portugueses.4 Com o advento da Carta Imperial de 25.03.1824, o Júri ganhou status constitucional, passando a
integrar o Poder Judiciário, com competência para todas as infrações penais e algumas causas cíveis. A Constituição
Republicana (LGL\1988\3) de 1891 manteve o Júri como instituição soberana, elevando-o a nível de garantia
individual. A Constituição de 1934, por seu turno, manteve a instituição do Júri, mas a deixou fora do título atinente às
garantias individuais. Ademais, previu que sua organização fosse feita por lei ordinária. A instituição foi omitida pela
Constituição de 19375 e restabelecida dentre os direitos e garantias constitucionais na Carta Política de 1946. O
mesmo caminho seguiu a Constituição de 1967. Enfim, a atual Constituição prevê o Júri como parte dos direitos e
garantias fundamentais da pessoa humana (art. 5.º, XXXVIII, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Através dele, o cidadão
acusado da prática de algum crime doloso contra a vida6 e os crimes conexos, é julgado por seus próprios pares,
sendo-lhe assegurados a plenitude da defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos. É assim, um
Tribunal popular constituído por um juiz de direito, que é seu Presidente, e 25 jurados,7 sorteados entre cidadãos, dos
quais 7 irão compor o Conselho de Sentença.
Segundo o lapidar conceito de Heráclito Antonio Mossin: “Júri, é a designação dada à instituição jurídica formada
pelos homens de bem, a que se atribui o dever de julgar acerca dos fatos, levados ou trazidos a seu conhecimento”.8
Desprende-se, pois, da definição acima transcrita que o jurado julga o fato e não o direito. Assim, o conselho de
sentença aprecia a matéria fática delitiva, incluindo todos seus elementos, vale dizer, a tipicidade, a antijuridicidade e
a culpabilidade, além da autoria. Ao juiz togado incumbe a aplicação do direito, determinando e aplicando a pena.9
Doutrinariamente, é costume dividir o procedimento de competência do Júri em duas fases. A primeira, denominada
sumário de culpa ou judicium accusationis, desenvolve-se perante o juiz singular e inicia-se com o oferecimento da
denúncia, estendendo-se até a sentença de pronúncia. A segunda, denominada de judicium causae inicia-se com a
intimação do órgão do Ministério Publico ou o querelante, no caso de queixa, e o defensor para apresentarem o rol de
testemunhas que irão depor em plenário10 e se exaure com o julgamento em plenário do Júri, fase em que os jurados
irão examinar o mérito da acusação, condenando ou absolvendo o acusado.11
3. A MÍDIA
Oriunda da língua inglesa - media - a expressão mídia serve para designar o conjunto de meios de comunicação
social. Nas palavras de Alexandre de Moraes “pode-se entender por meio de comunicação como toda e qualquer
forma de desenvolvimento de uma informação, seja através de sons, imagens, impressos, gestos”.12
Em suas origens mais remotas, a transmissão de informações surgiu através de pinturas rupestres, que representam
uma das maiores conquistas do homem primitivo. Acreditava-se que os homens teriam maiores chances de caçar os
grandes animais, se os pintassem nas paredes das cavernas.
Num período posterior da história da humanidade, a escrita através de um sistema de signos, passou a servir para
exprimir graficamente a linguagem. Segundo Darcy de Arruda Miranda, “a imprensa madrugava” com o surgimento do
alfabeto, momento a partir do qual se passou a estabelecer a diferença entre as representações artísticas e as de
feição comunicativa.13
Entre os egípcios, 18 séculos antes do nascimento de Cristo, sob o reinado de Thoutmés III, surgiu o primeiro jornal
oficial de que se tem registro. Contudo, nenhum outro conseguiu tanta difusão na antiguidade como o Actadiurna dos
Romanos, que continha notícias governamentais e era afixado diuturnamente no fórum romano, circulando, também,
através do serviço postal.
A primeira Gazzetta - foghi d’avvisi - surgiu no século XV, na Itália. Tratava-se de um pequeno jornal, escrito a mão,
que circulava como moeda. Publicações dessa natureza, sob a forma de panfletos, tornaram-se comuns em todo o
continente europeu, relatando notícias políticas, crimes ou ocorrências miraculosas.
Entretanto, até o início do século XV, a evolução da transmissão de notícias sempre caminhou a passos bastante
lentos, panorama que se modificou em 1436 com a invenção dos caracteres tipográficos, ao fazer funcionar a primeira
prensa de imprimir. A paternidade de tal feito foi atribuída a João Gensfleisch de Sorgeloch, também conhecido pela
alcunha de Gutenberg.
A partir de então, a imprensa escrita passou a evoluir com impressionante rapidez. Apenas para se ter uma ideia,
entre os anos de 1430 e 1450 surgiu um grande número de oficinas tipográficas na Europa; em 1539 instalou-se no
México a primeira tipografia do mundo ocidental; em 1583, a imprensa floresceu no Peru e, pouco mais tarde, nos
Estados Unidos (1630) e na Argentina (1801). No século XX nasceram as grandes cadeias jornalísticas mundiais na
Inglaterra, França, Alemanha Ocidental e Estados Unidos. Na década de 30, ocorreu a primeira transmissão oficial de
televisão na Alemanha e o rádio, com o uso de ondas curtas, transformou-se em um grande instrumento de
propaganda política, ideológica e comercial. Na década seguinte, começam a ser produzidos filmes especiais para a
televisão.
No Brasil, as primeiras tipografias que surgiram logo foram confiscadas pela Coroa portuguesa. O nosso primeiro
jornal - A Gazeta do Rio de Janeiro - foi criado somente com a vinda da família real, em 10.09.1808. No mesmo ano,
foi fundado em Londres, o Correio Braziliense, vigilante na luta pela independência no Brasil. Darcy de Arruda
Miranda relata que foi com a abolição da censura prévia que a nossa imprensa passou a ter coragem e entusiasmo,
ocasionando o surgimento de inúmeras folhas.14
A linha evolutiva dos meios de comunicação tomou outro rumo, através da luta, dos mais diversos povos, pela
liberdade de informação jornalística contra a censura política e ideológica, adotada pelo Estado como um terrível
instrumento de controle da liberdade de manifestação do pensamento.15
O período sombrio da liberdade de imprensa começou a desaparecer com o Bill of Rights do Estado de Virgínia de
1776, que preconizava que a “liberdade de imprensa é um dos escudos mais poderosos da liberdade e que somente
os governos despóticos podem entravar”. Na França, a célebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789 inseriu a
liberdade de pensamento dentre os mais importantes direitos individuais.16 A Constituição dos Estados Unidos da
América também reconheceu em letras garrafais a liberdade de comunicação e expressão. Vale lembrar, ainda, que
quase todas as nações mundiais são subscritoras da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em
1948, cujo art. 19 vem coroar a liberdade da palavra, estabelecendo que: “todo homem tem direito a liberdade de
opinião e expressão, direito esse que inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões, e de procurar, receber e
transmitir informações e ideias, por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Atualmente, praticamente todos os países do mundo prestigiam em suas Constituições a liberdade de informação e
de manifestação do pensamento.
Nossas Constituições sempre reservaram um lugar para a liberdade de comunicação e de pensamento, sem
dependência de censura, com ressalva feita à Constituição outorgada de 1937 que marcou o período negro da
história jornalística do país, sob os auspícios da censura e do regime ditatorial.
Nossa atual Constituição, seguindo a mesma orientação das que a antecederam, consagrou em seu art. 5.º a livre
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (inc. IV), a liberdade de expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (inc. IX) e, mais adiante, o livre
acesso à informação (inc. XIV). O meio por intermédio do qual o direito de livre manifestação será difundido foi
protegido pelo constituinte no Capítulo V, do Título VIII, referente à Comunicação Social, notadamente através da
norma inserta no art. 220 e seus parágrafos. Com efeito, aí se assegura que a manifestação do pensamento, a
criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerá qualquer restrição,
observado o disposto na Constituição que proíbe: (a) a edição de lei que contenha dispositivo que possa constituir
embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o
disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV; (b) toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística; (c) a
exigência de licença de autoridade para publicação de veículo impresso de comunicação.
No âmbito infraconstitucional prevalecia até recente decisão do STF tomada no bojo da ADPF 130/DF, a Lei 5.250, de
09.02.1967 (Lei de Imprensa), editada durante o regime militar para regulamentar a liberdade de manifestação do
pensamento e de informação. Entendeu a Suprema Corte que o referido Diploma não foi recepcionado pela nova
ordem constitucional, por ser incompatível com o regime democrático e republicano, devendo prevalecer os
comandos constitucionais que garantem o exercício do direito à manifestação do pensamento de forma livre e plena,
sendo que, na hipótese de desrespeito de outros direitos constitucionais, que também densificam a personalidade
humana, tais como a honra e a imagem, incidiria o regime de responsabilidade civil, penal e administrativa, bem como
o direito de resposta previsto na Constituição e na legislação comum, notadamente o Código Civil (LGL\2002\400), o
Código Penal (LGL\1940\2), o Código de Processo Civil (LGL\1973\5) e o Código de Processo Penal (LGL\1941\8).
Enfim, a título de conclusão tópica, vale a pena enfatizar que a imprensa desempenha um papel imprescindível para o
exercício da democracia, pois a sua missão extravasa as fronteiras da mera informação e divulgação dos fatos, indo
muito além, pois também investiga, noticia, denuncia, envereda a consciência da opinião pública no caminho da
verdade e dá voz ativa aos interesses daqueles que sucumbem.
4. CRIMINALIDADE: ORIGEM CAUSAL DO DELITO E O FASCÍNIO DE SUA NOTÍCIA
O crime é a moléstia social de maior complexidade na história da evolução humana. Como bem salienta Edgard
Magalhães Noronha, emérito tratadista das ciências criminais, o crime é a sombra sinistra que acompanha o homem
através dos tempos e que dele nunca se afastou.17 De fato, o germe criminoso fincado na investida de Caim contra
seu irmão Abel prosperou-se entre os indivíduos, como doença infecciosa, passando de uma circunstância isolada a
um fenômeno social moderno. É, pois, uma enfermidade que dificilmente pode ser curada. Tal fato já podia ser
observado por Clóvis Bevilaqua no século XIX:
“A cultura humana, embora vá, todos os dias, se tornando mais intensa e mais extensa, contudo não só tem sido
impotente para expungir da crosta social a macula do crime, como ainda tem muitas vezes luctado em vão para
diminuir-lhe a acção malefica. O crime tambem lucta para viver. Resiste, modifica-se, transforma-se, adapta-se ás
novas condições, se adelgaça ou se contranhe, segundo as necessidades, porém persiste ainda que combatido.”18
Entretanto, uma das indagações mais intrigantes que emergem em tema de criminalidade é a de saber qual a sua
causa provável. Num passado não muito distante, alguns estudiosos que se ocupavam com o estudo do homem
delinquente e a explicação causal do delito, consideravam que espíritos satânicos seriam a mola propulsora de
comportamentos inconvenientes dos loucos e criminosos.19 Outros, reduzindo os criminosos a uma raça à parte do
gênero humano, entendiam que o fator morfológico levaria ao cometimento de crimes.20 Na mesma linha de
pensamento, havia aqueles que consideravam que os seres humanos geneticamente imperfeitos, portadores de um
cromossomo Y a mais em suas células, se tornariam menos inteligente e mais afetos à criminalidade.21 Em sentido
contrário, encontramos teorias que não veem nenhuma vinculação entre caracteres morfológicos ou biológicos dos
seres humanos e a prática de condutas criminosas. As teorias à que se faz menção reconhecem o predomínio do
fator social, no sentido de ser a sociedade “a origem primeira e fundamental das ações criminosas: a sociedade tem
os criminosos que merece”.22
Muitas dessas teses, na atualidade, são rotuladas como exageradas ou mesmo absurdas. No entanto, é bem verdade
que os citados entendimentos abriram passagem para um terreno mais realista e mais consentâneo com a verdade
humana.
Tenha-se presente que estudos recentes apontam numerosas causas que, em conformidade com o lugar de sua
ocorrência, podem desempenhar diferentes pesos: o desemprego, a desestrutura familiar, as drogas, o álcool, a
impunidade e a pressão do crime organizado, para citar apenas alguns desses fatores.
Ultrapassadas essas discussões esgrimidas em teses que mais parecem adaptar-se aos meandros da criminologia,
psiquiatria e sociologia forense, impõe-se observar que tão antigo quanto o aparecimento do crime, é o fascínio que
as notícias a seu respeito despertam no ser humano. E, só para se ter uma ideia, já durante a Idade Média os bardos,
poetas dos povos de raça céltica, percorriam os povoados difundindo seus romances, que, em sua maioria, continham
histórias de assassinato.23
Na visão de Sérgio Salomão Shecaira o mencionado fascínio exercido pelo crime possui duas funções para o ser
humano. Em primeiro lugar diferencia o “homem de bem” do criminoso.24 Em segundo lugar, manifesta a
incompreensibilidade fática naturalmente inerente à pessoa humana.25
Assim, considerando que a violência atrai público, vendendo jornais e elevando os índices de audiência, a maioria das
informações veiculadas pela mídia concentra-se no fenômeno da criminalidade.26
Com o escopo de corroborar a assertiva retro, é importante recordar um brutal acontecimento da história norte
americana, ocorrido em novembro de 1963, quando a comitiva presidencial visitava Dallas, no Texas. Rumando do
aeroporto para o centro da cidade, o carro presidencial foi muito festejado, o povo acenava com muito entusiasmo, e o
presidente correspondia. Quando então se ouviram alguns disparos e a trágica notícia: John Kennedy estava morto.
Menos de sete horas depois do ocorrido, a polícia já revelava o nome do assassíno, Lee Harvey Oswald. Conta Bem
H. Bagdikian, citado por João Féder, que os “fatos que se seguiram ao assassinato do Presidente Kennedy foram
vistos por 96 % de todas as casas americanas”.27 Esta é uma prova incontestável de que são nesses momentos de
tensão que a imprensa alcança altos índices no “ibope”.
Como se pode perceber, há uma grande insistência, por parte da imprensa, em noticiar comportamentos delituosos,
notadamente aqueles que se revestem de maior gravidade, tais como assaltos, latrocínios, sequestros, homicídios e
estupros. Entretanto, mister se faz consignar que devemos conferir maior enfoque àqueles crimes que violam
dolosamente o bem jurídico vida, pois somente estes, juntamente com seus conexos, estão sob o crivo do Tribunal do
Júri. E a melhor forma para assim proceder é o estudo de casos, sobretudo daqueles que tiveram maior notoriedade e
repercussão na mídia.
5. REPERTÓRIO DE CASOS CRIMINAIS CÉLEBRES
A preocupação no presente momento é a de registrar alguns casos marcados pela notoriedade e repercussão na
mídia nacional e internacional, a partir do final da década de 50, momento em que ocorriam as primeiras transmissões
da mídia televisiva e os jornais e o rádio prestavam o seu auxílio para alargar a difusão desses casos criminais.
Bom é destacar, antes de mais nada, a relevante contribuição que a obra Casos criminais célebres do iminente Prof.
René Ariel Dotti nos proporcionou para a viabilização de alguns dos relatos que se seguem. De fato, o citado autor
conseguiu, prodigiosamente, reunir os mais fantásticos crimes, através de artigos publicados na seção “Antiguidade
de Direito Criminal”, insertos na Revista Brasileira de Ciências Criminais.
Inaugura a sequência de casos, um crime ocorrido no ano de 1952, chamado “Crime do Sacopã”. A vítima, o bancário
Afrânio Arsênio de Lemos, foi encontrado morto no interior do automóvel Citroën, abandonado na estrada do Sacopã.
O acusado, 2.º Tenente Aviador, Alberto Jorge Franco Bandeira, integraria um triângulo amoroso: ele e a vítima
mantinham ligações amorosas com a mesma mulher, fato que foi muito difundido pelo rádio e imprensa durante longo
lapso temporal. Também merece destaque a grande especulação feita pela imprensa em torno da autoria do crime.
Outro intrigante episódio delituoso da história nacional, no qual a sociedade viu-se sacudida pela campanha
promovida pela mídia, foi o da colegial Aída Cury. No dia 14.07.1958, a moça teria sido atraída pela lábia do jovem
estudante Ronaldo Guilherme de Souza Castro e conduzida até o terraço do Edifício Rio Nobre. Junto com Ronaldo
estavam o porteiro e um filho menor do síndico. Diante da recusa de Aída em manter relações sexuais com Ronaldo,
teria sido vítima de tentativa de estupro e, após muita luta, em estado de completa exaustão física, praticamente
desfalecida, foi atirada do alto do edifício de 12 andares pelos três agressores, para simular suicídio e ocultar o crime
anterior.
Durante 15 meses entre 1966 e 1967 estendeu-se a trajetória de um dos mais famosos criminosos brasileiros, Acácio
Pereira da Costa que praticou 141 crimes, dentre os quais 4 homicídios. A imprensa brasileira, atribuiu-lhe a alcunha
de “Bandido da Luz Vermelha”, tradução para o português do pseudônimo de Caryl Chessman - The red light bandit -
condenado por um Júri de Los Angeles, em 1948, à câmara de gás, pela prática de estupro e roubo. Satisfeito com a
comparação, Acácio adquiriu uma lâmpada vermelha para sua lanterna e passou a adotar a marca registrada do
mundialmente conhecido Chessman nos seus intentos criminosos.
Nunca a mídia, em lugar nenhum do mundo, noticiou crime reunindo nos papéis de assassino e vítima dois atores
que, na ficção de uma novela, eram namorados e brigavam por ciúmes. No dia 29.12.1993, os meios de comunicação
noticiavam o brutal assassinato da atriz Daniela Perez, colocando o país em estado de choque, comovendo toda a
população. Guilherme de Pádua, ator da TV Globo, e sua mulher, Paula Thomaz, que era movida por um ciúme
doentio, armados de uma tesoura, tiram a vida da atriz com estocadas e fúria. O corpo foi encontrado em um terreno
baldio com quatro perfurações no pescoço, oito no peito e mais quatro que chegam até os pulmões.
Outro crime que ganhou muita repercussão foi o da morte do indígena Pataxó, Hã-Hã-Hãe Galdino Jasus dos Santos,
sobretudo por ter sido cometido por quatro jovens da classe média. O índio encontrava-se em Brasília, à procura do
bem para sua tribo, tratando do andamento das ações judiciais relativas à posse e propriedade das terras onde vivia.
Os acusados passeavam de carro à noite e resolveram fazer uma “brincadeira”, pondo fogo num suposto mendigo
que dormia num banco de um ponto de ônibus. Compraram dois litros de álcool num posto de gasolina e derramaram
o líquido em Galdino, que dormia. Riscaram os palitos de fósforo e o incendiaram. Em seguida, empreenderam fuga.
Em tempos mais recentes, outros dois casos geraram significativa atenção dos veículos midiáticos, quer em razão da
personalidade brutal de seus autores, quer em virtude da proximidade de parentesco deles com as vítimas: o caso
“Suzane von Richthofen” e o caso “Isabella Nardoni”. Nas primeiras horas da tarde de 31.10.2002, Suzane Von
Richthofen colocou em prática o assassinato de seus pais, Manfred e Marisa, em conjunto com os irmãos Daniel e
Christian Cravinhos. Após verificar se os pais estavam dormindo, a jovem desligou o sistema de alarme da
propriedade dos Richthofen e abriu a porta para o namorado Daniel Cravinhos e para o seu irmão Christian
Cravinhos. Os irmãos adentraram o quarto dos pais e, após estrangulá-los com toalhas, golpearam-nos com barras
de ferro até a morte. Após a consumação do crime, os três jovens reviraram a casa, simulando um latrocínio e, com
muita calma de espírito, Suzane e seu namorado Daniel foram a um motel, e Christian, a um restaurante fast-food. No
segundo caso, Isabella Nardoni, uma menina de apenas cinco anos, foi encontrada morta, no dia 29.03.2008, após ter
sido defenestada da janela do sexto andar do edifício London, em São Paulo. O caso ganhou grande repercussão
nacional em virtude das evidências encontradas no local do crime, que apontavam para Alexandre Nardoni e Anna
Carolina Jatobá, respectivamente pai e madrasta da criança, como coautores do crime.
São também merecedores de igual recordação dois tipos de crimes que, ultimamente, vêm trazendo grande
preocupação, quais sejam, os assassinatos em série - serial killers - que se caracterizam por serem realizados
secretamente, com intervalos de meses ou até anos entre um e outro, e o assassinato em massa, em que o homicida
age em público e, movido pela paranoia, tenta fazer o maior número de vítimas.
Citam-se, de passagem, alguns exemplos de responsáveis pelo terror das mortes em série: Chico Picadinho, nos
anos de 1966 e 1976 em São Paulo esquartejou duas mulheres; Charles Manson, no ano de 1969, nos Estados
Unidos, matou 7 pessoas, dentre as quais a atriz Sharon Tate; Henry Lee Lucas, em sua macabra trajetória nos
Estados Unidos (1976-1983), produziu a morte de 140 pessoas; Fortunato Botton Neto, matou 13 homossexuais em
São Paulo entre os anos de 1987 e 1989; Jeffrey Dahmer, americano que no ano de 1991 matou 17 rapazes e
estocou seus órgãos no freezer para devorálos aos poucos; Marcelo de Andrade, estuprou e degolou 14 crianças em
1991, no Rio de Janeiro; Marc Dutrox, de 1989 a 1996, na Bélgica violentou 6 crianças e matou 4; e, recentemente,
Francisco de Assis Pereira, o “maníaco do Parque”, estuprou e estrangulou 9 mulheres, deixando seus corpos em
clareiras de uma das maiores áreas verdes de São Paulo.
No que se refere ao assassinato em massa, temos que a moda dos surtos homicidas, iniciada por veteranos do
Vietnã com trauma de guerra, encontra o seu berço nos Estados Unidos: em abril de 1999, Dylan Klebold, de 17 anos,
e Eric Haris, de 18, armaram-se e massacraram 12 colegas e um professor da escola Columbie, no Colorado; em
Atlanta, Geórgia, Mark Barton, operador do mercado financeiro, esmigalhou a mulher a marteladas e no dia seguinte
assassinou os dois filhos pequenos e fuzilou 9 funcionários em duas corretoras de valores. Estas práticas,
infelizmente, são exportadas para outros países, como a Escócia, onde 16 crianças foram mortas em uma escola em
1996; Austrália, onde 35 turistas foram chacinados no mesmo ano; e Brasil, cuja população horrorizou-se, no início de
novembro de 1999, com a chegada de um tipo de crime até então inédito. Mateus da Costa Meira, um estudante de
medicina marcado por uma personalidade esquizoide, ingressou em uma das salas de cinema de um Shopping em
São Paulo, e descarregou um pente de submetralhadora na plateia, matando três pessoas e ferindo outras cinco.
Muitos desses crimes, divulgados pelos mais diversos meios de comunicação social, quer por envolverem
protagonistas ilustres, quer por causarem sentimento de intensa repulsa na sociedade, contribuíram sobremaneira
para o apogeu do Tribunal do Júri. Com essa constatação, completamos o estudo dos aspectos básicos e gerais
inerentes à instituição do Júri, à mídia, e à criminalidade. Passaremos, doravante, a ver como a mídia penetra no
mundo da Justiça, assim como buscar os tão esperados critérios destinados a conciliar o interesse da liberdade de
imprensa e a serenidade da Justiça Criminal.
6. A PENETRAÇÃO DA MÍDIA NO MUNDO DA JUSTIÇA CRIMINAL
Vimos que o Tribunal do Júri constitui a instância de julgamento mais sensível às aspirações da sociedade. Vimos,
também, que os meios sociais de comunicação têm papel muito importante na formação dos valores da sociedade e
para solidificar a democracia. E, quando esses meios de comunicação transmitem matérias que dizem respeito à
criminalidade, a população sente-se ainda mais atraída, em razão do grande fascínio que notícias do gênero geram
sobre o homem.
Tal fato faz que a mídia se coloque cada vez mais defronte a assuntos pertencentes à Justiça Criminal. Todavia, como
se há de convir, os veículos de comunicação social desconhecem a estrutura e o modus faciendi da atividade
jurisdicional em todos os seus meandros. Ademais, não há controle algum sobre o conteúdo da informação que é
transmitida a respeito de um caso.
Como bem retrata Darcy Arruda Miranda o “jornalista, dentro da redação de um jornal, representa o papel do escultor
que modela, no isolamento de seu atelier, com o buril e o escopro, para edificação da arte e difusão do belo, as mais
perfeitas figuras da estatuária (…). E, do mesmo modo que o escultor pode construir mostrengos, deformando a arte
da estatuária, pode o jornalista deformar a arte de escrever, transformando-a em instrumento de corrupção e de
anticivismo”.28

De fato, é impossível ao jornalista ser testemunha ocular de todos os fatos que descreve,29 além disso, a exigência de
informações rápidas na vida moderna, adicionada à feroz concorrência pelo “furo” jornalístico, leva muitas vezes à
edição de matéria e sua posterior divulgação, sem prévia confirmação.
Essas informações, uma vez difundidas, seduzem e estimulam a sociedade, a qual se posiciona a favor da mídia,
julgando o caso antes mesmo de sua devida apreciação pelo Judiciário. O resultado desse estado de coisas é terrível.
Tome-se este exemplo, de verdadeira referência para o tema, em que, diante de uma situação não comprovada, a
mídia promoveu a execração pública das pessoas envolvidas: um delegado de polícia havia afirmado, com base em
um laudo pericial lacônico e genérico, que os proprietários de uma escola infantil em São Paulo, haviam praticado
atentado violento ao pudor e estupro contra alguns de seus alunos. Ocorre que a boa prudência aconselhava a não
propagação de tal acusação, pois, até o momento, carecia de qualquer respaldo probatório e, como se sabe, no
processo criminal, quando subsistem dúvidas acerca da autoria do e materialidade do crime, torna-se imperativa a
absolvição. Ocorre que a mídia, mal conhecendo certos princípios constitucionais penais garantidores de direitos aos
acusados, publicou a matéria, aplaudindo e incrementando as afirmações precipitadas da autoridade policial.
Conclusão: o prédio da escola foi saqueado e destruído, e seus proprietários tiveram suas vidas devassadas para
sempre. Mais tarde, o inquérito policial que apurava o ocorrido acabou sendo arquivado em razão da inveracidade dos
fatos.
Advirta-se, ainda, que o funcionamento da Justiça Penal vê-se também abalado quando a mídia insiste no noticiário
de crimes criando um estado subjetivo de insegurança através da “síndrome de vitimização”. As pressões populares
não tardam a bater às portas do Legislativo, a exemplo do que ocorreu quando do assassinato da atriz Daniela Perez,
já comentado em linhas pretéritas, que fez os legisladores editarem a Lei 8.930, de 07.09.1994, que incluiu no rol dos
crimes hediondos o homicídio qualificado. Isso gera o que Zacharias Toron chama de “esquizofrenia legislativa”, que
acaba de certo modo por agitar as pilastras do Judiciário.30
Registre-se que a influência da mídia no processo não é apenas um problema pátrio, mas universal, crescente e
avassalador. É o que se nota na obra do criminalista italiano Titta Mazzuca, Anatomia do erro judiciário, onde o citado
autor enfatiza que “um fenômeno que tem se verificado nos últimos trinta anos é a maciça penetração da imprensa e
de outros meios de informação no mundo da Justiça”.31
As relações entre a imprensa e o Poder Judiciário nunca deixaram de ser conturbadas, e é, na geografia do Tribunal
do Júri, que a questão adquire maior relevo, em razão das controvérsias geradas em torno de temas que o envolvem,
tais como, a composição do Conselho de Sentença, o procedimento do julgamento e a própria justiça de absolvição e
condenação dos réus. Mas, nenhum desses equipara-se à sua competência para julgar crimes capazes de causar
profunda repercussão na mídia.
Com efeito, os crimes julgados pelo Júri no sistema penal pátrio - homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a
suicídio, infanticídio e aborto - violam um bem jurídico supremo, sem o qual nenhum outro existiria, qual seja, a vida
humana.
Os fatores acima apontados somados com a emotividade que ordinariamente envolve os julgamentos em plenário
abrem precedentes para uma profunda comoção incutida na opinião pública através da mídia.
7. A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA PELA MÍDIA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS JULGAMENTOS
Uma das mais interessantes particularidades do Júri consiste em conceder ao homem do povo o direito de julgar a
atuação social de seu próprio semelhante. Com efeito, a justiça nesse sistema de julgamento será a melhor e a mais
límpida, pois só a magistratura popular pode exercer a missão de dar a cada um o seu correspondente quinhão, de
acordo com os valores de cada comunidade sita no espaço físico de uma nação.
A referida particularidade faz do Júri a instância de julgamento mais sensível à opinião pública, assim definida como
aquilo que pensa o povo sobre algum assunto, constituindo a incerteza e a flexibilidade umas de suas principais
características. Como bem dizia Darcy de Arruda Miranda a opinião púbica “é instável como as nuvens, variável como
o tempo e despertável como o vento”.32
Aproveitando-se de tal fator, a mídia, dado seu invejável poder de penetração na massa popular, manipula, com
extrema facilidade, o comportamento social. Uma prova concreta da mencionada influência pode ser extraída da obra
de João Féder: durante as eleições presidenciais norte-americanas de 1960, dois candidatos, Kennedy e Nixon,
colocaram-se frente a frente para um debate televisivo. Antes de tal fato, o eleitorado dividia-se em 47% para Nixon e
46% para Kennedy, mas depois, essa situação se alterou para Kennedy 51% e Nixon 45%. Ulteriormente, com a
vitória de Kennedy por apenas 112.881 votos, uma pesquisa apontou que quase três milhões de pessoas
confessaram haver votado em Kennedy influenciadas pela televisão. Afirmou, então, o presidente eleito: “Foi a TV,
mais do que qualquer outra coisa, que fez virar a maré”.33
Como se nota, a mídia, em razão de sua poderosa fonte de apelo junto à população, tem o poder de influenciar na
conformação das atitudes humanas e suas formas de conduta. A consciência social, como argila na mão de um
artesão, pode muito bem ser formada e desformada pelos meios de comunicação de massa.
Levando-se em consideração que o corpo de jurados é a instância representativa da sociedade, os jurados dirigem-se
ao julgamento com a convicção formada, ressaltando que raramente isso ocorre como fonte de auxílio para a defesa,
fesa, haja vista que a mídia costuma descrever o acusado como um criminoso, um delinquente, um injusto, um
egoísta e outros adjetivos semelhantes, capazes de influenciar, de todo e qualquer modo, o conceito da pessoa no
convívio social. A mídia mal sabe que o fundamental em um julgamento é a análise dos fatos, por tal motivo, pouco
interessa o estereótipo por ela criado e reforçado.
Outro fato digno de nota é que na busca incessante do “furo” de reportagem, os órgãos de divulgação entram em
histeria, noticiando o fato sem haver prévia confirmação, o que, sem dúvida, impossibilita qualquer controle de
qualidade da veracidade das informações. A distorção no conteúdo da informação levada ao cidadão, passa a formar
a opinião pública a respeito do assunto a partir de premissas equivocadas ou insuficientes que, consequentemente,
catequizam os julgadores populares.
Na esteira dos ensinamentos de Márcio Thomaz Bastos o “juiz dificilmente resiste: estão aí as decisões em que se
toma ordem pública por pressões da imprensa. Com os jurados é pior: envolvidos pela opinião pública, construída
massivamente por campanhas da mídia orquestradas e frenéticas, é difícil exigir deles outra conduta que não seguir a
corrente”.34
As consequências, segundo o citado autor, são desastrosas: “Dezenas de casos criminais, distorcidos e
embaralhados por esta simbiose, que destrói a possibilidade de chegar à verdade ou de fazer justiça”.35
Na realidade, o sucesso da acusação ou da defesa em plenário está condicionado a esse conjunto de antecedentes,
que são ensejadores da causa real de um veredictum.
Com isso, torna-se difícil a busca da verdade real, característica primordial do processo penal, por meio do qual
procura-se “estabelecer que o jus puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos
exatos limites de sua culpa”,36 o que ocasiona o aumento dos fatores de erros e injustiças cometidos pelo Tribunal do
Júri.
Ao tratar do jurado e do problema da verdade, Edilson Mongenot Bonfin entende que os jurados deveriam chegar ao
Júri num estado de ignorância, isto é, para nós, livres de quaisquer influências externas. O promotor, então, deveria
convencer com provas e indícios a verdade através da evidência. Não o fazendo, o inicial estado de ignorância
poderia ser levado pela defesa a um estado de opinião, ou quanto menos de dúvida. Neste caso, hesitando a
inteligência entre o sim e o não, bastante seria para se conseguir uma absolvição, por aplicação do princípio do in
dubio pro reo, segundo o qual, diante do conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do
acusado, este deve ter peso maior na balança da Justiça.37
Sem prejuízo de ofuscar a verdade real, a garantia do devido processo legal também estaria violada. É o que se pode
constatar do discurso proferido pelo magistrado Ranulfo de Melo Freire por ocasião de sua aposentadoria:
“País em que é incipiente a formação de uma sociedade de estrutura democrática, não é fácil o ministério de julgar.
Com o ouvido e a vista empanados de som e imagens (rádio e canal de televisão) pregando o extermínio
indiscriminado do marginal, não sei com que armas o meu Tribunal de Alçada Criminal pode travar a luta pela
consecução do devido processo legal.”38
A violação do devido processo legal por determinadas coberturas realizadas pela mídia também foi reconhecida por
inúmeros julgados norte-americanos. Com efeito, a Suprema Corte, em 1961, no caso “Irvin vs. Dowd”, entendeu que
a exposição dos jurados à mídia viola o direito do acusado ver garantido o devido processo legal. Semelhante foi o
conteúdo do ato decisório proferido no caso “Rideau vs. Loisiana”.39
8. AS REPERCUSSÕES DAS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS NA SOBERANIA DOS VEREDICTOS E O ERRO
JUDICIÁRIO
Denomina-se veredicto o julgamento efetuado pelos jurados através do conjunto de respostas dadas por eles aos
quesitos submetidos à sua apreciação.
Por outro lado, a soberania dos veredictos consiste na supremacia do julgamento realizado pelo Conselho de
Sentença, que não poderá ser substituído por qualquer outro órgão judiciário. Noutras palavras, havendo decisão
proferida pelo colegiado popular, a magistratura togada tem que obedecê-la, não podendo substituir os jurados na
decisão da causa.40
Na esteira dos ensinamentos formulados por José Frederico Marques, podemos sinteticamente dizer, que a soberania
dos veredictos é “a impossibilidade da decisão calcada em veredictos dos jurados, ser substituída por outra sentença
sem esta base. Os veredictos são soberanos, porque só os veredictos é que dizem se é procedente ou não a
pretensão punitiva”.41
Essa soberania traduz-se na essência do Júri, pois ela existe para tutelar ainda mais o jus libertatis do réu, e sem ela,
nada justificaria a sua posição topográfica dentre os direitos fundamentais do homem, previstos na Constituição (art.
5.º, XXXVIII, c, da CF/1988 (LGL\1988\3)),42 além do que, não passaria o Tribunal do Júri de simples órgão
jurisdicional especial de 1.º grau da Justiça Comum. “Júri sem um mínimo de soberania - diz Fernando da Costa
Tourinho Filho - é corpo sem alma, instituição inútil.”43
Segundo as lições do jurista Paulo de Lacerda, nas razões pelas quais o Júri responde aos quesitos, consiste a
soberania da sua consciência.44
Por seu turno, René Ariel Dotti ensina que: “(…) o voto de consciência caracteriza uma das expressões da liberdade
espiritual e, também, a abertura de novos caminhos para a revisão ou revogação de leis injustas e leis nulas”.45
É fácil verificar, em decorrência de todo o exposto acima, que o voto de consciência sofre influências diretas das
pressões publicitárias exercidas pela mídia, quando esta demonstra, com muita emotividade, o seu posicionamento a
respeito do caso concreto a ser submetido a julgamento.
A propósito do tema, vale a pena transcrever as lições de Evaristo de Morais:
“Repórteres e redatores de jornais, iludidos pelas primeiras aparências, no atabalhoamento da vida jornalística,
cometem gravíssimas injustiças, lavram a priori sentenças de condenação ou absolvição, pesam na opinião pública e
têm grande responsabilidade pelos veredictos.”46
Convém notar, outrossim, que a criminalização de tais condutas, já apareceu na forma de anteprojetos na recente
história do direito penal brasileiro, que tipificavam como crime a “publicidade opressiva” e a “coação indireta no curso
do processo”.
Necessário é lembrar que as frenéticas campanhas promovidas pela mídia também podem ocasionar o surgimento do
tão indesejável erro judiciário.47 Admitamos, à guisa de suposição, que os assassinos da infante Isabella Nardoni,
Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, fossem inocentes. Diante das contínuas investidas promovidas pela
imprensa, dificilmente teriam suas inocências estabelecidas pelos jurados. O temível error in iudicando, então, seria
inevitável.48
É indubitável, portanto, que a violação das garantias fundamentais das pessoas submetidas a julgamento pelo Júri
popular, por parte da mídia, não pode perpetuar-se, pois se mostra adverso às razões do próprio direito.
Pedem passagem, então, as tão esperadas propostas de solução. E que bem-vindas sejam!
9. PROPOSTAS DESTINADAS A EVITAR A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
9.1 Propostas apresentadas pela doutrina
Poucos são os doutrinadores que se aventuram no escopo de apresentar soluções para um problema crescente e tão
avassalador. Não é, contudo, o caso de Márcio Thomas Bastos, que após reconhecer a dificuldade do problema
expõe:
“Não são muitos os alvitres: suspensão do processo enquanto perdurar a campanha da imprensa, proibição de a
mídia mencionar o julgamento, em determinadas fases, transferir o julgamento de lugar, anulá-lo quando se constata
que a pressão publicitária possa ter deformado a construção do juízo condenatório.”49
Parece ser bastante sugestiva a proposta de suspensão do processo-crime enquanto perdurar as pressões
publicitárias, naqueles casos em que os fatos que sirvam de matéria prima para a imprensa - anúncios de novos fatos
bombásticos, mães de vítimas pranteiando durante entrevista, mobilizações incansáveis de grupos organizados com
faixas e cartazes pleiteando a condenação dos acusados defronte ao prédio do Fórum - se arrastem durante o todo
trâmite processual. Foi exatamente o que ocorreu no caso do assassinato da atriz Daniela Perez, ocasião em que sua
mãe, a escritora Glória Perez, ergueu as trincheiras de uma luta pela incriminação do ator Guilherme de Pádua e sua
mulher, Paula Nogueira de Almeida Thomaz, contando, para tanto, com o apoio de uma emissora de TV e de toda a
mídia nacional.
Outra alternativa proposta por Márcio Thomas Bastos seria o desaforamento, ou seja, um ato excepcional que visa a
transferência do julgamento para o foro de outra comarca da mesma unidade federativa, ou para outra Vara da
mesma Seção Judiciária da Justiça Federal, mediante solicitação de qualquer das partes, ou mediante representação
do juiz-presidente, ao respectivo Tribunal de Justiça. O desaforamento é processualmente previsto para as seguintes
hipóteses: (a) interesse da ordem pública; (b) dúvida sobre a imparcialidade do Júri; (c) da segurança pessoal do
acusado; e (d) comprovado excesso de serviço, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de seis meses,
contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia (arts. 427 e 428 do CPP (LGL\1941\8), ambos com a redação
dada pela Lei 11.689/2008).
Para o efeito do nosso estudo, mais interessam as hipóteses insertas nas letras a e b.
Com efeito, não parece existir dúvida de que a comoção experimentada pela comunidade e as pressões publicitárias
podem causar um clima de intranquilidade, obstando a livre manifestação dos jurados, o que, a toda evidência,
caracterizaria o “interesse de ordem pública”, assim definido como todo aquele voltado para a garantia de que o
julgamento popular pelo Tribunal do Júri seja ato de distribuição de justiça.
No que tange à “dúvida sobre a imparcialidade do Júri”, a questão se afigura muito mais complexa, pois a própria
jurisprudência pátria tem-se posicionado no sentido de que os noticiários do crime ou do julgamento a ser realizado,
através dos meios de comunicação em massa, não refletem, em regra, a “manifestação da coletividade ou o estado
de ânimo da população”.50
Hermínio Alberto Marques Porto, mesmo após expor que merece sempre ser preservada a presunção da
imparcialidade dos jurados, pois, do contrário, estaríamos em um mundo de apáticos e de submissos à opinião
coletiva, acaba por ponderar que as notícias sobre crimes “de outra parte, pode servir para gerar dúvidas sobre a
imparcialidade dos jurados, especialmente em centros populacionais menores onde a cabala e as pressões - de
várias origens formas as mais diversas - podem conseguir até a criação de um clima de receio de parte dos jurados, a
prova de uma sistemática, poderosa, direta e envolvente ou coativa campanha de coação da vontade dos cidadãos
alistados, e mais diretamente voltada para os sorteados”.51
Adriano Marrey, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, certamente preocupado com a gravidade do
problema e com os prejuízos causados por algumas coberturas feitas pela mídia à defesa e ao devido processo legal,
explica:
“Pela legislação brasileira não se admite os jurados nem proíbe a participação daquele que tenha opinião firmada
acerca da culpa do réu, quer pelo conhecimento direto dos fatos objeto do processo, quer por informações obtidas
através da imprensa ou do noticiário das estações de rádio e televisão. Já se tem preconizado para que tal situação
constitua suspeição de lege ferenda.“52
Destarte, tratando-se de causa de suspeição apta a influenciar o jurado para que tome uma atitude diversa da que é
de seu dever, ele deveria ser afastado do processo. Seguindo as solenidades impostas ao processo penal do Júri, o
magistrado, antes do sorteio do Conselho de Sentença, deve advertir os jurados quanto à suspeição (art. 466 do CPP
(LGL\1941\8), com a redação dada pela Lei 11.689/2008), oportunidade em que o jurado que não se julgar apto a
decidir bem, com submissão a correntes externas, poderá afirmá-la. Calando-se a respeito, incumbiria ao defensor,
logo após o seu sorteio para integrar o Conselho de Sentença, arguir, oralmente, sua suspeição para o julgamento,
sob pena de preclusão temporal.53
Uma vez levantada a exceção processual e confirmada pelo jurado, o juiz--presidente, decidindo de plano, não
permitiria que o arguido figurasse no Conselho de Sentença. Se o recusado negar esse motivo, cumprirá ao arguente
produzir prova (art. 106 do CPP (LGL\1941\8)). E é justamente neste momento, em que se vislumbra uma certa
dificuldade para a comprovação, uma vez que somente se admite prova documental, não se permitindo a oitiva
incidental de testemunhas, razão pela qual entendemos que a transferência do julgamento para outro foro, ou mesmo,
sua suspensão constitui a proposta mais adequada.
Passemos, a seguir, a analisar alguns alvitres que demandariam a intervenção do legislador infraconstitucional.
9.2 Propostas que demandam intervenção legislativa
Sob o aspecto da legislação infraconstitucional, entendemos que tanto a imprensa como o Tribunal do Júri merecem
passar por reformas com vistas a evitar que a liberdade de informação conferida à primeira possa influenciar no
resultado dos julgamentos populares.
Nesse sentido, é indubitável que os órgãos de imprensa não podem noticiar fatos de maneira teatral, sem qualquer
apoio nas provas constantes nos autos. Como adverte Darcy de Arruda Miranda: “(…) é preferível deixar de publicar a
notícia do que se arriscar a uma inverdade, que será causa de muitos males”. E prossegue: “A verdade deve ser a
preocupação máxima do lidador da imprensa”.54
Nunca as versões de um determinado segmento da imprensa, revestidas de aparente legitimidade em função da
aquiescência que a opinião pública lhe outorga, devem ser trazidas à apreciação dos jurados, mas tão somente os
fatos atinentes à causa. O que não quer dizer que a imprensa não possa mostrar aos assistentes, leitores, ouvintes,
que um fato supostamente delituoso ocorreu. Longe disso, a imprensa deve noticiar, ainda que emita juízos de valor,
mas lhe é defeso o direito de julgar à mercê dos princípios processuais que assistem ao acusado.
José Henrique Rodrigues Torres, ao estudar o tema, esboça: “(…) a imprensa responsável está preocupada na
mantença da ordem democrática, o que é vital para o seu livre desempenho, mas também deve estar consciente de
que a liberdade de informação jornalística não pode extrapassar os limites da legalidade, ameaçando e lesionando
direitos. Cabe à própria imprensa, pois, no nascedouro de suas publicações e edições, coibir abusos e excessos que
constituam mácula à legalidade e aos princípios democráticos”.55
Entendemos ser muito propícia a instituição de um controle interno das atividades desenvolvidas pela imprensa, na
forma proposta pelo citado autor, a fim de manter incólume a imagem das pessoas submetidas a investigações ou a
julgamento em juízo, preservando valores intrínsecos ao processo criminal. A imprensa, inspirada pela legalidade,
promoveria mediante uma responsável autocrítica, o seu próprio controle, coibindo, no nascedouro de suas
publicações e edições os abusos e excessos que lesem ou ameacem os direitos civis e constitucionais dos acusados.
Contudo, como observa o magistrado José Henrique Rodrigues Torres, o controle interno da própria imprensa não é o
bastante “para evitar que os limites impostos pela legalidade, e pela própria Constituição Federal (LGL\1988\3) sejam
extrapassados, há de existir um órgão de controle, com poder constitucional, para coibir os abusos da imprensa e
recompor, a ordem legam e constitucional violada. E tal órgão de acordo com a Constituição Federal (LGL\1988\3) é o
Poder Judiciário”.56
De fato, esses mecanismos internos de controle são mesmo insuficientes, notadamente naqueles casos de dúvida
entre qual bem juridicamente tutelado deverá prevalecer. Em tal caso, o recurso ao Poder Judiciário torna-se
inafastável.57

Necessário é lembrar que a Lei 11.689, de 10.06.2008,58 alterou dispositivos do Código de Processo Penal
(LGL\1941\8) relativo ao Tribunal do júri, instituindo, dentre outras inovações,59 uma audiência para o sorteio de
jurados, após a organização da pauta, para a qual o Juiz Presidente determinará a “intimação do Ministério Público,
da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública para acompanharem” (art. 432 do CPP (LGL\1941\8)), o
que, a toda evidência, permitirá a fiscalização da escolha dos jurados pelas partes. Ainda, estabelece o Código de
Processo Penal (LGL\1941\8) que não poderá servir como jurado aquele que “tiver manifestado prévia disposição
para condenar ou absolver o acusado” (art. 449 do CPP (LGL\1941\8)), de forma a permitir a exclusão da lista de
jurados de pessoas eventualmente contaminadas por indevidas influências da mídia e que tenham exarado qualquer
manifestação no sentido de exteriorizar o posicionamento decorrente da referida influência.
Outro fato digno de nota é que o espírito de celeridade que a novel legislação tentou imprimir ao procedimento pode
contribuir bastante para que o jurado se torne menos afeto à mídia.
De fato, em que pese o entendimento perfilhado por alguns julgadores no sentido de que as repercussões geradas
por determinados crimes são atenuáveis pelo correr do tempo60 defendemos o entendimento segundo o qual o lento
desenrolar da marcha processual até final julgamento em plenário do Júri apenas tem a contribuir para a formação e
solidificação da consciência social em decorrência da grande explosão emocional que as matérias veiculadas pela
imprensa incutem no telespectador.
Apenas para sustentar a assertiva acima, basta recordar do famigerado “Crime do Sacopã”, cujo motivo passional que
teria levado o acusado, 2.º Tenente Aviador, Alberto Franco Bandeira, ao cometimento do crime, teria sido veiculado
pela TV, rádio e mídia escrita, principalmente pelo jornal O Globo e as revistas Veja e O Cruzeiro, durante dois anos,
contados da descoberta do fato até o julgamento pelo Tribunal do Júri. Registre-se, ainda, a grande especulação feita
pela imprensa em torno da autoria do delito durante todo o trâmite processual: ora ventilava-se que o Coronel Clóvis
Costa o teria cometido; ora o filho do Senador Napoleão Alencastro; momentos depois o assassíno era o Min. Vaz de
Melo, para depois ser o filho do Prefeito João Carlos Vital.61
Todavia, entendemos que a reforma recentemente ocorrida poderia ficar ainda melhor com a eliminação das duas
fases do processo de competência do Júri, tornando o julgamento ainda mais célere.
No mais, o atrito na relação entre a imprensa e o julgamento pelo Júri, poderia ser atenuado ou até mesmo evitado
através de uma reforma infraconstitucional que fosse mais consentânea aos comandos constitucionais e processuais
penais, cujo foco fosse voltado para a figura dos jurados, pois como representantes da sociedade, são os que mais
estão sujeitos à linha de ação da imprensa.
Nesse passo, a aludida reforma deveria abordar os seguintes aspectos:
1) maior efetividade da norma que assegura o sigilo no inquérito policial e durante a fase judicial;
2) adoção de mecanismos destinados a propiciar aos jurados melhor conhecimento do processo; e
3) renovação das normas condizentes à escolha dos jurados e da organização do Júri, com o intuito de estabelecer
uma melhor sistemática que possibilite ao juiz-presidente recrutar tão somente cidadãos idôneos, preparados e
conscientes de seu dever.
Entendemos que a intervenção do legislador infraconstitucional não deve restringir-se à seara processual penal, na
medida em que a tipificação, como crime, das condutas de “publicidade opressiva” e “coação indireta no curso do
processo”, tenderia a expurgar do julgamento pelo Tribunal do Júri, todas as influências externas à causa.
Restam, enfim, as propostas de ordem jurídico-dogmáticas.
9.3 Propostas de ordem jurídico-dogmática
A dogmática jurídica consiste num método destinado a possibilitar a tomada de uma decisão, ou seja, a solução dos
conflitos sociais, lastreada em premissas previamente estabelecidas, as quais, podem consistir em postulados
fundamentais do direito ou mesmo em hipóteses concretas ocorridas anteriormente.
Como bem registra a doutrina, a dogmática jurídica “preocupa-se com possibilitar uma decisão e orientar a ação,
estando ligada a conceitos fixados, ou seja, partindo de premissas estabelecidas. Essas premissas ou dogmas
estabelecidos (emanados da autoridade competente) são, a priori, inquestionáveis. No entanto, conformadas as
hipóteses e o rito estatuídos na norma constitucional ou legal incidente, podem ser modificados de tal forma a se
ajustarem a uma nova realidade”.62
Nessa linha, impõe-se observar, inicialmente, sob o viés jurídico-dogmático baseado em premissas gerais do direito
constitucional, que uma das características básicas dos direitos fundamentais é a limitatividade, a qual traduz--se na
ideia de que os direitos fundamentais não são absolutos, pois podem sofrer restrições nas hipóteses de colisão com
outros direitos, bens ou valores que, de igual forma, foram resguardados constitucionalmente.
José Joaquim Gomes Canotilho, constitucionalista português, magistralmente esboça a questão da colisão dos
direitos fundamentais, ao dizer, que ocorre, “quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular
colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”.63
Cumpre dizer que a colisão pode verificar-se tanto entre direitos fundamentais como entre esses e outros bens ou
valores constitucionalmente protegidos. Daí falar-se respectivamente em colisão de direitos fundamentais em sentido
estrito e colisão de direitos fundamentais em sentido amplo.64
Em sentido semelhante a esta problemática constitucional lusitana, anuncia Luis Roberto Barroso: “Um lance de olhos
sobre a Constituição brasileira revela diversos pontos de tensão normativa, isto é, de proposições que consagram
valores e bens jurídicos que se contrapõe e que devem ser harmonizados pelo intérprete”.65
Certo é, que no campo dos direitos individuais, a nossa Lei Maior consagra a livre manifestação do pensamento, a
liberdade sem censura da expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, e o livre acesso às
informações de interesse social (art. 5.º, IV, IX e XIV). Por outro lado, certo é, também, que os abusos e excessos de
toda esta liberdade pode causar dano a outros bens de dimensões jurídicas distintas. Neste polo situam-se o devido
processo legal, a presunção de inocência e a proteção à honra e à intimidade das pessoas, os quais a Constituição
igualmente assegura (art. 5.º, X, LIV, LVII).
No sentir de Márcio Thomas Bastos:
“(…) a liberdade de imprensa é um valor de hierarquia constitucional, que não pode ser conspurcado com restrições
como a censura prévia. Mas não pode ser esquecido que, ao lado ou em oposição à liberdade de imprensa, existem
outros valores de igual nobreza constitucional que são a intimidade, a imagem, a honra, o devido processo legal e a
presunção de inocência.”66
Como já enfatizado alhures, a transmissão de notícias sobre o suposto crime ou a suposta participação de
determinada pessoa, pode configurar um desrespeito aos direitos da personalidade, direitos estes, inerentes à cada
pessoa, tais como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, sem prejuízo de direitos de outra natureza, como
é o caso da garantia processual penal ao direito de uma regular administração da Justiça, consistente no devido
processo legal e na garantia de presunção de inocência. E não é só. Pode-se, ainda, restar-se por prejudicada a
descoberta da verdade real, princípio basilar do direito processual penal.
Ressalte-se, por oportuno, que o próprio texto constitucional estabelece que a liberdade de imprensa não poderá ser
exercida com desrespeito a outras normas previstas constitucionalmente, dentre elas, as que regram a inviolabilidade
à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 220, § 1.º c/c art. 5.º, X).67
Destarte, se a liberdade de imprensa conflita com outros direitos individuais, urge alcançar o equilíbrio, de modo que
nenhuma das garantias seja obrigada a suportar, sozinha, as consequências da indevida expansão da outra. E essa
expansão indevida verifica-se sempre que houver excesso culposo ou doloso ao direito de informar. Assim, tudo
quanto extrapole o direito de informar, manifestar-se, criticar, narrar, comentar, descrever, pode ser considerado como
abuso.68
Nesse passo, em matéria de solução dos “casos de tensão” envolvendo direitos e bens constitucionais que não foram
objeto de solução infraconstitucional,69 a doutrina especializada adota o juízo de ponderação de bens ou valores
jurídicos, cujos pressupostos básicos segundo Wilson Antônio Steinmetz são “a colisão de direitos fundamentais e
bens constitucionalmente protegidos, na qual a realização ou otimização de um implica a afetação, a restrição ou até
mesmo a não realização do outro, a inexistência de uma hierarquia abstrata entre direitos em colisão, isto é, a
impossibilidade de construção de uma regra de prevalência definitiva”.70
No processar desta ponderação o intérprete deve necessariamente obedecer aos parâmetros constitucionais, que em
linhas gerais sugerem o sacrifício de um direito constitucional para a salvaguarda de outro direito fundamental. O
exemplo apresentado por Canotilho parece ser bastante esclarecedor. Refere-se à probabilidade, confirmada por
informações médicas, de o acusado sofrer um infarte ao ser submetido a julgamento público. A ponderação de bens
no caso levaria à conclusão de que o direito à vida tem um peso maior do que o exercício da ação penal, o que
justificaria o adiamento da audiência de julgamento. “Todavia, uma eventual relação de prevalência só em face das
circunstâncias concretas se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais
peso do que outro.”71
Essa espécie de ponderação, no caso concreto, embora apresente o perigo de abrir precedentes para uma certa
discricionariedade por parte do julgador é, a nosso ver, de uma necessidade ineliminável.
Frise-se, por último, que a adoção do juízo de ponderação não inibe o emprego de critérios metódicos abstratos, que
melhor orientem essa difícil tarefa de harmonização. Assim é o princípio da concordância prática de direitos
colidentes, que, como verdadeiro princípio de hermenêutica constitucional, no dizer de Konrad Hesse, consistiria em
que: “Los bienes jurídicos constitucionalmente protegidos deben ser coordinados de tal modo en la solución del
problema que todos ellos conserven su entidad. Allí donde se prouzcan colisiones no se debe, a través de una
precipitada ‘ponderación de bienes’ o incluso abstracta ‘ponderación de valores’, realizar el uno a costa del outro”.72
10. CONCLUSÃO
Quando o homem inicia um processo de questionamento a respeito dos fatos e fenômenos do mundo exterior, sente a
necessidade de trilhar certos caminhos que apontam um norte na busca do conhecimento. Caminhos esses, que, às
vezes, são muito difíceis, a exemplo da estrada que percorremos para chegar até aqui.
Com efeito, não foi uma estrada plana para uma boa caminhada. Sofremos dificuldades. Enfrentamos altiplanos,
muitas pedras, difíceis encostas e montanhas, certamente, frutos da geografia conturbada de um tema de tão grande
relevo.
Todavia, para chegar ao alto, seguimos o conselho do sábio chinês que diz que qualquer jornada, por mais longa e
tortuosa que seja, começa por um só passo, o primeiro. Desta feita, foi preciso começar.
Iniciamos o presente trabalho pela planície, onde procuramos descrever os aspectos básicos e gerais inerentes à
instituição do Júri, à mídia e à criminalidade. O estudo acerca de seus elementos conceituais, definitivos, históricos,
característicos e disciplinares, constituíram a espinha dorsal do corpo que, em seguida, seria edificado.
A partir do momento em que descobrimos novos fatores e identificamos as opiniões a respeito da crescente expansão
da liberdade de imprensa e a sua interferência no julgamento pelo Tribunal do Júri, o tema que até então, era tratado
envolto de paixões por ele desencadeadas, passou a ser abordado com uma maior cientificidade.
Verificamos que os meios de comunicação de massa, muitas vezes sem apurar previamente os fatos, acabam por
prejudicar a veracidade das informações que divulgam e, por consequência, a própria plenitude de seus valores.
Rui Barbosa, em sábia lição, dizia: “Três âncoras deixou Deus ao homem: o amor da pátria, o amor da liberdade, o
amor da verdade. Caro nos é a pátria, a liberdade mais cara, mas a verdade mais cara que tudo. Patria cara - carior
Libertas, Veritas caríssima”.73
Em manifesta contrariedade aos ensinamentos do Águia de Haia, a imprensa parece, em detrimento da verdade, mais
valorar a sua liberdade de externar o que pensa.
Pôde-se ainda constatar, que através de seus poderosos métodos de persuasão, devassam e influenciam o modo de
pensar da população em geral, formando destarte, a opinião pública.
Nessa linha, o recrutamento dos jurados para a formação do Conselho de Sentença entre a gente do povo, de modo
abrangente, acaba por encerrar meta distintiva para caracterizar o Júri como instituição de julgamento mais sensível
às aspirações da sociedade.
A devassa do recinto mais recôndito dos jurados, isto é, as suas consciências, pela opinião da sociedade catequizada
por veiculações distorcidas e não raro, inverídicas, da mídia, passou a constituir o Tendão de Aquiles daquilo que, em
geral, documentamos no decorrer deste trabalho.
No momento em que nos lançamos a analisar a questão da soberania das decisões do Júri, notamos, através de uma
exegese de lastro puramente sistemático, que não se concebe um poder absoluto, sem freios e sem contrastes.
Existem formas de controle sobre o julgamento, o que felizmente faz com que os eventuais erros judiciários,
porventura derivados de uma divulgação sensacionalista de veículos que andam na contramão do jornalismo
investigativo e imparcial, sejam corrigidos por via dos recursos de apelação ou revisão criminal em 2.ª instância.
A doutrina, também atenta para a problemática, não tardou a apresentar propostas com o escopo de atenuar a tensão
existente entre a liberdade de imprensa e os direitos dos acusados nos processos crimes: (a) a suspensão do
processo-crime enquanto perdurar as pressões publicitárias; (b) transferência do julgamento para outra comarca
(desaforamento); (c) o afastamento do jurado coagido pelas pressões midiáticas do julgamento da causa; e (d)
anulação do julgamento sempre que constatado que o juízo condenatório decorreu das pressões publicitárias.
Quanto à necessidade de intervenção legislativa, ponderou-se pela instituição de um controle interno das reportagens
divulgadas pela imprensa, fundado em valores éticos, de dignidade e de humanidade. Já com relação ao Júri, embora
o seu procedimento tenha sido recentemente alterado pela Lei 1.689/2008, entendemos que tais alterações não foram
suficientes para solucionar de vez o problema. Desse modo, apresentamos propostas que variam desde uma maior
efetividade da norma que assegura o sigilo do inquérito policial e durante a fase processual, passando pela adoção de
mecanismos destinados a propiciar aos jurados melhor conhecimento do processo, culminando com a renovação das
normas condizentes à seleção dos jurados e da sua organização do Júri, com o intuito de estabelecer uma melhor
sistemática que possibilite ao juiz-presidente recrutar tão somente cidadãos preparados e conscientes de seu dever.
Sob a égide propriamente dogmática, a liberdade de imprensa deve ser sopesada com as liberdades individuais, tais
como o direito à imagem, à honra e as garantias do devido processo legal e da presunção de inocência, consagradas
em nossa Carta Magna (LGL\1988\3), de tal sorte que esse processo de interação se desenvolva através do juízo de
ponderação e da valoração de prevalência, diante das circunstâncias concretas. Além disso, a aplicação do princípio
da concordância prática dos direitos colidentes, como verdadeiro princípio de hermenêutica constitucional, logra
promover um entrelaçamento de conteúdo desses princípios e direitos, a fim de compatibilizá-los.
Não obstante ser, nos dias atuais, apregoada a ideia de um direito penal tutelar, fragmentário, de intervenção mínima,
que somente atua em ultimo caso - ultima ratio - cremos que, dentro do tema sob apreciação, as poucas formas de
controles formais já não são dotadas da necessária eficácia, deixando muitos bens constitucionalmente assegurados
desprotegidos, à mercê da indevida atuação da mídia. E tais bens, por serem considerados fundamentais à pessoa
humana, merecem ser penalmente resguardados. Nesse sentido, a criminalização do abuso através da adoção pela
legislação penal brasileira dos crimes de “publicidade opressiva” e “coação indireta no curso do processo”, afastaria
as influências externas à causa.
Enfim, foram aqui expostas algumas propostas destinadas à solução da problemática em questão, as quais têm o
objetivo de servir de ponto de partida para que todos os protagonistas do Tribunal do Júri, profissionais dos mais
diversos setores de imprensa, juristas, congressistas, pesquisadores e o público em geral, possam colocá-las em
prática, desenvolvê-las e inová-las. Tudo na esperança de que, um dia, as empresas de informação jornalística
tenham maior consciência de seus deveres, maior respeito pelos semelhantes, maior civismo e melhores qualidades
de espírito, quando então, não haverá a necessidade de existir qualquer lei para reger suas atividades; os direitos dos
acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida tornar-se-ão mais sólidos e a instituição do Júri, recuperará
todo o prestígio de outrora, pois os jurados, desvencilhados de qualquer força externa, livres de consciência,
manifestarão, através de seus soberanos veredictos, a mais límpida sensação da verdade e da justiça.
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mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Ed. RT, 1999.
WOLFF, Francis. Sócrates. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
 
 
 
1 Cf. WOLFF, Francis. Sócrates. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 82 e ss.
 
2 Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida, com respeitáveis argumentos, apontam as origens do Júri na Atenas
clássica, através de duas instituições judiciárias que trazem em seu bojo, resquícios de uma justiça popular, quais
sejam, o Areópago e a Helieia. O primeiro era composto pelos antigos arcontes e julgava os crimes de sangue. O
segundo, tribunal composto por cidadãos, que também era dotado de força julgadora (O Tribunal do Júri nos Estados
Unidos - Sua evolução histórica e algumas reflexões sobre seu estado atual. RBCCrim 15/200 (DTR\1996\664) e ss.).
Já Arthur Pinto da Rocha entende que “as leis de Moysés, ainda que subordinando o magistrado ao sacerdote, foram,
na antiguidade, as primeiras que interessam os cidadãos nos julgamentos dos tribunaes” (apud TUCCI, Rogério
Lauria. Tribunal do Júri: origem, evolução, características e perspectivas. In: ______. Tribunal do Júri: estudo sobre a
mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 14). Adotando uma posição igualmente
religiosa, outros autores sustentam que a Santa Ceia poderia ser considerada como um Conselho de Sentença,
levando-se em consideração, que o número de apóstolos de Cristo sobre os quais recaiu o Espírito Santo no dia de
Pentecostes, era equivalente ao número mínimo de 12 jurados que compunham o Jury inglês. Enfim, o memorável
jurista brasileiro, Rui Barbosa refuta qualquer origem teocrática ou mítica, ao sustentar que o Júri encontra
prefiguração longínqua na Roma clássica, onde os judices jurati eram escolhidos entre cidadãos idôneos (O Júri sob
todos os aspectos. Rio de Janeiro: Nacional de Direito, 1950. p. 27).
 
3 O Júri encontra-se atualmente incorporado a grande parte das Constituições das nações cultas e adiantadas, prova
disso é a sua mantença pelos Estados Unidos e Ex-União Soviética. Entretanto, vale a pena registrar que o Júri é
repudiado por outros países, tais como Dinamarca, Holanda e Luxemburgo, que preferem manter-se no monopólio da
magistratura togada.
 
4 Cf. MOSSIM, Heráclito Antonio. Júri: crimes e processos. São Paulo: Atlas, 1999. p. 183.
 
5 Apesar da omissão constitucional, ensina Margarino Torres que o Júri não foi extinto, pois: “Foi deste desfecho
evolutivo felizmente apercebido e acolhido pela carta constitucional outorgada, de 10 de novembro de 1937, que, bem
interpretada, autoriza e impões, não só a manutenção do Júri, como a sua regulamentação em lei geral (…)” (apud
MOSSIM, Heráclito Antonio. Op. cit., p. 193).
 
6 Segundo o Código Penal (LGL\1940\2) são crimes dolosos contra a vida: homicídio em qualquer de suas formas
(art. 121); induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122); infanticídio (art. 123); e aborto (art. 124 a 127).
 
7 A Lei 11.689/2008 aumentou o número de jurados de 21 para 25 (art. 433 do CPP (LGL\1941\8)).
 
8 Op. cit., p. 211.
 
9 A divisão bipartida do julgamento é uma marcante característica do Tribunal do Júri no Brasil, que acaba por
diferenciá-lo de outras instituições similares, tais como o escabinado (échévinage), onde o juiz togado e os juízes
leigos julgam, em conjunto, o crime, como também fixam a reprimenda e do assessorado onde o assessor instruía os
jurados no exercício de suas funções. Este último instituto é aqui mencionado apenas por motivos históricos, pois que
não é mais adotado por nenhuma nação moderna.
 
10 Antes do advento da Lei 11.689/2008 o judicium causae tinha início com a apresentação do libelo crime acusatório
por parte do órgão acusador. Com a novel legislação tanto o libelo, como a sua contrariedade foram suprimidos.
 
11 O processamento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri encontra-se regulamentado no
Capítulo II, do Título I, do Livro II, do Código de Processo Penal (LGL\1941\8), com a redação dada pela Lei 11.689,
de 09.06.2008.
 
12 Direito constitucional. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 1999. p. 561.
 
13 Comentários à Lei de Imprensa. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 1995. p. 37.
 
14 Idem, p. 42.
 
15 De fato, só para se ter uma ideia, os manuscritos de oposição ao governo na antiga Roma, eram criados
clandestinamente; na Idade Média, os escritos he- réticos eram suprimidos pela inquisição Católica; no século XVI, os
livros deveriam ser oficialmente autorizados pelo rei; em época bem mais recente da história, sob a égide dos regimes
totalitários, a censura sempre prevaleceu em detrimento da democracia. João Féder em sua obra Crimes da
comunicação social cita curiosos e recentes exemplos de censura à liberdade de imprensa. A título meramente
ilustrativo menciona-se a adaptação que é levada a efeito na Arábia Saudita no ato de dublagem dos filmes de
procedência norte-americana. Segundo Féder: “(…) quando o bandido de um faroeste ingressa no bar, joga a moeda
sobre a mesa e pede um uísque, o dublador diz ‘um suco de laranja’” (Crimes da comunicação social. São Paulo: Ed.
RT, 1987. p. 39) - pois como se sabe, naquele território, bebidas alcoólicas são proibidas. Na China, a situação
apresenta-se ainda mais gravosa, pois o rádio e a imprensa constituem espécie de monopólio do partido e sujeitam-
se a rigorosa censura.
 
16 Nesse sentido, estabelecia que: “a liberdade de comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos
mais preciosos do homem; portanto, todo homem pode falar, escrever, imprimir livremente, devendo responder pelo
abuso a essa liberdade nos casos determinados pela lei”.
 
17 Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 20.
 
18 Criminologia e direito. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1984. p. 65.
 
19 Cf. CARVALHO, Hilário Veiga de. Compêndio de criminologia. São Paulo: Bushatsky, 1973. p. 62.
 
20 Um dos principais defensores dessa tese foi César Lombroso. Ao realizar necropsia no cadáver de um famoso
bandido calabrês, Lombroso verificou em seu crânio a presença da fosseta média da crista occipital, existente apenas
em raças primitivas e em algumas espécies de animais (cf. MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Op. cit., p. 26-27).
 
21 Jacobs era outro ferrenho defensor do fator biológico.
 
22 CARVALHO, Hilário Veiga de. Op. cit., p. 67.
 
23 SHECAIRA, Sérgio Salomão. A criminalidade e os meios de comunicação de massas. RBCCrim 10/135
(DTR\1995\139).
 
24 Segundo Louk Hulsman e Jacqueline Bernati de Celis as “produções dramáticas tradicionais e parte da mídia
tendem a perpetuar a ideia simples - e simplista - de que há os bons de um lado e os maus de outro” (Penas perdidas.
O sistema penal em questão. 2. ed. Niterói: Luam, 1997. p. 56), evidenciando uma separação entre o bem e o mal.
 
25 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit., p.135.
 
26 Essa parte da mídia que se preocupa em transmitir notícias chocantes, por muitos, já foi denominada de “imprensa
marrom”.
 
27 FÉDER, João. Op. cit., p. 17.
 
28 ARRUDA MIRANDA, Darcy de. Op. cit., p. 72.
 
29 Em sentido contrário, Carlos May, escritor de viagens fantásticas, quando questionado sobre como poderia o
jornalista fazer descrição de lugares que não conhece e fatos que não presenciou, retrucou que Dante Alighieri não
visitou o inferno para escrever a Divina Comédia, mas que sua diferença para o jornalista, reside no fato de não ser
este um ficcionista (cf. FEDER, João. Op. cit., p. 53). Entretanto, muitas vezes é a ficção ao invés da realidade que
estampa as manchetes dos jornais e invade as casas dos cidadãos através da televisão.
 
30 Apud SOMMERLATTE, Fabiano dos Santos. Até quando a mídia irá interferir no processo? Revista Consulex 10/p.
61.
 
31 Apud BASTOS, Márcio Thomas. Júri e mídia. In: TUCCI, Rogério Lauria (coord.). Tribunal do Júri: estudo sobre a
mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 115.
 
32 ARRUDA MIRANDA, Darcy de. Op. cit., p. 71.
 
33 FÉDER, João. Op. cit., p. 15-16.
 
34 BASTOS, Márcio Thomaz. Op. cit., p. 115.
 
35 Idem, p. 113.
 
36 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 1998. p. 45.
 
37 Júri: do inquérito ao plenário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 228-229.
 
38 Apud SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit., p. 140.
 
39 Idem, ibidem.
 
40 Cf. MOSSIN, Heráclito Antonio. Op. cit., p. 213.
 
41 A instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997. p. 40.
 
42 A nossa história constitucional demonstra que a soberania do Júri sempre existiu, com ressalva feita ao período da
Ditadura Getuliana, quando o instituto foi suprimido pela Carta Constitucional de 1937, e regulamentado pelo Dec.-lei
167, o qual transformou o Júri num simples artefato decorativo, mera fachada da Justiça popular, tendo-se em vista
que seus veredictos eram reformados pelos Tribunais de Justiça. A soberania dos veredictos reapareceu no bojo
constitucional com a Carta Política de 1946, mas a Carta seguinte, de 1969, não a afirmava e, nem por isso, deixou
de existir, pois dessa forma ficava a cargo do direito processual ampliar ou reduzi-la ao mínimo indispensável.
 
43 Prática de processo penal. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 220.
 
44 Apud MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 35.
 
45 DOTTI, René Ariel. A reforma do procedimento do Júri. In: TUCCI, Rogério Lauria Tucci. Tribunal do Júri: estudo
sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 318.
 
46 Apud BASTOS, Márcio Thomaz. Op. cit., p. 114.
 
47 Um extenso catálogo de casos de erros judiciários, ocorridos no Brasil e no estrangeiro, e colhidos das crônicas
forenses, pode ser encontrado na obra de Vitorino Prata Castelo Branco (O advogado no Tribunal do Júri. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 1993. p. 43-46).
 
48 É óbvio, diga-se, que a soberania do veredicto dos jurados não pode ser mais poderosa do que o erro judiciário.
Esta é a luz dos ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho: “(…) entre manter a soberania dos veredictos
intangível e procurar corrigir um erro em benefício da liberdade, obviamente o direito da liberdade se sobrepõe a todo
e qualquer outro, mesmo porque as liberdades públicas, notadamente as que protegem o homem do arbítrio do
Estado, constituem uma das razões do processo de organização democrática e constitucional do Estado. (…) Entre o
direito de liberdade e a garantia constitucional da soberania dos veredictos, a prevalência é daquele” (Código de
Processo Penal (LGL\1941\8) comentado. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 351). Nesse sentido, o Código de Processo
Penal (LGL\1941\8), sem atentar contra a soberania do Júri, admite a interposição de recurso de apelação quanto ao
meritum causae, no caso de ser a decisão “manifestamente contrária à prova dos autos” (art. 593, III, d, do CPP
(LGL\1941\8)) ou de revisão criminal, na hipótese de a decisão condenatória ter transitado em julgado formalmente.
 
49 BASTOS, Márcio Thomas. Op. cit., p. 116.
 
50 RT 460/332-334, rel. Alves Braga.
 
51 Júri: procedimentos e aspectos do julgamento. 7. ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 112.
 
52 Apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 551.
 
53 Recomenda-se que o advogado procure, previamente ao dia da sessão do Júri, conhecer o resultado do sorteio e
da convocação dos jurados, informando-se a respeito de cada um deles, elaborando lista de recusas com o nome
daqueles que possam estar sujeitos a influências estranhas.
 
54 ARRUDA MIRANDA, Darcy de. Op. cit., p. 70-71.
 
55 A censura à imprensa e o controle jurisdicional da legalidade. RT 705/27.
 
56 Idem, ibidem.
 
57 Convém ressalvar que o controle realizado pelo Poder Judiciário seja ele prévio ou posterior à publicação abusiva,
não se confunde, de maneira alguma, com a censura, que melhor se amoldaria a figurinos ditatoriais, pois como
expõe José Henrique Rodrigues Torres: “a censura não é democrática e não é admitida pela Constituição Federal
(LGL\1988\3). Mas o controle jurisdicional da legalidade, que pode alcançar a imprensa, é democrático e previsto na
Constituição” (idem, p. 32).
 
58 A referida lei entrou em vigor em 09.08.2008, por força do seu art. 3.º, que estabeleceu um período de vacatio legis
de 60 dias a contar da data de sua publicação.
 
59 Dentre as principais e mais relevantes alterações podemos citar o aumento do prazo para a defesa prévia; a
concentração da audiência; a consagração do interrogatório do réu como autêntico meio de defesa, situando-o após a
inquirição da vítima e das testemunhas; a substituição das alegações escritas por debates orais; o recurso de
apelação para as decisões de impronúncia e absolvição sumária; e a extirpação do protesto por novo Júri.
 
60 RT 476/358, rel. Weiss de Andrade.
 
61 Cf. DOTTI, René Ariel. Casos criminais célebres. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 189-199.
 
62 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 32.
 
63 Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed., 6. reimp. Coimbra: Almedina, p. 1270.
 
64 Canotilho denomina a primeira espécie de “colisão de direitos fundamentais autêntica” e a segunda de “colisão de
direitos fundamentais não autêntica” (idem, p. 1270-1271). Já Robert Alexy faz referência, respectivamente, a colisão
de direitos fundamentais em sentido estrito e colisão de direitos fundamentais em sentido amplo (Colisão de direitos
fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. Revista de Direito
Administrativo 217/67-79).
 
65 Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São
Paulo: Saraiva, 1996. p. 183 e ss.
 
66 BASTOS, Márcio Thomas. Op. cit., p. 114.
 
67 Não obstante isto, a violação da dignidade da pessoa humana e aos direito da personalidade é fato constatado
diuturnamente pelo telespectador, que assiste a veiculação da imagem de pessoas, não raro algemadas, que acuadas
sob as fortes luzes das impiedosas câmeras de televisão e indiscretos flashes dos fotógrafos são constrangidos a
responder em unidades policiais as constrangedoras e incisivas perguntas dos repórteres, quando na verdade, não
têm o dever sequer, de falar ao delegado de polícia ou mesmo ao Juízo, sobre o crime que supostamente cometera.
Por esse motivo é digno de reverências e aplausos a providência adotada, em 24.03.1992, pelo Magistrado Geraldo
Francisco Pinheiro Franco, então Corregedor da Polícia Judiciária da Capital, que através da Portaria 3/1992,
resolveu disciplinar a concessão de entrevistas pelo acusado que acabara de ser detido, mediante prévia autorização
do juiz corregedor e concordância voluntária e expressa por escrito. Transcrevem-se alguns trechos motivadores da
norma: “as garantias individuais dos suspeitos, em face da realização de verdadeiros interrogatórios por quem não
tem poderes para esse fim”, ressaltando a necessidade de “ser preservada a dignidade humana e de se evitar
prejuízos aos cidadãos em decorrência de afirmações precipitadas e distorcidas de fatos delituosos perante quem não
tenha poderes constitucionais para delas conhecer e valorar” (cf. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit., p. 141).
 
68 Cf. Nelson Hungria apud ARRUDA MIRANDA, Darcy de. Op. cit., p. 105.
 
69 Note-se que, para efeitos do conflito de direitos que nos propomos a analisar, a Constituição permite a edição de
lei restritiva, ao dispor no § 1.º do art. 220 que: “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à
plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art.
5.º, IV, V, X, XIII e XIV”. Em tais casos, o conflito poderá ser solucionado simplesmente através de lei, que muito bem
poderá limitar o exercício da liberdade de informação (art. 5.º, IV e XIV) para salvaguardar outros direitos
fundamentais, dentre os quais o direito à imagem dos acusados (art. 5.º, X).
 
70 Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p.
142-143.
 
71 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 646-647.
 
72 La interpretación constitucional. In: %y(7)6D. Escritos de derecho constitucional. Trad. Pedro Cruz Villalon. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1992. p. 45.
 
73 Apud ARRUDA MIRANDA, Darcy de. Op. cit., p. 65.
     

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