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18/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

Informação x privacidade - o dano moral


resultante do abuso da liberdade de imprensa

INFORMAÇÃO X PRIVACIDADE - O DANO MORAL RESULTANTE DO ABUSO


DA LIBERDADE DE IMPRENSA
Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 8 | p. 61 | Out / 2011DTR\2012\961
Sílvio Henrique Vieira Barbosa
Jornalista e Advogado.

Área do Direito: Constitucional

; Civil
Sumário:

- 1.Introdução - 2.Informação X Privacidade - 3.Conceito de dano moral - 4.moral na imprensa -


5.Responsabilidade - 6.de imprensa - 7.Direito de resposta - 8.O (mau) exemplo inglês - 9.jurídica
- 10.Comentários finais

Revista de Direito Civil • RDCiv 73/1995 • jul.-set./1995


1. Introdução
“A sociedade brasileira vive momentos de pressa e de sede de justiça. A nossa responsabilidade,
como jornalistas, aumentou muito: instituições falhas, omissas e desmoralizadas fazem com que
caiba a nós o papel da cobrança da solução. As redações viraram pátio dos milagres… Mas é
preciso ir com calma, sob pena de entrarmos todos no rol das desconfianças”.
Faço minhas as palavras de Percival de Souza – colunista do Jornal da Tarde – que no artigo: “A
Ética e o papel da imprensa” retratou a realidade dos meios de informação em nosso país.1
A preocupação externada pelo jornalista tem, afinal, razão de ser. Nossa imprensa, travestindo-se
como o 4.º Poder da República, viola com freqüência a ética e as leis, julgando e condenando à
revelia da Justiça, transformando indícios em provas e suspeitos em culpados aos olhos de toda a
sociedade.
Observamos as empresas jornalísticas se arvorarem como donas da verdade. Quando surge um
protesto contra uma notícia, não raras vezes baseada em boatos, no “ouvir falar”, o jornal assume
uma confortável posição de vítima, atacada enquanto no exercício do direito de liberdade de
expressão.
A informação errada, ou mentirosa, repercute de forma extremamente negativa para o ofendido.
Mas o mea culpa, com a admissão e reparação do erro por parte do veículo responsável, é, salvo
raras exceções, muito trabalhoso, visto que o princípio absolutista de que “o rei nunca erra”
parece ter sido acolhido por muitos dos que militam no 4.º Poder.
2. Informação X Privacidade
Informar: (do latim) pôr em forma os fatos; em oposição à deformar Privacidade: (do inglês) right
of privacy, right to be let alone
O direito à liberdade de informação caracteriza uma exceção geral ao direito à vida íntima das
pessoas, como ensina René Ariel Dotti. Ele deve ser exercido com a condição de não tropeçar no
direito primordial ao respeito à vida privada do indivíduo.2
No começo do século, o Tribunal da Geórgia, nos Estados Unidos, já estabelecia a seguinte
jurisprudência: “Os que têm garantido o direito de expressão, oral, escrita e de imprensa, não
devem abusar de tal direito. Nem aquele que detém o direito à intimidade deve abusar dele. A lei
não permitirá o abuso nem de um nem de outro… Pode-se usar de um deles para moderar o outro;
mas nenhum dos dois pode ser legalmente usado para destruir o outro”.3
No dia a dia, porém, o equilíbrio entre os dois direitos, da informação e da privacidade, cede
constantemente diante das controvérsias, cabendo aos tribunais decidir se os limites, não tão
bem definidos, foram ou não ultrapassados, ou seja, se, ao invés de informação, houve
deformação dos fatos em detrimento do right of privacy. Isto se dá, segundo o Prof. René Ariel
Dotti, porque “os direitos à privacidade e à liberdade de informação se excluem em face da
tendência material de· cada um levar à destruição do outro”.4

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Num exemplo recente (jan./93) e polêmico da quebra desse tênue equilíbrio, o cantor Roberto
Carlos conseguiu que a justiça suspendesse uma série de reportagens sobre sua vida no jornal
Notícias Populares.
Com manchetes de gosto duvidoso (“Eu cortei a perna de Roberto”, “Amputação não tirou Rei da
escola”, “Atropelou Roberto e morreu no fogo”), o NP se propôs a reconstituir, da forma
sensacionalista que caracteriza sua linha editorial, o acidente que provocou a amputação de uma
perna de Roberto Carlos aos 6 anos de idade.
O primeiro pedido de liminar feito pelo advogado do cantor, Saulo Ramos, foi negado, pois
entendeu o Juiz José Tarciso Beraldo (3.ª Vara Cível de São Paulo) que a apreensão seria “uma
violência que não compadece com a liberdade de imprensa, sabido que o jornal responderá por
eventuais delitos e excessos cometidos”.5
Não compartilhando desse entendimento, o TJSP ordenou a suspensão das reportagens, numa
decisão criticada por jornalistas do Brasil e do exterior e por renomados professores de Direito,
como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Fábio Konder Comparato, José Afonso da Silva, Miguel Reale
Júnior, Celso Bastos e René Ariel Dotti, que deploraram a censura prévia a que o NP foi submetido.
O advogado Saulo Ramos retorquiu alegando que a medida cautelar não poderia ser vista como
censura prévia, mas como resultado da “aplicação processual legítima da medida judicial
expressamente autorizada na lei processual civil”.
Ora, a defesa jurídica pode estar correta, mas na prática jornalística dá-se o nome de censura à
qualquer medida que mutile uma publicação, seja ela decidida por um magistrado ou por um
general; não importando, assim, que ocorra numa democracia ou numa ditadura, ou que o motivo
seja pessoal ou político.
A Constituição garante, sim, o direito à imagem, assegurando indenização pelo dano material e
moral decorrentes de sua violação (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, V e X), mas, ao mesmo tempo,
proíbe categoricamente a censura (art. 5.º, IX e art. 220, § 2.º).
3. Conceito de dano moral
Com as referências há pouco feitas à Constituição, chegamos ao cerne do presente estudo: a
análise do dano moral originado por atos da imprensa. Em primeiro lugar, cabe explicar o que vem a
ser Dano Moral, no que aproveitaremos a definição de Limongi França: “é aquele que, direta ou
indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim ai coletividade, sofrer no aspecto não
econômico dos seus bens jurídicos”.6
A expressa previsão de reparação do dano moral na esfera constitucional foi inovação da
Assembléia Constituinte de 1988. Até então, como explica Teresa Ancona Lopez, o dano moral
estava consagrado implícita, mas não explicitamente, no Código Civil (LGL\2002\400) (art. 159 c/c
art. 1.518 – Aguiar Dias; arts. 1.543 e 1.547 – Sílvio Rodrigues; e arts. 1.547 e 1.551 – Espínola).7
Antes da Constituição, a expressão dano moral aparecia pioneiramente no Código de
Telecomunicações (Lei 4.117, de 27.8.62), nos arts. 81 a 87, depois revogados pelo Dec.-lei 236,
de 28.2.67; e, também, na Lei de Imprensa (Lei 5.250, de 9.2.67).
4. moral na imprensa
Antes de iniciarmos o estudo do dano moral na imprensa, nos ateremos, primeiramente, ao que
René Ariel Dotti e Antônio Costela consideram como um novo ramo do Direito, que é o Direito da
Comunicação. Ele se consiste no conjunto de princípios e normas que regem as relações jurídicas
decorrentes da utilização dos meios informativos. E se justifica como um ramo do Direito por dois
motivos fundamentais: exigência didática, já que é uma disciplina de estudo; e exigência
científica, por conter princípios e institutos peculiares, como o direito de resposta e o sistema de
responsabilidade pena) sucessiva, que não encontram parâmetros em outros ramos do direito.8
Dentro do Direito de Comunicação encontramos duas divisões: o Direito de Telecomunicação, que
diz respeito aos veículos propriamente ditos; e o Direito de Informação, que se relaciona ao
conteúdo da notícia veiculada.
E é esta segunda divisão, abarcada pela Lei de Informação ou de Imprensa (Lei 5.250/67) que
vimos interessar. A lei dispõe que:
“Art. 12. Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no
exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas
desta lei e responderão pelos prejuízos que causarem.
Parágrafo único – São meios de informação e divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e
outras publicações periódicas, os serviços de radiodifusão e os serviços noticiosos.”
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O termo periódico é fundamental pois define quem responderá civilmente pela reparação do dano,
como veremos mais adiante.
Pela disposição legal, observa-se que o que caracteriza o crime como especial é, portanto,
submetido às penas da Lei de Imprensa, não é a qualificação profissional do agente, mas a
natureza do meio empregado.
5. Responsabilidade
A Lei de Imprensa prevê o sistema e responsabilidade sucessiva na área penal, respondendo, em
primeiro lugar, autor do escrito ou transmissão incriminada (art. 37) ou, na falta deste, diretor.
Já na esfera cível, responde pela reparação a pessoa natural ou jurídica que explora o meio dê
informação, cabendo ação regressiva (art. 50) para reaver do autor do escrito ou transmissão o
valor da indenização que pagar.
Ao fazer esta disposição na responsabilidade civil, quis o legislador permitir a rápida identificação
da parte legítima contra quem propor a ação. Em se tratando dos veículos de comunicação, nem
sempre ê fácil apontar o verdadeiro responsável pela notícia veiculada, uma vez que diversos
profissionais trabalham, quase que no anonimato, para garantir o resultado final.
Quis o legislador também salientar o dever de controle da empresa sobre o teor do que divulga e,
ainda, garantir a efetividade da indenização, em virtude da maior capacidade econômica da
mesma.9
Se levarmos em conta estas questões, não poderemos aceitar a denunciação à lide em processo
de Crime de Imprensa. Esse instrumento de economia processual colocaria em risco o fiel
cumprimento do dispositivo da lei especial.
Em apoio a esta posição, cito acórdão da Suprema Corte: “Sendo o fato previsto na Lei de
Imprensa e por ela regulado, como regra especial que é, afasta regra geral, ou seja, a legislação
comum. Não há possibilidade de o ofendido optar por pleitear a indenização com base no Código
Civil (LGL\2002\400), o que geraria situação de extremo desequilíbrio entre as partes e superação,
por vias transversas, do prazo decadencial do art. 56” (RSTJ 13/362-363, e RT 664/170). Neste
sentido também RT 646/71 e 659/143.
Com relação ao prazo do art. 56, que dispõe que a ação deverá ser proposta, sob pena de
decadência, dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa, cabe o
mesmo entendimento acima salientado.
Mas vale repetir: prazos maiores previstos pela legislação comum, em nosso entendimento não
seriam aplicados nos chamados Crimes de Imprensa, uma vez que a regra especial é que deve
persistir.
É bem verdade que o prazo de 3 meses parece exíguo para que o ofendido exerça seu direito de
ação. Porém, pode ser melhor compreendido se levarmos em conta as condições especiais que
cercam o trabalho jornalístico. Ora, a repercussão de uma notícia é imediata. É certo que os
efeitos negativos podem perdurar ainda por muito tempo, mas logo após a veiculação da
informação já é possível para o ofendido detectar a existência de dano a ser reparado. Além disso,
entendeu o legislador que, ao dar um prazo muito longo, estaria reduzindo as possibilidades de
defesa do veículo de informação. O imediatismo da notícia tende a espelhar o sentimento
momentâneo da coletividade. Manchetes que encontram respaldo no animus narrandi ou criticandi
numa ocasião determinada, anos depois, com o fato que originou a notícia praticamente
esquecido, seriam tachadas, sim, de ofensivas e sensacionalistas.
Um bom exemplo dessa característica da notícia pode ser obtido pela análise do tratamento que
foi dispensado pelos meios de informação ao ex-presidente Fernando Collor. Na época do
processo, poucos criticavam a forma como a imprensa repercutia as denúncias contra elle. Hoje,
entretanto, passados quase 2 anos do impeachment, poucos são os que não encontram excessos
nas matérias então realizadas.
6. de imprensa
Vários crimes estão paralelamente tipificados no Código Penal (LGL\1940\2) e na Lei de Imprensa,
tais como os delitos contra a honra: calúnia, difamação e injúria. Porém, o âmbito de atuação de
cada um destes textos legais é facilmente identificável, já que a Lei de Imprensa define que todos
os abusos praticados através dos meios de informação e divulgação serão considerados crimes de
comunicação, de informação ou de imprensa (Lei 5.250, art. 12).
Os crimes de calúnia – imputar falsamente fato definido como crime (art. 20); e de difamação –
imputar fato ofensivo à reputação (art. 21), admitem a exceptio veritatis, o que não ocorre jamais
nos crimes de injúria – toda expressão ultrajante ou palavra de desprezo que não contenha

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imputação de um fato.
Nos crimes de calúnia a prova de verdade só não é aceita quando o ofendido foi absolvido por
sentença irrecorrível (art. 20, § 2.º) ou quando os ofendidos são o Presidente da República,
presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados e demais autoridades relacionadas no § 3.º do
art. 20.
Já na difamação, a exceptio veritatis é admitida apenas contra funcionário público em razão das
funções que exerce, ou se o ofendido admitir a prova (art. 21, § 1.º, a e b).
Como defesa para excluir o dolo nos crimes de imprensa, costuma-se invocar, em relação à
calúnia, à difamação e à injúria o animus narrandi, que podemos definir como o dever funcional de
se narrarem os fatos e informá-los à sociedade.
“O animus narrandi, como os outros animus, exclui o elemento subjetivo específico de crime
contra a honra, isto é, o propósito mau, a vontade perversa de difamar ou injuriar” (in RT 428/
350).
No que se refere à injúria, a complacência dos tribunais é ainda maior, admitindo-se também o
animus jocandi – que se corporifica pela intenção de, por meio de riso, brincar com alguém (ex.:
charges); o animus consulendi, caracterizado pelo aconselhamento, e o animus corrigendi – pela
crítica construtiva.
“Onde houver apenas crítica, desvestida de expressões ofensivas à honra e à dignidade do
criticado, não haverá injúria” (in RT 421/262).
Com relação à retificação e à retratação em que se declare a honorabilidade da pessoa, estas
servem como excludente apenas quanto à responsabilidade penal.
Pelo que se depreende do art. 26 da Lei de Imprensa, a retratação torna o querelado tão só
isento de pena, não excluindo a obrigação de indenizar.
Com relação à indenização por danos morais, a Lei de Imprensa foi bastante flexível, apenas
estabelecendo os critérios que o magistrado adotará para definir o quantum. O art. 53 especifica
que o juiz levará em· conta na fixação:
I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza, a repercussão da ofensa e a
posição social e política do ofendido;
II – a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica e sua
condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de
manifestação do pensamento e informação;
III – a retração expontânea e cabal, antes da propositura da ação, bem como a extensão da
reparação por este meio obtida pelo ofendido.
7. Direito de resposta
O direito de resposta é a garantia que a lei oferece a cada um de apresentar a sua versão dos
fatos, pelo mesmo veículo; quando tenha sido ofendido, acusado ou vítima de erro nos meios de
comunicação, conforme asseguram a Constituição (art. 5.º, V) e a Lei de Imprensa (art. 29).
A justificativa moral para o exercício desse direito é a recomposição da verdade, sendo admitida
independentemente da existência de dolo ou culpa, pois já basta a objetividade da ofensa,
acusação ou erro. Permite-se o uso de termos vigorosos, mas, como salienta Antônio Costela, a
resposta deve ser bem dosada, medida e não pode ser confundida com contra-ataque.1 0
Apesar da expressa previsão legal, o direito de resposta é praticamente letra morta, por culpa da
dificuldade do veículo em admitir o erro e do próprio cidadão que teme envolver-se numa batalha
judicial. E o que ocorre, via de regra, é que as acusações são publicadas com destaque, mas a
reparação ou a resposta normalmente se limita a pequena e pouco destacada seção de cartas.
Uma exceção digna de nota é o direito de resposta obtido pelo ex-governador do Rio, Leonel
Brizola, contra a Rede Globo.
Em editorial lido no Jornal Nacional, há 2 anos, Brizola foi acusado de sofrer “declínio da saúde
mental” e de “deprimente inaptidão administrativa;
Na resposta, que foi finalmente ao ar no dia 16.3.94, o ex-governador conseguiu o mesmo tempo
e espaço para dizer, através da voz do apresentador Cid Moreira, que tudo na Globo é
“tendencioso e manipulado”, entre outras coisas.1 1
8. O (mau) exemplo inglês
Reconhecido internacionalmente pela qualidade, o jornalismo inglês, tanto impresso como
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televisivo, se encontra às voltas com um grande dilema num país onde a censura, há séculos, não
representa mais qualquer ameaça.
Ao contrário do Brasil, onde temos legislação para regular as atividades da imprensa e dos meios
de telecomunicações, a Inglaterra não dispõe de qualquer código escrito ou leis específicas sobre
o trabalho jornalístico. Alguns estatutos, entretanto, incluem seções que se aplicam à imprensa,
tais como leis que regulam a propriedade e funcionamento de companhias de rádio e TV;
restrições à cobertura jornalística de julgamentos; restrições à publicação de material de cunho
racista e limitação à presença de jornalistas em reuniões de autoridades.
São solidariamente responsáveis, uma vez constatado o abuso, o editor, o proprietário, o
impressor, o autor e até o distribuidor (é importante salientar que, muitas vezes uma única pessoa
responde por mais de uma dessas atividades).
Na falta de leis específicas, a conduta da imprensa inglesa foi fiscalizada, de 1953 até 1990, pelo
Press Council, órgão de caráter privado formado por representantes indicados por jornais do país.
Entretanto, denúncias constantes de violação de privacidade, que veremos melhor a seguir,
levaram um comitê independente, formado a pedido do governo, a recomendar a substituição do
Press Council, onde a participação era voluntária, pela Press Complaints Comission onde os órgãos
de imprensa devem necessariamente estar representados e que contam, também, com a presença
de representantes da sociedade.
Esta comissão, que começou a atuar em 1991, atua como árbitro em reclamações sobre a
conduta de jornais e revistas, e tem o poder de aconselhar e repreender editores e jornalistas com
base num código de ética que envolve tudo o que cerca o mundo de trabalho desses profissionais.
Porém, esta self regulation, talvez pela falta de penalidades expressas, não conseguiu atingir o
objetivo principal, como observamos pelos inúmeros fatos noticiados nos últimos meses.
A imprensa inglesa, principalmente os tablóides diários, tem atravessado, com uma constância
assustadora, a pouco clara linha divisória entre os dois direitos: de privacidade e de informar. Sob
a falsa alegação de que o público inglês deve saber de tudo, sobre tudo e todos, os jornais
sensacionalistas competem entre si para descobrir um escândalo maior que o do concorrente. É o
chamado jornalismo de alcova, como foi muito bem definido pelo Prof. Carlos Alberto Di Franco.1 2
Neste frenesi, a vida íntima dos membros da família real, inclusive com detalhes picantes sobre
relações amorosas, se tornou um folhetim barato (em ambos os sentidos), que das ruas de
Londres ganha repercussão mundial e acaba refletindo da mesma maneira sensacionalista na
imprensa dos outros países, inclusive o Brasil.
A busca pelo escândalo é tão desesperada que até jornais sérios como o The Independent aderem
à notícia de venda fácil, mesmo com uma fonte duvidosa. Isso acarretou ao jornal um pedido de
desculpas oficial por ter dado crédito “a um mentiroso” (sic), um jornalista que afirmara ter
recebido informações secretas de um hacker (pirata de computador), que as teria roubado de um
sistema do governo. Na verdade, como rapidamente se descobriu, o próprio jornalista tinha usado
de artimanhas criminosas· para roubar as informações.1 3
A febre sensacionalista chegou também à TV local. O último sinal disso foi um ácido e destrutivo
documentário, transmitido pelo Channel 4, sobre a vida de Madre Teresa de Calcutá, Nobel da Paz
reduzida a uma figura fanática e mentirosa pela equipe inglesa.
E é por causa desse jornalismo escandaloso que a Inglaterra vive o dilema sobre o qual falamos no
começo deste tópico. A veneração pela liberdade de imprensa começa a ser colocada em xeque
após tantos abusos seguidos da “imprensa marrom”. Não se discute a censura, é verdade, mas
uma nova reestruturação da Press Compaints Comission, para que ela possa, não só aconselhar,
como também fazer impor decisões de respeito à ética e revalorização do jornalismo investigativo,
ao invés do especulativo atual.
Na França, o mesmo fenômeno de banalização da notícia, às custas da intimidade alheia foi
rapidamente sufocado. No mês de novembro de 1994 a revista Paris Match quis dar um furo de
reportagem anunciando/ter descoberto uma filha de relação extraconjugal do presidente François
Mitterrand. A reação dos grandes órgãos de imprensa surpreendeu. Ao invés de entrarem na
guerra do sensacionalismo, criticaram a invasão à vida privada de um homem público.
9. jurídica
A pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de crime nem sofrer ação penal.
“Como é curialmente sabido, a responsabilidade penal é estritamente pessoal, tem por fundamento
a responsabilidade moral, que pressupõe no autor do crime, contemporaneamente à ação ou
omissão, a capacidade de entendimento e a liberdade de vontade. E à pessoa jurídica faltam
esses atributos, não podendo ser, jamais, sujeito ativo de crime” (in RT 455/374).
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Mas a certeza cede diante da polêmica sobre a possibilidade da pessoa jurídica poder ou não ser
sujeito passivo.
Ao poucos, vêm crescendo o número dos que, como Magalhães Noronha e Arruda Alvim, admitem
essa possibilidade.
“Não é válida, face ao nosso Direito Positivo, a assertiva de que a pessoa jurídica não pode ser
vítima de crime de imprensa” (in RT 417/279).
“Embora discutida na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de ser pessoa jurídica sujeito
passivo dos crimes contra a honra, já que tal sentimento é atributo da pessoa humana, verdade é
que, modernamente, se inclinam para a proteção do bom-nome, do crédito, da respeitabilidade e
da confiança da mesma. Pois tem ela também um patrimônio moral, o qual pereceria, levando-se à
ruína, se ficasse a descoberto contra ataques levianos de maldosos à sua reputação” (in RT 410/
404).
“As calúnias e as injúrias podem ser cometidas não só contra os indivíduos, pessoas naturais,
senão, também contra as pessoas jurídicas. Estas, segundo o art. 20 do CC, têm existência
distinta da dos seus membros, são capazes de direitos e obrigações e podem ser expostas ao ódio
e ao desprezo público” (in RT 426/403).
Já no direito de resposta, a Lei de Imprensa é clara, assegurando a toda pessoa natural ou jurídica
o referido direito (art. 29).
10. Comentários finais
Entre as críticas que a Lei 5.250/67 sofre, esta a de que não pode servir à uma sociedade
democrática, uma vez que entrou em vigor em pleno período de exceção.
A lei, de fato, precisa ser mudada em muitos aspectos, e uma comissão nomeada pelo Conselho
Federal da OAB deu sua contribuição, preparando e enviando ao Congresso, em 1991, um
anteprojeto que prevê diversas alterações no atual ordenamento.
Seguindo o entendimento dominante nas democracias, o texto elimina a pena de prisão, punindo
os crimes contra a honra com multa, prestação de serviços à comunidade e a suspensão
temporária do exercício profissional.
E sugere a criação de um processo unificado, na Justiça Criminal, para a solução dos conflitos
decorrentes da violação da honra, chamando para o mesmo a vítima, o réu e a empresa
responsável pelo veículo de comunicação. Desta forma, explica o advogado Francisco Carvalho
Filho, o magistrado teria diante de si a possibilidade de reparar o eventual dano moral,
independentemente da condenação ou da absolvição criminal do acusado. Teria-se uma única
sentença e a pena de multa, aplicada pelo juiz, verteria em favor do ofendido como indenização
pelo dano moral sofrido.1 4
Em relação ao quantum, a Comissão fixou a indenização pelo dano moral nos limites de uma a
duzentas vezes o valor do piso salarial do jornalista no local da infração.
Quanto a esta última sugestão, a meu ver o quantum pode e deve ter um limite ainda maior, já
que a existência de lei garantindo o pagamento de uma vultosa reparação financeira à vítima do
dano moral serviria de grande aliada para que a ética jornalística pudesse realmente triunfar sobre
as manchetes sensacionalistas. e sobre as informações deformadas.
Ética é justamente a palavra-chave nas discussões, debates e mesas redondas sobre as principais
questões políticas, econômicas e sociais do país.
O tema não poderia ficar de fora, portanto, da XV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados
do Brasil, realizada em Foz do Iguaçú. Dentre os muitos depoimentos salientaria dois: o do Prof.
Celso Lafer e o do presidente do Tribunal de Ética da OAB, Dr. Modesto Carvalhosa. Nas palavras
de Celso Lafer.
“O problema da Ética de princípios, como nós advogados sabemos, é de que não há princípio que,
dependendo das circunstâncias, não comporte uma eventual exceção. Por exemplo, a legítima
defesa, como exceção à regra de não matar. Por isso, cabe aos advogados valerem-se de uma
categoria clássica do Direito: prudência”.
Essa citada categoria é a que, sem dúvida alguma, se encaixaria perfeitamente ao trabalho
jornalístico. Prudência e ética devem se complementar em benefício de toda a sociedade. E a
forma segura e democrática da sociedade assegurar-se dessa união está na formação e
valorização das Comissões de Ética.
Segundo o Dr. Modesto Carvalhosa, “a adoção de Códigos de Ética por parte dos agrupamentos
profissionais, dentre os quais se incluem primordialmente o de servidores públicos, possibilita que,
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fora dos estritos comandos legais, esses mesmos grupos encontrem padrões a que aderem
espontânea e intimamente, capazes de proporcionar aos usuários desses mesmos serviços o
reconhecimento de sua dignidade”.
Código de ética prescindem, porém, para serem corretamente colocados em prática, da
fiscalização atuante de uma comissão de ética. No caso da imprensa, tal comissão, cujo embrião
já existe no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, deveria englobar não só profissionais
assalariados, como também representantes das empresas jornalísticas, e dos mais variados
segmentos da sociedade, que afinal de contas é a grande prejudicada quando a ética na
informação perde lugar para a notícia escandalosa.
Se uma comissão desse porte já estivesse atuando para coibir os abusos, não haveria
necessidade da formação, pela OAB, da “Associação das Vítimas da Imprensa Anti-ética” (AVIA),
criada durante a XV Conferência, com O intuito de resguardar os cidadãos contra os abusos
cometidos nos meios de comunicação.
ARRUDA MIRANDA, Darcy. Comentários à Nova Lei de Imprensa, RT, S. Paulo.
BARROS, Jorge Pedro Dalledonne. Telecomunicações: Verdade Suada X Mentira Orquestrada, Paz
e Terra, S. Paulo, 1994.
BITTAR, Carlos Alberto. A Lei de Direitos Autorais na Jurisprudência, RG, S. Paulo, 1988.
CHAPARRO, Manuel Carlos, Pragmática do Jornalismo, Summus Ed., S. Paulo, 1994.
COSTELLA, Antônio. Direito da Comunicação, RT, S. Paulo, 1976.
DOTTI, René Ariel. Proteção da Vida Privada, RT, S. Paulo, 1980.
LACERDA, Carlos. A Missão da Imprensa, Edusp, S. Paulo, 1990.
LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético, RT, S. Paulo, 1980.
NOBRE, José de Freitas. Comentários à lei de Imprensa, Saraiva, S. Paulo, 1985.
______. Imprensa e Liberdade, Summus Ed., S. Paulo, 1988.
ROBERTSON, Geoffrey & NICOL, Andrew G. L., Media Law – The Rights of Journalists, Broadcasters
and Publishers, Londres, 1992.

1 Jornal Unidade (publicação mensal do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São
Paulo), maio/94.

2 René Ariel Dotti, Proteção da Vida Privada, p. 182.

3 Idem, p. 71.

4 Idem.

5 Jornal Folha de São Paulo, ed. de 8.1.93.

6 Limongi França, “Reparação do Dano Moral”, RT 631/29 (DTR\1988\99).

7 Teresa Ancona Lopez, O Dano Estético, pp. 11-12.

8 Antônio Costella, Direito da Comunicação, pp. 9 e ss.

9 RE 113.283-RS, RTJ 123/81.

10 Antônio Costella, op. cit., pp. 207 e ss.

11 Jornal Folha de São Paulo, ed. de J. 6.3.94.

12 Artigo “Teresa de Calcutá – jornalismo de escândalo”, pub. em 28.11.94 no Jornal O Estado de


São Paulo, por Carlos Alberto Di Franco, prof. de Ética Jornalística na Faculdade Cásper Líbero.

13 O Estado de São Paulo, ed. de 26.11.94.

14 Luís Francisco Carvalho Filho, in Revista do Advogado.


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18/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
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