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1. Noções introdutórias
2. O juiz
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BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos sobre o Processo Criminal brasileiro, ed. anot., atual. e
compl. por José Frederico Marques, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1959, cap. 2, seç. 1, n. 57,
p. 33.
3
solução.2
Com o desenrolar da história, e tendo ficado cada vez mais claro o poder
político decorrente do exercício dessas habilidades, os líderes dos primeiros
Estados, como o Egito antigo, por exemplo, passaram a cuidar ou para terem
proximidade ou mesmo influência sobre esses sacerdotes, ou para exercerem
pessoalmente essa função, ou, melhor ainda, para serem vistos como divindades
pelo povo.3
A evolução passou a demonstrar cada vez mais que a magistratura era um
elemento importante, uma das mais importantes funções políticas do Estado. Daí
que, dentre as investiduras gerais do funcionalismo público, a do magistrado
passava a ser cada vez mais um fato jurídico dos mais relevantes no Estado de
Direito.4
Em primeiro lugar, tome-se a investidura do juiz substituto. Ela não é
simplesmente um ato administrativo do presidente do Poder Judiciário. É o
resultado da conjugação de uma série de fatos, da manifestação de vontade de
inúmeras pessoas, o que a torna uma das mais complexas investiduras do Estado
moderno. Do mesmo modo a investidura dos desembargadores dos tribunais de
apelação, dos ministros dos tribunais superiores e dos ministros do Supremo
Tribunal Federal. São atos administrativos da maior significação e que repercutem
em inúmeras esferas. Daí a importância de estudá-los.
Como um sinal da importância que reconhece à carreira da magistratura, a
Constituição cuidou de estabelecer que uma lei orgânica disporá sobre o seu
estatuto, com um cuidado especial quanto à investidura do juiz substituto. Dispôs
que essa lei observará que a investidura do juiz substituto dar-se-á com observância
de três requisitos para o ingresso nesse cargo inicial da carreira. O primeiro deles,
2
Cf. MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem, trad. de Maria Clara Corrêa
Dias, rev. de Beatriz Sidou, 2ª ed., Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2008, parte 2, cap. 2, p. 69-
70.
3
Cf. TRUYOL Y SERRA, António. História da Filosofia do Direito e do Estado, trad. de Henrique
Barrilaro Ruas, Lisboa: Ed. Instituto de Novas Profissões, 1982, p. 19-26.
4
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro-São Paulo:
Ed. Forense, 1965, v. 1, n. 97, p. 187.
5
5
Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 2.210-AL – STF – Pleno – Rel. Min.
Sepúlveda Pertence – julgada em 28.set.2000 – não conhecida em parte e deferida em outra parte –
votação unânime – DJU, 24.mai.2002, p. 53; Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade
n. 2.204-MT – STF – Pleno – Rel. Min. Sydney Sanches – julgada em 8.nov.2000 – não conhecida em
parte e deferida em outra parte – votação unânime – DJU, 2.fev.2001, p. 72.
6
Ação direta de inconstitucionalidade n. 1.985-PE – STF – Pleno – Rel. Min. Eros Grau – julgada em
3.mar.2005 – julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do trecho final do § 1º do art.
7º do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Pernambuco – votação majoritária – DJU,
13.mai.2005, p. 6 – RTJ n. 193, p. 843.
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carreira judiciária, além de todas as exigências desse certame, adquire apenas uma
tênue estabilidade desde o princípio. Deve cumprir um estágio probatório de dois
anos, ao final do qual – se sua exoneração não for proposta e decidida por dois
terços dos votos do tribunal ou órgão especial competente – adquirirá a
vitaliciedade (LC 35, art. 22, § 1º). A perda do cargo não é, obviamente, o resultado
de um capricho do tribunal ou do órgão especial competente. Deve resultar, por
exemplo, de comportamento revelador de incompatibilidade com o exercício da
magistratura, de desídia, de falta de qualidade de suas decisões.
Segundo a lei os juízes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal
Militar e os desembargadores dos tribunais de apelação adquirem vitaliciedade a
partir da posse (LC 35, art. 22, I). A Constituição menciona a vitaliciedade dos
ministros dos Superior Tribunal Militar (art. 123). Obviamente os ministros do
Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho e os juízes dos
tribunais regionais federais também adquirem vitaliciedade a partir da posse; não
há para nenhum dos ocupantes desses cargos qualquer espécie de estágio
probatório.
A investidura do juiz de tribunal de apelação tem um funcionamento
sumamente diverso da investidura do juiz substituto.
Na maior parte dos casos, ela se dá como parte do processo de evolução do
magistrado na carreira. Isto é, o cargo de juiz de tribunal se constitui em um degrau
da carreira da magistratura, legítima expectativa dos que a integram. Nesse caso, a
investidura se dá por promoção. Na menor parte dos casos, isto é, em um quinto
deles, ela assume a forma de investidura originária.
No caso da investidura por promoção, a norma constitucional estabelece que
haverá duas formas: por antiguidade e por merecimento, alternadamente, apurados
tanto aquela quanto este, na última ou na única entrância (Constituição, art. 93, III).
A investidura originária ocorre em duas hipóteses, ambas vocacionadas a
atender o mandamento do chamado “quinto constitucional” (Constituição, art. 94).
Com efeito, a Constituição estabelece que um quinto das vagas dos tribunais de
apelação será preenchido em parte por membros oriundos do Ministério Público
com mais de dez anos na carreira e na outra parte por advogados com mais de dez
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Habeas corpus n. 41.217-MS – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Felix Fischer – julgada em 6.abr.2006 –
ordem concedida – votação unânime – DJU, 2.mai.2006, p. 343.
11
Em princípio, são nulos de pleno direito todos os atos praticados por juiz cuja
investidura seja anulada a posteriori. Além disso, o responsável pela prática desses
atos está incurso no crime de usurpação de função pública (CP, art. 328).8
Contudo, a questão está longe de ser simples. Os atos jurisdicionais praticados,
sejam ou não decisórios, praticados por alguém que, depois, tem sua investidura
anulada, tendem a repercutir em inúmeras esferas de interesse. Afinal de contas,
tratam-se de atos de poder. Em nome da estabilização das relações sociais, porém,
a anulação desses atos, como consequência da anulação da investidura, pode muitas
vezes ser evitada.
Atento a essa necessidade, a lei processual penal militar dispõe que a sentença
proferida por conselho do qual fazia parte juiz irregularmente investido (assim
como impedido e suspeito) não anula o processo, salvo se a maioria se fez por
apenas um voto (CPPM, art. 509).
São inúmeras as questões que surgirão dessa situação. Imagine que o ato judicial
decisório tenha sido nada menos que uma sentença condenatória. O juiz que a
proferiu vem a ser posteriormente destituído do cargo por nulidade de sua
investidura. Essa sentença condenatória é sem dúvida nula. Cabe habeas corpus
(CPP, art. 648, VI) ou mesmo revisão criminal (CPP, art. 621, I) para anulá-la.
Se, ao contrário, o ato decisório for uma sentença absolutória, não haverá como
declarar essa nulidade, pois não há, entre nós, revisão criminal pro societate. A
solução é considerá-la válida, por faltar instrumento para obter essa declaração.
Tal como os demais, o juiz criminal goza das seguintes garantias: vitaliciedade,
inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios e promoção para a entrância
superior, alternadamente, por antiguidade e merecimento.
Além dessas garantias e tendo em conta a natureza de sua função, o juiz criminal
também conta com o instrumento do julgamento colegiado em primeiro grau, em
processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por
organizações criminosas (Lei 12.964, art. 1º, caput). Esse colegiado visa a dar ao
juiz criminal mais segurança frente a determinadas situações que envolvem
8
Cf. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro-São
Paulo: Forense, 1965, v. 1, n. 97, p. 187.
12
organizações criminosas. O colegiado, formado pelo próprio juiz e por mais dois
membros escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal
em exercício no primeiro grau de jurisdição (Lei 12.964, art. 1º, § 2º) será então
responsável pela prática de inúmeros atos processuais, tais como “decretação de
prisão ou de medidas assecuratórias” (Lei 12.964, art. 1º, I); “concessão de
liberdade provisória ou revogação de prisão” (Lei 12.964, art. 1º, II); “sentença”
(Lei 12.964, art. 1º, III); “progressão ou regressão de regime de cumprimento de
pena” (Lei 12.964, art. 1º, IV); “concessão de liberdade condicional” (Lei 12.964,
art. 1º, V); “transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança
máxima” (Lei 12.964, art. 1º, VI) e “inclusão do preso no regime disciplinar
diferenciado” (Lei 12.964, art. 1º, VII).
A função precípua e típica do juiz criminal de primeira instância – a que há de
ocupar a maior parte do seu tempo – é, obviamente, a de julgar alguém acusado da
prática de uma infração penal. Contudo, ele acaba por enfeixar outras funções,
administrativas e instrutórias.
No caso das primeiras, a ele cabe zelar pela regularidade do processo penal
condenatório e manter a ordem no curso dos momentos processuais, se for o caso,
através da requisição de força pública (CPP, arts. 251, 794 e 795).
Ainda no campo da atividade administrativa do juiz criminal, encontram-se as
seguintes funções: a) fiscalizar a observância do princípio da legalidade por parte
do órgão do Ministério Público (CPP, art. 28); b) requisitar a instauração de
inquérito policial (CPP, art. 5º, II, primeira parte); c) determinar o arquivamento
de inquérito policial, atendendo a promoção do órgão do Ministério Público (CPP,
arts. 18 e 28); d) determinar o arquivamento de peças de informação, atendendo a
promoção do órgão do Ministério Público (CPP, arts. 18 e 28); e) receber a notitia
criminis (CPP, art. 39); f) receber a representação criminal (CPP, art. 39); g)
remeter ao órgão do Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao
oferecimento de denúncia por crime de ação pública, quando deste tiver
conhecimento (CPP, art. 40); h) oferecer às partes, no caso de crimes de calúnia e
injúria de competência de juiz singular, a oportunidade de se reconciliarem (CPP,
art. 520).
É inegável que algumas dessas funções, como a de requisitar a instauração de
13
9
CAMPOS, Francisco. “Validade dos atos praticados por funcionários irregulares”, em Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Ed. Imprensa Nacional, 1943, p. 29.
14
7º) ser um parente do juiz, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até
o terceiro grau, parte ou diretamente interessado no desfecho do processo (CPP,
art. 252, IV, terceira parte);
8º) sendo o juiz integrante de juízo coletivo, ser parente, consanguíneo ou afim,
em qualquer grau em linha reta e até o terceiro grau na linha colateral, de qualquer
dos outros integrantes desse mesmo juízo (CPP, art. 253).
O impedimento por parentesco por afinidade cessa com a dissolução do
casamento que lhe houver dado causa, salvo se houverem sobrevindo descendentes
(CPP, art. 255, primeira parte). Remanesce, porém, o impedimento, uma vez
cessado o casamento sem descendentes, se o juiz for sogro, padrasto, cunhado,
genro ou enteado de qualquer das partes (CPP, art. 255, segunda parte).
A suspeição é uma hipótese menos evidente de falta de capacidade subjetiva do
juiz. Nesse caso, a lei enumera hipóteses que não refletem, senão após uma
verificação do caso concreto, a falta de imparcialidade. Em todos os casos, é preciso
analisar a situação concreta e verificar se a hipótese ventilada na lei ocorre. Se
ocorrer, o juiz deverá se declarar suspeito e, não o fazendo, poderá ser recusado
por qualquer das partes (CPP, art. 254, caput, última parte).
São os seguintes os casos de suspeição:
1º) ter o juiz amizade íntima ou inimizade capital com qualquer das partes (CPP,
art. 254, I);
2º) ter sido o juiz acusado da prática de crime análogo ao objeto do processo,
desde que nesse processo haja controvérsia sobre o caráter criminoso da conduta
(CPP, art. 254, II, primeira parte);
3º) ter sido o cônjuge do juiz acusado da prática de crime análogo ao objeto do
processo, desde que nesse processo haja controvérsia sobre o caráter criminoso da
conduta (CPP, art. 254, II, segunda parte);
4º) ter sido um ascendente ou descendente do juiz acusado da prática de crime
análogo ao objeto do processo, desde que nesse processo haja controvérsia sobre
o caráter criminoso da conduta (CPP, art. 254, II, terceira parte);
5ª) ter o juiz sustentado demanda ou respondido a processo que tenha de ser
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julgado por qualquer das partes (CPP, art. 254, III, primeira parte);
6ª) ter o cônjuge do juiz sustentado demanda ou respondido a processo que
tenha de ser julgado por qualquer das partes (CPP, art. 254, III, segunda parte);
7ª) ter um parente do juiz, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, inclusive,
sustentado demanda ou respondido a processo que tenha de ser julgado por
qualquer das partes (CPP, art. 254, III, terceira parte);
8ª) ter o juiz aconselhado qualquer das partes (CPP, art. 254, IV);
9ª) ser o juiz credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes (CPP,
art. 254, V);
10ª) ser o juiz sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no
processo (CPP, art. 254, VI).
A suspeição, quando o vínculo de parentesco for por afinidade, cessa com a
dissolução do casamento que lhe houver dado causa, salvo se houverem sobrevindo
descendentes (CPP, art. 255, primeira parte). Todavia, remanesce a suspeição, uma
vez cessado o casamento sem descendentes, se o juiz for sogro, padrasto, cunhado,
genro ou enteado de qualquer das partes (CPP, art. 255, segunda parte).
Não será declarada nem reconhecida a suspeição se a parte injuriar o juiz ou de
propósito der motivo para criá-la (CPP, art. 256).
Além dessas, desde sempre se reconhece a possibilidade da chamada suspeição
por foro íntimo. Antes mesmo da entrada em vigor do Código de Processo Penal
de 1941, escreveu FRANCISCO CAMPOS que “é fora de dúvida que, além dos casos
em que o promotor [ou o juiz] não pode funcionar em virtude de um dos motivos
legais de suspeição, existem casos em que ele pode deixar de funcionar por se sentir
em consciência incompatível com o exercício de suas funções”.10
A suspeição se dá entre as partes materiais do processo, isto é, entre juiz e
acusado, entre juiz e ofendido, entre o órgão do Ministério Público e o acusado,
entre o órgão do Ministério Público e o ofendido.
10
CAMPOS, Francisco. “Validade dos atos praticados por funcionários irregulares”, em Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Ed. Imprensa Nacional, 1943, p. 31.
16
3. A autoridade policial
prejuízo da ação dos órgãos fazendários e de outros órgãos públicos nas suas
respectivas áreas. Esta última atividade, a prevenção, por definição vem antes da
investigação e pressupõe a atividade de evitar o cometimento de crimes. Também
cabe a esses órgãos de polícia.
Os delegados das polícias civis, por tradição das estruturas administrativas
estaduais, ainda administram os órgãos de Identificação Civil, atividade essa
prevista na Constituição (art. 5º, LVIII) e na lei processual penal (CPP, art. 23).
Por fim, os delegados de Polícia também atendem vítimas de crime ou
denunciantes de atividades criminosas ou simplesmente perturbadoras da paz
pública, registrando suas reclamações, solucionando-as ou encaminhando
soluções.
No âmbito do Processo Penal, porém, a principal função do delegado de
Polícia é a investigação criminal. Segundo a lei, a investigação consiste na “apuração
das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais” (Lei 12830,
art. 2º, § 1º).
Seus principais instrumentos, com clara vantagem para o primeiro, são o
inquérito policial (CPP, arts. 4º-17, 19-23), o auto de prisão em flagrante (CPP, art.
304-309) e o termo circunstanciado (Lei 9099, art. 69). A lei processual penal ainda
fala na possibilidade da autoridade policial realizar pesquisas de crime, que seriam
como diligências preliminares a uma investigação através de inquérito policial
(CPP, art. 18). Por definição, essas pesquisas devem ser breves e, tanto quando
possível, documentadas.
Segundo a Constituição, o delegado de Polícia Federal preside a investigação
do crime que vulnere a ordem política e social (art. 144, § 1º, I, primeira parte),
que prejudique bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas (art. 144, § 1º, I, segunda parte) e de crime que
repercuta em dois ou mais estados, ou em um outro país e que, conforme a lei,
exija repressão (art. 144, § 1º, I, última parte). Também deve investigar o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo
da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de
competência.
18
O delegado de Polícia Civil investiga todos os demais crimes, isto é, os que não
se encaixem nas hipóteses atribuídas ao delegado de Polícia Federal.
Por fim, cabe dizer que a Polícia Federal, no âmbito da União, e as polícias
civis, no âmbito dos estados, exercem as funções de polícia judiciária. Conforme
dito, a função de polícia judiciária não corresponde inteiramente à investigação
criminal. É mais referente às funções policiais relacionadas com a efetivação da
atividade judiciária. O Poder Judiciário, qual a invocação da imagem da deusa
Themis, tem uma balança em uma das mãos, os olhos vendados e a uma espada
na outra mão. A Justiça equilibrada e imparcial, conquanto importante, de nada
serve se a espada não estiver preparada para garantir suas decisões. A polícia
judiciária consiste exatamente na efetivação das decisões da Justiça, como a garantia
da ordem nos fóruns, o transporte de réus presos que precisem tomar parte de atos
judiciais, a escolta de juízes e servidores, a garantia da ordem durante a efetivação
de medidas judiciais constritivas.
investigações criminais.11
De fato, o membro do Ministério Público é uma parte técnica com dever de
objetividade, que é algo muito diverso de imparcialidade. O juiz, que é imparcial,
não deve tomar partido de uma tese de mérito; deve permanecer equidistante de
todas as teses processuais do início ao fim do processo penal condenatório, só
optando por uma na fase decisória. O membro do Ministério Público, por outro
lado, uma vez convencido de que há prova da materialidade do crime, da autoria e
da culpabilidade do réu, deve perseguir esse objetivo, desde a fase postulatória até
a fase crítica do processo penal condenatório. Indisputavelmente, é parte
processual.
Por outro lado, se surgirem evidências da falta, falsidade ou fragilidade da prova
do crime, da autoria ou da culpabilidade do réu, o membro do Ministério Público
tem o dever moral, não jurídico, de postular a absolvição. Bem assim se perceber
nulidade do processo penal condenatório.
São funções do membro do Ministério Público a) promover a ação penal
pública e sustentar a acusação, do início ao fim ao menos do processo em primeiro
grau (Constituição, art. 129, I; CPP, arts. 16, 42, 257, I); b) promover o
arquivamento da investigação criminal (CPP, art. 24, 28 e 47); c) requisitar e
participar da investigação policial, através de diligências (Constituição, art. 129,
VIII; CPP, arts. 13, II, 27 e 40); d) receber a representação do ofendido e a
requisição do Ministro da Justiça (CP, arts. 7º, 9º, 100, § 1º; CPP, arts. 24, caput, e
39); e) fiscalizar a legalidade processual (Constituição, art. 129, II; CPP, art. 257,
II); f) velar pela indivisibilidade da ação penal privada (CPP, art. 48); h) requerer
medidas processuais de urgência (CPP, art. 311 e 319); g) exercer o controle
externo da atividade policial, na forma de lei complementar (Constituição, art. 129,
VII; LC 75, art. 9º).
5. O defensor constituído
11
Habeas corpus n. 85.011-RS – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Teori Zavascki – julgado em 26.mai.2015
– ordem denegada – votação majoritária, vencido o Min. Marco Aurélio – DJe n. 119, 22.jun.2015.
21
culpados.
Com a derrocada do império romano e o início da Idade Média, o Processo
Penal na Europa continental modificou-se inteiramente. Abandonou suas bases
racionais e voltou-se para rituais de interlocução com o divino. Nesse momento,
tendo perdido relevância da argumentação, desapareceu também a necessidade da
participação do advogado. As coisas permaneceram dessa forma por séculos, até a
redescoberta do Corpus Juris Civilis, no século doze.
As fontes romanas foram redescobertas e as universidades medievais,
principalmente Bolonha e Paris, começaram a estudá-las. As escolas dos glosadores
e dos pós-glosadores fizeram esse trabalho, traduzindo e atualizando as lições dos
juristas romanos. Mas foi com a escola dos práticos que as lições jurídicas herdadas
dos romanos tornaram-se efetivamente úteis para a época. Entre os juristas práticos
contam-se juízes, investigadores, acusadores públicos – essas funções muitas vezes
confundidas em um único profissional – e, da mesma maneira e talvez até
principalmente, advogados.
A época dos práticos consagrou, do lado dos advogados, nomes como Tiberio
Deciani (1509-1582), Giulio Claro (1525-1575) e Prospero Farinacio (1544-1618).
Deciani foi o primeiro penalista a sistematizar a matéria penal, dividindo-a em uma
parte geral e uma parte especial. Em seu principal trabalho – “Tractatus criminalis
utramque continens censuram” (1551) – acabou por sistematizar as causas de
exclusão da ilicitude penal, por salientar a importância da tipicidade penal e dos
critérios para a incriminação. Claro, por sua vez, em sua obra mais importante –
“Septen libri sententiarum receptarum, seu practica civilis et criminalis” (1565) –
preocupou-se com os limites dos sujeitos processuais, isto é, o que deveriam e o
que poderiam fazer, no processo, os juízes, os acusadores públicos, os advogados.
Farinacio, por fim – especialmente em seu livro “Quæstiones et communes
opiniones criminales” (1558) – pode ser considerado o pai da teoria das provas
ilícitas, ao ser o primeiro jurista a contestar, com argumentos jurídicos, a validade
de uma confissão obtida mediante tortura quando esta fora ordenada fora das
hipóteses legais.12 Em todos esses casos, com maior ou menor extensão, o que se
12
DAMAŠKA, Mirjan. Evidence Law Adrift, New Haven-Londres: Yale University Press, 1997, p. 13.
23
Um advogado, devido ao sagrado dever assumido com seu cliente, sabe que, para dele
se desincumbir, ninguém no mundo, exceto seu cliente, existe. Salvar esse cliente, usando de
todos os expedientes existentes, a fim de o proteger de todos os azares e, entre outros, dele
mesmo, um advogado sabe que este é o mais alto e inquestionável dos seus deveres; e ele
não deve preocupar-se com o alarme, o sofrimento, o tormento, a destruição que, com isso,
cause a qualquer pessoa. E, separando os deveres de patriota dos de advogado deve, se
preciso for, lançar aqueles ao vento e ir adiante, indiferente às consequências, mesmo se
13
Habeas corpus n. 98.237-SP – STF – 2ª Turma – Rel. Min. Celso de Mello – julgado em 15.dez.2009
– ordem concedida de ofício – votação unânime – DJe 145, 6.ago.2009.
14
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, trad. de L. Cabral de Moncada, 6ª ed., Coimbra: Ed.
Arménio Amado, 1979, § 25, n. 2, p. 344.
15
Habeas corpus n. 76313-SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Ilmar Galvão – ordem indeferida – DJU,
21.ago.1998.
25
envolver seu país em uma confusão, tudo para proteger seu cliente.16
16
BROUGHAM, Henry. “Speech in Defence of Her Majesty Queen Caroline – The Case of Queen
Caroline – Speech”, em Speeches Upon Questions Relating to Public Rights, Duties and Interests; With
Historical Introductions, and A Critical Dissertation Upon the Eloquence of the Ancients, Calcutá: Ed.
Woollaston and Co., 1839, v. 1, p. 67-68. Tradução livre.
17
Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança n. 24403-DF – STJ – 2ª Turma –
Rel. Min. Gilmar Mendes – julgado em 13.abr.2018 – desprovido – votação unânime – DJe 80,
25.abr.2018.
18
Habeas corpus n. 8.703-SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio – julgado em 10.jun.2014 –
ordem deferida – votação majoritária, vencidos os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber – DJe 188,
26.set.2014.
19
Recurso ordinário em habeas corpus n. 8.703-SE – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Gilson Dipp – julgado
em 14.set.1999 – provido – votação unânime – DJU, 18.out.1999, p. 239.
26
julgamento, deverá apresentar as razões da escusa, que serão analisadas pelo juiz.
Se não houver razões para a escusa, ou se estas forem improcedentes, ou se não
vier acompanhada de indicação de um novo advogado, o juiz comunicará o caso
ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data
designada para a nova sessão de julgamento (CPP, art. 456, caput). Se não houver
razões para a escusa ou se forem improcedentes, o julgamento será adiado uma
única vez, devendo o acusado ser notificado para a futura sessão (CPP, art. 456, §
1º). Além disso, o juiz notificará a Defensoria Pública para o primeiro dia
desimpedido, observado o prazo mínimo de dez dias (CPP, art. 456, § 2º). O maior
rigor justifica-se, nos casos do procedimento especial do júri, pois a organização das
sessões envolve um esforço maior e um maior dispêndio de recursos, humanos e
orçamentários, não se podendo tornar regra o adiamento das sessões.
Também há que haver rigor naqueles casos em que o defensor constituído se
ausenta voluntária e conscientemente de audiência para a qual fora regularmente
notificado. Nesses casos, se o valor maior da presença de um defensor para o réu
durante a realização do ato – um defensor dativo ou um defensor público – for
respeitado, não há que se falar em necessidade de adiamento do ato e nem, por
conseguinte, de nulidade.20
É também um desdobramento do princípio da essencialidade do advogado o
entendimento tradicional do Supremo Tribunal Federal de que, ocorrendo
impedimento entre o juiz da causa e o advogado, deve ser substituído aquele.21
O advogado, especialmente quando constituído, tem direito a ser notificado dos
atos processuais a serem praticados e intimado do que já o foram durante o
processo penal. Essa notificação, porém, para o defensor constituído, não precisa
ser pessoal, podendo ser feita por publicação oficial (CPP, art. 370, § 1º). O
20
Habeas corpus n. 110820-ES – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Dias Toffoli – julgado em 29.mai.2012 –
ordem denegada – votação unânime – DJe n. 123, 25.jun.2012.
21
Habeas corpus n. 32.785-RS – STF – Pleno – Rel. Min. Ribeiro da Costa – julgado em 21.out.1954 –
ordem deferida – votação majoritária, vencidos os ministros Nelson Hungria, Rocha Lagôa e Barros
Barreto – DJU, 25.nov.1954, p. 14.667.
27
Diz a lei processual penal que nenhum acusado será processado ou julgado sem
defensor, ainda que se encontre ausente ou foragido (CPP, art. 261). Poder-se-ia
acrescentar: ainda que não tenha condições ou interesse de contratar um advogado
para defendê-lo. A fim de resolver essas situações, o Processo Penal brasileiro conta
com duas soluções: o defensor dativo e o defensor público. O defensor dativo é
um advogado nomeado pelo juiz para exercer a defesa de quem não pode ou não
quer constituir advogado. O defensor público é o profissional integrante da carreira
da Defensoria Pública cujo múnus é o de defender os acusados sem condições de
constituírem advogado. Ambos são mencionados pela lei processual penal, como
exercitantes de funções semelhantes, senão idênticas (CPP, art. 261, parágrafo
único).
O Supremo Tribunal Federal pareceu dar ao defensor público primazia sobre
aquele, ao decidir que “não se justifica a nomeação de defensor dativo quando há
instituição criada e habilitada à defesa do hipossuficiente”.23 O mesmo faz o
Superior Tribunal de Justiça.24 A primazia é comprovada pela regra que determina
que, realizada a prisão em flagrante de um imputado, se em até 24 horas da prisão
22
Ação direta de inconstitucionalidade n. 2144-DF – STF – Pleno – Rel. Min. Teori Zavascki – julgado
em 2.jun.2016 – julgada improcedente – votação unânime – DJe n. 122, 14.jun.2016.
23
Recurso ordinário em habeas corpus n. 106394-MG – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Rosa Weber –
julgado em 30.out.2012 – provido – votação unânime – DJe 27, 8.fev.2013; Habeas corpus n. 121682-
MG – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Dias Toffoli – julgado em 30.set.2014 – ordem parcialmente
concedida – votação unânime – DJe 225, 17.nov.2014.
24
Habeas corpus n. 332895-SC – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Felix Fischer – julgado em 20.out.2016 –
não conhecido, ordem concedida de ofício – votação unânime – DJe, 3.nov.2016.
28
este não informar o nome de seu advogado, cópia integral do auto será
encaminhada para a defensoria pública (CPP, art. 306, § 1º).
Caso o defensor constituído se omita militantemente quando à defesa de um
acusado ou a ela renuncie, o juiz deve consultar este se pretende constituir novo
defensor. A não ser que seja para a prática de um ato processual penal urgente,
como uma audiência, há nulidade se o juiz der um defensor ao acusado, ou atribuir
a defesa à Defensoria Pública, sem essa prévia consulta.
O defensor dativo será intimado pessoalmente (CPP, art. 370, § 4º), o mesmo
ocorrendo com o defensor público da União (LC 80, art. 44, I), e com os
defensores públicos dos Estados, em todos os graus de jurisdição. Tal é o
entendimento do Supremo Tribunal Federal25 e do Superior Tribunal de Justiça.26
A defensoria é dativa no sentido de que é dada pelo Estado ao acusado, através
do defensor. De maneira alguma é dada pelo defensor ao acusado. É fornecida por
aquele como um serviço profissional que, portanto, deve ser remunerado.27
ALEXANDRE H. DE QUADROS coloca uma questão interessante, ao afirmar que
o juiz não pode escolher livremente um defensor dativo para dá-lo ao acusado. Se
assim fosse, afirma, estar-se-ia submetendo o defensor dativo ao mesmo regime
jurídico do perito judicial, destituível pelo juiz em caso de perda de confiança.28 A
solução adotada pela legislação do Estado do Paraná29 decerto é a melhor, ao impor
à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil o dever de organizar,
semestralmente, por comarca e especialidade, a relação dos advogados inscritos no
25
Habeas corpus n. 70.100-SP – STF – 2ª Turma – Rel. Min. Francisco Rezek – julgado em 22.out.1993
– ordem deferida – votação unânime – DJU, 18.mar.1994, p. 5151.
26
Habeas corpus n. 461837-SC – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – julgado em
20.set.2018 – não conhecido, ordem concedida de ofício – votação unânime – DJe 1º.out.2018.
27
Recurso extraordinário n. 103950-SP – STF – Pleno – Rel. Min. Sydney Sanches – julgado em
14.ago.1985 – parcialmente conhecido, ordem concedida de ofício – votação unânime – DJe
1º.out.2018; Agravo regimental no recurso extraordinário n. 225651-SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min.
Cezar Peluso – desprovido – votação unânime – DJU, 4.mar.2005, p. 20.
28
QUADROS, Alexandre H. de. “Prerrogativas da advocacia dativa”, em Revista Jurídica da Escola
Superior de Advocacia da OAB-PR, a. 2, n. 3 (dez/2017).
29
Lei n. 18664, de 22 de dezembro de 2015 (publicada no DOE/PR em 23.dez.2015).
29
Estado e que aceitem atuar como defensores dativos (art. 6º, caput e § 1º) e ao juiz
a de respeitar, em suas nomeações, a ordem dessa lista (art. 6º, § 2º), mas não pode
ser considerada uma solução a ser imposta a todo e qualquer magistrado, até
porque os Estados não podem legislar em matéria processual (Constituição, arts.
22, I e 24, XI).
Por outro lado, parece pertinente afirmar que, uma vez nomeado pelo juiz, o
defensor dativo não pode ser destituído por perda da confiança do magistrado. Sua
nomeação não se baseia nem deve se sustentar em um critério de confiança do
magistrado.30
O advogado não pode, sem justa causa, recusar a nomeação como defensor
dativo. Tampouco pode imotivadamente renunciar a essa defesa (CPP, art. 264;
Lei 8906, art. 34, XII).
Segundo o STJ, o defensor público não é um advogado público, obedece a
regime disciplinar próprio e tem sua capacidade postulatória decorrente
diretamente da Constituição.31 Obviamente o defensor dativo nem o defensor
público precisam de procuração outorgada pelo acusado.32 O defensor público atua
no exercício de um múnus público, em uma instituição cujos princípios são a
unidade, indivisibilidade e a independência funcional (LC 80, art. 3º). Isso quer
dizer que, independentemente de designação ou nomeação, mais de um defensor
público pode atuar na defesa dos imputados.
No campo penal, tanto o defensor público quanto o defensor dativo podem
exercer a defesa no processo penal condenatório, como parece óbvio, mas também
podem acompanhar inquérito policial (LC 80, art. 4º, XIV), impetrar habeas
corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer
outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de
30
QUADROS, Alexandre H. de. “Prerrogativas da advocacia dativa”, em Revista Jurídica da Escolha
Superior de Advocacia da OAB-PR, a. 2, n. 3 (dez/2017).
31
Recurso ordinario em habeas corpus n. 61848-PA – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Felix Fischer – julgado
em 4.ago.2016 – DJe 17.ago.2016.
32
Agravo regimental no agravo n. 1341141-SC – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze –
julgado em 10.set.2013 – DJe 16.set.2013.
30
execução (LC 80, art. 4º, IX); representar aos sistemas internacionais de proteção
dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos (LC 80, art. 4º, VI). Podem
também patrocinar a ação penal privada propriamente dita e a ação penal privada
subsidiária da pública (LC 80, art. 4º, XV).
31
7. Referências bibliográficas