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SUJEITOS DO PROCESSO PENAL

JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS


Professor de Direito Processual da UFPR

Ementa: 1. Noções introdutórias. 2. O juiz. 3. A autoridade policial. 4. O membro do


Ministério Público. 5. O defensor constituído. 6. O defensor dativo e o defensor
público. 7. Referências bibliográficas.

1. Noções introdutórias

O processo penal, seja ele declaratório, constitutivo, condenatório ou


mandamental, é um produto da cultura humana. Sendo assim, é feito por seres
humanos, que no processo se tornam sujeitos do iter processual. Para julgar o pleito
ajuizado há sempre um juiz ou vários juízes, reunidos em uma turma ou câmara de
tribunal. Para apresentá-lo há um ou mais autores e, eventualmente, assistentes
desses autores. Há sempre um ou mais réus, um ou mais defensores, um ou mais
procuradores desses réus. Muitas vezes há um ou mais ofendidos, testemunhas,
peritos, escreventes etc. Cada um desses sujeitos tem um papel fundamental a
desempenhar no processo penal de conhecimento. Muitos desses papéis foram
definidos séculos atrás, muitos estão sendo definidos a cada momento. Suas
funções se definiram e se aperfeiçoaram ao longo dos anos. Muitos desses sujeitos
não agem em nome próprio, mas presentam instituições às quais estão ligados.
Hoje, depois de séculos de evolução, evolução essa que ainda não terminou, e que
parece longe de terminar, esses papéis estão predeterminados por lei.
2

Alguns desses sujeitos e instituições se firmaram como pressupostos de validade


do próprio processo penal. Isto é, se seus papéis não forem desempenhados, a
validade ou a própria existência do processo estará comprometida.
O juiz se coloca no topo da pirâmide processual. É para ele que convergem
todas as atividades narrativas, instrutórias, argumentativas. Autor e réu, como
corolário da igualdade de armas, embora abaixo do juiz, estão equiparados entre
si: non debet licere actori, quod reo non pemittitur. Os demais sujeitos, ditos
secundários ou auxiliares, desempenham as mais diversas funções processuais e,
em determinados casos, d, não em todos os processos, mas em um ponderável
percentual deles, funções as mais diversas.

2. O juiz

O juiz é o mais importante sujeito processual, em qualquer de suas fases. É, de


fato, o centro das atenções do Processo Penal. Muitos são os seus deveres.
PIMENTA BUENO, em página memorável, enumera-os. A um só tempo, deve o juiz
ser maduro e “proceder refletidamente”. Deve ser “grave, imparcial, protetor da
sociedade e dos indiciados, da ordem pública e da inocência”. Deve ser
“desprendido de toda a suspeita”, deve examinar detidamente “a verdade, suas
provas e todas as suas circunstâncias para que, só depois de bem esclarecida a
questão, haja de exercer a sua importante missão de julgar ou aplicar
definitivamente a lei”.1
As indagações sobre as funções do juiz estão umbilicalmente ligadas à
indeclinabilidade da jurisdição (Constituição, art. 5º, XXXV), da qual derivam
diversos enunciados jurídicos da comunidade jurídica internacional. Assim, por
exemplo, o art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada
pela Organização das Nações Unidas (ONU) em dez de dezembro de 1948, afirma
que “toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida
publicamente e com equidade, por um tribunal independente e imparcial, para a

1
BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos sobre o Processo Criminal brasileiro, ed. anot., atual. e
compl. por José Frederico Marques, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1959, cap. 2, seç. 1, n. 57,
p. 33.
3

determinação de seus direitos e obrigações, ou para o exame de qualquer acusação


contra ela dirigida, em matéria penal”.
Também se preocupou com o tema o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, de dezesseis de dezembro de 1966, cujo art. 14, I, proclama que “todas
as pessoas são iguais perante os tribunais. Toda pessoa terá direito de ser ouvida
publicamente e com das devidas garantias por um tribunal competente,
independente e imparcial, instituído por lei, no tocante a qualquer acusação de
caráter penal contra ela formulada ou para a determinação de seus direitos e
obrigações de caráter civil”.
Nas Américas, vigora a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
assinada em São José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. O Pacto de São
José da Costa Rica, como é chamado, em seu art. 8º, I, dispõe que “toda pessoa
tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável
por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei
anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ela formulada, ou para a
determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de
qualquer outra natureza...”.
No início dos tempos, a manifestação mais aproximada do que hoje
conhecemos como magistratura era formada por sacerdotes, pajés, curandeiros;
pessoas reconhecidas pelas comunidades como detentoras de conhecimentos
sobre encantamentos, magia negra, astrologia, interpretação de fenômenos
naturais, curandeirismo. Pode-se dizer que, naquele momento, o exercício dessas
habilidades, que dava aos seus detentores uma posição de destaque dentro da
comunidade, semelhante à que gozam hoje os magistrados, decorria
principalmente do exercício de uma vocação. Primeiro surgia a vocação, depois o
exercício; com o exercício, vinha a posição destacada na comunidade. Para esses
indivíduos convergiam boa parte das preocupações, dos problemas, das rixas, dos
dilemas da comunidade, e inclusive alguma atribuição no julgamento dos crimes,
sendo que as comunidades primitivas neles depositavam muita confiança para a
4

solução.2
Com o desenrolar da história, e tendo ficado cada vez mais claro o poder
político decorrente do exercício dessas habilidades, os líderes dos primeiros
Estados, como o Egito antigo, por exemplo, passaram a cuidar ou para terem
proximidade ou mesmo influência sobre esses sacerdotes, ou para exercerem
pessoalmente essa função, ou, melhor ainda, para serem vistos como divindades
pelo povo.3
A evolução passou a demonstrar cada vez mais que a magistratura era um
elemento importante, uma das mais importantes funções políticas do Estado. Daí
que, dentre as investiduras gerais do funcionalismo público, a do magistrado
passava a ser cada vez mais um fato jurídico dos mais relevantes no Estado de
Direito.4
Em primeiro lugar, tome-se a investidura do juiz substituto. Ela não é
simplesmente um ato administrativo do presidente do Poder Judiciário. É o
resultado da conjugação de uma série de fatos, da manifestação de vontade de
inúmeras pessoas, o que a torna uma das mais complexas investiduras do Estado
moderno. Do mesmo modo a investidura dos desembargadores dos tribunais de
apelação, dos ministros dos tribunais superiores e dos ministros do Supremo
Tribunal Federal. São atos administrativos da maior significação e que repercutem
em inúmeras esferas. Daí a importância de estudá-los.
Como um sinal da importância que reconhece à carreira da magistratura, a
Constituição cuidou de estabelecer que uma lei orgânica disporá sobre o seu
estatuto, com um cuidado especial quanto à investidura do juiz substituto. Dispôs
que essa lei observará que a investidura do juiz substituto dar-se-á com observância
de três requisitos para o ingresso nesse cargo inicial da carreira. O primeiro deles,

2
Cf. MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem, trad. de Maria Clara Corrêa
Dias, rev. de Beatriz Sidou, 2ª ed., Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2008, parte 2, cap. 2, p. 69-
70.
3
Cf. TRUYOL Y SERRA, António. História da Filosofia do Direito e do Estado, trad. de Henrique
Barrilaro Ruas, Lisboa: Ed. Instituto de Novas Profissões, 1982, p. 19-26.
4
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro-São Paulo:
Ed. Forense, 1965, v. 1, n. 97, p. 187.
5

em uma ordem lógica, é que os candidatos à investidura sejam bacharéis em


Direito, com no mínimo três anos de atividade jurídica.
Essa exigência foi incluída na Constituição (art. 93, I) em 2004 (Emenda n. 45),
para que os candidatos, ao ingressarem na carreira da magistratura, tenham uma
experiência profissional anterior, que os habilite a conhecer a dimensão social de
sua nova atividade, produzindo empatia nos novos juízes. A ideia por trás dessa
novidade é que muitos magistrados que ingressavam na carreira com poucos meses
de formados revelavam-se imaturos para o exercício de tão importante função.
Como não haviam patrocinado ou lidado com os dramas dos jurisdicionados,
tendiam a ser a eles insensíveis. Com o tempo tenderiam a adquirir maior ou menor
grau de sensibilidade, mas talvez ao custo de equívocos e sofrimento dos
jurisdicionados. Melhor que entrassem com a maior bagagem possível de
experiência de vida, no plano pessoal e no profissional.
O segundo requisito é que os candidatos ao cargo de juiz substituto sejam
submetidos a um concurso público (Constituição, art. 93, I). A exigência do
concurso público procura garantir que ingressem na carreira da magistratura os
melhores dentre os melhores candidatos. A mera escolha pelo titular do Poder
Executivo, nesses casos, não seria garantia de que os melhores ingressariam. Por
isso o constituinte optou por tornar obrigatória, nesses casos, a realização de um
concurso público.
A Constituição, porém, vai além para minudenciar um pouco mais essa
exigência. Trata-se de um concurso público de provas e títulos (art. 93, I). Isso quer
dizer que a concorrência será aberta a todos os bacharéis em Direito e levará em
consideração não somente os conhecimentos jurídicos dos candidatos, mas
também seu histórico de realizações profissionais. A quantidade de produção
científica, as atividades profissionais desempenhadas, o tempo de vida nelas
dispendido, os sucessos, tudo haverá de contar pontos para a aprovação dos
candidatos. A prova de títulos, outrossim, favorece aquele objetivo explicitado de
se verem aprovados candidatos mais experientes. De quebra, também produz um
outro efeito benéfico. A experiência dos concursos públicos de provas mostra que
há neles um natural favorecimento dos candidatos mais novos, em detrimento dos
mais antigos. Afinal, os candidatos que se inscrevem aos concursos com menos
6

tempo de formados tendem a utilizar um conhecimento recém haurido nas


faculdades, de caráter talvez mais horizontalizado, enquanto os formados há mais
tempo podem conseguir um aprofundamento do seu conhecimento e na forma de
burilá-lo, mas perdem na variedade dos conceitos. A prova de títulos tende a
equilibrar essa equação.
A Constituição ainda fala na participação da Ordem dos Advogados do Brasil
(art. 93, I), o que foi concebido para ser um mecanismo de democratização e
fiscalização do processo de seleção. Por ser formada e gerida por profissionais
liberais, a OAB tende a cobrar uma magistratura mais sensível aos reclamos dos
jurisdicionados. A exigência constitucional, além disso, é bastante clara: a autarquia
profissional dos advogados há de participar de “todas as fases” do concurso, o que
inclui a escolha de seu representante, o cronograma do concurso, o seu local de
realização, os recursos e impugnações, julgamento de títulos, elaboração das provas
etc.5
O terceiro requisito é que, na nomeação dos candidatos aprovados, seja
respeitada a ordem de classificação do concurso (Constituição, art. 93, I, segunda
parte). Trata-se de um corolário das regras anteriores. De muito pouco adiantaria
o modelo do concurso público de provas e títulos, que foi pensado para selecionar
os melhores, se os responsáveis pela gestão dos órgãos do Poder Judiciário
pudessem escolher quais candidatos nomear e primeiro lugar.
Essa lei orgânica já existia quando da promulgação da Constituição de 1988 e
foi recepcionada pela nova ordem constitucional.6
O juiz que ingressa por concurso público de provas e títulos, no início da

5
Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 2.210-AL – STF – Pleno – Rel. Min.
Sepúlveda Pertence – julgada em 28.set.2000 – não conhecida em parte e deferida em outra parte –
votação unânime – DJU, 24.mai.2002, p. 53; Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade
n. 2.204-MT – STF – Pleno – Rel. Min. Sydney Sanches – julgada em 8.nov.2000 – não conhecida em
parte e deferida em outra parte – votação unânime – DJU, 2.fev.2001, p. 72.
6
Ação direta de inconstitucionalidade n. 1.985-PE – STF – Pleno – Rel. Min. Eros Grau – julgada em
3.mar.2005 – julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do trecho final do § 1º do art.
7º do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Pernambuco – votação majoritária – DJU,
13.mai.2005, p. 6 – RTJ n. 193, p. 843.
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carreira judiciária, além de todas as exigências desse certame, adquire apenas uma
tênue estabilidade desde o princípio. Deve cumprir um estágio probatório de dois
anos, ao final do qual – se sua exoneração não for proposta e decidida por dois
terços dos votos do tribunal ou órgão especial competente – adquirirá a
vitaliciedade (LC 35, art. 22, § 1º). A perda do cargo não é, obviamente, o resultado
de um capricho do tribunal ou do órgão especial competente. Deve resultar, por
exemplo, de comportamento revelador de incompatibilidade com o exercício da
magistratura, de desídia, de falta de qualidade de suas decisões.
Segundo a lei os juízes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal
Militar e os desembargadores dos tribunais de apelação adquirem vitaliciedade a
partir da posse (LC 35, art. 22, I). A Constituição menciona a vitaliciedade dos
ministros dos Superior Tribunal Militar (art. 123). Obviamente os ministros do
Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho e os juízes dos
tribunais regionais federais também adquirem vitaliciedade a partir da posse; não
há para nenhum dos ocupantes desses cargos qualquer espécie de estágio
probatório.
A investidura do juiz de tribunal de apelação tem um funcionamento
sumamente diverso da investidura do juiz substituto.
Na maior parte dos casos, ela se dá como parte do processo de evolução do
magistrado na carreira. Isto é, o cargo de juiz de tribunal se constitui em um degrau
da carreira da magistratura, legítima expectativa dos que a integram. Nesse caso, a
investidura se dá por promoção. Na menor parte dos casos, isto é, em um quinto
deles, ela assume a forma de investidura originária.
No caso da investidura por promoção, a norma constitucional estabelece que
haverá duas formas: por antiguidade e por merecimento, alternadamente, apurados
tanto aquela quanto este, na última ou na única entrância (Constituição, art. 93, III).
A investidura originária ocorre em duas hipóteses, ambas vocacionadas a
atender o mandamento do chamado “quinto constitucional” (Constituição, art. 94).
Com efeito, a Constituição estabelece que um quinto das vagas dos tribunais de
apelação será preenchido em parte por membros oriundos do Ministério Público
com mais de dez anos na carreira e na outra parte por advogados com mais de dez
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anos de efetiva atividade profissional, notório saber jurídico e reputação ilibada.


Nos dois casos, as instituições respectivas – Ministério Público e Ordem dos
Advogados do Brasil – elaborarão listas sêxtuplas, que encaminharão ao tribunal.
Este votará, dentre os seis nomes indicados, uma lista tríplice, a qual encaminhará
ao chefe do Poder Executivo respectivo, que escolherá os novos magistrados.
A forma como são investidos os ministros dos tribunais superiores e os do
Supremo Tribunal Federal discrepa pouco. Em ambos os casos, o presidente da
República indica aquele que, em seu entender, reúne as melhores qualidades
jurídicas e morais para o cargo e faz a indicação ao Senado Federal. No caso do
Supremo Tribunal Federal, não há semelhantes listas e o presidente da República
indica juristas com mais de 35 anos de idade, notório saber jurídico e reputação
ilibada (Constituição, art. 101, caput).
Os ministros do Superior Tribunal de Justiça serão indicados na seguinte
proporção: um terço será escolhido dentre desembargadores dos tribunais
regionais federais, um terço dentre desembargadores dos tribunais de Justiça e um
terço dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do
Distrito Federal e Territórios, alternadamente (Constituição, art. 104, parágrafo
único). Os tribunais e órgãos de classe de origem elaborarão listas sêxtuplas, que
serão votadas pelo Superior Tribunal de Justiça e transformadas em uma lista
tríplice, a ser encaminhada ao presidente da República (Constituição, arts. 94 e
104).
Uma vez feita a indicação, pelo presidente da República, cabe ao Senado
Federal submeter o indicado a uma arguição pública, que ocorre perante a
comissão competente. Finda a arguição, a comissão vota um relatório, aprovando
ou rejeitando a indicação. Admitida a indicação, o relatório torna-se um parecer,
que será finalmente votado pelo plenário do Senado Federal e aprovado apenas se
obtiver maioria absoluta (Constituição, arts. 52, III, a, 101, parágrafo único, e 104,
parágrafo único).
A investidura do jurado não parte do mesmo pressuposto da investidura do
Juiz. Não é jurado quem quer ser, como acontece com o juiz. É jurado quem for
investido como tal. A investidura dos jurados, por sua vez, é um processo longo e
complexo. Começa com o alistamento, que deve ocorrer uma vez por ano. Nas
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comarcas com mais de um milhão de habitantes, o juiz alistará de oitocentos a mil


e quinhentos jurados; nas de mais de cem mil habitantes, o juiz alistará de trezentos
a setecentos e, nas comarcas menores, de oitenta a quatrocentos jurados (CPP, art.
425, caput).
O serviço do júri é obrigatório. Salvo as exceções previstas em lei, todos os
cidadãos maiores de dezoito anos e de notória idoneidade são alistáveis como
jurados (CPP, art. 436, caput).
O alistado pode se recusar a compor a lista ou a servir como jurado sob a
alegação de que sua convicção religiosa, filosófica ou política o impede de fazê-lo.
Nesse caso, o juiz, usando de critérios de proporcionalidade e razoabilidade,
determinará que o recusante preste serviço alternativo, de caráter administrativo,
assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria
Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins, sob pena
de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço (CPP, art. 438).
A recusa injustificada acarretará multa no valor de um a dez salários mínimos, a
critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado (CPP, art. 436, §
2º).
Não farão parte do alistamento, por serem isentos do serviço do júri, as
autoridades mencionadas pela lei processual penal (CPP, art. 437, I a VIII), os
cidadãos maiores de setenta anos, que requeiram sua dispensa (CPP, art. 437, IX)
e aqueles que a requerem demonstrado justo impedimento (CPP, art. 437, X).
A lei não impõe, mas deveria impor, que o juiz levasse em consideração
critérios demográficos para a composição da lista de jurados. Afinal de contas, a
própria lei admite que a profissão do jurado é relevante, ao dispor que ela deve
figurar na lista anual (CPP, art. 426). E também dispõe que ninguém poderá ser
excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser incluído na lista “em razão de cor
ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau
de instrução” (CPP, art. 436, § 1º). Ou seja, características como profissão, cor ou
etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de
instrução, são dados importantes para o julgamento do júri. Daí que as listas
deveriam ser elaboradas, ao menos aproximativamente, com base nesses critérios.
Em uma cidade com mais de cinquenta por cento de mulheres, a lista anual deve
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contemplar esse percentual de mulheres. Se um determinado percentual for de


negros, ou orientais, esse percentual deve ser refletido, ao menos de maneira
aproximada, na lista anual. Nada impede, porém, que o juiz presidente responsável
pela elaboração da lista leve em conta esses critérios.
Uma vez alistado, a investidura do jurado depende do seu sorteio e convocação
para atuar em reuniões periódicas ou extraordinárias.
De fato, depois de organizada a pauta de julgamentos para o período
determinado, o juiz presidente determinará a intimação do Ministério Público, da
Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública para, em dia e hora
designados, entre o décimo quinto e o décimo dia útil antecedente à instalação da
reunião, acompanharem o sorteio dos jurados que atuarão na reunião periódica
(CPP, art. 432 e 433, § 1º).
Nesse ato, feito necessariamente de portas abertas, o juiz sorteará 25 nomes,
que serão os jurados da reunião periódica ou extraordinária (CPP, art. 433, § 1º).
Quem for sorteado deverá comparecer a todas as sessões de julgamento do período
da reunião, a fim de participar de ver seu nome, como os demais, a um sorteio
(CPP, art. 447). Se for sorteado, e não tiver impedimento (CPP, art. 448-451) estará
completa a investidura e esse jurado comporá o conselho de sentença daquele
respectivo julgamento.
Conforme já dito anteriormente, a investidura do juiz é resultado da conjugação
de inúmeros atos e fatos, o que faz dela um dos mais complexos atos
administrativos de nosso sistema jurídico. Por essa razão, a descoberta de uma
nulidade no procedimento de investidura é algo bastante improvável, tendo em
vista que diversas pessoas dele tomam parte. Mais comum se encontrarem defeitos
em investidura de jurados, como a que foi detectada em São Paulo, durante da
década de 1990, no processo penal condenatório conhecido como “Caso da Viúva
Negra”, ou mesmo na Justiça Militar.7
Seja como for, o tema é de muita importância e vale a pena ser analisado, ainda
que brevemente.

7
Habeas corpus n. 41.217-MS – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Felix Fischer – julgada em 6.abr.2006 –
ordem concedida – votação unânime – DJU, 2.mai.2006, p. 343.
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Em princípio, são nulos de pleno direito todos os atos praticados por juiz cuja
investidura seja anulada a posteriori. Além disso, o responsável pela prática desses
atos está incurso no crime de usurpação de função pública (CP, art. 328).8
Contudo, a questão está longe de ser simples. Os atos jurisdicionais praticados,
sejam ou não decisórios, praticados por alguém que, depois, tem sua investidura
anulada, tendem a repercutir em inúmeras esferas de interesse. Afinal de contas,
tratam-se de atos de poder. Em nome da estabilização das relações sociais, porém,
a anulação desses atos, como consequência da anulação da investidura, pode muitas
vezes ser evitada.
Atento a essa necessidade, a lei processual penal militar dispõe que a sentença
proferida por conselho do qual fazia parte juiz irregularmente investido (assim
como impedido e suspeito) não anula o processo, salvo se a maioria se fez por
apenas um voto (CPPM, art. 509).
São inúmeras as questões que surgirão dessa situação. Imagine que o ato judicial
decisório tenha sido nada menos que uma sentença condenatória. O juiz que a
proferiu vem a ser posteriormente destituído do cargo por nulidade de sua
investidura. Essa sentença condenatória é sem dúvida nula. Cabe habeas corpus
(CPP, art. 648, VI) ou mesmo revisão criminal (CPP, art. 621, I) para anulá-la.
Se, ao contrário, o ato decisório for uma sentença absolutória, não haverá como
declarar essa nulidade, pois não há, entre nós, revisão criminal pro societate. A
solução é considerá-la válida, por faltar instrumento para obter essa declaração.
Tal como os demais, o juiz criminal goza das seguintes garantias: vitaliciedade,
inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios e promoção para a entrância
superior, alternadamente, por antiguidade e merecimento.
Além dessas garantias e tendo em conta a natureza de sua função, o juiz criminal
também conta com o instrumento do julgamento colegiado em primeiro grau, em
processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por
organizações criminosas (Lei 12.964, art. 1º, caput). Esse colegiado visa a dar ao
juiz criminal mais segurança frente a determinadas situações que envolvem

8
Cf. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro-São
Paulo: Forense, 1965, v. 1, n. 97, p. 187.
12

organizações criminosas. O colegiado, formado pelo próprio juiz e por mais dois
membros escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal
em exercício no primeiro grau de jurisdição (Lei 12.964, art. 1º, § 2º) será então
responsável pela prática de inúmeros atos processuais, tais como “decretação de
prisão ou de medidas assecuratórias” (Lei 12.964, art. 1º, I); “concessão de
liberdade provisória ou revogação de prisão” (Lei 12.964, art. 1º, II); “sentença”
(Lei 12.964, art. 1º, III); “progressão ou regressão de regime de cumprimento de
pena” (Lei 12.964, art. 1º, IV); “concessão de liberdade condicional” (Lei 12.964,
art. 1º, V); “transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança
máxima” (Lei 12.964, art. 1º, VI) e “inclusão do preso no regime disciplinar
diferenciado” (Lei 12.964, art. 1º, VII).
A função precípua e típica do juiz criminal de primeira instância – a que há de
ocupar a maior parte do seu tempo – é, obviamente, a de julgar alguém acusado da
prática de uma infração penal. Contudo, ele acaba por enfeixar outras funções,
administrativas e instrutórias.
No caso das primeiras, a ele cabe zelar pela regularidade do processo penal
condenatório e manter a ordem no curso dos momentos processuais, se for o caso,
através da requisição de força pública (CPP, arts. 251, 794 e 795).
Ainda no campo da atividade administrativa do juiz criminal, encontram-se as
seguintes funções: a) fiscalizar a observância do princípio da legalidade por parte
do órgão do Ministério Público (CPP, art. 28); b) requisitar a instauração de
inquérito policial (CPP, art. 5º, II, primeira parte); c) determinar o arquivamento
de inquérito policial, atendendo a promoção do órgão do Ministério Público (CPP,
arts. 18 e 28); d) determinar o arquivamento de peças de informação, atendendo a
promoção do órgão do Ministério Público (CPP, arts. 18 e 28); e) receber a notitia
criminis (CPP, art. 39); f) receber a representação criminal (CPP, art. 39); g)
remeter ao órgão do Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao
oferecimento de denúncia por crime de ação pública, quando deste tiver
conhecimento (CPP, art. 40); h) oferecer às partes, no caso de crimes de calúnia e
injúria de competência de juiz singular, a oportunidade de se reconciliarem (CPP,
art. 520).
É inegável que algumas dessas funções, como a de requisitar a instauração de
13

inquérito policial, dificultam o exercício imparcial da jurisdição.


São dois os grandes grupos de casos de falta de capacidade subjetiva do juiz. O
primeiro deles diz respeito ao impedimento e o segundo, à suspeição.
O impedimento é uma vedação legal à atuação do juiz. Conforme FRANCISCO
CAMPOS, é um “dirimente absoluto”.9 Há aqui como que uma presunção iure et de
iure que o juiz é suspeito para atuar no feito.
Os diversos casos de impedimento estão mencionados no estatuto processual
penal. São eles:
1º) ser o juiz cônjuge do advogado (defensor ou assistente da acusação), do
membro do Ministério Público, da autoridade policial, do auxiliar da Justiça ou do
perito, quando algum deles tiver atuado em qualquer fase do processo, inclusive da
investigação (CPP, art. 252, I, primeira parte);
2º) ser o juiz parente, consanguíneo ou por afinidade, em qualquer grau em
linha reta e até o terceiro grau na linha colateral, com advogado (defensor ou
assistente de acusação) órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da
justiça ou perito, quando algum deles tiver atuado em qualquer fase do processo
(CPP, art. 252, I, segunda parte);
3º) ter o juiz atuado, em qualquer fase do processo, inclusive da investigação,
como advogado (defensor ou assistente de acusação) órgão do Ministério Público,
autoridade policial, auxiliar da justiça, perito ou servido como testemunha (CPP,
art. 252, II);
4º) ter o juiz se pronunciado sobre questão de fato ou de direito, em outra
instância, sobre a questão tratada no processo (CPP, art. 252, III);
5º) ser o juiz parte ou diretamente interessado no desfecho do processo (CPP,
art. 252, IV, primeira parte);
6º) ser o cônjuge do juiz parte ou diretamente interessado no desfecho do
processo (CPP, art. 252, IV, segunda parte);

9
CAMPOS, Francisco. “Validade dos atos praticados por funcionários irregulares”, em Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Ed. Imprensa Nacional, 1943, p. 29.
14

7º) ser um parente do juiz, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até
o terceiro grau, parte ou diretamente interessado no desfecho do processo (CPP,
art. 252, IV, terceira parte);
8º) sendo o juiz integrante de juízo coletivo, ser parente, consanguíneo ou afim,
em qualquer grau em linha reta e até o terceiro grau na linha colateral, de qualquer
dos outros integrantes desse mesmo juízo (CPP, art. 253).
O impedimento por parentesco por afinidade cessa com a dissolução do
casamento que lhe houver dado causa, salvo se houverem sobrevindo descendentes
(CPP, art. 255, primeira parte). Remanesce, porém, o impedimento, uma vez
cessado o casamento sem descendentes, se o juiz for sogro, padrasto, cunhado,
genro ou enteado de qualquer das partes (CPP, art. 255, segunda parte).
A suspeição é uma hipótese menos evidente de falta de capacidade subjetiva do
juiz. Nesse caso, a lei enumera hipóteses que não refletem, senão após uma
verificação do caso concreto, a falta de imparcialidade. Em todos os casos, é preciso
analisar a situação concreta e verificar se a hipótese ventilada na lei ocorre. Se
ocorrer, o juiz deverá se declarar suspeito e, não o fazendo, poderá ser recusado
por qualquer das partes (CPP, art. 254, caput, última parte).
São os seguintes os casos de suspeição:
1º) ter o juiz amizade íntima ou inimizade capital com qualquer das partes (CPP,
art. 254, I);
2º) ter sido o juiz acusado da prática de crime análogo ao objeto do processo,
desde que nesse processo haja controvérsia sobre o caráter criminoso da conduta
(CPP, art. 254, II, primeira parte);
3º) ter sido o cônjuge do juiz acusado da prática de crime análogo ao objeto do
processo, desde que nesse processo haja controvérsia sobre o caráter criminoso da
conduta (CPP, art. 254, II, segunda parte);
4º) ter sido um ascendente ou descendente do juiz acusado da prática de crime
análogo ao objeto do processo, desde que nesse processo haja controvérsia sobre
o caráter criminoso da conduta (CPP, art. 254, II, terceira parte);
5ª) ter o juiz sustentado demanda ou respondido a processo que tenha de ser
15

julgado por qualquer das partes (CPP, art. 254, III, primeira parte);
6ª) ter o cônjuge do juiz sustentado demanda ou respondido a processo que
tenha de ser julgado por qualquer das partes (CPP, art. 254, III, segunda parte);
7ª) ter um parente do juiz, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, inclusive,
sustentado demanda ou respondido a processo que tenha de ser julgado por
qualquer das partes (CPP, art. 254, III, terceira parte);
8ª) ter o juiz aconselhado qualquer das partes (CPP, art. 254, IV);
9ª) ser o juiz credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes (CPP,
art. 254, V);
10ª) ser o juiz sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no
processo (CPP, art. 254, VI).
A suspeição, quando o vínculo de parentesco for por afinidade, cessa com a
dissolução do casamento que lhe houver dado causa, salvo se houverem sobrevindo
descendentes (CPP, art. 255, primeira parte). Todavia, remanesce a suspeição, uma
vez cessado o casamento sem descendentes, se o juiz for sogro, padrasto, cunhado,
genro ou enteado de qualquer das partes (CPP, art. 255, segunda parte).
Não será declarada nem reconhecida a suspeição se a parte injuriar o juiz ou de
propósito der motivo para criá-la (CPP, art. 256).
Além dessas, desde sempre se reconhece a possibilidade da chamada suspeição
por foro íntimo. Antes mesmo da entrada em vigor do Código de Processo Penal
de 1941, escreveu FRANCISCO CAMPOS que “é fora de dúvida que, além dos casos
em que o promotor [ou o juiz] não pode funcionar em virtude de um dos motivos
legais de suspeição, existem casos em que ele pode deixar de funcionar por se sentir
em consciência incompatível com o exercício de suas funções”.10
A suspeição se dá entre as partes materiais do processo, isto é, entre juiz e
acusado, entre juiz e ofendido, entre o órgão do Ministério Público e o acusado,
entre o órgão do Ministério Público e o ofendido.

10
CAMPOS, Francisco. “Validade dos atos praticados por funcionários irregulares”, em Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Ed. Imprensa Nacional, 1943, p. 31.
16

Não se verifica suspeição entre o advogado e o juiz ou entre o advogado e o


órgão do Ministério Público e, finalmente, entre o juiz e o órgão do Ministério
Público.

3. A autoridade policial

Quando o objetivo é se referir a quem conduz a investigação criminal, a lei


processual penal utiliza ora a expressão autoridade policial, ora a expressão
delegado de Polícia. As duas expressões não são sinônimas. Aquela se refere a um
gênero, do qual esta é uma espécie. Um agente, um escrivão, um perito criminal,
bem como um delegado, são autoridades policiais, no sentido de que todos
exercem a polícia de investigação e a polícia judiciária.
O delegado de polícia é geralmente encarregado do comando dos órgãos civis
de investigação. No caso da Polícia Civil, é o responsável pela administração da
unidade administrativa – Delegacia de Polícia, Distrito Policial. No caso da Polícia
Federal, é o responsável pela Superintendência de Polícia Federal e pelas
Delegacias de Polícia Federal.
A Constituição parece atribuir às polícias e, por linha de consequência, ao
delegado, duas funções que apenas aparentemente são sinônimas: a de exercer a
polícia judiciária e a polícia de investigação. Em dois momentos a Constituição
deixa clara que são atividades diferentes: no art. 144, §§ 1º e 4º. A leitura de ambos
mostra que existe uma atividade de polícia judiciária e uma de polícia de
investigação, e que ambas exercidas pelos órgãos de polícia. A essas duas funções
se agrega uma outra, comum a esses órgãos não-militares de polícia: a de reprimir
atividades criminosas, pois a segurança pública “é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (Constituição, art.
144, caput).
A Constituição, além disso, atribui aos órgãos não militares de polícia,
especificamente aos delegados de Polícia Federal, atividades que não dizem
diretamente com a investigação criminal, como o exercício da polícia marítima,
aérea e de fronteiras (Constituição, art. 144, § 1º, III) e a prevenção do tráfico de
entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, estas últimas sem
17

prejuízo da ação dos órgãos fazendários e de outros órgãos públicos nas suas
respectivas áreas. Esta última atividade, a prevenção, por definição vem antes da
investigação e pressupõe a atividade de evitar o cometimento de crimes. Também
cabe a esses órgãos de polícia.
Os delegados das polícias civis, por tradição das estruturas administrativas
estaduais, ainda administram os órgãos de Identificação Civil, atividade essa
prevista na Constituição (art. 5º, LVIII) e na lei processual penal (CPP, art. 23).
Por fim, os delegados de Polícia também atendem vítimas de crime ou
denunciantes de atividades criminosas ou simplesmente perturbadoras da paz
pública, registrando suas reclamações, solucionando-as ou encaminhando
soluções.
No âmbito do Processo Penal, porém, a principal função do delegado de
Polícia é a investigação criminal. Segundo a lei, a investigação consiste na “apuração
das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais” (Lei 12830,
art. 2º, § 1º).
Seus principais instrumentos, com clara vantagem para o primeiro, são o
inquérito policial (CPP, arts. 4º-17, 19-23), o auto de prisão em flagrante (CPP, art.
304-309) e o termo circunstanciado (Lei 9099, art. 69). A lei processual penal ainda
fala na possibilidade da autoridade policial realizar pesquisas de crime, que seriam
como diligências preliminares a uma investigação através de inquérito policial
(CPP, art. 18). Por definição, essas pesquisas devem ser breves e, tanto quando
possível, documentadas.
Segundo a Constituição, o delegado de Polícia Federal preside a investigação
do crime que vulnere a ordem política e social (art. 144, § 1º, I, primeira parte),
que prejudique bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas (art. 144, § 1º, I, segunda parte) e de crime que
repercuta em dois ou mais estados, ou em um outro país e que, conforme a lei,
exija repressão (art. 144, § 1º, I, última parte). Também deve investigar o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo
da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de
competência.
18

O delegado de Polícia Civil investiga todos os demais crimes, isto é, os que não
se encaixem nas hipóteses atribuídas ao delegado de Polícia Federal.
Por fim, cabe dizer que a Polícia Federal, no âmbito da União, e as polícias
civis, no âmbito dos estados, exercem as funções de polícia judiciária. Conforme
dito, a função de polícia judiciária não corresponde inteiramente à investigação
criminal. É mais referente às funções policiais relacionadas com a efetivação da
atividade judiciária. O Poder Judiciário, qual a invocação da imagem da deusa
Themis, tem uma balança em uma das mãos, os olhos vendados e a uma espada
na outra mão. A Justiça equilibrada e imparcial, conquanto importante, de nada
serve se a espada não estiver preparada para garantir suas decisões. A polícia
judiciária consiste exatamente na efetivação das decisões da Justiça, como a garantia
da ordem nos fóruns, o transporte de réus presos que precisem tomar parte de atos
judiciais, a escolta de juízes e servidores, a garantia da ordem durante a efetivação
de medidas judiciais constritivas.

4. O membro do Ministério Público

O membro ou órgão do Ministério Público é um sujeito processual cuja


importância tem experimentado, desde os primórdios da experiência processual
penal até hoje, contínua evolução. Se é verdade que a acusação começou privada e
deve continuar assim, até porque hoje é uma garantia constitucional do cidadão, a
acusação pública cresceu enormemente e sobrepujou aquela. Há poucos dados a
respeito, mas pode-se dizer com muita segurança que, no Brasil, a esmagadora
maioria dos processos penais condenatórios são iniciados por um membro do
Ministério Público. É muito provável que o fenômeno se repita também no mundo.
Esse contínuo progresso teve, desde o seu princípio e tem até hoje, dois
motores. O primeiro deles foi a necessidade de um agente público para realizar a
persecução dos crimes contra o Estado. Como não há vítima individualizável nesses
casos, como os diferentes chefes de Estado não podem comparecer em juízo para
sustentarem, eles próprios, a persecução e como, finalmente, há notório interesse
na persecução desses crimes, tornou-se necessária a delegação dessa atividade a um
agente público. Isso levou à paulatina especialização desses agentes. Nesse ponto
19

entrou em cena o outro motor do progresso. É que, com a especialização, veio


também uma maior eficiência na persecução. Com efeito, a persecução comandada
por um agente pago pelo Poder Público e treinado para fazê-lo mostrou-se muito
mais eficiente e equilibrada, sobretudo se cotejada com a persecução privada,
sujeita a muitas variáveis que, ao fim e ao cabo, terminam por fragilizá-la.
Fala-se, no Brasil, em membro do Ministério Público, espécie, ao invés de
promotor ou procurador, gêneros, aqueles dos entes estaduais, estes do nível
federal. Em todo o caso, trata-se de membro de uma instituição prevista na
Constituição e considerada por ela essencial à função jurisdicional do Estado
(Constituição, art. 127, caput). Não é assim em todo o mundo. Na Inglaterra, os
promotores públicos (public prosecutors) são figura recente e não fazem parte de
uma instituição, mas de um órgão chamado “Crown Prosecution Service” (CPS),
criado em 1985 e desmembrado dos órgãos policiais. Nos EUA também não é
apropriado falar-se em instituição do Ministério Público. O que há lá são
promotores públicos vinculados aos diversos níveis de governo. Há geralmente um
por nível de governo, assessorado por promotores públicos adjuntos. O que mais
se assemelha a um membro do Ministério Público brasileiro é o procurador
independente (independent counsel), criado em 1978. Mesmo os procuradores
federais (federal attorneys), vinculados ao Departamento de Estado e subordinados
ao procurador-geral (attourney general), não podem ser considerados partícipes de
uma instituição, como ocorre no Brasil.
Discute-se muito, no Processo Penal, sem se chegar a um consenso, quais são
os caracteres do membro do Ministério Público. Sabe-se que é membro de uma
instituição una e indivisível e que é dotado de independência funcional
(Constituição, art. 127, § 1º).
Sabe-se que possui funções processuais e persecutórias relevantes para o
Processo Penal. Contudo, não há acordo sobre um importante aspecto de sua
atividade. Assim, deve ser ele imparcial diante da persecução penal? Afinal de
contas, possui praticamente as mesmas garantias e vedações do juiz (Constituição,
art. 128, § 5º) e pode ser considerado impedido ou suspeito (CPP, art. 112 e 258).
O Supremo Tribunal Federal tende a negar essa característica, ao, por exemplo,
não considerar impedido o membro do Ministério Público que participa das
20

investigações criminais.11
De fato, o membro do Ministério Público é uma parte técnica com dever de
objetividade, que é algo muito diverso de imparcialidade. O juiz, que é imparcial,
não deve tomar partido de uma tese de mérito; deve permanecer equidistante de
todas as teses processuais do início ao fim do processo penal condenatório, só
optando por uma na fase decisória. O membro do Ministério Público, por outro
lado, uma vez convencido de que há prova da materialidade do crime, da autoria e
da culpabilidade do réu, deve perseguir esse objetivo, desde a fase postulatória até
a fase crítica do processo penal condenatório. Indisputavelmente, é parte
processual.
Por outro lado, se surgirem evidências da falta, falsidade ou fragilidade da prova
do crime, da autoria ou da culpabilidade do réu, o membro do Ministério Público
tem o dever moral, não jurídico, de postular a absolvição. Bem assim se perceber
nulidade do processo penal condenatório.
São funções do membro do Ministério Público a) promover a ação penal
pública e sustentar a acusação, do início ao fim ao menos do processo em primeiro
grau (Constituição, art. 129, I; CPP, arts. 16, 42, 257, I); b) promover o
arquivamento da investigação criminal (CPP, art. 24, 28 e 47); c) requisitar e
participar da investigação policial, através de diligências (Constituição, art. 129,
VIII; CPP, arts. 13, II, 27 e 40); d) receber a representação do ofendido e a
requisição do Ministro da Justiça (CP, arts. 7º, 9º, 100, § 1º; CPP, arts. 24, caput, e
39); e) fiscalizar a legalidade processual (Constituição, art. 129, II; CPP, art. 257,
II); f) velar pela indivisibilidade da ação penal privada (CPP, art. 48); h) requerer
medidas processuais de urgência (CPP, art. 311 e 319); g) exercer o controle
externo da atividade policial, na forma de lei complementar (Constituição, art. 129,
VII; LC 75, art. 9º).

5. O defensor constituído

O Direito, tal como é conhecido hoje no mundo ocidental, é o produto de uma

11
Habeas corpus n. 85.011-RS – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Teori Zavascki – julgado em 26.mai.2015
– ordem denegada – votação majoritária, vencido o Min. Marco Aurélio – DJe n. 119, 22.jun.2015.
21

evolução histórica, econômica, política e cultural. Nessa evolução, além dos


elementos objetivos, tiveram muita importância os elementos humanos. E, ao lado
do juiz e do acusador público, o advogado faz parte dessa evolução. Tanto quanto
personagem, como autor dessa história. Assim como o legislador, os professores e
os doutrinadores, os operadores do Direito – juízes, investigadores, acusadores
públicos e advogados – ajudaram a dar forma ao sistema jurídico.
Dos mamíferos, o ser humano é talvez o que nasça com menores possibilidades
de sobrevivência. Durante muitos meses permanece sob a proteção da mãe e do
pai, que cuidam dele e o alimentam, tal é sua fragilidade. Com o passar dos anos
cresce seu instinto de sobrevivência e o ser humano passa lentamente a ter
condições de se defender por si próprio. Com o tempo, torna-se uma característica
inerente a capacidade de se defender. O instinto de sobrevivência fala sempre
muito alto para o ser humano, por isso ele faz um enorme esforço para se defender.
No mundo ocidental, os primeiros profissionais a praticarem,
profissionalmente, a defesa de interesses alheios foram os sofistas, na Grécia antiga.
Nomes como Protágoras (490-380 a.C.), Górgias (485-380 a.C.) Pródico (465-395
a.C.), Trasímaco (459-400 a.C.) e Isócrates (436-338 a.C.) destacaram-se por
exercerem a defesa de interesses, ideias e mesmo teses, publicamente, mediante
pagamento pelos interessados. Foram intensamente combatidos pelos filósofos
gregos sérios, pois não se preocuparam tanto com a essência do argumento
filosófico, senão com sua vestimenta externa, a retórica.
O sofista GÓRGIAS, por exemplo, considerava o moralismo perfeitamente
desimportante. O que tinha relevância, para ele, era treinar seus discípulos a
vencerem as discussões, sendo ou não justa a causa. O instrumento argumentativo
mais frequente de GÓRGIAS, assim como dos outros sofistas, era o contra-
argumento, que consistia em demonstrar que uma afirmação dita verdadeira
poderia ser apenas verossímil. Essa maneira de argumentar tornou-se ferramenta
usual e perfeitamente legítima dos advogados modernos.
Em seguida, em Roma, o advogado ressurge como profissão, se bem que
bastante diferente que é hoje. O advogado, no sistema judicial romano antigo, tinha
tanto obrigações de fidelidade com seu cliente, quanto com o juiz e o Estado. Não
podia aceitar causas injustas nem defender réus que, previamente, soubesse
22

culpados.
Com a derrocada do império romano e o início da Idade Média, o Processo
Penal na Europa continental modificou-se inteiramente. Abandonou suas bases
racionais e voltou-se para rituais de interlocução com o divino. Nesse momento,
tendo perdido relevância da argumentação, desapareceu também a necessidade da
participação do advogado. As coisas permaneceram dessa forma por séculos, até a
redescoberta do Corpus Juris Civilis, no século doze.
As fontes romanas foram redescobertas e as universidades medievais,
principalmente Bolonha e Paris, começaram a estudá-las. As escolas dos glosadores
e dos pós-glosadores fizeram esse trabalho, traduzindo e atualizando as lições dos
juristas romanos. Mas foi com a escola dos práticos que as lições jurídicas herdadas
dos romanos tornaram-se efetivamente úteis para a época. Entre os juristas práticos
contam-se juízes, investigadores, acusadores públicos – essas funções muitas vezes
confundidas em um único profissional – e, da mesma maneira e talvez até
principalmente, advogados.
A época dos práticos consagrou, do lado dos advogados, nomes como Tiberio
Deciani (1509-1582), Giulio Claro (1525-1575) e Prospero Farinacio (1544-1618).
Deciani foi o primeiro penalista a sistematizar a matéria penal, dividindo-a em uma
parte geral e uma parte especial. Em seu principal trabalho – “Tractatus criminalis
utramque continens censuram” (1551) – acabou por sistematizar as causas de
exclusão da ilicitude penal, por salientar a importância da tipicidade penal e dos
critérios para a incriminação. Claro, por sua vez, em sua obra mais importante –
“Septen libri sententiarum receptarum, seu practica civilis et criminalis” (1565) –
preocupou-se com os limites dos sujeitos processuais, isto é, o que deveriam e o
que poderiam fazer, no processo, os juízes, os acusadores públicos, os advogados.
Farinacio, por fim – especialmente em seu livro “Quæstiones et communes
opiniones criminales” (1558) – pode ser considerado o pai da teoria das provas
ilícitas, ao ser o primeiro jurista a contestar, com argumentos jurídicos, a validade
de uma confissão obtida mediante tortura quando esta fora ordenada fora das
hipóteses legais.12 Em todos esses casos, com maior ou menor extensão, o que se

12
DAMAŠKA, Mirjan. Evidence Law Adrift, New Haven-Londres: Yale University Press, 1997, p. 13.
23

tinha eram advogados que, através de seus escritos e arrazoados, procuravam


influenciar a aplicação da lei penal.
Curiosamente, o advogado reapareceu no sistema inquisitorial muitos séculos
antes do que no processo penal adversarial. Enquanto os práticos advogados
surgiram no sistema inquisitorial no século dezesseis, tiveram que esperar o século
dezenove para serem admitidos no processo penal adversarial.
A importância da figura do advogado para o sistema jurídico pode ser medida
pelas normas constitucionais que a ele fazem referência, bem como pela maneira
como essa referência é feita.
A norma que primeiro avulta, na consideração do advogado dentro do sistema
jurídico, é a que dispõe ser o advogado indispensável à administração da Justiça,
sendo inviolável no exercício da profissão, nos limites da lei (Constituição, art. 133).
Isso significa que a figura do advogado é estruturante de um Processo Penal
legítimo. Há aqui um princípio, o de que sem um advogado o processo penal,
notadamente o condenatório, não se aperfeiçoa.
Mas há outras normas que salientam o que, na prática, essa indispensabilidade
representa.
Por exemplo, dispõe a Constituição que o preso será informado de seus direitos
(...) sendo-lhe assegurada a assistência (...) de advogado (art. 5º, LXIII).
Após reconhecer que há atos processuais passíveis de restrição da publicidade,
a Constituição a permite mas preserva a presença a esses atos das partes e de seus
advogados ou somente destes (Constituição, art. 93, IX).
A Constituição também prevê o quinto constitucional, no caso dos tribunais de
apelação (arts. 94 e 107, I), o terço constitucional, no caso do Superior Tribunal de
Justiça (art. 104, parágrafo único, II) a serem preenchido por membros do
Ministério Público e por advogados. Da mesma maneira, advogados comporão o
Superior Tribunal Militar (art. 123, parágrafo único, I), o Tribunal Superior
Eleitoral (art. 119, II) e os Tribunais Regionais Eleitorais (art. 120, § 1º, III).
A Constituição também prevê a participação da Ordem dos Advogados do
Brasil em todas as fases dos concursos de ingresso na carreira da magistratura (art.
93, inc. I) e do Ministério Público (art. 129, § 3º), entre outras carreiras jurídicas.
24

O advogado goza da chamada intangibilidade profissional, sendo que seus


arroubos, mesmo que significativos, muitas vezes serão considerados parte do
exercício do múnus.13
O advogado é uma parte técnica do Processo Penal. Sua função é de buscar
para o seu cliente, suspeito ou acusado de crime, a melhor solução jurídica dentre
as possíveis. A lei fala que é função do advogado postular decisão favorável ao seu
constituinte (Lei 8.906, art. 2º, § 2º). Essa atividade pode ser conceituada como um
múnus público que, se bem desempenhado, torna-se indispensável para a validade,
ou senão para a qualidade do processo penal condenatório.
Diz GUSTAV RADBRUCH que “o advogado que pede a absolvição do réu
culpado, mas cujo crime não se provou, não deixa de advogar o direito”.14
A regra fundamental em matéria de defesa técnica deve ser a da liberdade de
sua condução pelo seu advogado, seja ele público, seja ele particular. O Supremo
Tribunal Federal reconhece essa liberdade e já decidiu que o advogado pode
escolher uma dentre duas teses de defesa, ainda que não a melhor (em uma
avaliação post factum, evidentemente) pois seu grau habilita-o a fazê-lo.15
Um barrister inglês, Sir HENRY BROUGHAM, escreveu durante a primeira
metade do século dezenove:

Um advogado, devido ao sagrado dever assumido com seu cliente, sabe que, para dele
se desincumbir, ninguém no mundo, exceto seu cliente, existe. Salvar esse cliente, usando de
todos os expedientes existentes, a fim de o proteger de todos os azares e, entre outros, dele
mesmo, um advogado sabe que este é o mais alto e inquestionável dos seus deveres; e ele
não deve preocupar-se com o alarme, o sofrimento, o tormento, a destruição que, com isso,
cause a qualquer pessoa. E, separando os deveres de patriota dos de advogado deve, se
preciso for, lançar aqueles ao vento e ir adiante, indiferente às consequências, mesmo se

13
Habeas corpus n. 98.237-SP – STF – 2ª Turma – Rel. Min. Celso de Mello – julgado em 15.dez.2009
– ordem concedida de ofício – votação unânime – DJe 145, 6.ago.2009.
14
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, trad. de L. Cabral de Moncada, 6ª ed., Coimbra: Ed.
Arménio Amado, 1979, § 25, n. 2, p. 344.
15
Habeas corpus n. 76313-SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Ilmar Galvão – ordem indeferida – DJU,
21.ago.1998.
25

envolver seu país em uma confusão, tudo para proteger seu cliente.16

A Lei 8906 dispõe que “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a


qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado
no exercício da profissão” (art. 31, § 2º). O código de ética dos advogados dispõe,
por sua vez, que o advogado deve atuar com destemor e independência (CED-
OAB, art. 2º, parágrafo único, II).
Segundo jurisprudência antiga e sedimentada do Supremo Tribunal Federal, o
direito de escolher o advogado de sua confiança para patrocinar sua defesa é direito
impostergável do réu. O juiz não pode fazer juízo de valor negativo e considerar
que um advogado, com inscrição ativa e válida, exerça a defesa do seu constituinte.17
Ocorrendo impedimento do advogado anteriormente constituído, o réu deve ser
intimado a constituir um novo advogado para defendê-lo. Somente ante seu silêncio
ou seu expresso desinteresse em fazê-lo, o juiz pode nomear para o réu um
defensor dativo. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal18 e do
Superior Tribunal de Justiça.19 No caso de prisão, se o imputado não informar o
nome de seu advogado, o juiz determinará a comunicação do ato à Defensoria
Pública (CPP, arts. 289-A, § 4º e 306, § 1º).
Há uma regra especial para a substituição do defensor constituído do
procedimento especial dos crimes de competência do Tribunal do Júri. Nesses
casos, se o advogado constituído do acusado escusar-se de comparecer à sessão de

16
BROUGHAM, Henry. “Speech in Defence of Her Majesty Queen Caroline – The Case of Queen
Caroline – Speech”, em Speeches Upon Questions Relating to Public Rights, Duties and Interests; With
Historical Introductions, and A Critical Dissertation Upon the Eloquence of the Ancients, Calcutá: Ed.
Woollaston and Co., 1839, v. 1, p. 67-68. Tradução livre.
17
Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança n. 24403-DF – STJ – 2ª Turma –
Rel. Min. Gilmar Mendes – julgado em 13.abr.2018 – desprovido – votação unânime – DJe 80,
25.abr.2018.
18
Habeas corpus n. 8.703-SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio – julgado em 10.jun.2014 –
ordem deferida – votação majoritária, vencidos os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber – DJe 188,
26.set.2014.
19
Recurso ordinário em habeas corpus n. 8.703-SE – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Gilson Dipp – julgado
em 14.set.1999 – provido – votação unânime – DJU, 18.out.1999, p. 239.
26

julgamento, deverá apresentar as razões da escusa, que serão analisadas pelo juiz.
Se não houver razões para a escusa, ou se estas forem improcedentes, ou se não
vier acompanhada de indicação de um novo advogado, o juiz comunicará o caso
ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data
designada para a nova sessão de julgamento (CPP, art. 456, caput). Se não houver
razões para a escusa ou se forem improcedentes, o julgamento será adiado uma
única vez, devendo o acusado ser notificado para a futura sessão (CPP, art. 456, §
1º). Além disso, o juiz notificará a Defensoria Pública para o primeiro dia
desimpedido, observado o prazo mínimo de dez dias (CPP, art. 456, § 2º). O maior
rigor justifica-se, nos casos do procedimento especial do júri, pois a organização das
sessões envolve um esforço maior e um maior dispêndio de recursos, humanos e
orçamentários, não se podendo tornar regra o adiamento das sessões.
Também há que haver rigor naqueles casos em que o defensor constituído se
ausenta voluntária e conscientemente de audiência para a qual fora regularmente
notificado. Nesses casos, se o valor maior da presença de um defensor para o réu
durante a realização do ato – um defensor dativo ou um defensor público – for
respeitado, não há que se falar em necessidade de adiamento do ato e nem, por
conseguinte, de nulidade.20
É também um desdobramento do princípio da essencialidade do advogado o
entendimento tradicional do Supremo Tribunal Federal de que, ocorrendo
impedimento entre o juiz da causa e o advogado, deve ser substituído aquele.21
O advogado, especialmente quando constituído, tem direito a ser notificado dos
atos processuais a serem praticados e intimado do que já o foram durante o
processo penal. Essa notificação, porém, para o defensor constituído, não precisa
ser pessoal, podendo ser feita por publicação oficial (CPP, art. 370, § 1º). O

20
Habeas corpus n. 110820-ES – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Dias Toffoli – julgado em 29.mai.2012 –
ordem denegada – votação unânime – DJe n. 123, 25.jun.2012.
21
Habeas corpus n. 32.785-RS – STF – Pleno – Rel. Min. Ribeiro da Costa – julgado em 21.out.1954 –
ordem deferida – votação majoritária, vencidos os ministros Nelson Hungria, Rocha Lagôa e Barros
Barreto – DJU, 25.nov.1954, p. 14.667.
27

Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade constitucional dessa regra.22


Nos processos eletrônicos esse problema da notificação das partes técnicas
praticamente desaparece, na medida em que a cientificação acontece
automaticamente, pela abertura do prazo no sistema e todas as partes técnicas são
tratadas da mesma maneira.

6. O defensor dativo e o defensor público

Diz a lei processual penal que nenhum acusado será processado ou julgado sem
defensor, ainda que se encontre ausente ou foragido (CPP, art. 261). Poder-se-ia
acrescentar: ainda que não tenha condições ou interesse de contratar um advogado
para defendê-lo. A fim de resolver essas situações, o Processo Penal brasileiro conta
com duas soluções: o defensor dativo e o defensor público. O defensor dativo é
um advogado nomeado pelo juiz para exercer a defesa de quem não pode ou não
quer constituir advogado. O defensor público é o profissional integrante da carreira
da Defensoria Pública cujo múnus é o de defender os acusados sem condições de
constituírem advogado. Ambos são mencionados pela lei processual penal, como
exercitantes de funções semelhantes, senão idênticas (CPP, art. 261, parágrafo
único).
O Supremo Tribunal Federal pareceu dar ao defensor público primazia sobre
aquele, ao decidir que “não se justifica a nomeação de defensor dativo quando há
instituição criada e habilitada à defesa do hipossuficiente”.23 O mesmo faz o
Superior Tribunal de Justiça.24 A primazia é comprovada pela regra que determina
que, realizada a prisão em flagrante de um imputado, se em até 24 horas da prisão

22
Ação direta de inconstitucionalidade n. 2144-DF – STF – Pleno – Rel. Min. Teori Zavascki – julgado
em 2.jun.2016 – julgada improcedente – votação unânime – DJe n. 122, 14.jun.2016.
23
Recurso ordinário em habeas corpus n. 106394-MG – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Rosa Weber –
julgado em 30.out.2012 – provido – votação unânime – DJe 27, 8.fev.2013; Habeas corpus n. 121682-
MG – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Dias Toffoli – julgado em 30.set.2014 – ordem parcialmente
concedida – votação unânime – DJe 225, 17.nov.2014.
24
Habeas corpus n. 332895-SC – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Felix Fischer – julgado em 20.out.2016 –
não conhecido, ordem concedida de ofício – votação unânime – DJe, 3.nov.2016.
28

este não informar o nome de seu advogado, cópia integral do auto será
encaminhada para a defensoria pública (CPP, art. 306, § 1º).
Caso o defensor constituído se omita militantemente quando à defesa de um
acusado ou a ela renuncie, o juiz deve consultar este se pretende constituir novo
defensor. A não ser que seja para a prática de um ato processual penal urgente,
como uma audiência, há nulidade se o juiz der um defensor ao acusado, ou atribuir
a defesa à Defensoria Pública, sem essa prévia consulta.
O defensor dativo será intimado pessoalmente (CPP, art. 370, § 4º), o mesmo
ocorrendo com o defensor público da União (LC 80, art. 44, I), e com os
defensores públicos dos Estados, em todos os graus de jurisdição. Tal é o
entendimento do Supremo Tribunal Federal25 e do Superior Tribunal de Justiça.26
A defensoria é dativa no sentido de que é dada pelo Estado ao acusado, através
do defensor. De maneira alguma é dada pelo defensor ao acusado. É fornecida por
aquele como um serviço profissional que, portanto, deve ser remunerado.27
ALEXANDRE H. DE QUADROS coloca uma questão interessante, ao afirmar que
o juiz não pode escolher livremente um defensor dativo para dá-lo ao acusado. Se
assim fosse, afirma, estar-se-ia submetendo o defensor dativo ao mesmo regime
jurídico do perito judicial, destituível pelo juiz em caso de perda de confiança.28 A
solução adotada pela legislação do Estado do Paraná29 decerto é a melhor, ao impor
à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil o dever de organizar,
semestralmente, por comarca e especialidade, a relação dos advogados inscritos no

25
Habeas corpus n. 70.100-SP – STF – 2ª Turma – Rel. Min. Francisco Rezek – julgado em 22.out.1993
– ordem deferida – votação unânime – DJU, 18.mar.1994, p. 5151.
26
Habeas corpus n. 461837-SC – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – julgado em
20.set.2018 – não conhecido, ordem concedida de ofício – votação unânime – DJe 1º.out.2018.
27
Recurso extraordinário n. 103950-SP – STF – Pleno – Rel. Min. Sydney Sanches – julgado em
14.ago.1985 – parcialmente conhecido, ordem concedida de ofício – votação unânime – DJe
1º.out.2018; Agravo regimental no recurso extraordinário n. 225651-SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min.
Cezar Peluso – desprovido – votação unânime – DJU, 4.mar.2005, p. 20.
28
QUADROS, Alexandre H. de. “Prerrogativas da advocacia dativa”, em Revista Jurídica da Escola
Superior de Advocacia da OAB-PR, a. 2, n. 3 (dez/2017).
29
Lei n. 18664, de 22 de dezembro de 2015 (publicada no DOE/PR em 23.dez.2015).
29

Estado e que aceitem atuar como defensores dativos (art. 6º, caput e § 1º) e ao juiz
a de respeitar, em suas nomeações, a ordem dessa lista (art. 6º, § 2º), mas não pode
ser considerada uma solução a ser imposta a todo e qualquer magistrado, até
porque os Estados não podem legislar em matéria processual (Constituição, arts.
22, I e 24, XI).
Por outro lado, parece pertinente afirmar que, uma vez nomeado pelo juiz, o
defensor dativo não pode ser destituído por perda da confiança do magistrado. Sua
nomeação não se baseia nem deve se sustentar em um critério de confiança do
magistrado.30
O advogado não pode, sem justa causa, recusar a nomeação como defensor
dativo. Tampouco pode imotivadamente renunciar a essa defesa (CPP, art. 264;
Lei 8906, art. 34, XII).
Segundo o STJ, o defensor público não é um advogado público, obedece a
regime disciplinar próprio e tem sua capacidade postulatória decorrente
diretamente da Constituição.31 Obviamente o defensor dativo nem o defensor
público precisam de procuração outorgada pelo acusado.32 O defensor público atua
no exercício de um múnus público, em uma instituição cujos princípios são a
unidade, indivisibilidade e a independência funcional (LC 80, art. 3º). Isso quer
dizer que, independentemente de designação ou nomeação, mais de um defensor
público pode atuar na defesa dos imputados.
No campo penal, tanto o defensor público quanto o defensor dativo podem
exercer a defesa no processo penal condenatório, como parece óbvio, mas também
podem acompanhar inquérito policial (LC 80, art. 4º, XIV), impetrar habeas
corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer
outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de

30
QUADROS, Alexandre H. de. “Prerrogativas da advocacia dativa”, em Revista Jurídica da Escolha
Superior de Advocacia da OAB-PR, a. 2, n. 3 (dez/2017).
31
Recurso ordinario em habeas corpus n. 61848-PA – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Felix Fischer – julgado
em 4.ago.2016 – DJe 17.ago.2016.
32
Agravo regimental no agravo n. 1341141-SC – STJ – 5ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze –
julgado em 10.set.2013 – DJe 16.set.2013.
30

execução (LC 80, art. 4º, IX); representar aos sistemas internacionais de proteção
dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos (LC 80, art. 4º, VI). Podem
também patrocinar a ação penal privada propriamente dita e a ação penal privada
subsidiária da pública (LC 80, art. 4º, XV).
31

7. Referências bibliográficas

ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: introdução e teoria geral: uma


perspectiva luso-brasileira, 3ª ed., Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian,
1984
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Duties and Interests; With Historical Introductions, and A Critical Dissertation
Upon the Eloquence of the Ancients, Calcutá: Ed. Woollaston and Co., 1839,
v.1
BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos sobre o Processo Criminal
brasileiro, ed. anot., atual. e compl. por José Frederico Marques, São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1959
CAMPOS, Francisco. Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Ed. Imprensa
Nacional, 1943
CAPPELLETTI, Mauro. “Aspectos sociales y políticos del procedimiento civil”,
em Proceso, ideologias, sociedad, Buenos Aires: Ed. Europa-America, 1974
DAMAŠKA, Mirjan. Evidence Law Adrift, New Haven-Londres: Yale University
Press, 1997
MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem, trad. de
Maria Clara Corrêa Dias, rev. de Beatriz Sidou, 2ª ed., Brasília: Ed.
Universidade de Brasília, 2008
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Rio
de Janeiro-São Paulo: Forense, 1965, v. 1
QUADROS, Alexandre H. de. “Prerrogativas da advocacia dativa”, em Revista
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RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, trad. de L. Cabral de Moncada, 6ª ed.,
Coimbra: Ed. Arménio Amado, 1979
ROMEIRO, Jorge Alberto. Da ação penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense,
1978
TRUYOL Y SERRA, António. História da Filosofia do Direito e do Estado, trad.
de Henrique Barrilaro Ruas, Lisboa: Ed. Instituto de Novas Profissões, 1982

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