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CONTEÚDO
• RESUMO
• 1. INTRODUÇÃO
• 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
• REFERÊNCIAS
ARTIGO ORIGINAL
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
a) a plenitude de defesa;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (BRASIL, 1988).
Importa frisar que no Tribunal do Júri são os jurados que julgam e que resolvem
condenar ou absolver o acusado, enquanto o magistrado apenas formula os quesitos
e profere a sentença, além de presidir os jurados. Os jurados, órgão leigo e de
responsabilidade do presidente do Tribunal do Júri que elabora anualmente uma lista
de convocados obrigatórios para compor o órgão, tem uma importância ímpar no
julgamento e, por isso, devem ser imparciais e justos por exercerem função
jurisdicional (PRADO, 2017).
Neste sentido, a intenção da mídia vai além do que apenas informar, de modo que
trata a notícia como uma mera mercadoria a ser comercializada para a obter
audiência, ser líder entre a concorrência e chamar a atenção do público, entreter,
emocionar e sensibilizar com métodos de sensacionalismo. E um dos “produtos” que
possibilitam a mídia alcançar a audiência que deseja, são os “programas policiais, que
investigam, apontam, acusam, criam hipóteses, e com um linguajar simples e com
tons de revolta, influenciam boa parte da população” (PRADO, 2017, p. 17).
Assim, constantemente a mídia forma opinião pública sobre casos de crime contra a
vida, sempre direcionando um lado como o opressor, o frio e calculista, com aparência
de culpado, e o outro lado, como uma vítima frágil, inocente, com familiares desolados
que a todo tempo trazem fotos, sonhos e planos da vítima. Dessa maneira, a mídia
cria uma realidade paralela ao mundo real, com o “poder de difundir o ideário popular
um forte temor do crime, convencendo assim que a violência atinge índices
alarmantes; que o sistema penal atual não funciona e que a sociedade deve lutar por
novas incriminadoras” (LOURENÇO e SCARAVELLI, 2018, p.9).
Freitas (2016) ressalta que desde então todas as constituições brasileiras passaram
a consagrar a liberdade de expressão e de imprensa, embora este direito tenha
variado de acordo com as inclinações políticas antidemocráticas em determinados
períodos da história do Brasil. Todavia, atualmente, o direito à liberdade de imprensa
está previsto na Constituição Federal:
Art. 5º (…):
(…)
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade
de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o
disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
(…)
Todavia, toda essa influência que a mídia causa na sociedade reflete diretamente no
Tribunal do Júri, exatamente por ser um momento em que a justiça é exercida pelo
povo, o que pode influenciar no seu julgamento, considerando o sentimento de medo,
insegurança, raiva e a vontade de querer fazer justiça, embora não haja elementos
suficientes que indique a autoria do crime. Nisso, a suposta justiça que mais se parece
com uma vingança acaba por se tornar uma injustiça.
Como o tribunal do júri trata justamente sobre crimes dolosos, que tem grande
repercussão, traz justamente o sentimentalismo da sociedade, a revolta e opiniões
sobre tudo o que acontece no mundo do crime. Muitas vezes a mídia condena sem
ter a certeza, com apenas especulações de que realmente é verdadeiro tal fato que
está sendo noticiado, mas não imagina a influência que pode ter sobre os
pensamentos das pessoas, que deveriam julgar apenas baseado em fatos reais,
narrados no decorrer do processo e não em apenas especulações já preconcebidas
antes mesmo do julgamento (VALVERDE, 2012, p. 21).
Ainda, por ser pessoal, o julgamento também contempla os fatos além daqueles do
crime de fato, considerando a vida da vítima, seus familiares, a sua idade, entre outros
elementos que são oferecidos pela mídia, envolvendo a comoção social e o emocional
perante a decisão de oferecer justiça àqueles que estão sofrendo as consequências
do crime e de penalizar alguém pelo ocorrido, mesmo que não haja provas o
suficiente.
Mesmo que haja dúvidas sobre a autoria do fato, ainda que não tenha havido outras
buscas por provas e outros suspeitos, e se há qualquer mínimo indício de que aquele
acusado praticou o crime, a influência da mídia em condená-lo judicialmente influencia
o Tribunal do Júri.
O caso da atriz Daniela Perez, em 1992, foi um dos crimes que chocou a sociedade e
a fez formar uma opinião sobre o autor do crime, condenando-o socialmente. O caso
aconteceu no Rio Janeiro, onde a atriz Daniela Perez, que na época protagonizou
uma novela escrita por sua mãe, e de maior audiência nacional, foi assassinada com
18 golpes de tesoura. Os primeiros suspeitos foram o seu ex-colega de trabalho,
Guilherme de Pádua, que mantinha um relacionamento com a vítima, e a sua esposa
Paula Thomaz (MACÊDO, 2013).
Por ser uma pessoa pública, todos os meios midiáticos veicularam notícias sobre o
assunto, tomando uma tamanha proporção que ainda é impossível de calcular sua
abrangência. Freitas (2016) informa que neste caso, todos os jornais e revistas a todo
tempo indicavam que não haviam dúvidas sobre a autoria do crime, sempre
ressaltando sobre todas as provas. Por fim, Guilherme e sua esposa foram
condenados a 19 anos e 18 anos e 6 meses de reclusão, respectivamente. Ainda,
como resultado desse caso, houve uma alteração na legislação penal em decorrência
da iniciativa popular, incluindo o homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos,
através da Lei nº 8.930/94, conhecida popularmente como Lei do Caso Daniela Perez.
Outro caso conhecido amplamente pela sociedade, é o de Suzane Richthofen e dos
irmãos Cravinhos: Daniel, namorado de Suzane, e Christian, que foram acusados de
assassinar os pais de Suzane para usufruir parte da herança. Na época, mais de cinco
mil pessoas se inscreveram para conseguir assistir o julgamento no Tribunal do Júri
de São Paulo, inclusive houve um pedido de televisionamento do julgamento que foi
negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Paralelo a isso, Macêdo (2013), alega
que a publicidade do processo se restringe somente a garantia de os atos nele
praticados, e que entre esse conceito, a abertura das portas do fórum e a transmissão
nacional do lamentável drama que envolvia o Tribunal do Júri estavam muito distantes
(MACÊDO, 2013).
O caso de Eloá Cristina, por sua vez, é um dos casos que ainda se discute sobre a
culpabilidade da mídia no resultado do caso. Eloá Cristina e outros amigos foram
mantidos em cárcere privado por mais de quatro dias pelo seu ex-namorado Lindbergh
Farias. Quando se teve conhecimento dos fatos, várias emissoras de televisão,
jornalistas, fotógrafos e entre outros permaneceram à porta do local em que a menina
estava sendo feita de refém, cobrindo e transmitindo todos os acontecimentos e,
inclusive, fazendo um apanhado histórico da vida e da intimidade da vítima e dos
outros reféns (MACÊDO, 2013).
Outro caso diz respeito ao do goleiro Bruno, que foi acusado pelo homicídio da sua
ex-namorada Eliza Samúdio, em 2010, o qual também foi um caso de grande
repercussão midiática que, inclusive, permanece até atualmente. O caso se trata de
um típico caso de homicídio sem cadáver, no qual há dúvidas sobre a morte em si e
do modus operandi do crime, e principalmente sobre os autores do crime. Todavia,
desde o desaparecimento de Eliza, a mídia levantou suspeitas sobre Bruno, relatando
sobre ligações, brigas, ameaças que indicavam que o goleiro havia sido o principal
mentor intelectual do crime, e de que a sua ex-namorada tinha sido assassinada a
seu mando. Entretanto, até a presente data nenhum único vestígio do corpo foi
localizado (PRADO, 2017).
Os veículos midiáticos exploraram esse caso de uma maneira ímpar, às vezes Bruno
era a vítima, que tinha a mãe de seu filho desaparecida, outra hora era um assassino
frio. Eliza passava de garota de programa, a atriz e modelo em questão de dias, a
mídia queria audiência, e explorava o caso. Apontava culpados, fazia reconstituições,
criavam histórias, apareciam com motivos. A sociedade queria justiça, queria um
culpado. E Eliza foi presumida morta e Bruno foi a julgamento (PRADO, 2017, p. 20).
Todavia, todas as notícias sobre o caso indicavam o goleiro como culpado, e em seu
julgamento havia uma equipe para atualizar os telespectadores a cada minuto sobre
a repercussão, o que inclusive foi evidenciado pelo advogado de defesa, acusando a
mídia de manobrar os jurados, afirmando que não havia qualquer prova contra Bruno
e pedindo veemente para que os jurados não fossem escravos da mídia e não o
condenassem, contudo, o goleiro foi condenado a 22 anos e 3 meses por homicídio e
ocultação de cadáver (PRADO, 2017).
Neste caso, mesmo não havendo prova material do crime, ou seja, exame cadavérico,
pelo fato do corpo da vítima não ter sido encontrado, o réu foi condenado, o que
levanta a seguinte questão: se fosse outro caso, sem envolver um réu famoso e sem
o clamor da mídia, o goleiro Bruno seria condenado? Além disso, as consequências
dessa condenação perpetuam, pois Bruno está cumprindo pena em regime
semiaberto e está tentando conseguir um emprego como goleiro, entretanto, qualquer
time que demonstra interesse em contratá-lo desiste após a mídia anunciar, e a
sociedade rejeitar, direcionando xingamentos, pichações nos locais de treino e
fazendo manifestações, de modo que a contratação não segue adiante.
A função da imprensa é noticiar e não insinuar fatos que não foram confirmados,
provados ou que nem aconteceram, sendo apenas suposições, tampouco apresentar
culpados e condená-los previamente antes que o Poder Judiciário julgue o caso. Em
todos esses casos a imprensa foi além de informar sobre uma mera notícia, de expor
sobre fatos e de se manifestar sobre acontecimentos do cotidiano, extrapolou os
limites da liberdade de manifestação do pensamento, e a neutralidade e objetividade
que deveria se pautar as notícias jornalísticas, cedendo para o espetáculo midiático
(FREITAS, 2016).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em busca de audiência, a mídia se utiliza do seu poder de formar e massificar
opiniões, para influenciar a sociedade e gerar um sentimento de justiça pelos crimes
dolosos contra a vida. Através do sensacionalismo, da emoção e da sensibilização, a
mídia convence e entretém seus espectadores com discursos teatrais, a fim de
aumentar sua audiência e gerar mais lucros, uma vez que a informação é tratada como
um produto comercial e o mais importante é o seu impacto nas pessoas. Assim, a
sociedade inflada de revolta e sentimento de justiça, entende como verdade todos os
apontamentos e alegações desferidas, e acaba por condenar socialmente o acusado
ou apenas o suspeito do crime.
Retomando a questão norteadora deste artigo, que visou responder sobre a influência
da mídia no Tribunal do Júri no julgamento de crimes contra a vida, foi possível
constatar que, ao informar sobre crimes dolosos contra a vida, os meios de
comunicação acabam por julgar os acusados, e fazem um julgamento paralelo,
caminhando para uma condenação social, influenciando a sociedade a acreditar que
determinado indivíduo é um criminoso e que merece ser punido, gerando um
sentimento de revolta e de justiça, que precisa ser satisfeito. Entretanto, essa
influência é negativa para o Poder Judiciário, uma vez que os crimes dolosos contra
a vida são julgados pela própria sociedade, através do Tribunal do Júri, podendo
transformar um sentimento de justiça, em injustiça.
Sendo assim, em muitos casos, a mídia deixa de exercer seu papel relevante na
sociedade, formando o cidadão sobre seus direitos e deveres cívicos, informando
sobre notícias jornalísticas e se manifestando sobre elas sem a intenção de influenciar
o espectador a uma verdade. As informações levadas pela imprensa devem ser
narradas de maneira imparcial e corresponderem aos fatos de forma exata e
verdadeira, sem a intenção de confundir o espectador, ou de formar uma opinião
errônea sobre os fatos, para que o julgamento pelo Tribunal do Júri mantenha a
imparcialidade e justiça.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>
Acesso em 06/02/2020.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2015.