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A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO TRIBUNAL DO JÚRI

CONTEÚDO
• RESUMO

• 1. INTRODUÇÃO

• 2. O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

• 3. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA SOCIEDADE

• 3.1 LIBERDADE DE IMPRENSA X PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE


INOCÊNCIA

• 4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA EM CASOS CONCRETOS DO TRIBUNAL


DO JÚRI

• 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

• REFERÊNCIAS

ARTIGO ORIGINAL

SILVA, Manuela de Mello Carvajal da [1]

SILVA, Manuela de Mello Carvajal da. A influência da mídia no tribunal do


júri. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 04, Vol.
07, pp. 59-73. Abril de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de
acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/influencia-da-midia
RESUMO
Os veículos de comunicação vêm crescendo em tecnologia, proporcionando ao
público informações velozes a qualquer momento, desencadeando a ideia de que a
comunicação é uma mercadoria e que a audiência e o interesse do público são
prioridades a qualquer custo. Com isto, devido a todo apelo emocional que as notícias
sobre crimes contra a vida causam na sociedade, a mídia, a todo tempo, trata sobre
esses tipos de casos com sensacionalismo, provocando sentimentos de emoção,
raiva e indignação em seus espectadores. Mesmo levantando todas as informações
possíveis sobre o caso, a mídia se desvirtua do real acontecimento, transformando o
crime em um espetáculo, provocando na sociedade um sentimento de justiça que
deve ser satisfeito e que transforma possíveis suspeitos em condenados. Neste
sentido, o presente artigo visou responder: qual a influência da mídia no Tribunal do
Júri no julgamento de crimes contra a vida? Assim, tem-se como objetivo analisar, de
acordo com a literatura já publicada, a influência da mídia naqueles que compõem o
Tribunal do Júri, se validando da prevalência do direito constitucional da liberdade de
imprensa, de forma a demonstrar como isto afeta as decisões destes indivíduos, o
afronto ao princípio da presunção da inocência e os direitos de personalidade do
acusado. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, através de uma
metodologia qualitativa e descritiva, selecionando materiais pertinentes sobre o tema.
Como resultados, constatou-se que os meios de comunicação, ao informar sobre
crimes dolosos contra a vida, acabam por julgar os acusados, influenciando a
sociedade a acreditar que determinado indivíduo é um criminoso, e que merece ser
punido. Entretanto, essa influência é negativa para o Poder Judiciário, uma vez que
os crimes dolosos contra a vida são julgados pela própria sociedade, através do
Tribunal do Júri. Por fim, concluiu-se que, apesar de a mídia possuir o direito
fundamental e constitucional de liberdade de imprensa, em muitos casos, as
informações noticiadas, descaracterizam e se chocam com o princípio da presunção
de inocência, pré-julgando e pré-condenando o indivíduo, que também possui o direito
fundamental e constitucional de apenas ser considerado culpado após o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória.

Palavras-chave: Mídia, Veículos de Comunicação, Tribunal do Júri, Crimes Dolosos


Contra a Vida.
1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, os veículos de comunicação avançaram consideravelmente,
proporcionando à comunidade informações em tempo real e uma propagação na
mesma velocidade, atingindo um número cada vez maior de pessoas. Entretanto, a
informação se tornou valiosa e disputada, pois a garantia de maior audiência é
daquele que consegue se comunicar sobre determinado acontecimento mais rápido e
com mais informações, e após isto, sempre manter o público concentrado nas
atualizações das notícias (OLIVEIRA, 2013).

Em consequência disto, a informação se tornou uma mercadoria e, como qualquer


outro negócio, as disputas por um furo de reportagem se tornaram acirradas. O apelo
em tentar cativar, emocionar, entreter e ter a atenção do telespectador se converteram
em prioridades a qualquer custo. Entre essas tentativas, a mídia se utiliza do
entretenimento do crime, inclusive através de programas de cunho policial,
sensacionalistas, para trazer as notícias de minuto sobre crimes contra a vida, a fim
de emocionar o público e alavancar a audiência (OLIVEIRA, 2013).

Desta forma, as informações sobre crimes contra a vida se tornaram um produto e


seguem o mesmo padrão: um caso bárbaro contra uma vítima inofensiva, inocente e
jovem, com familiares inconformados, tristes e desesperados, buscando justiça a todo
momento. De um outro lado, há um suspeito, alguém que tenha potencial ou
motivação para cometer o crime, indicando todos os meios para que o público se
convença e manifeste seu ânimo de justiça. Esse exemplo, muitas das vezes, é
propagado de forma desvirtuada do real acontecimento, apenas no intuito de causar
mais impacto, como um produto para chamar mais atenção.

Neste sentido, o presente artigo visou responder: qual a influência da mídia no


Tribunal do Júri no julgamento de crimes contra a vida? Levando em consideração
que os membros do conselho do Tribunal do Júri são compostos pelo povo e que
estes podem estar sendo influenciados pelas notícias. Assim, o presente artigo tem
como objetivo analisar, de acordo com a literatura já publicada, a influência da mídia
naqueles que compõem o Tribunal do Júri, se validando da prevalência do direito
constitucional da liberdade de imprensa, de forma a demonstrar como isto afeta as
decisões destes indivíduos, o afronto ao princípio da presunção da inocência e os
direitos de personalidade do acusado.
A justificativa do problema está na relevância jurídica e social de condenar alguém
socialmente antes de haver o trânsito em julgado de sentença penal condenatória pelo
Poder Judiciário. Por mais que a imprensa tenha o direito constitucional de liberdade
sobre a veiculação de notícias, deve haver uma proporcionalidade em respeito aos
direitos de personalidade, a fim de não afrontar a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem da pessoa, acusando-a de um crime doloso contra a vida.

2. O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL


No Brasil, apesar de o Tribunal do Júri estar presente desde 1822, este somente se
consolidou a partir do Decreto nº 167, de 5 de janeiro de 1938 e, atualmente, é previsto
pela Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (BRASIL, 1988).

Desta forma, o Tribunal do Júri está previsto no rol de garantias individuais,


assegurando a plenitude de defesa, ou seja, a ampla defesa perante o conselho de
sentença; o sigilo das votações, pela formação da opinião do jurado em uma sala
secreta; a soberania dos vereditos, com plena liberdade de apreciação de mérito e
sem motivação de voto, desde que respeitado o devido processo legal; e a
competência para julgar crimes dolosos contra a vida (LOURENÇO e SCARAVELLI,
2018).
Sendo assim, o Tribunal do Júri é competente para julgar os crimes previstos entre o
artigo 121 e 126 do Código Penal, dentre os quais são: homicídio e feminicídio;
induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; aborto; e infanticídio, seja na forma
tentada ou consumada, além de crimes conexos àqueles, como disciplina o artigo 78
do Código de Processo Penal. Nesse contexto, é importante mencionar que as
características básicas para a competência do Tribunal do Júri são: crime contra a
vida e conduta de dolo, sendo este um elemento psicológico do fato típico, no qual o
agente demonstra a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do
tipo legal (CAPEZ, 2017).

O Tribunal do Júri é composto de duas fases, em que a primeira diz respeito à


instrução preliminar para o convencimento de que está se tratando de um crime doloso
contra a vida, admitindo o princípio in dubio pro societate caso houver dúvidas quanto
a autoria do crime ou a dinâmica dos fatos, onde deve-se haver a pronúncia,
impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação. E a segunda fase diz respeito
ao julgamento que se inicia a partir da pronúncia e somente se encerra com o
veredicto do conselho de sentença formado pelo júri (OLIVEIRA, 2015).

Nesse contexto, o procedimento do Tribunal do Júri, na segunda fase, segue as regras


do Código Processual Penal que basicamente consiste em: 1) convocação dos
jurados, na qual dentre os 25 convocados pelo menos 15 devem estar presentes; 2)
recolhimento das testemunhas, para não haver troca de informações; 3) apresentação
do acusado aos jurados; 4) sorteio de 7 jurados para compor os membros do júri,
juntamente com o juiz de direito e os outros jurados; 5) inquirição das testemunhas de
acusação e, em seguida, das testemunhas da defesa; 6) interrogatório do acuado pela
acusação e, em seguida, da defesa; 7) discussão entre o promotor e os
representantes da acusação e, em seguida, entre o advogado e os representantes da
defesa; 8) veredicto dos jurados (BRASIL, 1941).

Importa frisar que no Tribunal do Júri são os jurados que julgam e que resolvem
condenar ou absolver o acusado, enquanto o magistrado apenas formula os quesitos
e profere a sentença, além de presidir os jurados. Os jurados, órgão leigo e de
responsabilidade do presidente do Tribunal do Júri que elabora anualmente uma lista
de convocados obrigatórios para compor o órgão, tem uma importância ímpar no
julgamento e, por isso, devem ser imparciais e justos por exercerem função
jurisdicional (PRADO, 2017).

3. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA SOCIEDADE


Devido às evoluções tecnológicas das últimas décadas, atualmente os meios de
comunicação conseguem atingir uma quantidade inimaginável de pessoas, a qualquer
tempo, por meio de seus mais diversos veículos como rádio, televisão, jornal, revistas,
internet e, especificamente, redes sociais, além de outros, divulgando além de
notícias, opiniões sobre diversos assuntos contidos na sociedade, sendo considerada
por Freitas (2016) como uma formadora de opinião.

Assim, os conteúdos veiculados são instantâneos e acompanham em tempo real os


acontecimentos, se propagando em uma velocidade impossível de restringir. Com
isto, muitas informações excedem o limite dos fatos, comunicando sobre alegações,
depoimentos de fontes sem a verificação da veracidade, boatos, testemunhas que não
se lembram ou tem a ideia distorcida dos acontecimentos, entre outros contextos que
se distanciam da realidade (PRADO, 2017).

Neste sentido, a intenção da mídia vai além do que apenas informar, de modo que
trata a notícia como uma mera mercadoria a ser comercializada para a obter
audiência, ser líder entre a concorrência e chamar a atenção do público, entreter,
emocionar e sensibilizar com métodos de sensacionalismo. E um dos “produtos” que
possibilitam a mídia alcançar a audiência que deseja, são os “programas policiais, que
investigam, apontam, acusam, criam hipóteses, e com um linguajar simples e com
tons de revolta, influenciam boa parte da população” (PRADO, 2017, p. 17).

A mídia, ao noticiar fatos sem a devida imparcialidade, salientando a sensibilidade e


ignorando a razão, faz com que o público tenha empatia com a vítima e aversão ao
suposto autor do fato, sem atinar que ambos são pessoas, sujeitos de direitos e
deveres e passíveis de cometer erros, e com que desconsiderem a capacidade do ser
humano quando do ápice das emoções (MELLO, 2010, p. 154).

Assim, constantemente a mídia forma opinião pública sobre casos de crime contra a
vida, sempre direcionando um lado como o opressor, o frio e calculista, com aparência
de culpado, e o outro lado, como uma vítima frágil, inocente, com familiares desolados
que a todo tempo trazem fotos, sonhos e planos da vítima. Dessa maneira, a mídia
cria uma realidade paralela ao mundo real, com o “poder de difundir o ideário popular
um forte temor do crime, convencendo assim que a violência atinge índices
alarmantes; que o sistema penal atual não funciona e que a sociedade deve lutar por
novas incriminadoras” (LOURENÇO e SCARAVELLI, 2018, p.9).

3.1 LIBERDADE DE IMPRENSA X PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


A imprensa, embora tenha surgido em meados de 1789 na Alemanha, somente
chegou ao Brasil na vinda da família real portuguesa, em 1808, com a criação do jornal
A Gazeta do Rio de Janeiro, para divulgar sobre as notícias da realeza. Entretanto,
posteriormente, a imprensa foi censurada por diversos movimentos que iam em
desencontro com as intenções colonizadoras. De modo que, somente depois da
Constituição Federal de 1946, em seu artigo 113, IX, é que foi permitida a livre
manifestação do pensamento, sem censura, a responsabilidade individual por abusos,
a proibição do anonimato e a garantia do direito de resposta (FARIAS, 2014).

Freitas (2016) ressalta que desde então todas as constituições brasileiras passaram
a consagrar a liberdade de expressão e de imprensa, embora este direito tenha
variado de acordo com as inclinações políticas antidemocráticas em determinados
períodos da história do Brasil. Todavia, atualmente, o direito à liberdade de imprensa
está previsto na Constituição Federal:

Art. 5º (…):

(…)

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,


independentemente de censura ou licença; (BRASIL, 1988)

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob


qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade
de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o
disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

(…)

§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto


de monopólio ou oligopólio.

§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de


autoridade (BRASIL, 1988).

Neste sentido, Lourenço e Scaravelli (2018) explicam que o direito de liberdade de


imprensa, basicamente, consiste no direito de informar e de se manter informado
sobre os acontecimentos. E dentre estas informações, a mídia, através da imprensa,
divulga notas, imagens e comentários sobre os casos de criminalidade em todo o
Brasil, tratando o crime como um espetáculo e emocionando o público com o
sensacionalismo, às vezes distante da realidade dos fatos.

Este apelo se dá pela intolerância da sociedade contra a criminalidade, principalmente


em relação aos crimes contra a vida, que causam comoção, indignação e o sentimento
de justiça, para que o autor do crime seja devidamente condenado, seja pela justiça,
seja pelas próprias mãos da sociedade. Sendo assim, a mídia fomenta o ódio ao crime
e ao criminoso, o que pode influenciar os jurados do Tribunal do Júri.

A liberdade de pensar possui um teor abrangente, que envolve todo um sentido


interno, conceitos, crenças, opinião. E a proteção constitucional advém do
desenvolvimento da personalidade, sendo fundamental na democracia, e necessário
para o pluralismo de ideias. Mas ao longo dos últimos anos, o desenvolvimento
tecnológico trouxe consigo meios de informação mais eficientes, que chegam a mais
pessoas em menos tempo. Desse desenvolvimento surgiram programas de TV, rádio,
que se utilizam de meios sensacionalistas e disputas por recursos publicitários, onde
expor suas opiniões nessas condições causam um julgamento pela mídia. E da
simples veiculação de notícias que os meios de comunicação transmitiam, a briga pela
audiência os transformaram em indústrias culturais, agora o consumidor não
precisava apenas das notícias e sim de uma mercadoria e nisso a autora enfatiza a
exposição midiática que a fascinação pelo crime traz, fazendo de todos
telespectadores potenciais vítimas (PRADO, 2017, p. 24).
Entretanto, deve-se considerar que antes de qualquer julgamento ninguém pode ser
considerado culpado, conforme a Constituição Federal no que diz respeito ao princípio
da presunção da inocência. Salienta-se que este princípio é fruto da Declaração dos
Direitos dos Homens e Cidadãos, de 1971, sendo recepcionado pela Carta Magna
como uma garantia fundamental: “Art. 5º (…): LVII – ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;” (BRASIL, 1988).

Portanto, quando a mídia se utiliza de fatos sensacionalistas e imparciais e expõe o


acusado, e o condenam antes mesmo de vir a julgamento, ferem o princípio da
presunção da inocência, o que causa um contraponto entre a liberdade de imprensa
e a presunção da inocência. E uma vez afrontado o direito fundamental de ser
considerado inocente até que haja o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, as acusações, as alegações, as insinuações e o apelo que a mídia faz,
afronta também os direitos de personalidade (MELLO, 2010).

Acontece que excedem [a mídia] a incumbência de apenas divulgar informações, pois


ao noticiar acontecimentos se caracteriza como livre expressão, mas quando
manifesta uma opinião pessoal em um veículo de comunicação em massa, e essa
opinião prejudica um determinado indivíduo, desvia todo o lado benéfico da
informação, se confronta com a presunção da inocência, igualmente como é liberdade
de imprensa e expressão a presunção da inocência é matéria de ordem constitucional
(PRADO, 2017, p. 18).

Portanto, embora a imprensa tenha o direito fundamental e constitucional de informar


e se expressar livremente, deve ponderar uma proporcionalidade entre as suas
manifestações e o princípio da presunção da inocência, respeitando os direitos
fundamentais do ser humano, para que um não prejudique o direito do outro.

4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA EM CASOS CONCRETOS DO TRIBUNAL DO JÚRI


Os altos índices de criminalidade no Brasil e o apelo popular pelos crimes contra a
vida são elementos que incentivam a espetacularização do cárcere e o fomento do
ódio, não somente ao crime, mas também ao criminoso, pela mídia. Sendo assim, a
imprensa sensacionalista divulga notas, imagens, comentários e ao mesmo tempo
que emociona, também forma a opinião do telespectador sobre o (s) autor (es) do
crime, a dinâmica dos fatos, a motivação, entre outros, que nem sempre chegam a
serem confirmados ou provados (PRADO, 2017)

Todavia, toda essa influência que a mídia causa na sociedade reflete diretamente no
Tribunal do Júri, exatamente por ser um momento em que a justiça é exercida pelo
povo, o que pode influenciar no seu julgamento, considerando o sentimento de medo,
insegurança, raiva e a vontade de querer fazer justiça, embora não haja elementos
suficientes que indique a autoria do crime. Nisso, a suposta justiça que mais se parece
com uma vingança acaba por se tornar uma injustiça.

Como o tribunal do júri trata justamente sobre crimes dolosos, que tem grande
repercussão, traz justamente o sentimentalismo da sociedade, a revolta e opiniões
sobre tudo o que acontece no mundo do crime. Muitas vezes a mídia condena sem
ter a certeza, com apenas especulações de que realmente é verdadeiro tal fato que
está sendo noticiado, mas não imagina a influência que pode ter sobre os
pensamentos das pessoas, que deveriam julgar apenas baseado em fatos reais,
narrados no decorrer do processo e não em apenas especulações já preconcebidas
antes mesmo do julgamento (VALVERDE, 2012, p. 21).

No mais, importa mencionar que no Tribunal do Júri, o julgamento é realizado de


acordo com as íntimas convicções dos jurados, que não precisam fundamentar sua
decisão, podendo seguir seu intuito pessoal e a sua consciência. Isto porque, se
tratando de pessoas que não possuem um conhecimento técnico jurídico, as suas
teses de julgamento não exigem que os jurados tenham conhecimento das leis penais,
apenas um conhecimento mínimo. E assim, para contribuir com a sua íntima
convicção, os jurados se baseiam nos depoimentos das testemunhas, do acusado e
da discussão entre a acusação e a defesa, envolvendo, também, seus valores e
princípios filosóficos, religiosos, políticos, sociais e a sua visão de mundo (MACÊDO,
2013).

Ainda, por ser pessoal, o julgamento também contempla os fatos além daqueles do
crime de fato, considerando a vida da vítima, seus familiares, a sua idade, entre outros
elementos que são oferecidos pela mídia, envolvendo a comoção social e o emocional
perante a decisão de oferecer justiça àqueles que estão sofrendo as consequências
do crime e de penalizar alguém pelo ocorrido, mesmo que não haja provas o
suficiente.

Mesmo que haja dúvidas sobre a autoria do fato, ainda que não tenha havido outras
buscas por provas e outros suspeitos, e se há qualquer mínimo indício de que aquele
acusado praticou o crime, a influência da mídia em condená-lo judicialmente influencia
o Tribunal do Júri.

Muitos foram os casos de crimes contra a vida que foram transformados em


espetáculos pela mídia, sendo palco de discussão em diversos programas,
repercutindo nacionalmente. Aqui, é importante mencionar alguns casos como o da
atriz Daniela Perez, de Suzane Richthofen e dos irmãos Cravinhos, de Eloá Cristina,
da menina Isabella Nardoni, e do goleiro Bruno, que foram aclamados pela mídia que,
por sua vez, proporcionou diversas consequências na vida dos acusados socialmente,
influenciando, inclusive, o Tribunal do Júri no momento do julgamento (MACÊDO,
2013).

O caso da atriz Daniela Perez, em 1992, foi um dos crimes que chocou a sociedade e
a fez formar uma opinião sobre o autor do crime, condenando-o socialmente. O caso
aconteceu no Rio Janeiro, onde a atriz Daniela Perez, que na época protagonizou
uma novela escrita por sua mãe, e de maior audiência nacional, foi assassinada com
18 golpes de tesoura. Os primeiros suspeitos foram o seu ex-colega de trabalho,
Guilherme de Pádua, que mantinha um relacionamento com a vítima, e a sua esposa
Paula Thomaz (MACÊDO, 2013).

Por ser uma pessoa pública, todos os meios midiáticos veicularam notícias sobre o
assunto, tomando uma tamanha proporção que ainda é impossível de calcular sua
abrangência. Freitas (2016) informa que neste caso, todos os jornais e revistas a todo
tempo indicavam que não haviam dúvidas sobre a autoria do crime, sempre
ressaltando sobre todas as provas. Por fim, Guilherme e sua esposa foram
condenados a 19 anos e 18 anos e 6 meses de reclusão, respectivamente. Ainda,
como resultado desse caso, houve uma alteração na legislação penal em decorrência
da iniciativa popular, incluindo o homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos,
através da Lei nº 8.930/94, conhecida popularmente como Lei do Caso Daniela Perez.
Outro caso conhecido amplamente pela sociedade, é o de Suzane Richthofen e dos
irmãos Cravinhos: Daniel, namorado de Suzane, e Christian, que foram acusados de
assassinar os pais de Suzane para usufruir parte da herança. Na época, mais de cinco
mil pessoas se inscreveram para conseguir assistir o julgamento no Tribunal do Júri
de São Paulo, inclusive houve um pedido de televisionamento do julgamento que foi
negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Paralelo a isso, Macêdo (2013), alega
que a publicidade do processo se restringe somente a garantia de os atos nele
praticados, e que entre esse conceito, a abertura das portas do fórum e a transmissão
nacional do lamentável drama que envolvia o Tribunal do Júri estavam muito distantes
(MACÊDO, 2013).

O caso de Eloá Cristina, por sua vez, é um dos casos que ainda se discute sobre a
culpabilidade da mídia no resultado do caso. Eloá Cristina e outros amigos foram
mantidos em cárcere privado por mais de quatro dias pelo seu ex-namorado Lindbergh
Farias. Quando se teve conhecimento dos fatos, várias emissoras de televisão,
jornalistas, fotógrafos e entre outros permaneceram à porta do local em que a menina
estava sendo feita de refém, cobrindo e transmitindo todos os acontecimentos e,
inclusive, fazendo um apanhado histórico da vida e da intimidade da vítima e dos
outros reféns (MACÊDO, 2013).

Os amigos de Eloá conseguiram ser libertados, porém, a adolescente de 15 anos foi


morta. A discussão parte da comunicação realizada pela mídia ao vivo no momento
em que a unidade policial responsável pelo caso resolveu adentrar na residência e
invadir o local para resgatar a vítima, o que mostrou ao Lindbergh Farias, que assistia
toda a dinâmica da polícia pela televisão, todas essas ações, de modo que ele a
assassinou antes da invasão.

Nessa linha, o caso da Isabella Nardoni também é um dos exemplos da influência da


mídia em decisões judiciais. Isabella Nardoni faleceu após uma queda do sexto andar
do prédio onde morava em São Paulo e durante toda a investigação do ocorrido, a
mídia acompanhou de perto todo o processo, informando diariamente as atividades
realizadas pelos investigadores, direcionando como um crime cometido pelo pai e pela
madrasta da menina. Oliveira (2015) inclusive cita uma matéria da Revista Veja
(edição nº 2057/2008), que estampava a foto do casal na capa com a manchete “Para
a Polícia não há mais dúvidas sobre a morte de Isabella: Foram eles”, publicada dois
anos antes do julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, sendo
promovido como entretenimento para o público, como um espetáculo. Mesmo não
havendo provas robustas, a mídia foi tendenciosa e sensacionalista em versar sobre
o caso, a todo momento apontando os acusados como autores do crime.

Outro caso diz respeito ao do goleiro Bruno, que foi acusado pelo homicídio da sua
ex-namorada Eliza Samúdio, em 2010, o qual também foi um caso de grande
repercussão midiática que, inclusive, permanece até atualmente. O caso se trata de
um típico caso de homicídio sem cadáver, no qual há dúvidas sobre a morte em si e
do modus operandi do crime, e principalmente sobre os autores do crime. Todavia,
desde o desaparecimento de Eliza, a mídia levantou suspeitas sobre Bruno, relatando
sobre ligações, brigas, ameaças que indicavam que o goleiro havia sido o principal
mentor intelectual do crime, e de que a sua ex-namorada tinha sido assassinada a
seu mando. Entretanto, até a presente data nenhum único vestígio do corpo foi
localizado (PRADO, 2017).

Os veículos midiáticos exploraram esse caso de uma maneira ímpar, às vezes Bruno
era a vítima, que tinha a mãe de seu filho desaparecida, outra hora era um assassino
frio. Eliza passava de garota de programa, a atriz e modelo em questão de dias, a
mídia queria audiência, e explorava o caso. Apontava culpados, fazia reconstituições,
criavam histórias, apareciam com motivos. A sociedade queria justiça, queria um
culpado. E Eliza foi presumida morta e Bruno foi a julgamento (PRADO, 2017, p. 20).

Todavia, todas as notícias sobre o caso indicavam o goleiro como culpado, e em seu
julgamento havia uma equipe para atualizar os telespectadores a cada minuto sobre
a repercussão, o que inclusive foi evidenciado pelo advogado de defesa, acusando a
mídia de manobrar os jurados, afirmando que não havia qualquer prova contra Bruno
e pedindo veemente para que os jurados não fossem escravos da mídia e não o
condenassem, contudo, o goleiro foi condenado a 22 anos e 3 meses por homicídio e
ocultação de cadáver (PRADO, 2017).

Neste caso, mesmo não havendo prova material do crime, ou seja, exame cadavérico,
pelo fato do corpo da vítima não ter sido encontrado, o réu foi condenado, o que
levanta a seguinte questão: se fosse outro caso, sem envolver um réu famoso e sem
o clamor da mídia, o goleiro Bruno seria condenado? Além disso, as consequências
dessa condenação perpetuam, pois Bruno está cumprindo pena em regime
semiaberto e está tentando conseguir um emprego como goleiro, entretanto, qualquer
time que demonstra interesse em contratá-lo desiste após a mídia anunciar, e a
sociedade rejeitar, direcionando xingamentos, pichações nos locais de treino e
fazendo manifestações, de modo que a contratação não segue adiante.

A função da imprensa é noticiar e não insinuar fatos que não foram confirmados,
provados ou que nem aconteceram, sendo apenas suposições, tampouco apresentar
culpados e condená-los previamente antes que o Poder Judiciário julgue o caso. Em
todos esses casos a imprensa foi além de informar sobre uma mera notícia, de expor
sobre fatos e de se manifestar sobre acontecimentos do cotidiano, extrapolou os
limites da liberdade de manifestação do pensamento, e a neutralidade e objetividade
que deveria se pautar as notícias jornalísticas, cedendo para o espetáculo midiático
(FREITAS, 2016).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em busca de audiência, a mídia se utiliza do seu poder de formar e massificar
opiniões, para influenciar a sociedade e gerar um sentimento de justiça pelos crimes
dolosos contra a vida. Através do sensacionalismo, da emoção e da sensibilização, a
mídia convence e entretém seus espectadores com discursos teatrais, a fim de
aumentar sua audiência e gerar mais lucros, uma vez que a informação é tratada como
um produto comercial e o mais importante é o seu impacto nas pessoas. Assim, a
sociedade inflada de revolta e sentimento de justiça, entende como verdade todos os
apontamentos e alegações desferidas, e acaba por condenar socialmente o acusado
ou apenas o suspeito do crime.

Retomando a questão norteadora deste artigo, que visou responder sobre a influência
da mídia no Tribunal do Júri no julgamento de crimes contra a vida, foi possível
constatar que, ao informar sobre crimes dolosos contra a vida, os meios de
comunicação acabam por julgar os acusados, e fazem um julgamento paralelo,
caminhando para uma condenação social, influenciando a sociedade a acreditar que
determinado indivíduo é um criminoso e que merece ser punido, gerando um
sentimento de revolta e de justiça, que precisa ser satisfeito. Entretanto, essa
influência é negativa para o Poder Judiciário, uma vez que os crimes dolosos contra
a vida são julgados pela própria sociedade, através do Tribunal do Júri, podendo
transformar um sentimento de justiça, em injustiça.

É certo que a mídia possui o direito fundamental e constitucional de liberdade de


imprensa, gozando do direito de propagar qualquer informação jornalística em
qualquer veículo de comunicação social, entretanto, em muitos casos, as informações
apresentadas descaracterizam e se chocam com o princípio da presunção de
inocência, pré-julgando e pré-condenando o indivíduo, que também possui o direito
fundamental e constitucional de apenas ser considerado culpado após o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória.

Sendo assim, em muitos casos, a mídia deixa de exercer seu papel relevante na
sociedade, formando o cidadão sobre seus direitos e deveres cívicos, informando
sobre notícias jornalísticas e se manifestando sobre elas sem a intenção de influenciar
o espectador a uma verdade. As informações levadas pela imprensa devem ser
narradas de maneira imparcial e corresponderem aos fatos de forma exata e
verdadeira, sem a intenção de confundir o espectador, ou de formar uma opinião
errônea sobre os fatos, para que o julgamento pelo Tribunal do Júri mantenha a
imparcialidade e justiça.

REFERÊNCIAS
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[1] Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Uniamerica, Pós- graduada
em Direito Previdenciário pela UniBF, Bacharel em Direito pela Universidade Estácio
de Sá. ORCID: 0000-0002-4843-3898.

Enviado: Março, 2022.

Aprovado: Abril, 2022.

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