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11/10/2021
Número: 0709706-93.2020.8.07.0001
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 21ª Vara Cível de Brasília
Última distribuição : 30/03/2020
Valor da causa: R$ 25.000,00
Assuntos: Indenização por Dano Moral, Acidente de Trânsito
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Advogados
GETULIO ALVES DE LIMA (AUTOR)
GETULIO ALVES DE LIMA (ADVOGADO)
JOSE VIEIRA LOPES (REU)
JARBAS FABIANO RODRIGUES COELHO (ADVOGADO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
105095234 11/10/2021 Sentença Sentença
14:01
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
21VARCVBSB
21ª Vara Cível de Brasília
SENTENÇA
Vistos.
Trata-se de AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS, sob a égide do rito comum do Código de Processo
Civil, ajuizada por GETÚLIO ALVES DE LIMA contra JOSÉ VIEIRA LOPES, partes devidamente
qualificadas em epígrafe.
Em suas considerações iniciais aduz que é Promotor de Justiça aposentado e afirma que leciona direito há
mais de 25 anos em instituições de ensino de Brasília.
Aponta que foi convidado a participar de grupos do whats app, denominados “OPERADORES DO
DIREITO” e “ESQUERDA#CENTRO#DIREITA”. Narra que desde que entrou nos grupos, em 02/01/2020,
passou a ser ofendido em sua honra objetiva e subjetiva pelo requerido.
Relata que o réu se diz advogado militante, mas em verdade é agente de vigilância do DF.
Afirma que o réu se utiliza de agressões verbais chulas e desmedidas, com intimidações e deboches em face
do autor, chamando o requerente de energúmeno, analfabeto, pernóstico, nazista, mentiroso, tresloucado
Diz que o requerido profere ofensas em relação a outros membros dos grupos e que sua presença é motivo
de agressão, ofensas, desestabilização e desarmonia.
Assevera que o requerido apresenta resposta ofensiva a qualquer membro do grupo que discorde de suas
opiniões e que proferiu ofensa inclusive à esposa do autor.
Tece arrazoado jurídico e postula, em antecipação dos efeitos da tutela, seja determinado ao réu que se retire
dos grupos de whats app “OPERADORES DO DIREITO” e “ESQUERDA#CENTRO #DIREITA”, bem
como se abstenha de enviar mensagem ou se dirigir ao autor no grupo, sob pena de multa.
Pedido de tutela de urgência deferido em parte para determinar ao réu “[...] que se abstenha de, por
qualquer meio, entrar em contato com o autor ou comentar suas publicações, sob pena de multa [...]” [ID
61139501].
Decisão de ID 64861401 determinou a retirada do sigilo das petições e documentos protocolados pelo autor.
Em contestação, afirma que há entre as partes diferenças de entendimento político, provocadas pelo autor;
que o autor deflagrou opiniões que o distingue partidário de uma corrente política e que o réu se identifica
com outra corrente política; que há troca de insultos mútuos; que o autor é opositor de ideias políticas do
requerido; que o requerido saiu do grupo “esquerda-direita” para evitar ofensas pessoais; que se houve
ofensas, essas foram recíprocas, produzidas no calor da discussão; que sempre foi amigo de todos do grupo e
jamais manteve atrito ou ofensa pessoal com o autor; que o autor propõe ofensas ao convidar o grupo a se
manifestar sobre cunho político; que o objetivo do grupo é debater interesses jurídicos; que não houve
intuito de difamar o autor; que o autor litiga de má-fé. Ao final, pede a improcedência do pleito autoral e a
concessão do benefício da justiça gratuita.
O autor pugnou pela constrição prévia de bens do requerido, o que foi indeferido na decisão de ID
94270932.
DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sobre a litigância, verifica-se que o Litigante de má-fé consiste naquele que se utiliza do processo com o fim
de causar dano processual a outra parte.
O princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário é a regra, sendo que a alegação de litigância de má-fé é a
exceção, e como tal deve ser analisada com temperamentos, posto que a afirmação de litigância de má-fé
deve vir necessariamente acompanhada de prova irrefutável de que a parte agiu com dolo ao praticar os atos
processuais ou mesmo que se utilizou do Poder Judiciário com fins ilícitos.
Nessa trilha, o simples ajuizamento de uma demanda, com o objetivo de ver reconhecido um direito que se
julga titular, como é o caso dos autos, nos termos dos fundamentos já expendidos, não pode ser confundido
com o comportamento desleal da parte, tampouco se subsume a nenhuma das hipóteses previstas, em rol
taxativo, no artigo 80 do Código de Processo Civil.
A esse respeito, importa destacar, como anotam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, que o
litigante de má-fé é “a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa,
causando dano processual à parte contrária” [Código de processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante, Ed. Revista dos Tribunais, 10ª ed., 2007, pág. 21].
Dessa forma, não vislumbro conduta processual tipificadora de litigância de má-fé, ausente ainda o dolo
processual, considerado indispensável para a condenação, consoante remansoso entendimento
jurisprudencial.
A sobrevivência social depende da interatividade entre as pessoas, em que há a compra e venda de produtos,
o entretenimento, as relações amorosas, sociais, de família e com o poder público.
Muitas vezes essa interatividade entre as pessoas não acaba de forma feliz.
A vida em sociedade tem um preço. Consiste na obediência da lei com a finalidade de se permitir o respeito
aos demais e aos limites impostos.
O impasse criado entre as partes arrasta-se sem solução, mediante múltiplas demandas, até o Poder
Judiciário, passando a vontade das partes a ser substituída pela decisão judicial, impositiva por natureza.
Há, no direito de dano, uma velha e segura tradição: o de imputar ao culpado, assim definido por uma
sentença judicial, o dever de ressarcir os danos da ilicitude cometida. Esse tipo de julgamento simboliza a
mais justa e apropriada resposta do ordenamento ao ato ilícito. O delito civil - termo que não se utiliza com
tanta ênfase como se empregava no passado, para caracterizar a obrigação de indenizar - é a personificação
genuína do fato ilícito, aquele que é praticado de forma intencional ou com inobservância dos deveres que
marcam uma conduta diligente [culpa stricto sensu]. Essa é a base da teoria subjetiva, conhecida como
culposa ou doutrina clássica, como esclarece JOÃO FRANZEN DE LIMA: “O fundamento da
responsabilidade civil subjetiva é, portanto, a culpa, mas tomada esta palavra no seu duplo sentido, que se
compreende nas expressões ação ou omissão voluntária, negligência, imperícia e imprudência” [Curso de
Direito Civil Brasileiro, I, p. 350].
A responsabilidade civil encontra-se assentada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, V e X.
Pressupõe a ocorrência de um ato ou omissão humana, dolosa ou culposa, causadora de dano a outrem, e que
gere um dever de indenizar [art. 927 do CC]. Essa é a regra em nosso ordenamento, a responsabilidade
subjetiva, em que se faz necessário perquirir a ocorrência de dolo ou culpa, a fim de caracterizar o ato ilícito
[art. 186 do CC].
Para a sua efetivação é preciso preencher certos requisitos como a ação ou omissão dolosa ou culposa, o
nexo causal e o dano.
No bojo de sua inicial o requerente apresenta as cópias das ofensas praticadas pelo requerido.
Ora, conforme definições do www.dicio.com.br, nazista é aquele partidário da ideologia nazista; medíocre é
aquele de qualidade média/ banal; psicopata é um indivíduo acometido de distúrbio mental; sicofanta é um
delator, caluniador, impostor, velhaco; apedeuta é pessoa ignorante, sem instrução; acéfalo é aquele que não
possui cabeça ou sem inteligência, burro; doidinho, esquizofrênico, desvio de conduta, surto psicótico e
transtornos bipolares são características de pessoas com algum desvio mental.
Tudo isso é caraterizado como ofensa ao direito da personalidade, sendo inequívoca a ofensa à honra do
requerente. Não bastasse, as ofensas foram realizadas em grupo de whats app, integrado por diversas
pessoas.
Quanto às teses defensivas, é de se ver que as manifestações ofensivas do requerido são proferidas após
alguma publicação política do autor.
Não demonstrando que o autor realiza a manifestação no grupo de forma a atingir diretamente a honra do
réu, não há que se falar em ofensas recíprocas. As publicações do autor são de cunho político, contrárias a
uma corrente partidária em geral, enquanto as manifestações do requerido são verdadeiras ofensas pessoais e
diretas ao autor, que ultrapassam a defesa à sua corrente política e o combate à “fake news”, configurando o
dano moral.
É comum que as opiniões políticas gerem divergências e animosidade entre seus opositores. Todavia, o
direito de manifestar o seu pensamento e defender sua corrente política não pode se sobrepor ao direito à
honra e à imagem de outra pessoa.
O dano moral que ofende a hora pode ser assim conceituado como fez o Desembargador do TJDFT James
Eduardo Oliveira:
“Para as pessoas do bem nada é mais caro do que a dignidade e a reputação. A honra é atributo maior da
sua personalidade, de modo que qualquer atentado contra ela desferido injustamente importa em
sofrimento, desgosto e constrangimento, vale dizer, dano moral” [James Eduardo Oliveira – Código Civil
Comentado e Anotado – Doutrina e Jurisprudência – Editora Forense].
Sérgio Cavalieri ensina que: “O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma
satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado dano moral a dor,
vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento
psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor,
aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral,
porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os
amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o
equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral,
ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos”. [CAVALIERI
FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed. Malheiros Editores, 2003. p. 99].
“O arbitramento é um ato de consciência jurídica e o juiz deve mentalizar, em primeiro lugar, a situação da
vítima [a extensão do dano e sua repercussão na esfera íntima do indivíduo e no aspecto social]. Esse é um
exercício que se cumpre examinando as condições pessoais do lesado, sua capacidade de autodeterminação
diante da gravidade do fato e do trauma que um ser humano dotado de personalidade mediana [entre o
fraco e o forte] suporta, bem como a perspectiva de superação com o poder do dinheiro a ser pago”
[ZULIANI, Ênio Santarelli in Direitos in Particularidades do Arbitramento do Dano Moral Na
Responsabilidade Civil do Estado – Responsabilidade Civil do Estado, Desafios Contemporâneos – Editora
Quartier Latin].
Por fim, em face da sucumbência, condeno a parte requerida ao pagamento das despesas processuais e dos
honorários advocatícios, que ora fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º do
Código de Processo Civil.
Oportunamente, transitada em julgado, não havendo outros requerimentos, intime-se para recolhimento das
custas em aberto, se houver e, após, dê-se baixa e arquivem-se, observando-se as normas do PGC.
Brasília/DF.