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Aula Magna 3 – Introdução ao Direito Ambiental: Da Convenção de

Estocolmo à Lei 6.938/81 e à Constituição Federal de 1988

Professor Paulo Affonso Leme Machado


BLOCO I

1. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano: Conferência de


Estocolmo

A presente aula magna, ministrada pelo professor Paulo Affonso Leme Machado, abordará a
Declaração de Estocolmo e sua influência na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente de
1981.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, precisamente a 23ª Assembleia, realizada no ano de
1968, sugeriu que se organizasse uma conferência internacional sobre meio ambiente. A Suécia
se propôs a organizá-la, o que de fato ocorreu, entre os dias 5 a 16 de junho de 1972, na capital
da Suécia, Estocolmo – no dia 5 de junho é celebrado o Dia Mundial do Meio Ambiente.
A Conferência de Estocolmo1 estabelece diversos princípios, entre eles, o princípio n. 1:

“O homem tem o direito fundamental à liberdade, à


igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas
em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita
levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene
obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as
gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas
que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação
racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas
de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e
devem ser eliminadas”.

Observe-se que estas Declarações sempre conferem definições de direitos, como foi a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 da Revolução Francesa.

A Declaração de Estocolmo, além de afirmar a liberdade, sem a qual impede-se o usufruto do


meio ambiente, cita as condições de vida satisfatórias. Gradativamente desenvolver-se-á, em
outras Declarações, esse último direito.

Por conseguinte, em Estocolmo afirmou-se o dever solene de “proteger e melhorar o meio


ambiente para as gerações presentes e futuras”. Desta proposição, revelam-se dois
posicionamentos: o direito das gerações presentes a fruir o meio de ambiente de qualidade e o

1
Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-
o-ambiente-humano.html>. Acessado em 30/10/2020 às 17:22h.

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direito das gerações futuras a também ter o meio ambiente de qualidade. Isso foi observado
em 1981 e depois, explicitamente, na Constituição brasileira, tema que será abordado no
segundo bloco.

O princípio n. 2 da Declaração de Estocolmo, estabelece:

“Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra,


a flora e a fauna e especialmente amostras representativas
dos ecossistemas naturais devem ser preservados em
benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma
cuidadosa planificação ou ordenamento”.

O princípio acima faz referência ao planejamento para zelar e gerir áreas representativas. Isto é,
não se podendo conservar de forma integral todo o território de uma nação, seleciona-se
parcelas a serem conservadas.

O princípio n. 3, assim preceitua:

“Deve-se manter, e sempre que possível, restaurar ou


melhorar a capacidade da terra em produzir recursos vitais
renováveis”.

Ainda, o princípio oitavo:

“O desenvolvimento econômico e social é indispensável


para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho
favorável e para criar na terra as condições necessárias de
melhoria da qualidade de vida”.

De acordo com o princípio oitavo da Declaração, o desenvolvimento econômico e social é


indispensável, ideia que estará presente tanto na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente
como em leis subsequentes brasileiras. Trata-se do desenvolvimento sustentável,
representado, pela Declaração, como desenvolvimento econômico e social. É a concepção de
sustentabilidade ambiental, que compreende que tanto a economia como a sociedade têm
como base o meio ambiente, sem o qual é impossível subsistir no Planeta Terra.

Estudando a reunião de Estocolmo, constatou-se o enfrentamento entre países desenvolvidos,


países em desenvolvimento e países subdesenvolvidos, no sentido de que os primeiros,
desenvolvidos, prescreveram aos outros uma reflexão sobre seus respectivos desenvolvimentos

2
econômico e social e, sob outra perspectiva, os outros dois grupos afirmaram o direito de se
desenvolverem. Destaca-se, ainda, que a reunião de Estocolmo foi a primeira conferência
global sobre meio ambiente, com Chefes de Estado de todo o Planeta, a fim de deliberarem
conjuntamente sobre a política internacional sobre o meio ambiente.

Fruto da reunião ocorrida na Suécia criou-se no Brasil, em 1973, a SEMA (Secretaria Especial de
Meio Ambiental). Seu primeiro Secretário foi Paulo Nogueira Neto, graduado em Direito pela
Universidade de São Paulo e Doutor em Ecologia, pela mesma Instituição de ensino, tendo
ocupado o cargo por treze anos. Paulo Nogueira Neto pertencia à família do ramo de usinas de
açúcar, navegando, portanto, em ambos os lados, ou seja, conhecia os problemas da ecologia e
os problemas financeiros e econômicos do País.

2. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981: a Política Nacional do Meio Ambiente

Paulo Nogueira Neto e Paulo Affonso Leme Machado trabalharam conjuntamente na


elaboração da Lei n. 6.938/812. O objetivo da Lei era a melhor preservação e a melhor
recuperação da qualidade de vida, isto é, da qualidade ambiental propícia à vida.

2.1. Principiologia

Em relação à Lei n. 6.938/81, destaca-se sua principiologia, referida em seu artigo 2º:

“Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por


objetivo a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no
País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade
da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio
ecológico, considerando o meio ambiente como um
patrimônio público a ser necessariamente assegurado e
protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do
ar;
III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos
ambientais;

2
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acessado em 31/10/2020 às
06:16.

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IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de
áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou
efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias
orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos
ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis do ensino,
inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-
la para participação ativa na defesa do meio ambiente”.

2.2. Conceitos de meio ambiente

Fundamental, do mesmo modo, as definições de meio ambiente:

 Lei n. 6.938/81: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,


química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3ª,
I).
 Dicionário de Ecologia e Ciências Ambientais (Editora UNESP): “conjunto de condições
que envolvem e sustentam os seres vivos na biosfera, como um todo ou parte desta,
abrangendo elementos do clima, do solo, da água e os organismos”.
 Dicionário Le Rouge Ilustre: “conjunto de condições naturais e culturais que pode agir
sobre os organismos vivos e as atividades humanas”.
 Dicionário della Lingua Italiana: “conjunto das condições físico-químicas e biológicas
que permitem e favorecem a vida dos seres vivos”.

Analisando-se os conceitos, percebe-se a unicidade deles.

2.3. Degradação da qualidade ambiental e poluição

Com relação à degradação da qualidade ambiental, a Lei n. 6.938/81 a define como “a


alteração adversa das características do meio ambiente” (art. 2º, II). Note-se que a Lei não a
define e não há parâmetros para defini-la.

Acerca da poluição, a Lei n. 6.938/81 estabelece:

4
“Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
(...)
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e
econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio
ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os
padrões ambientais estabelecidos;”.

2.4. Equilíbrio ecológico

Nos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, volta-se a dizer que é necessária a “(...)
compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do
meio ambiente e do equilíbrio ecológico” (art. 4º, I). Essa noção, sobre o equilíbrio ecológico,
também estará presente na introdução do artigo 225 da Constituição Federal de 19883, que
preceitua:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações [grifo nosso]”.

A noção de equilíbrio é relevante, pois ser equilibrado, inclusive na vida pessoal, é algo que
exige esforço, conforme o autor francês Albert Camus, tanto é que a figura da Justiça é a
balança. Desta forma, pesa-se a economia e os interesses existentes na sociedade e os
interesses ambientais, pensando nas futuras gerações. Nesse sentido, a Lei de Política Nacional
do Meio Ambiental, proposta pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, teve duas ideias
fundamentais: o princípio poluidor-pagador e a responsabilidade civil-ambiental sem culpa ou
responsabilidade civil-ambiental objetiva.

3
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acessado em
31/10/2020 às 06:56.

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2.5. Repartição de competências

Com relação à repartição de competências, quando a União estabelece uma Política Nacional
do Meio Ambiente, questiona-se qual é a competência dela para elaborá-la. A Lei n. 6.938/81
foi criada em 1981, portanto, sete anos antes da atual Constituição de 1988. Quanto às
competências, apontam-se a competência legislativa, para a elaboração de leis, e a
competência para a gestão e gerência do meio ambiente (competência concorrente).

Há competências que foram reservadas apenas à União. Na Constituição de 1988, essa


competência, denominada de privativa, anteriormente nomeada de exclusiva pelas
Constituições anteriores, pode ser através de lei concedida aos Estados. Entretanto, a
competência legislativa, e sua respectiva execução, sobre águas e sobre energia nuclear e
materiais radioativos, é da União.

Sobre as águas cruzam-se duas competências: a competência privativa de legislar sobre águas e
a competência concorrente dos Estados e Municípios (competência suplementar) em normas
gerais ambientais, como é a norma da Lei de Política Nacional do Meio Ambiental, de aprimorá-
las.

A norma geral, que se fala na competência concorrente, não deve esgotar matéria, deixando,
assim, as minúcias e as particularidades próprias de cada região, Estado ou Município a si
próprio.
Portanto, indispensável observar o tema dentro do federalismo, em razão da inexistência de
um sistema unitário, dada a geografia e história do País - o artigo 18 da Constituição Federal
4
confere autonomia, em sentido organizacional, dos Estados, Municípios e do Distrito Federal.

Em síntese, o federalismo não é fácil, sempre, de ser implementado e compreendido, pois, em


certos momentos, há choques de interesses que, às vezes, prejudicam a qualidade ambiental e
o equilíbrio ecológico.

BLOCO II

2.6. Princípio do usuário-pagador e princípio do poluidor-pagador

Inicialmente, uma observação sobre a existência de leis e a inexistência de um código sobre


meio ambiente. Quando se fala em código, trata-se de um conjunto harmônico de leis ou um
4
“A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

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conjunto harmônico e fundamental de leis, como a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente,
que é uma espécie de código. Sobre o Código Florestal, conforme a obra “Direito Ambiental
Brasileiro”, escrita pelo professor palestrante, levanta-se a seguinte questão prática: é código
quando a ementa do texto diz ser um código - o Código Florestal é de 1965 e a Lei 12.651/12
não diz que é um código. Por fim, cite-se que, para o meio ambiente, foi um ganho gradativo,
com legislações especiais sobre águas, resíduos sólidos, agrotóxicos e saneamento básico, por
exemplo, que vão se entrosando, com o apoio dos princípios gerais do Direito Ambiental.

Em seus objetivos, a Política Nacional do Meio Ambiente prescreve:

Lei n. 6.938/81, art. 4º: “A Política Nacional do Meio


Ambiente visará:
(...)
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação
de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao
usuário, de contribuição pela utilização de recursos
ambientais com fins econômicos [grifo nosso]”

O uso gratuito dos recursos naturais tem representado o enriquecimento ilegítimo do usuário,
pois a comunidade que não os usufruem ou que os utilizam em menores escalas fica
prejudicada.
Assim, tem havido em nossa história uma apropriação indevida dos bens comuns. O poluidor
que usa gratuitamente o meio ambiental para nele lançar os poluentes invade a propriedade
pessoal e de todos os outros que não o poluem. Há um verdadeiro confisco do direito de
propriedade alheia, além da nocividade à propriedade comum de todos.

O princípio do usuário-pagador não é uma punição, pois mesmo não existindo qualquer
ilicitude ou ilegalidade no comportamento do pagador, este princípio pode ser implementado.
Assim, para se tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua poluição não há
necessidade de se provar que o usuário ou o poluidor está cometendo faltas ou infrações. O
órgão que pretenda receber o pagamento deverá provar o efetivo uso do recurso ambiental.
Em outras palavras, mesmo que não haja poluição, há o uso do recurso e, se houver poluição,
será constada. Destaca-se que, mesmo na existência de autorização administrativa para poluir,
segundo as normas de emissão regularmente fixadas, não há isenção do poluidor de pagar
pela poluição.

Quanto ao tema, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o princípio usuário-pagador significa
um mecanismo de assunção partilhada de responsabilidade social pelos custos ambientais
derivados da atividade econômica (ADI 3378/DF, relatada pelo Ministro Carlos Britto – ementa

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colacionada abaixo). O Ministro Celso de Mello, citando a opinião de Paulo Affonso Leme
Machado, afirmou que “o custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado
à imediata reparação do dano, mas, em verdade, é uma atuação preventiva, aplicando-se o
princípio da prevenção5”.

2.7. Responsabilidade civil ambiental objetiva

Preceitua o parágrafo primeiro do artigo 14 da Lei n. 6.938/81:

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste


artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá
legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal, por danos causados ao meio ambiente [grifo
nosso]”.

O dispositivo legal acima, escrito em sua quase totalidade pelo professor Paulo Affonso Leme
Machado, é a notável inovação da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente: a
responsabilidade subjetiva passou à responsabilidade objetiva. Exemplo: caso um usineiro de
açúcar esteja despejando o vinhoto em águas, poluindo-a, não há de se cogitar sua intenção em
poluí-la.

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever
jurídico de repará-lo. Presente o binômio dano-reparação, não se questiona a razão da
degradação para que subsista o dever de indenizar ou de reparar. A responsabilidade sem culpa
tem incidência na indenização e na reparação de danos causados ao meio ambiente e de
terceiros afetados por sua atividade.

Em Conferência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o professor Roger Findley, que possui
livro publicado com Daniel Faber, afirmou que o Brasil conseguiu, em uma única Lei, ter a
responsabilidade objetiva ambiental, sendo que os Estados Unidos da América também a
inseriram, mas fatiou-se o tema em cada lei específica, sobre águas e materiais radioativos, por
exemplo. Conforme Roger Findley, a lei única imprimi capacidade de responsabilizar o
poluidor de forma excelente.

5
Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=534983>. Acessado em
01/01/2020 às 10:42. Verificar a página n. 51 do respectivo arquivo digital.

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Ainda quanto à responsabilidade objetiva ambiental, algumas considerações.

Em primeiro lugar, não interessa o tipo de obra ou de atividade exercida pela pessoa que
degrada, pois não há a necessidade de que ela apresente risco, ou seja, periculosidade. É
diferente, portanto, da previsão Código Civil:

Artigo 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de


reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem6 [grifo nosso]”.

Uma observação, sobre a responsabilidade civil sem culpa. O instituto não nasceu com a Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente, podendo ser observada em legislações anteriores, como a
de acidentes de trabalho e de acidentes ferroviários, que facilitam a prova para a vítima.

Continuando, procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o
processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Entra-se, então, na fase do
estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação e a omissão do dano. Em outras palavras,
a ação ou a omissão deve ser provada, sendo imprescindível o dano ou a possibilidade de dano.
Entre os dois comportamentos, de quem age e de quem sofre o dano, deve existir a relação
causal, que não é presumida, devendo ser provada.

Em um dos primeiros casos, ocorrido no Município de Novo Horizonte, localizado no Estado de


São Paulo, constatou-se o lançamento de vinhoto de cana-de-açúcar e a consequente morte de
peixes. Para tanto, foram recolhidos peixes mortos e submetidos à perícia, que demonstrou a
relação de causalidade entre o lançamento do vinhoto e a morte dos peixes.

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente normatiza o critério da reparação dos danos
causados ao meio ambiente e a terceiros. Salienta Barbara Pozzo, em sua obra Danno
ambientale ed imputazione dela responsabilità, que a responsabilidade sem culpa força o
potencial poluidor do meio ambiente a adaptar o próprio nível de atividade em função da
probabilidade de causar um dano ambiental.

6
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acessado em
01/11/2020 às 07:53h.

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Merece ser apontada, ainda, a diferença nas gênesis dos modelos de responsabilidade sem
culpa: a da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente de 1981 e a do Código Civil de 2002
(vinte e um anos distanciam uma lei da outra). A Lei n. 6.938/81 pensou em vir ao encontro,
também, das necessidades da vítima, que em caso de responsabilidade baseada na culpa – dolo
direto, dolo eventual, imprudência, negligência e imperícia –, estaria enfrentando a difícil tarefa
de ter de provar esses fatos.

Por fim, salientam Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (Curso
de Direito Civil – Responsabilidade Civil – 2017) ser um equívoco crer que vivemos em um
sistema dicotômico de atribuição de responsabilidade (culpa ou risco), sendo preciso
compreender que, para além da cláusula geral do risco, nosso sistema jurídico alberga um
leque de hipóteses da reparação objetiva, seja no Código Civil ou na legislação especial.

2.8. Direito à informação

Na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente o professor Paulo Affonso Leme Machado redigiu
tópico a respeito do direito à informação. Posteriormente, escreveu a obra “Direito à
Informação e Meio Ambiente” - tese de doutorado -, apreciada por Alexander-Charles Kiss, seu
professor (mestrado) na Universidade Robert Schuman de Estrasburgo, considerado um dos
grandes fundadores do Direito ambiental internacional.

No ano de 1981 o professor Paulo Affonso Leme Machado apresentou a seguinte proposição
(artigo 6º, § 3º da Lei n. 6.938/81):

“Os órgãos central, setoriais, seccionais e locais


mencionados neste artigo deverão fornecer os resultados
das análises efetuadas e sua fundamentação”.

Entretanto, quando do trâmite no Congresso Nacional, determinado Deputado inseriu na


proposição algo que dificultou o direito à informação: “(...) quando solicitados por pessoa
legitimamente interessada”.

Portanto, aquele que solicitava a informação deveria comprovar a sua legitimidade. Felizmente,
tal inclusão caiu em lei específica sobre direito à informação ambiental e, posteriormente, na
Lei de 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação). Assim, não há a necessidade de comprovação
do interesse. Todos possuem interesse em questões que não são segredos de Estado ou
indispensáveis à segurança da sociedade, como determina a Constituição Federal

Ainda, o professor Paulo Affonso Leme Machado sugeriu a seguinte inserção:

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“Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a
respectiva concessão serão publicados no jornal oficial,
bem como em periódico regional ou local de grande
circulação, ou em meio eletrônico de comunicação
mantido pelo órgão ambiental competente” (Lei n.
6.938/81, art. 10, § 1º).

A publicidade do licenciamento, relacionada ao pedido, de concessão ou de não concessão,


deve que ser publicizado. A matéria da informação é fundamental para a lisura, a correção e a
honestidade do processo de licenciamento ambiental, assim como todos os processos
administrativos.

A Constituição Federal de 1988 foi pioneira, em todo o Mundo, ao prever o instituto do estudo
de prévio impacto ambiental, e, sua publicidade, está assegurada. Portanto, é constitucional
que o estudo prévio de impacto ambiental seja total e integralmente público. Se houver algo
que deva ser sigiloso, deve-se provar antes.

A informação deve ser transmitida – fala-se, atualmente, muito, em transparência. No direito à


informação há a distinção entre a publicidade e a transparência. Uma coisa é ceder a
informação - é um esforço, é pedir a informação. Outra coisa é a informação fluir, vir do órgão
ambiental, do próprio empresário ou da pessoa que está usando o meio ambiente de forma
privada passar a informação. A transparência é um “rio contínuo” em que há uma visibilidade
plena e constante da informação.

Todo o explanado é fundamental para a propiciar o exercício de outro direito coligado, que é o
direito à participação. A Lei de Resíduos Sólidos (12.305/10) passou a inserir a expressão
“controle social”, abrigando as duas ideias: a informação e a participação. Inclusive, foi dada
nova redação Lei de Saneamento Básico (11.445/07), na qual também consta a ideia do
controle social.

Por fim, a opinião do professor Rafael Valenzuela Fuenzalida, em sua obra El Derecho
Ambiental – Presente Y passado). “A ecologia nos ajuda a compreender a forma como se
estrutura e funciona o ambiente, mas ela é neutra, desde de uma perspectiva valorativa,
incapaz pelos seus próprios meios de atuar sobre as condutas humanas. Impor esses
comportamentos é função do Direito, única disciplina normativa capaz de afiançar a
observância, estado e generalizada de determinadas modalidades comportamentais”.

Leituras recomendadas

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BECHARA, Erika. Princípio do poluidor pagador. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso
Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo:
Direitos Difusos e Coletivos. Nelson Nery Jr., Georges Abboud, André Luiz Freire (coord. de
tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em:
https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/334/edicao-1/principio-do-poluidor-pagador

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação ambiental. Revista de informação


legislativa, v. 21, n. 84, p. 221-232, out./dez. 1984, 10/1984. Disponível em
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181580/000414205.pdf?sequence=3&i
sAllowed=y

MILARÉ, Édis. A Subjetividade Da Responsabilidade Administrativa Ambiental. Migalhas.


Disponível em https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2020/6/55426E1E9600D0_ARTIGOJ.pdf

MIRRA, Álvaro Luiz Valery Mirra. As dimensões material e procedimental do direito ao meio
ambiente equilibrado. Consultor Jurídico, 2017. Disponível em
https://www.conjur.com.br/2017-fev-18/ambiente-juridico-dimensoes-material-
procedimental-meio-ambiente-equilibrado

SARLET, Ingo. W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional-Ambiental Brasileiro E A


Governança Judicial Ecológica: Estudo À Luz Da Jurisprudência Do Superior Tribunal De Justiça E
Do Supremo Tribunal Federal. Revista Eletrônica Da Academia Brasileira De Direito
Constitucional, V. 11, P. 1, 2019. Disponível em
http://abdconst.com.br/revista21/IngoThiago.pdf

WEDY, Gabriel. A evolução do Direito Ambiental e sua definição no Brasil. Consultor Jurídico,
2019. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-mar-23/ambiente-juridico-evolucao-
direito-ambiental-definicao-brasil#author

Jurisprudência

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985,


DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE
EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO §
1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº
9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de

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financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação
ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o
Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da
compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório -
EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um
mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da
atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação
ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as
presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional.
Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente
ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a
meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36
da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao
impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa.
Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente
procedente”. (ADI 3378, Relator(a): CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2008, DJe-112
DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-02 PP-00242 RTJ VOL-00206-03 PP-00993)

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