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A REFLEXÃO DO MEIO AMBIENTE COMO SUJEITO DO DIREITO

AUTORES

Paulo Rogério Haüptli, Advogado, ouvinte do


Doutorado em Direito Ambiental Internacional da
Universidade Católica de Santos, Mestre em
Filosofia – Faculdade São Bento, Mestre em
Direitos Difusos e Coletivos – PUC-SP
Alan Pierre Chaves Rocha, Doutorando em
Direitos Difusos e Coletivos e Mestre em Direitos
Difusos e Coletivos da PUC/SP

MARÇO/2022

A reflexão do meio ambiente como sujeito de direitos: pode-se falar em efetiva


proteção ao bem jurídico tutelado, na conjectura atual brasileira?

The environment as a subject of rights: can it speak in effective protection to the


legal good in the current brazilian conjecture?

Resumo: O presente artigo pretende abordar a tendência de equacionar o


desenvolvimento econômico e a efetiva proteção ao meio ambiente, à luz da dignidade
da pessoa humana, em busca do desenvolvimento sustentável e do reconhecimento da
titularidade de direitos pela natureza, nos moldes reconhecidos pela Constituição do
Estado Federado do Equador, em sintonia às normas internacionais de proteção do meio
ambiente, com a finalidade de formar um pensamento crítico quanto à necessidade de
ampla proteção ambiental.

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Palavra-chave: meio ambiente; desenvolvimento sustentável; biocentrismo;
titularidade de direitos.

ABSTRACT

The present scientific article intends to approach the tendency to equate the economic
development and the effective protection to the environment, in light of the dignity of
the human person - driving force of the natural right -, in search of the sustainable
development and the recognition of the title of rights by the nature , in the manner
recognized by the Constitution of the State of Ecuador, in line with international
standards of environmental protection, with the purpose of forming a critical thinking
about the need for ample environmental protection.

Keywords: environment; sustainable development; bioconversion; ownership of rights.

Sumário: introdução, 1 – A atual visão doutrinária da proteção ambiental, 2 – A


necessidade de mudança de postura dos poderes da república, 3 – O desenvolvimento
sustentável, na visão atual brasileira, 4 – O desenvolvimento sustentável na visão
biocêntrica, 5 – Conclusão.

Introdução

Um dos maiores problemas da sociedade moderna, e de difícil solução prática é


encontrar uma forma de manter o desenvolvimento econômico oriundo das necessidades
do ser humano, numa sociedade em pleno desenvolvimento, que clama, o exemplo, por
espaços urbanos, exploração mineraria para a indústria tecnológica, com a proteção e
preservação do meio ambiente, não apenas para as gerações futuras, como disciplinado
na vigente Constituição Brasileira, mas sob uma visão holística, que reconhece o meio
ambiente em si próprio, como sujeito de direitos, de maneira que identifica a proteção
ambiental como norma:
 “Jus cogens” significa um conjunto de normas imperativas de direito
internacional público. Reflete padrões de ontológicos sedimentados no âmbito
da comunidade internacional, cuja sua existência e eficácia independem da
aquiescência dos sujeitos de direito internacional e obrigação internacional.
 “Erga omnes” Costuma ser usada no âmbito jurídico para se referir a uma lei ou
norma que vale para todos os indivíduos (efeito vinculante).

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Inegavelmente, a exploração econômica dos recursos naturais acentuados pelo
neoliberalismo, somados ao ineficiente papel do Estado em regular e fiscalizar as
atividades elegidas à iniciativa privada têm gerado negativas consequências, causas
reconhecidas de acidentes e desastres ambientais, e mudanças climáticas prejudiciais à
continuação da espécie humana e de espécimes da fauna e flora. Diversas ameaças
como a acentuada degradação ambiental experimentada nos países em desenvolvimento,
em decorrência de atividades de exploração de recursos minerais, hídricos, de fontes
energéticas não renováveis, da pecuária ostensiva, e, em alguns casos, até mesmo a
degradação ambiental oriunda de conflitos armados, têm sido problemas do século XX e
XXI.

Nesse diapasão, os Estados em desenvolvimento têm se demonstrado ineficientes


na aplicação de medidas de correção de impactos ambientais negativos e controle da
qualidade ambiental e do lançamento de poluentes, não conseguindo controlar a
qualidade do ar pela emissão atmosférica de resíduos da indústria, além de não realizar
a eficaz gestão dos recursos hídricos e resíduos sólidos, a efetiva proteção da fauna e da
flora, com a plena gestão da biodiversidade, deixando a desejar, ainda, na proteção
espeleológica e do patrimônio histórico, cultural, natural e arqueológico.

Atentos a estas problemáticas da era moderna, decorrentes da acentuada


intervenção do ser humano nos recursos naturais, com consequências, inclusive, não
plenamente conhecidas, algumas culturas passaram a adotar o meio ambiente como um
fim em si mesmo, sob um panorama holístico, não apenas como essencial à sadia
qualidade de vida do ser humano e para a preservação das futuras gerações, mas como
um ente detentor de direitos e proteção no cenário jurídico.

Por ser uma corrente jurídica recente, pautada em estudos naturais, tem
enfrentado certa resistência no cenário nacional, este predominantemente
antropocêntrico, inclusive com previsão na atual CFB, em seu art. 225, que reza: “todos
têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as futuras gerações”.

No entanto, no cenário internacional, a Constituição do Equador de 28 de


setembro de 2008, introduziu um conceito de direitos da natureza, adotando uma visão
biocêntrica, tendo em seu capítulo sétimo disposto: “Art. 71.- La naturaleza o Pacha

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Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete
integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales,
estructura, funciones y procesos evolutivos.

Observa-se já no dispositivo da Constituição do Equador a tendência a ofertar


uma maior e efetiva proteção ao meio ambiente, sob a visão biocêntrica, como um fim
em si mesmo, com proteção jurídica que respeite sua existência, a manutenção e
regeneração dos seus ciclos vitais, estruturas e funções do processo evolutivo. A
Constituição do Equador inovou no cenário jurídico mundial, de forma positiva,
apontando não apenas uma tendência a se seguir, mas uma necessidade para a
preservação do planeta, frente à conduta predatória do ser humano.

O presente artigo visa investigar se por meio de uma revisão da literatura,


utilizando como embasamento para a construção do trabalho artigos e livros referente ao
tema, como a construção da doutrina ambiental, e mudanças de parâmetros dos poderes
executivo, legislativo e judiciário seria possível se aplicar a doutrina da proteção
integral do meio ambiente, em cenário brasileiro, através da postura de uma cultura
biocêntrica, de forma a se fomentar o efetivo desenvolvimento sustentável da nação,
equacionando a proteção do meio ambiente ao desenvolvimento econômico do país.

1 – A atual visão doutrinária da proteção ambiental

Observa-se na doutrina pátria uma tendência pela preferência ao


antropocentrismo, seja por reflexo dos próprios dispositivos constitucionais da matéria,
seja por questões culturais da nação, classificada como nação em desenvolvimento pela
Organização das Nações Unidas, e que chegou a defender e adotar a bandeira do
“desenvolvimento a qualquer custo” na conferência das nações unidas sobre o homem e
o meio ambiente, em Estocolmo, em 1972.

Segundo José Afonso Da Silva (2010, p. 41 a 42): “Como todo ramo do Direito,
também o Direito Ambiental deve ser considerado sob dois aspectos: a) Direito
Ambiental objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da
proteção da qualidade do meio ambiente; b) Direito Ambiental como ciência, que busca
o conhecimento sistematizado das normas e princípios ordenadores da qualidade do
meio ambiente.”

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O meio ambiente ecologicamente equilibrado é sem, poluição, com qualidade de
vida, correspondente lógico do princípio constitucional da dignidade do ser humano, o
qual precisa ter uma vida saudável.

Artigo 225 expõe: “Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O princípio de número 1, editado na
Rio/92, afirma no sentido que o ser humano é o foco das preocupações com a
sustentabilidade do desenvolvimento, objetivando-se a afirmação do direito a uma
saudável e produtiva vivência, de maneira harmônica com a natureza.

Superior Tribunal Da Justiça: “I. Os princípios do desenvolvimento sustentável e


da prevenção, previstos no art. 225, da Constituição da República, devem orientar a
interpretação das leis, tanto no direito ambiental, no que tange à matéria
administrativa, quanto no direito penal, porquanto o meio ambiente é um patrimônio
para essa geração e para as futuras, bem como direito fundamental, ensejando a
adoção de condutas cautelosas, que evitem ao máximo possível o risco de dano, ainda
que potencial, ao meio ambiente.”

2 – A necessidade de mudança de postura dos poderes da república

Em prol da preservação do meio ambiente, bem como em busca de um real e efetivo


desenvolvimento sustentável, pautado nas necessidades do mercado, sem desprezar o
meio ambiente como um fim em si mesmo, faz-se importante uma postura mais presente
e ativa dos Poderes da República, notadamente do Poder Executivo por meio de
políticas públicas em sintonia com as necessidades ambientais, do Poder Legislativo na
criação de normas que reconheçam o meio ambiente como sujeito de direitos, e do
Poder Judiciário pela reformulação da jurisprudência, em busca da ampla proteção ao
meio ambiente.

O modelo adotado pela Constituição Equatoriana demonstra estes compromissos


aos Poderes Constituídos naquela nação, de forma a preservar a natureza como
detentora de dignidade e direitos. Mateus Gomes Viana, 2013 em artigo publicado na
revista Faculdade De Direito explica: “A Carta equatoriana adota uma visão mais

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ampla, que sugere a necessidade de proteção de todos os seres, expressa no art. 71 pela
expressão “respeito a todos os elementos que formam um ecossistema”. Essa norma,
ao deferir direitos a todos os elementos que compõem um ecossistema, decisivamente
confronta o paradigma antropocêntrico”.

Segundo a Constituição Equatoriana, é a própria natureza o sujeito dos direitos.


A nova Constituição do Equador, de forma pioneira do mundo, "elevou a natureza".
Este teor está exposto no artigo 71, ao afirmar que " a natureza ou Pacha Mama, onde
se reproduz e se e realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente a sua
existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e
processos evolutivos.”

Assim como ocorreu na Constituição do Equador, com o reconhecimento do meio


ambiente como sujeito de direitos, a nosso ver, seria boa hora para o parlamento
brasileiro dispor sobre uma emenda constitucional congênere, que trouxesse a ampla
proteção ao meio ambiente, com o reconhecimento do planeta como detentor de direitos
e com capacidade de defende-los, por meio de substituição processual, de possíveis atos
lesivos e comprometedores da estabilidade ambiental.

O Equador é conceituado como um Estado Plurinacional, onde se prega a


tolerância da diversidade, contendo povos e etnias diferentes, todos obtendo o direito de
compartilhar a visão de que a Mãe Terra deve ser considerada muito mais como"
alguém do que como, algo", com isso se tornando um sujeito passível de direitos
(SOUZA, 2014).

Não temos na jurisprudência nacional algum julgado que reconheça, através de


uma construção teleológica, a titularidade de direitos ao meio ambiente. Ao revés,
Mateus Gomes Viana aponta um julgado de posição antropocêntrica, a saber: “Com
arrimo no art. 24 do CP, e por entender que o meio ambiente existe e há de ser
preservado em razão e ordem do respeito de bem maior, que é o da humanidade, da sua
dignidade de ser humano, daquele que busca subsistência digna e limpa, não há dúvida
que as areias do mar serão sacrificadas e se for necessário que se sacrifique o meio
ambiente em bem do homem, porque a terra e o mundo foram feitos para o homem, e
não o homem para o mundo. (TRF 2ª Região, 1ª Turma, relatora Julieta Lunz, 27 de
junho de 1997). Vladimir Passos Freitas.

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No STJ, no ano de 2015 a Ministra Assusete Magalhães proferiu decisão
monocrática no Agravo de Instrumento em Recurso Especial, ARESP Nº. 316.7990,
tendo como agravante Serviços Autônomos de Água e Esgoto de Três Rios Saaetre,
onde mitigou o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado sob a ótica do
antropocentrismo, para reconhecer a ilegalidade da ausência da prestação de serviço de
tratamento sanitário, que não pode ser tolerado pelo Poder Público, especialmente
quando submetida ao exame e análise do Poder judiciário.

O julgado acima pode refletir a mitigação do antropocentrismo como razão de ser


da proteção ambiental e a busca pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma
vez que reconhece a efetiva proteção do meio ambiente diante da ação predatória do ser
humano, que busca auferir ganhos econômicos a qualquer custo, ainda que em prejuízo
ao meio ambiente e com a inobservância da normas de proteção ambiental.

Da mesma forma, deve-se pautar os poderes executivos, nas atividades


fiscalizatórias e de autorização de empreendimentos de potencial risco ao meio
ambiente, bem como se espera do Poder Legislativo a edição de atos legislativos
próprios que contemplem o meio ambiente como detentor de direitos, nos moldes já
adotado no Equador, em busca de um efetivo desenvolvimento sustentável.

3 – O desenvolvimento sustentável, na visão atual brasileira

O desenvolvimento sustentável é o princípio do direito ambiental que ajusta a


sintonia entre a evolução econômica, a preservação ambiental e a busca pela igualdade
social, de forma que haja o desenvolvimento destes três pilares, simultaneamente, de
forma a atender as necessidades das gerações presentes, sem se esquivar de preservar a
integridade e a harmonia da natureza para as futuras gerações.

O conceito foi pela primeira vez tratado na Conferência das Nações Unidas, em
Estocolmo, no ano de 1972, quando as nações se conscientizaram dos danos ao meio
ambiente e do aumento das catástrofes ambientais decorrentes da intervenção humana
na natureza. A referida Conferência foi marcada pela disputa de duas ideologias, uma
defendida pelos países desenvolvido sob a bandeira de “desenvolvimento zero”, e outra
pelos países em desenvolvimento que defendiam o “desenvolvimento a qualquer custo”.

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Como forma de equacionar essas duas correntes ideológicas divergentes, trouxe-
se para as discussões a possibilidade e necessidade de se promover um desenvolvimento
econômico temperado, que promovesse o bem-estar dos povos, com o fornecimento dos
produtos necessários ao desenvolvimento, mas sem deixar de atentar para boas práticas
de manuseio e exploração dos recursos naturais, de forma a preservar para as gerações
presentes e futuras.

Romeu Thomé, em sua obra Ignacy Sachs “Estratégias de Transição para o


século XXI - Desenvolvimento e Meio Ambiente, descreve a seguinte frase dita por
Maurice Strong, Secretário Geral da Conferência das Nações Unidas: “Perdemos a
inocência. Hoje sabemos que a civilização e até mesmo a vida no planeta estarão
condenados, a menos que nos voltemos para o único caminho viável, tanto para os
ricos como para os pobres. Para isso, é preciso que o Norte diminua seu consumo de
recursos e o Sul escape da pobreza. O desenvolvimento e o meio ambiente estão
indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança de conteúdo,
das modalidades e das utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais devem
ser obedecidos simultaneamente: equidade social, prudência ecológica e eficiência
econômica”.

A legislação pátria também traz um conceito de desenvolvimento sustentável,


pela conjugação dos art. 2º e 4º da lei nº. 6.938/81, que considera: “a Política Nacional
do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria, e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, buscando assegurar, no país, condições ao
desenvolvimento sócio econômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção
da dignidade humana”. Em seu art. 4º determina que a PNMA visará a
compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade
do meio ambiente e a preservação ecológica.

Com relação à jurisprudência pátria, no informativo nº. 0574/2015 do STJ,


oriundo do REsp 1.371.834-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015,
DJe 14/12/2015, reconheceu-se o dano material ocasionado pela redução do pescado em
rio onde uma comunidade ribeirinha realizava sua atividade, em decorrência da
instalação de uma construção de hidrelétrica da região, sob a premissa que embora não
houvesse o direito subjetivo à pesca de determinada quantidade e qualidade de peixes,
pela comunidade, o ordenamento jurídico confere especial proteção aos pescadores
artesanais, garantindo-lhe condições mínimas de subsistência, e a Política Nacional do
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Desenvolvimento Sustentável deve levar em consideração essas peculiaridades e
necessidades.

Assim, conforme se observa, no País o desenvolvimento sustentável segue a linha


de proteção da evolução da atividade econômica, com a preservação do meio ambiente,
para as presentes e futuras gerações, de forma a se promover o desenvolvimento social
da população. Destarte, tanto os dispositivos normativos constitucionais, legais e
infralegais, como a doutrina e a jurisprudência pátria são uníssonas na visão
antropocêntrica do desenvolvimento sustentável, presumindo-se que o meio ambiente
existe para o bem estar do ser humano.

4 – O desenvolvimento sustentável na visão biocêntrica

A bandeira do biocentrismo está estampada na Constituição do Equador, no


capítulo que trata do meio ambiente, “pacha mama”, dispondo no art. 71 que a natureza,
onde se reproduz a vida, tem direito que se respeite sua existência, manutenção e
regeneração, legitimando toda pessoa, povoado, comunidade ou nacionalidade que
poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza, devendo o
Estado incentivar que as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos protejam e
promovam o respeito a todos os elementos que formam o ecossistema.

Como se observa, existe patente avanço na legislação constitucional equatoriana,


ao declarar o direito à existência, manutenção e regeneração da natureza, considerando-
a sujeita de direitos, sendo um fim em si mesmo, e não apenas um instrumento para a
efetivação dos direitos do ser humano. Reconhece-se a existência e independência dos
elementos constitutivos da natureza, a fauna, a flora, os recursos naturais, sob uma visão
holística de equilíbrio e preservação.

Pautado nos novos paradigmas constitucionais do Equador, a Corte Providencial


reconheceu no ano de 2011 os direitos à dignidade e preservação ao Rio Vilcabamba,
determinando que o Governo realizasse os devidos estudos de impacto ambiental, bem
como apresentasse um plano de recuperação aos danos causados, com o fundamento
que, somados à importância que o Rio tinha para a comunidade ribeirinha, o referido
Rio, como elemento da natureza, tinha valor intrínseco em si mesmo.

Como já mencionado alhures, no Brasil prevalece a doutrina do antropocentrismo,


sendo que todas as normas de direito ambiental, bem como decisões judiciais sobre o

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assunto sempre preservam a tendência de tratar o meio ambiente como um instrumento
de satisfação das necessidades do ser humano, tanto econômico, quanto a sua
preservação para as presentes e futuras gerações, desta forma, o desenvolvimento
sustentável, atualmente, releva base nestas premissa.

O que se pretende propor, com o presente artigo científico, é uma mudança de


paradigma, saltando do antropocentrismo, para o biocentrismo, notadamente no
planejamento e elaboração das políticas públicas de desenvolvimento sustentável, de
forma que considere a natureza como detentora de dignidade e direitos, de natureza “jus
congens”, ou seja, da própria essência do direito natural internacional, necessitando de
proteção e preservação por toda a humanidade.

Normas “jus congens”: A Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados de


1969 dispõe que estas normas não podem ser derrogadas, salvo por outra de igual
natureza, prevendo a nulidade de toda a norma que for contrária aos ditames de normas
desta natureza. A Corte Internacional de Justiça reconhece a existência e prevalência
das normas “jus congens”, sobre as quais nenhuma outra norma contrária de direitos
internacional pode prevalecer.

O autor João Alberto Alves Amorim, na sua obra: a ONU e o meio ambiente, em
fls.166, ao mencionar o julgado arbitral do caso Fundição Trail, onde se reconheceu a
responsabilidade do Estado Canadense por atoão seis lesivos ao meio ambiente,
praticados por esta fundação, destaca “a proteção do meio ambiente e a busca do mais
elevado padrão de equilíbrio e salubridade ambientais são normas peremptórias de
direito internacional geral, impostas a todos os Estados. O caráter de “jus congens”
decorre justamente do papel fundamental que esta obrigação representa para toda a
humanidade”.

Como norma “jus congens”, de reconhecimento internacional e necessidade de


observância em âmbito internacional, e, ainda, com base no biocentrismo, que deve ser
a mola mestre das políticas de desenvolvimento sustentável da nação, o meio ambiente
deve ser reconhecido como um fim em si mesmo, detentor de dignidade e direitos,
devendo ser preservado e mantido não apenas para as gerações humanas, mas deve-se
reconhecer sua continuidade independência da coexistência do ser humano, sendo um
bem perene e constante.

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Desta forma, em nome de um verdadeiro desenvolvimento sustentável, deve-se
aprimorar as políticas públicas da área, com base no biocentrismo, de forma que se
promova a real e efetiva proteção do meio ambiente, com processos rígidos de
licenciamento ambiental, norteados por estudos fidedignos, bem como a busca pela
ampla reparação dos possíveis danos causados pela ação humana, de forma que a
continuidade e a preservação da natureza não se veja, em sua completude e extensão,
prejudicada pela busca do desenvolvimento econômico e social.

O que se apresenta, desta forma, como solução ao efetivo desenvolvimento social


é que, assim como ocorre com o desenvolvimento econômico e a equidade social - que
são pautadas na dignidade da pessoa humana -, deve-se atentar, sempre que houver a
intervenção do ser humano nos recursos naturais, para a dignidade e a titularidade de
direitos, também, do meio ambiente, para que assim se promova a verdadeira e eficaz
política do desenvolvimento sustentável na nação.

5– Conclusão

Este artigo teve a finalidade de trazer a discussão, para o mundo acadêmico, da


necessidade de adoção da teoria do desenvolvimento sustentável com base nos primados
do ecocentrismo (biocentrismo), em busca de uma real e efetiva proteção do meio
ambiente, este como titular de dignidade e direitos, aptos de proteção, por si só,
afastando a premissa do antropocentrismo como fundamento da proteção da natureza.

Para tanto, fez-se uma pesquisa na doutrina ambiental nacional, onde


demonstramos, que se apega aos dispositivos constitucionais da matéria, e na cultura
nacional, adotando posição predominantemente antropocêntrica do meio ambiente,
usando como fundamento para a proteção ambiental a necessidade de sua preservação,
manutenção e recuperação para as presentes e futuras gerações, com o objetivo de se
estabelecer a sadia qualidade de vida da população.

Em seguida, tratamos da necessidade de uma postura mais rígida dos Poderes da


República, apontando a necessidade da adoção de critérios mais adequados para a
concessão de licenças ambientais, com um estudo de impacto ambiental mais fidedigno,
os quais apontem as reais necessidades ambientais, bem como reformas legislativas e
mudança de postura jurisprudenciais que abarquem a efetiva proteção da natureza, com
base no biocentrismo.

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Posteriormente, demonstramos como é tratado desenvolvimento sustentável no
Brasil, que se estrutura sob a visão antropocêntrica, colocando o ser humano como o
centro da importância ambiental, aplicando-se políticas públicas que consideram uma
maior atenção ao desenvolvimento econômico, a promoção da buscada equidade social
(características), elegendo a um segundo plano a real preservação do meio ambiente.

Com isto, passamos a abordar o que entendemos ser ideal para a preservação
ambiental, e, para isso, trouxemos o exemplo da Nação Equatoriana, que aprovou sua
nova Constituição em 28 de setembro de 2018, e, no seu conteúdo, adotou princípios do
biocentrismo, dispondo que o meio ambiente é titular de direitos e dignidade, e que sua
proteção deve ser realizada por qualquer cidadão, pelos povos, pela comunidade, ou
qualquer nacionalidade, dando, assim, uma ampla proteção à “pacha mama”.

Trouxemos um caso julgado pela Corte Providencial Equatoriana, na qual se


reconheceu o direito ao Rio Vilcabamba de preservação e recuperação, independente
das necessidades das comunidades ribeirinhas, obrigando o Governo a realizar um
amplo estudo de impacto ambiental para a realização de obras que causavam impactos
no rio, bem apresentassem um plano de recuperação de áreas degradadas que fosse
eficiente.

Por fim, apontamos que a adoção de uma doutrina do desenvolvimento


sustentável com base no ecocentrismo, onde se dê o valor e a dignidade aos direitos de
preservação do meio ambiente, conjugados aos demais critérios, a necessidade de
desenvolvimento econômico e a busca do desenvolvimento social, podem resultar numa
maior e mais ampla proteção ao meio ambiente, de forma que resulte no efetivo e
verdadeiro desenvolvimento sustentável da nação.

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