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ÉTICA GERAL E

JURÍDICA
Willian Gustavo Rodrigues
Ética ambiental
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a importância da natureza para o homem.


 Conceituar antropocentrismo, ecocentrismo e deep ecology.
 Analisar o atual paradigma ambiental por meio do questionamento:
atribuir direitos à natureza ou deveres aos homens?

Introdução
A ética ambiental começou a ser discutida em meados dos anos 1960,
buscando ampliar o conceito de ética. Buscou, também, estabelecer
uma relação intrínseca do indivíduo com a natureza, uma vez que a
continuidade da espécie humana depende da manutenção de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, a ética busca retirar
o homem do centro do entendimento, ou seja, as demais espécies não
podem estar subordinadas à vontade humana, mas o homem deve
estabelecer uma relação harmônica com a biodiversidade. Essa convi-
vência saudável não busca cessar o progresso humano, mas fazê-lo se
desenvolver de forma sustentável.
Neste capítulo, você vai ler sobre a importância da natureza para o
homem e conceituar antropocentrismo, ecocentrismo e deep ecology.
Também vai analisar o atual paradigma ambiental por meio do questio-
namento: atribuir direitos à natureza ou deveres aos homens?

Importância da natureza para o indivíduo


A necessidade de preservar o meio ambiente é intrínseca à capacidade de
autopreservação da espécie humana. Não há como falarmos em vida humana
sem abordar a preservação do meio ambiente. Os seres humanos só existem
porque há natureza, uma vez que necessitamos dos animais e das plantas
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para nos alimentarmos, de água para beber, entre muitos outros exemplos
que passam despercebidos no nosso cotidiano.
Na história da investigação do pensamento, segundo Pessanha (1991),
foi o filósofo francês René Descartes, no século XVII, que iniciou as bases
do pensamento moderno, estabelecendo uma relação do homem com a na-
tureza acima da perspectiva racional humana. Ou seja, a natureza não tem
um dinamismo próprio, mas está condicionada a Deus. Portanto, estamos
entregues à exploração da razão humana.
Nesse sentido, a humanidade buscou estabelecer uma ordem de valores
éticos e morais dentro da natureza, principalmente em meados dos anos 1960,
a fim de debater a relação indivíduo versus natureza, uma vez que a simples
organização dos indivíduos em sociedade já afetava o meio ambiente e a
biodiversidade, que sofreu inúmeras modificações.
Atualmente, a busca pelo desenvolvimento e progresso humano, culminando
com o desenvolvimento das ciências, e o processo de racionalização dos meios
produtivos levaram as sociedades a extraírem os recursos da natureza a fim
de suprirem as suas demandas de consumo.
O mito do progresso, visando à compreensão da dominação da natureza para
a expansão e o progresso humanos, envolve formas que extrapolam o campo
de investigação do pensamento, tendo em vista que não é possível o controle
da natureza de forma absoluta, uma vez que colheitas, criação de animais e
outras formas de extração de recursos naturais não podem ser determinadas
com exatidão e os ciclos naturais nem sempre acontecem de forma previsível.
Por isso, o modo como o indivíduo compreende a natureza e o seu uso e/ou
destinação está intimamente relacionado à estruturação do modo de vida e
produção de uma sociedade em determinado contexto temporal.

A desmistificação do processo histórico da relação estabelecida entre os seres humanos


e a natureza é de suma importância para o entendimento da forma intervencionista
dos indivíduos na natureza.

Nesse sentido, devemos diferenciar os fenômenos ambientais naturais


catastróficos dos danos causados pela intervenção humana. Os fenômenos
naturais são ações provocadas pela natureza, aparecendo de forma espontânea,
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muitas vezes, de forma agressiva, que modificam o meio ambiente, provocando


desastres ambientais. Já os fenômenos artificiais, causados pela interferência
humana no meio ambiente, advêm da concepção de desenvolvimento tecnoló-
gico e dos seus desdobramentos socioespaciais, provocando diversos desastres
e catástrofes ambientais por ação humana. Podemos utilizar como exemplo um
caso de grande repercussão no Brasil, conhecido como caso Samarco, em que
uma das barragens da mineradora se rompeu, causando um grande desastre
ambiental na cidade mineira de Mariana e atingindo inclusive outros estados.
Os fenômenos artificiais estão atrelados diretamente ao mito do progresso,
como já falamos, o que faz os problemas ambientais ganharem dimensão
socioambiental, levando ao problema de sustentabilidade do planeta. Nesse
sentido, Leff (2007, p. 61) nos explica:

A problemática ambiental — a poluição e degradação do meio, a crise de


recursos naturais, energéticos e de alimentos — surgiu, nas últimas décadas
do século XX, como uma crise de civilização, questionando a racionalidade
econômica e tecnológica dominantes.

A degradação do meio ambiente está, dessa forma, ligada ao modo de


produção capitalista, que sempre visa expandir a sua atuação, mesmo que
custe sacrificar o meio ambiente, pois isso seria uma questão secundária no
processo expansionista. Dessa forma, devemos buscar processos de gestão
de recursos naturais dentro do sistema de produção capitalista. Leff (2007, p.
67) confirma essa concepção:

Estes processos estão intimamente vinculados ao conhecimento das relações


sociedade-natureza: não só associados a novos valores, mas a princípios
epistemológicos e estratégias conceituais que orientam a construção de uma
racionalidade produtiva sobre bases de sustentabilidade ecológica e de equi-
dade social. Desta forma, a crise ambiental problematiza os paradigmas
estabelecidos do conhecimento e demanda novas metodologias capazes de
orientar um processo de reconstrução do saber que permita realizar uma
análise integrada da realidade.

Qualquer tentativa de levantar questões ambientais dentro do sistema capi-


talista é vista pelos detentores dos meios de produção urbanos ou latifúndios
rurais como um processo ideológico para buscar alternativas ou modificar o
status quo existente. Nesse processo epistemológico, deve ser apresentada a
contradição visando à sustentabilidade, pois, até mesmo para os donos do meio
de produção, a degradação dos espaços socioambientais acarreta problemas,
tendo em vista que os recursos naturais são finitos.
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Essa contradição acaba por criar uma relação esquizofrênica na doutrina


neoliberal. Mesmo que busquemos alternativas sustentáveis a toda a exploração
ambiental, o impacto ainda será consideravelmente grande e, portanto, danoso.
A ética busca questionar o limite dessa degradação, quais necessidades huma-
nas devem ser suprimidas e se, de fato, existem ou é só uma falsa premissa,
visando, de fato, apenas ao lucro.
Tentando preservar o meio ambiente da melhor forma possível, esse debate
chega ao âmbito do Direito. Nesse sentido, uma nova perspectiva do constitu-
cionalismo na América Latina busca proteger o meio ambiente. Países como
Bolívia e Equador positivaram o direito a um meio ambiente equilibrado como
um direito fundamental a todos os indivíduos.
Em 2009, a Bolívia implementou um mecanismo de proteção à natureza,
conhecido como Lei da Mãe Terra ou Pachamama, que estabelece direitos
para a natureza, incluindo o direito à vida, por exemplo. Ela garante que o
País não seja afetado por projetos de desenvolvimento ou megaestruturas que
afetam o equilíbrio do ecossistema e as comunidades locais. Dessa forma,
a Constituição da Bolívia trabalha a concepção de direitos dos seres vivos
humanos, não simplesmente seres humanos, referindo-se a uma visão me-
nos antropocêntrica. O art. 33 da Constituição boliviana (BOLÍVIA, 2009,
documento on-line) dispõe sobre o direito ao meio ambiente, garantindo um
ambiente equilibrado com os demais seres vivos:

Las personas tienen derecho a un medio ambiente saludable, protegido y


equilibrado. El ejercicio de este derecho debe permitir a los individuos y
colectividades de las presentes y futuras generaciones, además de otros seres
vivos, desarrollarse de manera normal y permanente.

Para saber mais acerca da proteção ambiental boliviana,


leia: “Preservação ambiental e desenvolvimento econô-
mico desafiam futuro presidente boliviano”. Disponível em:

https://goo.gl/eo8TK7

A proteção de forma positivada dentro do ordenamento jurídico de qualquer


sociedade faz a proteção do meio ambiente ganhar força normativa, como
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ocorre na Constituição brasileira, que protege o direito a um meio ambiente


ecologicamente equilibrado no art. 225 (BRASIL, 1988). A relação estabelecida
entre indivíduo e natureza deve observar sempre a proteção à biodiversidade,
uma vez que, sem ela, não existe vida humana, pois nós dependemos da natu-
reza para tudo. Ademais, esse paradigma é extremamente difícil de alcançar
dentro de um sistema capitalista voraz que não respeita o meio ambiente na
busca pelo lucro, tendo em vista que as necessidades humanas não podem se
colocar sobre a proteção ambiental. Caso se queira um desenvolvimento, ele
deve, pelo menos, ser sustentável.

Antropocentrismo, ecocentrismo e deep ecology


A ética ambiental busca estabelecer uma relação harmônica entre os seres
humanos e a natureza, tendo em vista garantir a sustentabilidade de todo o
ecossistema. Ela procura substituir a antiga visão de antropocentrismo, fazendo
os demais seres vivos não se colocarem de forma inferior aos seres humanos. Os
indivíduos devem controlar a sua sede predatória, havendo uma substituição de
senhor da natureza — em que ela simplesmente deve atender às suas vontades
e aos seus anseios, suprindo as suas necessidades — para a natureza.
Ao longo da história, os seres humanos constituíram o protagonismo do
mundo e, assim, formaram as bases do conceito de antropocentrismo. Nele, a
humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos seres humanos.
Assim, as relações devem ser analisadas para beneficiar a humanidade, de
forma que todas as demais coisas, incluindo a natureza, devem existir apenas
para servir a humanidade.
Nessa visão adotada pela maior parte da filosofia ocidental, como Aristó-
teles e São Tomás de Aquino, o homem ocupa o mais nobre lugar dentro da
pirâmide, sendo que os vegetais estão na base. Estes servem aos animais, os
quais servem aos humanos. Os homens estão em posição vantajosa aos outros
seres devido à sua racionalidade, o que acabou por influenciar as bases do
Direito Ocidental e, com ele, a concepção de que a natureza existe para servir
aos seres humanos.
A visão antropocêntrica possui as suas origens da tradição judaico-cristã,
uma vez que, segundo essa tradição, o homem foi criado à imagem e semelhança
de Deus, com domínio sobre as demais espécies, tradição essa que domina
principalmente o mundo ocidental, que é de maioria judaico-cristã.
Assim, nessa visão antropocêntrica, o meio ambiente é protegido somente
dentro dos ditames de proteção do indivíduo e da sua consciência, promo-
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vendo uma visão utilitária do Direito Ambiental. Nesse sentido, todas as


necessidades, interesses e valores buscam atender aos anseios humanos, e
toda proteção contra a degradação do ecossistema tem por vítimas principais
os indivíduos, pois limitaria a forma como poderão dispor da natureza.
Tentando desvincular a visão antropocêntrica utilitarista, começaram a
surgir novas visões ambientalistas e antagônicas, chamadas de ecocentrismo,
buscando um antropocentrismo alargado ou não utilitarista por meio da ecologia
profunda (deep ecology).

O antropocentrismo alargado é uma visão menos radical em relação à visão antropo-


cêntrica utilitarista, em que os indivíduos usam a natureza a seu bel-prazer. Apesar da
visão antropocêntrica ainda ser o elemento majoritário na análise ambiental, já não
é possível ignorar a natureza e os demais seres vivos, colocando-os como inferiores
aos seres humanos. Esse também é o posicionamento dominante no ordenamento
jurídico mundial e entre ambientalistas. Assim, a natureza tem o seu valor, mas o ser
humano continua sendo o principal objeto de proteção das normas.

A manutenção dos seres humanos no centro da proteção normativa não permite


que a utilização dos recursos naturais e dos animais seja desmedida, sem qualquer
preocupação moral e de forma desnecessária. A ideia se funda na necessidade
humana de extrair os recursos ambientais e na capacidade da natureza de nos dar
esses recursos. Essa ideia é norteada pelo princípio do desenvolvimento susten-
tável e de um meio ambiente equilibrado, inclusive como direito fundamental.
Podemos perceber essa visão dentro da Constituição Federal de 1988, art. 225, §
1º, VII, quando estabelece proteção à fauna e à flora, vedando as práticas que colo-
quem em risco a sua função ecológica e a crueldade contra animais, o que mostra
uma preocupação com a natureza, rompendo com o antropocentrismo utilitarista
(BRASIL, 1988).
Essa proteção ao meio ambiente não significa que a Constituição Federal
confere direitos à natureza, uma vez que somente os seres humanos são sujeitos
de direitos, como nos explica Érika Bechara (2003, p.72):

Independentemente do título que se queira dar às correntes filosóficas que


explicam a relação direitos-homem-natureza, somos do entendimento que os
recursos naturais merecem a mais ampla proteção, mas não exatamente por
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titularizarem esse direito, mas em virtude de exercerem um papel fundamental


no funcionamento de todo o ecossistema e, principalmente, na obtenção da
saúde, bem-estar (físico e psíquico) e dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, o antropocentrismo alargado busca um equilíbrio, uma igual-


dade, entre os seres humanos e o meio ambiente, não significando que um se
sobreponha ao outro, mas que haja uma harmonia entre eles para o bem-estar
dos próprios seres humanos e a preservação do meio ambiente.
Em contrapartida à ideia antropocêntrica, de forma mais radical, surge o
ecocentrismo, uma concepção que se preocupa com a vida de forma ampla,
não apenas ligada aos seres humanos, buscando a ecologia profunda. O
ecocentrismo consiste em uma ética ecológica somada a uma ética da vida,
independentemente dos seres humanos, uma vez que o mundo natural é
anterior aos próprios seres humanos; nesse sentido, Leonardo Boff (2002,
p. 97) defende a ideia de uma ética ecológica ou global:

Age de tal maneira que tuas ações não sejam destrutivas da Casa Comum, a
terra, e de tudo que nela vive e coexiste conosco [...] Age de tal maneira que
permita que todas as coisas possam continuar a ser, a se reproduzir e a con-
tinuar a evoluir conosco [...]. Age de tal maneira que tua ação seja benfazeja
a todos os seres, especialmente aos vivos.

O valor teleológico do ecocentrismo é a vida, uma vez que os valores


bioéticos e os inerentes à vida passam pela intervenção humana na natureza,
a ética da vida global, ou seja, a preocupação do ecocentrismo é a vida de
forma ampla, não somente a vida humana, uma vez que todas as formas de vida
possuem seu valor e não simplesmente uma finalidade para a vida humana.
Dentro do ecocentrismo, há uma consciência ecológica que busca proteger o
ecossistema com uma menor intervenção humana, havendo duas correntes
ecológicas: a profunda e a superficial.
A ecologia profunda (deep ecology) defende uma mudança de paradigma
antropocentrista, bem como a redução do consumo e a produção de bens e
serviços, devendo estar de acordo com a necessidade dos seres humanos e
sem a perspectiva do lucro. Ela busca o respeito mútuo entre os seres vivos,
não o protagonismo de forma egoísta dos seres humanos.
Criada pelo filósofo norueguês Arne Naess (apud FURTADO, 2004), a
deep ecology possui os seguintes princípios fundamentais:

 o bem-estar e o desenvolvimento da vida humana e não humana na


Terra têm valor em si próprios (sinônimos: valor intrínseco, valor ine-
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rente); esse valor é independente da utilidade do mundo não humano


aos propósitos humanos;
 a riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para realização
desse valor e são em si mesmas valores;
 os homens não têm o direito de reduzir essa riqueza e diversidade,
exceto para satisfazer às necessidades vitais;
 o desenvolvimento da vida e das culturas humanas é compatível com
uma redução substancial da população humana; o desenvolvimento da
vida não humana exige essa redução;
 a atual interferência humana com o mundo não humano é excessiva, e
a situação piora rapidamente;
 as políticas devem ser alteradas; essas políticas afetam as estruturas
econômicas, tecnológicas e ideológicas básicas; o estado das coisas daí
resultante será profundamente diferente do presente;
 a mudança ideológica é basicamente apreciar a qualidade de vida (resi-
dindo em situações de valor inerente), em vez de aderir a um standard de
vida cada vez mais alto; haverá uma consciência profunda da diferença
entre grande e ótimo;
 aqueles que subscrevem os pontos anteriores têm, direta ou indireta-
mente, a obrigação de tentar implementar as mudanças necessárias.

A crítica sob a deep ecology consiste no argumento de que não seria possível
atribuir valor intrínseco a outros seres vivos no mesmo patamar dos seres
humanos, uma vez que esse radicalismo implicaria em mudanças econômicas
sociais que, em tese, acabariam por retroceder a sociedade, isto é, ideologica-
mente ela seria correta, mas se tornaria impraticável.
Em contrapartida a essa teoria mais radical, há a ecologia rasa, uma cor-
rente mais moderada, demonstrando um biocentrismo superficial. Ela adota
os princípios da deep ecology, mas de forma mais ponderada, utilizando a
concepção de que a natureza tem um valor intrínseco, mas é protegida por
ela própria, ou seja, os seres humanos não estão no mesmo patamar que as
plantas e os animais, uma vez que cada um tem valor próprio e, apesar de
serem titulares de direitos, eles não se sobrepõem aos seres humanos, fazendo
cada um ter o seu valor dentro da sua esfera de atuação.
O ecocentrismo é uma realidade presente nas sociedades existentes e, se
ainda não foi adaptado ou inserido no ordenamento jurídico dos países, devem
ser observadas ponderações para um meio ambiente equilibrado. Ademais
ele pode ser a base que estabelece novas concepções ao Direito, para novas
formulações jurídicas a serem inseridas nas sociedades.
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O atual paradigma ambiental: atribuir


direitos à natureza ou deveres aos homens?
Dentro da perspectiva de se atribuir uma ética ambiental e, com isso, uma
preservação maior dos direitos ao meio ambiente equilibrado, há um conflito
de interesses que se coloca no centro da discussão: como existir um desen-
volvimento que leve ao progresso humano se isso conflita diretamente com a
forma de se preservar o meio ambiente?
Durante toda a história da humanidade, foi necessário explorar a natureza,
buscando a extração das suas riquezas para suprir as necessidades humanas,
como, por exemplo, a alimentação. Ocorre, porém, que, a partir da evolução
humana, o que era feito na medida da necessidade humana passou a ser objeto
para suprir o consumo demasiado humano, resultado principal de um aumento
exponencial da população mundial.
Dentro do pensamento antropocentrista utilitarista, os seres humanos se con-
sideravam racionais o suficiente para usarem a natureza o quanto fosse possível,
uma vez que saberiam os limites da natureza, visando à infinitude dos recursos
naturais — uma atitude extremamente egoísta em relação aos demais seres vivos.
É nessa perspectiva que surge o desenvolvimento sustentável, uma mu-
dança no hábito dos seres humanos visando garantir a existência das futuras
gerações, alinhando progresso humano e proteção ao meio ambiente, em um
processo menos individualista e mais coletivo, harmonizando a existência
humana com a dos demais seres vivos.
A preservação ambiental se faz mais do que necessária para garantir a
existência humana no futuro, uma vez que o planeta já sente os efeitos da degra-
dação ambiental. A Figura 1 mostra o desmatamento da Amazônia no período
de 1988 a 2013, que vem oscilando entre perdas da mata nativa e proteção.

Figura 1. Desmatamento da Amazônia de 1988/2013.


Fonte: Dados... (2013).
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Nesse sentido, é necessária a inversão de paradigmas da vida em so-


ciedade, como propõe a teoria do ecocentrismo, uma vez que os seres
humanos devem assumir a responsabilidade enquanto agentes ativos para
implementar ações que visem proteger o meio ambiente das próprias ações
humanas, como, por exemplo, a educação ecológica, implementando valores
na sociedade que, ao mesmo tempo que protejam a natureza, estimulem
o não consumismo, para que os indivíduos consumam somente o neces-
sário à vida humana, o que consequentemente desestimularia a produção
exacerbante e traria várias consequências benéficas ao meio ambiente,
como a diminuição do lixo.
Nesse enfrentamento paradigmático, os direitos à natureza e os deveres
aos seres humanos caminham de forma paralela, buscando uma solidariedade
ambiental, uma vez que os seres humanos são responsáveis pela degradação
ambiental, estabelecendo o binômio direito-dever, dentro do Estado Demo-
crático de Direito.
Ainda nesse paradigma, o Direito assenta nos ordenamentos jurídicos
o meio ambiente como direito fundamental. Em 1972, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, discutiu
a preservação ambiental e as irracionalidades de produção e consumo dos
países desenvolvidos, com base em estudos que estabelecem que os recur-
sos naturais são finitos. Ao final, apresentou alguns princípios ambientais
(Manifesto Ambiental), estabelecendo as novas bases a serem aplicadas pela
Organização das Nações Unidas (ONU) na preservação ambiental. Após a
Conferência, vários países europeus inseriram a defesa ao meio ambiente
em suas constituições, o que só ocorreu no Brasil, de forma efetiva, na
Constituição Federal de 1988.

A Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo inteiro à preservação do meio


ambiente. É um dos capítulos mais avançados e modernos do mundo, segundo a
doutrina, justificando-se pela necessidade de assegurar a vida, o bem mais fundamental
da humanidade. A extensão do meio ambiente, enquanto direito fundamental, consiste
justamente, segundo Benjamin (2011, p. 122-123), por: “a) estrutura normativa do artigo;
b) força do § 2º, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988; c) extensão material do
direito à vida”.
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Essa elevação do meio ambiente a um direito fundamental leva à deep


ecology, havendo a mudança paradigmática de antropocentrismo para eco-
centrismo, fazendo o meio ambiente não existir simplesmente para servir aos
seres humanos. Em outras palavras, os seres humanos fazem parte da natureza
e devem, portanto, respeitá-la.
Essa visão ecocêntrica pode ser encontrada no plano constitucional tanto
do Equador, promulgado em 2008, como da Bolívia, promulgado em 2009.
No segundo, ela protege os direitos dos seres vivos humanos e não huma-
nos, retirando por completo o homem do centro da proteção e colocando-o
lado a lado com o meio ambiente. Nessa visão, afirma Wolmer e Fagundes
(2011, p. 377-388):

Assim, as novas constituições surgidas no âmbito da América Latina são do


ponto de vista da filosofia jurídica, uma quebra ou ruptura com a antiga matriz
eurocêntrica de pensar o Direito e o Estado para o continente, voltando-se,
agora, para refundação das instituições, a transformação das ideias e dos
instrumentos jurídicos em favor dos interesses e das culturas encobertas e
violentamente apagadas da sua própria história; quiçá, observa-se um processo
de descolonização do poder e da justiça.

Essas duas Constituições, em especial, buscam proteger o multicultu-


ralismo atrelado à proteção ambiental de forma a preservar o interesse das
comunidades locais e o direito ao meio ambiente, em especial, o direito à
natureza como um todo.
Essa nova onda constitucionalista sul-americana busca o enfrentamento
paradigmático entre direitos à natureza ou deveres dos seres humanos, a
fim de demonstrar que a vida humana não necessita caminhar no sentido do
desenvolvimento tecnológico e consumismo de um capitalismo desenfreado,
passando por cima da natureza.
Dessa forma, a harmonização dos seres humanos com a natureza busca
garantir a própria existência humana. Não há como implicar direitos ao meio
ambiente se os próprios seres humanos não possuírem uma visão ética na
forma de se relacionar com a natureza. A harmonização consiste justamente
na ideia do ecocentrismo ao preservar a vida, evoluindo a forma como os
seres humanos se relacionam com a natureza e garantindo a existência das
futuras gerações.
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Leituras recomendadas
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