Você está na página 1de 7

1

BRAZIL E OS IMPOSTOS VERDES


UM INCENTIVO Á MORADIA DIGNA E SUSTENTÁVEL

FREITAS, Eleude Antunes Teixeira de

Há muito, observa-se, por parte de doutrinadores, de ambientalistas e da


população em geral uma legítima preocupação com o futuro do planeta. A esse
respeito, diversos estudos realizados por cientistas ambientais dão conta de que o
modelo econômico adotado, sobretudo nos séculos XIX e XX, trouxe severas
restrições aos recursos naturais, impingindo-nos a uma sociedade de risco, pois,
alcança a todos os povos, classes sociais, bem como às futuras gerações. Esse
termo - Sociedade de Risco - foi enfatizado a partir da década de 1980 por escritores
renomados e, atualmente, está associado a estudiosos do assunto como os
sociólogos Ulrich Beck e Anthony Giddens. Eles são autores de uma obra que traz
esse termo como título. A esse respeito, o britânico Beck ressalta que uma
sociedade de risco é "uma sociedade cada vez mais preocupada com o futuro (e
com a segurança), que gera a noção de risco". Já o alemão Beck afirma que trata-se
de "uma sistemática forma de lidar com perigos e inseguranças induzidos e
introduzidos pela própria modernização.”
Assim sendo, constata-se que a negligência para com a natureza, durante o
período industrial traduz-se em um dos revezes contemporâneos. E, diante da atual
crise de valores éticos, o risco ambiental é um dos desafios que mais incomoda os
pensadores e cientistas ambientais, uma vez que não se é possível, ainda, mensurar
o tamanho desse dano. E, embora já haja uma preocupação em promover ações
que melhorem as condições de vida do planeta, percebemos que esses desafios
ainda são muitos. Dessa forma, há que se preocupar não somente com a mudança
de consciência, mas também com a forma como encaramos esse patrimônio básico
para a vida humana que é o meio ambiente. E, uma maneira para, ao menos
amenizar esse problema que perdura há anos sem deixar de lado um olhar atento às
questões econômicas, pode ser proporcionar incentivos fiscais para quem,
efetivamente deseja contribuir com a reversão desse quadro.
2

Nesse sentido, o Brasil, acompanhado a tendência global, tem, por meio dos
seus governantes, trazido à tona a preocupação com presente artigo abordará
acerca da importância da moradia digna, bem como dos denominados incentivos
fiscais verdes, no caso o IPTU, que já são promovidos pelas prefeituras de algumas
cidades brasileiras. Não obstante a timidez das iniciativas existentes, cabe ressaltar
que, de acordo com alguns ambientalistas, trata-se de um passo importante para
uma futura consolidação de uma convivência mais harmoniosa entre formas de
moradia e meio ambiente.
Embora se tenha notícias de diversos acordos ratificados anteriormente, a
Conferência de Estocolmo de 1972 é considerada o grande marco ambiental, pois
por meio dela foi possível a conciliação de divergências entre países desenvolvidos
e em desenvolvimento.
Essa Conferência declarou o meio ambiente como “patrimônio comum da
humanidade”. Nesse sentido, conclamou a necessidade de cooperação internacional
que no entendimento de José Afonso da silva (2011, p. 59), teve o objetivo de:

... mobilizar recursos que ajudem os países em desenvolvimento a cumprir


as parcelas que lhes cabe dentro de sua alçada, pois que há um número
cada vez maior de problemas relativos ao meio que por seu alcance
regional ou mundial ou, ainda, por repercutirem em âmbito internacional
comum requerem uma ampla colaboração entre as nações e a adoção de
medidas pelas organizações internacionais em proveito de todos. Daí
porque o apelo aos governos e aos povos para que reúna seus esforços
para preservar e melhorar o meio ambiente em benefício do homem e de
sua posteridade.

Esse fato culminou em mudanças primordiais, entre elas, o aparecimento de


uma legislação ambiental e o reconhecimento do ambiente como um direito
fundamental. Nesse sentido, José Afonso da Silva (2011, p. 71), afirma que:

A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições


supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente
equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do
Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a
não serem perturbados.
3

A partir de então, vários Estados assumiram, em definitivo, o direito ambiental


como direito fundamental e, por entender a importância do tema, bem como a
necessidade de uma regulamentação eficaz para tal, os legisladores brasileiros, a
partir dos 26 princípios elencados pela Declaração de Estocolmo, inseriram em
nossa Constituição um capítulo sobre o meio ambiente e o art. 225 estabelece:

Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamnte equilibrado, bem de


uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.

Bernardina Ferreira Furtado Abrão (2010, p. 1192) ao comentar esse


dispositivo constitucional salienta o seguinte:

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto nesse


artigo, diferentemente do que ocorre com os outros direitos individuais e
sociais, não nasce de uma relação social nem de um status, mas da
valorização da pessoa humana e da consciência de que não havendo meio
ambiente, não haverá vida.

O que se observa então, é que os Estados reconheceram como legítima a


necessidade de promover ações conjugadas entre todos os entes do Poder Público
que, de fato, garanta a sustentação dos sistemas da preservação ambiental. Afinal,
trata-se de um direito consolidado da 3ª geração dos direitos fundamentais,
caracterizado como direitos coletivos, cujo principal teor é o de que toda pessoa tem
de nascer e viver em um meio ambiente saudável e não contaminado.
Na Conferência de Estolcomo, ocorrida em 1972, surgiu o termo
“desenvolvimento sustentável” que no entender do Professor Terence Dorneles
Trennepohl (2012, p.607) “... é aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas.”
Cumpre salientar a amplitude desse termo, uma vez que abrange a todos os
aspectos da vida e da necessidade humana. E, segundo a pirâmide de Maslow, uma
dessas necessidades que hierarquicamente falando, só perde para a necessidade
da alimentação, é a moradia que está situada na área da segurança.
4

No entendimento de José Afonso da Silva (2011, p.314), o direito à moradia


quer dizer:

... ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa, um apartamento,


etc. par anele habitar. No morar encontramos a ideia básica de
habitualidade no permanecer ocupando uma edificação, o que sobressai
com sua correlação como o residir e o habitar com a mesma conotação de
permanecer ocupando um lugar permanentemente.

Cabe ressaltar também, que consta no rol dos direitos humanos desde sua
proclamação, o direito à moradia, fato que inaugurou uma nova dimensão de direitos
sociais, valorizando e promovendo uma vida mais digna para aquela para todos. A
esse respeito, prevê no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
que:

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e


a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito
à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle.

O direito à moradia está contemplado na Constituição Federal no art. 6º que


diz “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia...”. De acordo
com Odair Márcio Vitorino, (2010, p.56) “Busca nesse dispositivo elencar direitos
mínimos e indispensáveis à garantia de uma existência digna.” Evidentemente que
esse direito é fruto de muitas lutas ao longo da história. É um direito conquistado
com a evolução do Estado Liberal para o Social, oriundo dos direitos de 2ª geração,
cuja ação do Estado se faz necessário, ou seja, cabe ao Estado Brasileiro intervir e
efetivar essa prestação positiva.
A Agenda 21 prevê, também, objetivos relacionados ao desenvolvimento
sustentável dos assentamentos urbanos, dentre eles: Oferecer a todos habitação
adequada; aperfeiçoar o manejo dos assentamentos humanos; promover o
planejamento e o manejo sustentável do uso da terra; promover a existência
integrada de infraestrutura ambiental: água, esgotamento sanitário, drenagem e
5

manejo de resíduos sólidos; promover sistemas sustentáveis de energia e transporte


nos assentamentos humanos, bem como promover atividades sustentáveis na
indústria da construção.
Entretanto, a efetividade desse direito não é tão simples nem fácil de ser
concretizado. Além das questões econômicas e políticas ambientais envolvidas, ele
vai além do direito de adquirir uma casa própria, uma vez que está relacionado,
diretamente, à qualidade de vida, de condições sanitárias adequadas e de conforto.
Nesse ponto, o papel da tributação verde é fundamental para promover
oportunidades de moradias dignas e ecologicamente corretas.
De acordo com Chan (2009, p. 57) a legislação pode auxiliar na preservação
do meio ambiente e Watson II (2009, p. 44-45) afirma também que a tributação pode
ser utilizada como instrumento de política pública ambiental, diante do aparato
jurídico. A esse respeito, observa-se que o incentivo fiscal, além de favorecer
financeiramente o contribuinte, traduz ainda em uma gama de benefícios em prol da
coletividade, uma vez que vincula quem o recebe a obrigações de cunho ambiental
que objetivam o bem comum.
O artigo 156 da Constituição Brasileira prevê o IPTU (Imposto Predial e
Territorial Urbano). Trata-se de competência municipal para instituir impostos sobre
a propriedade urbana, como residências em geral ou salas comerciais. Com o
objetivo de motivar a população a adotar medidas sustentáveis, algumas prefeituras
já aprovaram uma redução do IPTU para contribuintes que promoverem ações que
culminem em práticas sustentáveis, instituindo assim o chamado IPTU Verde.
Em Salvador-BA, o prefeito ACM Neto assinou o decreto o Decreto nº 25.899
que regulamenta um projeto da Prefeitura que promove um desconto de até 10%
aos proprietários de imóveis da cidade que adotem técnicas de construção
sustentáveis destinadas a diminuição de recursos naturais e dos impactos
ambientais. Equipamentos economizadores de água; chuveiros regulados por
pressão; fontes alternativas de energia, como painéis solares; descarga como
comando duplo; aproveitamento de águas pluviais em 90% da área de cobertura;
reuso de água, entre outras medidas, fazem parte dessas medidas. Cumpre
salientar que esse decreto só valerá para o ano de 2016, uma vez que, foi publicado
em 25/03/2015.
6

Em Guarulhos, desde 2010, o IPTU verde beneficia proprietários de imóveis,


residenciais ou não, por medidas ambientais aplicadas. O desconto alcança
arborização, geração de energia, captação de água da chuva, reuso de água,
aquecimento hidráulico, energia solar fotovoltaica, telhado verde e energia eólica.
Ou seja, são várias medidas que proporcionam o desenvolvimento urbano. Para
obter o desconto, o contribuinte deve fotografar as alterações no imóvel ou obter
laudo de profissionais e anexar a um processo bem simples. O desconto varia de 5 a
25%.
No distrito Federal há um projeto de lei do Deputado Robério Negreiros que
cria o IPTU Verde para proprietários de casas ou condomínios que plantam árvores
na calçada da casa, reutilizam água da chuva, ou que criam áreas verdes nos
imóveis. De acordo com o projeto, os descontos podem chegar até aos 20% no valor
anual do imposto. O projeto foi apresentado esse ano à Câmara Legislativa do DF,
já passou por algumas comissões e pode em breve, virar lei.
Exemplos como os já citados são importantes iniciativas para incentivar a
população a adotar práticas ecologicamente corretas. Afinal, sustentabilidade passa,
necessariamente pela união de ações humanas voltadas para o crescimento
econômico, porém primando pela preservação cultural e, sobretudo ambiental. A
sustentabilidade econômica, muitas vezes resvala nas questões de cunho meramente
político. Percebe-se que o IPTU Verde, objeto de análise desse estudo, ainda é
implementado de forma muito restrita. Boa parte dos políticos pouco se preocupa com o
destino de suas cidades a médio ou longo prazo. Cabe à população pressionar seus
candidatos, bem como cobrar do Poder Público políticas que, de fato, promova o bem
comum.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Beck, Ulrich (1992). Risk Society: Towards a New Modernity. Translated by Ritter,
Mark. London: Sage Publications. ISBN 978-0-8039-8346-5.
Caplan, Pat (2000). Introduction: Risk Revisited. In Caplan, Pat (ed.). Risk
Revisited. London: Pluto Press. pp. 1–28. ISBN 978-0-7453-1463-1.
Giddens, Anthony (1990). Consequences of Modernity. Cambridge, England: Polity
Press.
7

——— (1991). Modernity and Self-Identity: Self and Society in the Late Modern
Age. Cambridge, England: Polity Press
GAZOLA, Patrícia Marques. Concretização do direito à moradia digna: teoria e
Prática. 1ª Ed., Belo Horizonte: Fórum, 2008. Capítulo 2, p.35-39 e Capítulo 6, p.75-
108

LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini; FERREIRA, Maria Eleonor
Paes Cavalcanti. Direito ambiental na sociedade de risco. São Paulo: Saraiva,
2012.

MACHADO, Costa. Constituição Federal Interpretada. São Paulo, Manole, 2010.


MACHADO, Paulo. Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19ª. ed. São
Paulo: Malheiros, 2011.

MARTINS, Ivis Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos


Valder do. Tratado de Direito Constitucional – 2. 2ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2012

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9. Ed., São Paulo:
Malheiros, 2011.

Você também pode gostar