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1. A roda da história
A evolução da sociedade acarreta a transformação do Direito.
Quanto à percepção de natureza e seus elementos, observamos que a
mudança de seu entendimento, partindo de “coisas, vistas isoladamente e
condenadas, irrestritivamente, à apropriação privada” à compreensão e valorização
do “todo e de suas relações recíprocas; um todo que deve ser ‘ecologicamente
equilibrado’, visto, por um lado, como ‘essencial à sadia qualidade de vida’, e, por
outro, como ‘bem de uso comum do povo” (p. 80).
Para melhor compreender como se deu tal mudança de pensamento, o autor
se debruça sobre questionamentos estruturais de três níveis distintos, porém
reciprocamente relacionados, quais sejam os discursos filosófico, econômico e
jurídico sobre a natureza.
2. O discurso filosófico sobre a natureza
“(...) À boa aplicação do texto legal é essencial não só conhecer a estrutura
formal dos comandos normativos, mas também apreender seus fundamentos mais
elementares, de caráter axiológico” (p. 83). Isto é, sendo a realidade ecológica
suscetível de apreciações diversas e de interesses plurais, é forçoso reconhecer o
aparecimento de orientações multifacetárias no pensamento jurídico-filosófico
contemporâneo.
Cuidam-se de três modelos éticos no Direito positivo brasileiro:
antropocentrismo puro, antropocentrismo mitigado e não-antropocentrismo.
Tais vertentes do pensamento filosófico-ambiental e da formulação jurídica
de proteção da natureza não são excludentes, podendo informar simultaneamente
um mesmo período histórico e até um mesmo texto normativo, com dispositivos
filiados a correntes diversas, a exemplo da Constituição de 1988 (p. 84-85).
2.1. Antropocentrismo puro: o homem como centro e medida de todas
as coisas
Retrata os primeiros esforços de tutela jurídica do meio ambiente, crendo que
“(...) o ser humano é a principal ou única fonte de valor e significado no mundo e a
natureza não-humana aí está com o único propósito de servir aos homens” (p. 85).
2.2. Antropocentrismo mitigado ou reformado
Tem como foco as preocupações futuras e se manifesta de duas diferentes
formas, a saber:
a) Antropocentrismo intergeracional
“(...) Enfatiza as obrigações do presente para com os seres humanos do
futuro” (p. 86). Trata-se, pois, da ética da solidariedade manifesta nos âmbitos
individual, coletivo, presente e futuro, consistindo em um dos principais pilares da
sustentabilidade. É o paradigma dominante nos principais países na atualidade.
A justificativa moral da proteção ambiental consiste na intersecção das ideias
do ser humano como centro do universo e do biocentrismo ou ecocentrismo.
Orienta, assim, a conduta protetiva em função das necessidades e interesses do
homem do futuro (p. 86).
Acarreta um conjunto de direitos e obrigações, quais sejam: a manutenção da
diversidade biológica e cultural, a conservação da qualidade ambiental e a garantia
de direitos equitativos e não discriminatórios no uso do legado planetário (p. 87).
b) Antropocentrismo do bem-estar dos animais
“(...) Advoga um tratamento mais ‘humanitário’ para os outros seres vivos,
com relevo para os animais domesticados e de estimação. Nessa corrente,
aceita-se (...) a possibilidade de eliminação dos animais, desde que estes sejam
tratados da forma mais humana possível. Ou seja, inexistiria qualquer interesse
animais que não possa sucumbir em função dos benefícios de vulto para os seres
humanos” (p. 88).
2.3. Não-antropocentrismo: o ser humano como parte da natureza
Combate a visão do homem apartado da natureza, a culminar na inexistência
de linha separatória entre o vivo e o inanimado, assim como entre o humano e o
não-humano.
“É uma visão do mundo informada por um modelo ecológico de
interrelacionamento interno, um rico sistema de circulação permanente entre o ‘eu’ e
o mundo exterior, e que advoga ser a natureza mais complexa do que a
conhecemos e, possivelmente, mais complexa do que poderemos saber” (p. 89).
2.4. Conservação e preservação: tratam-se de escolas de proteção da
natureza, sobrepondo-se às vertentes filosóficas.
A conservação preocupa-se com o uso adequado e sustentável das espécies
e ecossistemas. Pressupõe, pois, a manutenção da natureza para o
desenvolvimento. “Na exata medida em que todos os componentes da natureza
precisam ser utilizados é que se justifica o cuidado para usá-los” (p. 90).
Já a preservação pretende manter grandes áreas naturais fora do uso
econômico direto, assegurando-se sua integridade. Cuida-se, então, da manutenção
da natureza do desenvolvimento, almejando manter “um mínimo do status ecológico
o mais original possível”, a admitir, ainda, sua recuperação (p. 91).
Os antropocentristas preferem a conservação, ao passo que os
não-antropocentristas favorecem a preservação. No que tange aos ordenamentos
jurídicos, estes adotam instrumentos de tutela ambiental que mesclam objetivos de
ambas as escolas, com o fito de garantir a biodiversidade como um todo (p. 91).
3. O discurso econômico sobre a natureza
Atribui-se à natureza quatro modalidades de valores principais. Estes valores
podem ser organizados em duas grandes categorias:
a) Valores instrumentais ou de uso
Referem-se “à capacidade de algo, quando usado, de satisfazer um desejo
ou preferência” de alguém. Engloba os valores (i) de uso econômico direto
(produtos), (ii) de uso indireto (serviços) e (iii) de opção (conservação da
biodiversidade pensando na sua provável importância no futuro). Os dois primeiros
são fundamentais no discurso antropocêntrico tradicional e o terceiro conduz ao
antropocentrismo das gerações futuras (p. 91-92).
b) Valores intrínsecos, existenciais ou de não-uso
Inerentes a algo, estão muito presentes no discurso não-antropocentrista. O
valor de existência “relaciona-se com a apreciação que não seja de uso presente,
nem de uso de opção” (p. 92).
“Passíveis de monetarização (...), essas quatro categorias de valores
ensejam, em sede de responsabilidade civil, valorização no campo do dano
ambiental, fazendo parte do quantum debeatur” (p. 92-93).
4. O discurso jurídico sobre a natureza: da natureza-coisa à
natureza-objeto
4.1. Natureza-objeto: apoia-se numa visão dualista, utilitarista e
antropocêntrica do mundo, baseada na separação e oposição entre homem (sujeito)
e natureza (objeto) (p. 93).
4.2. Natureza-sujeito: “funda-se em um certo monismo normativo, onde as
posições jurídicas do ser humano e dos componentes naturais não operam por
exclusão”, estando em posição de simetria. A natureza, nesta perspectiva, não é
vista necessariamente enquanto titular de direitos (p. 93-94).
4.3. Pode a natureza ter direitos?
“Nos últimos anos, vem ganhando força a tese de que um dos objetivos do
Direito Ambiental é a proteção da biodiversidade (fauna, flora e ecossistemas), sob
uma diferente perspectiva: a natureza como titular de valor jurídico per se ou
próprio, exigindo proteção independentemente de sua utilidade econômico-sanitária
direta para o homem” (p. 94).
“Uma das principais consequências da afirmação de que o meio ambiente
deve ser protegido per se opera no terreno da responsabilidade civil, onde a noção
de ‘dano ambiental’ (dano ao ambiente em si mesmo) passa a ser dissociada da
ideia de prejuízo (pessoal ou econômico) ao indivíduo” (p. 94)
“O reconhecimento de direitos aos animais - ou mesmo à natureza - não leva
ao resultado absurdo de propor que seres humanos e animais tenham os mesmos
ou equivalentes direitos. (...) O que eles propõem é uma mudança de paradigma da
dogmática jurídica” (p. 94).
5. Conclusão
“Em conclusão, é mister notar que, na perspectiva do Direito,
antropocentrismo e não-antropocentrismo não são, até certo ponto, fatalmente
excludentes, podendo atuar de forma complementar entre si.” (p. 95).
“Se é verdade que nem toda a proteção ambiental é explicável pela
perspectiva do resguardo utilitarista do ser humano (...), por outro lado, ao se
reconhecer valor intrínseco à natureza, termina-se, como regra, por tutelar os
humanos que dela dependem. A rigor, essas duas preocupações - com a natureza e
com o ser humano - são, na realidade, indivisíveis” (p. 95-96).
“Ao revés trata-se de operação mais sofisticada, que resulta em tríplice fratura
vigente: a diluição das posições formais rígidas entre credores e devedores (a todos
se atribuem, simultaneamente, o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e o dever de protegê-lo” Pg 79
“Aqui, sucede o mesmo, pois é crise ambiental, acirrada após a Segunda Guerra,
que libertará forças irresistíveis verdadeiras correntes que leverão à ecologização
da Constituição, nos anos 70 e seguintes”. Pg. 79
“Em tal pano de fundo, bem se compreende que, nos dias atuais, os cidadãos não
se satisfaçam com uma simples carta de direitos básicos, do tipo Bill of Rigths,
destinada a livrar os cidadãos dos abusos do Estado-Rei, sempre pronto para
espalhar opressão entre seus súditos. Hoje, espera-se mais dessas salvaguardas,
em especial que sejam dirigidas não apenas contra o Poder Público solitário, mas
que também vinculem uma poderosa minoria uma poderosa minoria de sujeitos
privados que, em vários terrenos e no ambiental em especial, aparecem não
exatamente como vítima indefesa de abusos estatais, mas, ao contrário, como
sérios candidatos, como sérios candidatos à repreensão e correção por parte da
norma (inclusive a constitucional) e de seus implementadores”. Pg. 80
Por fim, os gerais são os de disposições gerais com aplicação para os mais diversos
e temas, aplicando a fungibilidade entre si, e os especiais, com uma aplicação
específica para determinado órgão público ou região.
Dessa forma o legislador decidiu por não utilizar um único padrão normativo, sendo
necessário para o entendimento da constituição uma leitura considerando as
diversas disposições sobre o tema, nas suas mais variadas formas.
O uso da fórmula in dubio pro natura nada mais faz do que criar uma
preferência inexistente e inaceitável em nosso ordenamento jurídico, descarregando
um ônus argumentativo desproporcional em quem o desafia
Por fim, cabe mencionar que, nos casos em que não se trabalha com o
revogado critério de abrangência de impacto, utiliza-se o conceito de área
diretamente afetada (ADA), sendo esta a que engloba o espaço físico ocupado
exclusivamente pelo empreendimento, não equivalendo à área do imóvel ocupado
pelo empreendimento ou atividade, mas pela parte efetivamente por eles ocupada.
“há uma perda de eficiência e economicidade global, (...) uma vez que o delegatário
geralmente é quem praticou os atos no processo de licenciamento ambiental sem
competência para tanto. (...) O princípio constitucional da eficiência em seu núcleo está a
redução do desperdício de recursos públicos, orientando a “atividade administrativa no
sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e a
menor custo”, o que não ocorre quando outro órgão estatal deve se imiscuir, via
convalidação, em ato de outro ente, sem necessidade.” (p. 143)
“Uma vez delegado o licenciamento ambiental, o órgão delegante somente pode revogar a
delegação, mas não impor ao delegatário cursos de ação, uma vez que o delegatário não é
preposto do delegante e cada órgão ambiental tem discricionariedade procedimental. Cabe
ao delegatário sanar eventual vício ou anular o ato ou conjunto de atos como se o processo
fosse seu desde o início (...)” (p. 144)
“O delegatário atuará com os poderes do delegante, que sendo o Ibama, poderá atuar
em todo território nacional, ainda que fora de sua área geográfica, o delegatário tem plenos
poderes ambientais nesse outro território, já que atua com base na delegação do poder
federal.” (p. 146)
“Para evitar esse cenário pode haver delegação condicional. Caso haja reconhecimento da
competência do delegante, os atos praticados serão válidos, se a demanda for
improcedente, a delegação não terá efeitos e o delegatário responderá em nome próprio.”
(p. 147-148)
6. Conclusões
“nas hipóteses em que as noções não sejam claras o suficiente para a solução de conflitos,
deve prevalecer a norma que melhor garanta a efetividade do direito fundamental tutelado,
dando-se preferência àquela da preservação da qualidade ambiental (in dubio pro natura).”
(p. 148)
“Havendo competência comum para se proteger o meio ambiente, criou-se um mito de que
todas as três esferas federativas tinham dever de tutelar o bem protegido sem qualquer
“benefício de ordem” entre elas. Nada mais equivocado e desarrazoado.uma atuação
desordenada, com sobreposições, gera uma deficiência na proteção ambiental,
uma vez que há perda de eficiência.” (p. 149)
“Isso fica ainda mais claro no licenciamento ambiental, que é único, isto é, praticado por
apenas um ente da federação, (...) Ao vedar o licenciamento de um mesmo
empreendimento por mais de um órgão ambiental, a unicidade do licenciamento ambiental
enseja a possibilidade de haver vício de competência porque aquela entidade que o iniciou
ou conduziu-o pode não ter competência tanto. Entretanto, esse vício é convalidável, caso o
órgão competente para licenciar entenda estar diante de elementos para tanto.” (p. 150)