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APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO AO MEIO

AMBIENTE DO TRABALHO

Ernande Francisco da Silva Filho1


Rogério Cunha Estevam2

1
Mestrando em Direito, Mercado, Compliance e Segurança Humana pela Faculdade CERS. Pós graduado
em Direito Público Municipal pela UNIPUBLICA. Advogado. Bacharel em direito pela Universidade Católica de
Pernambuco. ernandefilho@hotmail.com.

2
Advogado. Bacharel em Direito pelo Instituto de Educação Superior da Paraíba – UNIESP. Pós-
Graduado em Direito Civil, Processo Civil e Direito do Consumidor, pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba.
Pós-Graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba. Pós-
Graduado em Direito Administrativo e Gestão Pública pela UNIASSELVI. Mestrando em Direito, Mercado,
Compliance e Segurança Humana pela Faculdade CERS. rogeriocunha.adv@gmail.com
Resumo

Sob a perspectiva das relações laborais, o presente artigo pretende analisar a


evolução tanto acadêmica quanto jurisprudencial da aplicação dos princípios da
prevenção e precaução no meio ambiente do trabalho, com vistas a proteção de bens
jurídicos de valores elevados, como a vida e a dignidade da pessoa humana. A
metodologia utilizada será a explorativa-qualitativa, buscando através de pesquisas
bibliográficas e buscas de jurisprudências que amparam a problemática trazida para
a presente pesquisa.

Palavras- chave: Meio ambiente trabalhista. Direito ambiental. Princípio da


precaução. Princípio da prevenção. Proporcionalidade.

Abstract

From the perspective of labor relations, this article intends to analyze both the
academic and jurisprudential evolution of the application of the principles of prevention
and precaution in the work environment, with a view to protecting legal interests of high
values, such as the life and dignity of the human person. The methodology used will
be exploratory-qualitative, searching through bibliographical research and searches of
jurisprudence that support the problem brought to this research.
.

Keywords:

Labor environment. Environmental law. Precautionary principle. Principle of


prevention. Proportionality.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DA CONCEPÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL. 3.
PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO. 4. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 5.
PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.

1. INTRODUÇÃO

O meio ambiente, incluindo aí o ambiente laboral, goza de especial proteção


da Constituição Federal de 1988, que dedicou capítulo próprio à tutela do meio
ambiente, assegurando a todos, sem distinção, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, além do dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.

Portanto, o objetivo do presente artigo é de analisar as relações de trabalho


sob a égide da proteção constitucional e infraconstitucional do meio ambiente.

Como objetivos específicos, pretende-se descrever sobre o conceito e a


evolução normativa do direito ambiental, mais especificamente dos princípios da
precaução e prevenção no mundo, bem como analisar os aspectos jurídicos e
jurisprudenciais que a sociedade tem lançado mão para evitar e combater ambientes
laborais insalubres e periculosos, analisando também a necessidade de razoabilidade
e proporcionalidade na aplicação desses princípios.

É consabido que são muitos os riscos inerentes ao ambiente do trabalho que


ocasionam acidentes de trabalho e/ou doenças ocupacionais que importam na
redução ou na perda da capacidade laborativa do trabalhador. Estas contingências
podem ser minimizadas ou até mesmo eliminadas diante de medidas de prevenção e
precaução a ser adotadas pelo Estado e pelos sujeitos da relação de trabalho, como
por exemplo o uso de Equipamentos de Proteção Individual e Coletivos, programas
de prevenção de riscos ambientais, controle de jornada, cursos de capacitação,
rotinas de treinamento, adequação da estrutura física, e diversas outras medidas
suficientes a coibir danos ambientais, não se podendo olvidar, ainda, o cuidado com
a saúde mental dos trabalhadores.

A ausência de prevenção efetiva dos danos ambientais, notadamente no meio


ambiente do trabalho redunda na proteção previdenciária do Estado, especialmente
nos casos de perda ou redução da capacidade de autossustento do trabalhador e
seus dependentes, como nos casos de doenças, invalidez, bem como em decorrência
de idade avançada e morte.

Diversas atividades laborativas são executadas em ambiente insalubre e


periculoso, em contato habitual com agentes químicos, físicos e biológicos, isto sob
risco imediato à saúde, integridade física e a vida dos trabalhadores.
Os princípios de Direito Ambiental da prevenção e da precaução, dão um norte
para as medidas a serem adotadas no local de trabalho com vistas a evitar ou minorar
os impactos das contingências próprias do ambiente laboral, tendo como ênfase a
proteção do trabalhador, sem prescindir, contudo, da importância de determinadas
atividades de risco para o progresso e desenvolvimento de um país.

Ao mesmo tempo, os princípios da prevenção e da precaução subsidiam o


Estado para adoção de políticas públicas voltadas ao desestimulo de práticas e
atividades laborais extremamente nocivas à vida e saúde do trabalhador.

Portanto, o presente artigo busca pelo método exploratório e bibliográfico


evidenciar que a aplicação dos princípios da prevenção e da precaução são de
elementar importância para o equilíbrio do meio ambiente laboral, a proteção do
trabalhador e a redução das contingências.

Nesta pesquisa, a coleta de dados para a revisão sistemática da literatura se


materializou a partir da escolha das palavras-chave: Princípio da Precaução e
Prevenção; Meio ambiente laboral/do trabalho, com uso do operador booleano “or”
inseridas nas bases de dados SciELO, Periódicos Capes e ScholarGoogle. Foram
selecionados artigos que inicialmente foram submetidos a uma leitura exploratória a
partir do título e resumo. Dos artigos residuais foi feita uma leitura seletiva com os
devidos apontamentos. Foi feita também pesquisa jurisprudencial nas ferramentas de
busca do portal eletrônico do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
Os tipos de estudo utilizados foram de caráter exploratório e qualitativo, porque se
visou obter um aprofundamento de maiores informações sobre a temática estudada,
assim como o tratamento dos dados não se deu com uso de técnicas estatísticas.

Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, pelo qual promove a


construção e consolidação de uma análise abrangente da jurisprudência, servindo de
arcabouço para discussões acerca de métodos e resultados de pesquisas, assim
como reflexões sobre a realização de futuros estudos acadêmicos sobre meio
ambiente laboral, Princípios da Precaução e Prevenção e proporcionalidade. A
pesquisa aborda tema atual, relevante e com impacto social e empresarial, buscando
trazer dados científicos capazes de contribuir para propor medidas de prevenção no
ambiente de trabalho, proporcionando a melhoria da condição

2. DA CONCEPÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL

Na concepção de Direito Ambiental insere-se a proteção ao meio ambiente do


trabalho, que segundo Júlio Cesar de Sá da Rocha, é compreendido como “sistema
normativo que tutela o meio ambiente do trabalho (de forma imediata) e a saúde dos
trabalhadores (de forma indireta), e como disciplina jurídica in statu nascendi, que
descreve e compreende essa proteção normativa, tendo em vista o trabalhador em
seu entorno de trabalho” (2013, p. 229).

Inicialmente, antes de realizar o estudo acerca dos princípios inerentes ao


Direito Ambiental, em especial os princípios de precaução e prevenção, é
indispensável conceituar o referido ramo jurídico.
O Direito Ambiental pode ser visto como um ramo do direito que possui como
finalidade disciplinar as atividades humanas em relação ao meio ambiente. Ao passo
que suas normas são inspiradas nos fatos ambientais em conjunto com o valor ético
ambiental. Nesse sentido, o ilustre Professor Paulo Affonso Leme Machado (2022, p.
129-130) leciona:

O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a


articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência
concernentes aos elementos que integram o meio ambiente.
Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua
abordagem antagônica. Não se trata mais de construir um Direito
das águas, um Direito da atmosfera, um Direito do solo, um
Direito florestal, um Direito da fauna ou um Direito da
biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada
matéria tem de específico, mas busca interligar estes temas com
a argamassa da identidade de instrumentos jurídicos de
prevenção e de reparação, de informação, de monitoramento e
de participação

Como se observa, o Direito Ambiental apresenta como base de todo o seu


ordenamento jurídico, a premissa de que a interação entre ser humano e meio
ambiente deve ser racionalizada mediante aplicabilidade de uma legislação ambiental
condizente com o contínuo avanço da exploração da natureza. Pois, é sabido que a
natureza constitui elemento indispensável para a sobrevivência humana, assim, sendo
indispensável uma relação equilibrada entre ambos. Sob essa mesma ótica, convém
suscitar a doutrina de Paulo Bessa Antunes (ANTUNES, pg. 06, 23 ed.), vejamos:

O fato que se encontra à base do direito ambiental é a vida


humana, que depende dos recursos ambientais para a sua
reprodução, a excessiva utilização dos recursos naturais, o
agravamento da poluição de origem industrial e tantas outras
mazelas causadas pelo crescimento econômico desordenado,
que fizeram com que tal realidade repercutisse no mundo
normativo do dever ser, se refletindo na norma elaborada com a
necessidade de estabelecer novos comandos e regras aptos a
dar, de forma sistemática e orgânica, um novo e adequado
tratamento ao fenômeno da deterioração do meio ambiente.

Acerca do Direito Ambiental Trabalhista, Diego Henrique Schuster defende que


o “Direito do Trabalho objetiva primordialmente a regulação das relações laborais e a
proteção do ser humano trabalhador; o Direito Ambiental, a proteção do meio
ambiente e a proteção do ser humano tomado na sua generalidade”.

3. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
De início, cabe ressaltar que os princípios apresentam significativa relevância
no ordenamento jurídico, haja vista sua capacidade de garantir unidade e coerência
ao sistema. Ou seja, atua basicamente como um orientador para o intérprete das
normas. Por esta forma, dispõe o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro): “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Assim, o princípio de precaução, surge com a finalidade de nortear a legislação


ambiental para uma regulamentação capaz de reduzir significativamente os impactos
ambientais, mesmo quando não se tenha certeza científica sobre a ocorrência de
determinado dano ambiental.

Portanto, mesmo diante de dúvidas ou incertezas científicas sobre determinada


prática em relação aos danos ambientais, as autoridades públicas e os demais
agentes gestores de risco, deverão empregar a cautela necessária a importância dos
bens jurídicos tutelados (vida, saúde, meio ambiente equilibrado, dignidade da pessoa
humana, etc.).

É o que a doutrina denomina de “in dubio pro natura”, que diante da incerteza
quanto a possíveis danos ao ambiente, deve ser proibida ou retardada a prática
potencialmente degradadora dos recursos naturais.

Sobre isto, houve a consagração expressa do princípio da precaução no


princípio 15 da Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento (1992)
(Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente):

Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados


deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme
suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou
irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser
utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas
eficazes em função dos custos para impedir a degradação
ambiental.

A lei federal 11.105/2005 consagrou pela primeira vez, de forma expressa o


princípio da precaução no ordenamento jurídico brasileiro:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos


de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a
manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a
exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o
consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de
organismos geneticamente modificados – OGM e seus
derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico
na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à
saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio
da precaução para a proteção do meio ambiente.
O princípio da precaução foi também absorvido por outras normas
infraconstitucionais, notadamente no art. 6 o, parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica
(lei 11.428/2006)3, no art. 3o da Política Nacional sobre Mudança do Clima (lei
12.187/2009)4 e no art. 6o, I da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei
12305/2010)5.

Num estudo da UNESCO do ano de 2005 (p. 16) restou bem evidenciada a
aplicada do vetor da precaução:

O PP não é baseado em ‘risco zero’, mas pretende alcançar


riscos ou riscos mais baixos ou mais aceitáveis. Não é baseado
em ansiedade ou emoção, mas é uma regra de decisão racional,
baseado na ética, que tem como objetivo usar o melhor dos
‘sistemas de ciências’ de processos complexos para tomar
decisões mais sábias. Finalmente, como qualquer outro
princípio, o PP em si não é um algoritmo de decisão e, portanto,
não pode garantir a consistência entre os casos. Assim como em
casos judiciais legais, cada caso será um pouco diferente, tendo
os seus próprios fatos, incertezas, circunstâncias e tomadores
de decisão e o elemento de julgamento não pode ser eliminado.

Portanto, significa dizer que a precaução atua como qualquer outro princípio,
tendo que observar a razoabilidade e ponderação, ou seja, a redução dos impactos
ambientais deve ocorrer mediante interpretação do aludido princípio de forma racional,
possibilitando a escolha das atividades menos nocivas em detrimento das mais
ofensivas.

Além disso, a aplicabilidade do princípio da precaução deve ser condizente com


o conjunto de recursos disponíveis, sobretudo, devendo ser considerado as
peculiaridades locais de cada ambiente. Como também, nos casos que houver
dúvidas sobre o dano ambiental, o respectivo dano deve ser suprido mediante estudos
técnicos.

3
Art. 6º A proteção e a utilização do Bioma Mata Atlântica têm por objetivo geral o
desenvolvimento sustentável e, por objetivos específicos, a salvaguarda da biodiversidade, da saúde
humana, dos valores paisagísticos, estéticos e turísticos, do regime hídrico e da estabilidade social.

Parágrafo único. Na proteção e na utilização do Bioma Mata Atlântica, serão observados os


princípios da função socioambiental da propriedade, da eqüidade intergeracional, da prevenção, da
precaução, do usuário-pagador, da transparência das informações e atos, da gestão democrática, da
celeridade procedimental, da gratuidade dos serviços administrativos prestados ao pequeno produtor
rural e às populações tradicionais e do respeito ao direito de propriedade.

4
Art. 3o A PNMC e as ações dela decorrentes, executadas sob a responsabilidade dos entes
políticos e dos órgãos da administração pública, observarão os princípios da precaução, da prevenção,
da participação cidadã, do desenvolvimento sustentável e o das responsabilidades comuns, porém
diferenciadas, este último no âmbito internacional, e, quanto às medidas a serem adotadas na sua
execução, será considerado o seguinte:
5
Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: I - a prevenção e a precaução;
Dada a relevância da precaução dos impactos ambientais, os nossos Tribunais
Superiores vêm dando aplicação a regra de inversão do ônus da prova, de modo que,
aquele a quem é imputado a prática de determinada atividade potencialmente lesiva
ao meio ambiente, detém o dever de comprovar que não ocasionou o dano ou que
sua atividade não é potencialmente lesiva, vejamos:

“DANO. MEIO AMBIENTE. PROVA. INVERSÃO. (...) Dessa


forma, a aplicação do princípio da precaução pressupõe a
inversão do ônus probatório: compete a quem se imputa a pecha
de ser, supostamente, o promotor do dano ambiental a
comprovação de que não o causou ou de que não é
potencialmente lesiva a substância lançada no ambiente. (...)”
(STJ, 2ª Turma, REsp 1.060.753/SP, rel. Min. Eliana Calmon,
julgado em 1º-12-2009).

Acerca do tema, Sarlet e Fensterseifer (2022, p.284) asseveram:

Diante da incerteza científica quanto a possíveis danos


significativos ao meio ambiente, a proteção ambiental deve
prevalecer e ser proibida ou retardada (até um melhor domínio
da técnica) determinada prática potencialmente degradadora
dos recursos naturais. Não por outra razão, o princípio da
precaução tem servido de fundamento para justificar a inversão
do ônus da prova em processos judiciais, fazendo recair sobre o
suposto poluidor o ônus de provar a segurança ambiental da
técnica, atividade ou empreendimento impugnada.

No tocante a aplicação em concreto do princípio da precaução, em matéria de


direito ambiental, citamos importante precedente do Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. MEDIDAS DE
CONTENÇÃO DAS DOENÇAS CAUSADAS PELO AEDES
AEGYPTI. ARTIGO 1º, § 3º, INCISO IV DA LEI N. 13.301, DE
27 DE JUNHO DE 2016. PERMISSÃO DA INCORPORAÇÃO
DE MECANISMOS DE CONTROLE VETORIAL POR MEIO DE
DISPERSÃO POR AERONAVES MEDIANTE APROVAÇÃO
DAS AUTORIDADES SANITÁRIAS E DA COMPROVAÇÃO
CIENTÍFICA DA EFICÁCIA DA MEDIDA. POSSIBILIDADE DE
INSUFICIÊNCIA DA PROTEÇÃO À SAÚDEE AO MEIO
AMBIENTE. VOTO MÉDIO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À
CONSTITUIÇÃO. ARTIGOS 225, § 1º, INCISOS V E VII, 6º E
196 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
INAFASTABILIDADE DA APROVAÇÃO PRÉVIA DA
AUTORIDADE SANITÁRIA E DA AUTORIDADE AMBIENTAL
COMPETENTE. ATENDIMENTO ÀS PREVISÕES
CONSTITUCIONAIS DO DIREITO À SAÚDE, AO MEIO
AMBIENTE EQUILIBRADO E AOS PRINCÍPIOS DA
PRECAUÇÃO E DA PREVENÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL
DA AÇÃO. 1. Apesar de submeter a incorporação do mecanismo
de dispersão de substâncias químicas por aeronaves para
combate ao mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus
chikungunya e do vírus da zika à autorização da autoridade
sanitária e à comprovação de eficácia da prática no combate ao
mosquito, o legislador assumiu a positivação do instrumento
sem a realização prévia de estudos em obediência ao princípio
da precaução, o que pode levar à violação à sistemática de
proteção ambiental contida no artigo 225 da Constituição
Federal. 2. A previsão legal de medida sem a demonstração
prévia de sua eficácia e segurança pode violar os princípios
da precaução e da prevenção, se se mostrar insuficiente o
instrumento para a integral proteção ao meio ambiente
equilibrado e ao direito de todos à proteção da saúde. 3. O
papel do Poder Judiciário em temas que envolvem a
necessidade de consenso mínimo da comunidade científica, a
revelar a necessidade de transferência do lócus da decisão
definitiva para o campo técnico, revela-se no reconhecimento de
que a lei, se ausentes os estudos prévios que atestariam a
segurança ambiental e sanitária, pode contrariar os dispositivos
constitucionais apontados pela Autora em sua exordial,
necessitando, assim, de uma hermenêutica constitucionalmente
adequada, a assegurar a proteção da vida, da saúde e do meio
ambiente. 4. Em atendimento aos princípios da precaução e
da prevenção, bem como do direito à proteção da saúde,
portanto, confere-se interpretação conforme à Constituição,
sem redução de texto, ao disposto no inciso IV do § 3º do
artigo 1º da Lei nº 13.301/2016, para fixar o sentido segundo
o qual a aprovação das autoridades sanitárias e ambientais
competentes e a comprovação científica da eficácia da
medida são condições prévias e inafastáveis à incorporação
de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão
por aeronaves, em atendimento ao disposto nos artigos 225,
§ 1º, incisos V e VII, 6º e 196 da Constituição da República.
5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente
procedente.” (STF, ADI 5.592/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Cármen Lúcia, Rel. p/ Acórdão Edson Fachin, j. 11.09.2019)

Como se vê, o princípio da precaução não deve ser um impeditivo no que diz
respeito ao desenvolvimento das atividades humanas, na verdade, deve atuar como
um aliado obrigando o acatamento dos cuidados e precauções necessárias a
minoração dos impactos ambientais.

4. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO
Há uma linha tênue que separa e define os princípios da precaução e da
prevenção. Apesar do princípio da prevenção apresentar proximidade em relação ao
da precaução, não deve ser confundido.

Diversamente do princípio da precaução, é utilizado em situações de prévio


conhecimento dos impactos ambientais, possibilitando o estabelecimento do nexo de
casualidade do empreendimento ou atividade com a modificação ambiental, que por
sua vez permite a verificação precisa dos impactos futuros. Conforme esclarece
Marcelo Abelha Rodrigues:

Dessa forma, nos casos em que é sabido que uma atividade


pode causar danos ao meio ambiente, atua o princípio da
prevenção, para impedir que o intento seja desenvolvido.
Há, todavia, casos em que não se tem certeza se um
empreendimento pode ou não causar danos ambientais. É
justamente nessas hipóteses em que atua o princípio da
precaução. (RODRIGUES, pg. 183, 9 ed.)

Importante ressaltar que o princípio da prevenção não visa a eliminação plena


dos riscos ambientais, visto que possui como propósito a realização de uma
interpretação equilibrada entre os benefícios gerados pelo empreendimento e os
possíveis danos ambientais futuros, nessa direção, explicita Paulo Bessa Antunes (pg.
22, 23 ed.):

A existência de danos ambientais originados por um


empreendimento específico é avaliada em conjunto com os
benefícios por ele gerados e, a partir de uma análise balanceada
de uns e outros, surge a opção política consubstanciada no
deferimento ou indeferimento das licenças ambientais. As
condicionantes estabelecidas para a implantação do projeto
indicam as condições técnicas e políticas mediante as quais o
administrador estabelece a ponderação entre os diferentes
interesses em jogo. Este mecanismo de valoração é mais
claramente definido na aplicação do chamado princípio do
equilíbrio, que será examinado adiante.

Para Sarlet e Fensterseifer (op. cit, p.240), o princípio da prevenção opera com
o objetivo de antecipar a ocorrência do dano ambiental na sua origem. A título de
exemplo, os autores mencionam a hipótese de retirada da mata ciliar que sabidamente
provocaria a perda da biodiversidade e o assoreamento dos rios, entre outras
consequências.

Para melhor distinguir os vetores da prevenção e da precaução, Sarlet e


Fensterseifer esclarecem que "em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser
prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de
incerteza também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da
prevenção”.

É sempre importante ponderar que a adoção de medidas de prevenção ou de


precaução, devem se dá em grau suficiente, sendo vedado a restrição de direitos de
forma excessiva, em atenção ao princípio da proporcionalidade.

Portanto, a observância da proporcionalidade se revela como um pressuposto


necessário a adequação das medidas de prevenção e precaução, a ser observado
tanto pelas autoridades executivas, como também pelo Poder Judiciário na análise
dos casos concretos, sob pena de, ainda que buscando a proteção do meio ambiente
que é um bem jurídico de elevado valor, os excessos podem repercutir em outros bens
jurídicos de índole constitucional, a exemplo da livre iniciativa e a função social do
trabalho.

5. PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

Como o presente estudo não tem a pretensão de responder definitivamente aos


questionamentos que perambulam o tema, temos a obrigação, pelo apego a pesquisa
científica, de mencionar que existem entendimentos diametralmente diversos, porém
lógicos, sobre a análise do risco que leva a aplicação do princípio da precaução para
que não haja discriminações e falseamento de premissas como por exemplo alguns
países se utilizam do princípio da precaução como barrar aquisições de determinados
alimentos de outros países alegando potencial perigo de contaminação, mas o real
objetivo seria o de implementar políticas protecionistas de produtos internos.

Do mesmo modo, pensemos hipoteticamente, que poderia haver decisões


empresariais que extinguissem seus transportes de entrega, obrigando o trabalhador
a fazer entrega de bicicletas, sob a alegação de que tais medidas da empresa estariam
se pautando no princípio ambiental da precaução e prevenção da saúde do
trabalhador, já que os veículos a combustão da empresa poderiam afetar o meio
ambiente e o tempo sentado dirigindo poderia afetar a saúde. Obviamente, tal
estratégia de marketing teria como alvo principal mais a economia de recursos para a
empresa do que o bem estar do trabalhador que, em pouco tempo apresentaria
exaustão física diante das novas obrigações laborais.

Segundo as concepções mais conservadoras (Mota, 2006), as práticas


alicerçadas no princípio da precaução devem ter prévia análise científica tão completa
quanto possível a ponto de serem identificados, em cada estágio, o grau de incerteza
científica e de posse desses dados a proteção deve ser proporcional ao nível de
proteção procurado sem discriminações. Para o autor a prudência jurídica fornece de
forma flexível, porém de forma específica a delimitação de ameaça hipotética, mas
plausível para a aplicação do princípio da precaução.

As medidas de proteção devem coerentes com medidas similares já aplicadas


e estar baseada num exame de vantagens e implicações potenciais da ação ou da
ausência da ação, ser reexaminada à luz de novos conhecimentos científicos e ser
capaz de avaliar de forma mais completa o risco.(pág. 36, Mota 2006)
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme abordado no transcorrer do estudo, a concretização do direito ao


meio ambiental laboral equilibrado conduz a adoção de medidas eficazes a proteção
do trabalhador, enquanto ser humano inserido em atividades de risco.

Não são poucas as atividades que expõem o trabalhador a riscos acentuados


que podem ocasionar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais, considerado o
grau de exposição a agentes nocivos, insalubres ou periculosos.

De outro lado, não se pode impedir o progresso nacional e o desenvolvimento


e fomento de atividades econômicas, que devem, ao contrário, coexistir com a
proteção ambiental.

Desse modo, estando diante de riscos ambientais, pelo exercício de


determinada atividade ou labor, o Estado e os sujeitos da relação de trabalho devem
buscar a adoção de medidas visando minimiza-los ou até menos eliminá-los,
observada a adequada proporcionalidade.

Há um rol não exauriente de medidas que podem proporcionar uma maior


proteção do trabalhador, como o uso de Equipamentos de Proteção Individual ou
Coletivo, a confecção de laudos ambientais, programas de prevenção de riscos
ambientais, programas de controle médico de saúde ocupacional, capacitação dos
trabalhadores, controle de jornada, e tantas outras medidas aptas a minorar a
exposição dos trabalhadores aos agentes nocivos. Não se pode olvidar, ainda, o
cuidado com a saúde mental dos trabalhadores.

Portanto, a palavra de ordem é precaução e prevenção, sendo um postulado a


adoção de medidas para evitar riscos ambientais conhecidos ou precaver riscos
potencialmente lesivos ao meio ambiente laboral, buscando-se o equilíbrio no
ambiente trabalhista, o respeito a dignidade do trabalhador e a proteção à sua vida,
saúde e segurança.

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CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe
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