Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MARABÁ
RONALDO GIUSTI ABREU
MARABÁ
A RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL DAS PESSOAS JURÍDICAS
Resumo
Resumen
Introdução
O ser humano demorou milênios para adquirir uma consciência ambiental, segundo a
qual os recursos naturais são finitos e precisam ser preservados, para as atuais e futuras
gerações.
O Estado vale-se do direito penal para a proteção do meio ambiente, uma vez que o
Direito Ambiental tem como objeto maior a tutela da vida, em particular a vida humana.
O presente trabalho tem como objetivo estudar e pesquisar sobre a responsabilidade
penal ambiental das pessoas jurídicas.
Institucionalmente, o objetivo deste artigo é a obtenção do título de pós-graduação
em Direito Ambiental pelo Centro Universitário UNINTER.
Cientificamente, o objetivo deste trabalho é analisar a problemática da
responsabilidade penal das pessoas jurídicas pelo cometimento de crimes ambientais, tendo
em vista o princípio societas delinquere non potestat, segundo o qual só cometem crimes as
pessoas naturais.
Assim, desenvolvemos o seguinte problema de pesquisa, em razão dos objetivos
propostos:
- As pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas penalmente pela prática de
crimes ambientais, face o princípio societas delinquere non potestat?
Em virtude do problema desenvolvido, levantaram-se as seguintes hipóteses para a
pesquisa:
a) Não seria possível a responsabilização penal ambiental das pessoas jurídicas, em
razão do princípio societas delinquere non potestat, segundo o qual só podem
cometer crimes as pessoas naturais;
b) As pessoas jurídicas poderiam ser responsabilizadas penalmente por
cometimento de crimes ambientais, em que pese o princípio societas delinquere
non potestat.
Tendo como base a descrição do tema investigado, o método utilizado teve como
técnica de investigação a pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial.
LECEY (2006. p. 39) ensina, ainda, que o ambiente é tutelado e protegido, como
um valor em si mesmo, pelo que representa às gerações presentes e futuras, como destaca
nossa própria Constituição de 1988. A tutela penal do meio ambiente, por consequência,
decorre da relação do homem e a natureza, regulada pelo direito.
Da prática de uma infração penal advém uma responsabilidade, que se subdivide em
duas: a individual e a da pessoa jurídica.
A questão que se eleva neste trabalho é se a pessoa jurídica é responsável
penalmente, no caso de cometimento de infração penal ambiental.
Não há dúvidas de que a pessoa física titular de pessoa jurídica que explora
determinada atividade que agrida o meio-ambiente está passível de ser responsabilizada
penalmente, por força do princípio societas delinquere non potestat.
E quanto à responsabilização penal da pessoa jurídica, mormente na esfera do
direito ambiental?
Imputar responsabilidade penal a uma pessoa jurídica pela prática de crime
ambiental é inovação da Cata Política de 1988 – art. 225, §3°.
Por ser inovação, houve e ainda há grande dificuldade de tornar eficaz a norma
constitucional, mediante a flexibilização do princípio societas delinquere non potestat,
segundo o qual a sociedade não pode cometer crimes. Ou seja, somente as pessoas físicas
poderiam ser autoras de infrações criminais.
A Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, regulamenta o dispositivo
constitucional, ao definir os crimes ambientais, responsabilizar as pessoas jurídicas pela sua
prática e definir as penas.
Se é verdade que a Constituição e a lei são claras quanto a esse instituto, o suporte
doutrinário e jurisprudencial ainda é débil. É historicamente recente decisão de tribunal
superior que admite essa responsabilização penal.
Para Savigny, citado por POGGIO SMANIO (2004, p. 1), a pessoa jurídica é uma
criação artificial da lei e, como tal, não pode ser objeto de autêntica responsabilidade
penal, que somente pode recair sobre os reais responsáveis pelo delito, os homens por trás
das pessoas jurídicas. Esse pensamento ainda é adotado nos dias de hoje por ampla
doutrina.
Ensina o caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988 (2015) que “Todos tem
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O §3° do precitado artigo constitucional estabelece a responsabilidade penal das
pessoas jurídicas, por infrações lesivas ao meio ambiente, ao dispor que “As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados”.
Logo, resta evidente a intenção do legislador constitucional pátrio de flexibilizar o
principio societas delinquere non potestat, uma vez que ensina que as pessoas jurídicas
também estão sujeitas às sanções penais por suas condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente.
b. Abordagem legal
No Brasil, a Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, inseriu definitivamente no
arcabouço legal ordinário a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, pelo cometimento
de crimes ambientais.
A referida lei, já no seu art. 3°, leciona: “As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos
casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,
ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.(grifamos).
CAMARGO (2011, p. 16), ao mergulhar nos ensinamentos de TEIXEIRA, assim
conclui acerca do advento da lei ambiental brasileira:
A Lei nº 9.605/1998 dispôs sobre as sanções penais e administrativas para as
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e,
ainda, precursoramente tipificou os delitos ambientais imputados às pessoas
físicas e às pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, sendo
impar ao dispor sobre responsabilidade penal de pessoa jurídica, o que
significou um grande avanço na proteção ambiental.
c. Abordagem doutrinária
Quatros correntes doutrinárias abordam o tema, segundo CAVARET LOPES (2016,
p.2/3).
A primeira corrente sustenta que a norma foi interpretada de maneira equivocada.
Para essa corrente, o legislador constituinte quis dizer que às pessoas jurídicas estão
reservadas somente as sanções administrativas. As sanções penais estariam reservadas
somente às pessoas físicas.
A segunda corrente ensina que a responsabilidade penal, diferentemente da
responsabilidade civil, não é objetiva, por isso, esta corrente, baseada na teoria da ficção,
considera que nossa teoria criminal impossibilita a responsabilização penal do ente coletivo,
pois este não possui vontade própria, nem consciência da ilicitude, ou seja, não possui
culpabilidade. Desse modo, a pessoa jurídica assumiria o papel de autor imediato, enquanto a
pessoa natural seria o autor mediato do delito, portanto o ser culpável. Sobre a culpabilidade,
Cleber Masson leciona que "não se admite a punição quando se tratar de agente inimputável,
sem potencial consciência da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa" (2015,
p. 110).
Seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, a terceira corrente afirma ser possível a
responsabilização das empresas através do sistema da dupla imputação, pois assim restaria
preenchido o elemento subjetivo, qual seja, a culpabilidade do ente moral.
Assim, a imputação simultânea da pessoa física e da pessoa jurídica seria a maneira
da pessoa coletiva figurar no polo passivo da ação penal. Seguindo esse raciocínio, para que a
pessoa jurídica seja condenada, é necessária também a condenação da pessoa física. Afastada
a pessoa natural da ação penal, esta, por consequência, seria extinta em relação à pessoa
coletiva.
De acordo com a quarta corrente, a aplicação do sistema das imputações paralelas
não é requisito obrigatório para o ajuizamento da ação penal contra a empresa, pois a
Constituição Federal não impôs tal exigência – a maneira de como o ente moral será
responsabilizado criminalmente – nem mesmo fez ressalva alguma quanto a lei que irá dispor
futuramente sobre o assunto, bem como o art. 3º, da Lei 9.605/1998, que dispõe sobre quais
são os requisitos para responsabilizar a empresa, não faz menção ao concurso do ente moral
com o natural. O Supremo Tribunal Federal adotou este entendimento no julgamento do RE
548.818 PR.
Em reforço à tese de responsabilização criminal das pessoas jurídicas, GOMES
(1999, p. 89) bebe na fonte da doutrina inglesa, embora com ênfase nos crimes cometidos
contra a livre concorrência, pelo que ensina:
A doutrina inglesa, holandesa e americana, tendo à frente, principalmente, John
Vervaele, de Utrecht, sustenta que, se a pessoa jurídica tem capacidade de ação
para contratar, tem também capacidade para descumprir, por exemplo,
criminosamente o contratado, logo tem capacidade de agir criminosamente.
Além do mais, principalmente no que se refere ao Direito Penal Econômico,
ilícitos existem em que a lei prevê, exclusivamente, a conduta da empresa. É o
que acontece, entre outros exemplos, com os crimes contra a livre concorrência.
Quem exerce a concorrência desleal é a empresa. A ação da pessoa natural que
atua por conta e no proveito dela é expressão do agir da empresa, pois quem
pratica a ação é a própria empresa.
Adequando a doutrina inglesa ao tema em estudo, quem agride o meio ambiente, na
maioria dos casos, é a pessoa jurídica, logo tem capacidade de agir criminosamente e por
tal ação deve responder.
d. Abordagem jurisprudencial
As decisões dos tribunais brasileiros acerca do tema enfocado demonstra com
clareza a dificuldade da afirmação das normas constitucional e legal pelo Poder Judiciário.
Segundo ensina AYALA (2008, p. 402), essa dificuldade se situa em dois
aspectos principais: a) reconhecimento da própria possibilidade de responsabilização da
pessoa jurídica; b) aplicação da pena à pessoa jurídica, uma vez reconhecida a eficácia da
norma constitucional.
Acerca do primeiro aspecto, verifica-se o desenvolvimento dos debates mais
relevantes e a exposição das oposições mais severas em relação à eficácia da norma
constitucional.
Registre-se que somente no início do século XXI, através de acórdão do Tribunal
de Justiça do Estado de Santa Catarina (2001), admitiu-se, no Brasil, a possibilidade de
responsabilização penal de pessoas jurídicas pela prática de delitos, independente de seus
dirigentes.
Seguindo na esteira dessa decisão, o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região
confirmou decisão da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, que recebeu denúncia contra a
Petróleo do Brasileiro S/A.
Segundo PEDRO (2006, p. 6), no dia 6 de junho de 2005, o Jornal Valor
Econômico noticiou que, pela primeira vez um tribunal superior autorizara processo penal
contra uma empresa, por cometimento de crime contra o meio ambiente.
De acordo com a reportagem, o processo envolve um posto de gasolina do
município de Videira (SC), que seria responsável pelo lançamento de óleo, graxa e outros
produtos químicos no leito de um rio. A inclusão da empresa na denúncia foi permitida
pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça, por força de recurso do Ministério Público do
Estado de Santa Catarina.
Em caso envolvendo a Petróleo Brasileiro S/A, o Tribunal Regional Federal da 4ª.
Região (Ayala, 2008, p. 403) admitiu expressamente a possibilidade de responsabilização
penal de pessoa jurídica, ao confirmar decisão de primeira instância, que recebera denúncia
formulada pelo Ministério Público Federal.
O Supremo Tribunal Federal, mediante decisão de sua Primeira Turma, filia-se à
quarta corrente doutrinária, já que em decisão da relatoria da Ministra Rosa Weber,
rechaçou a tese de condicionamento da ação penal ambiental à identificação e à persecução
concomitante da pessoa física, haja vista que tal condicionamento não encontra amparo no
§3° do Art. 225 da Constituição Federal. Essa decisão contou com a seguinte ementa :
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME
AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA.
CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À
PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO
ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, §
3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa
jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física
em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a
necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da
atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e
responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para
imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art.
225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física
implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do
constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais,
mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas
dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações,
além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos
setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito
tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se
esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas
atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no
interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante
para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde,
todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à
responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não
raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou
parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade
penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte
conhecida, provido. (RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira
Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG
29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).
Para A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a pessoa jurídica pode ser
sujeito ativo de crime ambiental, desde que seja denunciada juntamente com a pessoa física
responsável pela decisão de execução do crime. Assim, para tal responsabilização criminal,
exige o atendimento de dois pressupostos: seja a infração penal cometida pelo
representante da empresa e que a prática delituosa ocorra em benefício da pessoa jurídica.
A ementa abaixo é clara:
EMENTA
Logo se vê que, por essa decisão, o STJ se filia à terceira corrente doutrinária,
segundo a qual é possível a responsabilização das empresas através do sistema da dupla
imputação.
Conclusão
O direito ambiental rege-se por quatro princípios, segundo a doutrina capitaneada
por Canotilho: da precaução, da prevenção, da correção na fonte e do poluidor pagador.
Este último princípio – do poluidor pagador – rege-se pela responsabilidade
imputada ao poluidor pelo dano que causar ao meio ambiente. Assim, aquele que causar
dano ao meio ambiente deverá ser responsabilizado.
Com espeque nesse princípio, o §3° do Art. 225, da Constituição de 1988, inseriu
em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de ser a pessoa jurídica responsabilizada
penalmente pelo cometimento de infrações criminais ao meio ambiente.
Logo, o Direito Penal Ambiental foi introduzido no sistema jurídico brasileiro
para proteger o meio ambiente.
A lei dos crimes ambientais regulamentou o dispositivo constitucional,
consolidando essa responsabilidade penal, instituindo as penas a serem cumpridas pelas
pessoas jurídicas.
Em sede doutrinária, quatro correntes abordam o tema, segundo Carvet Lopes. A
primeira ensina que às pessoas jurídicas estão reservadas somente as sanções
administrativas. As sanções penais estariam reservadas somente às pessoas físicas; a
segunda considera que nossa teoria criminal impossibilita a responsabilização penal do
ente coletivo, pois este não possui vontade própria, nem consciência da ilicitude, ou seja,
não possui culpabilidade; a terceira afirma ser possível a responsabilização das empresas
através do sistema da dupla imputação; e a quarta diz que aplicação do sistema das
imputações paralelas não é requisito obrigatório para o ajuizamento da ação penal contra a
empresa, pois a Constituição Federal não impôs tal exigência.
A Constituição e a lei são uníssonas quanto a possibilidade da responsabilização
penal ambiental das pessoas jurídicas. O mesmo não se pode afirmar quanto à posição
doutrinária.
Raras são as decisões dos tribunais pátrios que reconhecem essa possibilidade de
imputação penal. A primeira decisão nesse sentido é do Tribunal de Justiça do Estado de
Santa Catarina, tomada no ano de 2001, o que é historicamente recente. Em 2005, o STJ se
posicionou, autorizando o processo penal contra empresa responsável por crime ambiental.
A Corte maior também caminha nesse sentido, conforme acórdão ainda mais recente.
Diante do exposto, é possível responder à problemática envolvida:
As pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas penalmente pela prática de crimes
ambientais, face o princípio societas delinquere non potestat?
Muito embora a doutrina se mantenha dividida, sim, as pessoas jurídicas, que causem
danos ao meio ambiente, podem ser responsabilizadas pela prática de crimes ambientais, em
face das disposições da Constituição Federal de 1988 (§3° do Art. 225), da Lei n° 9.605/98
(art. 3º), bem assim da jurisprudência dos tribunais superiores (STJ e STF) e da doutrina
pátria, flexibilizando-se o principio societas delinquere non potestat.
Referências