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APONTAMENTOS DO DIREITO DO AMBIENTE1

Msc. Edmo da Silva.

Este presente resumo é referente cadeira de Direito do Ambiente da turma do 2°ano


Pós-laboral 2022 do curso de Direito na Universidade Licungo

1. CARACTERÍSTICAS DE DO DIREITO DO AMBIENTE

Conforme vimos, o Direito do Ambiente possui características próprias, que o


distinguem dos demais ramos do direito. Passaremos a enunciar e a desenvolver as
características que a doutrina reconhece em termos quase consensuais,
designadamente: a globalidade ou universalidade; a autonomia; a
interdisciplinaridade; a horizontalidade ou transversalidade.

 Globalidade ou Universalidade
O direito do ambiente é um direito global ou universalista, isto é, que ultrapassa a visão
local ou regional. Grande parte dos problemas ambientais têm um impacto que
transborda o local da sua ocorrência não podendo jamais ser encarados numa mera óptica
casuística ou isolacionista.
Nenhum continente é capaz de resolver sozinho o problema da camada de ozono, das
alterações climáticas, ou do empobrecimento dos recursos. Quando se fala da
problemática do ambiente é necessário falar da questão do desenvolvimento,
principalmente num país como Moçambique, em que a situação da pobreza, que afecta
grande parte da população, assume contornos preocupantes.

O impacto de uma indústria poluente sobre um rio pode exercer os seus efeitos a
centenas de quilómetros de distância, numa outra região ou até num outro país. A
poluição gerada pelos países do chamado primeiro mundo é substancialmente
responsável por alguns dos desequilíbrios e desastres ecológicos de que temos ouvido
falar e que têm ocorrido em muitos cantos da Terra, alguns dos quais sem qualquer
atividade industrial digna de referência. A destruição das florestas tropicais contribui,
em ermos cientificamente provados, para o aquecimento global e, consequentemente,
para uma série de perturbações ambientais que se tem verificado um pouco por todos
os lados.

Nesse sentido, escreveu Alexandre Kiss: "nenhum continente do mundo é capaz de


resolver sozinho o problema da camada de ozono, da alteração do clima global ou do
empobrecimento dos nossos recursos genéticos. É doravante indispensável a
cooperação da Terra inteira. Ora, a Terra compreende também e sobretudo as

1
Elaborado por: Edmo da Silva, Msc. Em Direito, Pós Graduando em Direito de Responsabilidade Civil,
Docente da Cadeira de Direito do Ambiente.
populações que vivem nos países não industrializados, as quais são pobres e querem
desenvolver-se". Daí que, quando falamos na problemática do ambiente, seja
imperioso levantar a questão do desenvolvimento, principalmente num país como o
nosso, em que a situação da pobreza que afecta a maioria da população assume ainda
contornos bastante preocupantes.

 Autonomia
Assume-se, ainda, como um direito autónomo, ou seja, detentor de uma identidade
própria, comprovada pela existência de novos princípios e instrumentos jurídicos,
nascidos no contexto da problemática ambiental.

Contudo, conforme alguns autores reiteram, trata-se de uma autonomia relativa, no


sentido "de que este Direito implica necessariamente a revisão dos institutos, das
técnicas e dos instrumentos dogmáticos clássicos de outros ramos do Direito, aqui
basicamente orientados pelas ideias de protecção e de promoção de um ambiente de
vida humana sadio e ecologicamente equilibrado".

No nosso país, esta autonomia tem vindo a consolidar-se, principalmente no meio


académico. Veja-se que o Direito do Ambiente constitui atualmente disciplina
obrigatória no Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTM),
na Faculdade de Arquitetura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo
Mondlane e no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ).

 Interdisciplinaridade
Apela aos conhecimentos das restantes ciências sociais e naturais. Logo está ligado as
mais diversas áreas do saber. O jurista que enveredar por esta área tem de assumir
necessariamente uma postura aberta e interdisciplinar, sob pena de não conseguir
compreender o objecto do seu estudo.

 Horizontalidade ou transversalidade
Traduz-se na importância dos conceitos, meios, institutos e instrumentos dos
diferentes ramos clássicos do direito na ordenação jurídica do ambiente. Dai que ao
nível da doutrina se tenha identificado e desenvolvido sub-ramos nomeadamente:
direito constitucional do ambiente, direito administrativo do ambiente; direito civil do
ambiente; direito penal do ambiente; direito internacional do ambiente e direito fiscal
do ambiente. É um direito que apela ao conhecimento de quase todos os ramos
clássicos.
2. A AUTONOMIA DO DIREITO DO AMBIENTE DE OUTRAS
DISCIPLINAS JURÍDICAS AFINS.
A relação do Direito do Ambiente com o Direito Administrativo, o Direito Civil, o
Direito Penal, o Direito do Urbanismo e o Direito do Ordenamento do Território pode
muitas vezes sem confundida com uma dependência. Contudo não podemos esquecer
que o Direito do Ambiente encontra fundamentos para a sua autonomia científica e
legal. Esta área do Direito é vista como um ramo de Direito Público. Podemos ver o
Direito do Ambiente como uma área de intervenção interdisciplinar, onde o seu
campo de actuação é a defesa dos interesses difusos, ou seja, a preservação, a
manutenção do meio ambiente é uma matéria por si só abstracta, ela visa o interesse
difuso, isto é, o destinatário é indeterminado, não temos como identificar quem será
aquele que irá se beneficiar com uma política saudável de protecção ambiental,
vejamos o artigo 90º da CRM “Todo o cidadão tem o Direito de viver num ambiente
equilibrado e o dever de o defender”, este artigo quer referir que o ambiente é um bem
de interesse publico’’.

A ideia do direito do ambiente é que ele está intimamente ligado com o


desenvolvimento económico e com o desenvolvimento social e não apenas em matéria
de preservação ambiental propriamente dita. O direito do ambiente não foi criado
apenas para proteger, preservar o meio ambiental. Esta seria uma visão equivocada,
pois em momento algum quer frear o desenvolvimento socioeconómico. Pelo
contrário, se frear o desenvolvimento socioeconómico, com certeza, estará gerando
indirectamente uma maior agressão ao meio ambiente, pois actividades irregulares
começarão a aparecer.

Ora por se tratar então de uma área interdisciplinar e por ser um ramo do direito que
tem uma multiplicidade de fontes jurídicas, uma diversidade de perspectivas e
métodos científicos vezes que se se confunde a sua autonomia.

O direito do ambiente é de facto um ramo do direito autónomo, tem legislação própria,


tem consagração constitucional própria e consagração internacional própria. Embora
se possa integrar no âmbito do Direito Publico não pode e não deve ser confundido
com áreas como o Direito Administrativo, o Direito Constitucional ou até mesmo o
Direito Penal. A confluência de todos estes domínios científicos faz do Direito do
Ambiente uma realidade multidisciplinar, que convida o jurista a abarcar todas as
multidimensionalidades dos problemas ambientais.

3. Direito do Ambiente em Moçambique


3.1. A Constituição Ambiental
O primeiro texto constitucional que Moçambique conheceu após a Independência, a
Constituição da República Popular de Moçambique, de 1975, não fazia qualquer
alusão directa ao ambiente.

Em 1990, entrou em vigor um novo texto constitucional, a Constituição da República


de Moçambique, que significou um marco muito importante na construção da ordem
jurídico-ambiental moçambicana, ao ponto de se poder falar numa autêntica
"Constituicão Ambiental’’, que assenta fundamentalmente em dois dispositivos: os
artigos 72.° e 37.°

Segundo o artigo 72.º, da CRM, "todo o cidadão tem o direito de viver num meio
ambiente equilibrado e o dever de o defender*. Urge salientar que este direito foi
incluído no capítulo I, do título II, respeitante aos direitos, deveres e liberdades
fundamentais.

Por seu turno, nos termos do artigo 37.º, da CRM, ‘’o Estado promove iniciativas para
garantir o equilíbrio ecológico e a conservação e preservação do meio ambiente
visando a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos". Sendo assim, compete ao
Estado tomar as iniciativas necessárias à efectiva tutela do meio ambiente, quer em
termos positivos, garantindo o exercício do direito fundamental ao ambiente por parte
de todos os cidadãos, como em termos negativos, abstendo-se de praticar acções ou
omissões que ponham em causa o equilíbrio ambiental, constituindo a sua protecção
uma garantia da norma jurídico-constitucional.

'Podemos, assim, afirmar que o nosso Legislador constitucional optou por um modelo
híbrido de tratamento da questão ambiental, reconhecendo o direito ao ambiente
como direito fundamental dos cidadãos, por um lado, e a protecção do ambiente como
fim do Estado, por outro lado.

É facto indiscutível a elevação, e correspondente autonomização, do ambiente à


categoria de bem jurídico fundamental, ao lado da vida, da saúde ou da propriedade.
É ainda inquestionável que tal se deveu, antes de mais, à dimensão colectiva ou
pública deste bem. Note-se que, "com a noção de bem jurídico pretende aludir-se a
valores ou interesses que se apresentam em estrita conexão com os interesses gerais
da sociedade, tomados enquanto tais e não enquanto valores de cunho estritamente
individual; o bem jurídico, ainda que possua (como é o caso) dimensões individuais,
deve ser visto como bem jurídico da colectividade".

Contudo, "importa em todo o caso ainda demonstrar que essa sua natureza não
prejudica (mas, pelo contrário, reforça) a circunstância de o ambiente dever ser
também assumido como direito subjectivo de todo e qualquer cidadão
individualmente considerado. Isto será claro se compreendermos que o ambiente,
apesar de ser um bem social unitário, é dotado de uma indiscutível dimensão pessoal.

As atribuições do Estado em matéria ambiental são acrescidas pelo facto de caber a


este a propriedade dos recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas
interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona económica exclusiva,
conforme dispõe o artigo 35.°, da CRM.

Ainda nos termos do artigo acima referido, a zona marítima, o espaço aéreo, o
património arqueológico, as zonas de protecção da natureza, o potencial hidráulico e
o potencial energético, constituem domínio público do Estado, assim como os demais
bens classificados como tal pela lei.

Nestes termos, compete ao Estado a realização da inventariação destes recursos


naturais e determinar as condições do seu uso e aproveitamento, salvaguardando-os
interesses nacionais de acordo com o instituído pelo já referido artigo 36.°, da CRM.
Porém, a protecção e conservação do ambiente não é só função do Estado, uma vez
que, a sociedade no seu todo, e o cidadão em particular, têm uma missão fundamental
para que o direito ao ambiente se traduza num direito objectivo, real e efectivo.

É assim que a Constituição, ao estabelecer os direitos fundamentais, determina


igualmente os correspondentes deveres. Ao direito de viver num ambiente
equilibrado corresponde o dever de o defender. Por outro lado, para se defender o
ambiente, tem-se de trabalhar pelo próprio ambiente. Por isso é que, ao se garantir o
direito ao trabalho, estabelece-se igualmente o dever de trabalhar''.

Pelo que, somente com a harmonização entre o trabalho e o ambiente, se poderá


garantir o desenvolvimento económico-social, a criação de um bem-estar material e
espiritual, o que constitui um dos fundamentos constitucionais da República de
Moçambique, fazendo-se jus ao então denominado Estado de Justiça Social'.

Por isso, se o Homem é, por natureza, um ser eminentemente social, deverá saber
encontrar as forças mais adequadas para, em conjunto com os seus semelhantes,
enfrentar os desafios suscitados pelas mais diversas questões ambientais. Por outro
lado, para agir em colectivo, são necessárias normas que, não só reconheçam esse
direito, como permitam a actuação dos órgãos criados ou que vierem a ser criados
para esse fim.

O direito de associação está consagrado no artigo 76.°, da CRM, e já se encontra


regulamentado desde 1991', pelo que, as associações, como pessoas colectivas dotadas
de personalidade jurídica própria, podem prosseguir os seus fins, criar instituições e
usufruir de património próprio.

A garantia destes direitos pressupõe necessariamente a sua defesa para o caso de se


verificarem irregularidades por parte da Administração Pública, incumprimento do
próprio Estado ou violações cometidas por terceiros, em relação ao seu normal
exercício.

Deste modo, o cidadão moçambicano goza, nos termos da CRM, dos direitos de
direitos de petição, queixa e reclamação, do direito de impugnação", e do direito à
acção judicial", quer para defesa dos direitos, quer para defesa do interesse geral, de
que o ambiente é parte integrante.

A consagração do direito ao ambiente como direito fundamental dos cidadãos


converte-o num direito de aplicação directa, de sentido perceptivo e não apenas
gramático, isto é, vale por si mesmo, sem dependência da lei, pelo que, estão
vinculadas todas as entidades públicas e privadas.

O direito ao ambiente, como direito fundamental, é estruturalmente um direito


ecológico, porque são-lhe intrínsecas dimensões económicas, sociais e culturais. Além
do mais, constitui uma condicionante de todos os demais ritos fundamentais, tendo
ganho foros de cidadania universal na chamada ecológica em que vivemos, que teve
o seu ponto de partida na Declaração Estocolmo.
Na senda de Carlos Serra Jr., podemos considerar como Constituição Ambiental de
2004 os seguintes artigos, artigo 11º; artigo 35º; artigo 45º; artigo 52º; artigo 62º; artigo
69º; artigo 70º; artigo 79º; artigo 81º; artigo 88º; artigo 89º; artigo 90º; artigo 98º; artigo
102º; artigo 117º; artigo 253º; Para além do reforço das “normas ambientais” o
legislador veio atribuir este âmbito de protecção ao Ministério Público, uma vez que
este tem um papel importante na defesa dos direitos e interesses difusos ou colectivos
(artigos 234º a 240º), bem como ao Provedor de Justiça, artigo 256º e 259º na senda da
protecção dos direitos fundamentais.

4. PRINCÍPIOS DO DIREITO DO AMBIENTE.


4.1 Noção de princípio de Direito
Os princípios enquanto directrizes úteis para determinar a solução a adoptar para um
caso concreto, servindo de suporte às actividades de interpretação e de aplicação das
normas jurídicas. A distinção entre princípios, políticas e normas.

Ora, o artigo 4.º da Lei do Ambiente estabelece um leque de princípios fundamentais


do Direito do Ambiente que serão analisados em seguida.

Contudo, os princípios ambientais não se esgotam no enunciado do diploma referido,


pois, da leitura de outros instrumentos legais, quer nacionais quer internacionais (em
relação aos quais Moçambique aderiu), é possível identificar outros princípios não
menos importantes e dignos de referência.

a) Princípio da utilização e gestão racionais dos componentes ambientais.

Esta consagrado no artigo 4º da Lei do Ambiente e significa que a utilização e gestão


racionais dos recursos naturais constituem condição necessária para a melhoria da
qualidade de vida dos cidadãos. Assim deve entender-se que o desenvolvimento
económico deve basear-se na gestão ambiental, de modo a satisfazer as necessidades
da geração presente, sem comprometer o equilíbrio do ambiente e a possibilidade de
as gerações futuras também poderem satisfazer as suas necessidades – artigo 10º nº 1
da Lei do Ambiente.

Em Moçambique este princípio decorre da Política Nacional do Ambiente, segundo a


qual a utilização dos recursos naturais deve ser optimizada. Onde o sector privado
deve reduzir ao máximo a poluição causada pelo desenvolvimento das suas
actividades e compensar a degradação ambiental.

b) O princípio do reconhecimento e valorização das tradições e do saber das


comunidades locais.

A inclusão deste princípio na Lei do Ambiente deriva, desde logo, do princípio XII da
Declaração do Rio, segundo o qual "As populações indígenas e suas comunidades e
outras comunidades locais desempenham um papel vital na estão e desenvolvimento
do ambiente devido aos conhecimentos e práticas adicionais. Os Estados deverão
apoiar e reconhecer devidamente a sua entidade, cultura e interesses e tornar possível
a sua participação efectiva na concretização de um desenvolvimento sustentável".

A PNA veio a consagrá-lo no elenco de princípios fundamentais. Frisando, logo a


seguir, que "a sustentabilidade da gestão dos' recursos naturais e do ambiente só
poderá ser eficaz através de uma directa e activa participação das comunidades,
valorizando e utilizando as suas tradições e experiências".

O conhecimento e saber das comunidades locais é condição primeira para uma


convivência harmoniosa com o ambiente. Sendo que esta convivência passa
necessariamente pela utilização responsável dos recursos naturais, isto é, pela sua
conservação'.

Importa termos presente o conceito de comunidade local, de cariz eminentemente


sociológico, expresso na Lei da Terra (LT):

"Agrupamento de famílias e indivíduos, vivendo numa circunscrição territorial de nível de


localidade ou inferior, que visa a salvaguarda de interesses comuns através da protecção de
áreas habitacionais, áreas agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de
importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de expansão".

Note-se que o seu papel tem vindo a ser gradualmente reconhecido e valorizado pelo
Legislador nacional nos últimos anos. Ao nível jurídico, por exemplo, as comunidades
locais são, agora, autênticos sujeitos de direitos e deveres, o que pressupõe um desvio
substancial do conceito tradicional de personalidade jurídica previsto na lei civil.
c) Princípio da precaução.

Este princípio encontra-se no artigo 4º c) da Lei do ambiente, ao estabelecer que a


precaução se dá com base na gestão do ambiente devendo ser priorizado o
estabelecimento de sistemas de prevenção de modo a evitar a ocorrência de impactos
ambientais negativos.

Tem um carácter geral e deve ser aplicado independentemente da existência concreta


de um problema ambiental actual e específico. O ambiente deve ter a seu favor a
dúvida quando haja incerteza. Surge como uma espécie de in dúbio pro ambiente, ou
seja na dúvida sobre a periculosidade de uma certa actividade decide-se a favor do
meio ambiente e contra o potencial poluidor.

O princípio da precaução é originário do direito alemão, onde surgiu nos primórdios


da década de 70, num contexto de ampla consciencialização do agravamento do
problema da poluição (principalmente, a atmosférica), o que conduziu à necessidade
de reforçar, em termos qualitativos, o próprio entendimento que se fazia da prevenção
deste tipo de danos.

Mais tarde recebeu afirmação internacional, mais concretamente na Segunda


Conferência Ministerial do Mar do Norte, em 1987, sobre poluição marítima.

Em 1990, foi adoptado pela Declaração da Conferência de Bergen sobre


Desenvolvimento Sustentado. Em 1992, foi incluído expressamente na Declaração do
Rio. Foi ainda consagrado na Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas. O seu aparecimento e afirmação decorrem, desde logo, da
consciencialização da insegurança crescente, que retrata a presente era, em relação ao
impacto das diversas actividades humanas. Ou seja, "o mito da segurança existencial,
assente no progresso e na tecnologia, deu lugar ao medo do risco. A complexidade
técnica deixou de ser uma promessa de tranquilidade e é, hoje, um factor de
desassossego. O risco, que era uma ideia quase sem expressão - tão natural e inerente
que era o progresso e tão insignificante, quando comparado com os custos do não
progresso (a doença, o subdesenvolvimento, o desemprego, a rudeza das condições
de vida pré-industriais, etc.)
O conhecimento científico é susceptível de uma aplicação paradoxal: pode ser
canalizado não somente para as melhores realizações (a descoberta de um
medicamento ou vacina susceptível de curar uma doença fatal) como para os piores
feitos (a invenção da bomba atómica e das armas químicas e bacteriológicas).

Assim sendo, a precaução actua num momento anterior à própria prevenção, isto é,"a
precaução exige uma actuação mesmo antes de se impor qualquer acção preventiva,
uma vez que as medidas destinadas a precaver danos ambientais devem ser tomadas
antes de ser estabelecida qualquer relação causal por intermédio de provas científicas
absolutamente claras".

Contudo, devemos ter presente a necessidade de não se buscar uma interpretação


literal do princípio da precaução, ou seja, que ocasione simplesmente a paralisação de
qualquer iniciativa económica perante a existência de um risco de impacto ambiental,
por mais residual que seja. Trata-se de uma posição extrema, defensora do risco zero
e que, na prática, constitui um obstáculo para qualquer aspiração de desenvolvimento.

A decisão de não levar avante determinado empreendimento económico não se funda


na mera suspeita de qualquer risco, muitas vezes não fundamentado em termos
científicos. Pelo contrário, deve basear-se somente nos riscos que suscitem dúvidas
legítimas e fundadas quanto à possibilidade de ocorrência de danos sérios e
irreversíveis no meio ambiente.

Por fim, sublinhamos Ana Martins ao afirmar que "o princípio da precaução
consubstancia (...) a manifestação jurídica desta nova apreensão do mundo, da
demanda social de segurança, de uma atitude de profunda humildade quanto aos
potenciais e limites da ciência e das novas reflexões filosóficas sobre o homem e a
natureza e a responsabilidade pelas gerações vindouras e à vida na terra.

d) Princípio da visão global e integrada do ambiente

Decorre da alteração substancial que ocorreu no direito internacional do ambiente no


seu objecto, este é a própria biosfera globalmente considerada e analisada, não são os
elementos naturais. Hoje defende-se a melhoria substancial do próprio planeta, no
sentido de um ambiente como um todo, constituído pelos seus diversos componentes
naturais, pelo conjunto das relações de interdependência mútua. Está consagrado no
artigo 1 nº 2 a) a c) da lei do ambiente.

e) Principio da ampla participação dos cidadãos

Previsto no PNA ponto 2.2, onde se prevê a participação publica na tomada de


decisões com impactos ambientais. Bem como na lei do ambiente, artigo 8º. Este
corresponde ao entendimento segundo o qual a participação dos cidadãos é a
condição para o sucesso das políticas de protecção e conservação ambientais. Podemos
encontrar na legislação moçambicana algumas consagrações, nomeadamente na AIA,
complementada pelo Diploma ministerial nº 130/2006 de 19 de Julho e na LFFB, artigo
31º nº 1.

f) Princípio da igualdade

Artigo 4º f) da Lei do Ambiente, na PNA ponto 2.3.10, artigo 66º da CRM. Em matéria
ambiental não há cidadãos de primeira ou de segunda, todos têm igualmente o direito
fundamental ao ambiente e o correspectivo dever de o defender.

Segundo a Lei do Ambiente, este princípio parece assumir relevância unicamente


segundo uma perspectiva de género ("oportunidades iguais de acesso: uso de recursos
naturais a homens e a mulheres", cuja importância não questionamos. Tal percepção
surge na sequência da Declaração do Rio, ao ter proclamado que "as mulheres
desempenham um papel vital na gestão e desenvolvimento do ambiente. A sua
participação plena é, portanto, essencial vara alcançar um desenvolvimento
sustentável". Este entendimento veio a ser recebido na Política Nacional do Ambiente,
que se refere expressamente ao rapel da mulher na gestão ambiental.

Assim, a oportunidade de se ter acesso a um ambiente salubre e equilibrado deve


ser acessível não somente aos cidadãos que pertencem às classes sociais média e
elevada, normalmente residentes em alguns bairros de "elite" dotados de todos os
equipamentos colectivos essenciais para que haja qualidade de vida, como também às
populações mais desfavorecidas, que residem nos bairros mais pobres e degradados
das urbes ou nos seus subúrbios, nos quais reina a desordem e a carência das
condições mais elementares de vida.
A questão da igualdade no acesso ao exercício do direito ao ambiente deve também
prevalecer no momento da tomada das grandes decisões nos processos de
investimento. Pois, veja-se, pode imperar a tendência de impor às comunidades locais
ou residentes dos bairros pobres das vilas e cidades do país a proximidade de um
empreendimento altamente poluidor, a troco de promessas ou compensações
insignificantes, e, ainda, dando azo ao não cumprimento do dever de prestar
devidamente informações a todos os interessados quanto ao impacto ambiental da
actividade proposta.

Este princípio pode também determinar que a população de um bairro ou localidade


que viva numa situação marginal quanto ao acesso às condições ambientais mínimas
possa accionar os mecanismos necessários para repor a igualdade ausente, quer sejam
de natureza procedimental, quer sejam de natureza contenciosa.

g) Princípio da responsabilização

Este princípio também se encontra consagrado no artigo 4º g) da Lei do Ambiente, no


artigo 3º d) da Lei de Florestas e Fauna Bravia (LFFB) e no ponto 2.2 da Política
Nacional do Ambiente (PNA), e resulta da necessidade de responsabilização geral dos
causadores de danos ao ambiente ou às pessoas e bens, sancionando as violações à
legislação ambiental quer civil, quer penal, quer administrativamente. Têm grande
importância no que respeita à justiça social, tendo presente a necessidade de imputar
aos responsáveis os danos que tenham causado. Bem como uma vertente preventiva
na medida em que os agentes económicos farão um esforço no investimento de
tecnologias menos poluentes, a fim de não serem responsabilizados.

Assim ao abrigo deste princípio o sector privado tem a responsabilidade de reparar


os danos decorrentes da sua actividade, compensar a degradação e prejuízos
causados, bem como reconstituir a situação existente antes da verificação do evento
danoso por si causado ao meio ambiente.

h) Princípio da cooperação internacional


Procura-se obter soluções harmoniosas dos problemas ambientais numa dimensão
global, onde se parte do pressuposto que os problemas ambientais não dizem respeito
ao Estado x ou y, mas sim a todos.

Possui algumas dimensões, nomeadamente, apoio financeiro e científico-tecnológico;


intercâmbio ou colaboração na prestação de informações, criação de projectos
transfronteiriços de protecção e conservação da natureza.

*A luz de outros instrumentos normativos.


i) Princípio da prevenção
Este princípio está previsto no artigo 3º c) da LFFB, na Lei das águas, na lei da energia
eléctrica, na lei dos petróleos, e no artigo 15º da Lei do Ambiente através da
consagração da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). E visa evitar que certos
comportamentos humanos potencialmente danosos possam lesar gravemente o meio
ambiente, de tal modo que seja impossível a sua reconstituição in natura (ex. extinção
de uma espécie animal), ou que a reconstituição seja muito onerosa.

A aplicação deste princípio implica a adopção de medidas antes da ocorrência de um


dano concreto a fim de se evitar a sua verificação, ou minimizar os seus efeitos. São
vários os instrumentos que podem ser utilizados para este fim, nomeadamente, a AIA,
a criação de áreas de conservação, bem como instrumentos de carácter fiscal e
financeiro.

j) Principio do poluidor pagador

Este princípio está consagrado na PNA no ponto 2.2 e significa que o poluidor tem de
suportar os custos do desenvolvimento das medidas de controlo da poluição,
decididas pelas autoridades públicas a fim de garantir que o ambiente esteja num
estado aceitável.

Este princípio tem como objectivo o equilíbrio entre o desenvolvimento económico e


a protecção sócio ambiental, responsabilizando os causadores dos danos. Assim o
Estado deve impor ao poluidor que este suporte os custos sociais da poluição, as
despesas públicas ou privadas necessárias ao controlo da poluição de forma a
estimular o aumento da eficiência económica, a redução da despesa pública e a
melhoria da qualidade do ambiente. Desta forma não se deixarão alternativas ao
poluidor a não ser deixar de poluir, ou poluir menos.

Este pode ser um meio de arrecadar fundos para o Estado combater a poluição.

Não podemos pensar este princípio como de carácter sancionatório, pois visa
essencialmente acautelar necessidades de prevenção e precaução.
k) Princípio da correcção na fonte
Este princípio é também conhecido como princípio do produtor-eliminador, princípio
da auto-suficiência ou princípio da proximidade. Constitui um corolário do princípio
do poluidor pagador.

Tem o seu campo especial de acção no domínio da investigação científica. a pesquisar,


em termos científicos, as causas dos diversos danos no ambiente com especial ênfase
para os problemas da poluição, de modo a eliminá-los, de raíz, e a promover esforços
para evitar que os mesmos se repitam.

"Corrigir na fonte os danos causados ao ambiente decorre da ideia de prevenção dos


danos actuando na origem, tanto num sentido espacial como temporal, e deve
redundar na imposição ao poluidor - fonte da poluição - dos custos de correcção pela
utilização de tecnologias menos poluentes, de produtos menos perigosos, e em geral,
de comportamentos mais favoráveis ao ambiente, em vez de simples medidas
consistindo num "tratamento de fim de linha" (nomeadamente aplicação de filtros aos
efluentes, incineração de resíduos, etc.)".

Note-se, portanto, a importância que assume a prevenção no âmbito da materialização


deste princípio.

NB: O resumo acima, não dispensa a leitura das referências bibliográficas e das
legislações acima mencionadas neste texto.

O docente

Edmo A. da Silva

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