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ORIGEM E DESENVOLVIMENTO
Luiz Antônio Cunha
Introdução 2
A unificação hegemonizada 40
A auto-privatização do SENAI 58
Bibliografia 65
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INTRODUÇÃO
O ensino industrial-manufatureiro é um tema que tem sido quase ignorado nos estudos
sobre a gênese e as transformações da educação brasileira. Quando comparado com
outros temas, como o ensino superior, o ensino secundário e até a educação física, o
ensino industrial-manufatureiro aparece em nossa bibliografia como definida mais pela
omissão do que pelo conhecimento produzido a seu respeito.
Esse “espaço vazio” se explica, pelo menos em parte, pelo fato de que os historiadores da
educação brasileira se preocupam, principalmente, com o ensino que se destina às elites
políticas e ao trabalho intelectual, deixando o trabalho manual em segundo plano.
Quando a preocupação é com a “educação popular”, são focalizados programas e
atividades extra-escolares, notadamente os de iniciativa de organizações não
propriamente educativas. Nessas condições, o trabalho manual acaba sendo percebido,
em termos educacionais, em função da carência de educação geral, seja da mera
alfabetização, seja da escolarização obrigatória, mas incompleta.
Neste texto pretendo inverter tal pontos de vista, para tratar, afirmativamente, do ensino
industrial-manufatureiro, enquanto destinado ao trabalho manual. Em conseqüência,
ficarão de fora (ou serão mencionados de passagem) os segmentos também destinados à
educação profissional como os cursos superiores e as instituições dotadas de uma certa
ambigüidade, como as escolas técnicas de nível médio.1
1- Embora seu currículo, seus destinatários e os postos para os quais formam sejam nitidamente de trabalho
intelectual, tanto o pensamento ingênuo quanto o sofisticado situam as escolas técnicas no âmbito do
trabalho manual.
2
Antes de entrar diretamente no tema deste texto, vale a pena uma ou duas palavras sobre
alguns dos termos empregados acima.
A educação manufatureira, por sua vez, ocupa uma posição intermediária entre as duas
outras. É o caso de processos educacionais orientados tanto para o trabalho artesanal
quanto para a produção industrial, ainda que incipiente. Um bom exemplo são as escolas
de aprendizes artífices, pelo menos nos primeiros anos, que ministravam um ensino
orientado tanto para atividades artesanais (como a sapataria) e industriais (a tornearia
mecânica). A serralheria era um ofício, ensino nessas escolas, que poderia servir tanto
para o artesanato quanto para a indústria.
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coisa sua. Por isso, dentre outras razões, as corporações de ofícios (irmandades) não
tiveram, no Brasil Colônia, o desenvolvimento de outros países.
Com efeito, numa sociedade onde o trabalho manual era destinado aos escravos (índios e
africanos), essa característica "contaminava" todas as atividades que lhes eram
destinadas, as que exigiam esforço físico ou a utilização das mãos. Homens livres se
afastavam do trabalho manual para não deixar dúvidas quanto a sua própria condição,
esforçando-se para eliminar as ambigüidades de classificação social. Aí está a base do
preconceito contra o trabalho manual, inclusive e principalmente daqueles que estavam
socialmente mais próximos dos escravos: mestiços e brancos pobres.
Vejamos, a propósito, uma passagem de carta escrita por um observador da vida colonial,
argumentando contra os malefícios da escravidão:
"Por outro princípio são prejudiciais os negros no Estado do Brasil, e é que como
todas as obras servis e artes mecânicas são manuseadas por eles, poucos são os
mulatos e raros os brancos que nelas se querem empregar, sem excetuar aqueles
mesmos indigentes, que em Portugal nunca passaram de criados de servir, de
moços de tábua, e cavadores de enxada. Observa-se que o que aqui vem servindo
algum ministro é só bom criado enquanto não reflete que ele em casa de seu amo se
emprega naquele serviço que nas outras só são da repartição dos negros e povos
mulatos, motivo por que começa a perseguir logo o amo para que o acomode em
algum emprego público que não seja da repartição dos negros e tão publicamente
os empregam alguns amos, que se vêem perseguidos e mal servidos que os põem no
meio da rua; se porém os amos se demoram em dar este despacho, os criados se
antecipam, tendo por melhor sorte o ser vadio, o andar morrendo de fome, o vir
parar em soldado e às vezes em ladrão, do que servir um amo honrado que lhes
paga bem, que os sustenta, os estima, e isto por não fazerem o que os negros fazem
em suas casas." (Vilhena, 1921, p. 139-140)
Essa atitude parece ter sido comum tanto à colonização portuguesa quanto à espanhola na
América. É o que sugere uma das Cartas Persas, de Montesquieu, numa passagem onde o
filósofo francês satiriza o orgulho da pele branca que os homens livres, mas “invencíveis
inimigos do trabalho”, tinham de sua própria ociosidade:
"Um homem dessa importância, uma criatura assim perfeita, não trabalharia nem
por todos os tesouros do mundo, e jamais se arriscaria, por uma vil e mecânica
indústria,2 a comprometer a honra e dignidade de sua pele. Pois deve-se saber que,
quando alguém tem algum mérito na Espanha - como, por exemplo, quando pode
acrescentar às qualidades de que já falei a de ser dono de uma espada longa, ou a de
ter aprendido com o pai a arranhar um violão desafinado - pára de trabalhar: sua
honra exige o repouso de seus membros. Quem fica sentado dez horas por dia
alcança assim metade a mais de consideração do que alguém que passa apenas
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- Atenção para o significado do termo indústria que, no século XVIII, correspondia a aptidão, arte,
engenho, inteligência, diligência.
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cinco horas sentado, porque é nas cadeiras que se adquire nobreza." (Montesquieu,
1991, p. 135-136)
Os dois textos transcritos acima sugerem que a rejeição era menos diante do trabalho
manual do que à condição social daqueles que o exerciam - os escravos e seus
descendentes -, que não tinham o mesmo sinal étnico da liberdade e da dignidade - a cor
da pele.
"Todo irmão em que se notar raça de mulato, mouro ou judeu, será expulso da
Irmandade sem remissão alguma. O mesmo se estenderá de suas mulheres tendo
qualquer das sobreditas faltas."
Disputa análoga ocorreu na área da saúde, embora esse termo seja anacrônico quando
empregado para designar uma atividade profissional no período colonial. Até a
transferência da sede do reino português para o Brasil (1808), não havia ensino de
medicina e de cirurgia na Colônia. Todos os físicos eram formados na Europa - em
Coimbra e em Montpellier (França).
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Nessa época, o cuidado com a saúde era atribuição de curandeiros. A pequena quantidade
de médicos e cirurgiões se somava à sua subordinação social aos senhores da terra. Em
1794, no Rio de Janeiro, então sede do vice-reinado, havia apenas 9 físicos e 29
cirurgiões-barbeiros. Estes se submetiam a provas de habilitação nas práticas de sangria,
sarjação, aplicação de ventosas e extração de dentes, e eram os maiores concorrentes dos
físicos. Em termos da prestação de serviços, essa concorrência era especialmente danosa
para os físicos, pois aqueles freqüentemente não tinham escolaridade alguma, eram de
origem social baixa, havia até mesmo escravos e pretos forros entre eles. Competindo
com os médicos (formados em faculdades), diminuíam o prestígio destes, conspiravam
contra sua pretensão de remuneração "compatível" com sua formação e dificultavam o
reconhecimento social do saber obtido na Europa, justamente numa época em que os
conhecimentos científicos passavam a ser amplamente empregados pela medicina
(microscópios, vacinas...). Não bastasse essa concorrência direta dos cirurgiões-
barbeiros, a arte da cura era também praticada por outros profissionais, como os
boticários, os "anatômicos", os "entendidos", os "curiosos", sem falar nos já mencionados
curandeiros. A partir da criação de cadeiras para o ensino de medicina e de cirurgia no
Rio de Janeiro e na Bahia (origem das faculdades), os profissionais de nível superior
desenvolveram uma longa e difícil luta pelo controle do “mercado” da arte da cura, o que
conseguiram pela atuação do Estado na regulamentação da profissão e pela proibição do
charlatanismo, definido como crime pelo código penal.
Essa disputa mostra que uma atividade que exige o uso habilidoso das mãos - a cirurgia -
pode ter baixo ou alto prestígio, conforme seja desenvolvida por uma ou por outra
categoria social. No Brasil, ela passou a ter prestígio tão mais alto quanto mais exclusiva
foi a categoria social que a praticava. É interessante notar que, atualmente, a consciência
social não considera a cirurgia como "trabalho manual", mesmo que seu praticante tenha
nas mãos seu principal instrumento.
Tanto no caso dos carpinteiros como no dos físicos, a defesa do branqueamento contra o
denegrimento da atividade era, então, o complemento dialético do desprezo pelo trabalho
exercido pelos escravos (pelos negros). Uma e outra expressavam, ideologicamente, não
a discriminação do trabalho manual das demais atividades sociais, simplesmente, mas,
sim, a daqueles que o executavam.
É por isso que considero mais correto dizer que foi a rejeição do trabalho vil (isto é: reles,
ordinário, miserável, insignificante, desprezível, infame) que levou ao preconceito contra
o trabalho manual. Se um dado trabalho manual não fosse socialmente definido como vil,
ele não seria objeto de rejeição, como acontece, atualmente, com o trabalho do cirurgião.
Assim, não é de se estranhar que certas ocupações não atraíssem muitas pessoas para
desempenhá-las. O resultado foi o trabalho e a aprendizagem compulsório(a): ensinar
ofícios a crianças e jovens que não tivessem escolha.
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disponíveis, o Estado coagia homens livres a se transformarem em artífices. Não fazia
isso, decerto, com quaisquer homens livres, mas com aqueles que social e politicamente
não estavam em condições de opor resistência: como na formação das guarnições
militares e navais, prendiam-se os miseráveis. Procedimentos semelhantes eram adotados
para com os menores destinados à aprendizagem de ofícios: os órfãos, os abandonados,
os desvalidos, que eram encaminhados pelos juizes e pelas Santas Casas de Misericórdia
aos arsenais militares e de marinha, onde eram internados e postos a trabalhar como
artífices, até que, depois de um certo número de anos, escolhessem livremente onde,
como e para quem trabalhar.
Uma instituição exemplar foi o Colégio das Fábricas, instituição criada em 1809 no Rio
de Janeiro para abrigar os órfãos da Casa Pia de Lisboa, trazidos na frota que transportou
a família real e sua comitiva para o Brasil. Eles aprendiam diversos ofícios com artífices
que vieram na mesma frota.
Mas, a formação do segmento educacional voltado para o ensino de ofícios esteve sempre
apartado do segmento voltado para a educação geral. Essa separação original fica bem
ilustrada com a criação da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios.
Logo após desembarcar, Lebreton escreveu uma carta ao Ministro do Reino propondo a
criação de uma escola que tivesse um setor para o ensino das Belas Artes e outro para as
artes mecânicas, articulados ambos pelo aprendizado do desenho. Seriam utilizados no
ensino os artistas franceses que vieram na missão, com a ajuda de pelo menos um artista
português, e os oficiais mecânicos que os acompanharam. Lebreton propunha, também, a
vinda da Europa de 100 operários dos mais diferentes ofícios. Após o aprendizado de
3- O tema deste texto leva a deixar de lado as iniciativas joaninas na área agrícola. Pautada pela concepção
mercantilista, que enfatizava a agricultura e o comércio "internacional" como fonte da riqueza das nações,
o governo do príncipe João criou o Jardim Botânico do Rio de Janeiro - uma verdadeira estação agrícola
experimental - e seu congênere da Bahia, assim como escolas de agricultura em diversas províncias.
Embora minoritária, a iniciativa de educação manufatureira do Colégio das Fábricas prenunciava a
orientação que viria a se mostrar predominante, pelo menos na esfera ideológica, a partir das primeiras
décadas do século XX: o industrialismo voltado para o mercado interno.
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disciplinas como desenho de figura e de ornatos, aritmética e geometria prática, os alunos
seriam encaminhados para ateliês práticos, montados pelos operários franceses, onde
seguiriam o processo de aprendizagem pelos padrões tradicionais: auxiliando o artífice
em tarefas cada vez mais complexas, até que fosse considerado tão capaz quanto o
mestre, mediante processos mais ou menos formalizados.
Dois meses depois de feita a sugestão, uma carta régia mandava criar a Escola Real das
Ciências, Artes e Ofícios, com a dupla finalidade proposta por seu idealizador. No
entanto, a instituição não chegou a funcionar. Em 1820, ela foi substituída pela Academia
de Artes (logo depois qualificada de Belas, em oposição às artes mecânicas que ficaram
relegadas às instituições assistenciais, a exemplo do Colégio das Fábricas).
Entre 1840 e 1856, foram criadas as Casas de Educandos Artífices por 10 governos
provinciais, que adotaram o modelo de aprendizagem de ofícios vigente no âmbito
militar, inclusive os padrões de hierarquia e disciplina. Algumas décadas mais tarde
(1875), o mais importante estabelecimento desse tipo, o Asilo dos Meninos Desvalidos,
foi criado no Rio de Janeiro. Os “meninos desvalidos” eram os que, de idade entre 6 e 12
anos, fossem encontrados em tal estado de pobreza que, além da falta de roupa adequada
para freqüentar escolas comuns, viviam na mendicância. Eles eram encaminhados pela
autoridade policial a esse asilo, onde recebiam instrução primária, seguida de disciplinas
especiais (álgebra elementar, geometria plana e mecânica aplicada às artes; escultura e
desenho; música vocal e instrumental) e aprendiam um dos seguintes ofícios: tipografia,
encadernação, alfaiataria, carpintaria, marcenaria, tornearia, entalhe, funilaria, ferraria,
serralheria, courearia ou sapataria. Concluída a aprendizagem, o artífice permanecia mais
três anos no asilo, trabalhando nas oficinas, com o duplo fim de pagar sua aprendizagem
e formar um pecúlio que lhe era entregue ao fim do triênio.
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conseguiram organizar um quadro de sócios beneméritos que as dirigiam e mantinham
com seus próprios recursos ou com subsídios governamentais que atraíam.
As mais importantes sociedades desse tipo foram as que criaram e mantiveram liceus de
artes e ofícios. O primeiro desses liceus surgiu no Rio de Janeiro, em 1858.
Mas, é provável que parcela substancial dos recursos do liceu resultasse de subsídios
governamentais, conseguidos pelos sócios diretamente (quando eram, também, altos
funcionários) ou indiretamente, através de discursos na assembléia, campanhas na
imprensa e solicitações pessoais.
A importância dos subsídios do Estado pode ser percebida no fechamento das aulas do
liceu, de 1864 a 1867, porque lhe foram negadas as verbas prometidas. As aulas só
reabriram quando o liceu passou a contar de novo com subsídios orçamentários. Mesmo
assim, os recursos eram insuficientes: quando instalou um curso de desenho para "as
jovens e senhoras" , em 1880, foi necessário fazer uma campanha na imprensa para pedir
auxílios financeiros "a toda a população".
Assim, parece que o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro era um projeto educativo
não completamente assumido pelo Estado. Entretanto, isso não impediu que outros
"mecenas", provavelmente pertencente à sua própria burocracia, doassem recursos ao
liceu não recursos financeiros, mas a sua própria força de trabalho. Era o caso dos
professores, todos eles lecionando gratuitamente. Doação importante, a ponto de levar
um ministro de Estado a afirmar que "na dedicação patriótica desses beneméritos, pois
todos servem gratuitamente, repousa a vida e o futuro deste útil estabelecimento."
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Os cursos eram, em princípio, abertos, fechados apenas aos escravos. Dizia o regimento:
"O ensino será gratuito, não só para os sócios e seus filhos, mas para todo e qualquer
indivíduo, livre ou liberto, que não tiver contra si alguma circunstância que torne
incoveniente a sua admissão, ou o constitua impossível ao estabelecimento". Para
facilitar o acesso, além de gratuitas, as aulas deveriam ser dadas à noite, "à exceção das
que forem incompatíveis com o uso da luz artificial".
O ensino das artes deveria ser completado em oficinas especiais,"dirigidas por mestres
competentes, nas quais os alunos aplicarão a teoria ou preceitos que tiverem aprendido
nas aulas ao fabrico dos seus artefatos". Entretanto, a insuficiência de recursos retardou
bastante a abertura de oficinas. Até o fim do Império, o liceu dispunha, além das salas de
aula, apenas de um gabinete de física, um laboratório de química mineral e outro de
química orgânica.
Parafraseando Suckow da Fonseca, pode-se dizer que o liceu era só de artes, não de
ofícios, pois não dispunha de oficinas.
O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo foi, como o do Rio de Janeiro, criado por uma
sociedade civil. Em 1873, foi fundada na capital paulista, a Sociedade Propagadora da
Instrução Popular, com 131 sócios inscritos. Os membros de sua primeira diretoria eram
pertencentes, ao mesmo tempo, à burocracia do Estado e ao parlamento, conforme o
padrão seguido pela congênere carioca.
A primeira atividade concreta da Sociedade foi a instalação das aulas do curso primário,
que começaram a funcionar já em 1874. Elas eram noturnas, gratuitas e a Sociedade
distribuía aos alunos livros, penas, papel e tinta. As disciplinas, lecionadas inicialmente
para cerca de 100 alunos, eram as seguintes: primeiras letras,caligrafia, aritmética,
sistema métrico e gramática portuguesa.
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Em 1882, a Sociedade instalou uma nova escola noturna, o Liceu de Artes e Ofícios de
São Paulo, com o objetivo de" ministrar ao povo os conhecimentos necessários às artes e
ofícios, ao comércio, à lavoura e às indústrias" . O ensino primário seria, a partir dessa
data, não só mantido como ampliado. Prometia-se a criação de novos cursos de comércio
e agricultura, bem como, no próprio liceu, de aulas adicionais de portugês, francês,
inglês, geografia, cosmografia, história universal, história pátria, história da arte e da
indústria, estética, higiene, anatomia, psicologia, direito natural e constitucional,
economia política.
Além das contribuições de seus sócios, a Sociedade recebia donativos regulares da Loja
Maçônica América, donativos de sócios beneficiários e, a partir de 1884, passou a ser
subsidiada pelo governo da província.
As precárias estatísticas dão conta que 9.608 alunos passaram pelas aulas da sociedade,
de 1873 a 1893. No período que vai de 1885 a 1888, os dados estão discriminados por
ano. Foi o seguinte o número de alunos do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo nesse
período:
O Liceu de Artes e Ofícios da Bahia foi criado 14 anos depois do liceu do Rio de Janeiro,
mas por um caminho diferente. A sociedade mantenedora do liceu bahiano, como a do
pernambucano, contava com a participação de artífices, embora não dispensasse, como as
demais, o subsídio governamental.
Não foi possível precisar o grau de participação dos artífices na criação do Liceu de Artes
e Ofícios baiano. Uma fonte diz que ela foi criada "por iniciativa dos operários, sob o
prestígio oficial do Desembargador João Antônio de Araújo Freitas Henrique". Outra
fonte afirma que ela foi fundada pelo desembargador, "de acordo com o grupo de artistas
nacionais e estrangeiros, residentes na Bahia e fora dela"; já outra fonte coloca toda
iniciativa de criação do liceu em Freitas Henrique. O desembargador, também
conselheiro e presidente da província, visaria à formação profissional dos filhos de
escravos, libertos pela Lei do Ventre Livre, de iniciativa do Visconde do Rio Branco
(1871). Os estatutos da Sociedade teriam sido encomendados por Freitas Henrique a
Frederico Marinho de Araújo, considerado o advogado dos escravos e criador das
sociedades libertadoras surgidadas na Bahia a partir de 1870.
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De uma maneira ou de outra, a fundação da Sociedade Liceu de Artes e Ofícios contou
com a participação de artífices. Foram eles que aprovaram, em assembléia na Sociedade
Montepio dos Artistas, os estatutos, embora o liceu acabasse sendo criado por decreto do
presidente da província, Joaquim Pires de Machado Portella, a 9 de março de 1872, e
inaugurado a 20 de outubro. Em 3 de novembro deste ano, mais de 200 oficiais
compuseram uma lista com os 15 mais votados. Enviada a lista ao presidente da
província, este tirou dela o nome de Freitas Henriques, feito presidente do Liceu de Artes
e Ofícios da Bahia por novo decreto.
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perderão por certo por indiferentismo de seus cultores nesta província o ensejo de
se propagarem com esplendor por meio do Liceu de Artes e Ofícios."
Em 1891, a sociedade contava com 1.704 sócios, sendo 1.607 efetivos, 16 beneméritos e
81 honorários. Neste ano, o liceu já funcionava na sede própria, antigo Solar dos Condes
da Ponte (Paço Saldanha), onde havia cinco oficinas: escultura, encadernação,
marcenaria, douração e pintura decorativa.
"É entretanto para lamentar que o ensino oficinal , que é um dos fins principais da
instituição, constitua ainda a parte mais imperfeita e insuficiente do ensino no liceu.
Dado em quatro oficinas que o estabelecimento possui, tem sido pouco produtiva a
despesa com ela feita, por terem os respectivos mestres perdido o interesse pela arte
e pelo desenvolvimento de seus discípulos, segundo declara o diretório, chegando
as ditas oficinas, pela falta de trabalho escolhido, caprichoso, constante e bem
encaminhado, a não poder competir com as oficinas externas".
Essa queixa, que viria a se repetir vezes sem conta, aponta para a dificuldade de se
manterem oficinas para o ensino de ofícios fora do ambiente e das relações vigentes na
produção. Foi esse o caso do desinteresse dos mestres, acomodados a um emprego que
não dependia da produção orientada para o lucro de um empreendedor privado? Esse
desinteresse dos mestres teria algo a ver com o desinteresse dos artífices em se filiar em à
associação? Seriam um e outro formas diferentes do mesmo fenômeno, a rejeição da
força de trabalho manufatureira em assumir a reprodução ampliada de sua própria
condição social ?
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AS ESCOLAS REPUBLICANAS DE APRENDIZES ARTÍFICES
Foi dos positivistas que partiu a primeira manifestação havida no regime republicano
com respeito à formação da força de trabalho, particularmente no tocante à aprendizagem
de ofícios manufatureiros.
O memorial faz referência a dois problemas de ordem geral, que afetariam a sociedade
como um todo. Primeiro, as necessidades da produção, em particular a crescente
demanda da indústria moderna que "vai exigindo do proletário cada vez maior instrução
para bem manejar as máquinas". Segundo, as necessidades do Estado, que, "exigindo que
cada cidadão cumpra espontaneamente o seu dever, vão impondo a cada um maior grau
de moralidade e de instrução para a prática e o conhecimento do mesmo dever". Os
proletários não poderiam, então, ser "moralizados" nem "instruídos" devido a diversos
impedimentos materiais e suas repercussões morais: a mulher precisava trabalhar para
ajudar a sustentar a prole e, assim, não tinha tempo nem disposição para "educar os
filhos, amparar os anciãos e confortar os esposos"; os filhos precisavam trabalhar para
viver, não sobrando ocasião para serem educados; os velhos não podiam ser amparados
em meio a uma existência miserável, deixando, então, de ser, no lar, "o melhor incentivo
para educar-nos e manter-nos no culto e na dedicação da Pátria".
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A operacionalização da proposta consistiria na divisão do salário a ser pago a cada
trabalhador em duas partes. Uma (o salário mínimo) deveria ser suficiente para garantir
as finalidades morais resultantes da capacidade do chefe de manter, apenas com seu
trabalho, todos os demais membros de sua família, permitindo à esposa e aos avós
cumprirem seu papel moralizador. A segunda parte deveria ser variável, de acordo com a
produtividade individual, de modo que se mantivesse a "justa emulação entre os
trabalhadores" e se garantisse a "perfeição e agilidade dos operários".
Essas medidas não foram aceitas pelo governo, mas, indiretamente influenciaram o
decreto que limitou o emprego de menores nas fábricas da capital federal e na
transformação do Asilo de Meninos Desvalidos no Instituto de Educação Profissional.
Vejamos seus pontos principais.
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transformou o Asilo de Meninos Desvalidos no Instituto de Educação Profissional,
incorporando a ele a Casa de São José, outra entidade assistencial pública. As crianças
menores de 14 anos não podiam mais ser encaminhadas às instituições de aprendizagem
profissional, devendo ser abrigadas em estabelecimentos a eles destinados. Os maiores de
14 anos deveriam percorrer toda a série dos ofícios, depois do que escolheriam um para
se especializarem, conforme suas inclinações.
4- No triênio 1906/1908, o Liceu recebeu 284 contos de verbas do governo estadual, 21 contos da
prefeitura municipal e apenas 15 contos da contribuição dos sócios da entidade mantenedora, a Sociedade
Propagadora da Instrução Popular. Mesmo assim, a participação de particulares não foi desprezível: em
1910, o liceu recebeu o oferta de fornecimento gratuito de energia elétrica para as oficinas.
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Em 1909, o Brasil passava por um surto de industrialização, quando as greves de
operários foram não só numerosas, como articuladas, umas categorias paralisando o
trabalho em solidariedade a outras, lideradas pelas correntes anarco-sindicalistas. Neste
contexto, o ensino profissional foi visto pelas classes dirigentes como um antídoto contra
a "inoculação de idéias exóticas" no proletariado brasileiro pelos imigrantes estrangeiros,
que constituíam boa parte do operariado.
"O aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes
proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela
existência; (...) para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos
desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como
fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola
do vício e do crime." (grifo meu)
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escolas formavam, desde sua criação, todo um sistema escolar, pois estavam submetidas
a uma legislação específica que as distinguia das demais instituições de ensino
profissional mantidas por particulares (fossem congregações religiosas ou sociedades
laicas), por governos estaduais e diferenciava-se até mesmo de instituições mantidas pelo
próprio governo federal. Em suma, as escolas de aprendizes artífices tinham prédios,
currículos e metodologia didática próprios; alunos, condições de ingresso e destinação
esperada dos egressos que as distinguiam das demais instituições de ensino elementar.
A constituição desse sistema assumiu contornos mais nítidos a partir de 1919, com a
incorporação da Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás, destinada a formar
professores para as escolas de aprendizes artífices. Esse contornos foram avivados a
partir de 1931, quando a administração educacional diferenciou-se, já no âmbito do
Ministério da Educação e Saúde, com a criação da Inspetoria do Ensino Profissional
Técnico que, por sua vez, deu origem a outros organismos de âmbito e competência
progressivamente ampliados.
Todas as escolas de aprendizes artífices se situavam nas capitais dos estados, com a
exceção do Rio de Janeiro, que teve a sua localizada em Campos, cidade natal do
Presidente da República.7
5- Algumas escolas foram instaladas nos prédios onde funcionavam estabelecimentos mantidos pelos
governos estaduais (cedidos por estes), herdeiros, por sua vez, das casas de educandos artífices do período
imperial.
6- Um decreto federal de 1911 incorporou ao sistema das escolas de aprendizes artífices o Instituto Parobé.
7- Há informações que dão conta de que essa preferência por sua cidade natal não se deveu a uma
referência nepotista de Nilo Peçanha, mas às vicissitudes da pequena política fluminense, pois o Presidente
do Estado do Rio de Janeiro Alfredo Backer não se dispôs a oferecer ao governo federal facilidades físicas
para a instalação da escola na capital do estado, diante do que a Câmara Municipal de Campos adiantou-se
em sediar o estabelecimento de ensino. Aliás, o Presidente fluminense, sucessor de Nilo Peçanha, extinguiu
duas das escolas profissionais criadas por ele, alegando falta de recursos e inadequação aos objetivos para
os quais tinham sido criadas.
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localização de cada escola sempre na capital do estado, sede do poder, mesmo quando as
atividades manufatureiras estavam em outra cidade, como Juiz de Fora (e não Belo
Horizonte), em Minas Gerais; e Blumenau (e não Florianópolis), em Santa Catarina.
Cada escola de aprendizes artífices deveria possuir até cinco oficinas de trabalho manual
ou de mecânica, conforme a capacidade do prédio escolar e as especialidades das
indústrias locais, a juízo do governo (primeiro do Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio, e após 1930, do Ministério da Educação e Saúde). Desde 1918, o diretor de
cada escola poderia criar mais oficinas, desde que tivesse recursos para isso, e dispusesse
de pelo menos 20 candidatos ao ofício correspondente.
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no ensino de ofícios. Por isso, a padronização (matérias a serem ensinadas e o modo de
ensiná-las) visava compensar a improvisação dos diretores e dos professores.
- Curso de adaptação, com 3 anos, preparatório ao curso seguinte. Nos dois primeiros
anos, enquanto os alunos eram alfabetizados ou completavam as matérias do curso
primário, faziam trabalhos em couro e em tecidos. No terceiro ano, dedicavam-se a
trabalhos em madeira, chapa de metal e massa plástica.
- Curso técnico-profissional, com 3 anos, onde os alunos escolhiam uma das seguintes
especializações: marcenaria, entalhe ou carpintaria, funilaria, serralheria-forja, mecânica
ou fundição, impressão ou composição gráfica, modelagem ou estuque em artes
decorativas.
Uma medida inovadora trazida pelo regulamento de 1926 foi a industrialização das
escolas de aprendizes artífices. Essa medida consistia em orientar a produção das oficinas
para o mercado, cabendo aos alunos remuneração conforme seu trabalho, não por uma
diária, como até então se fazia. Vejamos a justificativa apresentada por Luderitz:
"A primeira razão [da industrialização, LAC] é de natureza técnica, visto não ser
possível que um aluno artífice, nem tão pouco artista, aprenda a arte ou o ofício,
sem nele praticar, tal qual como dele se vai exigir na concorrência da vida real, isto
é, fazendo obra perfeita, no mínimo tempo possível; sem tal adestramento sairia da
escola um simples curioso e nunca um aspirante a profissional; a segunda, é de
ordem econômica, por não se poder exigir nas atuais condições de dificuldades de
vida, que tem de enfrentar o pobre e mesmo o remediado, não se poder, dizia-se,
exigir que os pais consintam aos filhos permanecerem na escola além dos 12 anos;
com esta idade não se tendo a veleidade de fazer do filho um doutor, mandando-o
para os cursos secundários, de humanidades, exige-se dele que comece a ganhar a
vida, empregando-se, alguns mesmo em misteres subalternos."
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A industrialização das escolas de aprendizes artífices, junto com a introdução da
merenda escolar (esta em 1922), foi responsável pela diminuição da grande evasão dos
alunos, que deixavam as escolas tão logo adquiriam os rudimentos da prática de um
ofício.
1º ano
Leitura e escrita 8
Caligrafia 2
Contas 6
Lição de coisas 2
Desenho e trabalhos manuais 15
Ginástica e canto 3
TOTAL 36
2º ano
Leitura e escrita 6
Contas 4
Elementos de geometria 2
Geografia e história pátria 2
Caligrafia 2
Instrução moral e cívica 1
Lição de coisas 2
Desenho e trabalhos manuais 16
Ginástica e canto 3
TOTAL 38
3º ano
Português 3
Aritmética 3
Geometria 3
Geografia e história pátria 2
Lição de coisas 2
Caligrafia 2
Instrução moral e cívica 1
Desenho ornamental e de escala 8
Aprendizagem nas oficinas 18
TOTAL 42
4º ano
Português 3
21
Aritmética 3
Geometria 3
Rudimentos de física 2
Instrução moral e cívica 1
Desenho ornamental e de escala 6
Desenho industrial e tecnologia 6
Aprendizagem nas oficinas 24
TOTAL 48
1º ano complementar
Escrituração de oficinas e correspondência 4
Geometria aplicada e noções de álgebra e trigonometria 4
Física experimental e noções de química 4
Noções de história natural 3
Desenho industrial e tecnologia 9
Aprendizagem nas oficinas 24
TOTAL 48
2º ano complementar
Correspondência e escrituração de oficinas 3
Álgebra e trigonometria elementar 2
Noções de física e química aplicada 3
Noções de mecânica 2
História natural elementar 2
Desenho industrial e tecnologia 9
Aprendizagem nas oficinas 27
TOTAL 48
A aplicação das normas disciplinares prescritas nos regimentos das escolas de aprendizes
artífices podia levar certos diretores a aplicar punições rigorosas. Na escola do Pará, por
exemplo, as faltas dos aprendizes eram comunicadas ao Conselho Disciplinar - uma
espécie de tribunal, formado por professores, contramestres e alunos dos dois últimos
anos, escolhidos pelo diretor - que convocava o aluno faltoso para que fizesse sua defesa
em dia determinado. O conselho punia ou absolvia. Entre as penas, duas se destacavam: o
"quarto escuro" e a exclusão. Esta se processava mediante uma cerimônia de caráter
militar de humilhação, onde o punido formava junto com os demais no pátio da escola.
Ao toque da banda marcial, ele era despido do uniforme por um de seus colegas, e em
seguida, acompanhado de um professor, fazia a última visita a todas as dependências da
escola, terminando no portão da saída. A população presenciava a cerimônia, tendo dela
conhecimento por edital publicado na imprensa local.
22
O corpo docente das escolas de aprendizes artífices era bastante heterogêneo. Os
professores das matérias de caráter geral provinham do magistério primário, sem o menor
conhecimento do que seria necessário ensinar aos alunos de uma instituição de ensino
profissional. Já os mestres das oficinas eram práticos, sem conhecimento das bases
teóricas do seu ofício e desprovidos de preocupações pedagógicas.
De acordo com os diretores dos órgãos do Ministério da Educação voltados para o ensino
profissional, a solução para esse grave problema só viria com a instalação de um
estabelecimento de ensino especialmente destinado à formação de docentes para a parte
propriamente profissional do currículo.
Para os alunos do sexo masculino, a Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás
oferecia (pela reforma curricular de 1924) cursos nas especialidades de madeira, metal e
eletricidade; para os de sexo feminino, as especialidades de economia doméstica, costura,
chapéus; para todos eles, artes decorativas e atividades comerciais. Os cursos, com
duração total de 6 anos, incluíam as seguintes matérias: português e educação cívica;
matemática aplicada às indústrias; geografia industrial e história das indústrias; desenho a
mão livre e geométrico; francês; física e eletricidade; química industrial; história natural;
higiene; pedagogia; contabilidade industrial; estenografia e datilografia; modelagem e
trabalhos manuais.
Ao contrário do que se esperava, a Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás teve
pouca valia para a elevação da qualidade do corpo docente das escolas de aprendizes
artífices. A maioria dos seus alunos era do sexo feminino, que buscavam qualificação nas
especialidades mais comerciais do que manufatureiras, além de serem muito poucos os
seus egressos que se dispunham a se transferir para as cidades onde aquelas escolas
9- A escola funcionou até 1937, quando foi demolida para dar lugar à Escola Técnica Nacional, depois
denominada "Celso Suckow da Fonseca", seu diretor por muitos anos.
23
estavam localizadas. Menos viável ainda foi utilizá-la como local de estágio ou
aperfeiçoamento dos professores em atividade.
Poucas eram as escolas de aprendizes artífices que tinham oficinas para o ensino de
ofícios propriamente industriais, de emprego generalizado. No entanto, em São Paulo, as
condições de crescimento da produção industrial, aliadas à emulação do Liceu de Artes e
Ofícios, levaram a um maior esforço de adaptação das oficinas às exigências da produção
fabril. Desde os primeiros anos de existência, a escola de aprendizes artífices paulista era
uma das poucas que ofereciam ensino de tornearia, mecânica e de eletricidade. Como as
demais, ela mantinha oficinas voltadas para o artesanato, a exemplo da carpintaria e das
artes decorativas, mas era das poucas que não ensinavam os ofícios de sapateiro e
alfaiate, existentes na grande maioria de suas congêneres.
Dito tudo isso, cabe a pergunta: qual foi o alcance das escolas de aprendizes artífices ?
Se formos avaliá-las pelos objetivos pelos quais foram criadas, a resposta será negativa.
Não se pode afirmar que elas contribuíram para o desenvolvimento industrial, pois
estavam, em geral, muito distantes dos pólos industriais, nos quais havia instituições que,
como o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, bem cumpriam essa missão. Ademais, é
duvidoso que elas tivessem formado, na origem, a força de trabalho migrante para o
Centro-Sul. Quando as exigências de formação sistemática de operários qualificados
surgiram, nos anos 30, não foram as escolas de aprendizes artífices que responderam às
demandas, mas as instituições criadas especialmente para apoiar a expansão das
ferrovias.
Por outro lado, antes mesmo que se desenvolvessem meios e modos tendentes à obtenção
da hegemonia, mediante a educação profissional, a repressão policial tomou a frente na
contenção dos movimentos dos trabalhadores, chegando à expulsão dos líderes quando
24
estrangeiros. A mudança da constituição das próprias classes trabalhadoras, com a
migração de sucessivos e maciços contingentes de nordestinos para o Centro-Sul,
diminuiu o peso relativo das frações experientes nas lutas sociais, favorecendo, em
contrapartida, a incorporação das massas no cenário político do populismo. A tutela
imposta pelo regime de Vargas aos sindicatos de trabalhadores acabou por diluir as
orientações ideológicas que socialistas e anarquistas tinham construído na Primeira
República.
Por outro lado, em dezembro de 1931 (poucos meses, portanto, depois dessas medidas) a
Associação Brasileira de Educação promoveu, no Rio de Janeiro, a IV Conferência
Nacional de Educação, evento que veio a ter um significado inédito no processo de
autonomização do campo educacional.
Parece que esse apelo teve o propósito de explicitar e aprofundar a divisão dos
educadores, questão que o Ministro da Educação Francisco Campos conhecia bem como
Diretor de Instrução Pública de Minas Gerais no governo de Antônio Carlos de Andrada.
25
Senão, como entender tal apelo quando já haviam sido baixados decretos tão amplos e
articulados?
As vicissitudes do debate fizeram com que uma proposta não consensual de bases e
diretrizes acabasse sendo divulgada na forma de um manifesto, em março de 1932, três
meses após o término do evento.
26
educação das massas seria o complemento da educação das elites. Ou seja: educação das
massas para que delas saíssem elites preparadas e educação das elites para que
educassem as massas. Tal posição foi sempre a de Fernando de Azevedo, jamais a de
Anísio Teixeira. Para este, o que importava era a criação de elites setoriais em cada uma
das atividades e classes sociais.
Num texto composto com idéias contraditórias - o que seria de se esperar num
documento escrito por mais de um autor -, a educação vem definida segundo as
concepções funcionalistas dos durkheimianos Georges Davy e Celestin Bouglé, e ao
mesmo tempo, conforme a tradição socialista na versão marxista. É esta última que
aponta o efeito da diferenciação das classes sociais nas concepções educacionais e a
existência de uma filosofia (pre)dominante, resultante da estrutura de classes. No Brasil,
a filosofia (pre)dominante, o individualismo da escola tradicional, corresponderia aos
interesses da burguesia. Embora essa doutrina tivesse desempenhado seu papel na
formação das democracias e na quebra dos quadros rígidos da vida social, as novas
condições sociais exigiam uma “educação nova”. Definir essa nova doutrina pedagógica
não foi tarefa fácil. Encontramos no Manifesto duas concepções antagônicas sobre ela.
De um lado, dizia-se que ela não se propunha a servir aos interesses de classes sociais,
mas, sim, ao indivíduo, embora fundada sobre o princípio da vinculação da escola ao
meio social. Alargando sua finalidade para além dos limites das classes, a “educação
nova” assumiria sua verdadeira função social com uma feição mais humana: a formação
da “hierarquia democrática” pela “hierarquia das capacidades” recrutada em todos os
grupos sociais.
27
assim como o momento em que a matéria do ensino deveria diversificar-se em ramos
iniciais de especialização.
Ambos os decretos traziam implícita uma crítica forte e frontal à concepção de ensino
secundário da reforma federal de um ano antes, baseada na reforma fascista de Giovani
10- Enquanto que o primeiro decreto instituiu as escolas técnicas secundárias, o segundo reduziu um pouco
suas ambições para adequá-las às condições disponíveis: matérias e oficinas foram agrupadas, assim como
foram extintas as previstas pela reforma Fernando de Azevedo, de 1928.
28
Gentile, na Itália, voltada para a formação de elites condutoras das massas. Para Anísio,
como para o Manifesto, aí estava o “ponto nevrálgico” da questão da educação
democrática. Não teria mais cabimento que o sistema educacional fosse estruturado com
uma escola primária e profissional, para o povo; e uma escola secundária e superior para
a elite. Ou seja, uma educação para o trabalho e uma educação para a cultura. Nas
condições da ciência que Anísio divisava, com o desenvolvimento do método
experimental, não se poderia mais separar cultura e trabalho, nem laboratório e oficina.
Analogamente, não teria cabimento a separação entre a legislação federal para o ensino
secundário “acadêmico” e a legislação estadual ou municipal para o ensino profissional.
Mas, a contenda desencadeada por Anísio contra o Ministério da Educação foi além
dessa concepção geral. Estribando-se no princípio federativo, ele defendia que os estados
e os municípios (inclusive o Distrito Federal, é claro !) tinham condições para oferecer
uma organização educacional mais rica, mais flexível e mais prática às escolas
secundárias do que o ministério podia prever. Por isso, reivindicava para as instâncias
inferiores do Estado maiores competências do que a orientação centralista e
padronizadora do governo provisório estava disposta a admitir.
O ensino secundário deveria deixar de ser definido como um segmento seletivo, rígido e
padronizado, destinado a alguns indivíduos apenas, para se transformar em algo
funcionalmente adaptado aos adolescentes em geral. Ao contrário do ensino primário,
que deveria continuar a ser único, o secundário deveria oferecer uma ampla rede de
programas variados, para se adaptar às diferenças individuais.
Dentro dessa finalidade geral de ser a escola dos adolescentes, o ensino secundário
deveria manter o objetivo social de preparar os quadros médios de cultura técnica e geral
para todos os tipos de trabalho - inclusive o trabalho intelectual. Assim diversificado,
Anísio entendia que a dualidade da educação brasileira deixaria de existir.
11- O Diretor do Ensino Secundário na gestão de Anísio Teixeira foi Joaquim Faria Góes Filho. A partir de
1938, ele participou de grupos de trabalho interministeriais que deram origem ao SENAI, instituição da
qual veio a ser diretor regional (RJ) e nacional, por muitos anos.
29
Na prática, haveria dois ciclos nas escolas técnicas secundárias: o primeiro, comum a
todos os alunos, com dois anos de duração (e não três, como queria o Manifesto), e o
segundo, de cinco ou seis anos, ramificado. Um ramo seria o curso secundário
equiparado ao do Colégio Pedro II - o da legislação federal; outro, o curso técnico
industrial12 e outro, ainda, o curso técnico de comércio. Este último seria oferecido em
duas modalidades, uma conforme a legislação federal, outra distinta dela.
O conjunto das escolas técnicas secundárias disporiam de oito oficinas, embora nenhuma
contasse com todo o conjunto. Eram elas: trabalhos em madeira; trabalhos em metal e
mecânica; eletricidade; artes gráficas; agricultura e zootecnia; construção civil; artes
domésticas; artes do vestuário inclusive flores.
Os ofícios que seriam cultivados em cada uma dessas oficinas eram predominantemente
artesanais, embora as de metal e mecânica, e de eletricidade estavam voltadas, mais do
que as demais, para a produção manufatureira ou fabril. Na oficina de trabalhos em metal
e mecânica, os ofícios ensinados eram os seguintes: modelação, fundição, latoaria,
funilaria e estamparia, tornearia, ajustagem, ferraria, serralheria, calderaria, montagem de
máquinas, motores de explosão. Na oficina de eletricidade, os seguintes: instalação e
máquinas elétricas; telegrafia e telefonia; rádio-telegrafia e rádio-telefonia;
eletroquímica. Em todos os casos, o que se buscava era a ligação entre a educação geral e
os trabalhos de oficina, de modo que se evitasse a separação criticada.
Pelo menos em termos de propósitos, havia uma perfeita sintonia entre a doutrina do
Manifesto, no que dizia respeito à crítica da dualidade da educação brasileira, e a
administração do ensino público no Distrito Federal. Não bastasse essa convergência
entre o teor do Manifesto e a legislação carioca, a exposição de motivos do primeiro
decreto defendeu as escolas técnicas secundárias como a maneira de se evitar o divórcio
entre o ensino primário e profissional, de um lado, e, de outro, o ensino secundário e
superior. Esse paralelismo, instrumento de estratificação social, constituiria um perigo
para a democracia.
12- Este não era um curso técnico no sentido próprio do termo, já que não se destinava a formar
trabalhadores intelectuais, mas, sim, artesãos e operários com educação geral mais aprimorada do que os
das escolas de aprendizes artífices, que tinham apenas o primário.
30
educadores liderados por Anísio foram severamente batidos na Constituinte. Salvo a
vinculação dos recursos para a educação à receita de impostos, as posições do Manifesto
foram rejeitadas, particularmente a eliminação da dualidade, a predominância do ensino
público e a laicidade na escola pública.
Assim, Anísio ficou bem mais exposto aos ataques de seus oponentes, justamente os que
queriam, também, o fechamento do sistema político. O protelamento da regulamentação
do ensino religioso nas escolas públicas do Distrito Federal, dispositivo então inserido na
Constituição, foi apontado como “prova” de sua orientação comunista. Num processo de
intensa radicalização política, isso não era apenas uma adjetivação equivocada. A
orquestração de católicos e/ou integralistas (como o Padre Helder Câmara, Alceu de
Amoroso Lima e Severino Sombra), na imprensa “partidária” e geral, mostrava a
convergência da pedagogia de Dewey com o comunismo na administração educacional
de Anísio, o que teria ficado ainda mais “evidente” na criação da Universidade do
Distrito Federal. Com efeito, para esta foram convidados professores de diversas
orientações políticas, inclusive notórios socialistas e comunistas. Sua organização sem
similar no país, conferia à formação de professores e à pesquisa científica um lugar
prioritário. Na visão de Anísio, a UDF deveria constituir, ademais, um espaço aberto à
liberdade de pensamento, justamente num momento em que ele estava se estreitando.
13- Trinta anos depois, Anísio viria a ser destituído da reitoria de outra universidade no Distrito Federal,
por outro golpe de Estado, desta vez da Universidade de Brasília, que também ajudara a criar.
31
moldaram a dualidade social no ensino médio de acordo com o formato impresso por
Gustavo Capanema, o Ministro da Educação do Estado Novo: o ginásio e o colégio para
as “individualidades condutoras” e as escolas profissionais para as “classes menos
favorecidas”. Aqueles dando acesso irrestrito à candidatura ao ensino superior e estas
permitindo a inscrição nos exames vestibulares apenas dos cursos “compatíveis”.
14- Eram elas: a Estrada de Ferro Sorocabana, a São Paulo Railway, a Companhia Paulista de Estradas de
Ferro e a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.
15- As séries metódicas ocupacionais resultaram da aplicação do método do ensino individual ao estudo
dos ofícios industriais, realizado no SENAI. As tarefas consideradas típicas de cada ofício foram
decompostas em operações simples, compreendendo quatro fases: 1) estudo da tarefa; 2) demonstração das
operações novas; 3) execução da tarefa pelo educando; e 4) avaliação. As tarefas são atribuídas aos
aprendizes de acordo com o grau crescente de complexidade e conforme o ritmo individual de aprendizado.
Os conhecimentos de caráter geral (científicos e tecnológicos) são ministrados na medida da necessidade
32
Na criação da Escola Profissional Mecânica, teve papel destacado o engenheiro suíço
Roberto Mange, professor da Escola Politécnica de São Paulo, que atuou, também, mais
tarde, nos empreendimentos dela derivados e até mesmo na criação do SENAI. Roberto
Mange e outros engenheiros da Escola Politécnica, entre eles Armando Salles de
Oliveira, destacaram-se na divulgação da doutrina da Organização Racional do Trabalho,
sistematizada por Frederick Taylor, a ponto de, em 1931, fundarem, com o patrocínio da
Associação Comercial e da Federação das Indústrias de São Paulo, o Instituto de
Organização Racional do Trabalho - IDORT. Essa entidade passou a ganhar influência à
medida que os efeitos da crise econômica de 1929 se somavam aos movimentos
reivindicatórios de trabalhadores provocando a diminuição da taxa de lucro. Essa
situação era especialmente crítica nas estradas de ferro, não só porque seus trabalhadores
estavam entre os mais organizados, como, também, devido ao efeito que a elevação dos
custos do transporte acarretava para outras atividades econômicas, particularmente para a
exportação do café.
Para o ensino sistemático de ofícios, lançava-se mão das séries metódicas, já aplicadas
com sucesso no Liceu de Artes e Ofícios; para os exames psicotécnicos, os
procedimentos desenvolvidos por Henri Pieron, do Instituto de Psicologia da
Universidade de Paris, e Léon Walter, do Instituto Rousseau da Universidade de
Genebra, que deram cursos em São Paulo e tiveram suas obras traduzidas. Os exames
psicotécnicos serviriam, também, para evitar a contratação de "agitadores", medida
convergente com a adoção de fichas de identificação datiloscópica destinadas a evitar a
reentrada nos quadros das empresas de trabalhadores despedidos por razões político-
ideológicas ou outras.
das tarefas praticadas, e à medida em que são executadas. Como apoio ao aprendiz existe material didático
específico, compreendendo, principalmente: folhas de tarefa, que dizem o que fazer; folhas de operação,
que dizem como fazer; e folhas de informação tecnológica, com a indicação dos conhecimentos de
matemática, física, química e outros, necessários à realização da tarefa.
33
Liceu de Artes e Ofícios, essa empresa organizou um Serviço de Ensino e Seleção
Profissional - SESP, em 1930, incorporando as práticas pedagógicas e psicotécnicas que
se divulgavam e se aplicavam, antes mesmo da criação do IDORT.
O SESP deu partida a um padrão de articulação pedagógica que persistiu por pelo menos
seis décadas. Mediante acordo entre a direção da Estrada de Ferro Sorocabana e a
Diretoria Geral de Ensino do Estado de São Paulo, a Escola Profissional de Sorocaba,
oficial, forneceria o ensino de conteúdo geral aos aprendizes, enquanto o ensino
propriamente profissional seria desenvolvido nas oficinas da empresa.
Cinco cursos eram ministrados no SESP: O curso de ferroviários, com quatro anos de
duração, para as seguintes especialidades: ajustador, torneiro-fresador, caldeireiro,
caldeireiro-ferreiro, ferreiro, eletricista, operador mecânico. O curso de aperfeiçoamento,
para o pessoal já empregado nas oficinas, compreendendo disciplinas como português,
matemática, desenho técnico, higiene, prevenção de acidentes, e outras. O curso de
tração, para os foguistas e maquinistas; o curso de telégrafo e iluminação, para os
aprendizes que já possuíssem formação profissional mecânica equivalente à 3ª série do
curso de ferroviários, completando-a com mais um ano de aprendizagem. O curso de
tráfego, visando a especialização dos departamentos de movimento e telégrafo,
ensinando desenho e matemática. Nos seus 10 anos de existência, o SESP ministrou
cursos a 2.400 trabalhadores.
Outras empresas vieram a aderir ao Centro, para o que concorreu a Associação Brasileira
de Engenharia Ferroviária na divulgação dos resultados alcançados. Em 1942, já haviam
se associado nove ferrovias situadas fora do Estado de São Paulo.
34
O CFESP distinguia-se, substancialmente, das escolas de aprendizes artífices em vários
aspectos. Primeiro, a clientela restrita (filhos de ferroviários, principalmente) e a
formação para utilização também restrita (as estradas de ferro). Nas escolas de aprendizes
artífices, os alunos eram, invariavelmente, órfãos e outros "desvalidos", oriundos do
lumpen-proletariado, mais interessados na comida gratuita do que no aprendizado
propriamente. Segundo, a associação do Estado com as empresas, a fim de formar pessoal
para todas elas. O Estado era útil às empresas como fornecedor de recursos e garantidor
das regras de jogo. Nas escolas de aprendizes artífices, mantidas totalmente pelo Estado
para a formação de operários para as empresas, era difícil para aquele perceber as
demandas destas. As empresas, por sua vez, tinham dificuldades de influir sobre o ensino
devido à interveniência da burocracia educacional e dos padrões curriculares rígidos,
quase uniformes. Enquanto as escolas de aprendizes artífices não possuíam uma
pedagogia própria para o ensino de ofícios, limitando-se aos padrões artesanais da
prática, a Escola Profissional Mecânica, do Liceu de Artes e Ofícios, o SESP e o CFESP
tinham nas séries metódicas a espinha dorsal de uma pedagogia que se mostrou eficaz no
atingimento dos objetivos almejados.16
A Constituição outorgada de 1937 continha um artigo que definia o papel do Estado, das
empresas e dos sindicatos (ditos econômicos) na formação profissional das "classes
menos favorecidas". Dizia o artigo 129:
Não se sabe ainda como esse dispositivo apareceu na Constituição, já que ela foi
elaborada por juristas sem prévia experiência educacional, a não ser no ensino regular
16- As séries metódicas, assim como a colaboração Estado-empresa e escola-oficina foram utilizadas, mais
tarde, em todo o país pelo SENAI. Quando da criação desta instituição, em 1942, o CFESP foi a ele
incorporado, constituindo a Divisão de Transportes e o núcleo de todo o Departamento Regional de São
Paulo. O criador do Centro, Roberto Mange, foi o primeiro diretor do DR/SP do SENAI. Italo Bologna,
também diretor do Centro, dirigiu o DR/SP por muitos anos, como, também, o Departamento Nacional. A
influência do pessoal do CFESP incidiu, mais tarde, também, sobre o sistema de ensino industrial, no
âmbito do próprio Ministério da Educação.
35
não profissional. Todavia, não me parece fora de propósito supor a inspiração remota no
projeto de lei apresentado pelo deputado Graco Cardoso à Câmara, em 1927, um dos
diversos que viam no ensino profissional uma espécie de panacéia para os mais diversos
problemas sociais, econômicos e culturais. O artigo 22 desse projeto dizia:
O projeto não foi aprovado, mas a obrigação proposta acabou por vingar por outros
meios. Cumpria, agora, ao Estado, dar forma ao dispositivo constitucional.
Além desse projeto relativo ao aprendizado dos menores que trabalhavam, o Ministério
da Educação elaborou outro, referente aos menores não trabalhadores, de 11 a 14 anos de
idade, sob a responsabilidade dos sindicatos dos empregados. Projetava-se a criação de
escolas pré-vocacionais destinadas aos filhos ou irmãos de operários sindicalizados que
idealmente houvessem terminado o curso primário com 11 anos, e não tivessem atingido,
ainda, a idade mínima para o ingresso na força de trabalho.
As escolas seriam mantidas com recursos do imposto sindical, geridos conjuntamente por
representantes dos sindicatos e dos Ministérios da Educação e do Trabalho.
36
além do curto prazo. Por outro lado, a situação dos industriais de crescente dependência
diante dos favores governamentais, em termos fiscais, alfandegários e creditícios, não
encorajava uma resistência ativa ao projeto. Assim, aquelas entidades optaram pela
resistência passiva, simplesmente não respondendo à consulta ministerial.
A reação dos empresários passou, então, da forma passiva para a forma ativa, recusando-
se a cumprir as determinações do decreto. Diante disso, o próprio Presidente da
República, Getúlio Vargas, lhes teria dito que ou eles aceitavam assumir a formação
profissional prevista pela Constituição, incluindo o custo financeiro, ou o governo
manteria a forma definida pelo último decreto. Poderia haver até mesmo a atribuição da
gestão de todo o sistema aos sindicatos dos trabalhadores. Sem melhor alternativa, a CNI
e a FIESP consentiram e assumiram como criação sua o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial - SENAI, que resultou do decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro de
1942.17
Houve, decerto, pelo menos uma concessão importante por parte do governo: a estrutura
federativa do SENAI, em tudo contrária ao centralismo do Estado Novo.
17- Participantes dos acontecimentos entrevistados por mim forneceram a base para essa interpretação
contrária às versões oficialmente divulgadas.
37
O deslocamento do ensino profissional para o grau médio teve a função principal de
permitir que a própria escola primária selecionasse os alunos portadores de ethos
pedagógico mais compatível com o prosseguimento dos estudos. As escolas de
aprendizes artífices recrutavam os alunos provavelmente menos preparados e dispostos a
prosseguir a escolarização, devido à sua origem social/cultural. Depois dessa medida,
mesmo que o ensino industrial recrutasse os piores dentre os concluintes do ensino
primário urbano, seu potencial de aprendizagem seria, certamente, muito superior ao dos
"desvalidos" da situação anterior. Isso só foi possível, no entanto, após o crescimento da
rede de escolas primárias mantidas, principalmente, pelos estados e municípios.
18- A "lei" orgânica previa que os cursos de aprendizagem pudessem ser também desenvolvidos nas
escolas industriais e técnicas mediante convênio com empresas ou com "serviços".
38
formação profissional pretendida pelo curso básico industrial. É o que diz o trecho
seguinte: "Os cursos industriais [básicos] são destinados ao ensino, de modo completo, de
um ofício, cujo exercício requeira a mais longa formação profissional." ("lei" orgânica do
ensino industrial, art 9º, parágrafo 1º). Em contrapartida, "os cursos de aprendizagem são
destinados a ensinar, metodicamente, aos aprendizes dos estabelecimentos industriais, em
período variável, e sob regime de horário reduzido, o seu ofício." (idem, art 9º, parágrafo
4º).
Mais tarde, foi introduzida uma modificação na "lei" orgânica que reforçou essa
concepção da aprendizagem com formação parcial. Permitia-se aos concluintes dos
cursos de aprendizagem, de dois anos de duração, no mínimo, a matrícula na segunda
série do curso básico industrial (do ofício correspondente), mediante a prestação de
exames vestibulares.19
Essa subordinação não se deveu apenas a uma concepção pedagógica muito particular a
respeito da superioridade do ensino de ofícios em escola, onde o "ambiente fabril" era
mais uma alegoria do que uma realidade viva. Ela expressa um conflito entre a pretensão
do Ministério da Educação de controlar todo o ensino industrial, inclusive a
aprendizagem, e a orientação da Presidência da República, partidária do seu controle
pelas entidades patronais via Ministério do Trabalho. O fato de os projetos da "lei"
orgânica e do SENAI terem sido levados pelo Ministro Gustavo Capanema ao Presidente
no mesmo dia (5 de janeiro) e assinados em dias diferentes, o decreto-lei de criação do
SENAI (22 de janeiro) antes da "lei" orgânica (30 de janeiro), é resultado da mediação de
Vargas na solução desse conflito.
A UNIFICAÇÃO HEGEMONIZADA
19- A "lei" orgânica, em sua formulação original previa a possibilidade de articulação entre o curso de
aprendizagem e o restante do sistema de ensino. O aprendiz que terminasse o curso e desejasse continuar
seus estudos, mesmo que fosse no âmbito do ensino industrial, deveria candidatar-se à admissão na
primeira série do curso básico. A posterior permissão de ingresso deles na 2ª série foi saudada pelos
educadores da época como medida de grande alcance em termos de democratização do ensino, pois "abriria
as portas da universidade aos simples aprendizes" (Suckow da Fonseca, 1961, 1º vol, p. 292). Esse
entusiasmo foi ainda maior quando, em 1950, uma portaria ministerial facultou aos concluintes de cursos
de aprendizagem do SENAI, com 3 anos de duração, a matrícula nos cursos técnicos industriais do 2º ciclo.
Todavia, essa portaria foi revogada sem ter produzido os efeitos esperados.
39
O sistema SENAI, concebido no contexto da "lei" orgânica do ensino industrial, de 1942,
como um apêndice, passou, depois de duas décadas, a ocupar uma posição hegemônica
no que se refere à formação de operários qualificados. Demonstrando, pelo seu próprio
funcionamento, a inviabilidade das escolas industriais (1o ciclo), produziu duas
conseqüências da maior importância. Primeiro, reforçou a orientação dos educadores
liberais no sentido de transformar o currículo da escola industrial, tendendo a fundi-la
com a escola secundária. Segundo, passou a ocupar exatamente o mesmo lugar previsto
pela "lei" orgânica para a escola industrial com as vantagens operativas da flexibilidade
curricular e da relativa autonomia diante da pesada máquina burocrática do Ministério da
Educação.
A expansão do ensino industrial resultou de um notável esforço estatal: em 1961, das 340
escolas existentes, 310 eram públicas. Dentre estas, 162 eram mantidas pelo governo
federal e 108 só pelo governo do Estado de São Paulo. Isso não foi por acaso, já que a
concentração nesse estado de grande parte do parque industrial fazia com que o ensino de
ofícios manufatureiros assumisse alta prioridade nas políticas educacionais dos governos
paulistas. Ao contrário da concentração das escolas estaduais, o governo federal
distribuía suas escolas por todas as unidades da federação, herança ainda das escolas de
aprendizes artífices.
40
Não bastasse a rigidez determinada pela lei, a teia burocrática impedia que as escolas
industriais pudessem funcionar satisfatoriamente.20 Por fim, mas não em último lugar, as
altas taxas de evasão tornavam ainda mais caro e improdutivo o funcionamento dos
cursos básicos industriais. Para se ter uma idéia da dimensão da evasão das escolas
industriais da rede federal, para uma matrícula total média, nos anos 50, da ordem de
18.500 alunos, o número médio de concluintes era de 2.800 por ano, o que dava uma taxa
média de 15%, baixíssima para um curso de quatro anos de duração.
Os diagnósticos desse problema apontavam como causas da alta evasão dos alunos dessas
escolas o insuficiente equipamento de ensino, o corpo docente improvisado e a carência
de metodologia didática apropriada ao ensino de ofícios. Mas, não deixavam dúvida
quanto à causa principal: os alunos deixavam a escola tão logo aprendiam os rudimentos
do ofício para ingressarem precocemente no mercado de trabalho.
Para minorar esse problema, os administradores das escolas industriais da rede federal
solicitavam ao governo permissão para remunerarem os alunos pelos trabalhos realizados
nas oficinas, quando se tratasse de encomendas realizadas a título de adestramento,
medida essa, aliás, que foi repetidamente introduzida e retirada das escolas de aprendizes
artífices nos anos 10 e 20. Mais uma vez, as dificuldades burocráticas impediam a adoção
dessa medida.
Tudo isso tinha a ver com a persistente concepção das escolas profissonais - inclusive as
industriais - como destinadas a “desvalidos” e delinquentes, fazendo-as uma mistura de
asilo e centro correcional. Os alunos que eram matriculados nelas não tinham disposições
favoráveis à aprendizagem de ofícios, ampliando, assim, a insuficiência dos recursos
materiais, humanos e organizacionais.
20- Embora as escolas industriais da rede federal tivessem ganho autonomia administrativa, didática e
financeira em 1959, isso de pouco adiantou, pois o 1º ciclo do ensino industrial já se modificava
rapidamente, como veremos a seguir. No entanto, a autonomia foi muito importante para as escolas
técnicas (2o ciclo do ensino industrial).
21- Os acordos de isenção resultaram de iniciativas de ensino profissional nas grandes empresas, que
dispensavam a atuação do SENAI.
41
empresários/consumidores da força de trabalho qualificada eram qualidades do SENAI
cuja carência, nas escolas industriais, mostrava a necessidade urgente de modificar os
cursos básicos, senão acabar com eles. Essas alternativas já não eram heresias, como no
tempo do Estado Novo. Administradores do SENAI eram chamados cada vez mais
freqüentemente a participar de comissões de estudos e até mesmo a ocupar cargos de
direção no Ministério da Educação, onde não escondiam sua opinião nesse sentido.
Por mais forte que tivesse sido a demonstração “técnica” da inviabilidade das escolas
industriais, correlativa à viabilidade dos centros de formação profissional do SENAI, um
importante fator, agora de caráter ideológico, teve grande importância para a redefinição
do papel das primeiras. Foi a volta dos educadores liberais ao governo, com o fim do
Estado Novo, Anísio Teixeira à frente. Para eles, tão ou mais importante do que expandir
o sistema educacional existente, tratava-se de eliminar as restrições incompatíveis com
uma sociedade democrática que - imaginavam - a educação ajudaria a construir. Entre as
maiores das restrições, estava a dualidade escolar, que o Estado Novo redefiniu e a
política educacional do Distrito Federal tentou modificar na administração Pedro
Ernesto/Anísio Teixeira, em 1931/35, mediante as escolas técnicas secundárias.
Em 1950, foi promulgada a primeira "lei de equivalência", que estabelecia o mesmo valor
do curso básico industrial em relação ao curso ginasial secundário, para efeito de ingresso
no curso colegial secundário. Esse foi o primeiro passo para a transformação dos cursos
básicos industriais, de portadores de um conteúdo quase que exclusivamente profissional,
para um conteúdo cada vez mais geral, abrindo, assim, caminho para a sua própria
extinção ao fim da década de 50.22
Neste mesmo ano, uma portaria ministerial (no 15, de 31 de janeiro de 1950) determinou
que os concluintes dos cursos de aprendizagem do SENAI, de três anos de duração,
poderiam se matricular nos cursos técnicos industriais, isto é, no 2o ciclo desse ramo de
ensino. A medida foi considerada como tendo grande alcance democrático, pois os
artífices poderiam não só se tornar técnicos, como, também, depois disso, candidatar-se
aos cursos superiores. Até então, os egressos dos cursos de aprendizagem do SENAI, se
pretendessem prosseguir nos estudos, deveriam ingressar num curso básico industrial, na
série compatível com os estudos anteriores, mesmo assim, só depois de exames
aferidores. Concluído esse curso, poderiam candidatar-se ao curso técnico. Mas, a
portaria foi revogada, antes mesmo de ter produzidos resultados concretos. As
informações disponíveis dão conta de que a revogação da portaria resultou da pressão dos
diretores das escolas técnicas industriais, que temiam a queda da qualidade do ensino,
presumidamente pelo “empobrecimento” cultural dos candidatos provenientes dos cursos
de aprendizagem.
22- A iniciativa pioneira de se garantir equivalência dos cursos de ensino médio foi do Deputado Jorge
Amado, na primeira legislatura na vigência da Constituição de 1946. O projeto foi, no entanto, arquivado,
devido à cassação de seu mandato, em 1948, resultado da supressão do registro do Partido Comunista no
ano anterior.
42
modificações importantes nas escolas da rede federal, mas permitiu às mantidas pelos
estados, pelos municípios e por particulares continuarem seguindo a "lei" orgânica de
1942, bem como as normas estaduais e municipais. Entretanto, a "adaptação" ao novo
regulamento tinha um apelo irresistível: os diplomas só poderiam ser registrados no
Ministério da Educação se as escolas estivessem adaptadas às novas normas.
No que dizia respeito ao curso básico industrial, verificou-se uma mudança completa de
objetivos. De "destinado ao ensino, de modo completo, de um ofício que requeira a mais
longa formação profissional" ("lei" orgânica), passou a ser um "curso com as
características de curso secundário do primeiro ciclo e com orientação técnica". Deixou
de ser um curso com várias especialidades, para se tornar um único curso não
especializado, com os seguintes objetivos, com relação ao educando:
De um modo geral, a legislação de 1959 fez com que o curso industrial perdesse o seu
caráter profissional e o curso de aprendizagem fosse reconhecido como o único adequado
à formação de operários qualificados, perdendo a posição subordinada que lhe era
43
atribuída pela "lei" orgânica. Tinha início o reconhecimento da hegemonia detida pelo
SENAI na formação profissional.
44
A necessidade de um novo tipo de ginásio encontrava justificativa mais em termos
político-ideológicos do que econômico-ocupacionais ou psicopedagógicos. Era comum
encontrar-se, nos textos que procuravam legitimá-lo, o apelo à experiência norte-
americana como fonte de inspiração. Nos Estados Unidos vigeria como postulado
político a idéia de que o caráter democrático da sociedade é função da sua capacidade de
oferecer a todas as crianças, independentemente de origem social, iguais oportunidades
para o desenvolvimento de suas potencialidades. Para isso, desenvolvia-se, nesse país,
uma escola secundária única, mas diversificada segundo as diferentes opções vocacionais
oferecidas em cada estabelecimento de ensino.
Dois anos depois, estava pronto um plano para a construção de 276 ginásios orientados
para o trabalho em quatro estados (Rio Grande do Sul, Bahia, Minas Gerais e Espírito
Santo) e de um ginásio-modelo nas capitais de 18 estados e no Distrito Federal. Em 1968,
foi realizado outro convênio entre o MEC e a USAID prevendo a alocação de recursos
externos para a realização do plano. Para complementá-lo e supervisionar a sua execução
foi criado no mesmo ano o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino - PREMEN, que
se responsabilizaria, também, pelo treinamento e aperfeiçoamento de professores para as
disciplinas vocacionais.
Mas, esse processo não terminou aí. Após o golpe de Estado de 1964, o processo de
unificação formal do sistema de ensino deu o passo mais longo. Dois pareceres do
Conselho Federal de Educação, de 1969, recomendavam a revisão da LDB,
45
principalmente no que se referia aos ensino primário e ao médio.23 Em setembro desse
ano foi instituído por decreto presidencial um grupo de trabalho para propor a reforma do
ensino fundamental, que se estenderam ao 2º grau. Em agosto de 1970, o grupo de
trabalho apresentou um anteprojeto de lei que, depois de discussões com grupos
selecionados de especialistas, foi encaminhado ao Congresso Nacional. Em agosto de
1971, foi promulgada a Lei (5.692) de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º Graus.
A nova lei previa que suas inovações seriam implantadas de modo gradual, na medida da
disponibilidade dos recursos humanos, materiais e didáticos dos sistemas de educação.
Suas principais inovações foram as seguintes:
c) O ensino de 1º grau, nas quatro primeiras séries, teria seu currículo composto
exclusivamente de disciplinas de conteúdo geral: nas quatro últimas, o número de
disciplinas vocacionais, destinadas à sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho,
seria tanto maior quanto mais elevada a série, generalizando-se o modelo dos ginásios
orientados para o trabalho. O ensino de 2º grau seria compulsoriamente profissional, não
se admitindo ramos paralelos, mas, sim, cursos distintos, desdobrados a partir de um
núcleo comum. (do ensino de 2o grau trataremos no próximo item)
No que concerne a aprendizagem industrial, a nova lei previa que esses cursos seriam
concebidos como ensino supletivo da modalidade suprimento. Como modificação
relevante, nota-se apenas a exigência de que os aprendizes tivessem concluído as 8 séries
do ensino de 1º grau, a menos que se tratassem de atividades "transitórias", alusão a um
período de ajustamento às determinações previstas.
23- O ensino superior havia sido objeto de profundas modificações pela lei 5.540, de 28 de novembro de
1968, a chamada lei da reforma universitária que, junto com os pareceres do CFE relativos à pós-
graduação, foram decisivos para mudar a feição institucional e curricular no ensino de 3º grau.
46
Vamos focalizar, agora, a reforma do ensino de 1o, no que dizia respeito ao segundo
segmento, isto é, às quatro últimas séries, ao resultado da fusão dos ramos secundário e
“profissionais” do ginásio.
As artes industriais previstas pelo currículo não eram industriais, mas, isto sim,
artesanais: trabalho manual com madeira, metal, cerâmica e outros materiais, com os
alunos utilizando ferramentas simples para cortar, dobrar, encaixar, unir, polir e coisas
assim, para produzir pequenos objetos. Ora, a tendência do processo de trabalho, no
Brasil como em todo o mundo, já era, na década de 70, no sentido da destruição do
artesanato pela indústria mecanizada e até mesmo automatizada, onde não há lugar para o
artesão. O operário é inserido numa linha de produção na qual opera máquinas e
equipamentos feitos sob medida, não tendo, como o artesão, condições de fabricar todo o
produto. Não se trata de fabricar fogões a lenha, mas, sim, computadores. Diante disso,
cabe a pergunta: que utilidade tem iniciar os alunos em trabalhos artesanais se eles vão se
inserir em linhas de produção que dispensam qualificações artesanais ?
Além do mais, não tem sentido a prática de atividades artesanais para sondar as aptidões
dos alunos para cursos técnicos a nível de 2o grau. Os técnicos industriais projetam e
detalham projetos, desenham, administram, controlam custos e qualidade, supervisionam
grupos de pessoas. Devem ter informação e às vezes, até mesmo conhecimento e a
habilidade dos operários. Em nenhum caso, sua formação implica o domínio das tais artes
industriais, que não passam de técnicas artesanais.
A procura por cursos superiores vinha crescendo no Brasil desde os anos 40,
impulsionada pela inviabilização dos pequenos negócios empreendidos pelas camadas
médias, correlativamente ao crescimento das burocracias do setor público e do setor
privado. A redefinição do papel da mulher no trabalho, valorizando-se cada vez mais sua
47
atividade produtiva extra-doméstica, constituíu outro fato que impulsionava o aumento
da procura de vagas nas escolas superiores de todas as especialidades.
O arrocho nos exames vestibulares não foi considerado como uma alternativa válida,
porque o número de “excedentes” crescia a cada ano, nas universidades públicas,
evidenciando a existência de um obstáculo que poderia ser capitalizado politicamente
pelos opositores do regime.
48
mas foram silenciados pelos atuais dirigentes, convencidos da nova função do 2o grau: o
ensino profissionalizante.24
Com isso, o MEC imaginava resolver dois problemas ao mesmo tempo. Primeiro,
resolver a suposta grande carência de profissionais de nível médio, de todas as
especialidades, cujos cargos estariam sendo ocupados por pessoas sem a formação
apropriada, simples “práticos”, ou por pessoas escolarizadas demais, como engenheiros,
por exemplo, que estariam, então, subutilizados. Os cargos de profissionais de nível
médio não estariam sendo preenchidos por pessoas com formação adequada - os técnicos
e os auxiliares técnicos - porque não haveria cursos profissionais em quantidade
suficiente. Em consequência, os egressos do 2o grau, dos cursos de caráter geral, o
clássico e o científico, eram “obrigados” a se candidatarem a cursos superiores, em busca
de formação profissional. Daí o congestionamento dos vestibulares. Com a
profissionalização universal e compulsória, os estudantes já sairiam do 2o grau com uma
habilitação profissional e procurariam logo um emprego, o que não seria difícil, já que o
surto de crescimento econômico (o “milagre brasileiro”) seria duradouro, garantindo
empregos e salários a todos. Segundo, desviar para o mercado de trabalho parcela
significativa dos vestibulandos potenciais, antes mesmo de sua candidatura aos cursos
superiores das universidades públicas.
Os engenheiros estavam ocupando o lugar dos técnicos não porque faltavam técnicos
devidamente qualificados, mas porque faltavam empregos para engenheiros, e estes
venciam aqueles na competição pelos cargos de nível médio. E não era por outra razão
que muitos dos concluintes dos cursos técnicos industriais acabavam indo para uma
escola de engenharia, em busca de um diploma (nem sempre de uma qualificação) que os
habilitasse a disputar em melhores condições os cargos que lhes eram destinados como
técnicos.
Além do mais, o sistema educacional brasileiro não foi capaz de implantar, nem
parcialmente, uma transformação como a pretendida, por falta de recursos humanos e
materiais. Mesmo se houvesse recursos para isso, não seria possível para as escolas
oferecerem habilitações profissionais conforme as mudanças da economia nas regiões
24
- Em 1969, os encontros que antecederam a V Conferência Nacional de Educação (cancelada, a
propósito, pelo Ministério da Educação que a promovia) enfatizaram a educação geral no ensino de 2o
grau, até mesmo para que se conseguisse propiciar adequada formação profissional, cada vez mais
realizada nos próprios locais de trabalho.
49
onde se localizavam, como era a pretensão do Ministério da Educação. Como definir o
perímetro do mercado de trabalho influenciado por uma dada escola ? O bairro ? O
estado ? O país inteiro ? Como saber onde os jovens vão trabalhar depois de quatro anos,
quando se formarem, ainda mais num país como o Brasil, onde 40% da população de
segundo grau de escolaridade morava em estado diferente do que nasceu ? Como
quantificar a procura de técnicos de uma dada especialidade numa economia
essencialmente anárquica, como a capitalista, e cronicamente em crise, como a brasileira
? Além do mais, a divisão técnica do trabalho não se faz por critérios estritos e
simplificados por nível de escolaridade. Os requisitos educacionais para a ocupação dos
cargos são estabelecidos pelas empresas conforme critérios variados, que vão desde tirar
vantagem das condições da oferta conjuntural de profissionais com os diversos níveis de
escolaridade, até a divisão política (sindical) da força de trabalho.
Sancionada a lei 5.692, de agosto de 1971, parecia que pela primeira vez na história do
país o ensino de 2o grau teria uma finalidade própria, diferente da mera função
propedêutica - a preparação para os exames vestibulares.
Mas, a implantação desse novo modelo foi muito diferente do que se pensava.
As caras escolas privadas, ciosas dos interesses imediatos de sua clientela, inventaram a
profissionalização faz-de-conta: já que seus alunos estavam mesmo interessados era no
curso superior, fantasiavam de “curso técnico de análises clínicas” o currículo das turmas
orientadas para o vestibular de medicina; de “tradutor-intérprete”, para o de letras; de
“mecânica”, para o de engenharia; e outras “soluções” dessa ordem. A maioria das
escolas privadas nem se preocupavam com esse tipo de disfarce, tamanha era a certeza de
que ficariam a salvo dos supervisores das secretarias estaduais de educação, em geral
dirigidas pelos próprios empresários de ensino ou seus prepostos.
O Conselho Federal de Educação parecia moldar o próprio mercado de trabalho com seus
pareceres. O de número 45/72 relacionou 130 habilitações para técnicos e auxiliares
técnicos. Em certos casos, previam-se várias ocupações “típicas” de um mesmo setor.
Para a indústria de tecidos, por exemplo, previam-se oito habilitações: técnico têxtil,
técnico em fiação, técnico em tecelagem, técnico em malharia, técnico em acabamento
têxtil, desenhista de padronagem, auxiliar de laboratório têxtil em fibras e tecidos,
auxiliar de laboratório têxtil em química. Novas habilitações, com seus currículos
mínimos específicos, foram sendo acrescentadas à lista original. Em agosto de 1974, o
número de habilitações do ensino de 2o grau já chegava a 158, algumas delas aprovadas
apenas para certas unidades da federação.
As escolas normais, onde eram preparados professores para o ensino primário (as quatro
primeiras séries do 1o grau), foram desativadas, transformado seu curso em apenas mais
uma habilitação do elenco oferecido pelas escolas, para onde iam os alunos que, por suas
notas mais baixas, não conseguiam vagas nas turmas de habilitações mais atraentes. Essa
50
forma de recrutamento mais o currículo enfraquecido da habilitação provocou danosas
consequências na qualidade do ensino público de 1o grau.25
As escolas técnicas industriais da rede federal sofreram menos os efeitos da lei 5.692/71,
mas isso por sua capacidade de resistirem à implantação da reforma. As das redes
estaduais não tiveram igual sorte. Os certificados de seus cursos valiam, agora, o mesmo
que os conferidos pelos cursos improvisados das outras. Não foram poucas as escolas
técnicas estaduais, de longa tradição num ensino de alta qualidade, que foram
transformados em “centros interescolares”, onde os alunos das demais eram
“apresentados” a máquinas, instrumentos, equipamentos, num rodízio que não era
suficiente para o ensino profissional, nem dava espaço para a continuação do ensino que
elas desenvolviam há muito tempo. O mercado de trabalho para o técnico industrial
piorou com isso, ao invés de melhorar.
25
- Se for somado o efeito dos baixos salários na auto-seleção negativa dos candidatos ao magistério,
encontraremos aí os principais fatores responsáveis pela deterioração do ensino público em nosso país.
51
Além da formação de técnicos e auxiliares técnicos, o ensino profissionalizante de 2o
grau passava a visar, para a maior parte dos alunos, principalmente à educação geral,
com algumas tinturas de informação tecnológica, correspondentes a alguns setores da
produção. Além da multidão das habilitações específicas já aprovadas, foram
incorporadas “habilitações básicas” em agropecuária, cinco habilitações para a indústria e
quatro para o comércio e os serviços.
Nesse novo quadro, a divisão estrita entre a parte geral e a parte especial do currículo
ficou difusa pelo reconhecimento de que há disciplinas da parte de educação geral que
podem ser consideradas instrumentais para uma habilitação profissional, constituindo
parte da formação especial. No caso da habilitação básica em agropecuária, por exemplo,
a parte de formação especial do currículo compreendia 1.050 horas, assegurando a
predominância da formação especial sobre a educação geral. No entanto, apenas 600
dessas 1.050 horas (27% da carga horária do currículo pleno) correspondiam a disciplinas
que poderiam ser consideradas propriamente profissionalizantes (agricultura, zootecnia,
economia e administração agrícola). As demais 450 horas da carga de formação especial
deveriam ser preenchidas com disciplinas instrumentais (desenho básico, química,
biologia, física e programas de orientação profissional) que não são outra coisa senão
educação geral, somada às que o núcleo comum do currículo já previa.
52
Fracassada, então, a política de profissionalização universal e compulsória no ensino de
2o grau, a função contenedora que dela se esperava não chegou a ser desempenhada. A
tentativa de conter os candidatos ao ensino superior teve de ser providenciada neste grau
mesmo, mediante a elevação das barreiras dos exames vestibulares. Ao mesmo tempo,
procurou-se incentivar os cursos superiores de curta duração, em especial os da área
tecnológica (na área do magistério o fenômeno foi outro), mas apartando os cursos e os
estudantes das universidades, confinando-os em certas escolas técnicas federais, então
promovidas a centros federais de educação tecnológica. Os concluintes desses cursos
deixaram de receber o título de “engenheiros de operação”, fonte de tantas aspirações
frustradas, para serem chamados de “tecnólogos”, categoria que procurava marcar a
separação dos técnicos de nível médio e dos engenheiros (propriamente ditos).
Paralelamente a essas mudanças, o SENAI entrou no ensino técnico de 2º grau com muita
força, mediante a instalação de escolas especializadas, em direção radicalmente oposta à
das escolas técnicas da rede federal, que formavam profissionais mais generalistas.
Ademais, desde a década de 70, a alteração das técnicas produtivas e da composição da
força de trabalho industrial levaram essa instituição a modificar sua ênfase, priorizando
os cursos rápidos para adultos, visando menos à formação de operários qualificados (via
aprendizagem) do que a dos semi-qualificados, para usar a nomenclatura que informou
sua criação.
53
Acrescenta, ainda, que isso deverá ser feito "relacionando a teoria com a prática, no
ensino de cada disciplina".
Ainda em apoio à imagem de um sistema paralelo, o capítulo em questão diz que o aluno
matriculado ou egresso (voltaremos a essa disjuntiva mais adiante) dos três níveis de
ensino (fundamental, médio ou superior) "contará com a possibilidade de acesso à
educação profissional", tanto quanto o trabalhador em geral, jovem ou adulto.
Não bastasse isso, a LDB diz que a educação profissional será desenvolvida em
articulação com o ensino regular, vale dizer que não se confunde com ele nem se
desenvolverá de forma integrada com o ensino regular, como pretende a "pedagogia
politécnica" e outras concepções pedagógicas que valorizam currículos integrados, onde
a educação propriamente não se encontre dissociada da educação geral, daquilo que a
seção do ensino médio parece chamar de teoria.
54
Por causa das mudanças na estrutura do ensino, desde o início dos anos 50, as escolas
técnicas industriais da rede federal (também as da rede estadual paulista) ganhavam
prestígio e viam aumentar o número dos que as procuravam, a ponto de terem de fazer
exames de seleção, por vezes com relação candidatos/vaga equivalente à dos cursos
superiores mais procurados.
Tão grande foi esse prestígio que, em 1971, foi nelas que se inspirou a reforma instituída
pela lei 5.692, que, como vimos, foi um retumbante fracasso. Enquanto isso, crescia o
efeito da participação privada na gestão dos sistemas estaduais de ensino. Secretários da
educação e membros dos conselhos estaduais, nos quais os empresários do ensino
chegaram a constituir a maioria, quando não a totalidade, administravam o ensino público
legislando em causa própria: em proveito do setor privado de ensino e em detrimento do
setor público. À medida que o ensino público se deteriorava por força de uma
administração sem rumo ou do mero descaso, o setor privado enchia-se de alunos,
oriundos de famílias que podiam pagar por mensalidades crescentes em estabelecimentos
de ensino especializados na preparação para os cursos superiores.
Destinada pela LDB-96 para os alunos matriculados no ensino médio ou dele egressos, a
educação profissional foi configurada pelo decreto 2.208/97 como um sistema paralelo.
Com efeito, a articulação entre ambos foi concebida entre dois sistema distintos.
Enquanto sistema distinto do ensino médio, a educação profissional será composta de três
níveis, onde a preocupação com os cursos técnicos se expressa na maioria absoluta dos
artigos.
26
A nomenclatura será causa de confusão, pois o nível básico da educação profissional é bem distinta do
ensino básico, conforme a LDB-96.
55
SENAI, assim como os cursos mais breves que a instituição ministra, e, também, os
cursos que as escolas técnicas da rede federal foram instadas a oferecer, atuando na área
típica daquela instituição patronal. A propósito, as instituições de ensino profissional
públicas e as privadas sem fins lucrativos, apoiadas financeiramente pelo Poder Público,
deverão oferecer, obrigatoriamente, cursos profissionais de nível básico, abertos aos
alunos das redes públicas e privadas de educação básica, assim como aos trabalhadores
com qualquer nível de escolaridade.27
O nível tecnológico, o mais imprecisamente definido de todos, foi destinado aos egressos
do ensino médio e técnico, em cursos de nível superior na área tecnológica. Os diplomas
correspondentes serão de tecnólogo nas respectivas especialidades.
27
Foi o que chamei de senaização das escolas técnicas federais, já que estas ocupariam o espaço dos
centros de formação profissional SENAI.
28
Trata-se da medida provisória 1.549-29, de 15 de abril de 1997, que reformulou a organização da
Presidência da República e dos ministérios. Ela acrescentou parágrafos à lei 8.948/94, que instituiu o
Sistema Nacional de Educação Tecnológica, que já se supunha ultrapassada pelos fatos e pela legislação
posterior. A lei rediviva transformava todas as escolas técnicas federais em CEFETs e criava um Conselho
Nacional de Educação Tecnológica, que seria paralelo ao Conselho Nacional de Educação. A medida
provisória suprimiu essa transformação, mas a lei 9.131/95, que criou o CNE, não revogou a lei do ano
anterior, nem os artigos que tratam do CNET.
56
A nova legislação realizaria o objetivo de separar o ensino médio e o ensino técnico, de
modo que este fique desprovido por completo de sua antiga função propedêutica, isto é,
preparatória para o ensino superior.
Atenuando um pouco essa política dualista, o parecer 17/97, aprovado pela Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, em 3 de dezembro de 1997,
determinou uma mudança nas relações entre o ensino médio e o ensino técnico. Com
efeito, a idéia inicial do MEC, de que o aluno que colecionasse certificados dos módulos
de um dado curso técnico poderia requerer o certificado de técnico na especialidade
correspondente, sem ter cursado o ensino médio, foi barrada no Conselho.
Embora o parecer não contenha a expressão direta do Ministério, que proíbe a existência
de cursos integrados, ele resumiu-se a apresentar sua opinião quanto à dificuldade de
readaptação dos currículos integrados às mudanças do mercado de trabalho29 e a mostrar
as vantagens dos cursos sequenciais (sempre apresentados como o curso técnico depois
do médio) e concomitantes. Os alunos (ao menos parte deles) não ficariam prejudicados
no caso dos cursos sequenciais, pois “dependendo da habilitação, os currículos e horários
poderão continuar sendo organizados de tal forma que o aluno possa estudar e trabalhar,
como ocorre em parte dos casos atualmente.” (parecer 17/97)
Portanto, sem o ensino médio concluído antes do curso técnico, ao mesmo tempo em que
ele ou até mesmo depois, nenhum aluno poderia receber o certificado de técnico.
29
“O chamado currículo integrado é extremamente difícil de ser modificado e por isso mesmo acaba se
distanciando cada vez mais da realidade do mundo do trabalho.” (parecer 17/97)
57
A AUTO-PRIVATIZAÇÃO DO SENAI
A LDB nada traz de novo no que diz respeito ao SENAI nem às entidades congêneres de
educação profissional, o que não quer dizer que elas não tenham passado por alterações
profundas, especialmente na que concerne ao setor industrial. Vamos focalizar esse
ponto.
Como vimos mais acima, a rede SENAI cresceu a um ritmo espetacular, modificando-se
em função das ondas de mudanças do setor produtivo. Nos anos 40, iniciou suas
atividades priorizando a aprendizagem industrial, para qualificar o operariado para a
indústria nascente; nos anos 50, foi a vez da modalidade treinamento, correlativa à
industrialização segundo os moldes da grande indústria; nos anos 90, a ênfase recaiu na
polivalência. Nos anos 70, a ênfase na habilitação de técnicos de nível médio resultou
mais da política educacional de profissionalização universal e compulsória no ensino de
2o. grau do que de mudanças efetivas do setor produtivo. Mas, o ambíguo estatuto do
SENAI, uma instituição privada criada por ato estatal, propiciou interpretações que
ameaçaram seu próprio formato institucional. Vamos a elas.
A lei 2.613/55 criou o Serviço Social Rural, sob regime de autarquia que, como tal, era
obrigada a ter seus balanços aprovados pelo Tribunal de Contas da União. Durante a
tramitação no Congresso, essa dependência do SSR ao TCU foi estendida ao SESI, ao
SESC, ao SENAI e ao SENAC.
58
salários médios tendessem a crescer, previu-se que a receita do SENAI, vinculada à folha
de salários, seria declinante, à medida que esse processo se desenvolvesse. A qualificação
profissional dos trabalhadores requeridos pela indústria (assim como sua escolarização
geral prévia) seria sensivelmente superior ao do operário típico do regime do
fordista/taylorista, o que reduziria em muito a importância da aprendizagem industrial,
razão de ser da contribuição compulsória. Não obstante, a instituição gasta com a
aprendizagem a maior parte dos recursos, enquanto o número de alunos é diminuto nesse
tipo de curso.
Ademais, tem sido sugerido que o requisito de educação geral para os cursos de
aprendizagem passe do fundamental para o médio, embora isso pareça resultar mais do
diagnóstico a respeito da deterioração da qualidade do ensino público do que
propriamente da valorização da elevação do nível dos conhecimentos. Em decorrência, há
quem pense que, neste caso, já se trataria da habilitação profissional, não da
aprendizagem.
30
Ou nem para o SENAC, já que as empresas subcontratadas têm se caracterizado pelo emprego de
trabalhadores temporários ou disfarçados de trabalhadores por conta própria - é a informalização, que será
comentada adiante.
31
A rigor, a terciarização se dá, também, quando o crescimento do setor serviços é proporcionalmente
maior do que o das atividades primárias e/ou secundárias.
59
regularizados é que serve de base para seu cálculo. À medida que as empresas se recusam
a “registrar” seus empregados, elas deixam de recolher a contribuição devida ao SENAI.
32
A proposta original do governo era de reduzir de 90% a contribuição ao “Sistema S”, mudada para 50%
por causa das pressões em contrário.
60
Depois que a constituição de 1988 assegurou o status quo do SENAI e seus congêneres
como órgãos privados, nova ameaça surgiu em artigo do projeto de Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, oriundo da Câmara dos Deputados.
Pelo substitutivo Jorge Hage, a gestão patronal do SENAI não se alteraria, mas a
instituição ficaria afeta a um conselho, no qual a participação estatal seria majoritária, e
os empresários igualavam-se aos trabalhadores em número de representantes. Além do
mais, o projeto inovava com a determinação de que os governos estaduais deveriam criar
centros públicos de formação técnico-profissional, financiados com uma contribuição
compulsória das empresas, à semelhança da que beneficia o SENAI, correspondente a
0,5% da folha de pagamento. Seria o setor público entrando diretamente na formação
profissional, pela via dos sistemas estaduais de ensino. Essa idéia foi assumida pela
Central Única dos Trabalhadores, aliás, participante do Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública na LDB. Na resolução relativa à formação profissional, aprovada no 5o
Congresso Nacional da entidade, realizado em São Paulo, em maio de 1994, além de
reivindicar a criação de centros públicos de ensino profissional, à imagem do projeto de
LDB da Câmara, a entidade aprovou a seguinte posição:
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recursos oriundos da contribuição compulsória possam ser direcionados para outras
entidades.
Tudo somado, é possível afirmar que está em marcha um processo de mudança com
várias velocidades, orientado pelo mercado ou melhor, pela idéia hegemônica do que
seja o mercado. Mas, o efeito inercial do aparato da confederação e das federações, assim
como do próprio SENAI, tendente a manter o status quo, não é nada desprezível. A
trajetória efetiva vai depender, portanto, da resultante de duas forças principais, ambas
internas à instituição: a defesa da contribuição compulsória, reduzindo-se ao mínimo a
aprendizagem, mesmo que isso deixe a instituição exposta à pressão das centrais
sindicais, que pretendem obter a parceria do Estado para exercerem o controle social
sobre o SENAI; e o abandono da contribuição compulsória, partindo-se para a busca de
recursos no mercado e nas parcerias com órgãos públicos em projetos específicos,
33
No entanto, tem havido uma contestação dessa prática pelos tribunais de contas da União, a quem o
SENAI, como as demais entidades do “Sistema S” têm de prestar contas, efeito da ambiguidade original
entre as esferas públicas e privadas. Interpretando a natureza do SENAI como instituição pública, alguns
juizes têm multado diretores regionais por não promoverem licitações para a contratação de serviços. Estes,
por sua vez, recusam-se a adotar essa prática, alegando seu caráter privado. Ademais, as fusões entre as
entidades, inclusive os prédios e as administrações, assim como o regime de “caixa única” têm sido
apontados pelos juizes como prática ilegais.
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eliminando a aprendizagem dos cursos oferecidos, e enfatizando a assistência técnica e as
consultorias.
De todo modo, parece que a estratégia que tende a prevalecer no enfrentamento de tal
ameaça é o afastamento da área de ambigüidade pública/privada, marca da origem
corporativa do SENAI. Assim, a entidade definiu como seu objetivo estratégico a busca
da auto-sustentação, isto é, a possibilidade de operar no campo da educação profissional
sem contar com a contribuição compulsória. Em consequência, a instituição se
dispensaria de oferecer a aprendizagem industrial, o curso que absorve a maior parte dos
recursos, para se dedicar aos que o mercado parece demandar com maior intensidade, e
para os quais estaria disposto a pagar. Igualmente com a assistência técnica e as
consultorias, áreas novas e promissoras.
Com essa reorientação estratégica, o SENAI parece estar fechando o flanco aberto à
ameaça das centrais sindicais (inclusive dos sindicatos a que estão filiados seus próprios
funcionários) de virem a participar da gestão da instituição, trazendo consigo maior
participação do Estado nos conselhos. Com efeito, se a contribuição compulsória
deixasse de ser cobrada, não haveria mais fundamento para que os trabalhadores, nem o
Estado, participassem dos conselhos do SENAI, em igualdade de condições com os
empresários. A ambigüidade estaria eliminada. De uma instituição de estatuto ambíguo, o
SENAI teria abandonado a base estatal de sustentação, num processo de auto-
privatização.
No que diz respeito ao seu “cardápio de ofertas”, as escolas técnicas federais foram
instadas a ampliar em muito suas atividades. Os longos cursos técnicos de três a quatro
anos de duração, juntando educação geral e educação profissional, seriam substituídos
por cursos técnicos pós-secundários, também chamados de especiais, conforme a
nomenclatura do SENAI. Concluintes do ensino médio, de caráter geral, fariam apenas a
parte profissional de cursos técnicos, de preferência em cursos noturnos. Outra
modalidade prevista é a de egressos do ensino fundamental cursando os módulos
exclusivamente profissionais de cada especialidade, enquanto fariam o ensino médio
paralelamente, na própria instituição ou não.
Outra grande novidade para as escolas técnicas, ao menos as da rede federal, é a ênfase
no que a Secretaria de Educação Média e Tecnológica chama de educação não-formal:
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formação profissional de curta duração, qualificação profissional, retreinamento de
trabalhadores (inclusive reconversão), capacitação de jovens e adultos para o trabalho. A
tudo isso se soma a orientação para que as escolas atuem na prestação de serviços a
empresas e a agências governamentais, procedimento que se espera gere significativa
receita extra-orçamentária. Todos os cursos seriam montados na forma de módulos, de
modo que possa haver flexibilidade no sistema: entradas e saídas diversas, certificação
parcial e cumulativa.
Ainda que essas medidas não tenham ainda resultado em mudança efetiva no quadro
geral, já é possível perceber seu sentido. É o que chamei de senaização das escolas
técnicas industriais e dos CEFETs. Mas, considerando que a rede federal de ensino
técnico-industrial foi levada a atuar nos cursos básicos do ensino profissional, esse termo
deveria ser revisto. Com efeito, as escolas técnicas receberam o encargo de oferecer
cursos de qualificação profissional, cursos rápidos às empresas e a destinatários que se
apresentem voluntariamente, na ampliação do leque de seus cursos, além de partir para a
geração de receitas próprias. No que diz respeito aos cursos técnicos, eles deixarão de ter
um caráter mais generalista (ex: química), em proveito da maior especialização (como no
SENAI; ex: alimentos e bebidas, cerâmica, plásticos...).
As escolas dessa rede podem estar no rumo de um processo de privatização, por virem a
pautar-se pelas demandas imediatas das empresas e pela busca de recursos financeiros no
mercado, seja pela venda de cursos a quem esteja disposto a pagar por eles (destinatários
individuais e institucionais) seja pela apresentação de projetos às agências de fomento da
educação profissional, em igualdade de condições com outros “competidores”, como, por
exemplo, e principalmente, o SENAI.
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