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LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

Anderson Nigro Zonato

OS CAMINHOS TORTUOSOS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

O panorama histórico da educação básica no Brasil é acidentado e turbulento,


marcado por diversas interrupções e descontinuidades que tornaram sua evolução mais
lenta.
O primeiro registro formal de uma política para a educação básica se dá de
maneira tímida na Constituição de 1824, dois anos após a independência do Brasil.
Durante o período monárquico, houve iniciativas esparsas e isoladas que não foram
capazes de integrar um sistema educacional consistente.
A educação só volta a ser revisada 67 anos depois, na Constituição de 1891,
dois anos após a declaração da república. Durante a República Velha, um movimento
importante foi o Manifesto dos pioneiros da Educação Nova de 1923, que propunha uma
reforma educacional, mas, no geral, não houve grandes mudanças na educação escolar
brasileira com o advento da República.
Com início em 1930, a Era Vargas foi marcada pela Reforma Capanema, uma
série de leis e decretos que visavam incentivar o ensino técnico profissionalizante para
atender à demanda por mão de obra qualificada exigida pelo crescimento industrial.
Com o fim da Era Vargas, uma nova Constituição é promulgada em 1946 que
permitiu a criação das primeiras Leis de Diretrizes e Bases da Educação em 1961. A LDB
pormenorizou a organização escolar e curricular da educação nacional, mas foi abalada
pelo golpe militar de 1964.
O segundo período ditatorial representa um grande atraso para a educação
brasileira, com fortes intervenções estatais de cunho ideológico e desmobilização da
sociedade organizada. Quando a ditadura acaba, em 1985, a educação vive um dos seus
piores momentos da história.
Só com a “Constituição Cidadã” de 1988 é que a educação finalmente elevada
como um direito de todos e responsabiliza o Estado e a família por fornecê-la, além de
estabelecer princípios baseados na democracia e nos direitos humanos. Ela abre caminho
para diversas ações como a criação de fundos destinados à educação, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, os Planos Nacionais de educação, entre outros.
Entretanto, depois de mais de 30 anos de Constituição Cidadã e diversas
emendas, destacam-se os direitos básicos que não conseguiram se concretizar. Não é
preciso uma longa leitura do Capítulo III da Educação, da Cultura e do Desporto, da
Constituição Nacional, para identificar essas premissas. Logo no segundo artigo (art.
206,) que elenca os princípios pelos quais o ensino será ministrado, nota-se a discrepância
entre a lei e a realidade. A seguir, faz-se uma breve avaliação de cada um dos nove
incisos do referido artigo:
• I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola: esse princípio
abrange todas os problemas de desigualdade social existentes no país que, enquanto
não forem resolvidos, não será possível cumprir com este direito.
• II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte
e o saber: o conhecimento privilegiado pelas escolas é o tecnicista, influenciado
pelas políticas econômicas. Neste sentido, a escola acaba sendo moldada de acordo
com os imperativos do mercado e da livre concorrência, transformando a educação
em mercadoria, a escola em empresa. O pensamento crítico, a arte e o saber são
colocados em segundo plano, ou nem são considerados.
• III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino: na realidade, a autonomia prevista em
lei esbarra em resistências do poder público que fiscaliza os modelos da educação e
os rege segundo princípios ideológicos, como o que houve É nítida a intervenção
do governo na educação de forma geral, como a MP 979 que dá ao MEC o poder de
nomear reitores de universidades federais (contrariando a Constituição) e a
regulamentação da educação domiciliar que altera as leis nº8.069/90 (ECA) e nº
9.394/96 (LDB ), além de aliviar a responsabilidade do Estado sobre a educação
nacional, contrariando o art. 205 da Constituição.
• V - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais: a gratuidade do
ensino público, especialmente do ensino superior, é simbólica. É necessário um
grande investimento para ingressar numa universidade pública, fato comprovado
pelo perfil dos alunos que a frequentam.
• V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da
lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos, aos das redes públicas: é importante frisar que este inciso foi
incluído na Constituição somente em 2006. Representa um avanço, mas na prática
da profissão pouco foi feito.
• VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei: uma gestão
participativa, compartilhada ou democrática significa envolver e engajar a
comunidade escolar o que, em si, já representa um grande desafio, alimentado pela
diferença de interesses entre as partes. Exige do gestor da escola uma capacidade de
liderança, no que tange a inspirar, motivar e animar ideias, pessoas e projetos, além
de uma mente aberta ao novo e revisar modelos antiquados que não servem mais ao
momento atual. É por isso que é preciso pesquisar em artigos científicos para
encontrar escolas que adotaram com sucesso a gestão compartilhada.
• VII - garantia de padrão de qualidade: um padrão de qualidade é estabelecido a
partir de algum modelo, que até há pouco inexistia. Somente na emenda de 20 de
agosto de 2020, há pouco mais de um mês, foi instituído o padrão mínimo de
qualidade (§ 7º do art. 211) que considerará as condições adequadas de oferta e terá
como referência o Custo Aluno Qualidade (CAQ).
• VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação
escolar pública, nos termos de lei federal: outro inciso incluído na emenda de
2006, representa um avanço pois estipula que um terço da carga horária remunerada
do professor seja para planejamento. No entanto, na prática, o profissional necessita
complementar sua renda e dar aula em escolas particulares, prejudicando esse
tempo de planejamento.
• IX - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida: este
inciso foi incluído na última emenda (20 de agosto de 2020) e representa uma
promessa de uma aprendizagem contínua, afinal o processo de aprendizagem não se
limita a cumprir a diplomação oficial, muito pelo contrário, ela deve acompanhar os
movimentos e evoluções da sociedade e do planeta. É um inciso que inclui de
forma latente cursos de pós-graduação, extensão universitária, cursos livres, entre
outras maneiras de ensino que nunca foram contemplados pela Constituição.
As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) surgem
num novo ciclo político, marcado pela democratização e pelo Estado de direito, ao
mesmo tempo que é fortemente influenciado pelo neoliberalismo e pela sociedade
capitalista moderna. A implementação da LDB vem disciplinar a educação escolar,
reiterando preceitos constitucionais e acrescentando normas que organizam a prática
educacional.
Os níveis escolares foram compostos da Educação Básica, dividida em três
níveis (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e Educação Superior.
Enquanto a Educação Básica fica incumbida de desenvolver o educando, assegurar-lhe a
formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores, a Educação Superior é encarregada de:
• I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do
pensamento reflexivo;
• II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção
em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade
brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
• III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e,
desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
• IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
publicações ou de outras formas de comunicação;
• V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e
possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão
sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de
cada geração;
• VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os
nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer
com esta uma relação de reciprocidade;
• VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão
das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e
tecnológica geradas na instituição.
• VIII - atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica,
mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas
pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem os dois
níveis escolares.
Além disso, a LDB delega as responsabilidades à União, Estados e Municípios
no provimento da educação nos diversos níveis, define a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) como um guia para condução dos objetivos de aprendizagem das
instituições de ensino, inclusive na formação dos docentes, e determina a destinação de
recursos para o financiamento do sistema educacional.
Conclui-se que o Brasil está equipado com um arcabouço jurídico consistente,
mas que encara uma realidade repleta de desafios e injustiças. Esse fato torna a prática
docente um exercício de luta e de frustração, que mina o ânimo exigido para a ação,
provocando a desistência de transformar o status quo e causando a rendição à bruta
realidade cotidiana.

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Lucila. O que é custo aluno-qualidade e por que votação do


Fundeb no Senado é tão importante. Brasil de Fato. Recife, 20 de ago. 2020.
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/08/20/o-que-e-custo-aluno-
qualidade-e-por-que-votacao-do-fundeb-no-senado-e-tao-importante>. Acesso em: 23 de
set. de 2020.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm >. Acesso em 22 de set. de 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm >. Acesso
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Extra Classe. Porto Alegre, 10 de jun. 2020. Disponível em: <
https://www.extraclasse.org.br/educacao/2020/06/bolsonaro-autoriza-intervencao-em-
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Bolsonaro assina projeto que regulamenta
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