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INSTITUTO PEDAGÓGICO DE MINAS GERAIS (IPEMIG)


ANGELI ROSE DO NASCIMENTO

NOTAS SOBRE ALFABETIZAÇÃO , LETRAMENTO E LITERATURA.

RIO DE JANEIRO

2019
1

ANGELI ROSE DO NASCIMENTO

NOTAS SOBRE ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E LITERATURA

(Artigo científico)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


IPEMIG como pré-requisito para obtenção do
Título de Especialista em Educação Infantil,
Alfabetização e Letramento

RIO DE JANEIRO – RJ
2019
2

(...)
Mas criança também tem
O direito de sorrir.
Correr na beira do mar,
Ter lápis de colorir...

Ver uma estrela cadente,


Filme que tenha robô,
Ganhar um lindo presente,
Ouvir histórias do avô.
(Os direitos da criança, segundo Ruth Rocha)
3

Dedicatória:

Às sobrinhas queridas, Manuela e Isabel que


adoram ouvir,inventar e contar história, desde
tenra idade.
4

NASCIMENTO, Angeli Rose. Notas sobre Literatura, Alfabetização e Letramento. IPEMIG, 2019.
Especialização em Educação Infantil, Alfabetização e Letramento.

RESUMO

Este artigo apresenta algumas considerações conceituais sobre alfabetização e letramento, principalmente,
na educação infantil, para em seguida relacionar tais noções teóricas com práticas docentes que incluam a
Literatura (Corsino, 2013), enquanto elemento e recurso necessário para o desenvolvimento da criança,
reafirmando a importância da Literatura na formação desde a Educação Infantil. A partir de definições de
Soares (2004) e reflexões de especialistas sobre a importância da Literatura (infantil) na formação de
cidadãos críticos, entende-se que a formação de professores, esse agente de transformação social (Freire,
2003), também deverá compreender seu papel enquanto professor-leitor, professor reflexivo, ou professor-
pesquisador (Pimenta, 2002), a fim de escolher práticas docentes que reafirmam o “direito à literatura”,
segundo a tese defendida por Antonio Cândido (2011). Para tanto, depois da apresentação dos principais
conceitos, exploram-se reflexões acerca do que é literatura, a literatura infantil e a presença desta na
educação infantil na contemporaneidade. A metodologia qualitativa por revisão bibliográfica foi a mais
adequada ao intento dialógico (Bakhtin, 2006) realizado de registrar e provocar meditações a respeito do
tema, no intuito de contribuir para o debate acadêmico.

Palavras-chave: Alfabetização – Letramento - Literatura


5

SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO 6
II DESENVOLVIMENTO 7
2.1 Memorial de formação e ofício 7
2.2 Considerações sobre Alfabetização e Letramento e o campo da linguagem 8
2.3 A alfabetização no tempo 11
2.4 O Direito à literatura (Infantil) 12
2.5 Formações de professores e práticas docentes 15
III CONCLUSÃO 19
IV REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 20
4.1 Livros 20
4.2 artigos em periódicos 21
4.3 documentos na web 22
6

I INTRODUÇÃO

Este trabalho em forma de artigo científico apresentará inicialmente algumas auto-reflexões


em torno da trajetória da autora no exercício da docência de ensino superior na formação inicial de
futuros professores em curso de Pedagogia, principalmente, e ao quê nomeamos como “memorial”.
Tal iniciativa pretende dar a ver o caminho autocrítico que motivou a produção textual em questão,
considerando o curso realizado (à distância) sobre Educação Infantil, alfabetização e letramento.
Em seguida, discutirá os referidos conceitos fundamentais, dialogando com alguns dos
principais especialistas das áreas envolvidas, tanto no âmbito da Educação Infantil, linguagem,
formação de professores e o “direito à literatura”, como entendemos ser esta a dimensão exequível
desta arte na construção de uma cidadania plena.
A metodologia utilizada para qualificar o percurso dialógico estabelecido ao longo do artigo
foi a revisão bibliográfica, partindo de comentaristas e pesquisadores que tem uma produção
nacional e internacionalmente reconhecida, além dos clássicos do campo do desenvolvimento
cognitivo e da aprendizagem, por exemplo, como Vigotsky,e no campo da filosofia da
linguagem,temos Michael Bakhtin.
Para tanto, tomou-se o tema com a inquietação aguçada há algum tempo sobre parte da
realidade da educação brasileira que vem sendo amplamente divulgada por veículos
governamentais, mídias diversas e pesquisas acadêmicas no que tange resultados insatisfatórios das
formações oferecidas na Educação Básica, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, em especial
as competências leitoras dos discentes. Os rankings nacionais e mesmo internacionais, como o
PISA1, por exemplo, tem indicado os baixos índices de desenvolvimento da competência leitora,
gerando os chamados “analfabetos funcionais”, isto é, cidadãos que leem, mas não conseguem
interpretar o que estão lendo. Embora comentaristas do campo indiquem que o Brasil foi o país que
mais cresceu desde 20002,é sabido que ainda estamos comparativamente abaixo do desempenho
desejado e estabelecido como mediano internacionalmente,o que nos coloca na categoria de “países
de baixo desempenho”.Mesmo não sendo o foco deste trabalho analisar criticamente tal programa e
seus resultados,acredita-se ser motivador conhecer um pouco do contexto que compõe a nossa
realidade educacional,subsidiando políticas públicas em Educação,para que tenhamos melhor
compreensão dos conteúdos envolvidos em nossas reflexões e futuramente na leitura crítica desses
resultados que impactam o cotidiano de todo educador comprometido com uma educação de
qualidade.

1
O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, sendo possível acessar dados mais objetivos e informações
específicas sobre o “Programa” em [http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/33571]
2
“O Brasil no PISA 2015: Relatório Nacional”. Indicamos como destaque a leitura das tabelas que situam o Brasil no
ranking internacional,p.129, e o quadro demonstrativo dos estados brasileiros na competência
leitora,p.134.Disponível em
http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf
7

E por fim, concluímos nossas reflexões tecendo algumas considerações finais, tanto
propositivas como de constatação,quem sabe, provocando ânimos para futuras discussões, inclusive,
no nível investigativo das pesquisas acadêmicas.
Assim, damos prosseguimento ao artigo, apresentando o desenvolvimento proposto.

II DESENVOLVIMENTO
2.1 Memorial de formação e ofício
Nesses 32 anos de docência como professor especialista de Língua Portuguesa (e Literatura
Brasileira), 18 deles passados na Educação Básica entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio -
então, 2º. Grau -, deparei-me com desafios mais específicos e relacionados ao campo da
Alfabetização e Letramento, primeiramente como mãe, e depois como profissional ao migrar para o
Ensino Superior, concluído o Mestrado em Educação. Em ambas as situações, percebi a lacuna em
minha formação de especialista em Língua Portuguesa, sem disciplinas no currículo que
contemplassem o tema na época em que me graduei, e ante a falta de experiências com o processo
alfabetizador, apenas conhecido teoricamente até então. Foi na condição de mãe que pude observar
mais de perto e com preocupações técnicas a formação leitora de meu filho (hoje um exímio leitor,
professor universitário e pesquisador). E somente uma década depois me vi desafiada a orientar em
formações iniciais de pedagogos, quer nas atividades de docência presencial e a distância, quer nas
atividades de orientadora de trabalhos de conclusão de curso de graduação em Pedagogia.
Esse processo às avessas pode parecer inconsequente ou contraditório, entretanto, deu-me
mais motivação para mergulhar numa especialização em nível de pós-graduação lacto sensu como
esta (Educação Infantil, Alfabetização e Letramento) numa perspectiva de formação continuada
como muitos de nós, professores, nos submetemos quando despertos pelo caminho investigativo.
Sobre isto, destaco o que o professor Antonio Nóvoa observou: “A formação continuada deve
alicerçar-se numa “reflexão na prática e sobre a prática”,através de dinâmica de investigação-ação e
de investigação-formação,valorizando os saberes de que os professores são portadores.” (1991:30)
Em realidade, o desejo de parar um pouco e me deter em algumas das dúvidas reincidentes
que muitos dos meus alunos vêm reiteradamente colocando solicitou tal iniciativa. Mais curioso foi
olhar de relance meu currículo Lattes e verificar que nos últimos três anos, principalmente, em mais
de 20 orientações concluídas, 70% delas foram sobre o processo de Alfabetização com a
perspectiva do Letramento, incluindo o letramento literário.
Enfim, corroborado pelo interesse observado também em conversas informais com colegas e
outros pesquisadores, pude identificar que o tema parecia aglutinar as angústias de muitos futuros
professores, inclusive, dos que já vinham em exercício docente, porém, sem formação regular até
que lhes proporcionasse melhor suporte para as situações variadas e desafiadoras que o ofício
provoca cotidianamente. E retomo mais uma vez a visão pertinente de Nóvoa acerca da formação
8

continuada: “A formação continuada deve estar articulada com o desempenho profissional dos
professores (...).Trata-se de um objetivo que só adquire credibilidade se os programas de formação
se estruturam em torno de problemas e de projetos de ação e não em torno de conteúdos
acadêmicos.”(1991: 30)
Assim, com a certeza de que me qualificando mais, através de formação na área, poderia
também oferecer melhor apoio aos alunos, meus futuros colegas de profissão, além de me atualizar
para reafirmar meu compromisso com o desenvolvimento de uma cidadania plena, crítica e para a
qual o magistério pode contribuir intensamente, me dispus a refletir brevemente sobre alguns
aspectos da Educação Infantil, a Alfabetização e o Letramento, em uma perspectiva teórica
relacionada à Literatura (Infantil) e sua relevância, no intuito de consolidar alguns conhecimentos
relevantes sobre o tema. Porque como o educador Paulo Freire sabiamente nos advertiu:
Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente
repetir-se. Repito, porém, como inevitável, a franquia de mim mesmo, radical,
diante dos outros e do mundo. Minha franquia ante aos outros e o mundo
mesmo e a maneira radical como me experimento enquanto ser cultural,
histórico, inacabado e consciente do inacabamento. Aqui chegamos ao ponto de
que talvez devêssemos ter partido. O do inacabamento do ser humano. Na
verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência
vital. Onde há vida, há inacabamento. (2015:49-50)

2.2 Breves considerações sobre Alfabetização e Letramento e o campo da linguagem


É preciso ter em mente a priori que vivemos num mundo letrado, o que não foi sempre assim
na história da humanidade. No entanto, ao reconhecermos tal realidade admitimos também a
importância de todas as práticas sociais que reafirmam esta condição precípua para acompanharmos
a civilização, ainda mais hoje com o desenvolvimento galopante em ritmo exponencial das
tecnologias pós-revolução cibernética.
Nunca se leu tanto de forma instrumental, isto é, para buscar instruções,
informações objetivas como na contemporaneidade. Em pesquisa anterior chegamos a construir a
categoria do leitor “buscador” (ROSE, 2017)3em que as subjetividades leitoras empreendem uma
dinâmica de inacabamento e aceleração continua em busca de informações,acessando
sites,blogs,redes-sociais, portais,enfim,todo tipo de informação e dado disponível em rede
Internet. Ainda que reconheçamos um giro civilizatório que na segunda metade do século XX
colocou as “Belas letras” e a formação literária em segundo plano, indicando que as imagens
passariam a ter um protagonismo na formação dos sujeitos, o que gerou a máxima para o senso
comum: “uma imagem fala mais que mil palavras”; a capacidade de contar e ouvir histórias

3
Pesquisa sobre formação de leitores jovens na contemporaneidade, publicada pela Atena Editora, sob o título
“Reflexões sobre experiências de leitura e algumas contribuições do mito de Don Juan”, disponível gratuitamente
em e-book: https://www.atenaeditora.com.br/wp-content/uploads/2017/11/E-book-Reflexoes-sobre-
experiencias.pdf
9

ainda move o mundo, desde a propaganda até o romance mais ousado do meio digital, passando
por manuais e instruções sofisticadas ou não sobre como usar um programa de computador ou
como ministrar um remédio. E foi dessa incurável necessidade de narrar (-se) que nos
acompanha e nos acomete nas diversas relações estabelecidas que reafirmamos ser cada vez mais
necessário e imprescindível introduzir uma criança no mundo letrado.Ou seja, o processo de
aquisição da leitura e da escrita só é cumprido quando o sujeito é capaz de interpretar e entender
o mundo,esse mundo letrado em que vivemos.Portanto,em um mundo marcado por falas,
escritas, movimentos, sons, vivemos na linguagem como sujeitos dela,o que para o filósofo da
linguagem,Michael Bakhtin4 sugere acerca dos usos da língua em forma de discurso,isto é,no ato de fala e
no processo comunicativo:

O discurso põe a língua em movimento contínuo, num fluxo ininterrupto de


enunciações, onde a vida pulsa e onde não existe nem a primeira e nem a última
palavra. O discurso sempre se dirige ainda que o interlocutor não esteja
explicitamente presente, tem uma intencionalidade comunicativa, é situado e
contingente e exige do falante/escritor uma elaboração criativa em cada ato
enunciativo e do ouvinte/leitor uma réplica, que inclui compreender, interpretar,
produzir sentido. Os enunciados por sua vez não se restringem ao texto verbal,
incluem os acentos apreciativos, as entonações, os gestos. (2006:278)

Os estudos extensos e densos de Bakhtin também dão a ver que há uma relação
intersubjetiva que torna a interação entre sujeitos um aspecto fundamental para as ações
comunicativas. E essas interações sociais serão mediadas pelos mais variados textos e/ou sujeitos
envolvidos.

Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da


palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em
relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre
mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra
se apoia se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do
locutor e do interlocutor. (2006:115).

Ao lado disso temos a alfabetização, o processo nomeado para o ingresso no mundo


letrado, que segundo Magda Soares pode ser definida como: “... alfabetização é a aprendizagem
de uma técnica, domínio do código convencional da leitura e da escrita e das relações
fonema/grafema, do uso dos instrumentos com os quais se escreve.” (1998: p.47). Entretanto, de
lá para cá, a própria autora reviu sua posição dado o contexto empírico da educação brasileira.

E para adensar nossa percepção crítica sobre o assunto, vale ressaltar que por longo
tempo pensou-se que o processo de aquisição da leitura e da escrita era simples decifração do
código linguístico, consumando-se tal visão como fator que não supria as necessidades sociais

4
Bakhtin, filósofo da linguagem, foi contemporâneo de Lev Vigotsky, outro estudioso do desenvolvimento e da
aprendizagem humana. Ambos atuaram e pertenceram ao reconhecido “Círculo de Praga” no século XIX.
10

vigentes, que carece de indivíduos letrados e que saibam utilizar a leitura e a escrita socialmente.

Ainda acompanhados de Magda Soares, temos a assertiva: “um indivíduo alfabetizado


não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e
escrever (...)”. E prossegue ampliando a compreensão do que seja o processo de alfabetização,
para além de um método: “e para se tornar letrado o indivíduo necessita entender a
funcionalidade do que está lendo ou escrevendo para ser capaz de praticar a leitura e a escrita em
seu círculo social.” (1998:39)

Embora alfabetização e letramento sejam processos distintos, eles são complementares, o


que faz Magda Soares afirmar:

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das


atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e
escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da
escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do
sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de
habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas
sociais que envolvem a língua escrita (2004:14)

Sabemos que nenhum aluno chega à escola como um repositório a ser preenchido pelos
conhecimentos do professor. Atualmente, entende-se que as crianças trazem saberes sobre a
leitura e a escrita do meio onde vivem. Por isso, compete ao professor fazer uma “avaliação
diagnóstica”5 para saber em qual nível de escrita cada aluno se encontra e iniciar assim seu
planejamento. Sabendo que cada um tem um ritmo diferente e aprende de um jeito diferente, é
fundamental diversificar a ação em sala de aula. Não ensinar apenas a decodificar palavras e
frases sem sentido, mas aproximar o que se estuda da realidade para que a função social da
leitura e da escrita seja compreendida e utilizada eficazmente. Nesta direção, é possível
compreender o ato de ler ao qual Freire confere relevância inigualável, passando a ser um
paradigma existencial:

[…] a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra, […] podemos ir


mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura
do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer
dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. (1981:13).

Outra pesquisadora do mundo da leitura literária (infantil),mais especificamente, que nos


orienta em nosso percurso é Marisa Lajolo(2000) que entende um ser alfabetizado como alguém
que aprendeu as habilidades básicas de uso da leitura e da escrita,observando que para alcançar
tais habilidades existem métodos variados,os quais devem ser definidos levando em conta o
ritmo e o modo de aprendizagem individuais.Podemos pensar que aí reside um ponto de tensão

5
Para melhor esclarecimento sobre o conceito pode-se consultar O Centro de políticas públicas e Avaliação da
Educação(CAED/UFMG),disponível em:[ http://www.portalavaliacao.caedufjf.net/pagina-exemplo/tipos-de-
avaliacao/avaliacao-diagnostica/]
11

se atentarmos para a realidade da sala de aula brasileira,com superlotação de turmas,condições


muitas vezes precárias do espaço escolar,assim como a própria formação docente em condições
precarizadas de trabalho.Mas a contribuição para a relevante observação reside no fato de sugerir
que não se pode pensar em um método único e pronto para a alfabetização e para o letramento se
consumarem.

2.3 A alfabetização no tempo

No Brasil, o ensino da leitura e da escrita foi apresentado pelos padres jesuítas em contato
com os índios com o objetivo de evangelizá-los, convertendo-os a cristãos. Pode-se dizer que as
notícias sobre este período inicial indicam que havia um treinamento dos índios em ler, escrever
e contar. E durante três séculos a narrativa da leitura era apenas autorizada aos senhores,
excluindo negros (escravos),mulheres,crianças,usurpando aos demais o direito à leitura e à
escrita. As escolas eram raras e os documentos da época restringiam-se ao relato de viajantes,
prontuários e documentos de cartórios, ou escritos de próprio punho como cartas de descrições e
negociações comerciais. Somente a partir de meados do século XVIII aconteceram
transformações intensas na mentalidade senhorial, que vão ao encontro da transição do país,
então nação, de Brasil Império para o Brasil República – a primeira. A realidade decorrente
desse contexto restritivo é que todas as ações de estímulo ou não ao acesso à alfabetização estão
vinculadas aos interesses das elites, tanto no que se refere à política, quanto à economia.
Chegou-se, então, ao final do século XIX com mais de dois/terços da população brasileira
analfabeta. (Paiva, 2003).

Em termos de método, havia um método, o sintético, em que se começava o ensino a partir


da parte para o todo, dando especial atenção à soletração. No início do século XX com fortes e
carregadas críticas sobre este método, surge por influência americana o método analítico, que
anunciava o ensino a partir do todo, ou seja, a partir das palavras, sentenças, historinhas, que
faziam mais sentido para as crianças, para em seguida se chegar à análise das partes. Somente na
segunda metade do século XX, anos 70 em diante, as contestações foram polarizadas entre os
que defendiam a mesclagem de métodos e os defensores das cartilhas. Posteriormente, os
construtivistas também marcaram presença no debate nacional. E no final da década de 80, ainda
dentro do Construtivismo surge uma vertente interacionista com o expoente em Lev Vigotsky.

Nesse momento, os professores principiaram a analisar o significado da escrita das


crianças, uma vez que para o Construtivismo, por exemplo, o rabisco não seria um rabisco e sim
uma maneira de aproximação da criança da escrita (SOARES, 1985).Sobre tal aspecto específico
em torno da escrita,contamos com a valorosa contribuição de Vigotsky : “Ensina-se a criança a
desenhar letras e a construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-
12

se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem
escrita como tal." (1991:119)

E é nesse momento que chegamos ao ponto do tópico anterior sobre considerações em


torno de alfabetização e letramento,quando surge a noção formalizada e articulada à
alfabetização de Letramento,tendo seu expoente em Magda Soares, professora titular da UFMG.

Esta aparente profusão de nomes é relevante na medida em que dá a ver o quanto o


campo de estudos sobre alfabetização e letramento vem de um histórico bastante controverso e
ao mesmo tempo rico de possibilidades, o que confere importância ao tema no ambiente
investigativo e acadêmico.

2.4 O Direito à literatura (Infantil)

A Educação infantil é a primeira etapa da Educação Básica e é oferecida em creches e pré-


escolas, tanto em instituições públicas como privadas, para crianças de 0 a 5 anos e 11 meses, no
período diurno, podendo ser integral ou não. A especificidade desse ciclo deve-se principalmente
à chamada Constituição cidadã de 1988, pois na Carta Magna a educação infantil passou a
figurar como processo que inclui aprendizagem e vai além do aspecto do cuidado, a saber:

O dever do Estado com a educação básica será efetivado mediante a garantia de:

I- educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de


idade.(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL,
1988)

Além dela, a Lei de Diretrizes e Base da educação Nacional 9394/96 contribuiu


enormemente para dar visibilidade à infância no ambiente educacional. Os espaços escolares em
que a educação Infantil é desenvolvida devem ter professores preparados, além de um
planejamento que observe e atenda aos conteúdos estabelecido em relação ao processo de ensino
e aprendizagem, o que ultrapassa e muito aquilo que vinha sendo praticado nas instituições que
atendiam a essa faixa etária. Dessa feita, as crianças de 6 anos passam a ser matriculadas no
Ensino Fundamental. Sobre o novo modo de organização da educação formal, o Referencial
Curricular Nacional (RCNEI) para a Educação Infantil orienta:

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e


aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o
desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar
com os outros em uma atitude básica de aceitação,respeito e confiança, e o
acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e
cultural(1998:23).

Tais informações objetivas também dão a ver que os conceitos de


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“infância”,”criança”,assim como “literatura infantil” são construídos socialmente,refletindo a


visão de mundo que um grupo social tem a partir das concepções de educação,ensino,
protagonismo infantil e gênero literário com que se relacionam essas categorias sociais.

Para entendermos melhor a relação literatura infantil e família, por exemplo, é preciso
conhecer um pouco sobre o vínculo que há entre elas. A partir do século XVII, período que Ariès
(1981) defende que a noção de infância surge ao lado das transformações que começaram a se
processar junto com a transição para a sociedade moderna. A partir desse momento os adultos
passam a ter uma visão diferente da criança, pois até então estas eram vistas como um adulto em
miniatura. Para Ariès “A criança, por muito tempo, não foi vista como um ser em
desenvolvimento, com características e necessidades próprias, e sim homens de tamanho
reduzido”. (1981:18).
Convivendo juntos com os adultos e dividindo as mesmas responsabilidades e valores
morais, a infância não era vista como um período de formação do ser humano, não havia um
mundo infantil separado, com isso a literatura para ambos era exatamente igual, uma vez que não
se separava a faixa etária. No entanto, em relação às classes sociais havia uma separação bastante
nítida, pois as crianças das altas classes sociais tinham acesso aos grandes clássicos da literatura
universal. Enquanto as crianças das classes mais pobres não tinham acesso à escrita e a leitura,
seus conhecimentos resultavam de uma literatura tradicional do seu povo, que era contada por
seus familiares através de lendas e contos folclóricos de suas regiões.
Ainda segundo Ariès (1981) no século XVI e XVII a criança começou a ser notada como
“criancinha pequena”, mas foi somente a partir do século XVIII que surgiu uma nova
preocupação com a infância, que se consolidaria mais tarde. Nesta perspectiva então se exigiria
mais cuidados e etapas específicas para a formação da criança.
Diante dessa nova ótica de mudança cultural influenciada, principalmente, pelas
transformações sociais e econômicas que a sociedade estava passando, a família também se
modificou em relação ao sentimento da infância, passando assim a nutrir mais afeto e atenção
para com os filhos, além de almejar novos objetivos para eles. Destacamos, então, que a partir do
século XX, após pesquisas realizadas na área pedagógica e psicanalítica com foco em crianças,
os conteúdos dos textos infantis passam a se destacar como objetivo pedagógico.
Porém, é neste ponto que a relevância da Literatura se articula com o processo de
alfabetização e letramento, pois segundo Emilia Ferreiro ressignificar a alfabetização através de
práticas lúdicas de leitura e escrita na Educação Infantil pode ser um caminho mais fácil e
prazeroso de aprender e apreender os conhecimentos necessários para a classe de alfabetização
propriamente. A literatura tem a função de despertar o senso crítico e auxilia no aprendizado.
14

Mas o que é a literatura? A concepção abrangente do sociólogo Antonio Cândido auxilia


a compreender a amplitude da linguagem com a qual podemos lidar numa formação libertadora:

[...] todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os


níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos
folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis de produção
escrita das grandes civilizações. (2011:117)

A linguagem é a base do pensamento na infância e a literatura oferece alimentos


primordiais para seu desenvolvimento como: imaginação e palavras significantes.Para tanto,
Corsino comenta sobre a presença da Literatura enquanto elemento estético inserido na formação
da criança: “A literatura, ao trazer ao leitor questões da vida, pode permitir o encontro do eu com
o outro, numa alteridade constitutiva. Nesta vida a literatura daria ao sujeito ampliações de suas
compreensões do mundo, de si mesmo e do outro.” (2015:117)

E entendendo que o sucesso nas séries posteriores pode estar justamente ligado ao tipo de
trabalho realizado na Educação Infantil. Assim, cabe ponderar que a qualidade da Educação
Básica está nas mãos da pré- escola, em certa medida.

A literatura ressurge também como a linguagem capaz de contribuir para o


desenvolvimento integral da criança (e do ser humano), uma vez que as dimensões ética e
estética estão presentes como elementos provocadores das percepções subjetivas acerca da
realidade do entorno da criança, mas também até ampliando para ambientes sequer explorados
por ela. Corsino e Andrade ratificam:

[...] A literatura, ao resgatar a experiência, ao trazer a história, ao apontar para


o diferente e para a possibilidade de sua aceitação, ao revelar as
desigualdades e injustiças,ao deixar aflorar os sentimentos e ao tratar a
linguagem enquanto arte, traz as dimensões ética e estética da
linguagem.[...](2005)

Mas educar com a literatura, como entendemos ser a relevância de explorar esta linguagem
desde a educação infantil, a linguagem literária, numa perspectiva emancipadora exige do
professor preparo para ter um olhar crítico e educado do ponto de vista estético, ou seja, ser leitor
também, a fim de que escolha obras de qualidade e instigantes para a realidade infantil. E
acompanhados de Corsino refletimos :

Na educação infantil, o texto literário tem uma função transformadora, pela


possibilidade de as crianças viverem a alteridade, experimentarem sentimentos,
caminharem em mundos distintos no tempo e no espaço em que vivem
imaginarem, interagirem com uma linguagem que muitas vezes sai do lugar-
comum, que lhes permite conhecer novos arranjos e ordenações. (2010:184)

Entretanto, para garantir essa presença da Literatura no cotidiano escolar como modo de
formar cidadãos é necessário ter em mente a tese defendida pelo professor e sociólogo Antonio
15

Candido em sua militância pela Literatura (Brasileira): “quer percebamos claramente ou não, o
caráter de coisa organizada da obra literária torna-se um fator que nos deixa mais capazes de
ordenar a nossa própria mente e sentimentos, e, em consequência, mais capazes em organizar a
visão que temos do mundo”.(2011:170)
Esta militância foi ao encontro dos Direitos Humanos, instância que contextualizou a
produção do ensaio em questão de Cândido, conferindo uma dimensão política, ética e estética à
literatura como presença fundamental na formação do caráter nacional e da vida de seus cidadãos
no Brasil. Comenta ainda o crítico literário:
Por quê? Porque pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer
que aquilo que consideramos indispensáveis pra nós é também indispensável
para o próximo. Esta me parece a essência do problema, inclusive no plano
estritamente individual, pois é necessário um grande esforço de educação e
autoeducação a fim de reconhecermos sinceramente esse postulado. Na verdade,
a tendência mais funda é acharmos que os nossos direitos são mais urgentes que
os do próximo (2011:174).

Pensar a Literatura como um direito na educação, em específico já a partir da Educação


Infantil corrobora para pensarmos o direito à leitura e à educação. Um país que priva seus
cidadãos de tais instâncias, priva-se de ser mesmo um país que prima pelo bem estar e boa
convivência entre os seus e todos que os escolheram para nele conviver.Pois com Cândido
pensamos :

A função da Literatura está ligada à complexidade de sua natureza, que explica


inclusive o papel contraditório, mas humanizador (talvez humanizador, porque
contraditório), analisando-a podemos distinguir pelo menos três faces:
(1) Ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significados;
(2) Ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do
mundo dos indivíduos e dos grupos;
(3) Ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e
inconsciente (2011:178-179).

Assim, entendemos que a presença da literatura desde a Educação Infantil em sala de


aula pode contribuir e muito para todo o desenvolvimento da criança, ainda que seja inicialmente
ouvindo a contação de histórias ou “rabiscando” os personagens que lhe chamem a atenção ou à
emoção.

2.5 Formação de professores e práticas docentes


É fundamental salientarmos que a formação do professor é algo vital para que a sua
prática docente seja relevante, sendo assim, é necessário que o professor esteja constantemente
se qualificando para atender a demanda social existente e para que seu ensino seja crítico e
reflexivo. Quando o professor é devidamente formado é mais provável que o trabalho do mesmo
seja mais fundamentado e relevante, isso porque uma formação adequada é a forma de garantir
que o profissional do ensino faça algo que vá além do desenvolvimento de um trabalho apenas,
16

mas que faça algo que tem ligação com o desenvolvimento do ensino de forma mais ampla e
significativa. Gadotti,a respeito desse aspecto formativo na docência comenta:
Ao novo educador compete refazer a educação, reinventá-la, criar as condições
objetivas para que uma educação realmente democrática seja possível, criar uma
alternativa pedagógica que favoreça o aparecimento de um novo tipo de
pessoas, solidárias, preocupadas em superar o individualismo criado pela
exploração do trabalho. Esse novo projeto, essa nova alternativa, não poderá ser
elaborado nos gabinetes dos tecnoburocratas da educação. Não virá em forma
de lei nem reforma. Se ela for possível amanhã é somente porque, hoje, ela está
sendo pensada pelos educadores que se reeducam juntos. Essa reeducação dos
educadores já começou. Ela é possível e necessária. (1998: 90)

O autor nos apresenta um novo olhar sobre a qualificação docente, ressaltando a


importância de se desenvolver um tipo de formação contínua que seja capaz de prepará-lo para o
exercício de uma educação que rompa com padrões que muitas vezes estão presentes na
educação como todo, daí o desafio no que diz respeito a qualificação docente, pois a mesma não
pode acontecer de maneira sistemática e fora da realidade que se apresenta, pois quando isso
ocorre a tendência é que essa formação seja inadequada a demanda social existente.
O ser humano tem o poder de transformação social, e para analisarmos essa questão,
Gadotti nos sugere:

O homem faz a sua história intervindo em dois níveis: sobre a natureza e sobre a
sociedade. O homem intervém na natureza e sobre a sociedade, descobrindo e
utilizando suas leis, para dominá-la e colocá-la a seu serviço, desejando viver
bem com ela. Dessa forma ele transforma o meio natural em meio cultural, isto
é, útil a seu bem-estar. Da mesma forma ele intervém sobre a sociedade de
homens, na direção de um horizonte mais humano. Nesse processo ele
humaniza a natureza e humaniza a vida dos homens em sociedade. O ato
Pedagógico insere-se nessa segunda tipologia. É uma ação do homem sobre o
homem, para juntos construírem uma sociedade com melhores chances de todos
os homens serem mais felizes (grifos nossos). (1998, p. 81)

Como é explicitado por GADOTTI, assim como é possível que o ser humano modifique a
natureza, também é concebível e inevitável que o mesmo modifique a sociedade em que está
inserido. O professor, sendo um profissional, diretamente ligado à orientação de seres humanos,
quando os mesmos estão se desenvolvendo social e intelectualmente, se torna assim, um
importante agente dessa transformação social, o que precisamos analisar efetivamente é se esta
transformação que o mesmo está/estará contribuindo para que aconteça será positiva ou negativa,
pois as duas opções são possíveis.
Nas últimas décadas surgem algumas categorias que indicam uma relação bastante
diferenciada dos docentes com o conhecimento e o exercício da docência, tais como a de
“professor-reflexivo e a de professor-pesquisador.Tomaremos apenas estas e de modo breve a
fim de indicar a relevância destas para a compreensão sobre as noções anteriormente
17

desenvolvidas(Alfabetização,letramento,literatura)enquanto instâncias que exigem uma postura


crítica e criativa para que de fato os processos de formação sejam amplos e satisfatórios.

No caso do primeiro, professor-reflexivo, a intervenção na sua realidade faz com que o


professor se torne autor de sua formação e, ao mesmo tempo em que pratica os conhecimentos
didáticos oriundos de pesquisas, trocas com os alunos e outros colegas, ele também agrega aos
mesmos seus conhecimentos tácitos, e através da sua criatividade elabora uma forma de resolver
as situações que estão presentes no cotidiano escolar. Para tanto, seguimos com Selma
Pimenta,especialista na área de formação de professores em relação ao papel assumido como um
profissional autônomo e reflexivo considera que:

[...] o exercício da docência não se reduz à aplicação de modelos previamente


estabelecidos, mas que, ao contrário, é construído na prática dos sujeitos-
professores historicamente situados. Assim, um processo formativo mobilizaria os
saberes da teoria da educação necessários à compreensão da prática docente,
capazes de desenvolverem as competências e habilidades para que os professores
investiguem a própria atividade docente e, a partir dela, constituam os seus
saberes-fazeres docentes, num processo contínuo de construção de novos saberes
(2005: 528).

Ao lado deste podemos também considerar a pesquisa, para o professor-pesquisador, que


é o processo que acontece de forma gradual, no qual os envolvidos constroem seus
conhecimentos, saindo do estado de estagnação para a efetivação do saber.

Dessa maneira, evidencia-se que a prática da pesquisa direciona o educador a “adubar” de


conhecimento o solo que semeia na constância do dia a dia da sala de aula. E é nesse “campo”
que as metodologias e propostas são colocadas em prática, aperfeiçoando umas e descartando
outras, na busca constante de uma eficácia pedagógica que vise atender a todos em seus
diferentes anseios. E a troca entre todos os envolvidos nesse processo tem momento para iniciar,
mas nunca pra terminar, como afirma Freire: “A educação tem caráter permanente”. Portanto, ao
estarmos cientes de que ao assumirmos a prática da pesquisa como algo do nosso dia a dia,
fortalecemos as relações dentro e fora dos espaços escolares, proporcionando, desse modo a
ruptura com “modelos” até então imperantes. A professora Marly André, também parceira da
professora Pimenta esclarece:

A formação do professor pesquisador pode ser uma das possibilidades, pois A


pesquisa pode torna o sujeito-professor capaz de refletir sobre sua prática
profissional e de buscar formas (conhecimentos, habilidades, atitudes, relações)
que o ajudem a aperfeiçoar cada vez mais seu trabalho docente, de modo que
possa participar efetivamente do processo de emancipação das pessoas. Ao
utilizar as ferramentas que lhe possibilitem uma leitura crítica da prática
docente e a identificação de caminhos para a superação de suas dificuldades, o
professor se sentirá menos dependente do poder sociopolítico e econômico e
mais livre para tomar suas próprias decisões. (2006: 223)

E através do trabalho de reflexão sobre a prática, fica a perceber que o professor passa
a atuar como pesquisador da sua própria prática.
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E a pesquisa faz com que o professor-pesquisador reflita sobre a sua prática, buscando
possibilidades de conhecimentos que darão suportes para que ele, dentro da sua sala de aula,
efetive o processo de emancipação e superação de todos os envolvidos. Repensar sobre a prática
docente e os mecanismos do ensinar com as armas necessárias deve ser prática constante do
professor desde a formação inicial, e não somente nos cursos de pós-graduação ou mestrado.
Pois saber analisar os dados, confrontá-los, ler criticamente a realidade, irá remeter a sua prática
docente, agora sim, com criticidade do que lhe é apresentado.

O questionamento que direciona e impulsiona se difere de simples críticas aleatórias,


pois fundamentado, com qualidade, implica no processo político de emancipação do profissional
e do sujeito, tendo em mente, que a docência, por si só, já se configura em processo de pesquisa
como atitude cotidiana, frente aos saberes docentes.

A pesquisa, portanto, é o processo que acontece de forma gradual, no qual os envolvidos


constroem seus conhecimentos, saindo do estado de estagnação para a efetivação do saber.

Buscar a superação desse modelo significa valorizar a prática do professor, considerando


seu papel de “construtor de conhecimento” e não de mero instrutor que transmite os saberes
produzidos por outros. Nessa perspectiva, a formação do professor-pesquisador representa uma
possibilidade para que o futuro professor tome consciência da necessidade de analisar sua
prática, compreendendo suas inter-relações com as condições educacionais e sociais, e
encontrando caminhos para desenvolver os saberes próprios da docência. Seguimos com Freire:

Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra.
A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica decisão,
escolha, decisão, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas
insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar
por estudar. De estudar descomprometidamente como se misteriosamente, de
repente, nada tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora e distante mundo,
alheado de nós e para nós dele.

Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que? Contra quem


estudo?(2015:75)

A construção do conhecimento através da pesquisa em busca de um alicerce, tendo


por base processos anteriores, em que o questionamento faz com que a inquietação não permita
a acomodação do fazer por fazer, mas sim, o saber fazer com propriedade, possibilitando
superar o estado de estagnação e ampliando gradativamente seu aperfeiçoamento profissional e
pessoal:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se


encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando,
reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e
me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho intervindo
educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade (2015:30-31).

O papel do professor-pesquisador implica a ruptura de paradigmas, pois o ontem


aprendiz, hoje agente, com as ferramentas necessárias para instrumentalização de sua prática, em
busca de viabilizar contextos que de fato implementem métodos e práticas, agora sim, fazendo
19

com que haja um compartilhamento das ações que resultem na validação da aprendizagem dos
alunos, para modificar ou reestruturar conhecimentos que devem permitir que eles vivenciem
situações com autonomia, recriação, que motive os educandos a elaborações próprias, para que
assim, eles possam assumir o papel de protagonistas, ou seja, sujeitos ativos em seus processos
educativos.

III CONCLUSÃO
As considerações finais destacam a relevância da aproximação da literatura infantil com
aluno da educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental I,por exemplo.Autores
como Vigotsky e Bakhtin trazem leituras que abordam temas que auxiliam bastante em
reflexões, comprovando a necessidade de estimular o professor a pesquisar e o aluno a falar, a
ouvir o outro, a se ouvir ,a se relacionar,interagir,a fim de se compreender melhor, assim como o
mundo que o cerca.E a literatura pode apoiar este aspecto da existência humana.

Com Bakhtin, podemos perceber que a língua é concreta, viva e sofre variações conforme
seus usuários se utilizam dela. Vemos também que devemos nos preocupar em transmitir a
mensagem de forma a ser compreendida, independente de normas estanques de gramática, mas
relacionada à consciência linguística do locutor e do receptor.

Vigotsky nos mostra, assim como Bakhtin, que a linguagem tem como função a relação
social com intenção de comunicação entre os falantes, que a criança utiliza a fala para um
discurso social e interativo. Mesmo o aluno que ainda não lê, mas ouve histórias, tem como se
organizar em termos de emoções e sentimentos, assim como a ser provocado a construir o seu
texto, a sua história, quer pela fala, quer pelos traços que escolher representar sua percepção da
realidade que se lhe apresenta.

Com o estudo bibliográfico, foi possível perceber que a alfabetização e letramento são
processos de ensino/aprendizagem que proporcionam a leitura e escrita, onde a pessoa
alfabetizada e letrada é aquela que possui habilidades básicas para o uso da leitura e da escrita
em seu cotidiano, sendo observado que para que tal ação seja efetivada, existem diversos
métodos para chegar ao aluno alfabetizado.
É essencial que o professor não apenas alfabetize ou letre o aluno e sim, alfabetize
letrando, pois assim estará orientando o discente para os atos de ler e de escrever no contexto das
práticas sociais. O que esta proposta do alfabetizar letrando pressupõe é que a técnica esteja
aliada à construção da significação e contextualização da escrita, onde os processos de
alfabetização e letramento, não se excluem, apenas mantêm suas especificidades, ainda que
sejam processos indissociáveis e interdependentes. Deste modo, reafirmamos mais uma vez que
“o momento é de procurar caminhos e recusar descaminhos”,como Soares assevera (2004:66), e
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como afirma a própria autora “o caminho seria a integração das várias facetas, ou seja,
alfabetizar letrando e letrar alfabetizando”. Isto é, formar para a cidadania e para um futuro de
sucesso. (SOARES, 2004:68)
Ao lado disso, a literatura infantil é discutida por diversos autores e apresenta-se como
um elemento bastante positivo no que diz respeito às minhas preocupações, pois amplia o
vocabulário do leitor, apresenta novos mundos, novos horizontes, contribui com a formação
reflexiva do indivíduo em relação a si e ao outro de maneira crítica.

Quando um aluno lê um texto literário infantil ou ouve uma história e discute em uma
roda de conversa com outros alunos o que acabou de ler/ouvir, as ideias que ele já possui são
reforçadas ou modificadas, auxiliando-o a constituir-se como um ser social, capaz de ouvir e
falar e mais: capaz de ouvir e falar sem ofender e sem ofender-se com ideias contrárias às suas,
mas crescendo com esta oposição de ideias, reformulando-se e reconstituindo-se.

É claro que a ampliação de vocabulário e a preocupação com a escrita vêm, pois


descobrem novas palavras e percebem como nosso sistema de escrita é complexo, possuindo
grafemas que possuem diferentes fonemas e fonemas diferentes que são representados por vários
grafemas. Porém, tudo isso pode ser intensificado se o professor assumir seu compromisso de ser
um agente transformador do social e a responsabilidade com a própria formação leitora,
conduzindo-se como professor-reflexivo,ou professor-pesquisador,dependendo das condições de
produção com que vier a lidar.

Mas o teórico da literatura e professor Tzevan Todorov nos mostra que trabalhar com a
literatura desde a tenra idade pode ajudar o aluno a

(...) encontrar um sentido que lhe permita compreender melhor o homem e o


mundo, para nelas descobrir uma beleza que enriqueça a sua existência; ao fazê-
lo, ele compreende melhor a si mesmo. O conhecimento da literatura não é um
fim em si mesmo, mas uma das vias régias que conduzem à realização pessoal de
cada um. (2009:33)

V REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

4.1 Livros

ANDRADE, Ludmila Thomé de; CORSINO, Patrícia. “Critérios para a constituição de um


acervo literário para as séries iniciais do ensino fundamental: o instrumento de avaliação do
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(Orgs). Literatura: saberes em movimento. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2007(pp. 79-
91).
21

ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Tradução de Dora Flaksman.
Rio de Janeiro: LTC, 1981.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários Escritos. 5 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre
Azul/ São Paulo: Duas Cidades, 2011.

FERREIRO, E. Reflexões sobre a Alfabetização. São Paulo: Cortez, 1985.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Paz e


terra: Rio de Janeiro, 2015.

FREIRE, Paulo. “A importância do ato de ler: em três artigos que se completam” 23 ed. São
Paulo: Cortez, 1981.

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. 2.ª ed., São Paulo, Cortez, 1998.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.

CORSINO, Patrícia. Literatura na educação infantil: possibilidades e ampliações. In: PAIVA,


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[http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/Formacao/2011_literatura_infantil_capa.pdf]

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2000.

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Formação contínua de professores: realidade e perspectivas. Aveiro: Universidade de
Aveiro, 1991.

PAIVA, José Maria de. Educação jesuítica no Brasil Colonial. In: LOPEZ. Eliane M. Teixeira
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PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.) Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um


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SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. 1a. ed.Belo


Horizonte:Autêntica,1998.

TODOROV, Tzevan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: Difel, 2009.

VIGOTSKY, L.S.A formação social da mente.O desenvolvimento dos processos psicológicos


superiores.4ª.ed.São Paulo:Martins Fontes,2011.

4.2 Artigos de periódicos.

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16 , n. 41, 108-123 ,abr./jun.2015.Disponível em[https://www.e-
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CORSINO, Patrícia. Infância, práticas culturais, leitura e literatura no contexto da


democracia. 38ª Reunião Nacional da ANPEd, UFMA, São Luís, 01-05 out /2017.
22

SOARES, Magda. Entrevista. Cadernos CENPEC. São Paulo, v.6 ,n.1,p.143-164, jan./jun.
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SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de


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_______________.As muitas facetas da Alfabetização,In:Cadernos de Pesquisa.São


Paulo:Fundação Carlos Chagas,v.52,p.19-24,fev.1985.

4.3 Documentos da web

BRASIL.CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL,1988.Disponível


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BRASIL.REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO


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CABRAL, Sandhra. Dia mundial da Alfabetização: Qualidade da base não cresce no Brasil.
Educar para Ser Grande. Vídeo disponível em
[http://www.educarparasergrande.com.br/2016/09/08/dia-mundial-da-alfabetizacao-qualidade-
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ROSE, Angeli. Reflexões sobre experiências de leitura e algumas contribuições do mito de


Don Juan. Ponta Grossa: Editora Atena,2017.E-book disponível em
[https://www.atenaeditora.com.br/wp-content/uploads/2017/11/E-book-Reflexoes-sobre-
experiencias.pdf]

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