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JEAN-LOUIS COMOLLI
No lado estético, parece acontecer como se, para uma certa categoria
do cinema contemporâneo (o da experimentação), os campos
tradicionalmente separados, e até mesmo opostos, do “documentário”
e do “ficcional” interpenetrassem-se cada vez mais, misturassem-se de
mil maneiras, engajadas em e engajando um vasto processo de troca,
um sistema de reciprocidade onde reportagem e ficção, alternados ou
conjugados no mesmo filme, reagem-se um sobre o outro, alteram-se,
transformam-se e terminam por se valerem um pelo outro.
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Sabemos onde começa o cinema direto, mas não onde ele termina.
Mas esse fato (que se acha o direto em seu “estado puro” em qualquer
entrevista filmada ou enquete, em qualquer pedaço de reportagem ou
de jornais) não deve levar a considerar esses como exemplos daquele,
como lugares e figuras ideais de seu absoluto estético. A reportagem só
pode valer como definição mínima do direto e, mais que sua forma por
excelência, que sua ilustração perfeita, que seu modelo, ela é seu grau
zero, sua raiz primeira.
3. Parece-me que, desse grau zero é oriunda a maior parte das reportagens
que se dizem “objetivas”, modelos, não-intervencionistas (com algumas
exceções, estudadas no parágrafo 7). Nessas reportagens muito boas (ou
não tão boas) está em jogo o que Louis Marcorelles chama “magia do
direto”; mas não me parece que elas possam preencher esse papel de
modelo do cinema direto, é necessário comparar outros filmes.
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Será preciso apenas três anos (1929-1931) para que o cinema inteiro mude
de natureza, sofra uma mutação radical: brutalidade da mudança mas
também da vitória do cinema falado, fulgurante, universal. Sob a pressão
da multidão (do dinheiro), em três anos, ou seja, instantâneamente,
desaparece o cinema mudo, que passa do estatuto superior de arte
completa ao estágio inferior de desenvolvimento técnico. Suas várias
conquistas estéticas e técnicas (montagem, decupagem, movimentos)
são bruscamente ocultados por um único defeito: a falta da palavra.
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Trata-se então de determinar em que o cinema direto marca bem, apesar das
aparências, que há revolução, que uma ruptura foi consumada, uma diferença
inscrita na concepção/fabricação do cinema.
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O direto deixa, então, o cinema no lugar onde ele estava e estará desde
o advento do cinema falado. Suas técnicas não são especialmente
adaptadas nem aos objetivos, nem às práticas, nem aos conteúdos do
cinema clássico (chamado assim para simplificar), não interessam muito
a ele e nem, consequentemente, à indústria que o alimenta.
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29. Ora, na primeira parte deste texto, nós falávamos desse fenômeno
de interprodução do acontecimento e do filme, um pelo outro, como
uma das principais contribuições (estéticas, teóricas, políticas) do
cinema direto. Que se trate aqui mais do que de uma convergência,
no aspecto da concepção/fabricação do filme, de elementos do
cinema de ficção e do cinema direto, é provado pelo fato de Jancso,
justamente, não utilizar nenhuma das técnicas específicas do
cinema direto. Trata-se então de uma certa prática do cinema de
ficção equivalente a uma certa prática do cinema direto. Assiste-se,
na verdade, à produção em direto3 de uma ficção cinematográfica.
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