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Daniel Chaves
Pesquisador do Círculo de Pesquisas do Tempo Presente/CPTP;
Pesquisador do Observatório das Fronteiras do Platô das Guianas/OBFRON;
Professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional - PPGMDR/Unifap.
Elione Guimarães
Professora e pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz de Fora.
Rivail Rolim
Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História-UEM-PR.
A635 Antônia Onça e o Mestre em Amansar Brancos: trajetórias e saberes indígenas e afri-
canos no sertão da Bahia / Organizador Washington Nascimento. – Rio de Janeiro,
RJ: Autografia, 2021.
346 p. ; 15,5 x 23 cm
ISBN 978-85-518-3390-2
1. Índios da América do Sul – Bahia. I. Nascimento, Washington.
CDD 980.1
Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422
isbn: 978-85-518-3390-2
1ª edição, novembro de 2021.
Este livro contou com recursos provenientes do Edital 02/2020 – Programa de Apoio à editoração
da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ),
agência de fomento à ciência, à tecnologia e à inovação do Estado do Rio de Janeiro.
Revisão Técnica
Renata Ferreira de Oliveira
Prefácio
Marise de Santana
Autores
Edelvito Almeida do Nascimento
Ivana Karoline Machado
Juliana Gonçalves
Manoel da Silva Santana
Renata Ferreira de Oliveira
José Luiz de Jesus
Imagem da Capa
Flávia Maraká
Autor da Foto
João Rafael da Silva Neto
Agradecimentos
Alexandre Marcussi
Arquivo Público de Rio de Contas
Arquivo Público de Vitória da Conquista
Edvaldo Oliveira
Fabio Sena Santos
Flavia Maraká
João Rafael da Silva Neto
Nivaldo Dutra
Tania Salgado Pimenta
Uiá Freire Dias dos Santos
A breviaturas ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 11
P refácio ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 13
Marise de Santana
I ntrodução �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 17
Washington Nascimento
Washington Nascimento
Washington Nascimento
Washington Nascimento
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[...] uma índia sentia muita tristeza de ver seus familiares perseguidos por
tanta gente que invadia as suas terras. Pediu a seus companheiros que
invocassem o espírito para que ela ficasse encantada. Durante a noite,
transformada em onça, ela caçava os animais pertencentes aos fazendei-
ros. Matava, mas queria que a carne fosse distribuída entre os caboclos.
Ao amanhecer o dia, vinha correndo e pedia a sua mãe que colocasse o
ramo em sua boca para que voltasse à forma humana. Num desses dias, a
mãe não encontrou o ramo necessário. Nunca mais foi feito o desencan-
to da índia. Passaram os fazendeiros a persegui-la até em caravana para
matar a onça cabocla. Ela se refugiava numa das grutas, naquela em que
existe o trono em que se sentavam os chefes. Ali os índios executavam as
danças à meia-noite e a onça cabocla era desencantada e se transformava
na bela índia Yndaiá, com as cantorias e batidas. Os índios comiam peda-
ços de carne e louvavam ao ver a onça ao seu lado.
(Mito da onça-cabocla Xacriabá. Disponível em: www.socioambiental.
org.pt./povo/xacriabá)
17
Antes de falar sobre minha mãe, preciso falar sobre o lugar que mo-
ramos. Escrevo de Ribeirão dos paneleiros, comunidade indígena
situada no território de Batalha, a pouco mais de dez quilômetros
de distância de Vitória da Conquista. Embora a história da cidade
aponte a não existência de indígenas no território em decorrência do
tão conhecido “banquete da morte”, a história do nosso povo passa-
da de geração em geração aponta em sentido contrário. Ribeirão dos
paneleiros é a prova viva que os indígenas de Vitória da Conquista
não foram dizimados, foram na verdade grande parte assassinados a
sangue frio pelos colonizadores, porém, embreados nas matas e caver-
nas, nossos ancestrais sobreviveram e hoje resistem através dos seus
descendentes nessa pequena comunidade, e lá, nasceu D. Elza, com
sangue de guerreiro nas veias, que não tem medo das adversidades e
honra sua origem e sua ancestralidade.
Maria Elza de Oliveira Gonçalves, conhecido como Lia ou Elza é
natural de Vitória da Conquista, moradora de Ribeirão dos Panelei-
ros, zona rural da cidade. Indígena, paneleira, liderança da comunida-
de é um exemplo de força e perseverança. Mas a história dela não foi
só de conquistas e vitória, houve um longo caminho que tivera que
percorrer para ocupar o lugar que está hoje. Antes de ser liderança de
referência, ela é minha mãe, e, como filha, dedicarei esse espaço para
falar sobre meu maior exemplo de vida.
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Cresci vendo minha mãe batalhar por tudo, por comida, por traba-
lho, por amor, nada na sua vida foi conquistada sem luta. Cresceu em
uma casa pequena na companhia de 4 irmãs e 6 irmãos, desde cedo
tiveram que aprender a ajudar um ao outro e lidar com as muitas lutas
que enfrentavam. Seu pai, meu avô, não tinha condições de comprar
comida que desse para passar o mês, principalmente carne, então, sen-
do índio nato que conhecia as matas como ninguém, embrenhava na
mesma e após dias trazia consigo carne para a família, tatu, veado,
codorna, coelho, pássaros diversos eram algumas das caças. Os meni-
nos pescavam e faziam roças, as meninas ajudavam minha vó a fazer
panela para que nos finais de semana pudessem vir para cidade comer-
cializá-las.
D. Elza não pode estudar como gostaria, a duras penas conseguiu
cursar até a terceira série. Casou-se aos 14 anos, com menos de 15
anos já esperava sua primeira filha, não tinha sua casa própria, morava
de favor em um quarto improvisado na casa de sua sogra. Vivia da
confecção de panelas de barro. Aos poucos foi ela mesma fazendo os
tijolos da sua casa, popularmente conhecido como adobão, até que
conseguiu construir o que chamou de lar. Seu esposo se ocupava dos
trabalhos com as criações e com o pequeno sítio.
Após 18 anos, seu casamento findou-se, D. Elza se viu sozinha com
2 filhas – 1 de quatro anos e outra de 18 – uma casa vazia e todo o
que construiu nos últimos 18 anos por água abaixo. Entretanto, ela
não tivera tempo para sequer sofrer, precisava continuar e continuou.
Deixou as panelas de barro foi trabalhar como doméstica para casar
sua filha mais velha e criar a caçula. Logo iniciou a reforma da sua casa
e a troca de móveis. Minha inocência não via que ela estava lutando
desesperadamente para camuflar as lembranças dolorosas que aquela
antiga casa de cômodos pequenos e paredes fumaçadas guardava.
Dos poucos momentos que tive oportunidade de compartilhar
com mainha – ela sempre estava trabalhando – lembro-me das histó-
rias que me contava sentadas no fogão à lenha, histórias que passaram
junto com minha mãe lutou com unhas e dentes para que eu conse-
guisse conquistar tudo que elas não tiveram oportunidade.
Depois que suas filhas ficarão adultas e conquistaram suas respecti-
vas autonomias, começou uma nova e merecida trajetória. Traçou uma
nova meta, hora de se priorizar. Iniciou a construção de sua casa nova,
com direito a suíte, varanda e revestimento nas paredes da cozinha
como sempre sonhou. Cuida dos seus dentes que por não ter con-
dições financeiras perdeu quase todos e tem celular com whattsapp.
Ainda faz panela para garantir seu sustento, mas agora de forma tran-
quila, continua cuidando das suas criações, ajudou sua filha mais velha
a criar dois filhos e ainda encontra tempo para cuidar de sua mãe com
Alzheimer.
Desconheço uma mulher tão forte, tão guerreira, tão magnífica
quanto minha mãe. Ela transformou um lugar de sofrimento em um
lugar de vitórias, ela nunca desistiu de ser feliz, por suas filhas moveu
céus e terras e luta com unhas e dentes por tudo que almeja conquis-
tar. As conquistas atribuídas nesse texto, referindo-se em muitas partes
a coisas materiais não conseguem resumir a trajetória incrível que essa
mulher percorreu, mas precisei resumir em dados as suas conquistas,
pois ela me ensina diariamente a não desistir, não importa os motivos
ou as circunstâncias. Continuar, mesmo quando tudo parece um de-
serto, sem vida e sem possibilidade.
Hoje nós três vivenciamos um dos melhores momentos das nos-
sas vidas. Juntas, atravessamos o deserto e desfrutamos do melhor que
nossa condição nos permite. Somos cúmplices, somos amigas, somos
companheiras, pois foi isso que D. Elza aprendeu com seus pais e é
isso que ela nos ensinou. Com seu jeito firme e nem sempre tão sim-
pático nos ensinou que não importa os motivos, irmãos não podem
deixar de se falarem nem de se amarem, e que não dependemos de
ninguém, por isso temos que resolver nossos problemas, nos ensinou
que a felicidade é conquistada, e, que nenhuma mulher precisa de um
homem para ser grande e completa. Nossa família sempre teve como
base mulheres fortes que constroem suas próprias histórias. Foi assim
com mainha, com a mãe dela, com a mãe da mãe dela, e, perpassou
gerações. As mulheres da nossa família são exemplos, e, eu tenho or-
gulho de carregar o sangue de todas elas nas minhas veias. Sangue de
indígenas e quilombolas guerreiras que nunca se conformaram com
sua realidade e sempre estão em busca de novas perspectivas, prontas
para guerrearem se for preciso.
29
2. Botocudo é um termo genérico utilizado pelos agentes coloniais, ao longo do tempo, para
designar os variados grupos indígenas pertencentes ao tronco linguistico macro-gê.
3. Notícias G1. Índios ocupam área de preservação em Vitória da Conquista, na Bahia. Atua-
lizado em 09/01/2015 22h29. Disponível em: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2015/01/
indios-ocupam-area-de-preservacao-em-vitoria-da-conquista-na-bahia.html
19. Sobre isso consultar a legislação indigenista em especial o Decreto 426. BRASIL.Regula-
mento acerca das Missões de catequese, e civilização dos Índios. Coleção de Leis do Império
do Brasil – 1845- Vol.II, p. 86.
20. CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil. História, Direitos e Cidadania. São
Paulo. Claroenigma, 2012, p 82.
21. Convenção 169 da OIT é o único acordo global que aborda os direitos dos indígenas no
mundo. Nações que a adotam devem junto aos indígenas, incluindo-os como protagonistas,
definir e aplicar leis e políticas que garantam seus direitos fundamentais. O tratado passou a
vigorar no Brasil em meados de 2003 e foi internalizado de vez pelo Decreto 5.051/2004.
29. Ver em: ALARCON, Daniela Fernandes. “Construir uma outra Aldeia”: vínculos sociais
e territoriais no processo de retomada, Aldeia Tupinamba de Serra do Padeiro, BahiaRevista
Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 96-146, jul./dez. 2013, p. 97.
33. PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Construindo o Estado da Exclusão: os índios brasi-
leiros e a Constituição de 1824. Revista Clio – Revista de Pesquisa Histórica. Volume 28.2
ISSN 0102-9487 p 13
34. Ibidem.
35. Ibidem.
38. Sônia Guajajara. Entrevista concedida ao canal Tv Ceará, Programa Giro Nordeste no
dia 23 de Abril de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TQF8qjwYJ44
39. A Comissão Nacional da Verdade em seu relatório final apontou que a construção de
estradas e hidrelétricas, o desmatamento para grandes projetos rurais tais como a pecuária,
agricultura e mineração, assim como a criação de polos de desenvolvimento, resultaram na
expulsão de várias comunidades indígenas de suas terras tradicionais e em milhares de mortes
dos mesmos. Ver em: http://memoriasdaditadura.org.br/cnv-e-indigenas/
com povos isolados, o que seria uma ameaça à vida desses grupos. O
PL já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
da Câmara, agora, aguarda a votação no plenário.40
Do lado indígena, as retomadas ganham fôlego a cada dia. Em
Vitória da Conquista, a aldeia urbana Sol Nascente, em processo de
retomada territorial desde o ano de 2014, prossegue na luta por um
território. Em 2014, o grupo ocupou uma parte da reserva das matas
do poço escuro no alto da serra do Periperi. Queriam fundar uma
aldeia cultural no topo da serra, pois acreditavam que ocupavam um
território ancestral, “a população está até alegre que a gente ocupou.
Ali foi a primeira aldeia dos nossos ancestrais.”No entanto, a primeira
reação do poder público municipal foi negar a existência de indígenas
locais, o “objetivo dos supostos indígenas é instalar a Aldeia Reserva
Sol Nascente no local. No entanto, o secretário de Administração con-
quistense, Gildásio Silveira, negou até mesmo a existência de índios na
região.”41
A retomada foi ainda, de acordo com os indígenas, um chamado
para que outros grupos da região também se auto-afirmassem e en-
grossassem o movimento. A ocupação terminou sem acordo com a
prefeitura de Vitória da Conquista, uma vez que, a justiça federal de-
terminou a reintegração da área em favor do município. Após a re-
tirada do grupo, a administração municipal não cumpriu o acordo
de direcionar outra terra para as 10 famílias envolvidas na retomada,
alegando que eles não eram reconhecidos pela FUNAI.
Com o passar dos anos, a aldeia Sol Nascente cresceu. No ano de
2019, ela contabilizava cerca de 40 famílias que se autodenominam
Camacãn - Mongoyó. Ainda nesse ano, o poder publico municipal ini-
ciou um diálogo com eles para “criarmos possibilidade de atendermos
47. Juliana Oliveira Goncalves- Entrevista concedida no canal Teia dos povos em 25 de agos-
to de 2020.
48. CUNHA, Manoela Carneiro da. Índios do Brasil: história, direitos e cidadania. São Pau-
lo, Claroenigma, 2012, p.142.
49. Gilvandro Gonçalves de Oliveira - Entrevista concedida ao canal Biblioteca Iraci Herin-
ger, no dia 13 de Setembro de 2020. Disponível no site: https://www.youtube.com/watch?-
v=QsgIt1JPfEA&t=2397s
O aldeamento dos nossos indígenas nesse lugar não só é útil pelo lado
da moral e da religião, mas ainda pelas vantagens industriais, que daí
resultam porquanto existindo uma estrada dos Ilheus para a Vila da
Vitória, pela qual se faz o comércio desses lugares, é fora de dúvida
que essas duas aldeias estabelecidas na direção da dita estrada muito
contribuirão para a sua conservação, e limpeza, e por conseguinte para
que ela seja muito mais frequentada, pois que a experiencia mostra
que os aldeados dirigidos por um hábil administrador, de bom grado
se prestam a esse trabalho, o que por meio de outros braços não seria
fácil de conseguir.55
54. BRASIL, Fala recitada na abertura da Assembleia Legislativa da Bahia pelo Presidente da
Província, o desembargador João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, no 1º de setembro de
1857. Bahia, Typ. de Antonio Olavo da França Guerra, 1857. 28-30
55. Ibid.
pra que a galera do grupo, pra quem tiver terra, pra quem tiver fazenda,
pra quem tiver comércio, eu ouvi de um suposto índio, eles estavam em
três, hoje às 6 horas da manhã, esperando a lanchonete abrir pra tomar
café, e dizendo que só tava esperando ordem do chefe, do cacique pra
invadir lojas e supermercados, o comércio também, aqui também é deles.
[…]“Pra evitar que isso aconteça, vamos dar apoio ao ex-prefeito Ivan
Fernandes e a qualquer fazendeiro que esses pilantra entrar. Então eu
conto aí com o apoio de vocês pra gente tirar esse pessoal da fazenda do
56. Ver essa discussão em: SANTOS, E. G. dos. O Diretor de índios: análise preliminar dos
diretores parciais de aldeias indígenas – Bahia, 1845 – 1889. 1988. Dissertação (Mestrado) -
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1988.
57. Ver o documentário Aldeia do Cachimbo, disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=l_7_U4IJxBQ
58. https://www.cptnacional.org.br/multimidia/12-noticias/conflitos/4959-retomada-e-ata-
cada-com-violencia-na-bahia-e-tres-indigenas-acabam-feridos
amigo Ivan Fernandes porque ele disse (o índio) que (Itambé) também
é deles porque vão saquear os mercados também, as lojas também, o co-
mércio em geral também.59
59. Ibid.
60. Ibid
cultura, veio a instaurar-se uma nova relação prática entre o homem e seu
ambiente, os conceitos linguísticos tampouco guardam seu ‘sentido’ ori-
ginal. Começam agora a deslocar-se, a mover- se de um lugar para outro,
na mesma medida em que os limites estabelecidos pelo atuar humano
tendem a alterar-se e a diluir-se reciprocamente”.61
61. https://www.cptnacional.org.br/multimidia/12-noticias/conflitos/4959-retomada-e-ata-
cada-com-violencia-na-bahia-e-tres-indigenas-acabam-feridos
62. Ver a notícia completa em: http://www.mpf.mp.br/ba/sala-de-imprensa/noticias-ba/fu-
nai-devera-concluir-demarcacao-de-terras-indigenas-da-aldeia-do-cachimbo-em-180-dias.
XVII, e que dele foram expulsas no século XIX. Os fazendeiros não apre-
sentaram provas satisfatórias, sobretudo documentais que mostrem a
autenticidade de todas as transmissões e titulação da propriedade até o
proprietário atual, nem da posse das terras por períodos duradouros e
uniformes.63
Considerações finais
63. Ibid.
64. A primeira fase da demarcação é realizada por meio do recebimento de documentos e
informações preliminares, de cunho antropológico, etno-histórico, ambiental, sociológico,
fundiário e cartográfico. Essas informações são a base da elaboração do Relatório.
65. Ver a notícia completa em: http://www.mpf.mp.br/ba/sala-de-imprensa/noticias-ba/fu-
nai-devera-concluir-demarcacao-de-terras-indigenas-da-aldeia-do-cachimbo-em-180-dias.
66. Ponto cantando pelos indígenas da Aldeia do Cachimbo no Documentário Aldeia do
Cachimbo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l_7_U4IJxBQ
68. SILVA, Iglésio de J. Pataxó Hãhãhãe e Kariri Sapuiá: Galdino Pataxó e outras histórias
indígenas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Licenciatura Intercultural Indíge-
na) - Instituto Federal da Bahia, Campus Porto Seguro.2017.
61
noitada – Antônio Novely Vilanova (19), Max Rogério Alves (19), Tomás
Oliveira de Almeida (19), Eron Chaves Oliveira (18) e Gulherme Nader
de Almeida Júnior (17) –, jogaram álcool e atearam fogo em Galdino 69.
Ele tinha então 44 anos, e aquela foi sua segunda viagem a Brasília.
Galdino se debateu por algum tempo, foi ajudado por algumas pes-
soas que tentavam apagar as chamas com um extintor de incêndio e água
e foi levado ao Hospital Regional da Asa Norte, onde se constatou que
tinha 95% do corpo consumido por queimaduras de 2º e 3º graus70.
Depois de um dia de luta no hospital, Galdino Pataxó não resistiu
e morreu. Acabava ali a última viagem de um Kariri-Sapuyá, que tinha
começado havia trezentos anos, quando eles foram viver na região de
Santa Terezinha, Centro-Norte da Bahia, a 240 quilômetros de Salva-
dor, ainda no século XVII. Passaram por Jequié, onde viveram entre os
anos de 1835 e 1935, aproximadamente, depois pela região de Poções,
entre 1935 e 1940, duas cidades do Sudoeste baiano, até a instalação
do Posto Indígena de Caramuru-Paraguaçu, a partir de 1940, no Sul
da Bahia, entre os atuais municípios de Pau-Brasil e Camacã.
Nessa região, passaram, juntamente com os Tupinambá, Baenã,
Kamakã e Gueren, a fazer parte do grupo Pataxó Hãhãhãe. A jun-
ção de todos em um mesmo grupo foi fruto dos diferentes proces-
sos de luta e resistências ao longo da história, sobretudo em defesa
de suas terras. Como disse a cacique Ilza: “Eu e minha família somos
69. Anos mais tarde Guilherme Júnior se tornaria policial, sendo promovido a cargos de
confiança durante o governo de Jair Bolsonaro. Com informações de: Homem que queimou
indígena vivo ganhou cargo de confiança no governo Bolsonaro (pragmatismopolitico.com.
br) e Governo Bolsonaro nomeia um dos condenados por queimar indígena vivo para cargo
comissionado na PRF (msn.com).
70. As informações do relato sobre a morte de Galdino foram retiradas de https://www.
correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/04/20/interna_cidadesdf,675182/mor-
te-do-indio-galdino-em-brasilia-completa-21-anos-hoje.shtml e SILVA, Iglésio de J. Pataxó
Hãhãhãe e Kariri Sapuiá: Galdino Pataxó e outras histórias indígenas. Trabalho de Conclusão
de Curso (Graduação em Licenciatura Intercultural Indígena) - Instituto Federal da Bahia,
Campus Porto Seguro.2017.
71. SANTANA, Renato. Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe realiza manifestações na Funai e Praça Gal-
dino para sensibilizar STF 26/09/2011. Disponível em https://cimi.org.br/2011/09/32606/.
Acesso em 15 de outubro de 2020.
72. ARAÚJO, Emerson Pinto de. A nova história de Jequié. Salvador: GSH editora,
1997, p.39.
73. CARVALHO, Maria do Rosário. Curt Nimuendaju no sul da Bahia: registro etnográfico
e repercussões de sua visita aos Pataxó Hahahai. Revista de @ntropologia da UFSCar, 8 (2),
jul./dez. 2016.
74. Sabe-se hoje que a família sociolinguística dos Kamakã era formada por quatro línguas:
Kamakã, Kotoxó, Menien e Masakará. MARTINS, Andérbio Márcio Silva. Revisão da famí-
lia linguística Kamakã, proposta por Chestmir Loukotka. Dissertação de Mestrado. Programa
de Pós-Graduação em Linguística. Universidade de Brasília, 2007. As aspas em “subgrupo”
se devem ao fato de ser ainda um debate aberto. Para mais detalhes, ver: PARAÍSO, Maria
H. B. (1994). Amixokori, Pataxó, Monoxó, Kumanoxó, Kutaxó, Kutatoi, Maxakali, Malali
e Makoni: povos indígenas diferenciados ou subgrupos de uma mesma Nação? Uma pro-
posta de reflexão. Revista Do Museu De Arqueologia E Etnologia, (4), 173-187. https://doi.
org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.1994.109203
75. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Os Kiriri Sapuyá de Pedra Branca. Centro de Estudos
Baianos da UFBA. Salvador, 1985, p.15.
76. PARAÍSO, M. Hilda Baqueiro. O Tempo da Dor e do Trabalho. A conquista dos territó-
rios indígenas nos sertões do leste. 1998. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em
História Social. Universidade de São Paulo, São Paulo. 1998
77. PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. De como se Obter Mão-de-obra Indígena na Bahia
entre os Séculos XVI e XVIII. Revista de História. São Paulo. 1994. p. 05.
78. As trocas realizadas entre indígenas e não indígenas precisam ser debatidas enquanto
agências, com relativa autonomia de parte dos povos originários. ALMEIDA, Maria Regina
Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de. Janeiro: Editora FGV, 2010
79. GARCIA, Elisa Frühauf. Quando os índios escolhem os seus aliados: as relações de “ami-
zade” entre os minuanos e os lusitanos no sul da América portuguesa (c.1750-1800). Varia
história. vol.24, n.40. 2008.
80. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Os Kiriri Sapuyá de Pedra Branca. Centro de Estudos
Baianos da UFBA. Salvador, 1985.
81. SIERING, Friedrich Câmera. Conquista e dominação dos povos indígenas: Resistência
no sertão dos Maracás. (1650- 1701). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação
em História. Universidade Federal da Bahia, 2008.
82. SANTOS, Márcio Roberto Alves. Rios e Fronteiras. Conquista e Ocupação do Sertão
Baiano. São Paulo, EDUSP, 2017.
83. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Os Kiriri Sapuyá de Pedra Branca. Centro de Estudos
Baianos da UFBA. Salvador, 1985, p. 23.
84. Hoje um distrito do município baiano de Santa Terezinha, norte do estado. REGO, An-
dré de Almeida. Trajetórias de vidas rotas: terra, trabalho e identidade indígena na província
da Bahia (1822-1862). Tese de Doutorado. Programa de História Social. Universidade Federal
da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2014.
85. A revolta de Pedra Branca é relativamente bem estudada. Ver, por exemplo, André Rego
(2009).
REGO, André de Almeida. Cabilda de Fascinorosos Moradores: uma reflexão sobre a revolta
dos índios da Pedra Branca de 1834. Dissertação de Mestrado. Programa de História Social.
Universidade Federal da Bahia, 2009.
86. Tenho encontrado as grafias Falerno e Falerna. Falerna é uma região da Itália de onde,
supostamente, creio eu, o frei teria vindo. Ele trabalhou no início do século XIX na Aldeia
de São Pedro de Alcântara das Ferradas sob a liderança de Frei Ludovico de Livorno. https://
saber-literario.blogspot.com/2017/02/quem-foi-frei-ludovico.html
87. Ofício enviado pelo missionário de Santo Antônio da Cruz, frei Francisco Antônio de
Falerna, ao Presidente da Província da Bahia, João Maurício Wanderley (Santo Antônio da
Cruz, 26 de dezembro de 1853. Manuscrito do APEBA... MAÇO 4611. Esse documento é
particularmente interessante, pois mostra o processo de negociação feito por frei Francisco de
Falerna com os índios foragidos da Pedra Branca e que passaram a compor a nova Aldeia de
Pedra Branca. 466 idem ... (10 de outubro de 1855).
88. Pesquisas mais recentes, que fazem uso das memórias dos povos que habitaram essa al-
deia, a denominam também de Pedra Branca de Jequié. Jurema Souza (2019), em sua pesqui-
sa sobre as memórias dos Pataxó Hãhãhãi, macrogrupo ao qual os Kariri-Sapuyá se incorpo-
raram, destaca a história de Marta Kariri, cuja mãe tinha nascido em Pedra Branca de Jequié
(Santa Rosa), e os seus avós, “na primeira Pedra Branca”. SOUZA, Jurema. Pataxó Hãhãhãi
e as Narrativas de Luta por Terra e Parentes, no sul da Bahia, Doutorado em Antropologia.
Universidade de Brasília, UnB, Brasil. 2019, p. 78. Segundo informações passadas a mim por
Uilson Dias, conforme relatos do senhor Álvaro Rebouças, um antigo fazendeiro da região, a
Fazenda Santa Rosa passou a ser conhecida como Fazenda Pedra Branca.
Fonte: http://www.sei.ba.gov.br/site/geoambientais/mapas/pdf/municipal/mapa_
descritivo_2917607.pdf. (adaptado)
89. MAGALHAES, P. S.; Simões, Nadson R.; Sonoda, Sérgio Luiz. Limnologia de rios inter-
mitentes: a bacia hidrográfica do rio Jequiezinho como estudo de caso. In: MORAIS, Maria
Eugênia Bruck de e LORANDI, Reinaldo (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em bacias
hidrográficas. 1ed.Ilhéus: EDITUS, 2016, v., p. 163-.
91. CARVALHO, Maria do Rosário. Curt Nimuendaju no sul da Bahia: registro etnográfico
e repercussões de sua visita aos Pataxó Hahahai. Revista de @ntropologia da UFSCar, 8 (2),
jul./dez. 2016, p.69.
92. Idem.
93. SOUZA, Almir Antônio. A Lei de Terras no Brasil Império e os índios do Planalto Me-
ridional: a luta política e diplomática do Kaingang Vitorino Condá (1845-1870). In: Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 35, nº 70, 2015.
94. Idem
95. CORREIA, José Jácomo. Mapa das Aldeias Indígenas da Bahia. Salvador, 14 de janei-
ro de 1861. Diretoria Geral dos índios (Mapa das aldeias indígenas da província da Bahia/
1700-1861): 4610: ano de 1861 citado por REGO, André de Almeida. Cabilda de facinorosos
moradores: uma reflexão sobre a revolta dos índios da Pedra Branca de 1834. Dissertação de
Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social. Universidade Fede-
ral da Bahia – UFBA,2009.
96. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Os Kiriri Sapuyá de Pedra Branca. Centro de Estudos
Baianos da UFBA. Salvador, 1985, p.67.
97. DORNELES, Soraia. A questão indígena e o Império: índios, terra, trabalho e violên-
cia na província paulista, 1845-1891. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filoso-
fia e Ciências Humanas (IFCH), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campi-
nas, 2017.
98. CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. 1ª ed. —
São Paulo: Claro Enigma, 2012.
99. Idem.
101. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Os Kiriri Sapuyá de Pedra Branca. Centro de Estudos
Baianos da UFBA. Salvador, 1985, p.16
102. ALVES, Suely. Mutuípe completa 84 anos de emancipação política dia 12. 11 de ou-
tubro de 2010.Disponivel em https://www3.ufrb.edu.br/reverso/mutuipe-completa-84-anos-
-de-emancipacao-politica-dia-12/. Acesso em 15 de outubro de 2020.
103. O que não significa que saíram completamente de Mutuípe, pois ainda hoje um dos
rios que cortam o município chama-se Cariri e há referências toponímicas na localidade,
como a povoação rural de Cariri de Neusa.
104. Vistoria. José Justino de Oliveira e Irmandade da Capela de Santo Antônio. Tribunal da
relação, 22/885/29. APEB, 1886
105. Areia é a atual cidade de Ubaíra, e Aldeia é a atual São Miguel das Matas.
107. ZORZO, Francisco Antônio. Retornando à história da rede viária baiana: o estudo
dos efeitos do desenvolvimento ferroviário na expansão da rede rodoviária da Bahia (1850 –
1950). Sitientibus, Feira de Santana, n. 22, (p. 99 – 115), jan. / jun. 2000, p.
Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE, vol. VII, 1960. Disponível
em http://www.estacoesferroviarias.com.br/ba_ilheus/baixao.htm
Pelo visto, um ano depois pouco tinha mudado. Mas agora ao me-
nos eles vinham com uma justificativa legal para o efetivo domínio de
seus territórios, o de que suas terras já tinham sido registradas pelo anti-
go diretor da aldeia, o Tenente Coronel João de Souza Santos. O então
108. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=%22Al-
deia%20de%20Santa%20Rosa%22&pasta=ano%20191&hf=memoria.bn.br&pagfis=1050
109. WELPER, Elena. M. Segredos do Brasil: Curt Nimuendajú, Robert Lowie e os índios
do Nordeste. Revista de Antropologia, v. 61, p. 07-51, 2018, p.26.
110. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Os Kiriri Sapuyá de Pedra Branca. Centro de Estudos
Baianos da UFBA. Salvador, 1985.
111. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Sobre o pensamento antropológico, Rio de Janei-
ro/Brasília, Tempo Brasileiro/ CNPq, 1988.
Mapa: Região dos trânsitos dos Kariri-Sapuyá depois de saírem da Aldeia de Santa Rosa
117. Idem.
118. SOUZA, Jurema. Pataxó Hãhãhãi e as Narrativas de Luta por Terra e Parentes, no sul
da Bahia, Doutorado em Antropologia. Universidade de Brasília, UnB, Brasil. 2019, p.96.
119. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Os Kiriri Sapuyá de Pedra Branca. Centro de Estudos
Baianos da UFBA. Salvador, 1985, p.71
Segundo ele, “O lugar não era então habitado, mas, pouco depois que
os índios construíram as suas choupanas, fizeram as suas plantações e aca-
baram de se instalar, apareceram progressivamente também aqui os “legí-
timos” proprietários neobrasileiros do país120”. Mais uma vez os Kariri-Sa-
puyá sentiam o peso das invasões dos não indígenas em seus territórios.
Desde o primeiro contato em 1937 até o ano de 1939, Nimuen-
dajú tentou convencer os Kariri-Sapuyá a saírem da região e se deslo-
carem para o Posto Indígena Caramuru-Paraguaçu na região de Porto
Seguro. Eles se sentiam enganados a todo momento e empurrados de
um lado para outro: “Eles não esperam mais nada e não acreditam em
nada.”. O argumento usado pelo etnólogo era de que, como era uma
área demarcada, eles não teriam mais problemas de terras e tampouco
com invasores, o que hoje soa como uma dura inverdade121.
Alguns dos Kariri-Sapuyá trazem em suas memórias lembranças de
Nimuendajú e da mudança de São Bento. Justina, que na época tinha
12 anos, contou a Jurema Machado (2014) que Curt Nimuendajú os
acompanhou, em alguns momentos andando e, em outros, montado.
Segundo ela, ele “trazia um baú cheio de presentes”, de onde retirou
um pente e deu a ela122. Naquele momento de trânsito, eles iriam mais
uma vez encontrar os Kamakã. Renata Ferreira, em suas atuais pesqui-
sas, afirma que há relatos dos indígenas da Batalha (Kamakã) de que
eles encontraram os Kariri-Sapuyá na altura da cidade de Iguaí, quando
faziam o deslocamento para o Posto Indígena, pela mesma estrada123.
120. WELPER, Elena. M. Segredos do Brasil: Curt Nimuendajú, Robert Lowie e os índios
do Nordeste. Revista de Antropologia, v. 61, p. 07-51, 2018.
121. PARAISO, Maria Hilda... p. 71
122. MACHADO de A. SOUZA, Jurema. “A ‘conquista’ teve dois lados: uma análise sobre
a atuação do SPI no sul da Bahia”. Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antro-
pologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. Disponível em: http://
www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1402020943_ARQUIVO_AConquistatevedois-
lados_JuremaMachadoAndradeSouza.pdf, acesso em 14/09/2016, página 11.
123. OLIVEIRA, Renata Ferreira de. Índios Paneleiros no Planalto da Conquista: do massacre
e o (quase) extermínio aos dias atuais. Salvador: Sagga, 2020.
126. NIMUENDAJU, Curt. Mitos indígenas inéditos na obra de Curt Nimuendajú”, Re-
vista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 21, 1986. Disponível em: http://etno-
linguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Animuendaju-1986-mitos/nimuendaju_1986_
mitos.pdf
127. Sobre o ritual da Jurema entre os Kariri-Sapuyá ver http://www.pineb.ffch.ufba.br/do-
wnloads/1281990613O%20Tronco%20da%20Jurema.pdf.
128. ARRUDA, Sendi. R. Diversidade e estrutura genética de Mimosa tenuiflora (Wild.)
Poir.: Importante recurso florestal do semiárido brasileiro. Dissertação de Mestrado - Curso de
Programa de Pós-graduação em Genética, Biodiversidade e Conservação, Universidade Esta-
dual do Sudoeste da Bahia, Jequié, 2014.
129. Segundo diálogos que mantive com José Luiz Zenegão, entrevistado por mim, e o últi-
mo capítulo do livro.
130. “Além desses grupos, a partir de 1937 foram transferidos para a reserva índios de an-
tigos aldeamentos como, por exemplo, os índios de Olivença, os Tupinambá do aldeamento
de São Fidélis; os índios Kamakã e Gueren do antigo aldeamento de São Pedro de Alcântara;
os Kariri-Sapuyá do povoado de Santa Rosa; e os Guaranys de Catolé”. MONTEIRO, Maria
Elizabeth Brêa. Índios e terra no sul da Bahia. In: COQUEIRO, Sonia Otero (Org.). Povos
indígenas no sul da Bahia: Posto indígena Caramuru-Paraguaçu (1910-1967). Rio de Janeiro:
Museu do Índio, 2002 e SOUZA, Jurema Machado de Andrade. Os indígenas da Reserva
Caramuru-Paraguassu: famílias étnicas e organização política. Interethnic@ - revista de estudos
em relações interétnicas, v. 20, p. 52-67, 2017.
133. CESAR, América Lúcia Silva. Lições de Abril: a construção da autoria entre os Pataxó de
Coroa Vermelha / - Salvador: EDUFBA, 2011
134. Palestra proferida pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, na Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército. Disponível em https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-
-o-planalto/discursos/2019/palestra-proferida-pelo-presidente-da-republica-jair-bolsona-
ro-na-escola-de-comando-e-estado-maior-do-exercit. Acesso em 02 de maio de 2020. Mais
recentemente outra luta se avizinha, o Projeto de Lei (PL) 191/2020, do governo Jair Bolso-
naro, que regulamenta a pesquisa e a exploração de recursos minerais, o garimpo, a extração
de hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica
em terras indígenas. https://cimi.org.br/2020/03/indigenas-sul-bahia-realizam-marcha-espla-
nada-ministerios-contra-retrocesso-demarcacoes/.
135. Valho-me de outras pesquisas de Adriana Sampaio (2017) e Domingos Ailton (2015).
SAMPAIO, Adriana Cardoso. Mulheres griôs: um estudo etnográfico sobre identidades ét-
nicas e de gênero no quilombo urbano Barro Preto em Jequié-BA. Dissertação de mestrado.
Programa de pós-graduação em relações étnicas e Contemporaneidade. Universidade Esta-
dual do Sudoeste da Bahia, 2017 e AILTON, Domingos. Antônio Burokô. Itabuna/BA, Via
Litterarum, 2015.
136. Segundo o trabalho de pesquisa feito pela Associação da Comunidade Indígena Karirí
Sapuyá de Santa Rosa (ACI-KASSAR). Disponível em: https://www.facebook.com/acikassar/
photos/a.784460214908532/852015521486334/?type=3&theater
137. Idem.
138. Idem.
seu irmão Manoel dos Santos, de 70 anos, viviam em uma casa ha-
via mais de quarenta anos, que, segundo eles, foi doada pelo então
prefeito Landulfo Caribé, em uma época de grandes cheias, passan-
do-lhes um documento cartorial. Ocorre que a casa pertencia a uma
Cooperativa, que a deu em garantia à Caixa Econômica Federal por
conta de um empréstimo. Como não foi pago, a Caixa vendeu o
imóvel, e os novos supostos donos pediram a reintegração de posse
em 20 de maio de 2014.
A imagem dos dois indígenas idosos criou uma grande comoção
na cidade, fazendo com que seus vizinhos ateassem fogo em madeira e
fechassem a rua.
Fonte: jequiereporter.com.br/blog/2014/05/20/manifestacao-de-populares-im-
pede-que-irmaos-idosos-desocupem-casa-no-inocoop/
A ação dos moradores fez com que eles não fossem expulsos, mas,
nove dias depois, em 29 de maio de 2014, houve outra ação judicial
para que os idosos se retirassem do local. A mobilização de populares
e da ACIR-KASSAR se fez sentir mais uma vez e com a intervenção
de um delegado de Direitos Humanos e da Secretaria de Desenvol-
vimento Social do município de Jequié, dona Júlia Souza conseguiu
permanecer no local. Na foto a seguir dona Júlia comemora ter ficado
na casa, mesmo sem seus pertences, anteriormente retirados:
,
Fonte: https://www.jequiereporter.com.br/blog/2014/05/29/mais-uma-vez-ma-
nifestacao-de-populares-impede-acao-judicial-para-despejo-de-idosos/
Imagens da reunião
Fonte: https://www.facebook.com/search/top/?q=Primeira%20Reuni%C3%A3o%20
da%20ACI-KASSAR&epa=SEARCH_BOX
139. Idem
140. Disponível em https://cnpj.biz/21669071000151.
Imagem do Encontro
Fonte: https://www.facebook.com/search/top/?q=primeiro%20encontro%20ind%-
c3%adgena%20em%20jequi%c3%a9&epa=search_box
146. http://www.charlesmeira.com.br/2015/09/aldeia-txihi-kamaywra-vem-jequie.html
147. https://www.juniormascote.com.br/colunas/jequi-virou-terra-de-ndios-uma-tribo-rei-
vindica-a-devolu-o-de-uma-casa-no-bairro-jequiezinho/
148. Antônio Lourenço está com Cacique Tainãn Pataxo. 26 de setembro de 2015.
Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10205758585563796&se-
t=picfp.1830901919&type=3&theater
Fonte: https://www.jequiereporter.com.br/blog/2017/06/22/indios-pataxos-se-
-manifestam-sobre-impasse-em-imovel-no-inocoop/
A retomada étnica
Diferentes grupos de toda a região vêm se identificando como in-
dígena: além dos Kariri-Sapuyá em Jequié, os povos situados no Ca-
chimbo e na Batalha, na zona rural de Vitória da Conquista, e mesmo
aqueles da cidade vêm fazendo a retomada, manutenção e fortaleci-
mento da sua identidade étnica. Em regiões próximas, há algumas
149. Esta organização se dá através do trabalho feito por meio da liderança de Juvenal Paya-
yá, que goza de considerável respeito entre vários grupos indígenas da Bahia, segundo infor-
mações passadas a mim pelo pesquisador Edelvito Nascimento.
105
151. Além dessas duas lideranças, cujas falas embasam parte do presente texto, mencionamos
à frente, de modo mais breve, Cristina Mattos Tupinambá, Juliane Caires Kariri, Vitor San-
tana Kariri-Sapuyá e Patrícia Ferreira Maraká-Payayá. À frente, traremos mais informações
sobre suas respectivas famílias e processos de retomada.
153. PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do Sertão Nor-
deste do Brasil, 1650-1720. 2002. p. 25-29.
154. SIERING, Friedrich Câmera. Conquista e dominação dos povos indígenas: resistência no
sertão dos Maracás (1650- 1701). 2008. p. 50.
155. BARROS, Francisco Borges de. Memória sobre o município de Maracás. 1917. p. 22,25.
156. NOVAES, João Reis. De tropeiro a coronel: ascensão e declínio de Marcionillo Antônio de
Souza (1915-1930). 2009, p. 24; SIERING, Friedrich Câmera. Conquista e dominação dos
povos indígenas: resistência no sertão dos Maracás (1650- 1701). 2008. p. 39; MACHADO,
Ivana Karoline Novaes. Cultuando a essência dos que se foram: o candomblé no sertão dos mara-
cás. 2016. p. 24.
Os “Tapuya” Maraká
O primeiro escritor a mencionar os Maraká, até onde se sabe, é
Gabriel Soares de Souza, no seu Tratado Descritivo do Brasil, datado
de 1587. Ressalte-se, de antemão, que as palavras do autor não podem
ser tomadas como verdade absoluta. Primeiro porque, na condição de
colonizador, havia interesses econômicos influenciando a própria es-
crita em si e, mais especificamente, as descrições e dados apresentados
por ele. Em segundo lugar, embora possuísse uma propriedade rural
nas imediações do Rio Jiquiriçá, é muito provável que ele não tenha
conhecido pessoalmente nenhum indígena Maraká, posto que esses
encontravam-se muito distantes da costa, onde se concentravam, na
época, as ações colonizadoras. Se muito houve, foram alguns contatos
ou acordos comerciais entre eles. Mesmo assim, seu escrito nos apre-
senta algumas pistas sobre as quais podemos refletir.
Segundo ele, “os mais chegados Tapuias aos povoadores da Bahia
são uns que se chamam de alcunha os Maracás”157. O termo “tapuia”,
empregado pelo autor, permite-nos, por meio de um processo de eli-
minação, indicar alguns traços distintivos.
O vocábulo “tapuya” é de origem tupy e era utilizado, sobretudo no
primeiro século da colonização, para se referir a qualquer grupo indí-
gena não-tupy. Ou seja, era inicialmente a forma como os povos indí-
genas do tronco linguístico tupy (predominantes na costa) se referiam
aos indígenas de outros grupos, falantes de outras línguas e localizados
no interior, afastados do litoral, isto é, no espaço que posteriormente
se convencionaria chamar de “sertão”. Neste contexto, “Tapuia” seria
o equivalente, em língua portuguesa, a “estrangeiro”, “estranho” ou,
na designação proposta no vocabulário do Padre A. Lemos Barbosa,
“bárbaro”158, ou ainda, segundo Tavares, “inimigos”159.
157. SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. 1851. p. 338.
158. BARBOSA, A. Lemos. Pequeno Vocabulário tupi-português. 1951. p. 149.
159. TAVARES, Luís Henrique. História da Bahia. 2001. p. 17.
160. Nas dinâmicas étnicas, motivadas principalmente pelas invasões dos colonizadores (mas
não somente por elas) as reconfigurações levaram alguns grupos a adotar o termo “Tapuia”.
De modo que, atualmente, há grupos indígenas que se autodenominam com esse vocábulo. É
o caso dos Tapuia de Goiás, dos Tapuia Paiacu do Rio Grande do Norte, os Kixará Tapuia do
Ceará, dos Tapuia de Seabra-BA, para ficar em apenas alguns exemplos. Compreendemos que
se trata de um fenômeno comum, por meio do qual um designação exógena é incorporada
pelo próprio grupo, como, aliás, deve ter acontecido também com os Maracá, como aponta-
mos à frente.
161. SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. 1851. p. 338, 339.
162. A análise que fazemos neste tópico acerca do etnônimo “Maraká” não é corroborada,
como se verá adiante, pela fala de Juvenal Payayá. Visto que este entende que aquela era uma
das formas utilizadas para se referir aos Payayá, que se auto-reconhecem como do tronco
Tupy, de onde se origina o referido vocábulo.
163. SAMPAIO, Theodoro. O tupi na geografia nacional. 1901. p. 139.
164. POUTIGNAT, P.; FENART, S.J. Teorias da etnicidade (seguido de grupos étnicos e suas
fronteiras, de Fredrick Barth). 1998. p. 143.
165. SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. 1851. p. 387.
167. SIERRA, Juan Lopes. O panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado. In. SCHWARTZ,
Stuart B.; PÉCORA, Alcir (Orgs.). As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d.
Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). 2002. p. 157.
168. SANTOS, Solon Natalício Araújo dos. Conquista e Resistência dos Payayá no Sertão das
Jacobinas: Tapuias, Tupi, colonos e missionários (1651-1706). 2011. p. 23.
170. PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do Sertão Nor-
deste do Brasil. 2002. p. 51, 52.
171. SIERRA, Juan Lopes. O panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado. In. SCHWARTZ,
Stuart B.; PÉCORA, Alcir (Orgs.). As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d.
Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). 2002. p. 102.
172. SCHWARTZ, Stuart B. Pessoas. In. SCHWARTZ, Stuart B.; PÉCORA, Alcir (Orgs.).
As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra
(Bahia, 1676). 2002. p 304.
173. PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do Sertão Nor-
deste do Brasil. 2002. p. 111, 112.
174. Ibid. p. 69.
178. Veja o debate sobre os Kariri-Sapuyá no capítulo escrito por Washington Nascimento,
neste mesmo livro.
179. Ibid., p. 21.
180. SANTOS, Solon Natalício Araújo dos. Conquista e Resistência dos Payayá no Sertão das
Jacobinas: Tapuias, Tupi, colonos e missionários (1651-1706). 2011. p. 36.; SILVA, Marina He-
lena Chaves; MOTA, Valeira Lessa. Festa de São João em Maracás: as velhas tradições se man-
têm. In: LEMOS, Maria Teresa Toríbio Brittes; BAHIA, Luiz Enrique Nunes. Percursos da
memória: construções do imaginário nacional. 2000. p. 175.; SIERING, Friedrich Câmera.
Conquista e dominação dos povos indígenas: resistência no sertão dos Maracás (1650- 1701).
2008. p. 40; MACHADO, Ivana Karoline Novaes. Cultuando a essência dos que se foram: o
candomblé no sertão dos maracás. 2016. p. 24; NASCIMENTO, Edelvito; NASCIMENTO,
Washington. A dispersão dos Maracaiaras: ficção e história oficial acerca dos indígenas no Sertão
dos Maracás. 2017. p. 6-17.(p. 13, 16).
181. SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. 1851. p. 350.
182. SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Fronteira do sertão baiano (1640-1750).
2010. p. 68.
183. Não confundir com a atual cidade de Aporá, que fica ao norte de Salvador. A localidade
de Aporá que sofria os ataques dos Maraká (e que depois fez parte da rota de Baião Parente,
saindo de Cachoeira em direção a Orobó) é o atual distrito de Itaporã, ou São José do Itaporã,
atualmente pertencente ao município de Muritiba. Este povoado que já foi chamado de São
José do Aporá e também de Aporá Pequeno. Fazia parte das rotas entre Cachoeira e Rio de
Contas usadas no século XVIII e XIX. Ver: PARAGUASSU, Marcos. Roteiros de viagem para
os sertões da Bahia no século XVIII. In: NEVES, Erivaldo. Fagundes; MIGUEL, Antonieta.
Caminhos do sertão: ocupação territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais dos sertões
da Bahia. Salvador: Editora Arcádia, 2007. p. 201-237. p. 210.; SAMPAIO, Theodoro. O
Rio de São Francisco e a Chapada Diamantina [publicados pela primeira vez na Revista S. Cruz,
1879-80]. São Paulo, SP, Brasil: Escolas Profissionaes Salesianas, 1903. p. 178.
184. SCHWARTZ, Stuart B. Introdução. In. SCHWARTZ, Stuart B.; PÉCORA, Alcir
(Orgs.). As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d. Afonso Furtado, de Juan
Lopes Sierra (Bahia, 1676). 2002. p 21.
185. Ibid., p 21.
Fonte: google
187. SIERRA, Juan Lopes. O panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado. In. SCHWARTZ,
Stuart B.; PÉCORA, Alcir (Orgs.). As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d.
Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). 2002. p. 101.
Os Maraká vivem
Essas informações sobre a quarta expedição dos paulistas nos per-
mite chegar a algumas conclusões. A mais importante delas é que po-
de-se facilmente questionar as narrativas oficiais segundo as quais os
Maraká teriam sido vencidos e os sobreviventes teriam sido todos “re-
mettidos para outras aldeias” (sic.)204. Tal afirmação equivaleria a dizer
que a civilização Maraká estaria extinta. E isso é muito conveniente à
própria lógica colonial, que pretende negar a existência dos indígenas.
Porém, como se explicaria o fato de que a mais penosa e dura-
doura expedição, a que descobriu a maior de todas as aldeias Ma-
raká, não possuir o relato de uma grande batalha, que deveria ser
205. SIERRA, Juan Lopes. O panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado. In. SCHWARTZ,
Stuart B.; PÉCORA, Alcir (Orgs.). As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d.
Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). 2002. p. 159.
206. BARROS, Francisco Borges de. Memória sobre o município de Maracás. 1917. p.
18, 22.
207. SPIX, J. B. von e MARTIUS, C. F. Ph. von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). vol 2.
p. 182.
208. AGUIAR, Durval Vieira de. Descrições práticas da província da Bahia. p. 215.
209. NIMUENDAJÚ, Curt. Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes. 1944.
210. OLIVEIRA, Renata Ferreira de. Índios paneleiros no Planalto da Conquista: do massacre
e o (quase) extermínio aos dias atuais. Dissertação de mestrado. Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 2012. p. 82.
Referências espaço-temporais
Em relação ao local de origem e à época em que cada um dos dois
processos se iniciam, podemos afirmar que os Payayá vivem um movi-
mento consolidado, com a devida organização institucional (exercida a
partir do Movimento Associativo Indígena Payayá - MAIP, associação
cujo presidente é o Cacique Juvenal), com um território e uma aldeia
definidos juridicamente, com uma liderança consolidada e com posições
seu tio. Porém, de modo mais enfático, Juvenal evoca a figura histó-
rica e lendária do Sacambuasu como referência histórica de liderança:
“eu sou Payayá, Maraká, Topim, filho de Sacambuasu” (Juvenal Paya-
yá). Em várias ocasiões, o Cacique evoca o legado de Sacmabuasu e
se coloca como o seu legítimo sucessor. E o seu povo, como pudemos
observar em alguns diálogos, concordam com a veracidade dessa su-
cessão. É digno de nota, portanto, que os Payayá estão organizados em
torno de lideranças masculinas, a começar por Sacambuasu, passando
por Raimundo Gonzaga e chegando ao atual Cacique.
No caso dos Maraká, no entanto, a construção do ideal de lide-
rança não se organiza em torno de figuras masculinas: “a civilização
Maraká era mais matriarcal do que patriarcal. Quem regia e ordenava
a comunidade eram as mulheres” (Flávia Maraká). De acordo com
Flávia, até mesmo a liderança espiritual, ou seja, a função de pajé,
era exercida por mulheres. Além disso, observamos que aqueles que se
auto-identificam como Maraká, geralmente, fazem referência a uma
linhagem matrilinear, a exemplo de uma das famílias alistadas por Flá-
via, originária da região da Serra do Orobó.
Patrícia Ferreira Maraká-Payayá211 afirma que, na sua família ma-
terna, de linhagem Maraká, as mulheres são as que exercem a lide-
rança espiritual, sendo conhecedoras de remédios à base de ervas e
de orações específicas que fazem em segredo, inclusive afastadas dos
211. Patrícia Ferreira nasceu em Maracás-BA, no fim da década de 1980, e passou a infância
na zona rural. Ela sempre se reconheceu como indígena, mas a descoberta de sua etnia está em
processo: em virtude de sua família materna (oriunda do povoado de Capivaras, Maracás), ela
costumava se declarar apenas Maraká, porque desconhecia a etnia paterna (embora soubesse
que também se tratava de família indígena). Mais recentemente, em contatos com outros
indígenas da região e em diálogo com seus familiares, ela descobriu que a avó paterna era in-
dígena da região da margem esquerda do Alto Paraguaçu, região de Rui Barbosa, de predomí-
nio Payayá. Desde então, tem intensificado o diálogo com o povo Payayá e sua liderança. De
modo que, atualmente, ela se autodeclara Maraká-Payayá. Ela define sua família materna, de
linhagem Maraká (sobretudo seu avô, homem fiel às tradições familiares e espirituais), como
amantes da natureza, admiradores das árvores e da chuva. São habilidosos construtores, com
técnicas ancestrais, e tocadores de Terno de Reis.
212. MACHADO, Ivana Karoline N. Cultuando a essência dos que se foram: o candomblé no
sertão dos maracás. 2016. p. 57.
213. NASCIMENTO, Edelvito. Bênça, mãe-véa: a constituição dos filhos de santo no terreiro
de Madrinha Alice. 2018. p. 21, 22.
214. MACHADO, Ivana Karoline Novaes. Cultuando a essência dos que se foram: o candom-
blé no sertão dos maracás. 2016. p. 101.
215. Ibid. p. 102.
216. Ibid. p. 108.
217. Ibid. p. 109.
218. BARROS, Francisco Borges de. Memória sobre o município de Maracás. Salvador-BA:
Escola Typographica Salesiana, 1917. p. 18.
219. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 17.
220. OLIVEIRA, Algusto Fagundes de. [et. al.] Educação e vozes da tradição: ancestralidade,
etnogênese e hierofania em construção no Poransin Tupinambá. 2009.
221. MACHADO, Ivana Karoline Novaes. Cultuando a essência dos que se foram: o candom-
blé no sertão dos maracás. 2016. p. 54.
222. ELIADE, Mircea. O sagrado e o Profano. 1992. p. 73.
Considerações Finais
Em alguns terreiros de Maracás, a ascendência indígena é, muitas
vezes evocada, como chancela para a prática do candomblé de tradição
local, como se o fato de ser indígena conferisse ao indivíduo poderes e
conhecimentos que não são do domínio das pessoas ordinárias.
As bebidas à base de ervas medicinais, as imagens e fotos de indí-
genas como símbolo de amuleto de proteção dentro de uma casa, o
culto à cabocla Jurema e ao Caboclo Boiadeiro (bem como a outras
entidades compõem o panteão dos Caboclos e Encantados), tudo isso
povoa o imaginário dos adeptos destas tradições. Mas, como vimos,
longe de ser uma mera representação e apropriação dos símbolos, essa
224. PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. O tempo da dor e do trabalho. A conquista dos terri-
tórios indígenas nos Sertões do Leste. 01. ed. Salvador: Edufba, 2014. v. 01, p. 120.
225. COSTA, João G. Memória sumária e compendiosa da conquista do Rio Pardo, pelo Ca-
pitão mor João Gonçalves da Costa- Bahia, 1806-1807. Códice, 29.878 IN: Inventário dos
157
Território das Etnias Indígenas que povoavam o Centro Sul da Bahia entre os Sécu-
los XVI a XIX. Arquivo Histórico ultramarino – Biblioteca Nacional – Brasil (2013).
Livro Viagem ao Brasil de Maximiliano – 1817 (1940). In: ROCHA, Altemar
Amaral. O papel de João Gonçalves da costa na produção do espaço baiano - entre
os séculos XVIII e XIX: as origens do território de vitória da conquista. Geopauta, v.
2, p. 83, 2018.
229. WIED-NEUWIED, Maximiliano de., Ibid., p. 432-434 Apud TESE - Prof. Tácio Luís
30-07-2020.pdf (ufba.br)
230. Idem, página 238. Presente também em PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Os índios
do rio Pardo e a Implantação da imperial vila da Vitória. Gente I, Salvador, v. 01, p. 107-
123, 1984.
234. PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. O tempo da dor e do trabalho. A conquista dos terri-
tórios indígenas nos Sertões do Leste. 01. ed. Salvador: Edufba, 2014, p.123.
235. Cópia da Carta de João Gonçalves da Costa ao Desembargador e Ouvidor de Ilhéus
Francisco Nunes da Costa e governo interino da Bahia. Arquivo Nacional da Torre do Tom-
bo. Brasil – Avulsos. (Cairu, 23 de fevereiro de 1782) OLIVEIRA, Renata Ferreira de. Índios
Paneleiros no Planalto da Conquista: do massacre e o (quase) extermínio aos dias atuais. Mes-
trado em História. Universidade Federal da Bahia, 2012, p.51.
236. Idem.
237. Esta especulação que faço se dá pela leitura de outras experiências como aquelas que
houve, por exemplo, no Rio de Janeiro, estudado por Flávio Gomes (2005). GOMES, Flávio
Santos. A Hidra e os Pântanos. Mocambos e Quilombos no Brasil Escravista. São Paulo: Edi-
tora da Unesp/Polis, 2005. 462p.
239. Talvez seja só coincidência, mas não deixa de ser curioso o fato do coronel e do índio
terem o mesmo nome.
240. Para evitar perseguições, muitos nomes de origem judaica foram modificados no Brasil
para sobrenome com referência a indígenas.
241. Ver “Sumário de Culpa”, 1877, Caixa Diversos (1877-1879), Arquivo do Fórum João
Mangabeira/ Vitória da Conquista/BA (Não Catalogado).
242. Idem
243. SOUZA, Telma Mirian Moreira de. Entre a Cruz e o trabalho - a exploração da mão-de-
-obra indígena no Sul da Bahia (1845-1875), Mestrado em História. Universidade Federal da
Bahia, 2007, p.189.
244. O Banquete da morte foi uma festividade organizada pelo João Gonçalves da Costa
com o propósito de atrair os índios para posteriormente matá-los. Tal fato foi descrito pelo
príncipe Maximiliano durante a sua passagem pela região. Para mais informações ver SOU-
SA, Maria Aparecida Silva. A Conquista do Sertão da Ressaca: povoamento e posse da terra no
interior da Bahia. Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2001.
245. Ver FERREIRA, Graziele. Cinzento: Memória de uma comunidade negra remanescente
de quilombo. São Paulo, Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica,
(Dissertação de Mestrado) 1999 e NERY, Vanderlucy Barreto. Boqueirão: O romper do silên-
cio. Monografia de final do curso de Licenciatura em História, 2002.
Imagem 1
A bisavó dele [pai] foi pegada no mato. A bisavó do meu pai era índia. O
pai dela, a mãe era índia. [...] O meu avô é João Ribeiro de Queiroz, pai
do meu pai. Ele morava na Lage do Gavião, de lá ele mudou para Itam-
bé, numa seca igual a que tá agora, procurando recurso pra viver. Foi lá
que meu pai conseguiu namorar com minha mãe. A família dos Ribeiros
de Itambé é essa a família do meu pai
O meu pai era índio do cabelo pretin. Minha mãe era morena igual eu, mas
o cabelo dela [crespo] era igual o de Bezinha (esposa). Meu pai ficava a se-
mana toda sem passar o pente na cabeça e nós não via diferença. Ele era cis-
mado, ele era muito diferente pra quem não tem sangue de índio. Ele sabia
entrar no mato e sair e as outras pessoas não sabe sair do mato. Não era toda
coisa que ele gostava, negócio de muita brincadeira, ele não gostava de tá
aquela meninagem. Igual eu, também não procuro rixa com ninguém. Eu
gosto de chegar num canto e sair limpo, porque é muito ruim a gente ir num
lugar e deixar rastro. A gente vai num lugar e vem com o rastro que levou 247.
247. Entrevista concedida por Estevão Ribeiro dos Santos (Seu Preto) em 26 de janeiro de
2017 a Vivian Lima. LIMA, Vivian Ingridy Carvalho. Raízes, Frutos e Tramas: pertencimen-
tos, relações étnicas e saberes na comunidade quilombola do Baixão (Vitória da Conquista
- BA). Mestrado em Relações Étnicas e Contemporaneidade. Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia, 2018.
248. CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Etnicidade: da cultura residual mas irredutível
In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Antropologia do Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1986
Moreno Sapateiro
A visita com ele foi agendada para 18 de agosto de 2006, no tur-
no matutino, às 8:00 horas da manhã. Cheguei às 8:20; diante do meu
atraso, ele me fez esperar cerca de uma hora antes de iniciarmos a nossa
conversa, deixando claro que não aceitaria deslizes. De início o que me
impressionou ao chegar à sua casa foi ver um homem de mais de 80 anos
de idade ainda trabalhando no mesmo oficio com que iniciara a sua vida.
Mesmo contando com um auxiliar que fazia os trabalhos mais pesados,
continuava a fazer trabalhos leves, como furar buracos em cintos.
Guardando as devidas proporções, podemos entender Moreno Sa-
pateiro, à luz do universo cultural de matriz africana, como um mestre
tradicionalista. Aquele que, além de deter o saber de determinado ofí-
cio, é o responsável por preservar e divulgar os saberes daquela comu-
nidade. Na tradição Mande, da África Oriental, Amadou Hampate
Bã afirma que, além dos ferreiros, tecelões, trabalhadores da madeira
e animadores públicos (griot), os trabalhadores do couro são um dos
principais tradicionalistas252. Segundo ele, haveria três tipos de traba-
254. Entrevista com Ariosvaldo Cardoso dos Santos, 2006. Acervo pessoal de Washington
Santos Nascimento.
Logo depois dessa fala, ele me disse que era “solteirão”, mas que
tinha seis filhos, os quais moravam em São Paulo. Importante destacar
que todos eles eram filhos de mulheres brancas. Para mim, pareceu-me
que ele queria deixar claro esse fato, mostrando como ele, “Moreno”,
conseguira ter relacionamentos com “brancos”. Sobre seu pai, Moreno
disse que ele viera de Santo Antônio de Jesus, era tropeiro; já sobre a
mãe e sua ancestralidade, fez a seguinte consideração:
A minha mãe foi neta ou bisneta dos índios, aqui, entendeu? Ela sempre
contava a história que aonde que morreu o ultimo índio foi na praça
Tancredo Neves, esse tempo eu num era nascido ainda. Eles chamava
Vitória da Conquista, que teve a vitória onde eles terminaram com os ín-
dios. E a Vitória, sobrou o nome Vitória da Conquista, porque também
que foi a Vitória que eles ganharam, a batalha, dos índios, né? E tem até
uns lugarzim, perto daqui, do outro lado da serra, que chama Batalha, ali
tinha muito índio também, os índios vinha por aqui, do outro lado da
serra. Era bisneta dos índios.
Produção de cachaça
Moreno na cachoeira
Tiro de Guerra
Polícia da noite
Ele me disse que os guardas vigiavam a cidade e que alguns deles ti-
nham morrido em um tiroteio que envolveu a família Gusmão. Ques-
tionado sobre esse tiroteio, ele me disse ter sido por causa de um ani-
mal, mas que era uma história complicada e que era melhor não falar.
Moreno também me mostrou umas imagens de carnavais antigos;
na primeira foto, disse estar presente e que fora uma apresentação
onde hoje é a Praça Tancredo Neves, mas não sabia precisar a data,
julgou ser entre os anos de 1950 e 1960.
Diploma de Comendador
Instrumentos de trabalho
Instrumentos de trabalho
189
P/ Barra da Estiva
ITUAÇU -BA
Localização da Gruta da Mangabeira
P/
ITUAÇU
Ba
rra
da
Área urbana e acesso à
Gruta da Mangabeira
Es
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Rota uta
da Gr
Entrada da Gruta
da Mangabeira
-37°
-42°
-47°
-8,5°
-8,5°
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BAHIA
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-13,5° Ituaçu
Ituaçu
-13,5°
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P/ V
-18,5°
-18,5°
-37°
-42°
-47°
Diz uma história recorrente na região que ela teria sido descoberta
por um vaqueiro, que, ao seguir uma vaca e um bezerro desgarrados,
caiu da parte superior dela em um grande buraco. Como no momento
da queda pedira ajuda ao “Sagrado Coração de Jesus”, nada sofrera,
tampouco seu gado, e conseguira sair falando a todos sobre a sua des-
coberta e o milagre. Segundo seu Pilinha, “Correu este boato desse
vaqueiro que caiu e salvou. Foi um milagre, e aí veio o povo de fora –
num sabe? –, fazer visita. Soube da notícia, vinha olhar e coisa e por aí
começou a evolução da Gruta da Mangabeira”255.
Além de seu Pilinha, esta lenda me foi contada por três entrevis-
tados: seu José da Silva Aguiar (81), dona Alzira Cruz Oliveira (72)
e seu José da Silva Novais (62). A origem da história é a mesma nos
255. Entrevista com Pompílio (Pilinha), 2002. Acervo pessoal de Washington Nascimento.
256. Em 2014, dona Alzira deu uma entrevista a Tania Meira, mas não deu detalhes sobre
a origem indígena do vaqueiro. Para mim, está claro que, como não era esse o foco da pes-
quisadora, esta questão não foi destacada. COUTO, Edigleice. S., & MOTA, Tania, M. M.
Razões para peregrinar: experiências devocionais no santuário do Sagrado Coração de Jesus
da Gruta da Mangabeira (Ituaçu - BA, 1900-1950). Revista Brasileira de História das Religiões,
13(38). 2020.
257. AGUIAR, Durval Vieira de. Descrições práticas da Província da Bahia. Salvador, BA:
Editora da Bahia, 1971 e GUIMARÃES, Ordálvio Souza. Bandeirantes e Sertanistas na Cha-
pada Diamantina. Salvador, BA, 2004.
famílias locais258. Provavelmente não teria sido esse o primeiro fato que
remete à sacralização do local, em face da beleza e da forte religiosidade
da população sertaneja. Desde então, a Gruta da Mangabeira recebe
anualmente milhares de romeiros para venerar o “Sagrado Coração de
Jesus”, esculpido em uma estalagmite. Em 1886, foi feita a primeira
travessia da gruta por Joseph Mawson, um cidadão inglês que era su-
pervisor da Estrada de Ferro Central da Bahia, que cortava um longo
trecho do estado259. Na foto seguinte, é possível ver algumas dessas for-
mações rochosas. Trata-se do mesmo grupo de romeiros da foto ante-
rior, entretanto sem os mais velhos, seu José de Tereza e tia Silvana:
258. AGUIAR, Durval Vieira de. Descrições práticas da Província da Bahia. Salvador, BA:
Editora da Bahia, 1971
259. Conforme afirma Álvaro Silva In: SILVA, Álvaro. P. Gruta da Mangabeira – Ituaçu/
Bahia: História, lendas e
belezas naturais. Vitória da Conquista, Grafimax. 1998.
A ocupação da terra
Apoiando-nos em relatos orais, concluímos que a ocupação do po-
voado pela população se deveu à utilização do usucapião das terras pú-
blicas (ou devolutas) existentes, como atesta seu José da Silva Novais
(70 anos em 2000):
Eles chegou aqui. Essa área de Gruta aqui era área desocupada, do mu-
nicípio, essa área que era teto da Mangabeira sobrava terra. Eles usava
negócio de terra campião (usucapião), eles chegava, assentava e fazia uma
casinha e por ali ficava. Quando (a avó) chegou aqui na Gruta, ela fez
isso, assentou numa terra que era do estado260.
Segundo ele, na área que era teto da gruta “sobrava terra”, e esta foi a
razão pela qual várias pessoas se instalaram no povoado. Era justamente
nessa área do teto da gruta que os grupos indígenas viviam, segundo
seu João e dona Alzira, daí talvez porque “sobrava terra”, ou seja, a terra
indígena passou a ser ocupada por diferentes pessoas, vindas não só de
Ituaçu, como de outras regiões da Chapada Diamantina, expulsando ou
se misturando com as populações lá existentes. Segundo José Novais,
O pessoal falava: ó, você faz um rancho aqui, se ocê gostá, ocê fica! Os
que moraro antes, atrás. Aí eles fizero um ranchim e, naquele tempo, a
casa chamava enchimento, furquia aqui, furquia aqui, aqui, aqui, aqui,
era tudo de pau, fazia de barro, enchia de barro, uma moradia, que num
tinha alicerço, [...] ninguém nunca teve procurador, nunca ninguém
mandou tirar a pessoa que habitô, num tinha dono também.
Ele foi comprano, menino, foi apertando o povo. Foi comprano uns ter-
renos, foi cercano e foi apertano o povo, e o povo foi saino. Foi ele que
apertou todo mundo. Apertou tio Marcianim, que era o avô dele (aponta
para João), Florindo, que era primo carnal de mamãe. Nesse tempo tinha
valor o morro, porque ele plantava mamona e foi acabano tudo.
261. Seu Jês apud OLIVEIRA, Renata Ferreira. Resistência e Identidade Indígena na Bata-
lha: memória e trajetória de comunidades rurais no Planalto da Conquista. Monografia de
conclusão do curso de História. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2009, p.137.
João Batista, esse foi que melhorou a gruta. Coração de Jesus foi ele que
pediu, quando Coração de Jesus vei de lá de Ituaçu pra cá eu era menina,
vei num carro de boi. Caminho num existia, porque num tinha carro,
automóvel; carro de boi, vei aquela procissão, gente rezano. Quando che-
gou ali, pra descer com esse santo, descer essa escada, aí, vei no jeito que
vei, num baú. Eh, meu Deus do céu262.
Num tinha nada, num tinha nada, tudo pobrezinho. Aqui, menino, num
tinha casa de adobe não, era tudo casa de enchimento, ribuçado de paia,
que nem rancho de caboco. No dia de cobrir essas casa, era unido. Era
um mutirão. O povo era unido, cortava as paia no tempo do escuro,
porque se cortasse no claro... As madeiras era tirada tudo no escuro. No
escuro, a madeira era tirada no escuro, tirava as paias, meu irmão, meu
pai... onde lá é de Vitório, os outros juntava e ia e arrancava tudo de noi-
te, para, quando era dia, que secava.
263. Idem
264. OLIVEIRA, Antônio José de. Os Kariri - resistências à ocupação dos sertões dos Ca-
riris Novos no século XVIII/ Antônio José de Oliveira. – Tese apresentada ao Programa de
Minha avó vei pra qui foi numa fome que existiu aí pro lado de Seabra,
pro lado da Chapada Diamantina, lá no alto da Chapada. Ela vei andano
de lá pra cá, correno, fome tava lá, essa fome foi geral no norte. Então
saía andano, na procura de melhora, então eles descero pra cá, quando
chegou, habitou aqui, se dero bem, achou que, pra frente tava mais difí-
cil, então ficou por aqui mesmo266.
Meu pai foi das lavras, mas eu nasci aqui e minha mãe também é daqui.
Meu avô, tinha tia, tio, tudo nasceu aqui. O primeiro morador aqui do
povoado era meu avô, chamava Marciano Miúdo. Esse, esse Juarez veio
depois, Livino vei depois, já tem muito tempo. Seu zeca já vei mais de-
pois e Miguelzin, ce conhece, né?, já vei mais depois, depois de nós, por-
que nós já morava aqui.
A presença indígena
Dona Alzira destaca um elemento no processo de ocupação, que é a
presença indígena na Gruta da Mangabeira. Nascida no ano de 1927 no
Povoado da Mangabeira, sua avó paterna era Antônia Onça, e a materna,
Maria Benedita. Ela é a prova viva do entrelaçamento dos povos indíge-
nas com os africanos na região. Entretanto, não perdera a sua identidade
e pertencimento, sempre se referindo à sua ancestralidade indígena:
Era tudo filho daqui: meu avô, mamãe, quando o pai dela morreu, ela era
novinha mais alembra.
Tudo filho da Gruta. Meu pai disse que tinha até raça, meu avô: Tapuia.
É Tapuia. O povo chamava, ela era muito nervosa, ela era branca do ca-
belo assim né, João? A mãe do nosso pai chamava Antônia Onça, foi
pegada no mato. Tinha os índios, chamava, minha bisavó, minha avó,
porque era mãe de meu pai, era Antônia Onça.
267. SANTOS, O.M. Ativismos autobiográficos. In: A luta desarmada dos subalternos [on-
line]. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016, pp. 147.
268. ZANELATTO, João Henrique.; JUNG, G. M.; OSÓRIO, R. M. Índios e brancos
no processo colonizador do sul catarinense na obra “Histórias do grande araranguá”, de João
Leonir Dall’Alba. Revista de História Comparada (UFRJ), v. 9, p. 174-202, 2015.
Alzira: Tinha aqui no morro da Gruta. Tinha. O vei disse que era índio,
João, o vei Profílio, era um pretão, era índio.
João: Conheci demais.
Alzira: Dizem que ele morava aí nesse morro, aí em cima da Gruta. Era
antigamente, era o vei Profílio. Não tinha quem pegasse um piau ali no
pouso dos piau, e ele pegava, pegava, pegava, num tem quem pega, disse
que pegava e escapulia (...) e ele pegava piau, pegava cambuião de peixe,
porque ele era índio e pegava.
João: Falava assim, eu quero uma traíra de dois quilos. E ele pegava.
Alzira: Era Caboco ou era índio, João?
João: Caboco.
Alzira: Caboco do cabelo pretim, mais preto, chegava a brilhar.
João: Tinha muita lenha, muita lenha. Eles que conhecia os pau bom,
daquilo queimar e num quebrar.
Alzira: As panela lumiava, nos achava panelinha, brilhava, cambuquinha
assim, que chegava a lumiar.
João: E aquilo pra dar o brilho é com as pedras, com as pedra lisa pra dar
o brilho.
Alzira: Plantava na beira da casa, chovia demais, eles prantava mandioca,
aipim, (...), a gente ia lá e trazia. Esse vei vivia disso, esse vei vivia disso,
esse véi Porfírio.
[...]
Alzira: Quebrava as pernas de homem, um véi que tinha aqui, num ti-
nha negócio de mandar pra médico não, era só botá mandacaru em cima,
chegava uns canto da gruta e ponhava umas planta.
Alzira: Tinha gente que morava atrás da colina. Uma veia ali no Barrero
disse que tinha um cativeiro, ô meu Jesus Cristo do Céu. (...) Botava os
nêgo pra trabaiá.
Alzira: Tinha gente que morava atrás da colina. Uma veia ali no Barrero
disse que tinha um cativeiro, ô meu Jesus Cristo do Céu. (...) Botava os
negro pra trabaiá.
João: Se ele num fazesse, entrava no chicote.
Alzira: Tinha uma mulher, que mamãe contava, que botava sal na comi-
da dos negros.
João: E um negro daquele, que, se reclamasse, entrava no chicote, o fei-
tor tava ali.
Alzira: Eu num sei se foi Deus que deixou isso aí, um povo tão marvado.
João: [...] era obrigado a trabalhar nem que ganhasse pouco. Outros tra-
balhava a conta de cumê. Só pra cumê. Era quase escravidão.
Alzira: É tudo quais, menino, quais vida de cativeiro.
Seu José da Silva Novais (65 anos) credita a exploração que os tra-
balhadores rurais sofriam nas lavouras de arroz aos hábitos “herdados”
pelos proprietários rurais do período da escravidão. Diz ele:
Eles explorava muito, acho que era por causa daquele tempo da escravi-
dão, acho que pegou uma base daquilo (...) Era a mesma coisa, muda um
pouco que num botava ninguém no tronco.
Num te contei o caso, que mamãe contava, que ela falava de uma negona
que era fia de um tal Pedro Nolasco. O Pedro Nolasco era o pai de seu
Cristovo. Ele botava a nega pra ir pegar um cavalo pra ele viajar, na ve-
reda, tinha um bocado de égua e esse cavalo, e essa nega ia. Tinha que ir
6 horas e chegava meia-noite, e falava que num foi pegar o cavalo, que o
cavalo correu atrás das égua quando amanhecia. “Vá Buscar o Cavalo”, e
ela ia. Se não trouxesse, ia apanhar porque ela era preta.
Imagino que, se Pedro Nolasco batia na filha por ela ser “preta”,
talvez por ele assim não se considerar, e ela ser filha de uma mulher
negra. Infelizmente não retornei a dona Alzira para desdobrar ainda
mais esta história e poder pensar como o racismo atravessa as famílias
oriundas de relações interétnicas.
Mais contundente ainda é a analogia feita por ela e seu João entre
as relações trabalhistas da época da escravidão e as do período em que
se empregavam em trabalhos agrícolas na região (segunda metade do
século XX). Ao serem perguntados como se davam as relações de tra-
balho, quando se empregavam como diaristas em lavouras de arroz,
feijão, milho, afirmaram eles:
João - [...] era obrigado a trabalhar nem que ganhasse pouco; outros tra-
balhava a conta de comer. Só pra cumê. Era quase escravidão.
Alzira - É tudo, quais, menino, quais vida de cativeiro.
João - Hoje nós tamo liberto, numa liberdade.
Palavras finais
O processo de sacralização com o advento de moradores para traba-
lhar no comércio em torno da romaria à Gruta da Mangabeira tornou
a comunidade profundamente multifacetada, impossibilitando-nos
209
271. Seção Colonial e Provincial, Presidência da província, Seção Judiciário, Período 1837 –
1872, Maço 2647 (1860). APEB.
272. COSTA, João Gonçalves da. Memória sumária e compendiosa da conquista do Rio
Pardo, pelo Capitão mor João Gonçalves da Costa- Bahia, 1806-1807. Anais da Biblioteca
Nacional. Ano 1915\Edição 00037 (5). Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/
docreader.aspx?bib=402630&pesq=%22Jo%C3%A3o%20Gon%C3%A7alves%20da%20
Costa%22&pagfis=21677 Acesso em 05 de outubro de 2021.
273. Idem.
274. Livro de Óbitos No 1 (1877 – 1882). AFWLS – Maracás/Bahia. (Não Catalogado) e
Livro de Óbitos No 2
(1882 - 1888). AFWLS – Maracás/Bahia. (Não Catalogado).
275. O Calundu é um ritual coletivo de possessão e transe, cuja origem remonta à África
centro-ocidental. Trata-se de um rito que parte da crença na circulação de energia vital entre
espíritos dos ancestrais e de determinadas pessoas especialmente preparadas para recebê-las
em seu corpo, denominadas, no antigo reino do Congo e Ndongo, como Xinguilas. Sobre
Luzia Pinta, ver o verbete Luzia Pinta (século XVIII) – Biografias de Mulheres Africanas
(ufrgs.br), além da tese de Alexandre Marcussi. MARCUSSI, Alexandre Almeida. Cativeiro
e cura: experiências da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII.
Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH), Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2015.
276. FIGUEIREDO, Luciano. Três pretas virando o jogo em Minas Gerais no século XVIII
In: XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio (Orgs.). Mulheres negras no
Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012, p. 43.
277. REIS, João José. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candom-
blé na Bahia do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2008. 463 p.
278. SLENES, Robert. A Grande Greve do Crânio do Tucuxi: espíritos das águas centro-afri-
canas e identidade escrava no início do século XIX no Rio de Janeiro. In: HEIWOOD, Linda
(org.), Diáspora negra no Brasil (São Paulo: Editora Contexto), 2008, p. 205.
279. O processo que envolve este curandeiro também foi analisado em outro artigo escrito
por mim para a Revista Afro-Ásia. Para mais informações, ver NASCIMENTO, Washington
S. Maria crioula, José pretinho e o mulato claro de olho de gato: representações de mestiços,
pretos e negros no sertão baiano (1870 1930). Afro-Ásia (UFBA. Impresso), v. 48, p. 237-
272, 2013.
280. Idem
281. Não disponho de nenhuma referência que me permita afirmar que o termo Pombagira
pudesse ser conhecido nesse período.
282. MACHADO, Ivana. K. N.; Aguiar, Itamar P. A pomba-gira cigana no candomblé do ser-
tão: subversões e peculiaridades em Maracás, Bahia. Revista Odeere, v. 2, 2017. p. 131-152,
2017. Ivana Machado (2016) desenvolve estas questões em sua dissertação de mestrado. MA-
CHADO, Ivana Karoline Novaes. Cultuando a essência dos que se foram: o candomblé no
Sertão dos Maracás. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em Relações Étnicas
e Contemporaneidade. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB, Brasil, 2016.
[...] o curandeiro deu a esta um pedaço de ananaz dizendo que era para
ela não mover o seu filho e depois de esfregar a barriga de Balbina e mais
outros lugares com a banha, apagou a luz, porém a mulher de Maximia-
no fez acender de novo, e isto por algumas vezes e pondo-se Balbina a
dizer-recebo a vós senho. O curandeiro dissera discunjura de sinhô que
aqui está doutô285.
283. SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade
popular no Brasil
Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.181-182.
284. Idem
285. Idem
286. ROCHA, Carolina. O Sabá do sertão: feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí Co-
lonial (1750- 58). Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal Fluminense,
2013, p.71.
287. MARCUSSI, Alexandre Almeida. Cativeiro e cura: experiências da escravidão atlântica
nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII. Tese (Doutorado em História Social) - Facul-
dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Universidade de São Paulo (USP).
São Paulo, 2015, p.47.
288. Idem.
289. GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 1999.
Deu meia-noite,
a lua se escondeu.
Lá na encruzilhada dando a sua gargalhada
Pombagira apareceu.
É laroiê! É mojubá!
Ela é odara dando a sua gargalhada
quem tem fé em Pombagira
é só pedir que ela dá290.
[...] ouvindo Maximiano que estava na tenda tal barulho viera a porta do
quarto e perguntara a sua mulher o que era aquilo e antes de sua mulher
responder o dito curandeiro pedira a esta que pelo Senhor Bom Jesus da
Lapa nada dissesse, pelo que a mulher respondeu a seu marido que não
era nada294.
294. Idem.
295. STEIL, Carlos Alberto. O sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o santuá-
rio de Bom Jesus da Lapa - Bahia. Petrópolis: Vozes, 1996
296. AGUIAR, Itamar Pereira. Do púlpito ao Baquiço: religião e laços familiares na trama
da ocupação do sertão da ressaca. Tese de doutorado. Programa de pós-graduação em Ciências
Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007, p. 43.
297. Segundo Carlo Ginzburg, “ [...] a feitiçaria pode realmente ser considerada, sem exage-
ro, uma arma de defesa e ataque nas lutas sociais”. GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um
paradigma indiciário” In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e Histó-
ria. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.21.
298. Diário de Notícias. Rio de Janeiro. Sábado, 29 de Junho de 1872. Disponível em http://
memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=369357&Pesq=%22Imperial%20Villa%20
da%20Vict%c3%b3ria%22&pagfis=1474. Acesso em 05 de Outubro de 2021.
299. NOVAIS, Idelma. A. F. Produção e Comércio na Imperial Vila da Vitória (Bahia, 1840-
1888). 2008. 288 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2008, p.31-32.
300. SANTOS, Vanicléia S. Mandingueiro não é Mandinga: o debate entre nação, etnia e
outras denominações atribuídas aos africanos no contexto do tráfico. In: PAIVA, Eduardo
França; SANTOS, Vanicléia Silva.. (Org.). África e Brasil no Mundo Moderno. 1ed.São Paulo:
Annablume, 2012, v. 1, p. 11-27.
[...] disse que sabe por ver que no dia de ontem das três para as quatro
horas da tarde estando ele testemunha na Rua do Espinheiro vira o fina-
do Manoel Criolo mastigando um dente de alho e sobre o que dizia que
quem mastigava era feiticeiro301.
304. Este caso é analisado com maior profundidade por Isnara Ivo (2014). IVO, Isnara Pe-
reira. O Anjo da Morte contra o Santo Lenho - Poder, vingança e cotidiano no sertão da Bahia.
Vitória da Conquista: Edições UESB, 2004.
305. VASCONCELOS, Albertina Lima. As Vilas do Ouro: sociedade e trabalho na economia
escravista mineradora (Bahia, Século XVIII). Vitória da Conquista: Edições UESB, 2015 e
ROCHA, Fernanda Gomes. Laços de família: escravos e libertos em Minas do Rio de Contas
- Bahia, 1840-1888. 2016. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em História
(UFBA)) - Universidade Federal da Bahia, 2016.
306. PIRES, M. F. N. Fios da vida: Tráfico Interprovincial e Alforrias nos Sertoins de Sima,
1860-1920. 1. ed. São Paulo: Annablume Editora, 2009. v. 1. 310 p.
307. Lei nº 3.270, de 28 de setembro de 1885, também conhecida como Lei Saraiva-Cotegi-
pe, concedia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade.
308. PIRES, Maria de Fátima. N. Cartas de Alforria: “para não ter o desgosto de ficar em
cativeiro”. Revista Brasileira de História (Impresso), v. 26, p. 7-307, 2006.
309. Processo-crime. Crime de morte (envenenamento). Autor: Dr. José d’Aquino Tanajura.
Réu. Ambrósio - Liberto. Caixa 32, fls. 06, Arquivo Público de Rio de Contas, 1888.
310. Processo-crime. Crime de morte (envenenamento). Autor: Dr. José d’Aquino Tanajura.
Réu. Ambrósio - Liberto. Caixa 32, fls. 06, Arquivo Público de Rio de Contas, 1888.
Ambrósio disse que seu objetivo não era matar, mas amansar o se-
nhor. Fazia parte da rotina de resistência cotidiana o “amansamento”
de senhores de escravizados, que consistia em colocar nas comidas
ou bebidas algum tipo de veneno, em um tipo de ação que, às vezes,
se prolongava por meses312. A “arte de amansar senhor” era uma for-
ma usada por eles para controlar o poder senhorial. Desde ao menos
o século XV, há registros de africanos que faziam tal prática, usan-
do, para tanto, raízes, ossos, ervas e todo o arsenal que conheciam
da África, como repertórios do universo mítico-religioso europeu
também313. Além da ação prática, o amansamento de senhores no
Brasil Império fazia parte do imaginário do medo construído pelos
senhores314.
311. Idem.
312. REIS, João José. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e can-
domblé na Bahia do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2008, p.149.
313. Idem, p. 147 e 148.
314. SÜSSEKIND, Flora. As vítimas-algozes e o imaginário do medo. In: MACEDO, Joa-
quim Manoel de. As vítimas-algozes. Quadros da escravidão. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Casa de
Rui Barbosa; São Paulo: Scipione, 1991.
Em fins do ano de 1885 o seu sobrinho Manoel Alves Coelho veio a casa
do suplicante todo vacilante e medroso pedindo-lhe que o socorresse, visto
que Ambrosio, a pedido e por paga de seu agregado José Manoel, trabalhava
para pôr-lhe feitiço – José Manoel intrigava-se com o dito seu sobrinho por
haver este mandado matar uns porcos do dito José Manoel que estragavam
suas roças não obstante os pedidos que fizera para retirá-los ou prendê-los315.
Infelizmente porém o seu referido sobrinho comeu, não sei em que casa
do alto da Matriz, e poucos instantes depois ficara desacordado e tendo
vômitos! Dahi em diante principiou a definhar rapidamente, a voz públi-
ca aponta Ambrósio como autor desta sua morte316.
315. Processo- crime. Crime de morte (envenenamento). Autor: Dr. José d’Aquino Tanajura.
Réu. Ambrósio - Liberto. Caixa 32, fls. 06, Arquivo Público de Rio de Contas, 1888.
316. Idem.
317. REIS, João José. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e can-
domblé na Bahia do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.
318. RIBAS, Oscar. Ilundo: divindades e ritos angolanos. Luanda, Museu de Angola, 1958.
319. Processo-crime. Crime de morte (envenenamento). Autor: Dr. José d’Aquino Tanajura.
Réu. Ambrósio - Liberto. Caixa 32, fls. 06, Arquivo Público de Rio de Contas, 1888.
320. SANTOS, Arnaldo. A menina Vitória. In: Kinaxixe e outras prosas. São Paulo: Ática,
1981, p, 39.
321. Processo-crime. Crime de morte (envenenamento). Autor: Dr. José d’Aquino Tanajura.
Réu. Ambrósio - Liberto. Caixa 32, fls. 06, Arquivo Público de Rio de Contas, 1888.
322. MOTT, Luiz. Dedo de anjo e osso de defunto: os restos mortais na feitiçaria afro-luso-
-brasileira. Revista USP, (31), 1996, p.112-119.
323. Inquérito Policial. Réu: Sabino José de Sousa, Arquivo Municipal de Rio de Con-
tas, 1890.
324. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal”. Collecção das Leis
do Império do Brazil Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-
1830.htm. Acesso em 20 de outubro de 2020.
325. ROCHA, Fernanda Gomes. Laços de família: escravos e libertos em Minas do Rio de
Contas - Bahia
(1840 – 1888). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016, p.314.
326. Idem, p.325.
[...] então Sabino observando-o disse que o achava muito passado mas
que ele ia dar um chá para cortar-lhe a febre a fadiga, que ele testemunha
retorquio dizendo como ia dar remédio ao doente, quando estava sendo
tratado por médico, ao que Miguel de Souza Carvalho, respondeu que
retirasse os vidros para dentro que todos os remédios faziam mal ao doen-
te, ela testemunha pediu que consultassem primeiramente a João Gomes
de Lima, que estava incubido do doente, mas eles não concordando327.
327. Inquérito Policial. Réu: Sabino José de Sousa, Arquivo Municipal de Rio de Con-
tas, 1890.
328. SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura. Campinas: Unicamp.
2001, p.149.
329. Idem.
330. Inquérito Policial. Réu: Sabino José de Sousa, Arquivo Municipal de Rio de Con-
tas, 1890.
331. COELHO, Maria de Fátima et alii. Propagação da poaia (Psychotria ipecacuanha) em
diferentes substratos e posicionamento das estacas. Horticultura Brasileira 31: 2013, 467-471.
332. Poaia é conhecida na Europa desde 1762, e suas raízes têm sido obtidas principalmente
por extrativismo.
333. Sua ação é modificadora das secreções, cardíaca, emética, expectorante, sedativa, diafo-
rética, hemostática, anti-hemorrágica, antiparasitária. Pode ser usada contra hemoptise, he-
matúria, leishmaniose, dispneia, difteria, envenenamento, catarro crônico intestinal, cólica,
tenesmo, infeção intestinal, disenteria amebiana, irritação da garganta, irritação dos brôn-
quios, irritação dos pulmões, febre gástrica e febre biliosa (SILVA, 1993 apud OLIVEIRA,
2013). OLIVEIRA, Carlos E. O universo da poaia e seu patrimônio cultural: marcas do tem-
po de Rondon e da Coluna Prestes. In: XXVII Simpósio Nacional de História, 2013, Natal.
Conhecimento histórico e diálogo social, 2013.
[...] mandando logo Sabino ferver uma chocolateira d’agua, e tirando uma
colher de um pó branco em uma lata que trazia e outra colher de um pós
amarelo em uma outra lata pôs em uma chicara com a agua fervente e coan-
do depois de alguns instantes na ponta de uma toalha, dera a seu amo José
Bonifácio para beber, que a uma hora depois pouco mais ou menos ela teste-
munha ouvira bater na mesa, e indo ver o que era o seu amo lhe pedira para
mandar ver canela em casa de João Gomes para fazer malassada afim de por
nos peitos, mãos e pés por estar sentido muita fraqueza e que antes de voltar
o portador com a canela o seu amo respirava coberto de suores com a fadiga.
334. DEL RE, P.V and JORGE, N. Especiarias como antioxidantes naturais: aplicações em
alimentos e implicação na saúde. Revista brasileira de plantas médicas [online], vol.14, n.2,
2012, pp.389-399. ISSN 1516-0572.
335. TEIXEIRA, V.A.; COELHO, M.F.B. and MING, L.C. Poaia [Psychotria ipecacuanha
(Brot.) Stoves]: aspectos da memória cultural dos poaieiros de Cáceres - Mato Grosso, Brasil.
Rev. bras. plantas med. [online]. 2012, vol.14, n.2 [cited 2020-10-20], pp.335-343.
336. No Arquivo de Rio de Contas, localizei muitos processos do pós-abolição, que diziam
respeito a mulheres com o sobrenome de Jesus, que julgo serem descendentes de pessoas es-
cravizadas.
Considerações Finais
Seguindo uma “tradição africana”, também identificada por João
Reis (2008), grande parte dos adivinhos e acusados de feitiçaria na
região era de homens337. No meu caso, Maria Jacaré não aparece em
nenhuma documentação acusatória; ela apareceu para mim no cruza-
mento de vários registros de óbitos.
Um segundo elemento que me chamou a atenção foi como, a par-
tir dos saberes africanos, eles acionavam os conhecimentos indígenas
e europeus. Todos os curandeiros e líderes religiosos que encontrei
eram negros ou negras, de ascendência africana. É claro que deveria
337. REIS, João José. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e can-
domblé na Bahia do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2008, p.137.
237
com outros tios meus. Antônio Coice de Burro, alguma coisa nesse sentido,
Antônio Coice de Burro, Dona Dida no Mandacaru, ai outros que acom-
panheir quando criança era Gerson, finado Gerson, Antônio Come Vela (
Seu Toinzinho), Chiquinho Boca Torta, é lá do Mandacaru, finado Zé Lito
Preto, Nininha, Nininha que tá viva até hoje, com cento e poucos anos. A
finada Filomena, Filomena, Ambrozina, Ambrozina, mais quem, é… acho
que tem mais outros nomes, mas agora num me lembro.
As casas era diluído na verdade, era diluído. Hoje a gente tem atualmen-
te é concentrado muito mais no Mandacaru e KM 3 hoje sim ,tem essa
concentração. Mas antes era bem diluído, posto de Manuel Antônio, finado
Gerson, Chiquinho Boca Torta, é, Tonzinho, é Antônio Come Vela, é Ni-
ninha, finado Gilson, é.. Maria Tupinambá, Maria Tupinambá…, então era
por ali por aquela região do posto de Manuel Antônio. Agora tinha outros
depois do Alto do Cemitério, tia Bibi, finada Bibi, finada Vera, é.. aí vêm
o Alto do cemitério. Tem no alto do Cruzeiro. Então, era vários locais tava
diluído né, hoje a gente tem um número maior de terreiros pelo Mandaca-
ru. É Robertinho, a casa da finada Filomena que é a filha que tá tomando
conta. Doguinha que também tá ali no Mandacaru. Subindo para o KM 4
tem mãe Landa, é... Mãe Landa, quem mais do KM 4, é Edmilson, Mãe
Jane e mais umas quatro ou cinco pessoas ali. Então, ali pelo lado do Man-
dacaru e do KM 3 é um lugar que têm uma concentração maior de pai de
santo atualmente, na verdade, mas nesse período que eu, desses mais velho
eram mais, é.. eram bem diluído pela cidade, vários pontos da cidade tinha.
ele uma duas mangas e aí ele pegou essas mangas e chupou, só que essas
mangas estavam, como se diz, preparada. E aí ele comeu, ele chupou essa
manga aí começou a passar mal, passar mal, passar mal e aí nesse passar
mal foi que Katendê, o caboclo que ele recebia passou, foi a primeira vez
que ele incorporou. Foi quando ele passou mal por conta dessa manga. E
aí o caboclo pegou ele e fez o remédio, ensinou e fez o remédio, e melho-
rasse naquela questão que ele tava passando mal por causa da manga. Essa
foi os primeiros relatos que tive dele com essa questão da religiosidade.
Mais tarde eu via muitas pessoas falaram “mas Zé mas não é ras-
pado como é que Zé não foi iniciado e ele pode raspar e ficar raspan-
do não sei o que” então vi esses comentários nos Bastidores.. E aí eu
procurei saber dele com quem foi raspado. Aí ele disse que ele tinha
sido iniciado por uma senhora chamada mãe Cacho, né, no nome dela
realmente eu não sei qual o nome mas ele chamava mãe Cacho foi a
pessoa que iniciou ele, em relação a questão do Candomblé.
Na iniciação são feitas algumas curas nas pessoas, e ai ele me mostrava,
já com uns 30 e poucos anos atrás, ele me mostrou a questão das curas e
para que servia. Tinha a cura nas mãos para não pegar no que era dos ou-
tros e assim sucessivamente. E ai ele foi mostrando algumas curas que era
possível que a pessoa mesmo podia fazer. Mas tinha outros locais como
nas costas que ele mesmo não tinha como ele fazer, nas costas, na nuca, na
cabeça. Então ele disse que ele foi feito, iniciado com mãe Cacho.
Acervo: autor
O caboclo Katendê
Cada nação vai tá um nome pra as entidades, no caso de Katendê,
ele é, em Angola chamado Katendê, o Orixá que em Ketu seria Os-
sain, então Ossaim, o deus das folhas, das ervas e tal, e da medicina no
caso, porque ele acaba tendo conhecimento da manipulação das ervas
para as curas e para o uso de uma forma geral. E aí, Katendê, essa
entidade que está ligado diretamente a questão das folhas e por isso a
questão das curas e em algumas situações, esse Katendê, ele é esse Ori-
xá e tem situações que ele é caboclo né, o caboclo Katendê não, uma
entidade Katendê entendeu.., é mais ou menos assim.
Quem era o Orixá mais frente, na casa dele, na verdade os Ori-
xás que eu tenho lembrança de ter visto eles, era Xangô, Oxum, Ka-
tendê, duas entidades que eram ciganos, dois ciganos, exu sete faca-
das. Quem mais, o Obaluaê, que vem a terra quando nas obrigações,
Ogum aris, ele tinha dois oguns, punhal e aris. Ogun também, Iansã e
o boiadeiro. Além de Katende tinha o boiadeiro também.
É esse caboclo ele era eu acho que ainda é, porque o pai dele foi, ele
é um quase um guardião da casa de família, ele tomava conta. A lem-
brança dele que ele estava sempre a frente das coisas, ele estava sempre
a frente das coisas, e todas essas coisas que ocorria , ele tomava a frente
para poder resolver, ele ia lá resolver tudo, desde situações cotidianas,
como a última, não foi a última, foi uma das últimas ações dele numa
festa que teve lá na casa dele.
Um homem chegou lá em casa, para acabar a festa, quem estava em
terra foi Katendê, não minto, quem tava em casa era meu pai. Meu
pai ainda não tava incorporado, ai um homem com fação na mão, pai
botou ele para rua, vai para casa e não sei o que mais e tirou ele para
fora. Ai ele não tava com fação e ai foi em casa e pegou o fação, só que
quando ele voltou com o fação e como estava foi falar com ele, para
ele ir para fora. Ele e mais não sei o que, ai tomou o fação dele e ai
pegou ele, na porta da casa tinha um pé de cansação enorme, ai pegou
ele e falou para ficar quieto e colocou ele, nem jogou ele, e ai ele caiu e
ficou do lado da cansação e ali ele dormiu a noite toda e a festa acon-
tecendo. Quando foi de manha ele levantou procurou o fação, ai não
tinha fação, ai ele saiu e disse que ia pegar a espingarda, não sei o que,
pererê, parará, ai o resultado não deu em nada, mais o interessante é
que ele acabou dormindo e a festa aconteceu, é uma das situações não
é. Mas fora disso é questão de saúde como ele fazia como as curas e tal,
então todas as coisas que aconteciam de saúde lá na casa ele ia resolver.
Acervo; autor
A casa de Santo
A primeira casa que ele teve, eu não me lembro, porque eu sou um
dos filhos mais ou menos do meio, desses 16 que ele teve. Ele teve casa
ele teve casa antes de ter o primeiro filho. Então, nessa situação eu
não consigo dizer exatamente qual foi a primeira casa que ele abriu,
mais eram nesse sentido, né, nesse sentido. Um dos é quando ele mo-
rava de aluguel, aí as pessoas pediam as casas e aí ele tinha que procu-
rar outra casa pra morar, uma última casa que aconteceu essa questão
foi uma casa lá na rua Paixão, no Joaquim Romão.
Ele alugou uma casa, a casa estava totalmente destorada toda, cada
buraco que cabia, cada buraco de um metro mais ou menos no piso,
aí ele reformou a casa toda, a pessoa, a dona da casa morava em São
Paulo, tava em São Paulo, e essa casa tava lá, sendo tomada, um vizi-
nho tava tomando conta e tal, e aí ele alugou, e desse aluguel foi que
ele ajeitou a casa toda, aí fez caramanchão no fundo, fez todo esse tra-
balho de restauração da casa e aí ficou, quando foi, é, quando a casa já
tava toda bonita, as pessoas, os vizinhos começaram a colocar no ou-
vido de quem tava tomando conta de que meu pai iria querer tomar a
casa dessa pessoa, porque ele já tava ajeitando tudo, já tava arrumando
tudo, aí começou a fazer essa questão, com isso, o dono da casa veio
de São Paulo pra lá e pediu a casa pra ele, e ele disse não tinha condi-
ções de sair, aí, e teve até justiça nisso aí pra poder ele sair, aí chegou lá
num negócio de conciliação, o conciliador lá deu sessenta dias pra ele
poder largar a casa, pra ele deixar a casa, aí quando ele saiu, aí foi essa
casa das pedreiras que nós fizemos.
Ele comprou um terreno e aí ele já começou a construir, quebrar
pedra, a gente pegou pedra junto, colocou e foi aquela coisa todo,
e foi a família toda fez essa construção dessa casa das Pedreiras, em
quarenta e cinco dias , a casa já tava de pé, aí antes do quarenta dias,
antes dos sessenta dias para entregar a chave, ele entregou a chave com
quarenta e cinco dias e a gente mudou, aí fui lá para as pedreiras, abriu
um terreiro lá nas pedreiras também.
O espaço visual da casa é o seguinte, dependendo dos espaços da
casa, a casa em si não tem espaço no fundo para se fazer nada. O que
ele fazia? Ele fazia um quarto dentro de casa, o quarto do Santo, ele
fazia dentro de casa. Qualquer coisa que ele precisasse fazer, trabalho,
ebó, ele fazia dentro de casa ou no quarto do Santo. Quando a gente
tem a casa que tem quintal, ele faz dois quartos no fundo e um barra-
cão. O barracão da Rua Paixão era feito de eternite, as laterais abertas,
usava o muro do vizinho de uma casa como parede e as outras áreas
abertas, só a madeira até o peito aberto e os dois quartos. O quarto do
Santo e o quarto de Exu. O quarto do Santo e de Exu estavam juntos
ali. Então eram esses dois espaços, o dentro de casa ou no quintal,
com o barracão, onde acontecia todas feitas, e os dois quartos.
As casas existem, não sei se preservam a questão do quintal com o
terreno, não sei se derrubou o barracão do quintal porque era de alu-
guel, foi essa casa que deu sessenta dias pra poder mudar, e as pedreiras
que acabou vendendo e tá enrolado ainda porque, vendeu antes do meu
pai morrer, mas meu pai morreu, aí não teve como passar a escritura, aí
a casa tá lá ainda, né, foi vendida, mas tá lá ainda e tinha os quartos do
santo e de Exú no fundo, aí não sei se permanecem ainda esses quartos,
mas era uma casa normal, mas algumas casa permanecem sim.
Nessas casas não tinha uma festa principal. Não me lembro de uma
principal, a unica festa que da, que eu tinha uma lembrança era de
Katende, que era 2 de Julho, e tinha a questão das frutas, abobora,
aquelas coisas todas lá. Festa de Ogum que era a feijoada, mas não
tinha assim. Agora uma festa que era especifica e que depois parou era
um caruru, que ele dava sempre. Parou antes dele morrer. O ultimo
carru que nós demos foi lá nas pedreiras.
aqui, ele ia fazendo isso e andando para cima dele e quando ele fez as-
sim abraçou o rapaz e ai pegou o fação. Enquanto ele tá de longe tudo
bem, mas se ele passar a mão por cima do ombro da pessoa, já foi, ai
ele pegou o fação e ai viemos para casa.
Tem um outro caso que eles estavam almoçando e um menino,
uma criança pequena, quando tava todo mundo almoçando e foi falar
com seu zé: minha mãe pediu para ir lá em casa que o burro deu um
coice em fulano, e o coice pegou na testa do menino. O menino tá
vivo até hoje, ai ele deixou o prato na mesa e foi lá atender.
Ai alguém tá dando a luz, tá já para pari, então qualquer coisa que
acontecia as pessoas iam lá procurar seu zé, e ai seu zé ia e coisa e tal. E
ai a mãe falava que ele era o delegado da rua porque tudo que aconte-
cia seu zé ia lá para resolver.
Práticas de cura
A prática de cura dele, a entidade trabalhava para ele, muitas das vezes
a pessoa não precisava fazer nada, a pessoa não sabe fazer quem sabe fazer
é entidade. A depender de cada caso é que ele que tinha conhecimento
de todas as ervas, que utilizava as ervas, não tem uma erva especifica. Ti-
nha um cordão de são Francisco, a gente fazia com cordão barbante, uns
cordões grossos assim, para poder na hora de fazer o trabalho lá, ia ama-
rando, rezando. Lembro de pessoas que estavam recolhidas, tinha um
cheiro cheiroso de cebola e azeite doce, certo, ai eu lembro desse cheiro.
E fora disso não tem um tipo de erva especifico, ia depender muito da
enfermidade, da necessidade que a entidade ia utilizar essa ou outra erva.
Ele usava pó e cada pó tem uma finalidade, é usado para determi-
nado fim, tem pó branco, azul, amarelo, vermelho, verde, então tinha
vários, e cada um desses é usado para uma finalidade, ele não sabe
especificamente qual e ai dentro dessa especificação ele usava pó. Não
era pra fazer chá. Mais próximo de pó de fazer chá era esse de nos nos-
cada, mas não lembra de ter nenhum pó para fazer chá.
Como ele era orixá da medicina das curas e tal, todas as coisas que
aconteciam de saúde lá em casa ele ia resolver, então tem alguns casos
assim, de, por exemplo, meu irmão, esse irmão mais velho que eu falei
né. Meu irmão mais velho, ele tava com uma febre muito alta, mui-
to alta mermo já tava dando convulsão, e aí Katendê veio em terra,
pegou e pediu pra poder encher uma bacia de água, essas bacias gran-
des de roupa e encher essa bacia, pegou um líquido chamado banho
de amaci, hoje a gente não encontra mais esse banho, que eu não sei
qual é a química desse banho que ao cair dentro da água a água ficava
gelada, né, botava umas gotas dentro da água e a água ficava gelada,
aí com essa situação ele pegou, já tinha dado todos os remédios pro
menino, não tinha dado resultado, ele pegou esse menino e colocou
dentro da água umas duas ou três vezes, essa água gelada, e jogou pra
minha mãe, pra poder minha mãe enrolar num cobertor, aí foi o re-
médio que vez com que ele, meu irmão curasse, a febre fosse embora e
tudo mais. Aí essa foi uma das situações de cura né, que eu presenciei.
Uma outra, uma outra foi... meu pai e minha mãe, eles se amavam
muito, mas brigavam bastante também, e aí aquela briga é aquele bate
boca e disse me disse e aquela coisa toda, aí meu pai brigando com a
minha mãe deu um chute numa cristaleira que tinha lá em casa, aí
essa cristaleira acabou cortando o rosto do pé dele, aí quando cortou
esse rosto do pé dele, ele... esse corte começou a inflamar, e aí, ele já,
ele começou a mancar e a não andar direito, e aí, daqui se foi passando
um tempo, esse pé não conseguia botar no chão, porque já doía, aí ele
começou a arrastar a bunda no chão, porque não conseguia mais...
qualquer movimento que fazia doía a perna, né, e esse pé tava infec-
cionado, doendo lá.
E aí quando foi um belo dia, ele tava dormindo, aí os Ogans, Eke-
dis, da casa lá, foi pro fundo do quintal e começou a pegar o atabaques
e fazer samba de roda, aí o semana de roda, fazer samba de roda, aí,
quando... quando eles tão lá no samba de roda ouvi o Ilá... o Ilá de
katendê ,né, que ele tinha um Ilá que fazia “hum hum, he he he he
he”, esse é o Ilá dele, então quando o pessoal ouviu lá que ele fez fazer
“hum hum, he he he he he”, aí o pessoal “Katendê tá em terra” , aí
ele levantou ,meu pai levantou, meu pai levantou não né, Katendê le-
vantou, e foi já andando pra o terrero lá, e meu pai que tava andando
arrastado no chão por causa da dor.
Katendê levantou e foi, aí quando chegou lá começou a sambar,
começou a sambar, pediu pra tocar e tal e aí o pessoal começou a pedir
agô pra poder ele não sambar e tal ,que... pra não machucar Zé, aí ele
continuou porque queria sambar, aí ele começou a sambar, começou
a sambar, começou a sambar, só que ele saltava de uma forma... ele
samba de uma forma diferente, que ele vai sambando e batendo o pé,
então ele bate o pé no chão e uma forma que parece palma, quando
você bate palma, aí ele, e o pé que ele tava batendo no chão era o pé
que tava doente, então quando ele ia batendo o pé, que tava no ma-
chucado, aquela inflamação abria e o sangue saindo e o pessoal pedin-
do “agô, agô, ago”, e ele sambando, sambando, sambando.
Depois que ele sambou ele falou, assim, porque ele falava bem assim
né... “olha, seu Ze e dona Nice, seu Nice” porque minha mãe se chama
Nice né, Eunice, e aí, é... ele falou, pediu a um ogan pra poder pegar,
não, antes disso ele falou “fala com seu Zé, eu vou falar com seu Zé,
porque eu vou fazer uma remédio pra ele, dessa vez, mas da próxima vez
que ele brigar com seu Nice, eu vou deixar ele perder o próprio pé dele”
. Aí pediu ao ogan pra ir lá dentro pegar uma, um cartucho de pólvora,
é... aí pegou esse cartucho de pólvora, encheu uma vasilha de pólvora e
pegou abriu o lugar do ferimento e começou a colocar pólvora, só que
o sangue, por causa do sangue, aí a pólvora foi secando né, foi umede-
cendo, aí ele colocou... aí ele colocou essa, esse cartucho de pólvora ali
todo naquele pé, e pegou um charuto, porque ele fumava uma cigarri-
lha, uma cigarrilha, pegou, jogou e botou fogo no pé, ai fez “Puuuf”.
Naquele fogo que pegou na pólvora, é, começou a, a... cicatrizar,
né, começou a cicatrizar, ou seja, meu pai já achou que ele tinha...
sabia qual era o remédio, então ele já tinha feito vários remédios,
vários banhos, várias folhas e nada deu nada, aí esse remédio, que
Katendê fez foi o que curou e melhorou o pé dele, né, ele que aca-
bou sarando né, e aí com isso, eu ficava... eu fiquei... eu sempre
fui uma pessoa, de...de, não de pouca fé, mas ... de vê pra crer né,
aí eu ficava falando “mas como é que meu pai?”... meu pai ele era,
é....é....semianalfabeto, meu pai não tinha... não estudou, na ver-
dade, não frequentou a escola, é... conseguiu fazer o nome dele,
malmente, mas por ele mesmo, ele olhava, não porque tinha ido a
escola, alguém ensinou pra ele, né e, eu ficava pensando, mas como
é que uma pessoa assim, semianalfabeta, pode chegar e fazer um
negócio desse?”, né, porque assim, eu, a algum tempo, eu não con-
seguia, é, dissociar pessoa da entidade, pessoa da religião, pra mim,
estavam interligados, ou seja, que um era a mesma coisa que o ou-
tro ou que um estava nessa... nesse diálogo aí e tal, então, como é
que a pessoa...bom, se a entidade sabe a pessoa também deveria
saber, esse era meu pensamento né, “Como é que meu pai, um se-
mianalfabeto vai saber dessas coisas?”.
Anos mais tarde eu vim saber que choque térmico é o melhor
remédio pra...pra...criar...curar febre, foi o que aconteceu com
o banho que ele deu naquele momento lá, e depois eu vim saber
também, que...é...como é que se diz mesmo? Pra cicatrização é,
fogo, fogo é um remédio pra, como é o nome disso? Esqueci agora
o nome, pra poder matar bactérias, não sei o que, é...a esqueci o
nome, eu vou lembrar.... Cauterizar, é, cauterização, então assim,
mais tarde eu vim saber disso, então, eu fiquei “Mas com é que meu
pai?”. Essas eram, foram algumas, porque ele teve outras, na verda-
de, é..., que de repente eu não tenho nem conhecimento, é minha
mãe, é...é...minha mãe, as pessoas mais velhas que conheceu ele, é...
pode até mais, ter mais informação a respeito disso, mas esses são
algumas das histórias que eu ouvi meu pai falar e que eu ouvi minha
mãe contar também, em relação, com relação a questão das curas do
caboclo né.
Fechar o corpo
Olha só, é... eu não tenho muita informação a respeito dessa situa-
ção, em relação a fechar corpo, é... acredito que...é... acredito que sim,
meu pai faça, tenha feito. Katendê não sei porque eu não consegui ver,
presenciar, nem ,né. Porque eu acredito e digo que não sei: porque
meu pai tinha uma... uma... uma caixa... meu pai tinha uma caixa que
era caixa de ferro, não sei se era de ferro, de aço, era de um material
meio que pesado, fechado, e dentro dessa caixa tinha um livro São
Cipriano, alguma coisa desse tipo lá, e ele não... ele não alimentava,
não puxava conversa conosco em relação ao livro, aquela caixa, pelo
contrário, se a gente fosse mexer na caixa ele ia “deixa isso ai, não sei
o que”, então... é.... é por isso que acredito, mas não tenho nenhuma
história com relação á fechar corpo, mas tem essas histórias, porque eu
já ouvi falar que tem oração que faz com que aconteça, isso ou aquilo
e aquilo outro, que proteja que livra e tal, mas então por essa motivo
eu não tenho como precisar dizer “ Não, ele fazia”.
Agora, quanto a questão de fechar corpo, a única história que eu co-
nheço não é nem de fechar, no caso aí foi de abrir um corpo fechado, no
caso, porque assim, houve uma situação de uma pessoa, filho de uma
pessoa deu uma da roça, lá de Itabúna, tal ter ido lá em casa fazer uma
consulta com meu pai porque soube que alguém disse que se uma outra
pessoa não tivesse conseguido fazer o trabalho na casa dele, que... se tives-
se alguém que conseguia fazer seria meu pai, né. Aí, que trabalho foi esse?
Na verdade o pai dessa pessoa tinha feito uma... um ritual com o
fechamento de corpo que é utilizando uma fava... uma fava... semente
de fava e que era introduzida no corpo através de uma oração e que essa
fava, ela faz com que a pessoa não morra de faca, de tiro de acidente e
tal. E com isso essa pessoa... o pai dessa pessoa que tinha ido lá em casa
estava na cama já há alguns anos porque essa pessoa, esse senhor que
tinha feito o ritual tava já há alguns anos com uma faca no corpo, já tava
na cama há alguns anos sem conseguir morrer por causa dessa faca.
É... o filho soube que o pai só iria morrer ou descansar em paz depois
que tirasse a fava, então o senhor tava só o coro e o osso na cama e essa
pessoa foi lá em casa fazer essa consulta com meu pai e meu pai foi, fez a
consulta, e falou, beleza, meu pai fez a consulta não vi, na hora da con-
versa lá, tudo bem, mas depois meu pai ficava em casa assim, com a mão
no queixo, pensativo e fazendo assim “Hum, ai ai”, e ai minha mãe falou
assim “É o que zé?” ai meu pai falou “Não, eu to preocupado aqui que o
rapaz teve aqui..” ai contou a história da fava, “Só que eu falei pra ele que
eu iria é, pra tirar a fava eu teria que cortar o pai dele, e eu cortando o pai
dele, tirando sangue quando a fava sair o pai dele vai morrer.
O que vai acontecer, se eu cortei ele e tirei o sangue e ele morrer,
quem matou, fui eu, entendeu, então nessa situação eu posso ser in-
criminado como assassino por conta de ter feito isso, então eu pedi
pra ele pra poder procurar delegacia, procurar esse meios legais, para
poder ter um documento de que pudesse me garantir essa situação”, aí
eu brinquei né, isso ele comentando com a minha mãe e eu brinquei
né, “Que nada meu pai, o senhor ta é com medo de ir pra lá e sair cor-
rido igual os outros pais de santo foram pra lá e saíram corridos sem
conseguir tirar a fava”, ai ele “Menino, olha tua vida menino”.
Aí ele assim fez, no dia marcado o senhor foi lá em casa buscar meu
pai e foi, aí meu pai foi com dois... duas filhas de santo, três... não me
lembro muito bem, aí ele levou, chegou lá ele foi fazer essa..essa...esse
processo, ai colocou um pano branco por cima lá, começou a rezar e a
fava no corpo do homem saía de um lado pro outro, corria de um lado
pro outro, corria de um lado pra outro, saía de um lado pra outro e ele
ia tentando pegar, até que conseguiu pegar essa fava e tal, é...cortou a
fava na oração, a fava subiu, pulou do corpo do homem, ele pegou com
mão, botou dentro de uma vasilha com líquido, não sei se era álcool,
que líquido era, e essa fava começou... era uma semente já toda encar-
nada, já cheia de carne da pessoa, e ele conta que a fava, ela mexia de
um lado pra outro, assim que ele colocou ela dentro desse líquido, e ai
quando eu cheguei em casa ainda, ele me mostrou e eu falei “Que nada
meu pai, ... só tá mexendo pela sua mão”, naquela onda de ver pra crer
né, aí ele falou “Menino, menino” aí pegou o vidro e colocou num lugar
sem mexer, e aí a fava, a semente pulsava, ela não mexia mais como ele
disse que mexia de um lado pro outro, mas ela pulsava, fazia assim e pa-
rava e a gente via o pulsar da... da fava. Então em relação a fechamento
de corpo a única coisa que eu tenho conhecimento é em relação não é
nem um fechamento mas um abertamento lá em casa.
Agora tem uma coisa que é interessante, que se fechasse o corpo que
não era cabloco, era ele. Porque tinham trabalhos que eram do caboclo e
tinham trabalhos que era dele. Não, mão, é que assim, o que eu presen-
ciei em relação a ele, é...não é que seja do caboclo e seja dele, a verdade
é que assim, é.. quando eu falei ele, por conta eu fui mostrar porque eu
falei, por causa do livro de São Cipriano. o livro, de, da Cruz de Carava-
ca, então, é.. esses livros... É... Cruz de Caravaca... Cruz de Caravaca...
alguma coisa desse tipo. Esses livros, tinham orações é... que tinham
orações pra várias coisas, inclusive para encurtar é, pra fechar corpo, pra
encurtar, pra fechar corpo não seria realmente pra fechar corpo, porque
quando você fala em fechar corpo se fala muito no processo que se faz
para fechar o corpo né, então por esse motivo eu falei meu pai, né, por-
que a relação do livro das orações com meu pai e não com Catende. Por
isso que o motivo do “Se seria meu pai” por conta dessa questão.
Não que seria dele ou de Katendê, mas por outro lado, também, é...,
também é possível que se tivesse essa questão... não, é... trabalho dele e
trabalho de Catende, mas pela experiência de vida dele, ele conseguiria
resolver algumas coisas sem precisar que a entidade viesse em terra, en-
tendeu? Então ele conseguira resolver mais não que tivesse essa separação.
A morte de Zé de Kalu
Quando chego como os 20 e poucos anos, 27 anos mais ou menos,
meu pai morre. Ele morreu em 96. 21, 22. Aí meu pai morre em 96
ou 94? Não me lembro. 96 é último período de quê?. Acho que foi 96.
Aí, meu pai morre. Beleza. Só que meu pai morre, e a gente de casa
não tinha nenhuma informação a respeito dos rituais que devem ser
feitos com a questão da passagem das pessoas, então, quando o pai de
santo morre, tem que fazer Axexê, bater Axexê, fazer um ritual de pas-
sagem pra que as coisas normalize e tudo mais Então, a gente não ti-
nha esse conhecimento, que eu não tinha me aprofundado, não tinha
interesse, né? Meu pai morre, só que, antes dele morrer ele me chama
“Santo, faz favor, senta aqui, vou lhe ensinar o Muchacá” são orações,
“ vou lhe ensinar Muchacá, Tuzi e o Mucurusi. Só que eu falei isso
antes dele viajar, porque ele deu um último samba, uma última festa
que ele fez lá neste terreiro antes de ir para São Paulo, então para São
Paulo ele vai. Ele morre e volta, depois em conto essa história. Ai eu
falei, peraí meu pai que eu vou pegar um papel para anotar. Ai anotei,
até hoje não sei onde tá essa anotação, esse tuzi, essas orações. Ai ele
fala, venha cá que eu vou lhe ensinar. Você faz essas orações, depois
pede autorização e foi me ensinar a jogar búzios, ai voce faz assim,
com uma mão voce faz assim, com as duas mãos voce faz assim, con-
firma assim, não sei o que lá. E joga dessa forma, e abre assim...e foi
me dizendo todas as coisas, mas entrando por aqui e saindo por aqui,
porque eu não tava com este interesse.
Ai passou e tal. Só que ai depois dessa situação, vem a questão da
festa. Meu pai faz uma festa, a última festa em casa. Meu pai vai e faz
essa festa. Só que nesta festa, vem, começa a vir em Terra um bocado
de orixás que não vinham mais no meu pai. Meu pai tinha alguns
orixás que demoravam muito tempo para poder vir em terra (ruído
de estalar os dedos). Então, ele tinha dois ciganos, uma cigana, um
cigano, que vinham, mas demorava muito para vir em terra (ruído de
estalar os dedos). Um exu, chamado sete facadas, ou sete encruzilhada,
acho que era sete facadas (hesitação), que demorava muito a vir em
terra. Aí nesta festa veio um bocado de entidades, inclusive o exu. E aí,
Katendê veio em terra, Katendê veio em terra. E aí Katendê veio avi-
sar que meu pai ia morrer. Só que aí o que ele fez. Todo mundo no ...
“Eu sei que o seu Zé vai para aquela outra terra lá com os pés dele. Só
não sei se ele volta com os pés dele”. Aí quando falou isso ele já avisou
que painho ia morrer. Só que ninguém ... ninguém ... Na hora que ele
falou isso um filho de santo já virou na Oxum, outro já começou a vi-
rar, porque começou aquele chororô, aquele chororô, aquele chororô
imalembia, agô, imalembia, agô, mas ele já tinha dado o aviso que ele
sabia que o meu pai ia com os pés dele, só não sabia que voltava com
os pés dele e tal. E aí meu pai, ele foi embora e veio o Sete Facadas,
seu Sete veio em terra e tomou dois litros. Meu pai tinha problema de
estômago, úlcera no estômago, era úlcera mesmo. Ele não podia beber
álcool, beber cachaça. Seu Sete, seu sete veio em terra e tomou dois
litros de 51 assim, tomava assim. Se a gente não pedisse para parar to-
mava assim. Tomava todo. Pedia agô e ele parava ai de novo, sambava,
sambava e tomava de novo. Dois litros. Quando terminou a festa que
eu fui lá conversar com meu pai nem o cheiro da cachaça tinha. Eu
me arrepio porque é assim. Porque eu não acredito como isto é pos-
sível. Se fosse outra pessoa que contasse eu não acreditaria. Quando
terminou a festa eu fui lá perto dele e nem o cheiro da cachaça (voz de
ênfase). Meu pai estava sóbrio. Meu pai tinha tomado dois litros de
cachaça e meu pai assim sóbrio. E nem o cheiro da cachaça estava no
meu pai. Eu pensei não é possível um negócio destes. Foi assim. Foi
esta a situação. Então beleza. Meu pai foi e faleceu, e tal.
Ele morreu de AVC. Ele deu um aneurisma e nessa aneurisma ele
foi para o hospital, em coma um dia ou dois dias, ai ele morreu. A
pressão dele subiu e estourou e gerou um coagulo no cerebro, ai co-
meçaram, tentaram drenar esse coagulo, mas não deu, teve progresso
e acabou morrendo. Interessante que a pessoa que foi, mas graças a
Deus essa pessoa foi viva, a pessoa que deu socorro a ele, depois deu
aneurisma, mas fez tratamento, não morreu não, graças a Deus.
Depois que o meu pai faleceu ... Foi lá em São Paulo. Depois que o
meu pai faleceu eu fiz um reboliço em Jequié porque queriam enterrar
o meu pai lá. Eu fiz um reboliço em Jequié para trazer o corpo dele de
lá para cá. Aí consegui trazer através de Raimundo Nonato. Só que aí
Raimundo Nonato fez aquela festa, como se fosse parente dele, aquela
coisa toda de político. Conseguiu trazer o corpo do meu pai. Só que
no dia seguinte, depois do enterro, foi no sábado, no domingo eu es-
tando em um grupo de teatro fazendo uma esquete, eu fiz uma esque-
te descendo a madeira nos político de uma forma geral. Quando foi
segunda feira chegou gente cobrando lá em casa um suporte da urna
funerária, que Nonato ficou de pagar, e Nonato falou que não era com
ele não. Aí eu já fiquei zangado com esta situação e coisa e tal. Isto. E
resolvi. Mas passou.
O enterro dele não teve nada, não foi nada feito. O que foi feito,
foi depois que ele morreu, que pegou os assentamentos dele e colocou
tudo no mato. Pegou a capa de seu sete e forrou, os atabaques, as coi-
sas todas e colocou lá no mato, que também que eu não tinha conhe-
cimento do que precisava fazer. Mas não teve nenhum procedimento.
Nenhum ritual.
nessas casas, dessas pessoas, puxando Yaô, tendo afilhados nessas casas
e fazendo festa, toda festa que tinha ia, inclusive chegou um momento
das pessoas dizerem que só tinha festa quando o povo de Zé Reis esta-
va, porque era um povo animado, cantava, sambada e tudo mais.
Negão e o sagrado
Olha só, eu... é... desde criança, desde de 5 anos 7 anos de idade, eu já
estava, gosto muito do Candomblé, mas eu gostava do Candomblé para
dançar, então, desde criança eu tava no terreiro sambando, mexendo, vi-
rando, limpando e tal. Só que aí, meu pai fazia u’as coisas que mais tarde
eu fui entender que ele tava me introduzindo ali sem eu saber. Mesmo
com 7 anos de idade, eu era uma criança que criava, cuidava dos filhos
q estavam no roncó, então as pessoas que estava recolhidas que ia da co-
mida, na hora de levar comida era eu, sem saber o que estava fazendo,
na hora de levantar pra rezar era eu, na hora de dar banho era eu, então
eu acabei sendo p pai criador dessas pessoas e eu sem saber dessa situa-
ção... então o que acontece.. é... vou crescendo, mas eu vou crescendo
nessa situação da festa, sambar e tudo mais, ai quando eu começo a ficar
adolescente, eu começo a ir pras festas, pro Candomblé de uma forma
mais, é tentando fazer o proibido, porque lá em casa, na casa de meu pai,
no terreno do meu pai não se bebia, na tinha bebida alcoólica, só tinha
alcoólica, quando o Katendê vinha em terra, porque ele tomava o vinho
e dava o vinho pra todo mundo e ele dizia “que ele dava o vinho porque
ele se responsabilizava pelas pessoas”, se tivesse bebida ele não se respon-
sabilizaria, e isso poderia causar tumulto, então só bebia quando Katendê
estava em terra e tal, fora disso não tinha bebida.
Então, eu ia pra festa das casas de pais e mães de santo pra fazer o
proibido saía e voltava bebia e ficar namorando as filhas dos pais de
santo ou filhas de santo dos pais de santo e isso foi o tempo inteiro
dizendo, quando Zé passar, fizer a passagem, quem vai ficar no lu-
gar de Zé é Santo, porque meu apelido de família e Santo, depois eu
conto porque meu apelido é Santo. É... é, ai todo mundo acreditava
nisso, mas eu não queria me aprofundar, eu não tinha interesse em me
aprofundar, porque eu acompanhava de perto, e eu não queria essa
responsabilidade, e eu não iria dar conta dessa responsabilidade então
eu fiquei de fora. ai tempo passou, passou, passou.
porque não sei mais lá, acabou ficando o apelido de Santo, apelido de
família é Santo, esta é a história, é a questão da história do Santo, por-
que o meu apelido é Santo.
É isto. Não tenho conhecimento de iniciação, eu não sei se fui ini-
ciado, por conta ... Quando eu falei desta convulsão, eu não sei, por-
que se estivesse sido algo no período em que eu estivesse com sete oito
anos teria alguma lembrança de alguma coisa. Se foi antes desse perío-
do eu não tenho lembrança, então eu não sei. Não tenho esta imagem.
Não tenho marca,
Hoje na religião ... é ... (pausa), hoje na religião eu estou na con-
dição de pai de santo, de babalorixá, de alguém que precisa cuidar
dos outros, só que eu estou nesta condição, só que eu não estou nesta
atuação. Não sei de dá para você entender. Eu estou nesta condição.
É, estou nesta condição, mas não estou nesta atuação. Por que não
estou nesta atuação? Por que tem algumas ações, é (pausa), alguns atos
que as pessoas vão me procurar para que eu faça, para que ajude e
eu (hesitação) por este receio, medo, insegurança, é, certo, por isto,
insegurança, porque eu estou em tenho um terreiro, não tenho um
orientador espiritual, superior a mim que possa, sabe, me possa dar
um respaldo, então, tudo isto, então, porém, tem algumas situações
que eu não consigo deixar de fazer, porque, como eu falei, consciente-
mente eu não sei fazer nada (acentuação da palavra), entendeu? Cons-
cientemente eu não sei fazer nada, nada, nada.
Não recebo nenhuma entidade ainda tive, tive, um momento de
(hesitação), como se diz, barravento, com Boiadeiro, já tive barravento
de Boiadeiro, já tive barrvento de boiadeiro, já tive uma situação com
Erô, já tive um barramento com Xangô, né, e em sonhos, é (hesita-
ção), mas assim, virar para ter não tive ainda nenhum ...
É não, só quando for iniciado, não tem esta revelação não. Não
tem esta revelação. Mas tem a revelação que, é, a revelação que Iansã, é
minha mãe, que ela é meu orixá de destino. De caminho, é ela que vai
estar à frente de todas as minhas ações. Ela pode não ser o meu orixá
de ori, mas ela é minha mãe de destino. Mas como ela pode ser mi-
nha mãe de ori. Mas ela minha orixá de destino, porque assim, existe,
existe duas ... (hesitação) formas tem a questão de ori, de orixá. Tem
o orixá que é seu caminho, que é seu destino, que é seu caminho, que
geralmente este é o orixá que as pessoas veem com você. E o orixá de
ori, só a questão dos búzios vai dizer, vai confirmar, muitas vezes, em
última estância quando você não tem esta iniciação os orixás ficam
muito próximos seus, mais de três, mais de quatro, eles ficam muito
em disputa para ver quem vai ficar entendeu, só depois de , é de pro-
cesso específico, é que vai confirmar qual.
Não procurei nenhuma casa depois da notícia em Salvador, uma,
nenhuma outra mãe de santo não. Eu acho que porque antes de estar
nesta casa e tudo mais, eu já fazia esta questão. No momento em que
assumi este compromisso lá em 2004, e tal, eu já falei, Eu já fiquei
nesta situação. Eu precisava que me guiasse para uma casa, não eu
ir. Eu fui lá para jogar o búzios, e aí, ou seja, eles já me guiaram para
várias casas, entre aspas, quando eu falo parece casa, porque é assim,
eles me falam o local, que eu nunca vi, que eu nunca fui, por exemplo,
tem um local de bairro, de ... em Itabuna, Ilhéus, chamado Malhados,
eu não sabia disto. Em um sonho veio Malhados para eu saber. Tem
dois nomes, de duas pessoas, lá em Ilhéus, que eu não sei se existe,
não sei se são mortas, sabe, viu, é, mas então assim, nesta situação, no
momento que eu sai de lá, espero que me direcione, então estou nesta
pegada ainda, e nesta espera, quando disser para cá ou para lá, eu vou,
indo para lá ou para cá.
Fui parar em Candeias. Lá em Candeias, eu, lá em Candeias ...
Professora Marise fazia caruru, tinha os trabalhos dela, tinha as obri-
gações e tudo mais, então tinha Caruru e as pessoas lá em Caruru
e tal, e aí eu fui no Caruru, e aí através desta situação eu fui lá para
frequentar, lá nesta situação do Caruru. Minha esposa, que é Antonia,
ela foi ser filha de santo de Marise, lá de Passé. Aí a partir daí eu passei
eu comecei a acompanhar. E Passé, no caso de Passé eu tou pensando,
esperando que quando for fazer a obrigação dela, eu vou fazer o jogo
de búzios com esta pessoa, se é com estas pessoas que vou fazer ou
não, e aí eu passo a ser irmão dela.
339. THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. 2. edição. São Paulo: Paz e Ter-
ra, 1998.
273
ficava lá e tomando conta dessa terra, só que quando meu avô estava
próximo a morrer ele acabou pegando essas escrituras e rasgando
queimando tudo para não deixar para a nossa família”. Em Maracás,
o processo de roubo das terras, foi ainda mais antigo, data do século
XVIII. Em todas essas regiões a expropriação de seus lugares de mo-
radia, empurrou os grupos indígenas para a piora de suas condições
de vida e o trabalho em condições difíceis e de pouca remuneração
para estes mesmos fazendeiros.
O tal mito, serviu para que além da morte física houvesse a tentati-
va da morte simbólica dos grupos indígenas da região, pois ao “trans-
formá-los” em camponeses, vaqueiros, meeiros, carpinteiros... buscou-
-se tirar as suas identidades originarias e conferindo-lhe o rótulo de
descendentes, caboclos, mestiços, sertanejos... sobretudo depois que se
misturaram com os africanos e negros da região. A partir constrói-se
uma ideia de sociedade baseado no contraste branco – não branco e
no argumento falacioso de uma suposta pureza indígena, através da
ideia de índio-não índio ou mesmo da noção de “índios misturados”,
existente também em outras regiões do nordeste. 340
Outro argumento comum na região estudada, é o de que as cul-
turas indígenas teriam se diluído diante deste contato, construindo
a partir daí práticas culturais “mestiças”, “sincréticas”, “produtos no-
vos” afastados das raízes indígenas e africanas. Este argumento apre-
senta dois problemas, o primeiro é não entender que os processos de
contato e relações étnicas, não formam necessariamente um “produto
novo”, mesmos próximos, as fronteiras entre estes universos (indíge-
nas e africanos) são claramente delimitadas dentro do grupo social,
como evidenciam as pesquisas feitas nas comunidades do Baixão ou
dos Paneleiros em Vitória da Conquista341. A identidade quilombo-
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341. Dentre outros trabalhos cito: CARVALHO, Vivian Ingridy. Raízes, Frutos e Tramas:
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343. CUNHA, Manuela Carneiro da. “Etnicidade: da cultura residual, mas irredutível”. In:
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“Eita pilão bom e forte era o pilão de mamãe, feito com pau ferro, lá
na roça na região do vinhático, esse que tenho aqui é de madeira pom-
bo. Na época as margens do rio de conta tinham muitos pés de Pau
Ferro, Gameleira e lágrimas de Nossa Senhora, semente que em nossa
época de menina, decorava várias moringas e potes, e mamãe fazia mui-
tos rosários para nós rezarmos a noite. As coisas feitas com madeira, era
do pau ferro bem grosso. Tem várias madeiras de fazer pilão, mas o meu
povo só fazia com pau ferro, tira o tronco, que deve da uma braçada de
tocar os dedos de grossura, e a altura vinha até o pé da barriga.
Para fazer o pilão, tinha que tirar o tronco em noite escura, e bem
cedo, colocar dentro do rio, e já pela tardinha levar para esquentar no
fogo. Queimava a parte de cima para fazer o oco, então raspando até
ficar a cuia, e no meio raspar até ficar fino, deixando o pé. A mão do
pilão também era do Pau Ferro, para ficar bastante forte sem lascar,
deve passar no dendê, e esquentar no fogo, pronto estava feito o pilão
pra vida toda. Tinha outras formas, uns eram baixo com duas cuias,
esse tinha lugar pra duas pessoas sentar, quando as pernas cansavam.
As sementes de lagrima de nossa senhora, não pode tirar em qual-
quer dia, pois todo mês na lua minguante, as sementes caem, e essas
são as boas, pois não davam bicho, e já estavam duras como pedra.
As sementes serviam para fazer colares, rosário, enfeitar as moringas,
potes, gaiola de passarinho, e fazer cortinas para as portas e janelas.
Também faziam panelas de barro, potes e gamelas.”
Temas:
Kamakãs (Mongoiós) situados no entorno do Rio Pardo (em um raio de aproxima-
damente 30 quilômetros ou 6 léguas). Aldeia pequena e Aldeia grande. Na grande
mais de duas mil pessoas. Diálogos com indígenas e com Capivara. Interesse dos
Kamakãs que João Gonçalves da Costa os auxiliassem em seus conflitos com os Ai-
morés. Trânsitos dos Kamakãs até o litoral. Escravizados dentro das aldeias. Planta-
ções de mandiocas, inhames, batatas, abacaxi e cana de açúcar.
Fonte:
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Brasil-Avulsos. Cópia da carta do capitão
João Gonçalves da Costa ao desembargador Francisco Nunes da Costa escrita no
Arraial de Nossa Senhora da Vitória, em 30 de julho de 1783. (Documento gentil-
mente cedido pelo Arquivo Municipal de Vitória da Conquista)
301
das duas Índias, como guias, que já se mostravam mais mansas, foi
procurando as Aldeias, segundo nos explicou o Língua, nos ficavam
em distancia de seis léguas, e neste caminho tive ocasião de pegar um
Índio bastantemente robusto, o qual entregou as flexas e o arco em
sinal de paz e eu o brindei com um facão, o qual, por nos anoitecer,
ficou toda a noite em nossa companhia , dizendo-nos que no outro
dia nos mostraria a sua maior Aldeia, mas pela manhã, ou antes dela,
fugiu, e sendo dia claro descobrimos uma das Aldeias, que pelo seu
tamanho e grande numero de rancharia ou malocas julgo ter de qui-
nhentas almas para cima, e uma das Índias nos disse que a menos de
um dia de viagem, estava um Arraial ou Aldeia muito grande, onde
estavam juntos todos os seus parentes, mas nos descobrimos outra Al-
deia também grande abaixo da primeira descoberta, e a vista destas
informações e dos que nos vimos estas Aldeias por mim descobertas
de duas mil almas para cima.
Um dos Índios me disse que a minha gente era muito pouca e que
o capitão da Aldeia Grande, chamado Capivara, havia de vir atras de
mim, ao que lhe mandei responder pelo Língua, que a minha gente
não era pouca, e para brigar com ele, que eu não carecia de tanta,
pois esse tal capitão Capivara bem me conhecia e eu a ele, e que se ele
soubesse que eu vinha ali, não havia de fazer tal, pois já tinha brigado
com ele, e que um seu irmão já tinha morrido, e eu ia só com três
pessoas, porém que eu não queria brigar, e que vinha mandado por
outro capitão maior para meter de paz com os Brancos e vivermos
como amigos, conformando-me nesta resposta com as expressões que
Vosmecê me deu. Perguntou ele ao Língua se que era o Branco peque-
no em que os seus parentes falavam muito, mandei-lhe dizer que eu
era o mesmo, ao que ele respondeu que ia dar parte a seus parentes, e
que havia de retornar com a resposta, o que assim fez, e eu me dilatei
à vista das primeiras Aldeias e no fim de sete dias retornou o Índio,
dizendo que o seu capitão Capivara ou Capitão Grande queria me-
ter-se de paz, e que entrasse eu para dentro das Aldeias com a minha
gente, e que havia logo de ir com eles fazer guerra ao gentio Ancoré,
de quem eles se queriam despicar porque lhes fazem muita guerra, e os
comem, e vendo eu o risco em que me metia na paz com tanta gente,
tendo já dez armas de menos, por estarem desgovernados, e conhecer
as suas traições, e a facilidade com que mudam, lhe respondi que eu
vinha a buscar facões e composturas para eles, e para fazer presente ao
Capivara, e que dali a tantos dias havia de retornar, com que o Índio
ficou muito descontente, e consentiu que trouxesse as duas Índias, e
um seu filho, do que aproveitei para me servirem de guia, e de língua
na última Entrada em que com o favor de Deus, pretendo concluir
esta conquista.
Devo dizer a Vosmecê que em algumas destas Aldeias se acham me-
tidos alguns escravos que fugiram lá debaixo, e um mulato ladino, que
me dizem é capitão de uma delas, e esses são os que nos podem fazer
maior mal, e esta foi a das razões por que me não resolvi fazer a paz,
receoso de que os escravos me fizessem alguma traição, vendo-me com
tão pouca gente. Pelos ditos Índios e Índias vim a saber que este gentio
Mongoió, que desse algumas vezes a essa Beira mar, e me deram tantos
sinais que até falaram da tromba do Rio das Contas.
Vosmecê já viu, o qual é na Costa, e nessas ocasiões e que tem feito
os furtos e as avarias que costumam fazer nos gados. Nestes termos
para dar fim a esta empresa me é preciso fazer terceira Entrada, e me
fico preparando para ela, e mando esses três próprios para levar esta
a Vosmecê, conjuntamente para conduzirem dois barris de pólvora e
três de chumbo, pois a que trouxe, uma se consumiu, e outra me fur-
taram e seguro a Vosmecê que com semelhante gente se não pode fazer
a Entrada, ou Conquista, pois é gente sem brio, nem obediência, e
como as cadeias ficam longe, e os superiores, fazem o que querem sem
medo nem vergonha. Pode vosmecê afirmar a todos que com ajuda
de Deus, fica com esta Entrada, que pretendo que seja a última todo
o sertão desinfestado e toda a coita (?) do Gentio, porém só o que re-
ceio é o reduzi-los para eles habitarem nesta ou naquela parte, por ser
João Liberato.
Temas:
Ervas medicinais. Agricultura. Aldeia com 196 pessoas. Botocudos e Aimorés. Resis-
tências dos Botocudos. Adornos corporais dos botocudos. Aldeia Mongoió (Kama-
kã) com 105 pessoas. 4 outras aldeias Mongoiós )Kamakã)
Fonte:
COSTA, João Gonçalves da. Memória sumária e compendiosa da conquista do Rio
Pardo, pelo Capitão mor João Gonçalves da Costa- Bahia, 1806-1807. Anais da Biblio-
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309
paus de vinhático, dos quais mandei fazer 5 canoas para vadear o rio e
aliviar os soldados do peso das cargas.
Ali fiz construir uma canoa, ligeiramente, para passar um. corpo de
tropa, á parte do sul do rio, por me noticiar um índio, que em con-
quistas anteriores o apreendi, e o tenho doméstico, dizendo-me que,
naquela altura, pouco mais ou menos, havia uma aldeia da sua Nação
que chamam Mongoiós
Passaram para a parte do sul 70 soldados, mandados pelo Sargento
mor Antônio Dias de Miranda, e o Capitão Raimundo Gonçalves da
Costa, recomendando-lhes, não a cautela e valor, por serem em tudo
experimentados, mas, a docilidade com que se deviam portar nesta
empresa, por que se poderia fazer sem resistência, por ter Língua da
mesma Nação. Marchou esta Tropa com alguma infelicidade, porque
ao terceiro dia foi mordido por uma cobra um soldado, e para acu-
dir-lhe com os curativos falhou a marcha cinco dias, no fim dos quais
morreu o dito soldado, se o qual continuou a Tropa a jornada, e a
poucos passos foram mais dois soldados mordidos de cobra, que aco-
dindo-se-lhes, logo mostrou Deus a grande virtude de algumas ervas,
com que logo recuperaram os a sua saúde, mas com mais demora de
7 dias, e no 15º dia cortou um soldado o pé com um machado, e para
se curar, tornou a falhar a marcha bastante dias, porém logo que este
pode continuaram a sua marcha até que chegaram a dita Aldeia incul-
cada, com 45 dias de viagem.
Chegando a Tropa a supradita Aldeia de Gentios, puseram-na em
cerco, e logo mandaram o Língua entrar nela, levando alguns macha-
dos, foices e facas, que se lhes enviava, convidando-os a uma verdadei-
ra paz e amizade, o que fez o tal intérprete com grande bizarria, con-
fiança e eficácia, de sorte que sem a menor resistência, vieram todos
aqueles Índios, não como bárbaros e rústicos, mas como homens civis,
a receber a Tropa de conquistadores, como amigos, e recolhendo a to-
dos em suas choupanas, os socorreram de mantimentos de suas roças,
poderem lhe dar o cerco ao amanhecer no dia seguinte, por ser hora
própria, e em que costumam estar todos recolhidos a seus ranchos; as-
sim sucedeu, mas os bárbaros Botocudos e ferozes, sem temor do es-
trondo das armas e belicoso tambor, e valorosos fizeram a mais consi-
derável resistência, e postos por detrás dos paus se defendiam de alguns
tiros que quase aos montes se davam: eles com as mulheres a seus lados,
e carregadas de flexas, iam distribuindo-as aos homens, para que com
maior presteza fizessem seus tiros, de sorte que, com a grande multidão
de flexas ficarão 3 soldados feridos; o que visto pelo intrépido capitão
Raymundo, puxando a espada, investiu temerariamente aos inimigos
para os passar ao fio da mesma espada, mas os bárbaros não esperaram,
antes abandonando seus ranchos e pousadas, se puseram em fugida:
com este acontecimento foi o mesmo Capitão, Sargento-mór, e alguns
soldados de igual valor, tratando de amarrar os .pequenos, que apanha-
ram 8, entre eles uma mulher, de meia idade com cria ao peito: eram os
pequenos 3 machos e 3 fêmeas. Ficaram no campo mortos 21.
Acabada a contenda entrarão na rancharia, e nela acharão vários
arcos, e flexas: não deixarão de ficar horrorizados de encontrarem uma
grandiosa maquina d’ossos de gente, e os das espaduas enfiados em
cordéis, uma grande quantidade deles, que lhes serviam de instrumen-
tos para as suas danças, o que que entre eles costume diário, todas as
noites depois de terem as barrigas cheias; dos mesmos ossos se via ser
a carne tirada com instrumentos de corte, o que só se pode coligir que
aqueles bárbaros comem os seus semelhantes, e aos próprios parentes
quando morrem, e que matam os velhos para também os comerem,
porque me asseveram todos os soldados e oficiais da Tropa, que mere-
cem se lhes dê todo o credito, que entre aquela gente toda não foram
vistos velhos, e só homens c mulheres moços, e também meninos; en-
fim são tais estes selvagens que, nascendo perfeitos, e sendo em tudo
semelhantes a nós, se fazem desformes, introduzindo no beiço debaixo
e nas orelhas umas grandes rodas de pau, com o que parecem mais
enormes animais, do que homens.
canoas por cima dos recifes e pedreiras para não se precipitarem nas
cachoeiras, onde as mesmas canoas ficariam feitas em migalhas; e não
obstante a cautela com que governavam os práticos muitas vezes se ala-
gavam as canoas nas correntezas e bancos de pedra de que não podiam
fugir. Com considerável trabalho no fim de 17 dias chegamos a uma
grande cachoeira que caia água de altos bancos, e prolongada distancia,
de sorte que foi necessário falhar a viagem 3 dias para arrastar as canoas
mais de meia légua. Desta para baixo navegámos 3 dias por Cachoeira
e recifes semelhantes ás que se acharão pela parte superior da grande,
e no fim dos ditos dias sé acabarão as cachoeiras, e encontramos o rio
manso, bem sentado, e com moderada corrente.
O terreno de uma e outra parte deste rio, e na maior distancia, ter-
ras secas, e escabrosas, com formidáveis rochedos, e montes horríveis,
e incapazes de produzir, mas, findam as cachoeiras, e d’ali para baixo
começam matas grossas, que inculcam ser boas. de ambas as margens,
e próprias para produzir mantimentos, porém, muito povoadas dos
Gentios da Nação Botocudos, que do rio, víamos fumegar nas rancha-
rias, de cuja vista me pulava o coração com desejo de os conquistarem
que não executei por estar com pouca gente, e esta cansada.
Aos 14 de março cheguei á Povoação de Canavieiras, freguesia de S.
Boaventura de Poxim, onde desembarquei, e fui recebido dos habitantes
com demonstrações de alegria, e concorrendo cada qual, conforme suas
forças, me fizeram muito boa hospitalidade. Dos mesmos moradores
soube ser aquele o Rio Patipe, o mesmo denominado Rio Pardo, que
fica descoberto, e é impossível subir-se por elle acima e trabalhosamente
se pôde descer com evidentes perigos e com risco de vida. Tão bem me
informarão os mesmos moradores ser aquele rio formado tjas ribeiras
unidas 4s Catingas das Aldeias dos Mongoiós, hum que fica entre Patipe
e Ilhéus, e faz barra na Costa do mar, com o nome de Una, o qual dizem
ser navegável, e suas cachoeiras pequenas e rasas, em fôrma de navega-
rem canoas sem perigo, e perto da Barra, a qual tão bem dizem não ser
ruim e que admite embarcações de mil alqueires.
Tema:
Resistências Indígenas na região do afluente Catolé (hoje região de Itapetinga)
Fonte:
Carta do Frei Luís de Grava. Fonte: Jornal da Bahia, Quarta-Feira, 27 de Abril
de 1870. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bi-
b=815063&Pesq=%22Villa%20da%20Vict%c3%b3ria%22&pagfis=49. Acesso
em 22 de Setembro de 2021.
319
Tema:
História da indígena Ana Maria
Teixeira (Dona Naninha)
Fonte:
O Jornal de Conquista, 15 de
Agosto de 1971. (Documento
gentilmente cedido pelo Arquivo
Municipal de Vitória da Con-
quista).
321
323
327
uma geração mais jovem, dos outros jovens que está chegando, está se
formando, a gente está tentando abraçar e fazer com que essa história
ela se resiste e permaneça no tempo.
A questão do universo dos saberes, é algo muito importante falar do
sagrado, dos caboclos, esses que eram, chamados, cultuados. A ligação
com os seres superiores também. Temos os rumores que eles expressava,
sobre os caboclos, vários, muitos. A gente percebe que esses caboclos
tinham os nomes, inclusive, de aldeias aqui do Brasil: como Guarani,
Cacique Guarany, Tupinambá, falanges de caboclos de penachos colo-
ridos, verdes, roxos, caboclo pena branca caboclo de várias penaches,
de várias cores, que tinham nas plantas, nas árvores, nas águas
Tinha o caboclo Coaracy, pena branca, aqueles que se chamava
Pena Branca. Muitas falanges que eles falavam. Então a gente entra
em uma complexidade, porque são vários, vários mesmos, são muitos.
O saber indígena e o saber africano eles se casaram, uniram, se fun-
diram, porém, tanto a memória de um, quanto a memória do outro,
ela permanece dentro do índio, do negro, porque lutamos pela mesma
causa, porém com ancestrais e transcender diferente para os nossos pro-
gressos. De fato, na atualidade não dá para falar de uma comunidade,
que foi afetada pelo colonizador, impactada pelas grandes corporações,
de dar exclusividade só ao índio, ou ao negro. Negros e índios com a
colonização precisou unir forças para seguir em frente, então a minha
ligação com os dois ancestrais, é muito forte, porém o que grita, o que
grita no momento agora é o Mongoyó-paneleiro dentro de mim
Os saberes africanos eles ajudou a dar um, dar uma qualidade, tan-
to ao artesanato, e também a mistura de crenças aqui no Brasil. Porém
especificando aqui a cidade de Conquista, ela começa a enxergar essas
duas culturas, manifestando através do barro, se manifesta através do
barro e ai a gente dá sentido as obras. Então a questão africana con-
tribuiu muito até para dar um acabamento melhor na cerâmica. Ela
ser mais útil, deu um lugar na sociedade no qual precisava dela para
sobreviver.
Botocudo
Washington Nascimento
Nasci na cidade de Jequié, mas me criei na zona rural de Maracás, fazen-
da Santo Antônio, nas margens do Rio de Contas. Sou neto de Nicanor,
a quem sempre achei que tinha uma pele “vermelha do sol” e que só
mais tarde descobri que tinha vindo da Santa Rita, onde habitaram os
Kamakã (chamados de Cotoxós) muitos anos atrás. Tive oportunidades
que poucos da minha família tiveram, pude estudar na cidade e depois
fazer o curso de História na UESB de Vitória da Conquista. Depois
daí outras oportunidades foram surgindo e acabei fazendo mestrado em
Antropologia pela PUC – SP e doutorado em História Social pela USP.
Hoje sou professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro/RJ.
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Edelvito Nascimento
Eu sou Edelvito Nascimento. De ascendência Ma-
raká e Payayá, sou bisneto de Maria Kajé, matriarca
indígena que nasceu na Serra do Orobó, em 1889.
Sou neto de Alice Ferreira de Almeida, sacerdoti-
sa, curandeira, conhecedora das artes da comuni-
cação com os ancestrais encantados, da medicina
tradicional indígena e dos poderes das ervas do Sertão dos Maraká. Sou
candomblecista, iniciado em 2015 no Axeloiá, terreiro dirigido pelo sa-
cerdote e antropólogo Júlio Santana Braga e para onde fui conduzido
por minhas ancestrais. Na ocasião, recebi o nome iniciático de Babá-
tundê, que em yorubá significa “o Pai retornou”. Tenho formação em
Letras, Especialização em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras
e Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural. Sou professor, poeta,
ativista político e pesquisador da memória de minha gente, no Progra-
ma de Pós-graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, da UESB.
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