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Habitantes e Habitat 1

Habitantes e Habitat

v. 1
2
Habitantes e Habitat 3

Habitantes e Habitat
Traços históricos dos bairros Aeroporto Velho, Bahia,
Bahia Nova, Glória, Pista, Palheiral, João Eduardo I e II

Reginâmio Bonifácio de Lima


Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio
(orgs.)

v. 1

Idéia
João Pessoa
2007
4

Direitos e responsabilidades reservados aos autores.

Editoração Eletrônica/Capa: Magno Nicolau

Correção histórica: Lélcia Maria Monteiro de Almeida

H116 Habitantes e Habitat. Reginâmio Bonifácio de Lima e Maria


Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (orgs.). João
Pessoa: Idéia, 2007.

v. 1. il.:

1. História - Ensaio - Ocupação I. Título

CDU: 981(813.3)

EDITORA LTDA.
(83) 3222-5986
www.ideiaeditora.com.br
ideiaeditora@uol.com.br

Foi feito o depósito legal


Impresso no Brasil
Habitantes e Habitat 5

AGRADECIMENTOS

Ao Deus Eterno, que nos capacitou e permitiu este trabalho,


dando ânimo em momentos de angústia, cuidando de seus
filhos para que pudessem estar bem e concluir esta obra;
A nossas famílias que nos apoiaram em todo o tempo;
A Edileuza M. C. Monteiro, membro efetivo desta equipe
de pesquisadores, que por motivos alheios a nossa vontade
não pôde estar presente na conclusão deste trabalho;
Aos funcionários da Biblioteca Pública do Acre por tão
prestativamente terem gastado seu tempo, auxiliando na
pesquisa das referências;
Aos amigos do CDIH e da Biblioteca da UFAC, por tamanha
presteza com que nos acolheram;
A Reginaldo Bonifácio de Lima, pela prontidão com que
contribuiu para a adequação desta obra;
A bolsista Selyana Cavalcante pelo empenho nos trabalhos,
transcrição de DVDs e coleta de dados;
Aos colaboradores Maria Alzerina, Ana Íris e Tiago por
ajudarem na coleta de dados para a pesquisa;
As escolas existentes nos bairros pesquisados, pelo apoio e
prontidão;
Aos amigos da Fundação Garibaldi Brasil, pelo acesso ao
acervo;
Aos amigos do Patrimônio Histórico e Memorial dos
Autonomistas pelas fotos cedidas;
Aos amigos do Setor de Georeferenciamento da Prefeitura
de Rio Branco pelos mapas do setor;
Aos amigos do Setor de Cadastro Imobiliário da Prefeitura
pela ajuda com os Boletins de Cadastro Imobiliário;
A todos os entrevistados que muito contribuíram com a
pesquisa;
Ao senhor Manuel Rocha, in memorian, por todo o
empenho, ajuda e apoio prestado para a execução desta
obra.
A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram
para a conclusão deste trabalho. Muito Obrigado.
6
Habitantes e Habitat 7

SUMÁRIO

Batalhando por um Sonho, 9

APRESENTAÇÃO, 11

Sujeito-Identidade-Lugar, 15
Reginâmio Bonifácio de Lima

De Campo de Pouso a Aeroporto Velho , 25


Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Glória: Sinônimo de Conquista da Terra, 39


Lelcia Maria Monteiro de Almeida
Antônio Vladimir da Silva Barbosa

Bairro da Pista: Um Lugar em Construção, 49


Lelcia Maria Monteiro de Almeida
Cleunilde Silva dos Santos

Ambiência Física e Social dos Bairros João Eduardo I e II, 59


Leila Gonçalves da Costa

Memórias Sociais na Velha Bahia, 69


Sâmya Teixeira de Alencar

Bahia Nova: Da Formação ao Século XXI, 77


Regineison Bonifácio de Lima

Palheiral: O Bairro das Palheiras, 89


Pedro Bonifácio de Lima

Considerações Finais, 101

Referências, 105
8
Habitantes e Habitat 9

Batalhando por um Sonho

Os antigos moradores que vieram pra este local


Partiram de muito longe, colônias e seringal
Muitos já eram idosos, outros jovens ainda
Em busca de melhoria, muitos chegaram aqui
Apenas com esperanças e com pouca bagagem
Acreditavam em um futuro melhor, buscando melhores dias
Não buscavam luxo.
Uns moravam de aluguel, outros em colônias.
Não tinham muitas coisas,
Mas o pouco que tinham era trazido “nas costas”.
No momento da chegada, tiveram muitas dificuldades a enfrentar:
Falta de luz, falta d’água,
Ruas não existiam, era apenas atoleiro e matagal
Com seu trabalho eles modificaram o local
Não tinham exigências com relação a trabalho
O que viesse estavam dispostos a fazer
Eles acreditavam que aqui era seu lugar
Pois estavam no que era seu, por mais simples que fosse.
Suas casinhas eram feitas de madeira de construção
ou cercadas de paxiúba, algumas nem piso tinham,
Eram cobertas de palhas
Eles são pessoas vividas que têm muito a ensinar
Contam histórias de suas vidas, bonitas de se escutar.
Outros já não têm alegria de viver
Acham que já passaram e fizeram tudo o que era pra fazer.
Mas também tem aqueles que demonstram muita alegria de viver.
A maneira como falam indica que querem ser ouvidos
Por mais que a gente queira saber mais coisas
Eles dizem: “mas, peraí, deixa eu continuar ”.
E assim continuam contando suas bonitas histórias.
E ouvindo suas histórias podemos conhecer nossa cultura
Palavras novas e comuns que muitas vezes não sabemos
É bom saber, conhecer,
ouvir como se formou o lugar em que vivemos hoje
10 Batalhando por um Sonho

relembrar suas histórias é conhecer nossa própria história.


Eles têm saudades de sua terra, mas aqui é seu lar.
Lugar onde construíram suas casas, sonhos e fantasias,
Tristezas e alegrias, amores e nostalgias,
Lembram sempre do passado,
Em busca do sonho encantado
De ser feliz a cada dia.

Selyana Gomes Cavalcante, 16 anos


Neta e filha de migrantes tarauacaenses.
Habitantes e Habitat 11

Apresentação

O presente livro é fruto da necessidade percebida por esta


equipe de professores/pesquisadores em ter algo escrito,
ainda que de forma resumida e ensaiada sobre a história dos
bairros Aeroporto Velho, Bahia, Palheiral, Glória, Pista, Bahia
Nova, João Eduardo I e João Eduardo II. Esse trabalho foi iniciado
por mim na graduação em história, tendo continuidade na
especialização em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na
Amazônia, e no Mestrado em Letras pela UFAC. Não pretendemos
escrever uma história completa do local. Nas páginas a seguir
estão contidos subsídios para uma compreensão, ainda que parcial
da localidade em questão.
Em fins da década de 1960 e seguintes, as terras acreanas
estavam ganhando ares de mercadoria. O novo modelo de
ocupação produzido pela expansão da pecuária retirava os
trabalhadores da floresta e lhes negava as mínimas condições de
sobrevivência. As decisões da justiça estavam comprometidas com
o modelo de desenvolvimento dos governos militares para a
Amazônia, a própria imprensa e os meios de comunicação eram
extensões do poder oficial, omitindo-se acerca das questões
agrárias e fazendo absoluto silêncio sobre as contradições no meio
rural.
Com este livro pretendemos ensaiar de forma geral, sem
generalizações, como se deu o processo expansivo daquela área,
bem como de que forma os moradores desenvolveram ali, suas
identidades, culturas e transformaram a ambiência ocupacional.
É certo que nesse primeiro momento nos concentramos no viés
historiográfico social, especificando de forma mais detalhada o
assunto abrangido na obra intitulada “Sobre Terras e Gentes”,
contudo, na continuação dos trabalhos, com a conclusão da
segunda parte da pesquisa, desta vez na área de linguagens e
identidades, pelo Mestrado em Letras da UFAC, pretendemos dar
12 Apresentação

maior suporte para as relações de memórias, culturas e interações


da/na dinâmica social.
O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco se deu na área
que sai do núcleo central da cidade, que até o fim da década de
1960 era habitado de forma intensiva somente até a Secretaria de
Estado de Educação – antigo Centro de Treinamento – indo em
direção ao Aeroporto Velho. Limita-se ao norte com os bairros
Novo Horizonte, Castelo Branco e Volta Seca; a leste e a sul com
o Rio Acre; a oeste e a sudoeste com a Estrada da Floresta. Os
bairros pobres dessa área foram formados a partir de três
perspectivas: loteamentos, ainda que não totalmente estruturados,
invasões e ocupações.
Ao falar de Eixo Ocupacional em Rio Branco precisamos
ter em vista que “a compreensão do movimento de formação e
transformações da cidade, em sincronia com as etapas e
contradições da economia mercantil da borracha, torna-se, então,
uma das chaves para desvendar os problemas e conflitos surgidos
agora com a aceleração do crescimento urbano” (Oliveira, 1982,
p. 32).
Nesse aspecto, identificamos a formação, ainda que parcial,
de uma localidade extensiva aos habitantes do que se chama
Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. Esse se constituiu na
área próxima ao Centro de Treinamento, atual Secretaria de
Educação, envolvendo os 08 bairros formados a partir da expansão
da cidade ocorrida na década de 1970 e início de 1980. Quanto à
temporalidade, é certo que não tem uma data-marco de formação
específica, também não tem uma data final de andanças
populacionais. O que percebemos é que a área que compreende
o Terceiro Eixo teve o início de sua formação “urbana”
aproximadamente em 1971, e o desenvolvimento espacial com
uma definição básica próxima ao que é atualmente, por volta de
1982. Também observamos, nesse mesmo território, uma
pluralidade de identidades coletivas, envolvendo diversidades em
relação a origens, aspectos culturais, trajetórias de vida, que
aproximam e distinguem grupos de indivíduos entre si.
Em 1982, em sua obra “O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro”,
Oliveira citou o Terceiro Eixo, afirmando:

Um Terceiro Eixo de crescimento da cidade é aquele que segue o


caminho em direção ao antigo Aeroporto, desde o núcleo central
através da Rua Rio Grande do Sul, a qual até 1970 era habitada
só parcialmente, até o chamado Centro de Treinamento. Esta
Habitantes e Habitat 13

parte, inclusive, se estendia por uma grande superfície de áreas


verdes naturais, as quais foram inteiramente derrubadas durante
a década passada. (...). Nessa área pontificam os bairros do
Aeroporto Velho, Terminal, Bahia e Palheiral, habitados pela
população pobre de origem rural e que já somam [em 1982] mais
de 15.000 pessoas. Todavia, a invasão e a ocupação de áreas ainda
prossegue (sic) nesse eixo e os novos bairros vão se formando,
como o bairro João Eduardo (...). (Oliveira, 1982, p. 39).

As pesquisas que deram origem ao presente trabalho foram


realizadas na perspectiva historiográfica, a partir da metodologia
de Paul Thompson, sendo a vivência dos ex-seringueiros, ex-
posseiros rurais, constituinte do foco de interesse do estudo, como
matéria de investigação pertinente à compreensão específica das
características assumidas à acentuação urbana.
Nos oito bairros acima mencionados foram aplicados
questionários aos moradores mais antigos, assim sendo, era
necessário que os entrevistados morassem no bairro
continuamente há no mínimo 24 anos, ou seja, desde 1982, ou
antes dessa data; sendo ele ou ela o “chefe” ou um dos “chefes
da casa” na atualidade.
Ao compararmos o momento anterior com o atual, levando
em conta o Terceiro Eixo na Cidade de Rio Branco, percebemos
que a cidade possui atualmente 154 localidades cadastradas pela
Prefeitura – ainda que alguns digam que o número pode chegar
a 187 – que os moradores chamam de bairros, embora haja a
estimativa que o número dos mesmos seja maior, tendo em vista
as recentes áreas de ocupação em situação “irregular ”.
Atualmente a Prefeitura estuda a possibilidade de formação oficial
dos bairros de Rio Branco, fazendo uma junção de localidades
em um mesmo setor para a formação dos bairros. De acordo com
dados prévios da Prefeitura, Rio Branco terá cerca de 50 bairros
oficiais, tão logo seja concluída a demarcação e setorização da
Capital acreana.
O IBGE, ao fazer o mapa da malha setorial riobranquense,
dividiu a cidade em 83 setores censitários para o recenseamento
de 2000. Os bairros que formam o Terceiro Eixo Ocupacional de
Rio Branco permaneceram agrupados em alguns setores. Sabemos
que os bairros que atualmente formam a área da “Baixada da
Bahia” são fruto da expansão do Terceiro Eixo, que antes tinha
apenas oito bairros, sendo eles: Palheiral, Bahia, Bahia Nova,
Glória, Pista, Aeroporto Velho, João Eduardo I e João Eduardo II.
14 Apresentação

Segundo o Setor de Georeferenciamento da PMRB, atualmente


essa região tem em sua área a quantidade de dezesseis bairros;
além dos citados anteriormente, foram acrescentados os bairros
Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro,
Boa Vista, Invasão da Sanacre e Floresta Sul.
De acordo com o IBGE, a área referente ao Terceiro Eixo
Expandido, ou seja, os dezesseis bairros que compõem a
localidade, foi dividida em 09 setores censitários, sendo eles: João
Eduardo, Palheiral, Bahia, Pista, Glória, Aeroporto Velho, Ayrton
Sena, Sobral e Plácido de Castro. Na pesquisa foi constatada a
quantidade de 33.908 pessoas vivendo nesses locais, residindo e
convivendo em 14.109 domicílios. Portanto, é certo dizer que o
Terceiro Eixo Ocupacional Expandido de Rio Branco representa,
na atualidade, 14,98% da população urbana riobranquense, e
comporta em sua área 17,14% dos domicílios da cidade. Assim
sendo, é clara a super-povoação do local em comparação com o
restante de Rio Branco. Uma área que representa menos de 10%
da extensão total urbana da Capital acreana comporta quase um
quinto de seus domicílios, e um sétimo de sua população.
É importante lembrar que eles não são “coitadinhos”. Eles
foram vitimados pelas políticas públicas que não os contemplaram,
mas também agem dialogando com os outros e fazendo seus
próprios movimentos de resistência e defesa da sobrevivência
própria e dos familiares. Muitos dos moradores têm noção dos
embates, lutas e expropriações que houve no “campo”, e das
pelejas que ocorreram nas interações conflituosas e dinâmicas
ocorridas na “cidade”.

(escrito em uma noite fria de novembro de 2006)

Reginâmio Bonifácio de Lima


Habitantes e Habitat 15

Sujeito-Identidade-Lugar1
Reginâmio Bonifácio de Lima

Fotos de alguns dos 161 entrevistados na pesquisa.

A s migrações constituem-se em marcos na vida dos indivíduos,


à medida que estabelecem mudanças que provocam rupturas
e conflitos, ao mesmo tempo, apontam para a perspectiva de novos
horizontes. É preciso estar atento para o fato de que a mudança
espacial implica outras mudanças na vida das gentes migrantes,
1
Este artigo é um resumo da parte teórica sobre os Habitantes em seu
Habitat, contido na obra intitulada “Sobre Terras e Gentes” (2006)
deste autor.
16 Sujeito-Identidade-Lugar

relacionadas às novas dinâmicas sociais, diferenças culturais e


alteração de hábitos no cotidiano, mudanças que também ocorrem
na esfera das relações interpessoais, além dos rompimentos,
distanciamentos e traumas decorrentes de situações desse tipo.
Ao ter em comum situações de mudanças em suas trajetórias
de vida, essas pessoas passam por rupturas, adaptações e
resistência aos novos espaços e culturas, modificando no próprio
processo de mudança espacial, cheio de rompimentos, a
reconstrução de sua identidade individual e coletiva, formando-
se gradativamente “uma memória social”. Todo este processo
envolve laços afetivos, alegrias, tristezas, conquistas, perdas e,
sobretudo, vivências, não mais da mesma forma que antes, mas
em um outro espaço, em um outro tempo, em uma outra
perspectiva, circunstanciados no desenvolver de afinidades e
divergências do que se faz no constituir do local.
A localidade está contida em um lugar maior que é um
setor geo-político-social mais abrangente, e esse passa por
proposições políticas, econômicas, interesses mercantis e
projeções de afinidades com fins, ora especulativos, ora cognitivos,
em grande parte, mudando conforme os grupos que estão no
controle. Devemos ressaltar que qualquer atividade conflituosa
ou ainda, que conduza a um êxodo, impelindo a uma migração
afeta não apenas o local de saída, através de um esvaziamento da
terra e das relações sociais nela produzidas, mas também, o curso,
o motivo, as circunstâncias e o local de chegada.
A ocupação do espaço enquanto território local é resultante
da disseminação da propriedade privada da terra. Contudo, do
mesmo modo, esse movimento gera privação dos direitos
costumeiros daqueles que imaginava tê-los. O processo de
expansão se revela problemático e violento, uma vez que a
imigração não apenas destinava-se a povoar a terra, mas também
expulsava os pioneiros. Toda essa violência pela qual passaram
os trabalhadores rurais fez com que se deslocassem das terras
ocupadas, em troca de uma pequenina indenização, migrando
para a área de fronteira na Bolívia ou “inchando” os centros
urbanos, principalmente Rio Branco, onde “estendiam” a fronteira
da “periferia”, formando uma paisagem de miséria e ambiência
urbano-rural, como no caso da parte norte do bairro Aeroporto
Velho, que foi formada, em grande parte, por migrantes expulsos
do seringal Riozinho, na área do Riozinho do Rolla, município de
Rio Branco.
Habitantes e Habitat 17

Essas populações andantes, ao chegar à localidade,


precisavam recomeçar, fazer derrubadas, cuidar da área, construir
o “tapiri”, trabalhar para alimentar a família dentre tantos outros
afazeres. Contudo, não eram homens jovens, não em sua maioria;
os “chefes de família”, grande parte deles acompanhados por seus
cônjuges, tinham os filhos ainda pequenos, sendo que os filhos
mais velhos lhes “ajudavam na lida”. O “dono da casa”, muitas
vezes, vivia acompanhado por seus pais ou sogros, pela esposa,
por quatro filhos em média e, às vezes, por noras e netos. As
famílias costumavam vir para determinado local e se afixar
próximo a um parente, sendo que, a maior parte dos entrevistados
disse trazer consigo seus parentes, ou eles vieram logo depois.
Normalmente ficavam sabendo do local para morar através de
um conhecido, ou em segundo plano, de um parente e mesmo
sem saber de quem eram as terras iam se instalando no local. A
necessidade de ter onde morar e abrigar a família era maior que
o sentimento de posse do que é alheio ou ética de estar adentrando
um lugar que não lhes pertencia.
As visões que aqui apresentamos são partes constituintes
das relações estabelecidas, mesmo sabendo que ocorrem
imprevistos quando se vai analisar as relações sociais, porque
essas têm múltiplas dimensões ao se mostrar relacionadas às
fronteiras do lugar. O sentido do corpo da memória que surge se
constrói através da cultura, se apresenta de forma fragmentada
nas diversas composições da idéia que se têm do espaço, do
indivíduo e da própria cultura. Cultura esta que se estabelece em
meio a pressões e coações.
Desta forma, ao apreciar a formação das identidades na
memória cultural das gentes do Terceiro Eixo, percebemos que
elas estão ligadas à questão local/espacial, sujeito/identidade,
território/fronteira. Assim, um inexiste sem o outro, e sua
completude só se dá nas diferenças e mediações inseparáveis
aos processos estabelecidos.
As gentes que habitaram e habitam as terras do Terceiro
Eixo, como muitos outros homens, viveram e vivem suas vidas,
interdependendo uns dos outros. Eles saíram de seus locais e
vieram para o bairro, e em conjunto com outros formam hoje um
local, setorizados em um eixo, numa cidade, num estado, numa
nação. Se é que essas construções de nomenclatura não são
meramente políticas. É bem provável que essas gentes não
tivessem idéia da dimensão da intensidade dos atos que
praticavam, ou pode ser que tivessem, porque na construção da
18 Sujeito-Identidade-Lugar

memória o que se inscreve não é apenas o presente, mas também


o representado.

Fonte: Setor de Georeferenciamento da PMRB.

Essas imagens e vivências, que parecem turvas pelo tempo,


calcificadas pela lembrança, às vezes, emergem dos “entulhos”
da memória como um resgate do que eles viveram ou pensam
que viveram, ou foi vivido, mas não exatamente daquela forma
que explicitam; embora essa forma explicitada no momento em
que é apresentada na memória pareça mais prazerosa do que
realmente é, e, por isso, quererem tanto ficar com ela.
Então, eles lembram da lembrança construída com um sabor
adocicado, mais gostoso que a vivência que tiveram; e, muitas
vezes, eles têm noção do “real” e assumem, veementemente, que
a lembrança prazerosa “do mesmo fato” melhor satisfaz os anseios.
Quanto a isso, Paul Thompson (1992) escreveu: “aquilo que as
pessoas imaginam que aconteceu, e também o que acreditam que
poderia ter acontecido – sua imaginação de um passado
alternativo e, pois, de um presente alternativo –, pode ser tão
fundamental quanto aquilo que de fato aconteceu”.
Então fica um alerta a todos os que se propõem a estudar
pessoas vivas em um local em construção. Existem pessoas que
Habitantes e Habitat 19

tentam estudar só o território, e outras que tentam estudar só os


habitantes de um lugar. Quanto a isso, é certo dizer que ao esvaziar
o território de seus habitantes, também se o esvazia dos
significantes, logo ele é (ou se torna) espaço meramente físico –
quando muito cartográfico, como rabiscos numa estrutura.
Também, quando se esvazia os homens de seu território cria-se
um vácuo, não um vazio, mas uma “falta que não pode ser
preenchida”, porque, ao se tirar o fator tempo-espaço de uma
situação, ela não se sustenta em si mesma, pode-se mais
facilmente cair no viés do simplismo, o que retira a concretude e
lucidez dos fatores envolvidos, tornando a pesquisa um estudo
vulgar.
Então, muitas pessoas se questionam até que ponto o lugar
é territorializante ou desenraizante? Não vamos tentar definir
nada aqui, no sentido de enunciar atributos específicos
demarcativos e sentenciantes. O que desejamos é conceituar,
buscando representar os objetos pensados e os sujeitos pensantes
por meio de suas características gerais, globalizando-os em seu
território, sem generalizá-los.
O lugar é territorializante quando deixa de ser espaço ermo
ou fronteiriço para ser território local, onde se estabelecem as
fronteiras analógicas e dialógicas – no sentido baktiniano – do
convívio social; e desenraizante quando faz com que o que a
pessoa sabe e tem conhecimento pareça banal, não utilizável na
forma intelectual, moral ou valorativo do migrante “em trânsito”,
que necessita, em grande medida, se separar das coisas com as
quais ele convive e conhece, para se deparar com a nova realidade,
num constante embate entre o tempo da ação e o tempo da
memória.
A identidade desses amazônidas que precisaram se mudar
e estão em um outro lugar que não é o seu lugar de nascimento/
crescimento é vista aqui na concepção simbólica dos sentidos
envoltos em uma materialidade concreta, mas um tanto quanto
turva de ser explicitada pelo pesquisador que não a vivenciou. O
imaginário está no plano da consciência e embasa a reprodução
da vida na perspectiva do lugar pela tríade habitante-identidade-
habitat, ou sujeito-identidade-lugar. Em tudo isso percebemos que
a memória dessas gentes simples da “periferia” está cheia de
lembranças, eles venceram o desenraizamento e prosseguiram a
vida.
Para os migrantes, a relação entre o passado e o presente
remete a ganhos e perdas vivenciados em suas trajetórias. O
20 Sujeito-Identidade-Lugar

passado – que muitas vezes está associado, em parte, a


dificuldades, limitações, escassez e estagnação, considerando o
quadro cristalizado em seus locais de origem – também representa
aspectos positivos, envolvendo laços familiares, hábitos e práticas
do cotidiano, tradições e manifestações populares, a vida
comunitária, o lazer e a diversão, a riqueza da cultura local.
A expansão da fronteira acreana está intimamente ligada
ao aumento populacional e aos problemas por ele produzidos. O
nascente mercado de terras aos poucos foi se estruturando. Essa
expansão é problemática, envolta em violência e dor; as áreas
cultivadas pelos antes extratores e agora colonos é apropriada
pelos governantes para produção que tenha maior rendimento,
uma vez que poucas eram as pessoas que tinham o título das
terras. Assim, não apenas os “espaços vazios” são retomados e
preenchidos, mas há a expulsão dos velhos pioneiros, que são
obrigados a migrar. Com a presença do médio e grande capital
agropecuário no Acre, a população expulsa do interior,
abandonava as terras ocupadas ou procurava oportunidades de
emprego e negócios, indo para a “periferia” das cidades. Para se
ter em conta, segundo o Anuário Estatístico do Acre de 1977, a
renda produzida pela pecuária superava a da borracha. Mesmo
os seringais mais produtivos sofriam as constantes pressões para
serem transformados em fazendas de criação de gado.
Nas décadas que sucederam a Segunda Guerra Mundial
são vistas as muitas facetas dos interesses políticos e econômicos
do Centro-Sul para com a Amazônia, e para com o Acre especi-
ficamente. O sistema de comunicações foi melhorado, as rodovias
abertas, o Território Federal do Acre foi transformado em Estado,
no ano de 1962, o que deu mais autonomia a ele. A própria política
de colonização oficial, na década de 1970, produziu impacto
decisivo sobre o “isolamento” em que o Acre ainda se encontrava,
dando continuidade a uma política de “integração”, para
beneficiar o capital que estava se estabelecendo no Acre.
Grileiros, migrantes do Centro-Sul e especuladores
compraram terras a um preço extremamente baixo. A expansão
territorial do Acre se deu de forma diferenciada entre os Vales do
Juruá e Purus. Enquanto neste, as BR’s 364 e 317 favoreciam a
intensificação do contato com frentes demográficas externas;
naquele, pairou o isolamento, a falta de estradas, e a inacessi-
bilidade para imigrantes. Isso fez com que o aumento populacional
e a concentração de novas fontes de produção permanecessem
estreitamente aglutinados no leste acreano.
Habitantes e Habitat 21

O propagandeado “futuro fator de desenvolvimento do


Acre”, a pecuária extensiva, não alcançou seu objetivo, o
governador Wanderley Dantas e seus auxiliares não conseguiram
enriquecer o Acre com o progresso e o desenvolvimento. Antes, a
concentração de terras nas mãos de uns poucos, a crescente
derrubada das florestas para serem transformadas em pastos, a
venda das toras por madeireiras vindas ao Acre e o êxodo rural,
são mais visíveis como conseqüência da política implementada e
do capital especulativo que, propriamente, do ostentado progresso
acreano. Por conseguinte, as gentes foram migrando na direção
campo-cidade, e assim se formaram os “bolsões” populacionais
ao redor das cidades e às margens das rodovias.
O “inchamento” da cidade de Rio Branco se deu como
resultado da urbanização acentuada, intensificando as ampliações
dos bairros periféricos e os problemas sociais na área urbana.
Como conseqüência do acelerado crescimento, os problemas
sociais se acumularam, já que Rio Branco não teve suporte para
absorver o contingente populacional que se deslocava da zona
rural. Marginalidade, desemprego, falta de moradia, dentre
outros, foram constatados como desdobramentos tão palpáveis
quanto dramáticos da realidade urbana desencadeada pelas
mudanças sensíveis e características advindas a partir da
penetração capitalista.
Analisando os dados do IBGE nos censos de 1960 e 1970,
percebemos que a população riobranquense quase dobrou. Na
década de 1960 eram 47. 437 habitantes, sendo 30.333 na zona
rural e 17.104 na urbana; na década de 1970 a população
riobranquense era formada por 48. 399 habitantes na zona rural
e 35.578 habitantes na zona urbana, totalizando 83.977 habitantes.
A população que foi atingida pela entrada do capital sulista
nos anos 1970, já residia há várias décadas nas terras acreanas.
Os dados obtidos em uma pesquisa efetuada pelo Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) no ano
de 1978, em Rio Branco, revelaram que 45% dos chefes de família
que migraram para Rio Branco haviam chegado fazia menos de
10 anos, sendo a intensidade do fluxo migratório expressa ao
mesmo tempo em que se introduziam as políticas públicas de
acumulação de capital. Ou seja, o próprio CEDEPLAR1 vincula a
migração dos chefes de família e as andanças populacionais às
políticas públicas praticadas no período.
1
CEDEPLAR appud OLIVEIRA, 1982, p. 91.
22 Sujeito-Identidade-Lugar

Então, percebemos que não é apenas a vizinhança, a


localidade, não são os bairros, tampouco os 2.795,21m² que
cobrem todo o setor. São as vivências, as práticas cotidianas, as
relações e interações entre esses homens e mulheres, não mais
migrantes, mas ligados ao local, concebido, constituído, construído
e reconstruído, que permeiam as relações estabelecidas de amor
e desamor, querer e renegar, estar e sair, inerentes aos seres
humanos; e, nesse caso, as andanças populacionais diminuíram
consideravelmente para dar lugar a um “fixar raízes” e viver num
espaço que se fez lugar, transformando-se o transformador
humano e a própria ambiência no que se pode chamar de “me-
lhores condições de vida”, “sonho de ter um lugar propriamente
seu” ou simplesmente “casa”.
Paul Thompson (1992) disse que “A construção e a narração
da memória do passado, tanto coletiva quanto individual, constitui
um processo social ativo que exige ao mesmo tempo engenho e
arte, aprendizado com os outros e vigor imaginativo”, e isso fica
muito claro na fala de vários entrevistados, quando expressam
como era a vida décadas atrás, há um ar de veracidade mesclada
com sonhos, sonhos que podem ser reais ou imaginários, mas
que de fato ocorreram, ainda que na memória deles.
Os vários migrantes reassentados no Terceiro Eixo
modificaram o espaço político-geográfico ao expandir a fronteira
limítrofe urbana, do mesmo modo que procuraram naquele local
interagir com seus conhecidos, com as pessoas a seu redor e com
o território, havendo ou não grau de parentesco, assim,
modificaram também as relações no espaço social, o que
diretamente refletiu na constituição de aspirações e mecanismos
que expressassem um conjunto de atividades sociais na cidade,
ou seja, a apropriação do espaço terrestre se processou como
transformação do espaço-lugar e dos próprios indivíduos, numa
interação contínua e dinâmica.
As andanças populacionais não cessaram com a chegada
ao Terceiro Eixo, muitas famílias retiraram-se para outros locais.
Entretanto, nunca houve um levantamento “oficial” sobre isso. A
própria andança intra Terceiro Eixo é muito grande, com cerca
de um terço dos entrevistados mudando-se de um bairro para
outro no mesmo setor.
A maioria das gentes que teve suas terras expropriadas
precisou aprender a viver em terrenos com pouco mais de
duzentos metros quadrados, trabalhar para adquirir dinheiro e
com ele comprar comida, uma vez que já não se podia plantar e
Habitantes e Habitat 23

colher produtos para a subsistência nessa pequena área. Assim


como o homem modifica o ambiente, este também o modifica na
interação mútua. Porque o homem precisa de um lugar para se
relacionar com o ambiente e com seu próximo, sendo que ambos
se modificam nessa interação, e o lugar se modifica a partir da
influência mútua do homem com o outro homem e com o ambiente
em que vive. Por isso, nessa mudança de ambiente do que antes
era “rural” com porções de terras outrora medidas em alqueires
e hectares, agora percebemos que são medidos em pouco mais
de duzentos metros quadrados os lotes onde ficam os “pequenos
quintais”, assim, não são vistas grandes plantações nos lotes do
Terceiro Eixo, mas são comuns plantas, flores, árvores frutíferas e
canteiros de hortaliças e leguminosas. Ao passo em o “ambiente
rural” é “urbanizado” pelos reassentados, o mesmo ambiente
agora “urbano” – se é que podemos chamar assim – é “ruralizado”
pelas práticas, inserções e modificações tipicamente dos
ambientes rurais de onde os migrantes são provenientes.
A codificação dos significados pelos sujeitos relembrantes
não é livre em si, mas ancora a decodificação ao conveniente, e o
próprio pesquisador envolvido na turbidez do que está posto, por
mais que se esforce, em sua imperfeição, apenas sintetiza o que
está posto, analisando, conceituando, definindo, explicando,
explicitando, enfim, sem querer, congelando. Daí a necessidade
de em muitos dos casos deixar que o sujeito pesquisado fale por
si mesmo, porque mesmo uma fala retirada do seu habitat, quando
contextualizada, expressa, ainda que parcialmente, o seu intento.
Todos os entrevistados na pesquisa estão no que se
convencionou chamar “terceira idade”, sendo que dois terços
passam dos sessenta anos. Em todos esses idosos percebemos o
desejo de aprender coisas novas e o anseio por ensinar outras
que já aprenderam. Suas identidades estão vinculadas não apenas
à memória cultural, mas ao território local em que vivem e
convivem. A esperança enraizou grande parte deles, que
relembram as festas comunais e o trabalho laborioso que
executavam com braços que antigamente eram fortes e pernas já
não tão firmes. A voz cansada pelo tempo ainda faz surgir nos
olhos as lágrimas companheiras das lembranças de tempos nem
sempre ternos ou calmos, mas vividos com intensidade. Da
plataforma de suas cadeiras de balanço ou da sobriedade de seus
bancos “rústicos” de madeira de construção, muitos sonham com
um mundo onde não precisem ser substituídos, mas possam
interagir com o que é “novo e belo”. Nas fotos amareladas pelo
24 Sujeito-Identidade-Lugar

tempo, vêem-se corpos reais, vivos, talvez nem tão vivos como
agora, mas que despertam saudades; saudades de poderem ir à
igreja sem precisar “implorar” por companhia, de ter forças para
encher uma garrafa d’água. Saudades de serem respeitados como
seres humanos.
Habitantes e Habitat 25

De Campo de Pouso a
Aeroporto Velho
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A o migrar, as pessoas buscam novos lugares, transformam o


habitat e se transformam no deslocamento. Ao chegar à
cidade, reelaboram novas relações, novo cotidiano, novas
expectativas. Essa é a realidade daqueles que movimentam a vida,
que transformam a cidade, colocando-a em movimento a partir
dessas múltiplas trajetórias. A experiência da migração atua
provocando mudanças de valores e comportamentos, alterando a
forma de relacionamento dos habitantes entre si e com seu habitat.
26 De Campo de Pouso a Aeroporto Velho

Durante várias décadas, principalmente nas de 1970 e 1980,


a esperança de conseguir um “pedaço de chão” impulsionou
milhares de pessoas para a área próxima ao antigo Aeroporto
Salgado Filho. As populações que para lá migraram possuem uma
trajetória de luta, que os levou a construir novas relações com as
quais tiveram de lidar na busca de melhores condições de vida,
buscavam encontrar trabalho, segurança, educação e moradia.
O processo de ocupação das terras que hoje compõem o
bairro Aeroporto Velho é resultante da dinâmica de expansão da
fronteira acreana com seus efeitos sobre a estrutura fundiária. A
partir da segunda metade do século XX, o crescimento urbano
da cidade de Rio Branco, aliado à falência dos seringais acreanos,
que foram transformados em grandes fazendas pecuaristas nas
décadas de 1960 e 1970, contribuíram para a intensificação do
movimento das populações para as “periferias” da cidade. Os
seringueiros, expulsos de suas terras foram obrigados a se
dirigirem para outros lugares, sendo gradativamente levados à
zona urbana, principalmente da cidade de Rio Branco,
ocasionando o surgimento de vários “apossamentos”, “invasões”
e “ocupações”, que, depois, constituiriam a maior parte dos bairros
da capital.
Uma das áreas a receber os primeiros moradores nesse
período foi a Rua do Terminal, assim chamada devido ao terminal
de combustível da Petrobrás na área próxima à IBRAL. Os
moradores foram se instalando no local, que fica à margem do
rio, nas terras do Colégio Aprendizado, se ajuntando nesta rua e
nas ruelas concorrentes.
Toda a violência pela qual passaram os trabalhadores rurais
fez com que se deslocassem das terras que ocupavam há décadas.
Muitos foram expulsos e saíram sem nada, outros receberam em
troca apenas uma insignificante indenização. Esses homens e
mulheres migraram para as áreas de fronteira com a Bolívia ou
“incharam” os centros urbanos, principalmente de Rio Branco,
onde estendiam a fronteira da “periferia”, formando uma
paisagem de miséria e ambiência urbano-rural, como no caso da
parte norte do bairro Aeroporto Velho que foi formado
principalmente por migrantes expulsos do seringal Riozinho, na
área do Riozinho do Rolla, município de Rio Branco. Também,
com a desativação da área de um seringal que, depois, foi
transformado em Colégio Agrícola, outra leva de migrantes
dirigiu-se para a parte sul do Aeroporto, para o bairro da Glória e
para a Fazenda Sobral.
Habitantes e Habitat 27

O nome “Aeroporto Velho” foi dado em virtude de o bairro


ter sido formado nos arredores do antigo Aeroporto de Rio Branco,
chamado à época Francisco Salgado Filho, posteriormente
denominado Santos Dumont. De acordo com dados obtidos na
Escola Flaviano Flávio Baptista, em 1939, foi inaugurada a
primeira pista de pouso e decolagem para aviões de pequeno
porte de Rio Branco.
Conforme informações contidas no Álbum Fotográfico do
Território Federal do Acre (1946-1948) que demonstra um relatório
das obras iniciadas em governos anteriores e terminadas depois
que assumiu o Governador José Guiomard dos Santos, o estado
da pista de pouso até 1946 era precário, sendo as instalações dos
passageiros uma simples choupana:

Abrigo de passageiros do Aeroporto Salgado Filho


Fonte: Álbum do Território Federal do Acre (1946-1948).

Com os investimentos do então governo do Território, várias


mudanças foram colocadas em prática para que o Aeroporto
atendesse os passageiros vindos de outras partes do país ou de
outras localidades acreanas. De acordo com o Álbum Fotográfico
do Território Federal do Acre (1946-1948), os aviões que aqui
chegavam transportavam bois, cabras, porcos, galinhas, enfim,
diversos animais destinados a melhorar a produção acreana. Além
28 De Campo de Pouso a Aeroporto Velho

das matrizes reprodutoras, os aviões transportavam a borracha


laminada do Acre para diversas partes país.
A estrutura do Aeroporto Salgado Filho, com a chegada de
aeronaves mais modernas tornou-se insuficiente para comportar
o fluxo de aviões. No governo de Wanderley Dantas foi construído,
então, o Aeroporto Presidente Médici, no Segundo Distrito da
Capital, em 1974. Com a desativação da Estação de Passageiros
Salgado Filho, as imediações do local passaram a ser denominadas
de Aeroporto Velho. Em 1978, o governo de Geraldo Mesquita
doou o prédio da antiga Estação de Passageiros para o Instituto
Nacional de Pesquisas Amazônica, o INPA. Atualmente, funciona
no local o Centro Cultural Lídia Hammes, destinado a atividades
da “terceira idade”.
O aumento da população do bairro nas décadas de 1960 e
1970 trouxe a necessidade de se pensar em providenciar uma
escola em que as crianças pudessem estudar sem ter que se
deslocar até o Centro da cidade ou atravessar a catraia até o
Segundo Distrito, o que oferecia muitos riscos aos estudantes,
principalmente durante o período das cheias do Rio Acre. Segundo
relatos do Sr. Rocha, alguns estudantes morreram afogados no
trajeto das canoas até a outra margem, com o intuito de chegar às
escolas do Segundo Distrito, daí a necessidade de se construir
um colégio para atender aos moradores. Sensibilizado com o
problema, o Sr. Rocha, morador do local desde 1945, decidiu doar
as terras para a construção de uma escola que viria a ser chamada
de Flaviano Flávio Baptista.
Em 1961 foi fundada a primeira Escola do bairro,
funcionando nas terras do antigo Colégio Aprendizado com o
nome de Escola São João do Prado, pouco tempo depois, essa
escola foi desativada e, dez anos mais tarde, foi construída a Escola
Flaviano Flávio Baptista (Governo do Estado do Acre, 2004). A
construção desta escola nas proximidades do Aeroporto Salgado
Filho indica a existência de um número expressivo de famílias no
local desde o início da década de 1960. No ano de 1971, o número
de habitantes no local aumenta, ampliando-se também o
atendimento da escola às quatro primeiras séries do ensino
fundamental nos turnos da manhã e tarde, e, posteriormente, entre
1975 e 1984, estendendo-se ao turno da noite.
Além das necessidades educacionais, a população que se
estabelecia no local precisava de cuidados médicos. O governo
Wanderley Dantas, então, iniciou a construção do Hospital das
Clínicas de Rio Branco. A construção seria do lado direito de onde,
Habitantes e Habitat 29

atualmente, funciona o Hospital de Saúde Mental do Acre, o


HOSMAC. Embora iniciado, o grandioso hospital, com tamanho
equivalente ao do atual pronto Socorro da cidade, nunca foi
concluído. Suas colunas e alicerces foram levantados, mas, segun-
do relatos dos moradores mais antigos do local, por falta de paga-
mento do governo, a empresa construtora abandonou os trabalhos.
A imprensa riobranquense da época, como vemos no trecho a
seguir, cobrou providências para o caso, mas nada foi feito:

Na administração Wanderley Dantas (...) o Hospital de Clínicas


que seria construído no Aeroporto Velho, teve seu início e foram
gastas verdadeiras fortunas, mas não foi concluído, e o que foi
feito de nada prestou: o ginásio coberto teve que sofrer várias
reformas para dar condições de uso e agora está abandonado,
servindo como abrigo para flagelados e esporte que é bom, que é
cultura, nada, absolutamente nada (BATISTA, Sérgio. O Assunto
é comentário. O Jornal. Rio Branco-AC,17/11 a 25/11/ 1979, Ano
7, n.º 115, p.3).

Ao perceberem o abandono do local, as pessoas que


necessitavam de um lugar para construir suas casas aos poucos
foram chegando. Para isso, alguns usaram os próprios materiais
deixados pela empresa, erguendo suas habitações de forma
“irregular”, num “amontoado” de casas com acesso apenas por
entre os próprios quintais. Hoje, com a área completamente
ocupada pelas casas, é difícil perceber a grandiosidade da
30 De Campo de Pouso a Aeroporto Velho

estrutura do hospital, embora ainda existam dezenas de vigas e


colunas de concreto esperando a conclusão que não veio. A
população que ali reside há quase três décadas convive sem as
menores condições de infra-estrutura e saneamento. Assim como
em outras épocas, é esquecida pelo poder público, que sequer
desconfia que ali, próximo ao antigo Hospital Distrital, entre a
Estrada da Sobral e a rua Rio Grande do Sul, moram cidadãos
que merecem respeito e, pelo menos, condições mínimas de
sobrevivência.
Dentre os bairros que compõem o Terceiro Eixo, o bairro
Aeroporto Velho é o que detém melhor infra-estrutura, com a
maioria das casas construídas em alvenaria. Possui, atualmente,
cinco escolas, que surgiram com o impulso da articulação da
própria comunidade, tendo em vista a necessidade de oferecer
educação às crianças que acabavam de chegar dos seringais ou
de outras localidades da zona urbana e rural de Rio Branco. Fun-
cionam, atualmente no bairro: Escola Serafim da Silva Salgado,
Escola José Ribamar Batista, Centro Estadual de Educação de
Surdos, Escola Flaviano Flávio Baptista e Escola Áurea Pires.
Percebemos, também, que a presença da Igreja Católica
no bairro é muito forte, com uma paróquia e duas congregações,
o que demonstra a intensa participação das Comunidades
Eclesiais de Base para a formação dos bairros que compõem a
chamada “Baixada da Bahia”. Através da mobilização dos
membros dessas igrejas foram implantadas, em parceria com
outras paróquias, as congregações dos demais bairros do setor,
numa demonstração da influência das CEB’s na articulação dos
moradores recém-chegados ao local.
Para melhor compreensão da realidade atual do Aeroporto
Velho no período de sua formação, utilizamos dados obtidos na
pesquisa realizada pelo professor Reginâmio B. Lima no ano de
2005, da qual também participei como pesquisadora auxiliar, na
área que compreende os bairros Aeroporto Velho, Bahia, Bahia
Nova, Glória, Pista, Palheiral, João Eduardo I e João Eduardo II.
Foram escolhidos, na ocasião, 161 moradores que precisavam
morar continuamente no bairro há, pelo menos, 24 anos, isto é,
desde 1982, ou antes dessa data, além disso, deveriam ser o
“chefe” ou um dos “chefes da casa” no momento da pesquisa.
Neste ensaio levaremos em conta principalmente as informações
relevantes para melhor compreensão do bairro Aeroporto Velho,
já que, para a constituição deste livro, existem outros
pesquisadores empenhados em coletar informações e elaborar
conhecimentos acerca de cada um dos oito bairros do local.
Habitantes e Habitat 31

A população que migrava para o Aeroporto Velho era


originária de diversas localidades. A maioria era natural da zona
rural de Rio Branco, seguidas dos que nasceram nos municípios
de Brasiléia, Xapuri e Tarauacá. A trajetória desses migrantes,
entretanto, não os levou direto ao bairro Aeroporto Velho, antes
de lá chegarem, a maioria dos entrevistados residiu no chamado
Segundo Eixo de Ocupação (Oliveira, 1982), composto pelos
bairros Papouco, Preventório, Estação Experimental, Aviário,
Cerâmica, Cidade Nova, Triângulo I e Triângulo II, Taquari, Oito
Placas, São Francisco, Baixada da Cohab, Vila Ivonete e
“inchamentos” populacionais dos bairros da Base, Papouco e
Quinze. Com a valorização das terras próximas ao centro, as
populações que habitavam essas terras foram levadas a sair para
que fossem construídos, ainda no Segundo Eixo, os “redutos da
classe média”, a saber: Jardim Tropical, Habitasa, Floresta, Cohab
do Bosque, Castelo Branco e Bela Vista.
A diversidade de origens e trajetórias desses migrantes fez
com que estes construíssem uma forma muito particular de
dependência uns dos outros. Eles tiveram que buscar na
convivência algo em comum, que os fizesse superar o drama de
terem que reconstruir a vida em uma nova localidade. Nesse
sentido, as CEB’s atuaram de forma decisiva no processo de
articulação dessa nova comunidade, que tinha em comum o fato
de serem, em sua maioria absoluta, pertencentes à Igreja Católica.
A maioria absoluta dos entrevistados foi morar no bairro
com faixa etária entre 26 e 40 anos, o que aponta para toda uma
reestruturação de vida gerada com o novo deslocamento dessa po-
pulação. Essas famílias compostas, em sua maioria, por casais com
uma média de 3 filhos, buscavam melhores condições de vida, impul-
sionados pela perspectiva de oferecer uma moradia para os filhos,
tendo em vista que muitos moravam em domicílios alugados.
No período situado entre os anos de 1975 e 1979 a expansão
fronteiriça em Rio Branco aumentou de forma acentuada. O grá-
fico a seguir, baseado em dados da SUCAM, indica que no ano
de 1975 a quantidade de moradores nos bairros do que chamamos
Terceiro Eixo era de apenas 10% do total da população que habi-
tava as áreas situadas fora do Núcleo Central. Em 1979, esse total
passou para 15%, desconsiderando-se as mais de 2.000 pessoas
existentes nos bairros João Eduardo, Glória e Bahia Nova. Se
acrescidos a esse total, o índice de pessoas morando naquele setor
chegaria a quase 20% da população fora do eixo central. O aumen-
to do número de habitantes no Terceiro Eixo apenas nesses quatro
anos vai de 18.176 habitantes em 1975, para 53.935 em 1979.
32 De Campo de Pouso a Aeroporto Velho

Fonte: Levantamento SUCAM/Acre, appud OLIVEIRA, 1982, p. 90.

Entre 1975 e 1979 os demais bairros que compõem o


Terceiro Eixo de expansão ainda estavam iniciando sua ocupação.
Por isso, o que Oliveira (1982) chama de Aeroporto, compreende
também parte do bairro Glória, Palheiral e parte leste do João
Eduardo I; o que ele denomina Bahia compreende Bahia Velha,
parte sul do João Eduardo II, parte norte do bairro Bahia Nova e
parte oeste do bairro Pista. Todos esses bairros compunham o que
o governo, nas décadas de 1970 e 1980, convencionou chamar de
Bairro Salgado Filho, embora os moradores não o reconhecessem
com essa denominação. A imposição desse nome à localidade
demonstra que tanto em tempos passados como atualmente, a
Habitantes e Habitat 33

opinião dos moradores da localidade tem sido ignorada pelo poder


público, tanto no que se refere ao atendimento de suas
necessidades básicas quanto no que diz respeito ao simples direito
de nomear o local em que habitam. Tanto é verdade que
atualmente os governos têm pensado trocar o nome dos bairros
Bahia e proximidades para Baixada do Sol, e os moradores sequer
foram consultados a respeito. Esse nome não condiz com o local:
primeiro porque existem outros locais mais baixos que a Bahia;
segundo porque o sol se põe a oeste, longe da Bahia, se
considerada a área urbana de Rio Branco.
De acordo informações obtidas no ano de 2006 por Regi-
nâmio Bonifácio de Lima junto ao Setor de Cadastro Imobiliário
de Rio Branco, acerca do cadastro domiciliar efetuado no bairro
Aeroporto Velho, no ano de 1979, percebemos que o bairro contava
com 87% de sua área ocupada, com a maioria absoluta dessas
construções destinada a residências; suas ruas eram longas com
poucas esquinas. Percebemos, ainda, que apenas 13% da área
do bairro ainda não havia sido ocupada por construções
domiciliares. Além disso, quase todos os domicílios da área
pagavam os impostos IPTU e TSU, sendo, “por coincidência”, os
que não pagavam, domicílios de caráter público.
As condições do solo do Aeroporto Velho eram favoráveis à
construção, quase totalidade de sua área é composta por terras
planas, o solo apresenta condições normais, com apenas 16% de
áreas alagadiças ou inundáveis, na área que margeia o Rio Acre.
A maior parte dos terrenos era de propriedade particular, de uso
próprio, apresentando cercamento com ripas e casas com as
frentes voltadas para a rua.
Quanto às edificações, eram em sua quase totalidade, casas
e sobrados de madeira, com fachada alinhada, dispostos de forma
isolada, ou seja, sem ligação direta uns com os outros, sem
revestimentos, com piso de tábuas; apenas 1/4 das casas possuía
revestimento em madeira. Muitas dessa casas eram feitas com
sobras de madeira de construção, quase totalidade da cobertura
era feita de palha, cavaco e algumas em zinco, sendo raras as
cobertas de telhas de barro. Poucas eram as casas que possuíam
forro, e as que tinham, pouco mais de 10%, apresentavam forro
de madeira.
Em relação às condições de higiene e instalação sanitária,
percebemos a quase inexistência no ambiente interno das
residências. Observamos, ainda, que, de acordo com a Prefeitura,
o estado de conservação da maioria das residências era
34 De Campo de Pouso a Aeroporto Velho

considerado regular, sendo que apenas um terço apresentava bom


estado de conservação. Um terço das casas não possuía instalação
elétrica, e, dentre as que possuíam, a maioria absoluta tinha fiação
aparente.
Os serviços urbanos na localidade eram precários,
apresentando cerca de 1% das ruas atendidas com sarjetas, esgoto,
galeria para escoamento de água da chuva, limpeza urbana e
calçamento; e pouco mais de dois terços dispunha de rede de
água tratada. Esse último serviço se deu, principalmente, por
causa da urbanização empreendida de maneira parcial e inaca-
bada pelo então Governo do Estado, em fins da década de 1970.
Quase metade dos logradouros não possuía iluminação
pública, e o número de domicílios com telefones não passava de
10%, sendo que, em sua maioria, eram instalados em órgãos do
governo ou nas poucas empresas e indústrias existentes.
Quase metade dos domicílios não possuía água encanada
nem energia elétrica, e raros eram os que possuíam esgoto ou
telefone. Um quarto dos habitantes utilizava água de poço, já
que a água distribuída pela SANACRE raramente chegava às
casas, e quando chegava, a pressão era insuficiente para dar vazão
às necessidades.
A população que morava no local, além de contar de forma
muito tímida com a ajuda do poder público, sempre foi vista de
maneira preconceituosa pelos poderosos. Em plena Ditadura
Militar, o crescimento da cidade fazia com que a terra se tornasse
um bem muito caro. Com isso, os donos do poder cresceram os
olhos para também ocupar as terras próximas ao Antigo Aeroporto.
Parte das terras situadas nas imediações do Aeroporto pertencia
à União, estando sob o domínio da Aeronáutica, parte pertencia
ao Estado, parte pertencia a Prefeitura, e, parte era particular.
Com a transferência do Aeroporto para o 2.º Distrito da
Capital, o Governo Estadual passou a interferir na organização e
distribuição das terras no local, iniciando uma queda de braço
pela posse da terra. De um lado estava o governo, tentando
promover a “ordenação” do espaço urbano, incentivada de
maneira mais eficaz a partir do ano de 1979, e, de outro, famílias
que, chegando de outros bairros já superpovoados, da zona rural,
ou de outros municípios acreanos, buscavam melhores condições
para criar seus filhos. A necessidade de ter onde morar e abrigar
a família era maior que o sentimento de posse do que é alheio ou
ética de estar ocupando um setor que não era seu de direito.
As raras notícias divulgadas pela imprensa sobre o bairro
Habitantes e Habitat 35

ora davam conta das “invasões” nas áreas de terra do local, o que
era feito de forma preconceituosa, ora tratavam do descaso do
poder público com relação à falta de infra-estrutura. Serviços
básicos como iluminação pública, saneamento, transporte público
decente e policiamento eram insuficientes para atender às
demandas dos moradores, que tinham que conviver com falta de
água encanada, caminhar um longo percurso da “ladeira do Bola
Preta” até a entrada do bairro enfrentando o lamaçal, que na época
das chuvas chegava até os joelhos, sem a mínima iluminação e
segurança. Muitos trabalhavam no centro da cidade e tinham
que se enfrentar a longa caminhada até o local, tendo em vista as
constantes paralisações dos transportes coletivos que faziam o
percurso Aeroporto Velho-Centro.
A situação de abandono em que viviam os habitantes do
Aeroporto Velho no final da década de 1970 era motivo de
mobilização para se alcançar melhores condições de vida em seu
habitat. As reivindicações dos moradores chegavam a ganhar
espaço nas páginas dos jornais riobranquenses da época, mesmo
que de forma tímida. Ainda que não fosse prática dos jornais locais
noticiarem fatos que desaprovassem as administrações públicas,
pois a aliança com o poder político era o que mantinha e ainda
mantém a imprensa local, alguns jornais como Varadouro, o
Boletim Informativo Nós Irmãos, da Igreja Católica, e o próprio
jornal O Rio Branco informavam acerca da situação em que viviam
os moradores dos bairros em formação na década de 1970, como
vemos no seguinte trecho:

Aeroporto Velho nega-se a pagar conta de energia e também


reclamam da prefeitura que deixou o bairro em condições nunca
vista, com ruas totalmente esburacadas. E as ruas não têm
iluminação pública e outra reclamação é a falta de policiamento.
(O Rio Branco, Rio Branco-AC, 14 de fev. de 1979, n.º 0513).

Grande parte dos entrevistados relata que um dos


problemas para a adaptação no novo local era a falta de
experiência nos trabalhos ditos “urbanos”. A pesquisa realizada
com os moradores mais antigos do local revelou que, para
conseguir o sustento logo que chegaram ao bairro, um terço dos
entrevistados trabalharam por muito tempo como pedreiros,
carpinteiros, ferreiros, “orelhas secas” e outros trabalhos braçais;
também as mulheres trabalharam durante anos em “casas de
família”, sendo quase um terço o número das que eram
36 De Campo de Pouso a Aeroporto Velho

empregadas domésticas; pouco mais de um terço ainda “tentou a


vida” trabalhando em colônias, na agricultura e coleta de seringa,
quando deixavam as famílias nos “barracos” e iam “pra lida”.
Como conseqüência da “falta de experiência e estudo”, poucos
conseguiram trabalhos no setor público, a maioria ocupou-se em
trabalhos autônomos: eram, muitas vezes, biscateiros, domésticas,
agricultores, seringueiros, homens e mulheres que chegavam ao
local com expectativas de melhores condições de vida,
impulsionadas pelo desejo de fixar-se em um local que pudessem
chamar de seu, próprio, que lhes permitisse proporcionar para os
filhos o acesso ao estudo que não puderam ter.
Quase todos dos entrevistados chegaram ao Aeroporto Velho
acompanhados de suas famílias. Ficavam sabendo do local para
morar através de um conhecido ou de um parente. Embora não
conhecessem ou tivessem poucas informações sobre o local, iam
se instalando na esperança de verem-se livres da falta de moradia
ou do aluguel.
Ao serem perguntados se, havendo condições, teriam
continuado no local onde moravam, a maioria absoluta dos
entrevistados respondeu que não. Isso demonstra a integração
das populações que antes foram tornadas andantes ao seu novo
habitat. As condições de vida dessas pessoas mudaram,
comparando-se ao período de chegada no local, percebemos que
atualmente aumentou o número dos que se tornaram funcionários
públicos. No início da década de 1970 eram apenas 5%, na
atualidade o total chega a quase 30%. De mesma forma, quase
20% passaram a trabalhar em empresas privadas e cerca de 23%
conseguiram aposentadoria; embora, pela idade, o número de
aposentados devesse ser o dobro.
De acordo com Lima (2006), percebe-se o relacionamento,
ainda que parcial, de vários moradores com a localidade. Assim,
sendo, optamos por citar na íntegra o pensamento construído
acerca de um dos entrevistados. Ao falar sobre suas vivências, o
senhor Manuel, comenta que chegou ao bairro ainda na década
de 1940. Sua participação na constituição e organização do local
foi muito significativa, pois além de testemunhar todo o processo
de formação do bairro, atuou na articulação dos moradores na
luta por seus direitos, fez doações de terras para a construção de
escola, da primeira igreja católica do local, uma vez que possuía
quatorze hectares de terra, onde hoje é o sul do Aeroporto Velho.
Da sobriedade de sua cadeira de balanço, o senhor Manuel
fala saudoso de sua ida para o local, suas terras e a ocupação
delas, e, a relação de poder na Ditadura Militar:
Habitantes e Habitat 37

Cheguei aqui no dia 06 de janeiro de 1945, vim e fui trabalhar no


Instituto Agronômico do Norte – APRENDIZADO, eles ensinavam
tudo ali, tinha hora pra moer cana, pra fazer horta, também tinha
tudo. O instituto era pra plantio de seringa, nas mesmas terras
do instituto, nas terras da Bahia, tudo aqui ao lado [do Aeroporto
Velho] era do instituto, e ali naquele lado ali, perto daquele grupo
lá [Escola Tancredo Neves] ali pra lá tudo era do instituto, foi
plantado 55 mil pé de seringa, aí depois foi extinto, aí eu fui pra
Belém, transferido pra lá, aí passei lá três meses, aí pedi demissão
do serviço, já tava com cinco anos que eu trabalhava, aí voltei
pra cá, cheguei aqui, entrei na Polícia, na qual me aposentei, ela
era federal, naquele tempo tudo era federal, o Território. Eu me
aposentei da União, trabalhei mais de 30 anos. Ali pertinho da
Escola Tancredo Neves, prali tinha uma terra onde plantava
eucalipto, era experimental também, era uma colônia (Lima, 2006,
p.146).

De acordo com o Senhor Manuel, através de um acordo


que visava proporcionar a construção de um conjunto habitacional
em suas terras o Governo executou a desapropriação por um preço
muito baixo, iniciou o pagamento parcelado, mas nunca concluiu,
tanto que até o ano de 1985 ele ainda pagava o imposto referente
a suas terras junto ao INCRA. O conjunto habitacional nunca saiu
do projeto, seu Manuel não recebeu completamente o que lhe
era devido e as suas terras foram ocupadas por populações
tornadas migrantes que necessitavam de um lugar para se reas-
sentar. Segundo ele, pouco pôde fazer no período, os governantes
disseram que pagariam pela posse da localidade, mas suas terras
nunca foram indenizadas.

As pessoas começaram a chegar aqui nas minhas terras [parte


sul do Aeroporto Velho] por volta de 1977 mais ou menos. Agora
é cheio de gente. (...) Eu fiz negócio com o governo, (...) Ele foi
que distribuiu terras pra fazer política.
Bom, eu queria falar sobre o motivo dessa terra aqui, era uma
pastagem até uns 20 anos atrás. O regime militar colocou todo
mundo “no bolso”, se você tinha uma propriedade eles a invadiam
e faziam o que queriam, né? Então, eu vim pra cá na época e
ganhei essas terras do Departamento de Produção, e tenho um
documento do INCRA que regulariza essas terras, são 14,8
hectares cadastrados. Aí eu tive um aumento de terras e eu
cadastrei, já tinha mais terras, mas eles nunca me deram o
documento de cadastro, quem fez isso foi o Departamento de
38 De Campo de Pouso a Aeroporto Velho

Produção, aí depois que veio o INCRA, eu tive de pagar pela


terra. Aqui era minha colônia, onde criava meu gado e plantava.
Isso porque já tinham desativado o Instituto Aprendizado (Lima,
2006, p. 147).

Na luta para integrarem-se ao lugar, os habitantes do


Aeroporto Velho enfrentaram grandes dificuldades. Ao falar sobre
a chegada ao local, os moradores evocam lembranças, remi-
niscências, relembrando a solidão de estar em um lugar novo, as
adversidades pela obtenção de alimentação, moradia digna e
dinheiro para o sustento da família. Relembram a precariedade
da vida, mas não se arrependem de terem migrado. O local que
deixaram traz mais lembranças tristes que agradáveis. Eles
venceram o desenraizamento, vindos da zona rural, migraram
várias vezes, ora “expulsos”, ora almejando dias melhores,
demonstram que no momento de “escolher migrar ”, a esperança
e, ao mesmo tempo, o medo, foram conselheiros, na busca por
melhores condições de vida.
Habitantes e Habitat 39

Glória: Sinônimo de Conquista


da Terra
Lelcia Maria Monteiro de Almeida
Antônio Vladimir da Silva Barbosa

N este ensaio buscamos retratar alguns traços ocorridos na


história de ocupação e formação do bairro da Glória. Para
sua elaboração foram realizadas entrevistas com seus moradores
mais antigos. Acreditamos que seus depoimentos nos permitem
entender a dinâmica do processo de constituição do bairro, dos
deslocamentos vividos por seus moradores, as razões que os
impulsionaram para o local, principalmente sobre as táticas
exercidas na luta pela sobrevivência. Temos a intenção de refletir
40 Glória: Sinônimo de Conquista da Terra

e explorar, através das lembranças dos moradores, o universo de


significados produzidos sobre suas histórias e vivências no bairro.
Localizado entre os bairros da Pista, Bahia Nova, Boa União,
Ayrton Sena e Aeroporto Velho, o bairro da Glória é constituído
de uma área territorial de aproximadamente 215.975m²,
desmembrada do Aeroporto Velho e do bairro Bahia, tendo o pico
de sua ocupação entre os anos de 1971 a 1982, sendo o fluxo de
maior intensidade os anos de 1976 e 1979. Antes da ocupação da
área que o constitui, bem como dos demais bairros que formam o
Terceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio Branco, o espaço era
constituído de seringais, fazendas, colônias e por último, área
destinada ao Aeroporto Salgado Filho, que funcionou até meados
de 1974.
Segundo matéria do jornal O Rio Branco produzida em abril
de 1996, o bairro originou-se de uma “invasão”. Inicialmente não
teve nenhuma denominação, só surgindo como “bairro da Glória”
quando o então prefeito Adalberto Aragão resolveu desapropriar
a área em favor dos “invasores”, processo que havia começado
na gestão do governador Nabor Teles da Rocha Junior, em meados
de 1983. Os moradores acabaram por ver essa ação como uma
conquista, e traduziram todo o processo de luta pela terra, e a
conseqüente conquista da terra enquanto uma glória alcançada,
originando-se assim, o nome do bairro.
Na trajetória das lembranças dos moradores, o inicio de
toda essa história é difícil de dizer. Os homens e mulheres
entrevistados não sabem exatamente quando e como tudo
começou, mas são eles que lembram e nos contam que houve um
tempo em que as histórias de vida de uns se misturaram com as
de outros, e as pessoas foram levadas a lutar juntas como forma
de garantir sua sobrevivência.
Para conhecermos parte dessas histórias e compreendermos
um pouco o jeito de ser e de viver das pessoas que ali residem,
basta andarmos pos suas travessas, becos e ruas, e ouvir as
histórias de seus habitantes para entendermos que são histórias
traçadas pelos processos de lutas vividas por um povo na
“conquista de um lugar ”.
A área que compõe o bairro é pequena, mede apenas
215.975m², subdivididos em pequenos lotes suficientes apenas
para construir modestas moradias e desenvolver práticas
tradicionais de suas culturas representadas, por exemplo, no ato
de plantar árvores frutíferas e cultivar canteiros no fundo do
quintal.
Habitantes e Habitat 41

Maior que a área, é a força das pessoas que lutam pela


posse da terra e os significados que por eles lhes foram atribuídos.
Sua terra não é tão fértil se comparada com as antigas áreas onde
moravam, mas foi ali que encontraram a fertilidade de suas vidas.
Antes de sua chegada ao bairro eles andaram por muitos
lugares e passaram por várias terras. Talvez jamais tenham
pensado que a ausência destas chegasse um dia a fazer parte de
suas vidas. Mas, houve um momento em que a falta da terra
tornou-se real, e suas vozes tornaram-se vozes sem terra, em
decorrência do projeto de desenvolvimento brasileiro que traçou
uma política econômica para a região amazônica em substituição
ao extrativismo da borracha. O novo projeto de desenvolvimento
se tornou responsável pelo desencadeamento de profundas
mudanças na estrutura fundiária, provocando êxodos, contendas,
prelos judiciais, empates e luta pela posse da terra.
A população acreana durante todo o período corres-
pondente de 1850 a 1950 teve a economia extrativa como seu
principal produto e base de sua sustentação, mas com a crise
dessa economia, a nova política de colonização foi vinculada à
ocupação das terras da região por uma atividade que garantisse
o desenvolvimento e a expansão do capitalismo.
Silva (1998) diz que esse período pode ser considerado o
redescobrimento do Acre pelos brasileiros do resto do país. Ao
contrário da necessidade da defesa da floresta no período dos
seringais, esse redescobrimento tem a pecuária como a nova
exploração “econômica”, prática que muda a forma de utilização
da terra e que acaba por provocar situações criticas de tensão
social. O autor aponta o ano de 1971 como o marco dessa
nova fase, a qual tem seu ponto culminante nos anos de 1972 a
1975.
Nesse período a população do Acre, formada princi-
palmente por ex-seringueiros e agricultores teve que conviver
com acontecimentos que não lhes eram tão comuns. Foram
atingidos pela pressão desencadeada com aluta pela posse da
terra, que antes era relativamente fácil, a partir de então se
transformou em um processo complexo e conflituoso, já que se
tornou objeto especulativo, uma mercadoria em rápida valorização
que os grandes empresários e comerciantes passaram a negociar.
Assim, grandes extensões de terra foram submetidas à espe-
culação das imobiliárias, dos investimentos em pecuária extensiva
e outras formas de reserva de valor.
Inicia-se, assim, uma corrida pela terra no Acre que alterou
42 Glória: Sinônimo de Conquista da Terra

a sua estrutura fundiária e agravou a concentração, mudando


sua forma de posse e uso. Mudanças que provocaram grandes
conseqüências nas vidas dos trabalhadores acreanos.
A situação econômica provocada pela expansão capitalista
através da implantação da pecuária resultou em uma nova
utilização do espaço rural, uma vez que as terras dos antigos
seringais foram transformadas em áreas de pastagens. Política
que contou com apoio através de incentivos fiscais, tanto do
Governo Federal quanto do Governo Estadual. No Acre, o Gover-
nador Wanderley Dantas foi o grande defensor e incentivador do
desenvolvimento da pecuária. Esse modelo de desenvolvimento
acabou por provocar vários conflitos, envolvendo, de um lado, os
trabalhadores ex-seringueiros e agricultores que residiam nas
antigas colocações e, de outro, os pecuaristas.
O pecuarista para garantir a posse da terra desenvolveu
estratégias para a “limpeza”1 das áreas que acabaram por provocar
a expulsão de centenas de famílias de seus locais de moradia e a
obrigar outras tantas a venderem suas terras por um preço inferior
a seu valor. A perda da terra contribuiu para o surgimento de um
contingente populacional pobre e excluído que perdeu o direito
à moradia, alimentação, costumes e hábitos, e que tiveram que
encontrar mecanismos de sobrevivência no meio urbano.
Na busca da sobrevivência, ao chegar às cidades, os traba-
lhadores se dirigiram para as áreas desocupadas ou com pouca
ocupação, construíram suas moradias e acabaram por ampliar o
espaço urbano, dando continuidade à expansão das áreas de
“periferias”. A cidade de Rio Branco é a que mais sofreu inter-
ferência deste processo por ser a capital do Estado.
O bairro da Glória, assim como outros bairros periféricos
de Rio Branco, é constituído de trabalhadores que passaram pelas
mudanças provocadas pelo estabelecimento e desenvolvimento
da atividade pecuarista e que foram obrigados a percorrer vários
caminhos em busca de melhores condições. Pessoas com histórias
de vida provenientes de diferentes locais e lugares, que perse-
guiram o sonho de reconstrução de suas vidas. Habitantes com
costumes parecidos, que acabaram por possuir semelhanças nas
condições de existência que lhes foram impostas. Suas histórias
foram sendo construídas a partir de experiências diversas dentro

1
O termo “limpeza” aqui utilizado faz referência ao esvaziamento das
terras, retirando as pessoas das áreas que ocupavam para que fossem
implantadas as várias fazendas de gado.
Habitantes e Habitat 43

de um mesmo universo de oportunidades. Oportunidades nem


sempre boas, nem sempre desejadas.

Bairro da Glória 2007.


Foto: Reginâmio Lima.

O bairro acabou por se tornar o lugar de refúgio e descanso


para aqueles que há muito tempo se movimentavam em busca de
um lugar para morar com a família. A maioria de seus habitantes
é proveniente dos municípios de Tarauacá, Sena Madureira e
Feijó. Alguns saíram de suas terras (muitos deles obrigados) e
fizeram no bairro da Glória sua habitação, mas a maioria absoluta
de seus moradores residia em outros bairros de Rio Branco, antes
de ir para lá.
Segundo Lima (2006), alguns dos moradores residiam até
o ano de 1973, numa área no limite da Rua Rio Grande do Sul,
em frente ao lugar onde atualmente se situa a Secretaria de Estado
de Educação. Esses homens e mulheres foram expulsos do local
para a construção do conjunto Castelo Branco, um dos primeiros
conjuntos habitacionais da cidade, por isso, se dirigiram para a
área onde atualmente estão formados os bairros Palheiral e Glória.
No movimento em busca de moradias se dirigiram para o
44 Glória: Sinônimo de Conquista da Terra

local que consideraram disponível, formado por uma área ala-


gadiça, onde inicialmente o acesso a muitas casas durante o
período chuvoso se dava através de extensos trapiches: estruturas
de madeira muito comumente usadas na região amazônica.
Essa característica pode ser identificada no depoimento de
uma das primeiras moradoras, J.A., residente no bairro há 48 anos:
“O bairro era uma colônia (...) minha casa foi uma das primeiras,
era feita de paxiúba, os únicos meios de transporte eram carroças
de bois e cavalos”.
Para aqueles que percorreram seus caminhos, muitas vezes
a pé, cavalo e carro de bois, através de varadouros pelos muitos
seringais acreanos, e mesmo de batelões e canoas pelos nossos
vários rios, viver em um lugar com essas características, não
significava grandes problemas, desde que tivessem suas casas e
através delas as oportunidades de reconstrução de suas vidas,
uma vez, que teriam, a partir de então, um lugar onde poderiam
construir suas moradias e criar seus filhos.
Hoje, no depoimento de 80% dos entrevistados, lembrar
das histórias de saída de onde moravam e da ocupação do bairro
quando chegaram é rememorar o sofrimento, já que é assim, que
consideram terem sido suas vidas antes de mudar para o bairro.
A saída por melhores condições de vida está expressa, para mais
da metade dos moradores, no acesso à moradia. Moradias que
inicialmente foram construídas em madeira e que representavam
o jeito de viver na Amazônia, acabaram por demonstrar a forma
de viver das pessoas antes de chegar ao bairro.
Uma das características do bairro é que, antes de chegar
ao local, mais da metade dos seus moradores trabalhavam como
agricultores, autônomos, e uma pequena porcentagem de 10%
era constituída de funcionários públicos.
Por ser, em grande maioria, representados por trabalhadores
da terra, com suas chegadas no espaço urbano e a ida para o
bairro, tiveram que se incorporar em outras atividades para
sobreviver. Por não ter qualificação e nem um nível escolar que
lhes permitisse trabalhar em lugares que lhes proporcionasse um
bom salário, passaram então a desenvolver atividades na maioria
das vezes de baixa renda. Dos entrevistados, um universo de
41,16% teve como primeiro emprego após morar no bairro a função
de autônomos, trabalhadores braçais e serventes, seguidos de um
terço de funcionários públicos e 11,76% de domésticas.
Outra peculiaridade do bairro pode ser percebida através
da formação escolar de seus moradores. Quase 20% deles nunca
Habitantes e Habitat 45

estudaram, mais da metade está entre os que iniciaram a 5ª série,


sendo que nem todos concluíram. Menos de 10% concluíram a 8ª
série, pouco mais que isso concluiu o 2º grau e somente 4,54%
tem instrução de nível superior (faculdade).
Mesmo com essa realidade da formação escolar da
comunidade, somando-se a isso o fato de o bairro não possuir
escolas, atualmente mais de um terço das mulheres entrevistadas
são donas de casa e 17,64% são moradores aposentados. O número
de funcionários públicos se manteve em 29%, e 17% autônomos,
serventes e trabalhadores de empresas privadas. Este último
aspecto demonstra uma melhoria no nível de trabalho dos
moradores.
Da época da ocupação em inicio da década de 1970 para
hoje muitas transformações ocorreram, alguns benefícios foram
adquiridos, outras de suas necessidades ainda permaneceram.
De acordo com Boletim de Cadastro Imobiliário no primeiro
cadastramento realizado pela Prefeitura Municipal de Rio Branco
em 1979, o bairro era formado por 13 quadras e 355 domicílios.
Dessa época, os entrevistados lembram que o bairro apresentava
muitas dificuldades, sendo as principais representadas pela falta
de água, luz, calçamento e esgoto.
No ano 2000, segundo pesquisa censitária realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o bairro já
tinha uma população estimada em 3.048 habitantes distribuídos
em 1.135 domicílios. Estes, porém, a exemplo de tempos passados,
ainda hoje têm que lidar com a ausência de políticas pelo poder
público para sanar velhos problemas. Apesar do desejo da tota-
lidade dos moradores, quando para lá se mudaram, de encontrar
o lugar com adequadas condições de moradia, mais de 20 anos
depois de seu processo de ocupação, a falta de condições de infra-
estrutura ainda é um dos principais problemas do bairro.
Apesar da existência de rede de água tratada, ela não chega
a todas as residências, por essa razão, mais da metade dos
moradores consomem água de poço. Somente três ruas são
pavimentadas, a Estrada da Sobral, a Rua Rádio Farol e Rua XV,
com exceção dessas, é comum ver nas outras ruas o esgoto correr
a “céu aberto”. A novidade está em relação ao fornecimento de
água, a atual gestão municipal está trocando a estrutura da rede
hidráulica, visando à ampliação do fornecimento de água, além
de ter iniciado o trabalho de duplicação da Estrada da Sobral .
Outras mudanças também ocorreram, seguindo um
caminho natural imposto pela dinâmica da cidade. Com o tempo,
46 Glória: Sinônimo de Conquista da Terra

muitas casas de madeira com cobertura de palha foram sendo


substituídas por outras, construídas em alvenaria; as casas de
madeira, que no passado foram predominantes, apesar de muitas
ainda existirem, estão cada vez mais deixando de serem
construídas. O meio urbano não provocou mudanças somente na
forma de construção das moradias, outras características da
cultura dos moradores do bairro também foram alteradas. No
entanto, muitos de seus hábitos e costumes permaneceram.
Apesar das mudanças que ocorreram, diversas formas de
defesa de suas maneiras de viver foram postas em práticas. É o
caso das relações de parentescos e amizades que, apesar de terem
suas formas alteradas no processo de mudança, são ainda hoje
preservadas. Quase todos os moradores vieram com a família,
encontrando na presença de parentes e amigos a forma de
manutenção da organização familiar. Fato que se comprova pela
presença de 42.85% dos entrevistados que apresentam quatro ou
mais parentes morando ou no bairro ou em bairros ao entorno
deste.
Entre idas e vindas alguns elementos permanecem, e
reafirmam no dia-a-dia os valores dessa gente moradora do bairro.
Um elemento que traduz esses homens e mulheres é a fé: fé em
Deus, em tempos melhores, em realizar seus sonhos de “educar
os filhos”. Dentre os moradores do bairro, mais da metade são
católicos, pouco mais de um terço é constituído de evangélicos e
uma porcentagem de 4.54% é formada de adeptos de outras
denominações religiosas.
Se a religião é um traço forte dentro do bairro, o lazer
apresenta aspectos menos favoráveis. A diversão é traduzida para
27.27% dos entrevistados no ato de freqüentar festas. Para a mesma
porcentagem, está no simples ato de jogar bola, e, para 18.18%,
em ir a igrejas.
O ponto que não é favorável, no que diz respeito ao lazer,
se refere a uma porcentagem de 27.27% dos moradores que dizem
nada fazer voltado para a diversão. Aqui, abre-se um aspecto para
discussão, pois quem faz uso dessa fala são os entrevistados que
estão inseridos na faixa etária dos idosos. O que torna necessária
a superação da fronteira do preconceito e da exclusão, no sentido
de realização de políticas públicas que os insira e lhes permitam
usufruir os benefícios básicos que lhes são de direito. A comu-
nidade do bairro da Glória desde o inicio tem uma história cons-
truída na busca severa dos direitos de seus moradores. Direitos
que quase sempre foram negados pelo poder público.
Habitantes e Habitat 47

Além dos pontos que estão expressos neste ensaio, muitos


outros aspectos históricos compõem o bairro. Aspectos que devem
ser revelados para que conheçamos melhor os espaços e os lugares
de nossa cidade. Não se assustem com os bares na avenida
principal, nem com os pequenos botequins à frente ou ao lado de
muitas casas. Como diz um ditado popular: “as aparências
enganam”. Apesar de, às vezes, reinar um barulho quase que
absoluto a ponto de levar o observador que chega a tirar con-
clusões precitadas, e de expressar o lugar enquanto um ambiente
de violência, as pessoas ali atendem bem, sentam-se para res-
ponder às perguntas que lhes fazem. Lá é um lugar como todos
os outros onde há vivências e interações.
São esses senhores e senhoras que nos processos mi-
gratórios dos seringais para a cidade e desta para o bairro foram
obrigados a mergulhar em uma realidade diferente da que
estavam acostumados, tendo, com isso, muito das suas raízes
perdidas. São deles os olhos que transmitem, às vezes, certa
nostalgia do que ficou para trás, e, às vezes, um brilho de alegria
na eterna esperança de dias melhores. Apesar de tudo que
passaram são feitos de força, coragem e determinação. Hoje, na
soma dos caminhos percorridos possuem muitas histórias para
contar.
São pessoas que gostam de contar suas histórias e que
através de suas lembranças nos permitem uma longa viagem que
acaba por nos descrever sentimentos de saudades em relação ao
tempo de outrora. Saudades apenas, pois a maioria dos moradores
não voltaria a morar no local de onde vieram, e pouco mais de
dois terços apontam a vontade de continuar vivendo no bairro e
seguindo em frente na conquista dos sonhos.
É deles a história que contamos aqui, pois, é através das
lembranças que têm na memória e dos fatos que por eles foram
vividos que podemos saber sobre um pedaço da história da cidade
de Rio Branco. Pedaço que pode ser mais bem compreendido e
desvendado, para isso, basta que sigamos rumo ao bairro.
Então, para aqueles que quiserem aprofundar o conhe-
cimento e escrever mais um pedaço dessa história, basta bater
palmas, é bem provável que uma porta se abra e que vos convide
a entrar. E todas as vezes que isso acontecer, glória para nós,
pois, estaremos conhecendo mais um pouco dos processos de
posse e conquistas das terras acreanas.
48 Glória: Sinônimo de Conquista da Terra
Habitantes e Habitat 49

Bairro da Pista: Um Lugar


em Construção
Lelcia Maria Monteiro de Almeida
Cleunilde Silva dos Santos

T erras. Gentes. Homens, mulheres e crianças nos são


apresentados. Um contato imediato que, nas muitas falas e
olhares, nos contam dos seus anseios, sonhos e realizações e
acabam por nos permitir conhecer um pouco do processo de
ocupação e formação do bairro. Contato que se deu através de
conversas e das entrevistas, e que, somados a outros documentos,
contribuíram para a elaboração deste ensaio, no qual, esperamos
contemplar algumas das inúmeras histórias dos moradores e suas
50 Bairro da Pista: Um Lugar em Construção

relações para a construção desse espaço que se faz lugar, deno-


minado bairro da Pista.
As andanças que tanto fervilharam o suor e o sangue dessas
gentes fizeram-nas seguir por muitos lugares até se reassentarem
no setor chamado Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, área
em que o bairro está inserido. Oliveira (1982) denomina como
Terceiro Eixo a alternativa de crescimento urbano, que segue em
direção ao antigo Aeroporto através da Rua Rio grande do Sul,
retratando que essa área já em 1982 era constituída por mais de
15.000 pessoas, entretanto, nos anos seguintes este número
tenderia a crescer, permitindo o surgimento de novos bairros.
O Bairro da Pista, objeto deste ensaio, está localizado entre
os bairros Palheiral, João Eduardo II, Bahia Velha, Glória e
Aeroporto Velho, tendo uma extensão de aproximadamente
320.600 m². Seu nome tem origem por ser paralelo à antiga pista
do primeiro campo de pouso pertencente ao Aeroporto Francisco
Salgado Filho, que em 1939 fora inaugurado para pouso e
decolagem de aviões de pequeno porte.

Campo de pouso do Aeroporto Francisco Salgado Filho.


Fonte: Fundação Garibaldi Brasil

Quanto à trajetória da pista de pouso, os aviões percorriam


o local onde atualmente está situada a 6ª USP, indo até as
proximidades do Rio Acre, num traçado paralelo à Estrada da
Sobral. Os aviões pousavam e se dirigiam ao terminal de
embarque e desembarque que ficava próximo ao rio para descida
de seus passageiros, que na década de 1940 utilizava embarcações
de acesso até o antigo Aeroporto Salgado Filho.
Essa passagem presente nas lembranças dos antigos
Habitantes e Habitat 51

moradores do bairro descreve a instituição de cultura do


Município, Centro Cultural Lídia Hammes, como o referencial
do bairro, mesmo este sendo localizado no bairro Aeroporto Velho.

O Lídia Hammes era a Antiga Estação de passageiros, aí fizeram


o novo Aeroporto Presidente Médici, então esse aqui, ficou
conhecido como o velho Aeroporto, (...) aqui, se tinha duas
entradas uma ao fundo para o desembargue das lanchas ou na
década de 60, 70 pela entrada principal, sendo que já se utilizava
de carros, (...), a torre era utilizada para dar visibilidade aos novos
visitantes, isso aqui é uma história viva (Entrevista com S.P.,
realizada em 26/10/2006 por Cleunilde Santos).

É também através das lembranças dos moradores que


podemos saber mais sobre a estrutura e funcionamento do
Aeroporto Salgado Filho. O Aeroporto funcionou de 1939 até 1974,
quando então foi desativado em razão da inauguração do
Aeroporto Presidente Médici, o novo Aeroporto da cidade. Em
1939, quando de sua efetiva instalação, toda uma infra-estrutura
que envolvia uma torre de identificação e casas para depósitos
foi construída para garantir o seu pleno funcionamento.
Após sua desativação, há 32 anos, muitos dos elementos da
época foram perdidos, como é o caso da Torre de Identificação da
antiga Rádio Farol, que foi ao chão exatamente no mês de agosto
de 2006 por estar em uma área ocupada e tornada particular, dela
restando somente a lembrança na memória dos moradores mais
antigos. Mas, nem tudo fora perdido no decorrer do tempo, há
coisas que conseguem surpreender pela profunda resistência. É
o caso que envolve uma pequena casa em madeira e um prédio
antigo em alvenaria, que também faziam parte da estrutura
montada para o funcionamento do Aeroporto e que subsistiram à
ação do tempo representando hoje fragmentos históricos da época.
Com a instalação do novo Aeroporto, a área da antiga Pista
foi, aos poucos, se transformando em lugar de construção de
moradias, iniciando assim seu processo de ocupação e formação,
que se intensificou no início da década de 1980, quando cerca de
75% das famílias residentes fixaram moradia no bairro. É
interessante lembrar que na área onde se situa a Estrada da Sobral,
de um lado fica o bairro Aeroporto Velho e, do outro, entre as ruas
São Salvador e rua XV, fica o bairro da Pista, que se estende até
as proximidades da Escola Frei Thiago Maria Matiolli.
A maioria dos moradores do bairro nasceu em outros
municípios do Estado, principalmente Tarauacá e Sena Madu-
52 Bairro da Pista: Um Lugar em Construção

reira, e com a crise da economia da borracha vieram morar em


vários bairros de Rio Branco, se mudando para o local quando de
sua ocupação.
De acordo com o levantamento da pesquisa de 2005, no
trabalho sobre a formação dos bairros da localidade, realizado
por Lima1, com pessoas que moram no bairro há pelo menos 24
anos, sem se mudar do local, desde o período de formação, cerca
de 38,76% dos moradores chegaram ao bairro com idade entre 26
e 40 anos. A maioria dessas famílias tinha em média cinco
membros. Antes de ir para o bairro da Pista trabalhavam como
agricultores, seringueiros ou criadores de gado. Essas pessoas
vieram em busca de melhores condições de vida, sobretudo, em
relação à educação dos seus filhos. Nesse sentido a maioria
absoluta dos entrevistados quando perguntados acerca de como
era a vida antes de chegar ao bairro, classificaram como sendo
uma vida muito ruim, de muito trabalho e sacrifício.
Os novos moradores do “ambiente urbano” tiveram que
reelaborar um modo de viver e se adaptar às diversas profissões
existentes na cidade. Dados obtidos na pesquisa com os
entrevistados retratam que quase metade das mulheres que
vieram para o local passaram a trabalhar como empregadas
domésticas, e os homens trabalhavam como autônomos e bisca-
teiros. Essa realidade é justificada pela falta de formação escolar
dos moradores entrevistados, quase metade deles não concluiu o
primário, e cerca de um quinto não foram alfabetizados. Essa falta
de formação tem sua explicação na origem dos moradores, prin-
cipalmente os mais antigos que não tiveram oportunidade de
estudar, mas que a possibilitaram aos seus filhos, o que correspon-
de a uma minoria de 15,38% que já concluíram o nível médio.
Hoje cerca de um terço dos moradores entrevistados exer-
cem cargos públicos, principalmente como vigias, serventes e
serviços operacionais diversos, mais da metade dos entrevistados
trabalham de carpinteiro, pedreiro, ferreiro, “orelha seca” e
diarista.
Ainda em relação à formação dos moradores é importante
frisar, que mesmo o bairro da Pista assim como o bairro da Glória,
não possuindo escolas na comunidade, todos os bairros que fazem
limite com o bairro da Pista contam com escolas em suas áreas, e
é para eles que os alunos do bairro se dirigem.
Se os aspectos apontados acima auxiliam a caracterizar a
educação do bairro, é bom, então, conhecermos outros aspectos
4
Lima, Reginâmio Bonifácio. Sobre Terras e Gentes: O Terceiro Eixo
Ocupacional de Rio Branco (1971– 1982). João Pessoa: Idéia, 2006.
Habitantes e Habitat 53

que revelam a comunidade, como os casos do lazer e da reli-


gião.
A comunidade do bairro não dispõe de espaços destinados
ao lazer, os habitantes do local, principalmente os jovens e
adolescentes, utilizam as estruturas existentes nos outros bairros
para lazer, esporte e recreação, como o complexo poli esportivo
denominado SEJA e o Ginásio Coberto Álvaro Dantas, ambos
localizados no bairro Aeroporto Velho, e, a praça em frente ao
Mercado Municipal Luiz Galvez, no bairro Palheiral.
Quanto à diversão daqueles que estão na “terceira idade”,
nas muitas falas dos entrevistados, as palavras lazer e diversão
foram traduzidas no ato de se reunir em festas de aniversários,
visitas a velhos conhecidos e encontros realizados nas igrejas.
Esse último aspecto acaba por revelar a religiosidade da comuni-
dade. Dentre os entrevistados por Lima (2006), cerca de 46% são
católicos, outros 46% são evangélicos de varias denominações, e,
8% praticam outras religiões.
Outra característica abordada no levantamento da pesquisa
foi a infra-estrutura. O sonho de todos os entrevistados que foram
morar no bairro era de tê-lo encontrado com água, luz, esgoto e
calçamento. No entanto, mais de 30 anos após o inicio de sua
ocupação, a realidade é que a comunidade ainda conta com um
precário serviço de fornecimento de água, uma rede de esgoto
que não atende a todos e calçamento somente nas principais
travessas. Colaborando, por se tratar de um solo encharcado, para
que muitas famílias convivam principalmente no inverno, com
quintais e ruas alagadas.

Bairro da Pista 2006.


Foto: Cleunilde dos Santos.
54 Bairro da Pista: Um Lugar em Construção

Cabe ressaltar que atualmente a Estrada da Sobral, via de


acesso principal ao bairro, encontra-se em início de pavimentação
e duplicação, é bem verdade que muitas outras melhorias de infra-
estrutura ainda se fazem necessárias.
Apesar dos problemas, os moradores afirmam que gostam
de morar no local, o que não os faz deixar de identificar suas
deficiências e dificuldades diante das poucas melhorias que se
teve nos últimos anos. Requerer do poder público as melhorias
que o bairro necessita não significa para esses moradores abrir
mão de antigos hábitos e costumes. As relações mantidas no bairro
por seus moradores ainda são, em grande medida, pautadas em
valores do tempo em que moravam nas florestas ou no campo. As
relações mantidas entre vizinhos, apesar das diferenças de
trabalho ou de moradia, ainda permitem que a maioria se conheça.
Tanto os mais novos podem dar informações referentes aos
moradores mais antigos, quanto esses conseguem identificar os
novos vizinhos que chegam.
É essa dinâmica do viver, do se identificar enquanto sujeitos
do passado e transformadores do presente, que faz do bairro da
Pista um local de interação, onde novas famílias surgem, novas
casas se constroem e novas amizades acontecem, através das
lembranças dos moradores, da alegria de poder contar suas
histórias de vida. Os Franciscos, Josés, Raimundos, as tantas
Marias evidenciam as passagens transitórias entre o seringal e a
cidade; é mais que poder relembrar tantos acontecimentos, é se
situar como agente da transformação do próprio bairro no decorrer
dos tempos.
Essa história coincide com o surgimento de muitos outros
bairros da cidade inseridos no contexto dos anos de 1970, um
período marcado por uma nova diretriz governamental onde as
políticas de investimentos estavam voltadas para o “progresso
econômico”. “Progresso” esse que nunca chegou.
O bairro da Pista surge nesse período. Seu processo de
ocupação “urbana” inicia-se, segundo Lima (2006), justamente
na década de 1970, se intensificando na década de 1980, princi-
palmente entre as Ruas XV, São Salvador e Estrada da Sobral.
A comprovação da intensificação das ocupações pode ser
localizada através de matéria jornalística do jornal O Rio Branco
do ano de 1980:

Cerca de 200 pessoas estão demarcando uma área de terra


localizada entre os bairros da Bahia e Palheiral, próxima do
Habitantes e Habitat 55

Ginásio Coberto “Álvaro Dantas”... armados de enxadas, terçados


e outras ferramentas usadas para limpeza dos terrenos (...) a
maioria alega que deixou suas casas nos bairros da Bahia e
Palheiral em virtude de assaltos, crimes e presença de pessoas
dadas a valentias. “O Palheiral e Bahia – disse um dos invasores
– são bairros que não oferecem segurança para as famílias. Não
tem luz, água e nem ruas e se alguma coisa acontece ali, somos
obrigados a resolver nós mesmos, porque até o acesso da polícia
é difícil”. Outros estão demarcando terrenos “porque não têm
onde morar” (O Rio Branco, Rio Branco-AC, Ano 10, nº 856, 13
de mar. de1980, p. 1).

Se formos considerar a descrição presente na matéria do


jornal, podemos perceber a situação e a angústia em que se
encontravam as pessoas que para lá se dirigiram, bem como os
conflitos existentes nas áreas próximas, fruto da falta de infra-
estrutura adequada nos locais de onde os ocupantes eram
provenientes. Ainda é possível, pelo depoimento, identificarmos
a expressão “invasores” adjetivo preconceituoso direcionado aos
muitos trabalhadores e trabalhadoras que ocupavam as terras
devolutas.
Outro fator importante identificado na matéria em 1980, e
que foi comprovado em pesquisas realizadas em 2005 por Lima
(idem), e por nós em início de outubro de 2006, é que, das muitas
famílias que se dirigiram ao local, uma parte era composta por
pessoas que já dispunham de moradia nos bairros próximos,
vivendo em casas de parentes, e outra parte formada por pessoas
que vieram de outras localidades convidadas e/ou avisados por
parentes e amigos.
Quanto à tomada de decisão dos moradores de iniciar o
processo de ocupação da área, está, segundo depoimentos dos
muitos entrevistados, vinculada ao estupro e assassinato da jovem
Hosana, ocorrido em 1979. Tal fato juntou-se às péssimas
condições de vida de muitos homens e mulheres que não tinham
onde residir, viviam de aluguel ou em casa de parentes, e viram
na ocupação da área uma saída, ainda que parcial, para seus
problemas de moradia. Estes, através do argumento de que a área
era formada por um grande matagal e que não poderia ficar como
estava, pois contribuía para a prática de crimes, tomaram então a
decisão de ocupá-la.
Essa afirmação fica mais bem clarificada quando traçamos
diálogos com base nos depoimentos dos próprios moradores. Suas
56 Bairro da Pista: Um Lugar em Construção

falas, melhor que qualquer outra coisa, podem, como costumamos


dizer, dar luz, iluminar, clarear sobre como era o lugar quando de
suas chegadas.
Um dos entrevistados afirma que “no Início era uma grande
extensão de mata verde, com um açude que se iniciava no que
hoje chamamos bairro da Pista e terminava no Bahia, (...)” e outro
diz que “(...) há 23 anos atrás, tudo isso era uma colônia, só tinha
umas quatro casinhas, e a rua era um caminho” .
A área territorial onde o bairro da Pista encontra-se
localizado, no passado, correspondia parte dela à área de terra
cedida ao governo do Território Acreano para o estabelecimento
da pista de pouso do Aeroporto Salgado Filho, que funcionou até
o início do ano de 1974, quando então foi inaugurado o Aeroporto
Presidente Médici.

A Estrada do Sobral até a Rua 15 do bairro da Pista era um campo


de aviação isso na década de 60 (...). No Governo de Wanderley
Dantas ele se encarregou de dividir lotes para abrigar os novos
moradores já no ano de 1974. (Entrevista com J.S.N., realizada
em 26/10/2006 por Lelcia Monteiro).

Local onde se construiu a pista de aviação.


Fonte: Fundação Garibaldi Brasil

Bem antes de ser um espaço determinado para a aviação, o


lugar ficava envolto em uma mistura de fazendas e colônias.
Segundo Guerra (1955), faz parte dessa área a antiga Fazenda
Habitantes e Habitat 57

Sobral comprada em 1943 pelo governo territorial para o fomento


da pecuária na região. Nesse sentido, o relatório produzido pela
administração de Jorge Kalume através do Departamento de
Geografia e Estatística que aponta as realizações desenvolvidas
entre os anos de 1857 e 1969, destaca que a transformação da
Fazenda Sobral em Colônia Agrícola dá-se em 04 de julho de
1946.
Ainda segundo Guerra, em 1955, a área desta fazenda
compreendia uma parte dedicada à pecuária com 38 hectares de
campos, e outra de colônias, com 15 lotes. As colônias agrícolas
foram desenvolvidas pelo governo como forma de incentivo ao
desenvolvimento da agricultura, visando ao abastecimento do
mercado local. Assim, tinha-se a Fazenda Sobral, e a Colônia
Sobral. Fazia parte dessa área a Fazenda Farol, com uma extensão
de 15 hectares, sendo 07 de “capoeira” e 08 de pastos.
É bom lembrar que nesse período muitas outras fazendas e
colônias foram criadas no Território do Acre, como áreas de
investimentos experimentais. Ao longo do tempo, muitas dessas
áreas acabaram por terem um contínuo aumento do número de
famílias e foram crescendo ao ponto de serem transformadas em
atuais municípios do Estado. É o caso do município do Quinari,
que derivou da Colônia Agrícola Senador Guiomard, e outras
áreas da cidade de Rio Branco, que se tornaram bairros, como
São Francisco, Estação Experimental, Apolônio Sales, e a área
onde se insere o bairro da Pista.
As terras que fazem parte do que é chamado tanto por
Guerra (1955) quanto por Oliveira (1982), no passado, quanto
por Lima, no presente, de Terceiro Eixo Ocupacional da cidade
de Rio Branco, ainda estavam no início da década de 1960 sendo
ocupadas com o desenvolvimento de atividades fomentadas pelo
governo. Guerra (idem) relata que dentro da Fazenda Farol, nesse
período, existiam moradores que viviam à beira do rio e plantavam
nas “praias”. Apesar das mudanças na prática das atividades,
muito desse período tem sua origem pautada em outros tempos.
Tempos que só o exercício do lembrar permite conhecer.
As lembranças dos entrevistados nos levam para uma época
em que o rio era o grande condutor da vida e em que as águas
tinham como destino os seringais. Nesse processo do lembrar,
muitos seringais aparecem como parte que integram a área que
compreende o bairro da Pista. Seringal Nova Empresa, Seringal
Empresa, Seringal Sobral, Seringal Bagé e outros são apontados
como terras nas quais está inserido o bairro. Dentre esses, o mais
58 Bairro da Pista: Um Lugar em Construção

apontado é o Seringal Bagé; é provável que esteja vinculando ao


Estirão de Bagé, onde pousavam os primeiros hidroaviões.
Todos os seringais apontados acima foram importantes na
economia extrativa da borracha, e como são muitas as vozes,
muitas outras possibilidades de interpretações dessa história
podem ser feitas. Esses são alguns dos muitos olhares referentes
às histórias desse lugar e dessas gentes, fruto das experiências
por eles vividas.
Para perceber a constante mobilidade de muitos moradores
fizemos em entrevista a seguinte pergunta: quais os lugares onde
o senhor ou a senhora morou antes de chegar ao bairro? A maioria
das respostas dadas a essa pergunta acabam por parecer-se ao
depoimento seguinte:

Olhe, antes morei em muitos lugares. Primeiro nasci no município


de Tarauacá, depois maiorzinha, fui com meus pais para o rio
Muru cortar seringa, depois andamos por outros seringais, fui
para Cruzeiro do Sul, ai lá eu casei, depois vim morar em Rio
Branco, lá na Cidade Nova, depois fui para outro seringal em
Xapuri, só depois é que vim morar aqui no bairro Sobral na Rua
Vilhena. (Entrevista com M.M., 60 anos, realizada em 26/10/2006
por Lelcia Monteiro).

Parece que esses homens e mulheres estão sempre em busca


de algo que não está somente relacionado à questão de moradia,
mas, principalmente, a uma específica forma de viver que busca
manter vivos valores herdados dos muitos lugares por onde
passaram.
O bairro da Pista não é formado só das informações que
estão aqui, para entendê-lo melhor, é necessário que mais estudos
sejam realizados, assim, poderá ser analisada de maneira mais
profunda a luta travada por essas gentes na busca do acesso à
terra, enquanto lugar de construção de moradias, e compreender
o que para nós neste ensaio representou o inicio de um longo
caminho ainda a ser percorrido.
Habitantes e Habitat 59

Ambiência Física e Social dos Bairros


João Eduardo I e II
Leila Gonçalves da Costa
60 Ambiência Física e Social dos Bairros João Eduardo I e II

A partir da década de 1970, Rio Branco passou por um processo


“desordenado” de urbanização, marcado fundamentalmente
pela entrada da frente agropecuária no Estado, onde os
empresários do Centro-Sul do país compravam dos seringalistas
enormes quantidades de terras a preços baixíssimos, objetivando
derrubar a floresta e implantar pastagens para a criação de gado.
Para os nordestinos que, após a longa e sofrida viagem foram
inseridos no trabalho compulsório da produção de seringa, já
tinham adquirido o “direito de ocupação” dessas terras desde
1877, serem expulsos pelos novos proprietários dos seringais era
algo que destruía suas vidas. Segundo Duarte (1987), a expulsão
de seringueiros iniciou-se através da utilização de vários
mecanismos, como, por exemplo, indenizações irrisórias de suas
benfeitorias, outras vezes sem qualquer indenização, usando de
intimidações e mesmo de violências.
Grande parte da população expulsa dos seringais migrou
para Rio Branco, causando um verdadeiro “inchaço” na cidade.
Esse fluxo migratório foi tão intenso que se em 1970 mais de 70%
da população acreana se concentrava na zona rural, em 1980, só
a cidade de Rio Branco concentrava mais de 65% da população
urbana do Estado do Acre.
A cidade de Rio Branco não estava estruturada para
acomodar um contingente tão grande de pessoas em um espaço
de tempo tão curto, e paralelos aos conflitos pela posse da terra
na zona rural, também começaram a ocorrer, na zona urbana, as
ocupações em decorrência das mudanças ocorridas na base
econômica extrativista do Acre.
Esse processo de urbanização em diversas direções
ocasionou a formação e o desenvolvimento de bairros em antigas
colônias próximas à área urbana de Rio Branco, como: Estação
Experimental, Aviário, São Francisco e outros, contribuindo para
a formação de uma área geograficamente conhecida como
“periferia” da cidade.
A sobrevivência dos ex-seringueiros na zona urbana foi
marcada por lutas durante os processos de ocupação, sendo estas
caracterizadas por despejos, sofrimentos, miséria e pela
discriminação de seu modo de falar, de vestir, de viver e até de
seus hábitos religiosos.
Suas identidades eram marcadas, anteriormente, por
elementos voltados para o meio em que viviam, como as matas,
os animais, as águas, a roça, a casa, os vizinhos, as festas, o
entoado nativo do falar, do viver, do louvar a Deus, dentre outros.
Habitantes e Habitat 61

Mas, tiveram suas “raízes culturais” fragmentadas, passando a


desenvolver um novo aprendizado e uma nova maneira de ser e
de viver, de ver e de sentir, exigindo, portanto, novos saberes.
Nos novos espaços onde estão buscando sua sobrevivência,
esses moradores desenvolvem um jeito de viver próprio, e esses
novos saberes foram estabelecidos justamente nas relações
cotidianas caracterizadas pelo ato de vizinhar, conversar com os
conhecidos, contar “causos” e jogar bola no final da tarde.
Uma das características que marcou os conflitos das
ocupações urbanas de terrenos públicos ou privados foi a
violência, muitas vezes representada no rigor com que a polícia
agia para retirar os ocupantes, como foi o caso dos habitantes do
Triângulo Novo ou ainda de conflitos entre os próprios ocupantes
do bairro João Eduardo quando de sua formação.
Entre as grandes ocupações que aconteceram nos arredores
da cidade de Rio Branco, uma imensa área sem ocupação entre
os bairros Bahia, Aeroporto Velho e Palheiral, passou a ser habitada
por famílias desprovidas de moradia e sem possibilidades
econômicas para adquirir, frente ao seu estado de pobreza.
Os bairros João Eduardo I e II localizam-se entre os bairros:
Floresta Sul, Novo Horizonte, Conjunto Castelo Branco, Palheiral,
Pista e Bahia Velha. Seu nome é uma homenagem ao líder
comunitário João Eduardo do Nascimento, que foi assassinado
no dia 18 de fevereiro de 1981, num conflito durante o processo
de demarcação e distribuição de lotes de terras.

Fonte: Memorial dos Autonomistas.


62 Ambiência Física e Social dos Bairros João Eduardo I e II

A formação do bairro João Eduardo I se deu, aproxima-


damente, entre os anos de 1971 e 1982, sendo que já existiam
fazendas e colônias habitadas naquele local, contudo, pode-se
afirmar que o grande fluxo ocupacional deste bairro se deu entre
1974 e 1979.
Segundo a Prefeitura, a faixa de terra compreendida entre
as ruas “A” e Campo Grande corresponde ao bairro João Eduardo
I, que possui uma extensão aproximada de 426.270m² e originou-
se a partir de uma ocupação nas terras de Amélia Araripe, onde
houve conflitos e prélios judiciais pela posse da terra, conforme o
relato do ex-seringueiro e morador do local, J.A.M, de 74 anos:
“aí pegamos um processo de 4 anos da Dona Amélia Araripe, né.
Aí quando o Nabor Júnior entrou no governo, ele derrubou o
processo e indenizou a terra pra nós” (Entrevista com J.A.M.,
realizada em 31/12/2002 por Leila Gonçalves).
Nessa área, o morador do bairro Bahia, que era monitor1 da
Igreja Católica e também fazia parte dos Direitos Humanos da
Diocese, João Eduardo do Nascimento, foi escolhido pelo
governador Joaquim Falcão Macedo, através do secretário de
Comunicação Elias Mansour, como presidente da comissão
demarcadora de lotes.
Essa comissão tinha a finalidade de organizar a distribuição
dos terrenos. O traçado das ruas foi pensado de forma que a
largura de cada quadra fosse de 50 metros, dois terrenos de 25
metros, um de fundo para o outro, tudo devidamente planejado.
Dando a cada família o direito de ter apenas um lote medindo
10x25m.
A faixa que se inicia a partir da Rua Campo Grande, do
lado direito, corresponde ao bairro João Eduardo II, que sofreu
um grande fluxo ocupacional no período de 1979 a 1982. Com
uma extensão aproximada de 372.780m², o bairro originou-se de
uma ocupação nas terras do governo que se destinavam à
construção de um estádio de futebol. Segundo o senhor J.A.M:
“[o bairro] João Eduardo II era do governo, ele comprou
justamente pra fazer um estádio de jogar bola. Essa Campo Grande
já era a estrada que ia pro estádio, né, então aí a estrada parou e
o estádio não saiu, né” .
Até o ano de 1980, a área que ligava o bairro Bahia à Rua

1
Monitor da Igreja Católica é o mesmo que catequista, pessoa que
prega o Evangelho para os jovens, faz reuniões com os pais para batizar
os filhos.
Habitantes e Habitat 63

Rio Grande do Sul, no bairro Aeroporto Velho, era formada por


um grande matagal, cortado apenas por uma estrada, a atual Rua
São Salvador. E por se tratar de um local de difícil acesso, os
moradores tinham que atravessar toda aquela extensão antes de
pegar o ônibus para se deslocarem à escola e ao trabalho. Além
disso, ainda enfrentavam outro grande problema, eram cons-
tantemente importunados por pessoas de má índole que se
aproveitavam da situação para causar desordem.
Como haviam ocorrido alguns crimes no local, dentre eles,
o assassinato de uma moradora do bairro Bahia, chamada Hosana
Cordeiro, essas ocorrências causavam medo e revolta nos
moradores, que decidiram desmatar a área. Sendo justamente
nesse mutirão que surgiu a idéia de se construir casas para as
famílias “sem teto”.
A partir desse momento, houve no local uma enorme
procura de terras para habitar por pessoas de todas as partes,
vindas da zona rural e também pessoas que moravam de aluguel,
oriundas de outros bairros. Imediatamente limpavam o terreno e
construíam seus barracos. Em cinco meses, aproximadamente,
estava ocupada uma área de 2.000 lotes de terra.
Com o desenvolvimento do trabalho de demarcação dos
lotes e a tentativa de acabar com a “especulação urbana”, cada
família deveria adquirir apenas um terreno, o que seria suficiente
para atender a toda a família. Começou a haver alguns
desentendimentos entre a comissão e alguns moradores do Bahia
Nova. E mesmo sob ameaças, a comissão realizou essa atividade,
até que no dia 18 de fevereiro de 1981, João Eduardo foi
assassinado com um tiro de espingarda calibre 20, atingindo seu
peito.

Quando Ventinha viu os homens em frente a sua casa disse apenas


“saiam daqui”. Os homens não deram importância (...) e Ventinha
recolheu-se a sua casa e de lá disparou um tiro com uma
espingarda calibre 20, atingindo o peito do líder comunitário.
Aldo Lopes, um dos homens conta como ocorreu o assassinato:
“nós gritamos: ele está com uma espingarda” e quando João
Eduardo, que estava de costa, virou-se, foi atingido (Gazeta do
Acre, Rio Branco-AC, Ano III, nº. 766, 19 de fev. de 1981).

O lavrador Francisco Nogueira Leite, conhecido por


“Ventinha”, assassinou o líder comunitário João Eduardo. Este
fato causou muito tumulto no funeral do líder comunitário. Os
64 Ambiência Física e Social dos Bairros João Eduardo I e II

moradores dos bairros mais próximos organizaram uma passeata


como protesto contra o homicídio. Essa passeata realizou-se no
dia 18 de março de 1981 quando completava um mês da morte do
líder João Eduardo. A passeata iniciou na Assembléia Legislativa
e dirigiu-se até a entrada do bairro Bahia Nova, onde os
manifestantes pregaram uma placa dando o nome do João
Eduardo ao bairro que ele ajudara a fundar.

Fonte: Patrimônio Histórico Estadual.

João Eduardo juntamente com o Padre Pacífico, Francisca


Marinheiro, Nilson Mourão, Dom Moacyr, Padre Asfury, dentre
outros, foram pessoas que sempre atuaram em defesa do direito à
moradia e melhores condições de vida da população mais carente.
No contexto da Administração do Prefeito Flaviano Melo,
no início da década de 1980 fazia-se necessário organizar as
Associações de Bairros para que pudessem participar dos
programas que a Prefeitura desenvolvia. Então foi fundada a
Associação de Moradores do Bairro João Eduardo e registrada
no Registro Civil de Pessoas Jurídicas em 08 de julho de 1983 e a
Associação de Moradores do Bairro João Eduardo II foi fundada
em 22 de julho de 1984 e registrada em 17 de setembro de 1984
que também se registrou com o objetivo de participar do programa
de entrega de tíquetes de leite.
Habitantes e Habitat 65

A Associação de Moradores do bairro João Eduardo I


concebe o nome do bairro como algo justo e honroso por se tratar
de uma homenagem a um simples, mas importante cidadão no
processo de criação do bairro. Já a Associação de Moradores do
bairro João Eduardo II, apesar do respeito e admiração por João
Eduardo do Nascimento, já realizou várias assembléias com o
objetivo de mudar o nome do bairro, que foi passado para Senador
Adalberto Sena, em 28 de abril de 1985, alguns dias depois, tornou
a se chamar João Eduardo II.
É importante acrescentar que, atualmente, existe uma área
de terra limítrofe ao bairro Floresta Sul, que está sendo ocupada
por moradores oriundos do João Eduardo II e Bahia, a essa
localidade atualmente estão chamando de João Eduardo III,
embora não haja reconhecimento da prefeitura para tal ato.
A implantação das Associações de Moradores nos seus
respectivos bairros contribuiu para a organização dos moradores
na luta por uma melhor qualidade de vida. A partir da década de
1990, essas Associações não têm sido mais atuantes no
desenvolvimento de seu objetivo, que é representar a comunidade
junto aos órgãos públicos em busca, principalmente de infra-
estrutura urbana que atenda à população local.
Dentre as ações realizadas pelas Associações de Moradores
dos bairros João Eduardo I e II destacam-se: a construção de
uma Biblioteca Comunitária, localizada na rua São Luiz, com o
objetivo de atender a comunidade escolar dos bairros e
adjacências; a construção de pontes sobre os igarapés que cortam
os bairros; a implementação do Projeto Habitar Brasil que
beneficiou vários bairros daquela localidade, onde foram
desenvolvidas obras de pavimentação de ruas, construção de
galerias para a captação do esgoto, construção da Praça João
Eduardo; a construção de uma quadra poli esportiva na Escola
Marilda Gouveia Viana; e a pavimentação de algumas ruas dos
dois bairros.
Percebe-se então, que esses moradores primeiramente
sofreram com o despejo dos seus locais de origem, depois tiveram
que enfrentar a polícia durante as ocupações e instalações de
suas moradias, reivindicaram por energia elétrica, por água
canalizada e esgoto. A batalha diária continua até os dias atuais,
onde lutam por emprego, por saúde, educação, enfim, por uma
vida digna.
Nota-se que muitos dos moradores que iniciaram as
ocupações dos bairros João Eduardo I e II mudaram para outros
66 Ambiência Física e Social dos Bairros João Eduardo I e II

locais, aumentando, assim, o índice de migração urbana em


detrimento da migração rural, que sofreu uma diminuição do seu
fluxo. Menos de 10% dos moradores que “fundaram” o bairro
permanecem no local. E outros permanecem através dos
descendentes e herdeiros.
Num período de mais de vinte anos ocorreram muitas
mudanças no espaço físico, na infra-estrutura e na própria
população, onde muitos daqueles que participaram da “fundação”
dos bairros já morreram, uns poucos, apenas 3,5% dos
entrevistados, concluíram o ensino superior, no entanto, percebe-
se um movimento de saída do local por parte desses moradores
que ao casar acabam por ir morar em outros bairros.
A maioria dos moradores dos bairros hoje expressa uma
espécie de paixão pelo local, passando a se identificar nas relações
com as pessoas do bairro, com seus vizinhos e com o espaço. Eles
declararam que mesmo tendo a chance ou oportunidade de mudar
de bairro preferiram continuar morando lá, porque já se
acostumaram com o ambiente. E isso reflete o apego dos
moradores com o local de moradia.
Esses homens e mulheres que vieram para os bairros
passaram a gostar do lugar devido às relações estabelecidas com
os outros e com o local, e, em alguns casos, há satisfação de seus
anseios, pois na medida em que os mesmos deixaram sua terra
natal com certo pesar, ao chegarem aos bairros João Eduardo I e
II, eles formaram novos laços de afetividade, transformam o local
e a si próprios numa construção contínua de sua memória cultural,
sempre em busca de melhores condições de vida.
Quanto aos moradores que durante a formação dos bairros
moravam em locais com becos ou logradouros, dois quintos dos
entrevistados moram em ruas pavimentadas, por tijolos ou asfalto,
uma vez que o asfalto ocorre principalmente nas ruas principais,
enquanto nas ruas locais dos bairros há somente o piçarramento.
Quanto ao nível de escolaridade dos moradores entrevistados que
permaneceram no local, observa-se o seguinte resultado em 2005:
um terço deles têm o ensino fundamental incompleto e menos de
um quinto estão cursando ou já concluíram o ensino médio.
A pesquisa realizada nos bairros João Eduardo I e II no
ano de 2005, com moradores que vivem no bairro desde o período
de “formação”, mostra que um terço dos entrevistados possui idade
acima de 60 anos, sendo oriundos principalmente da zona rural
de Rio Branco, e dos municípios de Sena Madureira e Boca do
Habitantes e Habitat 67

Acre (pertencente ao Estado do Amazonas). A maioria desses


entrevistados é casada, embora um quinto já seja viúvo.
Mais da metade desses moradores veio para Rio Branco
antes de 1971, sendo que, a maioria absoluta veio entre 1980 e
1983, trazendo também seus parentes, ou eles vieram em seguida.
Os entrevistados tiveram conhecimento do local que estava
sendo ocupado através de um conhecido e/ou parente. Eram
funcionários públicos, domésticas, agricultores, seringueiros,
autônomos, biscateiros, eram homens e mulheres que saíram de
suas localidades em busca de melhores condições de vida, um
lugar seu, casa própria, almejantes de estudos para os filhos.
Esses personagens estavam inseridos no processo de
reprodução do espaço urbano com um excesso de mão-de-obra
“desprovida de qualificação profissional” para o mercado de
trabalho onde lhe restava a miséria e a desagregação social.
Em geral nem o espaço físico nem os moradores e nem
mesmo o meio ambiente permaneceram como estavam, mas sim,
passaram por muitas transformações necessárias à sua sobre-
vivência. As transformações dos moradores se deram no sentido
de terem em comum situações de mudanças em suas trajetórias
de vida, pois passam por rupturas, adaptações e resistência aos
novos espaços e meio a que sua realidade lhes permitia.
68 Ambiência Física e Social dos Bairros João Eduardo I e II
Habitantes e Habitat 69

Memórias Sociais na Velha Bahia


Sâmya Teixeira de Alencar

C ompreender de que maneira se dá o desenvolvimento de uma


sociedade é uma das tarefas mais complexas do ser humano.
Contudo, esta pode se tornar apaixonante se estiver próxima de
nossa realidade. Entender a formação de bairros como Bahia
Velha, nos leva a entender a história de vida de muitos acreanos,
que, na busca de dar uma vida melhor a suas famílias, se
deslocaram do lugar de sua antiga morada para se “aventurarem”
nas regiões “periféricas” de Rio Branco, uma cidade em formação
na época e que não lhes oferecia as condições de suprimento
das necessidades sociais básicas.
70 Memórias Sociais na Velha Bahia

Era visível a forma precária com a qual os primeiros


habitantes do bairro Bahia Velha dispunham suas pequenas casas,
isoladas da sociedade e construídas muito mais com sonhos do
que com materiais reais. Com o passar do tempo, foi vista uma
evolução na vida cotidiana desses moradores, a chegada de água
encanada, luz, pavimentação das ruas, coisas inexistentes aos
moradores no momento em que vieram para o bairro, trouxe a
eles uma nova esperança de continuar no lugar e enfrentar as
inúmeras dificuldades que se apresentaram. Todos estes fatores
podem ser compreendidos através dos relatos dos moradores mais
antigos que ainda vivem no lugar com seus descendentes e que
de lá não saíram por amor a sua nova morada.
O bairro Bahia Velha mede 251.595m², segundo dados da
Prefeitura de Rio Branco, sua infra-estrutura vem se adequando
com o passar do tempo às necessidades básicas dos moradores.
Ele vem crescendo aos poucos, levando ao cotidiano de seus
moradores, pequenas evoluções.
Hoje em dia, podemos contar com pequenas confecções,
farmácia e mercearias, que suprem as necessidades mais simples
do cotidiano dos indivíduos. A coleta do lixo urbano é feita três
vezes por semana, o que auxilia na higiene da região, evitando
doenças e infestações de animais; no que se refere à limpeza dos
quintais e higiene das casas, os moradores podem contar ainda
com a visita periódica dos agentes de saúde que compõe a
Unidade do Módulo de Saúde da Família presente no bairro.
Embora existam ruas atijoladas e com piçarramento, as
principais ruas são asfaltadas, nelas encontram-se os pontos de
ônibus que fazem o transporte dos cidadãos da localidade e bairros
adjacentes. Podemos encontrar também orelhões em quase todas
as ruas, o que facilita em muito a vida dos moradores mais
humildes que ainda não contam com o serviço de telefonia fixa
em suas residências, pois com os orelhões se torna mais fácil
localizar o serviço de atendimento emergencial – SAMU – e até
mesmo o serviço policial nas ocasiões necessárias.
De acordo com alguns moradores, o bairro Bahia Velha
situado no Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, destinava-
se à extração de seringa e criação bovina, sendo chamado de
Seringal Progresso. Enquanto tratava-se de uma área particular,
a localidade não acomodava “inquilinos”, a não ser os traba-
lhadores necessários para os afazeres dos quais dependia o funcio-
namento do seringal.
Habitantes e Habitat 71

Bahia Velha 2007.


Foto: Reginâmio Lima

Os primeiros ocupantes do local que se tornaria o bairro


Bahia Velha chegaram por volta de 1957, sendo um número bem
reduzido de pessoas. Cerca de oito famílias, começaram a
modificar o ambiente ocupacional e geográfico da região, uma
vez que vinham dos mais diversos locais e pelos motivos mais
variados.

Bahia Velha 2007.


Foto: Reginâmio Lima
72 Memórias Sociais na Velha Bahia

As primeiras famílias que passaram a viver no local eram,


em sua maioria, vindas de outros municípios acreanos, tais como:
Sena Madureira, Xapuri e Tarauacá, além de algumas fazendas
mais próximas de Rio Branco. Estas pessoas que aqui chegaram
iniciando o processo de povoamento local, o fizeram em grande
parte, pela falta de oportunidades de voltar para suas cidades.
Ao virem para Rio Branco, vendiam o pouco que tinham
para vir e tentar uma nova vida, por isso, a falta de um trabalho
que lhes permitisse uma fonte de renda estável para que
pudessem voltar para o município de origem foi um dos fatores
que contribuíram para que os moradores fossem ficando no local.
Diante da impossibilidade de retornar, levando algum dinheiro
que auxiliasse na manutenção da sua família ou na compra de
algum imóvel, por mais simples que fosse, além da falta de
emprego e de moradia, é que decidiram se “aventurar” em uma
nova situação que lhes rendia mais esperança.
Alguns desses moradores decidiram mudar de sua antiga
moradia por vontade própria. A insatisfação com o local ou o desejo
de morar em outro lugar que fosse seu os levou a procurar um
novo ambiente para viver. Contudo, muitos dos que chegaram ao
bairro traziam consigo histórias tristes, de circunstâncias que os
forçavam à mudança, algumas dessas histórias estão ligadas à
expulsão dos antigos seringais onde moravam ou à invasão de
grileiros nas terras que habitavam.
Entretanto a expansão da população formadora do então
bairro Bahia velha iniciaria sua jornada de maneira mais ativa
entre os anos de 1971 e 1983. Muitos mudaram-se para o bairro
pelos mais diversos motivos, que iam desde acompanhar suas
famílias para dar a chance de estudo aos filhos, até a busca por
melhores condições de vida.
De acordo com dados colhidos por Reginâmio Bonifácio de
Lima, junto ao Setor de Cadastro Imobiliário da Capital, acerca
do levantamento imobiliário ocorrido em fins de 1979, podemos
constatar que a infra-estrutura local não disponibilizava aos
moradores água, energia elétrica, esgoto ou qualquer outro
benefício que lhes remetesse à tão sonhada idéia de melhoria de
vida, eles se encontraram em uma situação ainda mais precária
do que a de sua moradia anterior. Relatos de moradores antigos
demonstram claramente a precariedade do local na chegada dos
primeiros ocupantes: “tínhamos que andar até a beira do rio para
lavar roupas e pegar água para beber, limpar a casa, tomar banho”
comentou uma das antigas moradoras do local.
Habitantes e Habitat 73

A maioria dos terrenos da região apresentava boas


condições para construção das casas, ficando à margem de ruas
longas com poucas interseções. Eram poucos os terrenos
alagadiços, sendo que pouquíssimos estavam em área inundável,
assim, com a maior parte da terra considerada livre de inundações
e favorável para construção das moradias, atraindo com maior
facilidade os então habitantes.
Os terrenos ocupados eram destinados, em sua maioria, à
construção residencial, necessidade predominante entre os
ocupantes, sendo uma pequena porção destinada ao comércio
local e agropecuária. Esta última constituía um fator interessante,
pois, uma vez que os moradores construíam suas casas deixavam
ainda seus terrenos abertos pela falta de condição de cercá-los,
tendo constantemente a presença de pequenos rebanhos de gado
que eram soltos na região para pastar. Assim, era comum que
pela manhã os moradores se deparassem com seus terrenos
invadidos pelo gado, o que por vezes os impedia de descer ao
quintal, e, principalmente, atrapalhava as mulheres nos seus
afazeres diários, como lavar roupas, quando as estendiam, estas
eram sujas ou arrancadas do varal pelos animais.
A ocupação local foi ocorrendo aos poucos, sendo toda a
área construída, praticamente não havia ruínas ou construção de
outros imóveis. A área que formava o bairro Bahia Velha, foi
praticamente toda destinada à construção das habitações.
As ruas até então, não passavam de pequenos ramais
esburacados, não davam aos moradores condições de trafe-
gabilidade. Isso se tornava incômodo, principalmente nas épocas
chuvosas, quando para sair para o trabalho ou para a escola os
moradores tinham que colocar sacolas plásticas nos pés ou irem
descalços até um ponto em que conseguissem andar sem
problemas.
Os moradores também não encontraram em sua chegada
serviços de esgoto ou água encanada, o que os forçava a caminhar
até as margens do rio para lavar roupas e buscar a água que seria
armazenada, na maioria das vezes, em camburões e potes para o
consumo diário e higienização das casas.
Ao mudarem-se encontraram também dificuldades como a
falta de emprego, o que deixava a situação ainda mais delicada.
Grande parte das pessoas trabalhavam como seringueiros e
agricultores, pedreiros, carpinteiros, “orelhas secas”, autônomos,
empregadas domésticas, dentre outros.
Em decorrência disso, saíram de onde moravam para
74 Memórias Sociais na Velha Bahia

melhorar suas condições de vida ou acompanhar a família, este


último fator sendo de maior predominância no caso das mulheres,
que ao se casarem, tinham como obrigação acompanhar seus
maridos aonde quer que os mesmos fossem, isso incluía morar
em um bairro sem qualquer infra-estrutura de suporte necessário
à população.
Vinham, em sua maioria, trazendo filhos, pais, irmãos e
outros parentes. Pouco mais da metade da população trazia
consigo uma média de três filhos, alguns já traziam seus irmãos,
e, aos poucos, toda a família chegava para morar em “casas
minúsculas”, que mediam cerca de cinco metros de largura por
quatro de comprimento. Essas pequenas moradias, então,
passavam a acomodar famílias com uma média de seis pessoas,
sendo comum encontrar famílias com até quinze pessoas, em sua
maioria crianças.
Historicamente, os indivíduos que passaram a morar nos
“fundos” do então Seringal Progresso, chegaram ao local por
indicação de conhecidos ou por terem um pedaço de terra cedido
ou doado em troca de votos pratica muito utilizada na época.
A população que viria compor o bairro Bahia Velha era, em
sua maioria, formada por seringueiros que tiveram suas famílias
expulsas dos seringais próximos, sem recursos financeiros ou
parentes que pudessem ampará-los, procuravam os lugares
afastados do centro da cidade para “levantar” suas moradias. Sem
saber quem eram os donos das terras que passaram a ocupar,
construíram seus pequenos casebres, choupanas e tapiris, que
por mais precários que fossem, diminuíam suas preocupações,
uma vez que, tendo sido expulsos dos seringais, não tinham
perspectivas de emprego e, conseqüentemente, não poderiam
pagar aluguel na cidade.
A saída forçada dos seringais fez com que os indivíduos
das regiões próximas encontrassem como possível solução, a
ocupação periférica de Rio Branco. Sendo assim, procuravam os
lugares afastados como os bairros ainda em formação que lhes
ofereciam certa facilidade na aquisição de moradia por poderem
“levantar ”, ainda que bem pequena, uma casa que lhes perten-
cesse e pela qual não lhes fosse cobrado aluguel, já que desem-
pregados e sem perspectiva naquele momento, não teriam como
pagar aluguel de imóveis em outras áreas da cidade.
Alguns moradores, porém, relatam que as dificuldades
encontradas ao chegarem os levaram a pensar que o lugar onde
Habitantes e Habitat 75

moravam antes era bem melhor do que o bairro. Um desses fatores


foi a mudança de emprego.
A escolaridade dos indivíduos era precária, poucos tinham
o primário e ainda assim não conseguiram sequer concluir a
quarta série. Em grande parte, os moradores mal sabiam assinar
seus nomes, sendo a maioria formada por não alfabetizados, tal
fator, os impossibilitava de conseguirem empregos melhores. Com
essa dificuldade restava, então, aos homens a prática do serviço
braçal – capinagem, auxiliar de carpintaria, entre outros – e às
mulheres trabalhos como lavagens de roupas e serviços como
domésticas. Até mesmo as crianças ajudavam nesse momento,
saindo para vender os doces que algumas mulheres fabricavam
em suas casas – cocadas, pé-de-moleque – saíam com bacias na
cabeça e gritando pelas ruas até venderem toda a produção feita
pelas mães ou vizinhas, um comércio informal que ajudava na
renda daquelas famílias, que pouco tinham para sobreviver.
A falta de estrutura local os remetia a diversas dificuldades,
dentre elas, a falta de lazer, já que não possuíam nenhuma praça,
quadra ou associação que lhes desse alguma forma de diversão.
Com isso, os moradores passaram a realizar festas em seus
quintais que duravam toda a noite e alegravam os moradores com
música, dança e comidas típicas feitas pelas mulheres.
Na ocupação das terras não tiveram apoio de nenhuma das
entidades governamentais responsáveis, e, como não havia
liderança nos bairros, reivindicar melhorias ou algum apoio se
tornava ainda mais difícil.
De acordo com os moradores, pouca coisa foi feita para
melhoria do local no ato de sua chegada, foram abertas algumas
vielas e colocados alguns postes de iluminação na rua principal –
São Salvador. Segundo relatos de um dos moradores que
chegaram ao bairro há cerca de vinte e quatro anos, para que
fosse instalada a rede elétrica de sua residência, por volta de 1982,
muitos tiveram que comprar o poste para que, posteriormente, o
órgão responsável pela condução de energia, fizesse a instalação
por eles solicitada. Contudo, esta era apenas uma das dificul-
dades pelas quais passavam os moradores.
Muitos dos moradores relatam que não saíram do bairro
por terem aprendido a gostar do lugar e por verem em seus
vizinhos, amigos que lhes acompanharam desde que passaram a
morar no bairro, outros, porém, relatam que o medo de não
conseguir um lugar melhor ou não adaptares-se a outro local, foi
o que os impediu de sair do bairro.
76 Memórias Sociais na Velha Bahia

Orgulhar-se do lugar onde se mora, independente das


mazelas da vida, é o que tem ocorrido diariamente com as dezenas
de moradores do bairro Bahia Velha e adjacências. Podemos
perceber que, apesar das dificuldades enfrentadas, os moradores
não se deixaram abater e continuaram a lutar pela melhoria de
suas condições de vida. Também podemos notar as reais melhorias
do bairro, que ocorreram para se adequar às necessidades mais
básicas dos moradores, que aos poucos foram contribuindo para
esse processo.
A formação do bairro Bahia Velha, veio concentrar em uma
das regiões mais carentes de Rio Branco, pessoas das mais
diferentes localidades, que vão desde municípios próximos, como
os antigos seringais existentes nas proximidades, até municípios
vizinhos. Assim, conhecer toda a história que envolve o bairro
significa conhecer um pouco da história da formação de Rio
Branco e perceber os sujeitos dessa construção com todas as suas
dificuldades e força de vontade em ver reconhecida, de uma
forma mais digna, sua existência na sociedade.
Habitantes e Habitat 77

Bahia Nova: da Formação ao


Século XXI
Regineison Bonifácio de Lima

O bairro Bahia Nova é um bom local para se viver, mas nem


sempre foi assim. Com este ensaio temos o objetivo de am-
pliar o conhecimento por parte da sociedade sobre a realidade de
formação de um dos bairros periféricos da cidade de Rio Branco,
educando e conscientizando a sociedade, mostrando que é
importante a criação de laços mais estreitos entre o bairro e as
pessoas que residem nele em meio às sociedades riobranquense,
acreana e brasileira.
78 Bahia Nova: Da Formação ao Século XXI

Ao falar sobre a época presente do bairro Bahia Nova,


comparando o momento atual com o do período de formação,
relembrando o passado de mais de duas décadas, percebemos
que mais se parecem dois bairros completamente distintos. Não
que nos dias atuais, início do século XXI, este bairro viva em
condições bastante confortáveis, mas, é pela forma de crescimento
sócio-econômico que conseguiu alcançar em torno de si,
principalmente, de sua estrutura física, política e geográfica, bem
distinta da inicial, que se dá a percepção dessa transformação.
O bairro Bahia Nova está localizado na parte sudoeste da
cidade de Rio Branco, Estado do Acre. Segundo dados oficiais da
Prefeitura Municipal de Rio Branco, o bairro apresenta atualmente
uma superfície de 423.405m², fazendo limite ao norte com o bairro
Bahia Velha, ao sul com o bairro Boa União, a leste com o bairro
da Glória, e a oeste com um cerrado de matas que pertence ao
bairro Floresta Sul.
Os primeiros moradores deste bairro já estavam na
localidade por volta do ano de 1979, sendo que por volta do ano
de 1982, os becos existentes no local foram transformados em
ruas. De mesma forma, novas ruas foram abertas por funcionários
e maquinários da Prefeitura de Rio Branco, todavia, estas ruas
foram construídas de forma muito precária, eram muito estreitas,
sem uma definição precisa de loteamento, o que trouxe uma
“desordem” à estrutura arquitetônica do bairro uma vez que elas
não foram projetadas em forma de quadras.
Atualmente, o bairro conta com uma composição física um
pouco mais “desenvolvida” que antes. Há telefonia pública e
privada, energia elétrica, rede de abastecimento de água, coleta
de lixo, rede de esgoto em pelo menos três ruas, pavimentação
asfáltica, e piçarramento nas ruas em que não circulam os ônibus
que fazem a linha Bahia/Palheiral. Há, também, duas escolas de
ensino fundamental, uma municipal e uma estadual; um módulo
de saúde da família, em outras palavras, uma infra-estrutura um
pouco mais “digna” para que a comunidade deste habitat possa
viver de forma mais adequada. A população se beneficia muito
da energia elétrica, pois, mesmo com as corriqueiras “quedas de
força elétrica”, de acordo com os moradores, ela tem sido
satisfatória. Os moradores e pequenos comerciantes do bairro são
cadastrados como clientes da ELETROACRE, isto implica a
legalidade do bairro com relação à empresa de energia elétrica,
embora haja residências com ligações irregulares. Com a presença
da energia elétrica, o cotidiano destes moradores ao longo dos
Habitantes e Habitat 79

anos foi mudando, logicamente, dentro das condições financeiras


da população residente. Foram comprados por grande parte dos
moradores, diversos aparelhos eletro-eletrônicos, tais como:
televisão, geladeira, ventilador, rádio, aparelho de som, dentre
outros.
A questão de telefonia móvel foi um avanço. Pessoas estão
andando com celulares, a maioria deles só recebendo ligações.
Estes aparelhos celulares têm sido uma constante, em meio ao
povo, levando ao bom senso o valor que custam.
Através da telefonia fixa e do computador, algumas das
poucas residências puderam ter acesso à inclusão digital e à
internet. Este avanço fica caracterizado para os dias atuais,
levando-se em conta as condições financeiras dos residentes no
bairro como algo fantástico, principalmente, quando comparado
com início da formação deste.
Qual seria o porquê desta comparação tecnológica de hoje,
com o passado de mais de vinte anos? Uma resposta bem clara
seria mostrar, pelo menos, duas situações: a primeira é que não
havia nenhum computador neste bairro e nem havia também
condições financeiras para a aquisição dos mesmos, uma vez que
poucos eram os órgãos do governo que o tinham, os preços eram
muito altos, e era muito mais válido comprar um fogão que um
periférico, já a segunda colocação era a escolaridade e o nível de
conhecimento sobre tecnologia que os primeiros habitantes
tinham, que era muito restrito. Portanto, a internet e o computador,
além de não estarem no cotidiano destes primeiros moradores,
também não teriam, naquele momento, a necessidade e a mesma
utilidade que têm nos dias atuais.
A rede de abastecimento de água potável distribuída pelo
SAERB tem sido uma conquista muito boa para os moradores,
uma vez que estes deixaram de lado os poços que possuíam e
resolveram aderir ao sistema de água encanada. Atualmente, têm
sido construídos no bairro alguns poços semi-artesianos, mas,
como forma de economia para não mais utilizar o sistema de
saneamento de água do município que atinge quase todas as ruas
do bairro. A distribuição de água encanada e tratada se dá diaria-
mente em alguns locais, e, em outros, é feita em dias alternados.
A rede de esgoto atual é originária de algumas valas, uma
espécie de fossa aberta que recolhia as águas provenientes de
terrenos úmidos, e de encanamentos hidráulicos por meio dos
quais se lançavam os dejetos das casas. Atualmente, esta pequena
rede tem sido fundamental para o bairro, existindo como um
80 Bahia Nova: Da Formação ao Século XXI

sistema subterrâneo de canalizações que se destinam a receber


as águas pluviais e os dejetos de um aglomerado populacional,
que os leva para o “Igarapé do Bueiro”, e este para o Rio Acre. É
válido ressaltar que cerca de dois terços do bairro ainda não conta
com sistema de esgotos.
A pavimentação asfáltica foi muito importante para o de-
senvolvimento do bairro, uma vez que veio substituir a poeira e o
lamaçal existentes outrora. Antes do asfalto, no período do verão
havia muita poeira, já no período de inverno, muita lama. Por
várias vezes, devido às dificuldades de trafegabilidade, o bairro
deixou de ser abastecido por gás, produtos alimentícios, dentre
outros, que necessitavam ser trazidos em veículos que não podiam
passar nas ruas por falta de condições físicas. Contudo, o asfalto
trouxe um pouco mais de conforto, principalmente no que se refere
aos transportes coletivos, o ônibus, por exemplo, tinha a parada
final na Rua Mem de Sá, no Bairro Bahia Velha, deixando todos
os moradores do bairro Bahia Nova numa posição de desconforto.
Alguns moradores tinham que andar mais de dois quilômetros
para pegar um transporte coletivo, e isto para quem trabalhava
dois horários e estudava à noite era péssimo.

Bahia Nova,
2007. Foto:
Reginâmio
Lima.

O módulo de saúde existente, tem sido de vital importância,


mesmo funcionando em precárias condições, essencialmente, nas
falta de médicos e enfermeiros. Este módulo tem servido para
dar orientação sexual para mulheres e homens, medir a pressão
arterial dos pacientes, fazer encaminhamentos para outros
hospitais da cidade de Rio Branco, fazer curativos, distribuição
de remédios para prevenção de doenças como o cólera e a malária,
dentre outros.
Habitantes e Habitat 81

A coleta de lixo é feita com regularidade nas terças, quintas


e sábados, pela parte da manhã. Os serviços atendem a todos os
moradores, mas, no inverno dada a precariedade de algumas ruas
ainda sem pavimentação, existe a dificuldade no acesso para que
se faça a devida coleta. Outro problema verificado é que os
funcionários responsáveis pela coleta do lixo (garis) por ordem
da própria empresa em que trabalham, retiram o lixo das lixeiras
residenciais e o jogam amontoado nas margens das ruas. Segundo
informações da empresa, é para facilitar a coleta do lixo. Na
maioria das vezes, o lixo amontoado é espalhado pelas laterais
das ruas pelos gatos e cachorros que rasgam os sacos na procura
de restos de alimentos, deixando o bairro com aparência de
abandono.
No que se refere ao serviço público que recebe e expede
correspondência, os correios, não há agência no bairro, a agência
mais próxima localiza-se no centro da cidade, quando há neces-
sidade por parte dos moradores em utilizar seus serviços precisam
se deslocam até o centro da cidade.
Já em relação à compra e venda de produtos, comércio,
mercado, supermercado ou hipermercado, não tem nenhum de
grande ou médio porte nas ruas do bairro. O que existe são
mercearias, que buscam atender às necessidades diárias. Quando
é preciso fazer uma compra em grande quantidade, os moradores
se deslocam até os supermercados de outros bairros.
O bairro não possui Box Policial e também nenhuma forma
de segurança pública, pois os policiais só aparecem quando há
alguma ocorrência ou para fazer ronda, serviço realizado para
inspecionar ou zelar pela tranqüilidade pública. De acordo com
informações obtidas junto aos moradores foi mencionado que o
tráfico de drogas era muito forte na região e que hoje está menos
intenso. Mas, essa questão de drogas já fez o bairro ser muito
violento e, vez por outra, está entre as principais páginas jorna-
lísticas de ocorrência policial.
Segundo entrevistas realizadas, a compreensão dos habi-
tantes do bairro em relação à manutenção e melhoria das casas
era limitada. Até o momento, não há regularização da situação
em que se encontram, como o Título Definitivo e a Escrituração
Pública, que deveria ser cedida pela Prefeitura de Rio Branco aos
moradores do bairro.
Algumas casas de madeira têm sido construídas pela
Prefeitura de Rio Branco para as famílias de baixa renda, estas
casas são planos da Prefeitura em parceria com o Governo do
82 Bahia Nova: Da Formação ao Século XXI

Estado do Acre, servindo para auxiliar as famílias carentes dentro


da cidade.
O bairro atualmente conta com duas escolas: a Escola
Estadual de Ensino Fundamental Tancredo de Almeida Neves e
a Escola Municipal Francisco de Paula Leite Oiticica Filho. A
escola é um bem público e pertence à comunidade, portanto, a
história dessa comunidade tem que fazer parte do currículo da
escola, assim como dos valores e da formação dos professores.
Segundo os diretores, os professores destas instituições de ensino
têm valores engajados com a comunidade e passam uma visão do
cotidiano da sociedade.
Em pesquisa realizada junto à comunidade pela equipe
gestora da Escola Francisco de Paula Leite Oiticica Filho, podemos
perceber que se trata de uma comunidade econômico-político e
culturalmente pobre, a julgar pelos índices apresentados:
Ao se perguntar à comunidade se gostaria de participar do
Conselho Escolar ou Associação de Pais e Mestres, apenas 10,25%
responderam afirmativamente; 21,34% disseram não querer
participar e 42,88% não responderam à questão. Na verdade, trata-
se de um grande desafio para a escola o envolvimento efetivo da
comunidade nas atividades educacionais, surgindo a necessidade
não só dos pais se preocuparem com seus filhos, mas com a escola
num todo, com seus objetivos e metas maiores, qualidade de seus
serviços, etc.. Nesse sentido, buscar parceria constante junto à
comunidade é tarefa que a escola não pode deixar de executar.
Apesar da pesquisa não dar com exatidão a extensão dos
problemas da comunidade, é bastante significativo o número de
crianças que vão para a escola sem tomar café ou almoçar e a
maioria tem na merenda escolar o reforço necessário à alimenta-
ção diária, indicando que a escola precisa se preocupar com a qua-
lidade da merenda que serve e em não deixá-la faltar, visto que é
essencial para o desenvolvimento das crianças de nossa comunidade.
O bairro Bahia Nova é uma extensão do bairro Bahia Velha,
formado em fins da década de 1970 e início da década de 1980
por pessoas que emigraram para as áreas de terras que formaram
o bairro. Os primeiros moradores do Bahia Nova são pessoas, em
sua maioria, com estilo de vida proveniente da zona rural.
O bairro começou a ter “ares de urbanidade” por volta de
1982, quando do mutirão de limpeza e revitalização da cidade
implementado pela Prefeitura de Rio Branco em parceria com o
Governo do Estado abriu a primeira rua do bairro – Rua Estácio
de Sá.
Habitantes e Habitat 83

Bahia Nova, 2007.


Foto: Reginâmio Lima.

O bairro foi formado sem as devidas infra-estruturas de


energia elétrica, rede de abastecimento de água e esgoto,
pavimentação asfáltica, transporte público, escola, telefonia, saúde
pública, opções de lazer. Em outras palavras, sem o modo de vida
como uma sociedade, ou mesmo uma esfera específica da vida
social, está organizada, em função das instituições básicas e das
atividades e relações que vigoram entre estas. Muitos dos pri-
meiros habitantes, dos quais grande parte ainda reside no bairro,
comentam que foram excluídos, deixados nas mínimas condições
possíveis de sobrevivência, e, acima de tudo, naquele primeiro
momento, perderam o direito que lhes era mais fundamental,
essencial, estável e relevante, a dignidade de poder levar uma
vida um pouco melhor.
Durante muito tempo estes moradores viveram sem poder
se beneficiar da prestação dos serviços públicos, tanto nas esferas
municipal, quanto estadual e federal, por causa da lentidão, do
descaso, da falta de projetos e planejamentos viáveis para este
setor da sociedade. Mas, uma realidade bastante dura é que o
próprio governo em sua estrutura não reconhecia esta área, esta
porção de terra, apresentando, a partir daí, uma inversão de
valores, pois eles próprios prometiam durante suas campanhas
84 Bahia Nova: Da Formação ao Século XXI

políticas, que iriam proteger o cidadão, dar condições viáveis de


sobrevivência, sem se importar com a classe social do mesmo.
O que deve ser mostrado é que naqueles dias, tais
governantes, realmente, não quiseram realizar melhorias, não
procuraram recursos para serem empregados com as gentes que
aqui residiam, não se manifestaram para, pelo menos, tentar
viabilizar as reivindicações da comunidade. A grande realidade
posta por alguns políticos na esfera legislativa municipal e
estadual, era que o bairro que se iniciava não tinha um número
expressivo de eleitores.
Mesmo que sem plano de política para o bairro, no início
da década de 1980, em época de eleição, o bairro era visitado por
vários políticos que faziam promessas de melhoria, lançando suas
propostas de desenvolvimento. No entanto, nada ou quase nada
era feito. Não havia nenhum trabalho assistencial desenvolvido
no local. Segundo alguns moradores, os benefícios sociais do
governo não chegavam a estes moradores por causa da falta de
regularização do bairro, no Cadastro Municipal. No entanto, o
que se dá para constatar de fato é a falta de organização dos
próprios políticos para realizar os beneficiamentos nesta região.
Dentre os mais antigos moradores do bairro Bahia Nova
que foram entrevistados percebe-se que, em sua maioria, eram
pessoas advindas das colônias, seringais e também de municípios
do Acre, quando eles venderam suas propriedades a baixo custo,
compraram seus terrenos em alguns bairros da cidade de Rio Bran-
co e construíram suas casas. Muitos vieram em busca de melhor
qualidade de vida e estudo para os filhos. No entanto, nem todos
conseguiram realizar seus projetos: nem casa, nem trabalho e
nem estudos para os filhos, assim, passando por diversas dificul-
dades. Alguns voltaram a morar na zona rural acreana, trabalhan-
do como diaristas nas terras dos novos donos. Dentre os que
imigraram para a cidade de Rio Branco, quase um terço dos pesqui-
sados, afirmaram que chegaram antes de 1971; sendo que a maioria
disse ter chegado em fins da década de 1970 e início da de 1980.
De acordo com os moradores do bairro, os lotes de terras,
possuíam alguns donos como os senhores Ciro Facundo, Amilcar
Queiroz, Silvino, João Galdino e Santino, estes fizeram vendas
de loteamentos desmembrando suas porções de terras, alguns
desses homens venderam seus lotes, outros doaram ou trocaram
por intenção de votos.
A área em que se localiza o bairro Bahia Nova, desde a
ocupação, pertencia ao Seringal Nova Empresa, segundo alguns
Habitantes e Habitat 85

relatos, parte pertencia ao seringal Progresso. Essa era uma área


da União, que passou para o Estado, depois para o Município.
Havia muitos lotes, posseiros e donos nas terras da região, ficando
imprecisa qualquer afirmação acerca de quem eram as terras em
que foi formado o bairro Bahia Nova.
Os precursores, pioneiros que abriram o caminho através
dessa região pouco conhecida eram cidadãos que revelavam, em
sua maioria, o sofrimento de ter saído de onde moravam por causa
das doenças nas colônias e seringais em que moravam, em busca
de melhores condições de vida para si e para a família.
Da expulsão por parte dos sulistas, inclusive alguns destes
que foram expulsos participaram bravamente dos empates ao
defenderem suas colocações, enquanto puderam. Alguns dos
desbravadores que se fixaram, estabelecendo-se neste lugar, se
firmaram por falta de moradia, muitos morando de aluguel e sem
condições de pagar por este padrão tão elevado de moradia. O
desespero por um teto para ter onde colocar a família era real,
deixando em estado de agonia e alegria muitos destes habitantes
ao adentrarem o novo lugar, embora este apresentasse aparência
de abandono.
Os homens e mulheres recém chegados ao novo habitat
eram pessoas simples e humildes, muito pobres, pouco favo-
recidas, não tinham o necessário às condições básicas de vida,
com posses tão inferiores quanto suas posições e condições sociais.
Geralmente, chegavam com seus cônjuges e três ou quatro filhos,
poucos pertences pessoais, quase nada de móveis. Esses cidadãos
eram seringueiros, agricultores, biscaiteiros, carpinteiros, “orelhas
secas”, pedreiros, autônomos, comerciários, domésticas e
desempregados. Suas condições financeiras no início dos anos
de 1980 eram bastante precárias e insuficientes, um exemplo disso
eram os alimentos que costumavam comer, sendo, na maioria dos
lares, os mais simples constantes na cesta básica da economia
nacional: arroz, feijão, farinha, ovo, etc.
Ao chegar à localidade, esses homens e mulheres tinham
em média 40 anos de idade, vindos com suas famílias e, em alguns
casos, com parentes, o que fazia com que suas pequenas casas
ficassem cada vez mais apertadas. Com uma baixa escolaridade,
muitos não sabendo ler nem escrever, a maioria tinha o primário
incompleto.
Os lares dos primeiros moradores deste bairro eram
diferentes do que podemos encontrar na engenharia moderna,
na qual se têm grandes prédios e condomínios com elevadores,
86 Bahia Nova: Da Formação ao Século XXI

sistema de segurança como os alarmes e até mesmo vigilantes;


mansões feitas para acolher bem seus proprietários e hóspedes
com muito luxo, conforto e requinte. Longe de residirem em
luxuosas mansões, suas casas eram feitas de madeiras de várias
espécies, tais como paxiúba, mulateiro, castanheira, cumaru.
Também tinham casas formadas em seus alicerces de madeira e
as paredes revestidas com lonas. Casas em alvenaria, no início
dos anos 1980, era algo que não tinha como se ver no bairro, até
mesmo pelo alto custo financeiro da construção, que estava fora
de alcance por parte dos moradores.
A cobertura dessas casas era bem rústica, existindo em
muitos dos lares um teto coberto de palha, o que ocasionava um
grande transtorno quando vinham as fortes chuvas com muito
vento. A cobertura de algumas destas casas eram tão precárias
que, quando um vento mais forte ia ao encontro delas, era
inevitável não serem descobertas, e, o vento jogava-as para bem
longe.
Outras casas eram cobertas de alumínio, o que ocasionava
durante o período de verão intenso uma temperatura muito
elevada no interior da casa, chegando muitas vezes a ser do lado
de dentro das casas mais baixas em sua estrutura (média de 2,5
metros de altura) mais quente do que em meio ao ar livre.
O interessante entre esses pioneiros que se fixaram nesse
bairro através de ocupação, na tentativa de um “lugarzinho” para
morar, é que mais da metade ainda mora na localidade. A
princípio, o que seria mais um lugar de moradia, sem muitas
perspectivas de melhorias foi se modificando, as relações sociais
foram se alterando, começando com o que era visto como um
simples fato de colocar as crianças para estudar. Vários destes
precursores hoje têm filhos e netos, casados e “amigados”,
residentes no bairro, que juntos conseguiram melhorar um pouco
mais essas relações sociais. Alguns ainda têm saudades daqueles
que ficaram para trás, onde viviam, parentes, amigos, vizinhos e
ex-colegas de trabalho, mas afirmam que tudo isso ficou no
passado e que não desejam mais morar no local de outrora.
Quanto à atividade de grileiros nesta pequena parte da
cidade, constatamos um fato muito interessante, pois os
entrevistados afirmam não ter havido tal atividade no início da
formação do bairro. Mas, em alguns lotes de terra próximos à
Escola Estadual de Ensino Fundamental Tancredo de Almeida
Neves, que atualmente faz parte do bairro, houve grilagem sim.
Quando os primeiros moradores do bairro mencionam o
Habitantes e Habitat 87

espaço de lazer, falam sobre a precariedade vivida neste local de


formação, não havia campo de futebol, quadra de vôlei, ciclovia.
Uma das únicas opções de lazer eram as festas que eles
participavam para se divertir. Nas proximidades do bairro havia
uma casa de festa no bar do Santino, sendo por eles requentadas
também algumas casas de festas nos bairros da Glória, João
Eduardo II, Bahia e Aeroporto Velho.
Mas, na realidade, quem são esses homens e mulheres tão
valentes em busca da sobrevivência e de um teto para suas
famílias? E qual a importância deles? Estes cidadãos são aqueles
responsáveis por colocar o bairro na posição em que está,
atualmente, com sua infra-estrutura um pouco mais organizada.
É através destes moradores que, se reunindo de forma meio
que “desorganizada”, e até sem forças para estar conseguindo
benfeitorias para o bairro, vai surgir a Associação de Moradores
do Bairro do Bairro Bahia Nova, fundada no dia 08 de dezembro
de 1986, com sede e foro no Município de Rio Branco – Acre,
sendo essa uma entidade civil, sem fins partidários ou lucrativos,
sem discriminação religiosa e política. Os seus sócios são todos
aqueles que comprovem ter residência fixa no bairro, sendo os
mesmos divididos em duas categorias: a primeira sendo composta
pelos “fundadores”, inscritos até a data de aprovação do estatuto
da entidade; a segunda sendo composta pelos “efetivos”, os
inscritos depois da data de aprovação do mesmo.
A Associação de Moradores do Bairro Bahia Nova, tinha o
intuito de trabalhar em favor e defesa dos cidadãos residentes no
local, sendo o elo entre os moradores da localidade e o governo
em toda e qualquer autarquia. Seus principais líderes conse-
guiram trabalhar de forma organizada, conseguindo algumas das
melhorias que o bairro tanto necessitava. É importante observar
as mudanças ocorridas no bairro, lançando um olhar crítico sobre
a forma como essas pessoas têm sido tratadas e desrespeitadas.
Não é justo que pessoas sejam abandonadas à mercê da
caridade, como também não é justo que políticos busquem socorro
nestes locais para sua ascensão em cargos públicos. A política
habitacional tem que ser pensada levando em conta questões mais
humanas, assim como a problemática da distribuição de renda. É
importante lembrar que a maior parte da população deste local
ganha menos de um salário mínimo, embora a moradia seja um
direito de todos, ainda é possível perceber três gerações da mesma
família ocupando uma pequena residência.
A população tem se unido em busca de soluções para muitos
88 Bahia Nova: Da Formação ao Século XXI

problemas, principalmente, através da Associação de Moradores


do Bairro Bahia Nova, mas ainda encontram obstáculos que
dificultam o trabalho comunitário. Enquanto o povo tenta resolver
as pendências, o poder público se omite.
Precisamos acreditar e perseverar na luta por melhorias para
o bairro junto às autoridades competentes, porque, assim, a
geração presente e as futuras poderão viver de forma mais feliz e
com melhores condições de habitação. Agindo assim, o bairro
deixará de ser pensado como suburbano e será um local mais
lindo e mais próspero.
Habitantes e Habitat 89

PALHEIRAL: O Bairro das Palheiras


Pedro Bonifácio de Lima

N este ensaio buscamos comentar a forma como se deu a


ocupação das terras do bairro Palheiral, desde o período de
sua formação até o auge do crescimento do bairro, no período de
1971 a 1982. Partindo de um ponto de vista da atualidade, para
expor o período em questão, afirmamos o objetivo de investigar o
processo de ocupação e expansão do bairro Palheiral. Percebemos
que o bairro é parte integrante do que Lima (2006) chama de
Terceiro Eixo de Ocupação riobranquense, daí nosso intento em
compreender o movimento de formação e transformação do bairro,
mostrando como os moradores modificaram a ambiência
ocupacional.
90 PALHEIRAL: O Bairro das Palheiras

O bairro Palheiral está localizado na parte sul-sudoeste do


Primeiro Distrito de Rio Branco. Sua limitação se dá a leste com o
bairro Aeroporto Velho; a oeste com o bairro João Eduardo I; ao
norte com o bairro Volta Seca e conjunto Castelo Branco; ao sul
com os bairros Pista e Bahia Velha. Segundo a Prefeitura de Rio
Branco o bairro Palheiral tem uma extensão de 147.795m², sendo
o menor dos bairros que compõem o setor.
O bairro Palheiral conta com infra-estrutura básica apenas
nas ruas principais, a qual só foi adquirida em meados da década
de 1980. Nesse bairro podem ser vistos alguns comércios de
pequeno porte que atendem às necessidades das populações, além
de uma boa distribuição elétrica. O transporte coletivo trafega na
Rua Rio Grande do Sul e na Rua Campo Grande, mesmo com os
buracos que atrapalham a circulação do trânsito.
A Escola Municipal Raimunda Balbino dos Santos oferece
o ensino fundamental para as crianças do bairro e adjacências.
Após a conclusão do ensino fundamental, entretanto, o estudante
precisa se deslocar para outros bairros para cursar o ensino médio.
A localidade dispõe, ainda, do Posto de Saúde Augusto Hidalgo
de Lima, que serve à comunidade atendendo as pessoas que estão
doentes.
Como espaço para diversão e lazer, os moradores dispõem
da chamada “Praça da Sensur”, situada em frente ao Mercado
Municipal Luiz Galvez. Percebemos, também, a existência de uma
congregação católica e algumas congregações evangélicas.
Apesar da infra-estrutura alcançada atualmente no local, perce-
bemos que ainda é preciso que sejam feitos alguns investimentos
para melhorar as condições básicas de saneamento e convivência
em sociedade, como, por exemplo, melhorar a segurança, saúde,
educação, moradia, dentre outros.
Quanto à infra-estrutura das vias de rolamento, em algumas
ruas não existe calçamento, pois o poder público municipal não
atuou ainda em algumas delas, e, grande parte dos moradores
possui baixa remuneração, não tendo condições financeiras para
atijolar ou asfaltar, nem mesmo construir calçadas em frente a
suas casas.
As principais ruas do bairro são asfaltadas, sendo que muitas
estão esburacadas, por causa do fluxo de veículos e a falta de
reformas. As ruas com menor movimentação de veículos são
atijoladas ou aterradas com barro e piçarra. As principais vias de
acesso ao bairro são a Rua Rio Grande do Sul e a Estrada da
Sobral, por onde passam os transportes coletivos.
Habitantes e Habitat 91

A energia elétrica do bairro Palheiral é distribuída normal-


mente para as casas, comércios, escola, posto de saúde, chegando
com voltagem de 127 a 220 quilowatts. Quanto ao nível de
eletrodomésticos, a maioria da população tem televisão e rádio,
usados para lazer e informação. Existem poucos telefones na via
pública, sendo que, apenas algumas casas e comércios têm
telefone domiciliar.
A distribuição de água encanada e tratada é fornecida pelo
SAERB. Um dos fatores que contribuem para a regular distribuição
da água no Palheiral é o fato de o bairro dispor de estação de
coleta e distribuição de água. O Palheiral localiza-se em uma área
baixa da cidade, sendo que a distribuição para outros setores
precisa passar pela encanação que está na localidade. Algumas
casas não recebem água encanada, pois elas têm poços semi-
artesianos ou cacimba.
A coleta de lixo é feita regularmente nas terças, quintas e
sábados, embora, às vezes, atrase alguns dias. Um dos problemas
enfrentados pela população é a grande quantidade de lixo nos
esgotos e córregos. Esse, entretanto, não pode apenas ser encarado
como um problema ambiental, mas também cultural. De nada
adiantarão campanhas para retirar os entulhos desses rios ou
igarapés se não houver um trabalho junto a essas populações que
ao longo do tempo cultivam este hábito.
No bairro não existe agência dos correios, bancos,
delegacias ou supermercados. Quando há necessidade de usar
um desses serviços, os moradores se deslocam até o “centro” da
cidade. Quanto às atividades econômicas, existem comércios de
pequeno porte nas principais vias do bairro. O bairro dispõe de
salões de beleza, açougues, oficinas de manutenção em moto e
bicicleta, mercearias, que visam atender às necessidades diárias
dos moradores. Quando é preciso fazer uma compra em grande
quantidade os moradores se deslocam até a zona comercial do
“centro” ou a outros bairros.
As residências são simples, tendo casas de madeira,
alvenaria e mistas. É comum, na frente de muitas casas, os
moradores construírem um comércio para aumentar a renda do
lar. Algumas casas estão muito velhas e precisando de reforma. A
Prefeitura construiu algumas casas para as famílias de baixa
renda, mas, para isso era necessário que a família tivesse o terreno
para a construção.
Nos aspectos gerais, em pesquisas realizadas junto aos
moradores, podemos perceber que trata-se de uma comunidade
92 PALHEIRAL: O Bairro das Palheiras

econômico-socialmente pobre. Para se manter, muitas famílias


recebem apenas benefícios do governo, como Bolsa Família e
Bolsa Escola. Como agravante dessa situação de exclusão social,
o nível de escolaridade é baixo, concentrando-se no ensino
fundamental e médio, apenas poucas pessoas têm acesso à
Universidade.
A escola próxima a localidade, Serafim da Silva Salgado,
não estava conseguindo matricular todos os alunos, porque não
havia salas de aula suficientes para a quantidade de alunos. Seria
necessário de mais uma escola de ensino fundamental que
atendesse os bairros João Eduardo I e II, Bahia, Palheiral e parte
do Sobral.
Conforme dados contidos no Projeto Político-Pedagógico
da Escola de Ensino fundamental Serafim da Silva Salgado,
situada próximo à localidade, percebemos que mesmo com cerca
de 2032 alunos matriculados, distribuídos em três turnos, não
dispõe de vagas suficientes para matricular todos os que a
procuram. Tal fato é um indicativo da super-povoação existente
no setor, tendo em vista que nem as 17 salas de aula existentes na
escola dão conta de atender à comunidade vizinha.
Os moradores do bairro Palheiral, junto à Associação que
os representa, fizeram abaixo assinado, reuniões e audiências com
o governador para reivindicar a construção de uma escola no
bairro. Iniciaram a construção da escola, no ano de 1989. Com
uma área total de 5.500m², da qual apenas 560m² é construída, a
instituição de ensino recebeu o nome da professora Maria
Raimunda Balbino dos Santos. Ela foi uma das fundadoras da
Associação de Moradores do bairro Palheiral e, à época, era sua
presidenta.
Atualmente, este estabelecimento de ensino atende 614
alunos, na faixa etária de seis a doze anos, distribuídos nos turnos
matutino e vespertino, de 1ª a 4ª série do Ensino fundamental e,
no terceiro turno, uma sala do EJA (Educação de Jovens e Adultos)
e cinco turmas do ALFA 100 (Alfabetização de Adultos).
De acordo com o Projeto Político Pedagógico da Escola
Maria Raimunda Balbino, foi feito um diagnóstico para conhecer
a realidade das famílias dos alunos, no qual foi possível perceber
que a maioria dos pais das crianças são trabalhadores autônomos,
como comerciantes, vendedores de salgados, picolés, mecânicos,
carpinteiros, pedreiros, entre outras funções, ou trabalham em
empresas particulares. O nível de escolaridade dos pais é baixo,
a maioria concluiu a Educação Básica, de 1ª a 4ª série, poucos
Habitantes e Habitat 93

concluíram ou ainda estão cursando o Ensino Fundamental, de


5ª a 8ª série, e um percentual ainda menor concluiu o Ensino
Médio.
As pessoas que habitam o bairro são moradores de classe
baixa que vivem em residências totalmente em madeira, muitas
das casas são antigas e precisam ser reformadas, algumas
precisam ser desmanchadas e serem construída outra no local,
uma minoria das casas são construída em alvenaria.
Quanto ao abastecimento de água, é fornecida água tratada
pelo SAERB, sendo que no verão algumas vezes falta água, pois
devido a falta de chuva fica difícil o abastecimento de água na
cidade, alguns moradores utilizam o sistema de poço tipo
“amazonas”, para seu abastecimento de água.
A maioria dos moradores possui casa própria. A quantidade
de pessoas por residência varia, mas, como as famílias são,
geralmente, numerosas, moram até 05 pessoas por residência.
Os moradores que não têm condições financeiras de ter a casa
própria residem junto com os parentes ou em casas cedidas por
parentes e/ou amigos.
No que se refere à situação familiar dos moradores, a
maioria são casados, uma minoria possui pais divorciados que
vivem com outro conjugue, mais da metade dos moradores
pesquisados possui mais de dois filhos e mais da metade dos casais
ganham um salário mínimo por mês ou menos que isso.
Apesar da pesquisa desenvolvida pela da Escola Maria
Raimunda Balbino não informar com exatidão a extensão dos
problemas da comunidade, é bastante significativo o número de
crianças que vai para a escola sem tomar café ou almoçar e grande
parte tem na merenda escolar o reforço necessário da alimentação
diária, indicando que a escola precisa se preocupar com a
qualidade da merenda que serve e em não deixá-la faltar, visto
que é essencial para o desenvolvimento das crianças da
comunidade.
Fazendo esse apanhado inicial de informações, é possível
ter uma idéia aproximada de como está o bairro atualmente e
seguir em frente e nosso intuito de retornar ao período de formação
do bairro. Podemos, então, dizer que parte do bairro Palheiral foi
ocupada segundo deliberação dos próprios moradores, oriundos,
em sua maioria, dos bairros Bahia Velha, Cadeia Velha e região
do Bola Preta.
Eram pessoas que precisavam mudar de local, para não
pagar aluguel, para terem sua própria casa. Algumas dessas
94 PALHEIRAL: O Bairro das Palheiras

pessoas moravam em áreas encharcadas da Bahia Velha, estando


dispostos a dividir as terras que estavam sendo ocupadas com
quem precisasse. Essa motivação e organização entre os
moradores contribuíram para que houvesse uma ocupação mais
rápida. Muitos moradores vieram expulsos da área onde
atualmente está situado o Parque da Maternidade, próximo ao
Terminal Urbano. Eles se deslocaram para a parte de cima da
ladeira do Bola Preta, mas o governo os expulsou de lá para fazer
o Conjunto Castelo Branco e, então, desceram a ladeira se insta-
lando na localidade em que vivem e residem até os dias atuais.
A população que se instalou no bairro é predominante vinda
de Tarauacá, Feijó, Sena Madureira e outros lugares de Rio
Branco. Os primeiros moradores do local referem-se ao lugar de
origem com amor, mas não pretendem voltar para lá, porque há
uma dupla identificação com o lugar de origem e com o lugar
que escolheram para permanecer. Existe uma relação mais estreita
entre os moradores antigos do que com os novos moradores. É
uma forma de preservar o elo que os une, de compartilhar as
lembranças de um tempo difícil, porém, muito saudoso das ale-
grias de ter lutado e conseguido um lugar para viver.
Há uma relação de afetividade muito grande pelo lugar
por parte dos moradores antigos, até o modo de vida deles os
distinguem dos outros moradores, uma espécie de orgulho de se
pioneiro, de ter conquistado seu lugar. São pessoas já vindas de
vários bairros e municípios, vários deles passando pela terceira
vez as dificuldades de se adaptarem ao lugar. Eles têm orgulho
de contar a história do local, desde o início até os dias de hoje e
também têm esperança de que um dia o bairro tenha uma infra-
estrutura melhor.
Os moradores desse bairro são simples e têm uma vida
humilde, mas se sentem felizes por morar nesse local. Alguns
habitantes gostam de morar no bairro e mesmo quando tiveram a
oportunidade de mudar para outra localidade permaneceram no
local. Outros se acostumaram com o local e resolveram ficar
porque todos os seus amigos moravam no bairro. Os mais
apegados ao lugar afirmavam que só sairiam do bairro quando
morressem.
Em pesquisa realizada pelo professor Reginâmio Bonifácio
de Lima no ano de 2005, sobre a formação dos bairros que com-
põem o Terceiro Eixo, da qual fizemos parte como pesquisador/
coletor de dados, percebemos que dentre os entrevistados, a
maioria absoluta chegou ao local com mais de 26 anos de idade,
Habitantes e Habitat 95

sendo que quase um quinto dos imigrantes já tinha idade superior


a 40 anos. Em ambos os casos, vinha o entrevistado e sua família,
composta por cinco filhos em média.
A família nuclear era formada por pai, mãe, filhos e outros
parentes, sendo comum, em grande parte dos casos, morarem
com os sogros, cunhados e/ou primos na mesma casa até que
esses conseguissem “seu lugarzinho pra morar ”. Era comum
conviverem até três gerações da mesma família em uma só casa.
Muitas das pessoas que moravam em colônias ou em municípios,
antes de virem morar no Palheiral, viviam da caça, da pesca, coleta
de seringa, coleta de castanha e ou viviam de suas plantações.
A ocupação das terras começou primeiro na ladeira do Bola
Preta e depois passou-se para a área mais baixa, enquanto a parte
alta da ladeira estava sendo ocupada, quase não havia casas na
parte baixa. No auge da formação do bairro, em meados da década
de 1970, os moradores foram chegando de vários bairros de Rio
Branco e de alguns municípios do Estado do Acre, tendo habitado
as terras da parte alta da Rua Rio Grande do Sul. Com a construção
do Conjunto Castelo Branco, esses moradores que já haviam sido
expulsos de outras localidades, como as proximidades do atual
Parque da Maternidade ou do bairro Cadeia Velha, para que fosse
erguido o Conjunto Habitasa, dirigiram-se para a parte alta do
Bola Preta, onde ergueram suas residências. No entanto, também
foram expulsos de lá e desceram a ladeira, indo para um lugar
onde havia muitas palheiras e lá construíram residências, tapiris,
barracos e outros tipos de habitações rústicas.
A ladeira do Bola Preta localiza-se na Rua Rio Grande do
Sul e tem esse nome devido a uma boate, que ficava próxima à
atual Vila Militar. Esse local era freqüentado por várias pessoas
que queriam se “divertir”. Em virtude de existir em frente à casa
noturna uma bola preta, daí a denominação do local.
Quando foram pavimentar a Rua Rio Grande do Sul, na
parte em que se localiza o Bola Preta, tiveram que aplainar parte
da ladeira, porque era muito alta. No início da ocupação do bairro,
o “Igarapé do Bueiro”, que passa logo abaixo da ladeira, era
utilizado por alguns moradores para lavar roupa, pois a água não
era poluída e na região só tinha água encanada na Estrada da
Sobral. Os moradores utilizavam água de cacimbas e poços, mas
como nem todos tinham cacimbas, eles pediam água aos vizinhos
para ser utilizada nas atividades domésticas.
Os moradores passavam por grandes dificuldades para
chegar com suas coisas até o seu local de moradia. No verão,
96 PALHEIRAL: O Bairro das Palheiras

alguns traziam seus pertences em caminhão até o local onde iriam


morar, o qual oferecia pouco acesso para o tráfego de veículos. O
caminhão passava por um caminho estreito onde tinha pedaços
de pau, raízes e buracos.
Quando alguns moradores mais antigos chegaram ao local,
já havia outros moradores nas colônias da localidade; muitos dos
antigos moradores não estão mais lá, alguns já morreram, outros
se mudaram, e ainda, alguns outros estão com a idade bem
avançada e não lembram em que ano chegaram ao bairro. Na
década de 1950, chegaram os primeiros habitantes, em torno de
quatro famílias, alguns meses após chegaram várias pessoas e
começaram a ocupar o local.
O bairro Palheiral tem esse nome por causa das palheiras
que havia na localidade. Também se encontrava muita mata na
parte sul, inclusive goiabais próximo à atual Rua Campo Grande.
Não havia ruas no local, apenas varadouros. Os moradores
passavam por um caminho também utilizado por gado, outros
caminhos passavam por dentro do mato. Parte do local era uma
antiga colônia, outra parte era pertencente ao antigo Aeroporto
Santos Dumont. O local onde seriam feitas as ruas tinha muitos
buracos e lama, os moradores pediam ajuda à Prefeitura e ao
Governo para que ajeitassem as ruas, até que o Estado mandou
fazer as ruas do bairro.

Foto do Palheiral, década de 1970.


Fonte: Patrimônio Histórico Esdadual
Habitantes e Habitat 97

Segundo alguns moradores, por causa da grande quan-


tidade de buracos que havia nas ruas, muitos cheios de lama
provenientes da água da chuva, em determinada ocasião, eles
conversaram com o prefeito exigindo que a Prefeitura consertasse
as ruas, caso contrário, não iriam votar no candidato do Prefeito
para Governador. O Prefeito sabia que precisava dos votos
daquelas pessoas para eleger o Governador do seu partido político,
e, como aquele era ano de eleição e os moradores ameaçavam
não votar em nenhum candidato, o chefe do município aceitou
restaurar as ruas do bairro.
De acordo com as informações, obtidas a partir do Setor de
Cadastro Imobiliário de Rio Branco, o bairro Palheiral possuía,
em 1979, mais de dois mil domicílios, sendo que, predo-
minantemente a maioria dos quintais já tinha residências, algumas
ainda estavam em fase de construção. A maioria das casas foi
construída de frente para a via pública, havendo também casas
em esquinas, normalmente eram construídas sem nenhum tipo
de limitação definida como cercas e muros.
As áreas ocupadas no bairro no momento de sua formação
eram totalmente de propriedade particular, sendo utilizadas para
a construção de casas próprias e também casas para serem
alugadas. O terreno tinha varias utilizações sendo que, na maioria
dos casos, era de uso residencial, mas também eram desenvolvidas
várias utilidades para o uso do terreno como: comércio, serviços,
indústria e agropecuária.
As casas eram isoladas dentro do terreno, em alguns casos
eram geminadas, na maior parte dos casos eram construídas em
madeira e raramente em alvenaria, taipa ou barraco. As edifi-
cações eram quase todas sem revestimento, quando havia era
feito de madeira ou caiação. Quase todas as casas eram cobertas
de palha, embora algumas fossem cobertas de cavaco ou zinco.
Os pisos das casas eram construídos de tábuas, sendo que em
alguns casos era a própria terra batida. Em pouquíssimas casas o
piso era feito de cimento ou cerâmica. O forro era praticamente
inexistente, havendo poucas casas com forro de madeira. Era
comum, no início da formação do bairro, encontrar casas feitas
de madeira de tiarana, com paredes feitas de papelão ou palha.
Em geral, essas casas eram pequenas, mediam em torno de quatro
metros de largura por seis de comprimento.
As instalações sanitárias eram, em sua maioria, externas,
sendo normalmente construída uma “privada” no fundo do
quintal. Em quase um terço das residências essas instalações não
98 PALHEIRAL: O Bairro das Palheiras

existiam e em uma minoria elas eram internas simples ou internas


completas. Aproximadamente metade das casas dispunha do
serviço de eletricidade, possuindo estas os fios de eletricidade
dispostos de forma aparente. A outra metade da população tinha
que viver às escuras, não dispondo do serviço de eletricidade.
Ainda de acordo com os dados do Cadastro Imobiliário de
1979, na maior parte do bairro não havia sistema de esgoto, galeria
pluvial, rede telefônica e iluminação pública. Calçamentos só
existiam nas principais vias de acesso ao bairro, a coleta de lixo
não atendia a maioria das casas do bairro, os moradores jogavam
seu lixo em logradouros ou em terrenos baldios, a limpeza urbana
era feita em poucas ruas do bairro.
Na maior parte das residências não havia energia/força
elétrica, praticamente não existia esgoto nos domicílios, sendo
mais comum o que passava na via pública. Poucos eram os
telefones residenciais, dado seu alto custo. Na maioria das casas
havia água encanada, mas em algumas delas os moradores ainda
usavam cacimbas, já que, não havia pressão suficiente na rede
de abastecimento de água. A coleta de lixo atendia uma minoria
dos moradores, nas residências existiam poucas fossas sépticas.
Os moradores, normalmente, não tinham televisão e quando
um deles possuía, a vizinhança se reunia para assistirem juntos,
principalmente de noite quando muitos os moradores já tinham
chegado do trabalho e iam assistir o Jornal Nacional e a novela
das 8 horas. Algumas casas eram tão pequenas que quase não
cabiam todas as pessoas. De noite quando as famílias se recolhiam
para dormir, atavam as redes umas por cima das outras. No ano
de 1979 já existia em muitas casas energia elétrica, que chegava
através de rabichos que eram feitos de fios de arame farpado.
No final da década de 1970, os moradores freqüentavam a
missa na Igreja São Peregrino, no bairro Floresta, depois
decidiram fazer uma Igreja no seu próprio bairro. Os moradores
que freqüentavam a Igreja fizeram uma “feira” onde vendiam
vários produtos com o intento de arrecadar fundos para a
construção do primeiro templo. A feira ocorria nos sábados com a
venda de produtos como: macaxeira cozida, nescau, café, tapioca,
quibe, entre outros.
A primeira Igreja que os moradores construíram era
pequena e de madeira, não cabiam todas as pessoas que
freqüentavam, uns ficavam em pé, outros do lado de fora. Então
decidiram aumentar a Igreja. Depois do aumento ainda não
cabiam todas as pessoas dentro do templo. A solução foi fazer um
Habitantes e Habitat 99

segundo aumento, desta vez, em alvenaria. Nesse período, já


havia várias pessoas nos bairros João Eduardo I e Bahia, assim,
aquelas comunidades também construíram congregações onde
pudessem se encontrar para cultuar a Deus.
As Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) se reuniam na
Igreja e nas casas. Onde havia monitores, eram eles quem
programavam as reuniões, faziam as celebrações, a comunhão, a
leitura do Evangelho, rezavam e discutiam assuntos relacionados
ao bairro.
Os monitores tinham o mesmo papel – ainda que não oficial
– de juiz de paz, de vara da família, da infância e de delegado.
Eram muito respeitados pelas pessoas que faziam parte das
comunidades. Assim, se o marido batesse na esposa, o monitor ia
ao local tentar fazer as pazes do casal. Ele também desempenhava
a função de presidente de bairro, reivindicando melhorias para a
população, como água, luz, esgoto, telefone. Para ser monitor era
preciso fazer um curso na Igreja Católica, estar ligado às CEBs,
ser um “cidadão de bem” , a partir daí, fazia o curso de liderança
e clemência, onde se estudava a Bíblia e como ajudar as comu-
nidades.
Logo no início houve alguns conflitos por área de terra, os
moradores usavam terçado e pedaços de pau. As brigas ocorriam
com maior freqüência nos finais de semana principalmente nos
bares. No bairro João Eduardo também houve conflito, que
ocasionou a morte do morador João Eduardo. Este fazia parte da
comissão que demarcava os lotes de terras para cada morador.
Em homenagem a João Eduardo colocaram o seu nome no bairro.
Os primeiros moradores do Palheiral trabalhavam de carpin-
teiro, pedreiro, servente, doméstica, picolezeiros, vendedores
ambulantes, alguns procuravam trabalho no centro da cidade,
etc. Alguns moradores antigos do Palheiral ajudaram na cons-
trução do Conjunto Castelo Branco, para ganharem o sustento de
suas famílias. De manhã quando alguns moradores iam para o
trabalho exercer a função de doméstica tinham que levar o
material escolar para depois que saíssem do trabalho fossem para
a escola. Hoje em dia muitos estão aposentados.
Como não havia escola no local, tendo em vista que a área
não oferecia estrutura por ser uma antiga fazenda e ainda estar
em fase de ocupação, muitas crianças começaram a estudar
tardiamente. Devido às dificuldades enfrentadas como o fato de
precisarem se deslocar para outro bairro para estudarem e
necessitarem ajudar os pais no sustento da casa, trabalhando como
100 PALHEIRAL: O Bairro das Palheiras

engraxate, vendendo pão, picolé, etc., muitos acabaram por


desistir da escola.
A quase totalidade dos entrevistados não soube dizer de
quem eram as terras das quais se apossaram, e mesmo afirmando
que não é certo tomar o que é dos outros, precisando escolher
entre seu senso ético e a necessidade social básica de um lugar
para morar, escolheram proporcionar melhores condições de vida
para o marido ou mulher e seus “barrigudinhos”.
A maioria dos moradores entrevistados do bairro Palheiral
gosta do nome do seu bairro, e já estão acostumados com o mesmo.
Eles não concordam com a mudança do nome do bairro onde
vivem para Baixada do Sol, porque o setor é composto por bairros
com nomes, histórias e localizações diferentes.
Este ensaio foi realizado através da sistematização do
conhecimento produzido a partir de depoimentos orais dos
moradores mais antigos do bairro e de documentação pertinente
sobre a localidade para que se tenha acesso a uma parte dos
movimentos ocorridos na direção campo-cidade, que culminaram
nas migrações ocorridas dentro da cidade no sentido ao bairro
Palheiral.
Esperamos que essa pesquisa venha contribuir na preser-
vação da memória acerca da formação do bairro, observando as
transformações do espaço, mostrando o processo de ocupação do
bairro, que se deu de forma “desordenada”, e a influencia da
Igreja Católica na interação com os habitantes da localidade.
Nosso intuito é que os moradores do Palheiral e de outros bairros,
escolas e pessoas interessadas possam conhecer, ainda que
parcialmente, a história do bairro e como se deu a implementação
das ocupações.
Habitantes e Habitat 101

Considerações Finais

Escolhemos trabalhar a experiência, por que nos permite


entender os percursos vividos e os olhares construídos pelas
gentes que fazem parte do processo de ocupação e formação dos
bairros que compõem o Terceiro Eixo. Esse é um lugar formado
por famílias que têm em comum suas trajetórias, pois é fruto dos
processos econômicos e ocupacionais estabelecidos para a região
amazônica nos diferentes tempos. São famílias que têm suas
origens formadas na grande maioria de migrantes nordestinos
que sem grandes recursos deixaram sua terra natal e saíram em
busca de melhores condições de vida.
Vir para a floresta amazônica era ir mais além, e isso traduz
a força de uma gente que não se dá por vencida. Nessa busca,
atravessaram rios, percorreram varadouros, indo até o fim de uma
prova cheia de perigos, mesmo que não conhecessem o limite.
Nesse caminho, muitos não vieram para ficar, mas poucos
retornaram e a maioria jamais conseguiu sair. Os últimos, quando
pensavam que haviam encontrado seus lugares, tiveram que
reiniciar o percurso, atravessar novos caminhos e perigos em
busca de um novo local.
A ter em vista a história acreana, percebemos que o projeto
de desenvolvimento pecuarista foi, a partir de 1970, a principal
política de investimentos no Estado. Para isso, milhares de
hectares de terras foram vendidos, outros simplesmente “per-
didos” pelos que lá moravam. Quanto ao progresso prometido,
ficou para os novos que chegaram os mesmos responsáveis pela
expulsão de milhares de trabalhadores dos seus locais de trabalho
e de moradia.
Esse foi um tempo de profundas mudanças. Neste processo
de transformações, a cidade de Rio Branco tornou-se uma
alternativa, as populações tornadas migrantes, buscavam moradia,
brigavam por um lugar, e, encontraram nas chamadas “terras
102 Considerações Finais

devolutas”, “um pedaço de chão” para construir suas moradias,


reconstruir suas vidas e sonhos.
Muitas das famílias moradoras dos bairros que formam o
local também passaram por muitos perigos, atravessaram rios e
percorreram varadouros antes de chegar a Rio Branco, são assim,
de várias localidades. Isso ocorre de três maneiras distintas:
primeiro porque vieram de lugares diferentes, ou seja, de várias
regiões do Brasil; segundo, porque muitos estiveram por muitos
lugares dentro do próprio Acre; e terceiro, porque é intensa a
migração dentro dos próprios bairros, sendo que, a explicação
para essa última forma de mudança está provavelmente na época
do seringal, quando era comum enjoarem a colocação e a trocarem
com o vizinho. Prática que muitos no local ainda realizam, agora
não em relação à colocação, mas em relação às próprias casas.
Não intentamos encerrar por aqui. Este não é o fim dos
estudos sobre os habitantes modificando antropicamente seu
habitat. Este trabalho está apenas no começo. Primeiramente
trabalhamos o contexto de “Sobre Terras e Gentes”, livro que
antecedeu este. Neste volume, agora em equipe de nove
professores/pesquisadores, ensaiamos os “Habitantes e Habitat”
que formaram aquela região em sua primeira fase, num total de
oito bairros. Contudo, já se encontra no prelo a segunda fase de
expansão com “Habitantes e Habitat 2”, com os demais oito bairros
da localidade, perpassando pelos estudos acerca de memória e
identidade a serem efetuados na constituição dos “Traços da
Memória Riobranquense”.
Os traços que aqui apresentamos contêm os resultados de
estudos e pesquisas realizados na área próxima ao antigo
Aeroporto, que fica situada nas imediações da atual Secretaria
Estadual de Educação. Nesse local, hoje em dia estão formados
os dezesseis bairros que compõem a terceira fase de expansão da
cidade de Rio Branco, sendo eles: Palheiral, Pista, Bahia Velha,
Bahia Nova, Aeroporto Velho, Glória, João Eduardo I e João
Eduardo II, Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido
de Castro, Boa Vista, Invasão da Sanacre e Floresta Sul. Os oito
primeiros compõem o setor inicial de formação do local, e os oito
seguintes, representam a fase de expansão. Nestes 16 bairros
moram atualmente mais de 33.908 pessoas, de acordo com o censo
do IBGE no ano de 2000.
O Terceiro Eixo representa a área equivalente a menos de
10% da extensão total urbana da cidade de Rio Branco e comporta
quase um quinto de seus domicílios, e um sétimo de sua
Habitantes e Habitat 103

população. O maior dos bairros do setor, com uma área de


655.330m2, é o bairro Aeroporto Velho, que ocupa 24% da extensão
total das terras da localidade. A distribuição percentual das terras
dos bairros que compõem o setor inicial de formação do local
pode ser observada na seguinte tabela:

Fonte: Setor de Georeferenciamento da PMRB.

Nem só de terras vive uma localidade, as gentes são tão


importantes quanto aquelas. Assim, percebemos que as falas dos
entrevistados são tradutoras das muitas transformações, dos
muitos problemas e alternativas ocorridas nos bairros ao longo
do tempo. Suas lembranças sobre o passado nos possibilitaram o
acesso a um fio condutor, que talvez nos tenha levado a entender
um pouco sobre a historia da terra em que essas gentes requereram
para si, e que foram a cada dia a reinventando.
A partir da análise dessas condições em que viviam os
moradores no final da década de 1970 e início da de 1980, segundo
os relatos dos entrevistados, percebemos a importância dada a
valores como a honestidade e o trabalho, bem como o extremo
apego ao local, dadas as relações estabelecidas pela vivência e
convivência na localidade. Valores que, apesar das transformações
ocorridas, ainda se mantêm nas vidas dos moradores do local.
Foi o movimento dessas transformações que buscamos
entender na medida do possível no decorrer desse trabalho. Desta
forma buscamos construir os ensaios não só pelas informações,
mas também pela experiência de seus moradores, através do que
lhes passou, lhes aconteceu e do que lhes toca. Foi na “ordem e
104 Considerações Finais

desordem” que orientam o fazer e os saberes cotidianos das


pessoas desse lugar que buscamos olhar sem velocidade e sem
preconceito para não ter pressa diante do turbilhão que nos foi
mostrado.
Embora, em sua maioria, os moradores não sejam mais os
mesmos da época de formação do bairro, percebemos que, para
os que ficaram, estabelecer novas ligações de comunhão social
foi fundamental para que aquele espaço representasse mais que
um local, representasse um lar. Desse lugar, os pioneiros no
processo de formação do bairro só buscam sair para o cemitério,
numa demonstração que mesmo com várias oportunidades de se
mudarem para outras localidades, eles mantêm uma relação muito
forte com o lugar, chegando as suas histórias não apenas a fazerem
parte do processo de formação, mas principalmente traduzi-lo,
confundindo-se e misturando-se com ele.
Hoje, mais de 30 anos depois do início de seu efetivo
processo de ocupação, muitos vestígios dessa época de formação
ainda podem ser encontrados. São eles que, somados à lembrança
dos moradores, mostram a nós que esse lugar tem uma história
cheia de retalhos deslineares, fissuras, rupturas, descontinuidades
e fragmentos.
A cada momento, a cada minuto de conversa passado, um
novo pedaço da história do local surge. Quando pensamos que
está para encerrar-se, tudo se reinicia, e começamos a galgar mais
um degrau rumo à espiral que delineia as histórias das gentes e
das terras da localidade.

Escrito em uma noite fria de 2007

Reginâmio Bonifácio de Lima (org.)


Habitantes e Habitat 105

Referências

Livros:

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Habitantes e Habitat 107

Entidades:

Biblioteca da UFAC
Biblioteca Pública Estadual
CDIH da UFAC
Fundação Garibaldi Brasil
IBGE
Memorial dos Autonomistas
Patrimônio Histórico Estadual
Setor de Georeferenciamento Municipal
108
Habitantes e Habitat 109

Sobre os Autores:
Reginâmio Bonifácio de Lima - natural de Rio Branco – Acre, é
Licenciado em História e Pós-graduado em Cultura, Natureza e
Movimentos Sociais na Amazônia pela UFAC; obteve os graus
de Mestre e Doutor em Teologia, pela FATEBOM – SP. Atua como
Policial Proerd na Diretoria de Ensino da PMAC, e é professor de
Teologia Básica e Exposição Bíblica do Novo Testamento, no
Seminário Teológico Kerigma, em Rio Branco – Acre. Atualmente
cursa Mestrado em Letras/UFAC. É o autor de Sobre Terras e
Gentes; Retorno à Santidade; O Sermão da Montanha; e, Ensaio
Sobre Fatos e Datas da Congregação Presbiteriana do Bahia; além
de vários outros artigos.

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio – natural de


Tarauacá – Acre, é Licenciada em Letras vernáculo; especialista
em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia.
Atualmente cursa Mestrado em Letras/UFAC. Atua na rede
pública estadual de ensino como professora de Português e no
Seminário Teológico Kerigma, em Rio Branco – Acre, como
professora de Educação Cristã e de Português. É autora de O
Imaginário Social nos Jornais de Rio Branco (1900-1999); além
de diversos artigos publicados em anais e congressos.

Lelcia Maria Monteiro de Almeida – natural de Cruzeiro do Sul/


AC, graduada em História pela UFAC e Pós-graduanda em
Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia. Atual-
mente desenvolve trabalhos como Coordenadora do Setor de
Acervo na Fundação Cultural Garibaldi Brasil. É autora de
diversos artigos e capítulos de livros, dentre eles, Osmarino
Amâncio: tempo e resistência.

Cleunilde Silva dos Santos – natural do Amazonas, Licenciada


em História/UFAC; Pós-Graduada em Psicopedagogia/IVE.
Atualmente trabalha como Coordenadora de Projetos do
Departamento de Patrimônio Histórico do Acre.

Leila Gonçalves da Costa – natural de Rio Branco – Acre.


Licenciada e Bacharela em História. Atualmente é Coordenadora
de Micro-Rede da Secretaria de Estado de Educação em
Epitaciolândia. Também já exerceu a função de Programadora da
110 Sobre os Autores

TV Aldeia e Bibliotecária do acervo de imagens da TV e da


Biblioteca da Ong SOS Amazônia. Publicou em parceria com
Reginâmio B. Lima, o artigo João Eduardo I e II.

Antônio Vladimir da Silva Barbosa – natural de Rio Branco –


Acre. Licenciado em Geografia pela UFAC. Atualmente
desenvolve atividades como professor na Secretaria de Estado
de Educação. Autor dos artigos: “As condições de vida e trabalho
dos moradores da comunidade Vila Verde localizada na estrada
Transacreana” apresentado no X seminário do CNPq/UFAC; e “A
queimada controlada como instrumento para a produção
agropecuária no Acre” apresentado no 53º SBPC/BA.

Sâmya Teixeira de Alencar – natural de Rio Branco – Acre.


Licenciada em Ciências Sociais. Atualmente desenvolve trabalhos
junto a Clinstran.

Regineison Bonifácio de Lima – natural de Rio Branco – Acre.


Licenciando em História. Já atuou na rede de ensino particular.
Atualmente desenvolve trabalhos junto ao Escritório Contábil
Rosvelt.

Pedro Bonifácio de Lima – natural de Rio Branco – Acre.


Licenciando em Geografia. Atualmente desenvolve trabalhos
junto à Secretaria Municipal de Educação.
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