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Org.

Mohammed ElHajji
Guilherme Curi
Maria Villarreal
Camila Escudero
Leonardo Firmino

V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações


Cadernos de resumos

Interculturalidade, comunicação e
migrações transnacionais: fronteiras,
políticas e cidadania

Périplos
Rio de Janeiro
2018
ORGANIZADORES

Mohammed ElHajji
Guilherme Curi
Maria Villarreal
Camila Escudero
Leonardo Firmino

DIAGRAMAÇÃO

Leonardo Firmino
REVISÃO
Otavio Cesarini Ávila
Guilherme Curi
Maria Villarreal
Camila Escudero
Leonardo Firmino

Edição
Périplos
Rio de Janeiro, 2018

C749a V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações: Cadernos de resumos (5. : 2018 : Rio de
Janeiro, RJ)
Anais [recurso eletrônico] / V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações.
Interculturalidade, comunicação e migrações transnacionais: fronteiras, políticas e
cidadania. Colóquio Internacional, de 16 a 20 de out no Rio de Janeiro, RJ. – Rio de
Janeiro, UFRJ, Périplos, 2017

327 p ; 2230 KB ; PDF

ISBN 978-85-92920-08-1

Disponível em: https://forumdeimigracao.org/


Inclui referências

1. Migrações – Evento 2. Interculturalidade – Eventos 3. Comunicação- Eventos


4. Política – Eventos I. Título.

CDU 316.774(063)
342.7(063)
V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações. Caderno de Resumos.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2017
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SUMÁRIO

Apresentação ...................................................................................................................................... 6

ESTADOS, POLÍTICAS & FRONTEIRAS

Dos Estados de (In) Segurança a Detenção Administrativa nos centros de migração na Itália ........... 7
“Muslim Ban”: Donald Trump e a História das Barreiras Migratórias dos Estados Unidos ............. 17
Mudanças do perfil migratório no Brasil contemporâneo ................................................................. 21
Entre la esperanza y la violencia: políticas punitivas y su impacto en la familia de estatus migratorio
mixto .................................................................................................................................................. 25

FLUXOS MIGRATÓRIOS: ESTUDOS COMPARATIVOS

Novas Mobilidades na zona transfronteiriça (Portugal - Espanha): Ecoimigração e


Interculturalidade no Rio Guadiana ................................................................................................... 30
Uma península para dois irmãos: Os Norte-coreanos na Coreia do Sul e seus ensinamentos sobre
Migração, Refúgio e Nação ............................................................................................................... 34
Reflexões sobre os fluxos migratórios transfronteiriços recentes entre a Colômbia e a Venezuela .. 42
“Lá e cá” histórias e projetos de vida de sorveteiros ítalo-brasileiros na Alemanha ......................... 47

GÊNERO E IMIGRAÇÃO

O uso de TICs nas experiências de ativismo de mulheres migrantes em São Paulo ......................... 53
Experiências das mulheres imigrantes bolivianas em São Paulo em maternidade e cuidados em
saúde da família ................................................................................................................................. 58
A presença de trabalhadores senegaleses em Niterói/RJ: informalidade, precariedade, resistência e
as expressões da imigração contemporânea no Brasil ....................................................................... 63
As Haitianas na escola: o peso do passado e a esperança no futuro .................................................. 69
Reconhecimento do refúgio: uma análise sobre a especificidade de gênero ..................................... 74
Mulheres Refugiadas X Mercado de Trabalho: Uma Análise da Realidade de Superexploração na
Cidade de São Paulo .......................................................................................................................... 79
Mulheres migrantes e a perspectiva de gênero .................................................................................. 85
“Falando com os peixes betas que não existem em minha casa”: o uso das tecnologias da
informação e comunicação pelas brasileiras migrantes no Canadá ................................................... 90
A inserção de imigrantes chineses no mercado de trabalho brasileiro segundo dados do Censo
Demográfico de 2010 ......................................................................................................................... 98

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MIGRAÇÃO, IMPRENSA E COLETIVOS

Quando a Mídia Brasileira fala de Imigração? Resultados de um ano do Observatório MidiaMigra


.......................................................................................................................................................... 104
O consumo cultural e as práticas comunicacionais dos imigrantes haitianos na cidade de Joinville
(SC). ................................................................................................................................................. 109
Retratos da Migração Transnacional na cidade de São Paulo: Um estudo sobre o consumo
imagético da exposição fotográfica “Somos Todos Imigrantes" ..................................................... 117
Uma década de Brasil: Olhares pela Imprensa Haitiana entre 2005-2015 ...................................... 122
Por uma mídia mais humana e aberta ao diferente: o site MigraMundo e a cobertura jornalística
sobre as migrações no Brasil. ........................................................................................................... 126
O Caso Pérolas Negras: uma reflexão sobre futebol, jornalismo e fluxos migratórios ................... 131
O sujeito-objeto e a construção do discurso do “Outro”: uma análise de discurso sobre o processo
migratório de senegaleses e haitianos no Jornal Pioneiro de Caxias do Sul, RS ............................. 136
Exilados de Mazzini no Rio de Janeiro imperial: a primeira emigração política da Itália para o
Brasil ................................................................................................................................................ 140
A identidade lusófona nos jornais de Língua Portuguesa de Macau: primeiros resultados ............. 145

MOBILIDADES TRANSNACIONAIS, TERRITÓRIOS E IDENTIDADES

O uso do transnacionalismo na análise dos fluxos migratórios na região metropolitan de


Londrina/PR ..................................................................................................................................... 149
Tradução e adaptação da Refugee Integration Scale (RIS) .............................................................. 154

SAÚDE E MIGRAÇÃO

Tuberculose em imigrantes no estado de São Paulo ........................................................................ 159


Acesso à saúde por refugiados e solicitantes de refúgio no Rio de Janeiro ..................................... 164
Saúde mental e barreiras de cuidado em migrantes bolivianos em São Paulo, Brasil ..................... 169

INTERCULTURALIDADE, EDUCAÇÃO E TRADIÇÕES

Um olhar antropológico sobre a migração chinesa para Salvador, Bahia ....................................... 174
Latino-americanos na escola e Interculturalidade: reflexões sobre Formação Docente, Currículo e
Cultura Escolar ................................................................................................................................. 179
Cartografias de Corpos-Território: Fronteira, Mobilidade e Urbanização na Amazônia ......... 183
Segunda geração de imigrantes: filhos de dekasseguis no Japão..................................................... 189

REFÚGIO E MIGRAÇÃO FORÇADA

Humanitarismo ou segurança? O alcance normativo do princípio do non-refoulement e a política


europeia para refugiados no Mar Mediterrâneo após a crise de 2015 ............................................. 193

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A importância da religião na compreensão da mobilidade social dos refugiados sírios no Brasil .. 196
A securitização dos refugiados sírios pela França ........................................................................... 201
Solicitantes de refúgio no Brasil ...................................................................................................... 206
Syrian refugees: Brazil as new home ............................................................................................... 209
Infância e cultura: primeiras linhas sobre crianças refugiadas ........................................................ 215
Refugiados sírios na França: uma abordagem da Escola de Copenhagen e do processo de
securitização ..................................................................................................................................... 217
Refugiados: tensões em um imaginário de acolhimento .................................................................. 221
Política de migração entre a União Europeia e Alemanha: escalas e possibilidades de cooperação
.......................................................................................................................................................... 225

TROCAS INTERCULTURAIS E ALTERIDADE

Imigração e Insegurança: Representações aprisionam? Uma etnografia no bairro Veronetta ........ 229
Estigmatização e estereótipo do imigrante haitiano em Lajeado, Rio Grande do Sul ..................... 233
Influência do contexto cultural na escolha de estratégias identitárias individuais e coletivas em
situação de mobilidade ..................................................................................................................... 237
Migração e aquisição de Português como Língua de Acolhimento: promovendo a abertura para a
diferença e diversidade no Brasil ..................................................................................................... 243

SUBJETIVIDADES E TERRITÓRIOS IDENTITÁRIOS

Programa Escolas Interculturais de Fronteira: intencionalidades e desdobramentos ...................... 249


Reflexões iniciais sobre a elite no exílio: os presentes nas missas de réquiem de Dom Pedro II .... 255
Imigração e vivências de haitianos em Joinville (SC): indícios da construção de interculturalidade
.......................................................................................................................................................... 262
Trajetórias migratórias às margens da cidade: a presença de “africanos” e “europeus” nas favelas
cariocas............................................................................................................................................. 265
Uma análise das migrações como poéticas e políticas de transformação social a partir de uma ética
da coabitação .................................................................................................................................... 271
Narrativas de perseguição, narrativas de liberdade: diálogos entre a identidade curda e a identidade
dinamarquesa ................................................................................................................................... 277
O papel da língua na transformação do sujeito migrante e sua inserção na sociedade de acolhimento.
.......................................................................................................................................................... 282
El cuerpo como alteridad en la experiencia migrante. ..................................................................... 286

POLÍTICAS MIGRATÓRIAS E CIDADANIA

Critica da concepção estática dos processos de formação das identidades colectivas a partir de John
Rawls ................................................................................................................................................ 291

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Cidadania, Nacionalidade E Migrações Internacionais: Imigrantes No Conselho Participativo Do


Município De São Paulo. ................................................................................................................. 295
Imigrantes e Políticas Públicas: os desafios enfrentados na garantia de direitos da população
migrante ........................................................................................................................................... 300
Inclusão Política de Estrangeiros: Análise Comparativa entre Argentina, Brasil e Equador. ......... 306

O SUS para Todas e Todos é possível? Até para as pessoas imigrantes? ....................................... 311

Os efeitos do multiculturalismo na União Europeia ........................................................................ 316

Política de informação sobre refugiados: enclave entre os direitos humanos e a vigilância para o
controle............................................................................................................................................. 323

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Apresentação

Sapere aude!

É com enorme satisfação e alegria que apresentamos o terceiro volume do Caderno de


Resumos do V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações, evento integrante do IX Fórum de
Imigrações do Rio de Janeiro e MIGRATIC 2017, realizado entre os dias 16 e 20 de outubro de
2017, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Campus Praia Vermelha.
Com o tema “Interculturalidade, Comunicação e Migrações Transnacionais: Fronteiras,
Políticas e Cidadania”, o Simpósio reuniu pesquisadores de diferentes universidades e centros de
pesquisa nacionais e internacionais com o objetivo principal de promover o intercâmbio do
conhecimento interdisciplinar referentes às migrações humanas no mundo contemporâneo.
Este e-book reúne os trabalhos apresentados na quinta edição do Simpósio, divididos nos
seguintes eixos temáticos, : Estados, Políticas & Fronteiras; Fluxos migratórios: Estudos
comparativos; Gênero e Imigração; Migração, imprensa e coletivos; Mobilidades transnacionais,
territórios e identidades; Saúde e migração; Interculturalidade, Educação e Tradições; Refúgio e
migração forçada; Trocas interculturais e alteridade; Subjetividades e territórios identitários;
Políticas migratórias e cidadania.
A partir de diferentes abordagens teóricas e metodológicas, o leitor encontrará, ao todo, 64
textos que, de certa forma, representam o estado da arte das pesquisas sobre migrações
transnacionais produzidas nos programas de pós-graduação no Brasil, além de valiosas
contribuições de pesquisadores de outras universidades latino-americanas e europeias.
Agradecemos imensamente aos autores desta edição e a todos os profissionais que
trabalham todos os anos para a realização do Simpósio de Pesquisa sobre Migrações e do Fórum de
Imigrações do Rio de Janeiro.
Boa leitura!

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Dos Estados de (In) Segurança a Detenção Administrativa nos centros


de migração na Itália
(In) Security States and Administrative detention of migrants – the Italian hotspot system

Palavras-chave: Detenção administrativa. Migrantes. Segurança. Biopolítica.


Keywords: Administrative detention. Migrants. Security. Biopolitic.

Antonella Grieco
Doutoranda do Programa de Planejamento Urbano e Regional do IPPUR/UFRJ. E-mail:
griecoantonella17@gmail.com

Os migrantes são indivíduos cuja condição jurídica é definida por meio da categoria da
mobilidade que, como afirmado por Bauman (1999, 4), tornou-se “o principal fator de estratificação
social do nosso tempo”. Num sentido estritamente político, as migrações ainda são amplamente
regidas pela territorialidade dos Estado-nações. A eles permanece a prerrogativa de defender o
próprio terrítorio, as próprias fronteiras e economias, não somente e não tanto dos fluxos de bens
materiais ou imateriais, mas da liberdade de circulação e permanência dos indíviduos.
Enquanto entidade abstata, a condição de migrante é um somatório das mais diversas
condições sociais e identidades étnico-culturais (HAESBAERT, 2004, 249). A relação entre
soberania, cidadania e território sobressalta as complexas problemáticas que surgem quando se trata
de minorias étnicas ou religiosas, residindo no mesmo solo das comunidades políticas consideradas
legítimas. A mobilidade humana é um fato que põe em crise pretensa unidade de um país,
colocando a necessidade de repensar as fronteiras interna e externas, suas funções e significados.
Do ponto de vista histórico, o controle da mobilidade das pessoas foi sempre uma das
prerrogativas principais dos poderes constituídos e, portanto, um dos pontos sobre os quais tais
poderes não estavam – e ainda não estão – dispostos a abrir mão em favor da liberdade do direito a
migrar. Emblemático nesse sentido é a representação do valor que sobre o território da União
Europeia adquire a circulação: a mobilidade dos seres humanos, seu controle e gestão é certamente
uma das apostas mais importantes na redifinição dos poderes dentro da comunidade.
Na União Europeia os valores da liberdade e mobilidade territorial estão caminhando na
esteira dos direitos humanos postos aos avessos. Os corpos desterritorializados têm servido de
oferenda e sacrifícios aos rituais contemporâneos que compõem e se erguem ao altar da “segurança
máxima europeia”. As condições nas quais hoje em dia se articula a gestão das migrações na União

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Europeia são marcadas pelo princípio da segurança, entendida como critério controlador e
ordenador do território e da sociedade. Uma das dimensões politica contemporânea da comunidade
europeia baseiase sobre processos que estão trasformando as democracias em “Estados de
(in)segurança (HASBAERT, 2010, 537-557)”. O conceito de segurança está presente nos discursos
dos atores políticos dos governos europeus, evidênciando que as “razões de segurança” estão
ocupando o lugar daquilo que, uma vez, chamava-se “razão de estado”. No “Estado de
(in)segurança” a necessidade de justificar políticas restritivas depende da capacidade de criar,
manter e letimimar situações de medo na sociedades. Sobre a ideia de segurança Giorgio Agambem
afirma:

Enfrentamos hoje os mais extremos e perigosos desenvolvimentos no pensamento da


segurança. Ao longo de uma gradual neutralização da política e a progressiva capitulação
das tradicionais tarefas do Estado, a segurança se tornou o princípio básico da atividade do
Estado. Um Estado que tem a segurança como sua única tarefa e origem de legitimidade é
um organismo frágil; ele sempre pode ser provocado pelo terrorismo para se tornar, ele
próprio, terrorista. (AGAMBEN, 2002b:145-146)”

Foucault havia já demostrado como o termo segurança aparece pela primeira vez no discurso
político francês com os governos dos fiosiocráticos antes da revolução. Não se tratava de prever as
catástrofes o as carências, mas deixar acontecê-la para poder, em seguida, guiar e orientar manobras
políticas convenientes a legítimar deteminadas disposições estaduais. Igualmente a segurança
enunciada hoje em dia não pretende prever o atos terrorristas ou epidemias, mas estabelecer o
controle generalizado e sem limites sobre a população. A associação direta entre terrorismo e
fenômeno migratório torna-se fundamental, para os aparelhos de Estado legitimarem certas ações
em contextos de crise de governabilidade.
Os corpos dos outros, ou outsiders, ou clandestinos, ou refugiados, são partes de um extenso
regime de signos e palavras de ordem que excluem, confinam todo e qualquer corpo
desterritorializado de regiões indesejáveis do planeta. Nesse sentido, os migrantes tornaram-se fácil
alvo das ansiedades e incertezas econômicas e políticas inerentes aos Estados-nacionais e ao bloco
regional da União Europeia de uma forma geral. A ligação entre controle do território, das suas
fronteiras e segurança nacional acaba gerando a ideia que o movimento das pessoas seja uma
atividade suspeita, potencialmente ligada ao crime organizado e voltada à desordem.
Tal regime de controle assume, além disso, um caráter claramente transnacional. O
policiamneto das migrações é uma das manifestações do chamado transnational policing que
evidência a progressiva erosão da rígida dicotomia entre o dentro/fora que caraterizou a
modernidade politica (WALKER, 1993). A governance de Schengen é um exemplo relevante desse

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fenômeno. Com a sua entrada em vigor as antigas fronteiras nacionais foram transformadas em
zonas transnacionais geridas através da colaboração das polícias federais de diferentes países.
Nessas zonas existe uma política que gira em torno do conceito de “novas meaças internacionais”,
cujo fim é a desterritorialização do imaginário do estado de segurança moderno. Isso evidência a
confução entre fronteiras clássicas que estabelecem o que está dentro do que está fora, e contribue
para redefinição das funções das fronteiras como instrumentos de proteção das hipotéticas ameaças.
As novas práticas de transnational policing evidenciam uma certa confusão ente segurança interna
e segurança externa, aumentando o controle e o confinamento dos fluxos migratórios indesejáveis.
As fronteiras da União Europeia parecem dar consistência a ideia schimittiana, aprofundada
por Agambem, de estado de exceção, funcionando como “terrítorios exepcionais” colocados à
margem do ordenamento jurídico-político dos Estados. As fronteiras concernentes aos referidos
Estados podem ser descritas como um espaço de violência onde a relação entre norma e exceção se
confundem.
Segundo o filosofo Giorgio Agamben, a fronteira é uma “zona de indistinção” político-
juridica que ofusca a divisão entre dentro e fora. (VAUGHAN WILLIAM, 2009) Tal zona de
indistinção é identificada com a “forma campo” (AGAMBEN, 1995), uma zona de incerteza que
determina a exposição dos individuos que transitam em tais espaços, articulados ao poder absoluto
da força pública. Trata-se de formas de “geografias de exceções”, ou espaços qualificados onde o
ordenamento territorial é parcialmente suspenso e a vida das pessoas não dependem de um código
de direito específico, mas da responsabilidade da força da ordem que é convocada a gerí-los. Tais
“geografias da exceção”, materializam-se na gestão dos movimentos migratórios que, todavia, são
convocados a reforçar a segregação já existente nessas áreas fronteiriças. Estando dentro ou fora,
excedem, por suposto, a linha de confinamento tanto em direção externa, projetando o poder
soberano no espaço extraterritorial, quanto em direção interna (T. Basaran, 2008). Todavia, segundo
a reconstrução de Agamben, a estratégia do poder soberano não constitui somente a produção de
um “espaço de exceção”, mas também a produção de uma forma de vida juridicamente
desqualificada e exposta ao poder soberano habilitado a exportar esse principio para além dos
limites previstos territorialmente.
Isto acontece sob a forma que Nick Vaughan Williams (2009) define como “confinamento
biopolítico generalizado”, onde a ideia de fronteira biopolítica não se vivencia somente na relação
entre espaço, soberania e direito, mas também na relação entre soberania e vida nua:

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as fronteiras não são mais o limite exclusivo do confinamento territorial –


lugares institucionalizados que podem ser materializados ou individuados
sobre o mapa oficial – mas espaços onde uma determinada soberania
termina e outra comença (E. Balibar, 2002: 89).

O que sucede, é que as fronteiras se tornam móveis e passam a ser reconfiguradas de acordo
com a mobilidade dos fluxos humanos e os interesses locais. É como se a forma campo se
espraiasse para além dos limites tradicionais de confinamento ou detenção locais, expondo ao risco
permanente de redução à vida nua os migrantes irregulares, principalmente aqueles em situações de
vulnerabilidade.
Analisando as políticas migratórias e os dispositivos da mobilidade dos migrantes no
contexto da União Europeia, é possível afirmar que elas são expressão de modelos de confinamento
socio-espacial implementados a partir de específicas dinâmicas econômicas, projetos de controle e
manobras de contenção territoriais. Nos últimos anos o aclhimento e a detenção administrativa
dos migrantes e requerentes de asilo têm sido institucionalizada e tornado-se estratégia chave para
a gestão dos fluxos migratórios indocumentados. Os centro, os campos, as zonas de concentração e
detenção dos migrantes parecem subverter a relação entre liberdade e segurança, que está na base
do atual regime dos direitos humanos. Fato que tem como consequência a criação de um duplo nível
de legalidade e um paradoxal sistema que proteção, ao passo que cerceia, as liberdades individuais.
A criação da “Fortaleza Europa”, dos campos de contenção e detenção para estrangeiros no
continente europeu remonta ao ano de 1985 e 1993, quando foram firmados o Acordo de Schengen
e Tratado de Maastricht. Respectivamente relativos a demarcação dos limites territoriais e a
sucessiva implementação do fluxo de livre circulação de bens, pessoas e mercadorias no bloco
regional da União Europeia. A abertura das fronteiras entre a área de livre circulação para os
cidadões da UE tem correspondido, por outro lado, a criação de barreiras, tecnologias, dispositivos
de vigilância e muros de contenção nas fronteiras externas para os não-cidadãos. Este processo de
reforço das fronteiras – nascido da convicção que a abolição das fronteiras internas, se não geridas,
teria constituído uma ameaça para a ordem pública dos países pertencentes à área Schengen –
acabou por legítimar o recurso sistemático de restrições da liberdade para os migrantes das áreas
que ficam no entorno do Mediterrâneo. Se para um cidadão alemão, austríaco ou italiano seria
impensável a possibilidade de ser privado da própria liberdade sem cometer nenhum ato ilícito
administrativo, para os não-europeus esse processo vem tornando-se uma regra.
A chegada dos migrantes irregulares nos países da União Europeia passa por uma política de
controle total e irrestrito, que tem início nas coordenadas geográficas das águas internacionais ou de

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forma mais geral nas fronteiras de Schengen e são acirradas conforme se aproxima das costas
litorâneas. Ao desembarcar em portos ou entrar em terras europeias os migrantes indocumentados
são confinados em estruturas fechadas ou semi-fechadas para ser identificados e à espera do próprio
pedido de asilo ou residência, até que venha a ser examinados, aprovados ou negados. No caso de
aprovação, eles são realocados e inseridos em estruturas de primeiro acolhimento. Caso não
obtenham o status de proteção ao refugiado, os migrantes são repatriados forçosamente nos países
de origem, ou no Estado não-europeu da qual eles acessaram a União. Reconhecendo nestes
dispositivos uma matriz comum – a metamorfose do chamado estado de exceção em estado de
(in)segurança– eles podem ser identificados como um processo de controle e de filtragem, onde os
migrantes não somente são internados e imobilizados, mas também geridos de maneira que a
própria mobilidade seja produtiva para o capital. Desde o fim da Guerra Fria a detenção
administrativa vem sendo utilizada por cada Estado europeu como instrumento de gestão da
população migrante. Declinados com nomes e práticas diversas, esse dispositivo aparece como um
eficaz método de controle biopolítico das migrações e de asilo na Europa. Os dispositivos
analizados nesse texto são os Centros de identificação, Centros de detenção administrativa dos
migrantes, Centros de expulsão, e os Centros de concentração dos migrantes e requerentes de
asilo.

Definidos por Federico Rahola como “Centros permanentemente temporarios”1 os lugares


de confinamento, concentração e detenção administrativa são divididos em categorias às quais
correspondem uma dada tipologia de indivíduos: internally displaced, asylum seekers, temporary
refugees, illegal aliens; emergency temporary location, temporary protected areas, transit
processing centers ou identification centers, refugees temporary centers. Seguindo essa
classificação política dos centros e dos migrantes é possível evidenciar que existe a real
possibilidade de um indivíduo poder transitar entre todos os “status” e zonas temporárias para,
eventualmente, obter uma determinada autorização de permanência no território europeu. O que
significa, por suposto, a institucionalização de formas de ordenamento territoriais, nas quais os
aglomerados de exclusão (HAESBAERT, 2010) são condenados a um regime de confinamento
permanentemente. A humanidade “em excesso” (RAHOLA, 2003, 37) que superlota um campo ou
centro de requerentes de asilo é constituída por indivíduos excluídos das lógicas políticas,
econômicas e sócio-culturais de um determinado território. Ocorre, nesse sentido, a desarticulação e
a rearticulação de zonas de confinamento contemporâneos, vistas em diferentes escalas e nuances

Rahola F., Zone definitivamente temporanee. I luoghi dell’umanità in eccesso, Ombre Corte, 2003
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do poder, que reproduzem práticas de confinamento e contenção territorial. Na realidade atual


unificada pelo mercado e dividida pelos confins permanentes, o sistema de forma-campo define
qual parte da humanidade estaria “sobrando” em determinados territórios e, portanto, sujeita a
processos prisionais abertos, semi-aberto e fechados, sob o risco iminente de deportação.

Considerando as particularidades do chamado sistema de primeiro acolhimento italiano,


pode-se evidenciar uma multiplicidade de centros de confinamentos temporários diferenciados, a
depender da natureza da escala da gestão e do planejamento: municipal ou regional; político-
jurídica concernentes à detenção administrativa, proteção humanitária ou procedimento de
expulsão; e econômicas relativas à esfera pública ou privada. A atual normativa italiana configura
duas formas de acolhimento distintas: de um lado os grandes centros coletivos do primeiro
acolhimento e expulção - Centros de Primeiro Socorro e Acolhimento (Cpsa), Centro de
Acolhimento (CDA), Centros de Acolhimento para Requerentes Asilo (Cara), Centros de
Identificação e Expulsão (CIE) - com finalidade de oferecer assistência e primeiros socorros às
pessoas que chegam ao território italiano; de outro a rede do segundo acolhimento do Sistema de
Proteção para Requerentes Asilo e Refugiados (SPRAR), formada por pequenas estruturas
difundidas no território nacional e destinadas à integração social e econômica dos requerentes e
titulares de uma forma de proteção internacional. A distinção entre os dois circuitos de acolhimento
aparece, todavia, restrita aos papéis oficiais que estabelecem a institucionalização desses
dispositivos. As normas jurídicas italianas são carregadas de ambiguidades e, por vezes, se utilizam
e se confundem com as mesmas regras vigentes no bloco europeu. Ao critério que configura o
sistema de acolhimento, teoricamente dividido em dois, aparentemente se contrapõe a legislação
italiana que prevê medidas estraoridinarias de acolhimento, baseadas na distinção entre
“verdadeiros” e “falsos” requerentes de asilo e proteção internacional. O bloco do definido
“primeiro acolhimento” pertence ao sistema hotspot (Standard Operating Procedures), no qual as
autoridades de polícia territorial, do sistema sanitário, das ONGs e das agências Frontex, Europol,
European Asylum Support Office (EASO) desempenham ações de cooperação destinadas à
concentração dos migrantes em grandes centros coletivos situados ao longo das costas italianas. Os
hotspot são áreas fechadas, dentro das quais os migrantes permanecem em detenção político-
administrativa, por um período de tempo indefinido ou não qualificado. Sendo sujeitados a
limitações de liberdade individuais por razões de segurança, na véspera de uma realocação em
outros dispositivos de confin-acolhi-mento, com base na proteção internacional ou designados a
políticas de repatriamento. Assim que os migrantes irregularmente entram no solo nacional, são
espremidos nos hotspot onde, depois da submissão ao screening sanitário e ter recebido primeiro

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socorro, são identificados e podem encaminhar as proceduras de pedidos de asilo2. No prazo de 48


horas da chegada, os sujeitos que subscrevem o pedido de proteção internacional são realocados nos
hub regionais, enquanto aqueles que não encaminham o pedido, os que são definidos não idôneos
para propô-lo, são conduzidos aos Centros de Identificação e Expulsão (CIE) para ser teoricamente
repatriados. Segundo os dados estatísticos apresentados pela Câmara dos Deputados 23 janeiro
20173, os hub regionais se encontram nas cidades: Crotone, Bologna, Gorizia, Udine, Castelnuovodi
Porto, Bari, Brindisi, Foggia, Agrigento, Messina, Caltanisetta, Catania, Bagnolidi Sopra, Treviso e
Cona. Tais dispositivos sempre, segundo a teoria da norma, devem substituir as velhas
classificações, efetuadas pelo ministério do Interior, em Cpsa, Cda, Cara e Cie. Todavia, as
normativas do acolhimento não são lineares, assim que, ainda hoje, existe pouca clareza a propósito
do funcionamento efetivo da máquina estatal. A classificação do Ministério do Interior, baseada na
diferenciação de status jurídicos dos estrangeiros, previa 4 tipologias de estruturas de primeiro
acolhimento de migrantes. Os primeiros eram os Centros de Primeiro Socorro e Acolhimento
(Cpsa) instituídos com o Decreto interministerial, em 16 de fevereiro de 2006 e dedicado ao
acolhimento temporário, como sede em Agrigento, Lampedusa, Cagliari, Elmas Lecce, Otranto,
Ragusa, Pozzallo, todas cidades das ilhas e regiões meridionais da península. Nesses dispositivos,
os imigrantes podiam pedir a proteção internacional ou asilo, com base na avaliação de cada status e
ser depois transferidos para outras estruturas. A segunda tipologia de centros eram os Centros de
Acolhimento (CDA), instituídos com a Lei n. 563/95, onde se garantia aos detidos uma primeira
forma de assistência aos requerentes de asilo a espera da definição da sua condição jurídica no
território italiano. Juntos com tais dispositivos, o Ministério abria os Centros de Acolhimento para
Requerentes de Asilo (Cara) instituídos com o decreto legislativo n. 25/2008 para hospedar os
requerentes de proteção intencional, localizados nas cidades de Gorizia, Gradisca d’Isonzo, Ancona,
Arcevia, Roma, Castelnuovodi Porto, Foggia, BorgoMezzanone, Bari, Palese, Brindisi, Restinci,
Lecce, Don ToninoBello, Crotone, Loc. S.Anna, Catania, Mineo, Ragusa, Pozzallo, Caltanissetta,
ContradaPian de Lago, Agrigento, Lampedusa, Trapani, Salina Grande, Cagliari Elmas. A partir de
fevereiro de 2017 o Ministro do Interior, Marco Minniti, e o Ministro da Justiça, Andrea Orlando,
apresentam ao governo o texto de um decreto lei que renova, mais uma vez, as medidas de
concessão do asilo, repatriamento e expulsão. A reforma em vigor, desde agosto 2017, substitui os

2
Os hotspot operativos são 4: na ilha de Lampedusa, Trapani e Pozzallo (Sicilia) e Taranto (Puglia).
3
Dados da “Commissione parlamentare di inchiesta sul sistema di accoglienza, di identificazione ed espulsione, nonché
sulle condizioni di trattenimento dei migranti e sulle risorse pubbliche impegnate” - disponivel:
https://immigrazione.it/docs/2017/dati-statistici-23-gennaio-2017.pdf - último acesso 10/08/2018.

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Centros de Identificação e Expulsão (CIE), com os Centros de Permanência e Repatriamento (CPT)


abertos em cada região do território nacional, por um total de 20 dispositivos que podem hospedar
até 100 pessoas cada um. Igualmente, a reforma prevê a instituição de juízes especializados
dedicados especificamente a questões ligadas a pedidos de asilo e operações de repatriamento. Os
migrantes que apresentam a documentação para regularizarem-se e cujo pedido é rejeitado são
aprisionados nos Centros de Detenção e Expulsão situados em Torino, Roma, Bari, Trapani e
Caltanisetta. Os migrantes sujeitos à detenção administrativa por um máximo de 90 dias passam a
ser detidos por 12 meses.

A contínua reformulação do sistema normativo da gestão dos fluxos indocumentados acaba


por passar por progressivas distorções no que se refere à função dos centros de identificação,
acolhimento e/ou expulsão, transformando-os em campos de concentração e confinamento da
humanidade em mobilidade. Aquilo que era considerada e definida como uma pena parcial ou
acessória funciona como estratégia destinada a impedir os fluxos migratórios porvir.

Os centros em quastão rearticulam as classificações de status, de classe e de raça nos


processos de deterritorialização global e evidenciam as formas de confinamento humano baseado
no duplo regime de inclução diferenciada. Os centros objetos de pesquisa são espaços heterotopicos
de crise (FOUCAULT, 2013: 19), onde o controle dos corpos sobrepõem-se as suas suposta
proteção, e a soberania do Estado sobrepõem-se a os direitos humanos. Definidos displaced os
migrantes irregulares confinados nos centros de acolhimento e detenção europeus são sujeitos a
logícas excepcionais em quanto categoria não políticamente representada e/o reconhecida. Nesse
panorama os centros são lugares-outros onde o poder soberano produz, classifica e confina
categorias humanas passíveis de detenção.

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Mapa 1: Fortaleza Europa. Mapa dos centros de detenção administrativa para migrantes indocumentado na Europa

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“Muslim Ban”: Donald Trump e a História das Barreiras Migratórias


dos Estados Unidos
“Muslim Ban”: Donald Trump and the History of Migratory Barriers in the United States

Palavras-chave: Migrações, Estados Unidos, Soberania, Donald Trump, Direitos Humanos


Keywords: Migrations, United States, Sovereignty, Donald Trump, Human Rights

Pedro Henrique Dias Alves Bernardes


Bacharel em Relações Internacionais (Universidade de Brasília). Mestrando em Direitos Humanos
(Universidade de São Paulo). E-mail: pedro.bernardes@usp.br

Vinícius Menezes Rangel de Sá


Mestre em Direitos Humanos e Direito Humanitário (Université Paris 2 - Panthéon-Assas). Mestre
em Estudos Políticos (Université Paris 2 - Panthéon-Assas). E-mail: vinimrsa@gmail.com

No mundo contemporâneo, no qual o deslocamento de indivíduos é um fenômeno social


irrefutável, as migrações internacionais surgem como um desafio ao monopólio do Estado-nação
westfaliano sobre a legitimidade de mobilidade através de suas fronteiras. Dada a sua autonomia
inquestionável dentro do Direito Internacional, o Estado exerce um importante papel na forma que
tais fluxos assumem, principalmente conforme as suas políticas de imigração e cidadania (Reis,
2004). É importante questionar, contudo, a partir de que ponto a soberania estatal sobre o controle
das fronteiras passa a violar o direito humano à mobilidade.
Foi possível observar nos últimos anos o estabelecimento de políticas migratórias cada vez
mais rígidas, concomitantemente a um aumento da xenofobia contra migrantes e refugiados,
incluindo a partir de líderes políticos (Medeiros & Bernardes, 2016). Este é o caso, por exemplo, do
recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que construiu a sua campanha
presidencial sob o ódio, xenofobia e promessas de fechar as fronteiras do país. Em seu primeiro mês
como presidente em exercício, Trump emitiu um decreto que paralisou o programa de acolhimento
de refugiados no país e bloqueou a entrada de pessoas de origem em sete países de maioria
muçulmana, incluindo a Síria, que se encontra devastada por uma guerra civil. Tal medida foi
apelidada de “muslim ban” devido ao seu claro teor xenofóbico direcionado a pessoas de origem
muçulmana (Yuhas & Sidahmed, 2017).
A imprecisão da medida estabelecida gerou confusões em portos e aeroportos, já que barrou
refugiados, pessoas com visto aprovado e residentes legais de origem nos países banidos. O
argumento central de Donald Trump para a adoção dessa ordem executiva foi a pretensão de

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impedir a entrada de terroristas nos Estados Unidos, o que gerou diversas críticas internacionais por
seu caráter xenofóbico disfarçado sob justificativa de segurança, principalmente por considerar o
risco de refugiados realizarem atos terroristas, sendo que muitos deles estão justamente fugindo de
grupos extremistas. Além disso, deve-se ressaltar que a principal forma de a maioria dos refugiados
entrarem no país é via rígidos programas formais de reassentamento, que envolvem seguidas
entrevistas e verificações de segurança por várias agências governamentais (Knight, 2017). Logo, o
programa nacional de reassentamento de refugiados seria o caminho menos provável para um
terrorista escolher.
Os Estados Unidos possuem uma história conectada com a imigração desde a sua
fundação, tendo criado um vínculo indissociável com ela. A sua extraordinária capacidade em
absorver dezenas de milhões de pessoas de todas as classes, culturas e nacionalidades muitas vezes
conviveu com uma face mais indecorosa do processo de construção e formação nacional. Com
efeito, grande parte da história estadunidense pode ser vista como um movimento conflitante dos
processos de inclusão e exclusão e, em casos extremos, de expulsões e deportações forçadas
(Daniels, 2002).
É possível observar sucessivas restrições à imigração aos Estados Unidos ao longo dos
anos, direcionadas a diferentes grupos específicos, tais como chineses, japoneses ou judeus. Ao
mesmo tempo, o país estabelecia cotas de imigrantes que beneficiavam enormemente a entrada de
pessoas vindas de países do norte da Europa. Os exemplos dessas ações são abundantes, indicando
como o retrocesso na situação dos imigrantes por parte do governo Trump não representa um fato
isolado na história dos EUA, sendo possível estabelecer conexões com políticas migratórias
adotadas em outros períodos no passado (Daniels, 2002; Slager, 2018).
Considerando este cenário onde o direito à migração aparece diretamente ligado à soberania
e nacionalidade, cabe questionar se o indivíduo é um sujeito de direitos mesmo quando ele deixa as
fronteiras de seu Estado-nação. Paul Ricoer (2008) apresenta a visão liberal na qual o indivíduo
precederia ao Estado, e, portanto, seus direitos seriam vinculados à sua categoria de homem e não
na qualidade de membro de uma comunidade política. Já Hans Joas (2012) defende a utilização do
termo pessoa – em contraposição a indivíduo – visto que aquele tem a vantagem de não ser
compreendido como antônimo de sociedade ou comunidade. Pessoa carrega um “tipo específico da
vida social, do qual a personalidade de cada indivíduo é constitutiva” (Joas, 2012, p. 84).
De forma semelhante, Émile Durkheim (2016, p. 45) defende que “não há razão de Estado
que possa desculpar um atentado contra a pessoa quando os direitos da pessoa estão acima do
Estado”. Para ele, a “sacralidade da pessoa humana” seria o elemento comum a todos as pessoas,

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sendo, portanto, o elemento de coesão social frente às crescentes diferenciações geradas pela
expansão territorial das sociedades e da divisão progressiva do trabalho, que seria um empecilho
para que as pessoas se identificassem umas com as outras mediante elementos comuns particulares.
Este seria o único elemento “que se conserva imutável e impessoal na correnteza variável das
opiniões individuais” (Joas, 2012, p. 87).
É justamente este ponto – as tendências sócio-estruturais que ameaçam a coesão social – que
vemos reverberar nas políticas rígidas contra migrantes adotadas por países como os Estados
Unidos. Diversos chefes de Estado têm utilizado seu poder político para criar a imagem do migrante
como um inimigo, uma ameaça à segurança nacional. Cada vez mais o “outro” é colocado em
oposição ao nacional de forma negativa, securitizando questões humanitárias tais como a concessão
de refúgio a pessoas que não têm mais para onde fugir (Medeiros & Bernardes, 2016). Dessa forma,
tenta-se apagar o elemento sacro da pessoa humana de migrantes e refugiados, desumanizando-os
para que não se desperte a empatia pelo sofrimento alheio – um dos elementos apontados como
essenciais para o surgimento dos direitos humanos, conforme Lynn Hunt (2007)4.
É importante, portanto, recuperar a ideia de sacralidade da pessoa humana apresentada por
Durkheim (2016) e Joas (2012) para a garantia dos direitos de migrantes. O elemento comum de
todos indivíduos, independente das diferenças sociais, culturais ou de nacionalidade, seria
justamente a categoria e seus atributos de pessoa humana em geral (Durkheim, 2016). Dessa forma,
despertar-se-ia maior empatia pela situação do migrante e refugiado, independentemente de sua
nacionalidade, mas apenas pelo seu caráter de pessoa humana – ser sacro e sujeito de direitos.

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Joas, H. (2012). A Sacralidade da Pessoa: Nova Genealogia dos Direitos Humanos. São Paulo:
Editora Unesp.

4
Cabe ressaltar que Hans Joas (2012) apresenta a sacralização da pessoa humana como um elemento mais fundamental
para o desenvolvimento dos direitos humanos do que a empatia em si, visto que a efetividade real desta depende de uma
motivação pessoal baseada em motivos valorativos. Segundo ele, “a sacralização da pessoa nos motiva para a empatia;
a empatia por si só não produz a sacralização da pessoa de todas as pessoas” (Joas, 2012, p. 98).

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Mudanças do perfil migratório no Brasil contemporâneo


Migratory profile changes in contemporary Brazil

Palavras-chave: Migrações Intra-regionais; Brasil Contemporâneo.


Keywords: Intra-regional Migrations; Contemporary Brazil

Patrícia Barros
Mestranda em Ciência Política no IESP-UERJ
Membro do Grupo de Pesquisa em Relações Internacionais e Sul Global da UNIRIO
Email: portobarrospatricia@yahoo.com.br

Esta pesquisa se baseou em dados disponibilizados pela Polícia Federal (PF), através do
Sistema de Acesso à Informação do Governo Federal 5 . Nela, buscou-se destacar as principais
mudanças nos fluxos de entrada de estrangeiros no Brasil entre os anos de 2010 e 2016. Além
disso, foram abordados alguns dos países, que são os principais locais de origem destes fluxos
migratórios, bem como causas que influenciaram a migração e os possíveis motivos que
tornaram o Brasil o destino destas pessoas.
Em 2010, o Brasil recebeu 54 mil imigrantes e, nos anos seguintes, este número não parou
de aumentar. Em 2016, a Polícia Federal contabilizou, aproximadamente, 126 mil pessoas.
Até 2015, a maior parte dos imigrantes que chegou no Brasil foi classificada pela PF como
temporária. Já em 2016, o principal fluxo recebido foi de imigrantes permanentes, em seguida
temos os temporários, seguidos pelos fronteiriços.
Outra mudança importante se refere a origem destes imigrantes. No ano de 2010, pouco mais
que 33% dos fluxos que se destinaram ao Brasil provieram da América do Sul e Central. Em
2016, esta quantidade quase duplicou, passando dos 64%. Neste mesmo ano, as cinco
principais nacionalidades das pessoas que chegaram no Brasil são provenientes destas regiões.
Enquanto que de 2010 a 2015, países como a China, os Estados Unidos, Portugal e Filipinas
fizeram parte deste grupo.
Em 2010, um tufão passou pelas Filipinas, deixando cerca de 200 mil pessoas desalojadas
(BBC, 2010). Este acontecimento, provavelmente, foi um dos fatores que influenciou o
crescimento da entrada de filipinos no Brasil. No ano seguinte a este desastre natural, o
arquipélago ficou no grupo das cinco principais nacionalidades dos estrangeiros que ingressaram

5
https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/acesso_info.html

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no território brasileiro.
De acordo com Pereira (2011), a situação econômica internacional e o crescimento
interno brasileiro trouxeram trabalhadores ao país. Em 2011, portugueses, bolivianos e chineses,
lideraram “os índices de elevação da regularização do Departamento de Estrangeiros do
Ministério” 6 . Em relação aos chineses, Paulo Abrão, que ocupou o cargo de Secretário
Nacional de Justiça de 2011 a 2014, afirmou que o aumento da presença destes é “um fenômeno que
ocorre em todo o mundo, em especial nos países que têm relações comerciais com a China” (Brasil,
2011).
Em 2016, o maior grupo de imigrantes que chegou ao Brasil é representado pelos
haitianos, seguido pelos colombianos e bolivianos. Desde a sua independência, o Haiti passa por
diversos momentos de instabilidade política, como ditaduras e golpes de Estado, os quais atuam
como freio em seu desenvolvimento. Há décadas, esta instabilidade gera um fluxo de saída de
haitianos do país. Porém, em 2010, um desastre natural desestabilizou ainda mais o Haiti e ampliou
significativamente este fluxo. Houve um terremoto no qual milhares de pessoas morreram e, até
os dias de hoje, o país ainda não se reestruturou. De 2004 até o começo do segundo semestre de
2017, o governo brasileiro liderou a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti. Essa
missão contribuiu para a aproximação destes países e foi um dos motivos para o Brasil se tornar o
destino de muitos haitianos.
Ao chegar no Brasil, muitos haitianos solicitam refúgio, mas a grande maioria tem suas
solicitações indeferidas pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão
responsável por analisa-las. O que tem sido concedido a estes imigrantes, desde 2012, é um
visto humanitário, o qual permite que estes permaneçam no Brasil. Esta é uma medida referente à
Resolução Normativa 97 do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), pautada no Estatuto do
Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), a qual foi recentemente prorrogada e estará em vigor até
outubro de 2017 (Brasil, 2016).
Por outro lado, os colombianos, há décadas, vivenciam “um conflito armado com grupos de
guerrilheiros, em especial com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que
provocou mais de 220.000 mortes [a maioria civis], mais de sete milhões de vítimas e
impediu o pleno desenvolvimento do país” (Lafuente, 2015). Essa situação e os problemas
desencadeados por ela, como a fome e o medo, fizeram com que diversas pessoas deixassem o
país e, entre 2010 e 2016, a Polícia Federal brasileira registrou a entrada de 34.225 colombianos no

6
Ibidem.

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país. De acordo com o representante do ACNUR, “o início do diálogo de paz [que ocorreu há
alguns anos] é importante, mas os colombianos continuam deixando o país porque não têm
confiança de que o processo vai dar certo” (Anônimo, 2014).
A Bolívia tem enfrentado dificuldades nas esferas econômica, social e política. Esse
contexto, junto a fatores como a existência de redes e comunidades bolivianas existentes no
território brasileiro e facilidades de regularização estimulam a saída destes de seu país e parte
destes se destina ao Brasil. Historicamente, a imigração boliviana era predominantemente
fronteiriça, mas recentemente adquiriu “novos contornos em sua distribuição no Brasil, com
destaque para sua importância no cotidiano da metrópole paulista” (Baeninger, 2012).

Além dos motivos citados anteriormente, os colombianos e imigrantes de países membros e


associados ao Mercado Comum do Sul (Mercosul) também optam por migrar para o Brasil devido
à possibilidade de entrar no país sem necessitar de visto e por se beneficiarem do acordo sobre
residência para nacionais dos estados parte do Mercosul, em vigor desde o início em 20097.

Fatores como a criação de políticas migratórias restritivas, o enrijecimento das fronteiras dos
países do Norte e o aumento das migrações no circuito Sul-Sul, assim como o crescimento
econômico brasileiro, acompanhado da demanda do mercado de trabalho por mão-de-obra,
maior estabilidade política e melhores condições sociais, o papel do país como potência
emergente e as propagandas relacionadas ao fato de sediar grandes eventos tornaram o Brasil um
polo de atração para novos fluxos migratórios. Paralelamente, elementos como o fato do Brasil
fazer fronteira com diversos países, além de participar de processos de integração regional,
estimularam a chegada crescente de imigrantes intra-regionais.
Entretanto, também é preciso frisar que assim como o período de crescimento econômico
atraiu muitas pessoas para o Brasil, mesmo que em proporções menores, o período de recessão
econômica fez o oposto. Muitos imigrantes ficaram desempregados. Alguns destes voltaram aos
seus países de origem e outros migraram para outros locais. De acordo com a Polícia Federal,
até abril de 2016, 3.324 haitianos deixaram o Brasil e agora buscam oportunidades em outros
países (Anônimo, 2016). E, de 2015 até abril de 2016, a quantidade de bolivianos que retornou a
Bolívia passou de 41.555 a 50.5544. Em contrapartida, a “crise política e econômica na
Venezuela tem levado muitos cidadãos a deixar o país” (Brasil, 2017). Estima-se que “30 mil
venezuelanos chegaram ao Brasil por terra desde o ano passado”, 2016 (Delfim, 2017). Com isso,

7
Promulgado pelo Decreto nº 6975 de 07/10/2009.

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o papel do Brasil neste contexto migratório segue se transformando.

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Entre la esperanza y la violencia: políticas punitivas y su impacto en la


familia de estatus migratorio mixto
Between hope and violence: punitive policies and their impact on the mixed-status families
Entre a esperança e a violência: políticas punitivas e seu impacto na família de status migratório
misto

Ramiro Antonio López


Estudiante de Doctorado en Ciencias Sociales, El Colegio de Sonora. E-mail: ramiantl@gmail.com

Gloria Ciria Valdéz-Gardea


Profesora investigadora en El Colegio de Sonora. E-mail: gvaldez@colsonmx.onmicrosoft.com

La vida de los migrantes en Estados Unidos es cada día más difícil debido al aumento sin
precedentes de leyes y políticas migratorias que han expandido la definición legal de los conceptos
“criminal” y “felonía agravada”, con el fin de hacerlos aplicables a situaciones que antes constituían
delitos menores. Asimismo, han aumentado el número de causas por las que un inmigrante puede
ser detenido y deportado una vez que ha cumplido su sentencia en la cárcel.
Desde la década de los 90´s la pena por delitos migratorios ha ido adquiriendo
características del derecho penal, lo cual ha conducido a un proceso de criminalización de la
migración indocumentada. Al hablar de criminalización nos referimos a los procedimientos que,
divergiendo de leyes y políticas anteriores, castigan, estigmatizan y excluyen a un determinado
grupo (Miller, 2008). Estas políticas punitivas tienen múltiples consecuencias, siendo la principal la
separación familiar forzada por la deportación la cual puede tener efectos devastadores en términos
económicos y emocionales, tanto para el migrante deportado como para quienes se quedan
residiendo en Estados Unidos. Otras consecuencias adversas para los migrantes deportados incluyen
abusos físicos y malos tratos en los centros de detención, así como el riesgo de ser víctimas de
autoridades abusivas o de grupos del crimen organizado en el lugar de la deportación. Estas
políticas punitivas, no solo tienen un enorme costo económico para los contribuyentes, sino que
además tiene un costo humano difícil de cuantificar al considerar el sufrimiento que causan a la
familia.
En esta ponencia analizamos el impacto económico y emocional que la criminalización de la
migración tiene en la vida de las familias migrantes. Así mismo, exponemos algunas de las
situaciones que afectan al migrante deportado a lo largo del proceso de detención, juicio y

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deportación; planteamos que las situaciones que enfrentan constituyen formas de violencia que son
consecuencia de las políticas migratorias punitivas actuales.
Los referentes legales más recientes de la política que criminaliza a los inmigrantes
indocumentados son las leyes Antiterrorism and Effective Death Penalty Act (AEDPA) y The
Illegal Immigration Reform and Immigrant Responsibility Act (IIRIRA), aprobabas por el congreso
estadounidense en 1996. Estas leyes incrementaron ampliamente el número de delitos que
constituyen felonías agravadas para propósitos de migración. Además, recientemente se ha
incrementado el sentimiento nativista y racista de ciertos sectores de la población norteamericana,
aumentando la amenaza a que ya estaban sujetas las familias indocumentadas. Los eventos del 11
de septiembre de 2001 contribuyeron a incrementar la difícil situación que los inmigrantes de por sí
enfrentaban ya que como respuesta a estos actos terroristas se aprobó en el 2001 la USA PATRIOT
Act, la cual ha tenido un amplio efecto principalmente en quienes no son ciudadanos americanos
debido a que esta ley amplió aún más las causas por las que alguien puede ser deportado
(Prodgorny, 2009). De acuerdo con Tumlin (2004, 1177), “las nuevas políticas contra el terrorismo
envían el mensaje que los inmigrantes de ciertas nacionalidades deberían ser vistos, en primer lugar,
como potenciales terroristas, y después como nuevos migrantes bienvenidos”.
Un claro ejemplo del nivel de criminalización del que son objeto los inmigrantes es la
iniciativa Operation Streamline (OSL), una política de tolerancia cero que ha impactado
adversamente a miles de familias, sobre todo a las familias de estatus migratorio mixto, es decir
familias integradas tanto por ciudadanos americanos como por inmigrantes indocumentados (Fix y
Zimmermann, 2001). Esta iniciativa fue diseñada para desalentar a los migrantes de internarse en
territorio norteamericano de manera indocumentada, al imponerles cargos criminales al ser
detenidos y enviarlos a la cárcel por meses e incluso por años cuando el inmigrante ha sido
deportado previamente (Department of Homeland Security, 2015). Casi 102, 000 migrantes han
sido procesados y deportados en el corredor fronterizo de Tucson del año 2010 a abril del 2017.
Muchos de estos migrantes han vivido por varios años en Estados Unidos y al ser deportados son
separados de sus familias, lo cual provoca una serie de problemas tanto en el corto como en el largo
plazo.
Los resultados que se presentan en este texto corresponden a una investigación de tipo
cualitativo. La información empírica fue recogida mediante observación participante y entrevistas
semiestructuradas con migrantes deportados. La técnica de observación se llevó a cabo en el
Tribunal Federal de Estados Unidos en Tucson, Arizona, a donde tuvimos se acudio en diez
ocasiones para observar las audiencias de Operation Streamline en las que todos los días hábiles se

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juzga a un máximo de75 individuos, hombres y mujeres, que han sido detenidos al cruzar la
frontera sin documentos.
Las entrevistas se realizaron en Nogales, México, con migrantes deportados que de manera
voluntaria aceptaron participar y que cumplieron con los siguientes requisitos: ser mexicano, haber
vivido en Estados Unidos de manera indocumentada durante varios años, tener familia en Estados
Unidos, que al menos un miembro de la familia fuera ciudadano americano, haber sido procesado a
través del programa Operation Streamline. Se entrevistó a 20 migrantes, dos mujeres y 18 hombres.
Durante las sesiones de observación de los juicios se observó el trato inhumano que los
migrantes reciben al ser juzgados en un proceso penal, mismo que algunos han señalado como
violatorio del debido proceso debido a lo masivo del mismo y a la limitada asesoría legal que los
acusados reciben. Al entrar a la sala lo primero que impacta es el fuerte aroma que se percibe. Con
la cabeza inclinada hacia el piso, evidente cansancio y tristeza reflejada en sus rostros, se observa a
los migrantes que serán juzgados: hombres y mujeres, con grilletes en los pies, las manos esposadas
y atadas a la cintura, vistiendo las mismas ropas con las que iniciaron su viaje a través del desierto.
Es entonces cuando uno se explica el fuerte aroma que invade la sala, es evidente que no han tenido
oportunidad de aseo personal en varios días. En menos de 2 horas todos los migrantes son
sentenciados a un mínimo de 30 y un máximo de 180 días por el delito de reentrada ilegal, las penas
mayores son para quienes ya han sido deportados previamente. Después de recibir su sentencia los
inmigrantes son enviados a centros privados de tención migratoria y al cumplir su pena son
deportados.
Durante la segunda fase del trabajo de campo se entrevistó a 20 migrantes que fueron
juzgados en Operation Streamline y deportados; se les hizo varias preguntas a fin de averiguar la
manera en que la deportación afectó económicamente a sus familias y a ellos personalmente. Así
mismo, se les interrogó sobre los malos tratos y abusos durante la detención, el juicio y en el lugar
de deportación.
Los principales resultados obtenidos indican que los migrantes reportan abuso físico en los
centros de detención migratoria. Una de las situaciones mayormente referidas es la calidad de la
alimentación que reciben mientras están esperando a ser procesados. Otra cuestión ampliamente
señalada y que algunos entrevistados consideran una forma de abuso inhumano es la baja
temperatura de las celdas (conocidas por los migrantes como “las hieleras”) en las que son
detenidos. Así mismo, reportaron no recibir atención médica en el momento en que lo requieren
mientras se encuentra detenidos.

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Después de ser deportados los migrantes se encuentran en una condición vulnerable pues en
su mayoría llegan sin recursos económicos a una ciudad en la que no conocen a nadie. Esta
situación se complica porque frecuentemente las autoridades migratorias no les regresan las
posesiones que tenían al momento de ser detenidos. Estas pertenecías pueden incluir teléfonos
celulares, números telefónicos, joyas, dinero en efectivo e identificaciones. Una de las situaciones
más comunes que pudimos observar al realizar el trabajo de campo es que muchos migrantes no
pueden cobrar el dinero que les envían sus familiares o amigos porque no cuentan con ningún
documento con el que puedan identificarse. La pérdida de pertenencias como teléfonos celulares y
dinero los limita para comunicarse con su familia, rentar un espacio para descansar, comprar
comida y pagar servicios médicos, si fuera necesario. Otra cuestión observada es que en algunos
casos aun cuando los migrantes recuperan su dinero, este les es entregado mediante cheque de un
banco americano, el cual no puede ser canjeado en México, y menos si el portador no cuenta con
identificación. En otras ocasiones los fondos son pagados mediante una tarjeta de débito. El
problema es que en la mayoría de los casos los receptores de las tarjetas desconocen el número para
activarlas y sus intentos por extraer dinero resultan fallidos.
El impacto en la estructura y la economía familiar es un asunto muy importante. Una de las
mayores preocupaciones de quienes son deportados es el impacto que su ausencia tiene en las
condiciones de vida de sus familias en Estados Unidos. Expresiones como “ahora ella tiene que ser
padre y madre”, y “ella sola tiene que sacar a la familia adelante” fueron bastante comunes. El 65
por ciento de los entrevistados informaron que el pago de vivienda es la mayor preocupación
económica de su familia. Las dificultades para hacer el pago de seguros de vehículos e hipotecas
obligan a muchas familias a vender los bienes muebles que poseen, lo cual además les permite
resolver temporalmente la problemática económica que enfrentan. Esta precaria situación obliga a
muchas familias a depender del sistema de apoyos sociales como estampillas para alimentos y
apoyo en efectivo. Esta es una situación que puede ser breve o permanente ante las dificultades del
deportado para reunirse con su familia.
Si bien es cierto, cada país tiene el derecho a determinar libremente sus políticas migratorias
en aras de proteger sus intereses, es también cierto que estas políticas no pueden estar en contra del
derecho internacional y violentar derechos humanos elementales como el derecho a la libertad, a
que todo niño tenga una familia y a la vida misma. La actual política migratoria de Estados Unidos
es cada vez más restrictiva e inhumana, convirtiéndose en una política punitiva son serias
consecuencias para la familia migrante. La separación familiar, los juicios masivos de Streamline,
el encarcelamiento y las deportaciones exponen a los migrantes a situaciones de violencia en los

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centros de detención, en el lugar de la deportación y en el intento de cruzar, exponiendo la vida


misma.
Lamentablemente, no hay indicaciones de que esta situación vaya a mejorar en el futuro
cercano; todo lo contrario. Desde que inició la administración del presidente Trump, las políticas
restrictivas e inhumanas han ido en aumento e incluso ha propuesto eliminar programas que
benefician a migrantes regulares. Su retórica abiertamente xenofóbica envía un mensaje claro: los
indocumentados no son bienvenidos y serán perseguidos como criminales. No parece atrevido
decir que con la administración de Trump estamos entrando en una nueva era para la inmigración
en Estados Unidos, una era que se caracteriza por la represión y la violación de derechos humanos.

Referencias

Department of Homeland Security (2015). Streamline: Measuring its effects on illegal border
crossing. Office of inspector general. DHS. https://www.oig.dhs.gov/assets/Mgmt/2015/OIG_15-
95_May15.pdf

Fix, M. y Zimmermann, W. (2001). All under One Roof: Mixed-Status Families in an Era of
Reform. The International Migration Review, (35) 2: 397-419.

Miller, T. (2008). “New Look at Neo-Liberal Economic Policies and the Criminalization of
Undocumented Migration”. SMU Law Review. 61, (1): 171-188.

Podgorny, D. (2009). “Rethinking the Increased Focus on Penal Measures in Immigration Law as
Reflected in the Expansion of the "Aggravated Felony" Concept”. The Journal of Criminal Law and
Criminology (1973-), 99 (1): 287-315.

Tumlin, K. (2004). Suspect First: How Terrorism Policy Is Reshaping Immigration Policy.
California Law Review, 92 (4): 1173-1239.

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Novas Mobilidades na zona transfronteiriça (Portugal - Espanha):


Ecoimigração e Interculturalidade no Rio Guadiana
New mobilities in cross-border area (Portugal-Spain): Eco immigration and interculturality in
Guadiana River

Palavras-chave: Ecoimigração, Interculturalidade, Espaço Transfronteiriço, Cidadania, Novas


Mobilidades.
Keywords: Eco immigration. Interculturality. Cross-border area. Citizenship. New mobilities.

Maria Luísa Francisco


Doutoranda em Sociologia. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa (Portugal). E-mail: luisa.algarve@gmail.com

Esta comunicação procura dar a conhecer novas mobilidades no espaço rural português, em
concreto, numa zona transfronteiriça de baixa densidade populacional entre Portugal e Espanha. A
comunicação assenta no conceito de Ecoimigração por nós criado.
Ao estudar as dinâmicas migratórias em espaço rural no Sul de Portugal (Algarve), foi sendo
desenvolvido o conceito de Ecoimigração, ficando com a seguinte definição: “imigração de
população maioritariamente com elevado nível económico, cultural e académico, para áreas com
significativo valor ecológico, numa lógica de desenvolvimento pessoal e sustentável”.
Há uma imigração por razões ecológicas que leva a vivências de desprendimento e vida
simples ligada aos ritmos e ciclos da Natureza.
Esse modus vivendi, foi observado em populações que vivem ao longo da serra algarvia,
nomeadamente na zona transfronteiriça Portugal - Espanha e inclusivamente em populações que
vivem em embarcações atracadas no Rio Guadiana.
Esta população flutuante vive neste Rio Internacional que separa dois países e duas vilas
(Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana), vilas com características semelhantes em termos de baixa
densidade populacional: no caso de Alcoutim, na margem portuguesa, 5,01 habitantes por Km2 e no
de Sanlúcar de Guadiana, na margem espanhola, 3,83 habitantes por Km2. Em ambos os territórios
existe povoamento concentrado mais perto do rio, tendo grandes extensões despovoadas ou com
algum povoamento disperso.
A população que vive nos barcos pode ser caracterizada como uma população flutuante, não
só no sentido literal do termo porque as suas casas/barcos flutuam no rio, mas porque a
permanência é flutuante, estão cerca de 6 meses no rio ou nas margens e nos restantes 6 meses

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seguem rumo a outros destinos. Mas também foram encontrados casos de permanência constante
nos barcos, apenas com a deslocação de um mês por ano para outros locais, para visitas a familiares
ou amigos.
Se na década de 60/70 em Portugal os fluxos migratórios eram de saída do meio rural para o
meio urbano, sendo factor de bloqueio ao desenvolvimento local, devido ao abandono das
actividades ligadas à agricultura, hoje o processo inverteu-se e fala-se de um fluxo migratório para
o meio rural.
Encontramos uma tendência para o culto do meio rural e do modo de vida rural. Como
refere Luís Baptista: “Um dos mitos modernos mais presentes na vida contemporânea é o da
necessidade de ‘regresso aos campos’ (...) a edificação do mito rural se prende nas sociedades
contemporâneas, sobretudo desde os anos 60 para cá (...) a discursos embelezadores das virtudes da
vida nos campos doutros tempos e que é ampliado pelas práticas de certos grupos interessados na
requalificação das imagens de ancestralidade”.
Na investigação desenvolvida, foram observados momentos de inclusão social e participação
dos imigrantes na vida comunitária. Num espaço exíguo onde se concentra a maioria das
embarcações podem encontrar-se imigrantes de várias nacionalidades numa sã convivência
intercultural. Essa interculturalidade passa pela capacidade de mobilização para organizar um
concerto de Natal na Igreja local, onde o coro é constituído por participantes de 10 nacionalidades,
com cânticos em vários idiomas. São de assinalar exemplos de solidariedade para ajudar a
população local envelhecida por parte destes imigrantes, designados por estrangeiros pela
população local.
Após ter sido feito um levantamento da nacionalidade dos residentes que se encontram
dentro de barcos no meio ou numa das margens do rio, foi verificado que a maioria é de
nacionalidade holandesa seguindo-se a inglesa, irlandesa e alemã.
Do lado da margem espanhola do Rio Guadiana há um maior envolvimento destes cidadãos
com a comunidade local, sendo a sua maioria ingleses. Há a participação de ingleses no grupo de
dançadores das romarias de Sanlúcar, são danças ancestrais (algumas de origem celta) e que
abrilhantam os momentos religiosos mais importantes da comunidade de Sanlúcar de Guadiana.
Existem aulas de yoga, de pintura e de música, do lado espanhol, com professores
estrangeiros. Existe uma boa interligação entre os imigrantes residentes nas vilas junto ao rio (do
lado português Alcoutim e do lado espanhol Sanlúcar de Guadiana). Alguns destes já foram
residentes em Barcos antes de adquirirem casa em Portugal ou Espanha.
Os imigrantes residentes em Sanlúcar vivem maioritariamente em Quintas, que designam

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por Fincas, onde se dedicam ao cultivo de produtos hortícolas e à criação de animais. Esses
imigrantes são conhecidos pela sua mobilidade internacional, mas também pela mobilidade no
próprio rio, como refere uma holandesa entrevistada: “A janela do meu quarto tem a vista que eu
desejar ter a cada manhã, tanto posso acordar a ver Portugal como Espanha, a ver o rio ou o
campo”.
Os entrevistados referiram o rio como o “local de sossego” por excelência. Falam do rio
como um espaço sagrado. Alguns dos imigrantes frisaram o desejo de viver no Rio Guadiana até ao
final dos seus dias. Alguns dos designados estrangeiros passam pequenas temporadas (de um a dois
meses) porque estão em permanente mobilidade. Alguns referem que apesar da sua “vontade de
mundo” têm o Rio Guadiana como a sua âncora e porto de abrigo.
Atrevemo-nos a designar estes indivíduos por viajantes ou navegantes, recordando o
paradigma das novas mobilidades proposto por John Urry, em que associa o crescente acesso às
tecnologias de transporte e de comunicação, com a facilidade de utilização de equipamentos
tecnológicos tais como I-pods, celulares, laptops etc. (Urry, 2007). E de facto foi constatado o
apetrechamento tecnológico e o fácil manuseamento dos equipamentos por parte destes indivíduos.
Uma parte tem internet nos equipamentos dentro do barco e os que não tem acedem na Biblioteca
Pública de Alcoutim mesmo perto do Rio, ou através do Wi-Fi no exterior da Biblioteca.
Quer os imigrantes que se encontram nos barcos, quer em habitações nas margens
manifestaram preocupações com a preservação do ambiente e com a preservação do património
local e em desenvolver actividades que promovam a interculturalidade. Há um sentido de interajuda
e boa comunicação, uma postura de cidadania activa.
O conceito de ecoimigração é aplicado ao contexto dos imigrantes que residem no rio,
porque podemos considerar o espaço fluvial como uma área com significativo valor ecológico, de
proximidade com a Natureza e com a água como fonte de vida, metaforicamente como um líquido
amniótico que envolve e protege. Há aqui um enquadramento na parte do conceito onde a
ecoimigração é definida numa lógica de desenvolvimento pessoal e sustentável, pois existe a
procura de um modus vivendi em que o meio envolvente é respeitado e os recursos são usados de
forma sustentável.
Na comunicação presencial aprofundaremos o tema e partilharemos imagens bastante
ilustrativas da vida no Rio Guadiana e nas suas margens.

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Referências

Baganha, M. Ioannis & Marques, J. Carlos. (2001). Imigração e Política – O caso português.
Lisboa: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.

Baptista, Luís Vicente. (1999). Mito rural, ruralidade, campos e cidades: Proposta de reflexão a
propósito de uma cidade insular. Fórum Sociológico, nº1 e 2 (2ª série). 283-288.

Francisco, M. Luísa. (2002). A Ecoimigração no concelho de Monchique: uma perspectiva socio-


ecológica. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa.

Silvano, Filomena. (2001). Antropologia do Espaço – Uma introdução. Oeiras: Celta Editora.

Urry, J. (2007). Les systèmes de la mobilité. Cahiers internationaux de sociologie, n.118.


Mobilities. Cambridge: Polity Press.

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Uma península para dois irmãos: Os Norte-coreanos na Coreia do Sul


e seus ensinamentos sobre Migração, Refúgio e Nação
A peninsula for two brothers: North Koreans on South Korea and their lessons on Migration,
Refuge and Nation

Palavras-chaves: Coreia; Refúgio; Políticas Públicas; Identidade; Migração


Keywords: Korea; Refuge Public Policies; Identity, Unification

Thiago Mattos Moreira


Mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Assessor de Promoção Comercial na Embaixada do Brasil em Seul. E-mail:
thiago.mattos@itamaraty.gov.br

Segundo dados recentes do Ministério de Unificação sul-coreano (2016), existem


aproximadamente 29.000 refugiados (ou desertores, dependendo do prisma político a qual se
pertence) norte-coreanos vivendo sob a jurisdição de Seul. Apesar destes representarem menos de
1% da população do país, que hoje ultrapassa os 50 milhões de habitantes, este é provavelmente o
grupo minoritário que mais preocupa a administração pública sul-coreana por se tratar não apenas
de uma questão humanitária, mas de Identidade e segurança nacionais. Afinal, a capacidade de
integrar este (ainda) pequeno grupo de indivíduos a sociedade seria o teste de fogo para uma
eventual reunificação da península – um dever de Estado pela constituição de ambas as Coreias.
As ondas migratórias indocumentadas rumo ao Sul iniciaram nos anos 908, inicialmente em
face da grande crise alimentícia que assolou o Norte, a atualmente chamada “Marcha Árdua”,
intensificando-se nos anos seguintes, reportadamente em função do endurecimento do regime
político autoritário do país e suas constantes violações de direitos humanos fundamentais (KIM,
2011, p.110). Desde então, o fenômeno da inserção de norte-coreanos na sociedade sul-coreana tem
sido um desafio da política pública de Seul. Um desafio não apenas em termos materiais – o
orçamento do Ministério da Unificação, a principal instituição responsável pelo processo de
“reassentamento” atingiu sozinho em 2015 a grandeza de 1.3 bilhões de dólares (KOREAN
HERALD, 2015) - mas também em termos discursivos: como enunciar estes “novos” cidadãos de
forma coerente? Como abarcar em sua moderna sociedade indivíduos que apesar de serem

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Até a redemocratização da Coreia do Sul em 1988, os casos de deserção de norte-coreanos para o Sul não passavam da casa das
dezenas, Em geral se tratavam apenas de diplomatas ou generais de alta patente que se refugiavam em embaixadas sul-coreanas em
missões especiais. A necessidade de desenhar políticas públicas específicas para um novo grupo social em formação surgem a partir
dos anos 90. (HYUNG, 2009)

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inegavelmente coreanos (possuírem uma mesma etnia ancestral, mesma língua, mesma escrita e
mesma fome por Kimchi9), parecem mais alheios do que qualquer turista a elementos culturais que
já são indissociáveis do que hoje se entende por ser sul-coreano (alta tecnologia, ferrenha sociedade
de mercado, K-Pop, Democracia liberal, etc.)? E ainda: O que fazer quando mesmo estes elementos
de unidade, principalmente o linguístico e o étnico, começam a se dissipar ao longo do tempo? São
perguntas que assistentes sociais e policy makers tem crescentemente se feito nas últimas décadas.
Este artigo tem os seguintes objetivos: 1) Entender o fenômeno migratório dos norte-
coreanos para a Coreia do Sul 2) Verificar a emergência tácita de identidades nacionais
independentes entre norte e sul coreanos 3) Relatar como se dá o processo de acolhimento de
desertores Norte-coreanos na Coreia do Sul: seriam eles, aos olhos dos sul-coreanos irmãos,
inimigos ou estrangeiros?
O resultado desta pesquisa, que é de caráter eminentemente documental, se constrói em
cima da hipótese de que já existe um distanciamento identitário significativo entre sul e norte
coreanos, em despeito do discurso estatal oficial de fraternidade, unidade e de defesa de direitos
humanos fundamentais para estes indivíduos. Distanciamento este que pode ser observado na
própria redação e aplicação das políticas públicas de acolhimento de norte-coreanos por Seul, bem
como nos resultados das mesmas. Este trabalho entende que a construção do desertor/refugiado
norte-coreano como simultaneamente um insider e um outsider pela política pública é uma das
origens da reportada dificuldade de inserção destes indivíduos na sociedade sul-coreana. Além
disto, é do posicionamento deste capítulo que a compreensão do processo de acolhimento destes
refugiados possui a capacidade de desencadear uma discussão mais profunda sobre a auto
percepção de identidade nacional não apenas na
península coreana, mas em todos os contextos globais em que este debate é relevante, bem como
rever a noção de refugiado vis-à-vis o imigrante econômico indocumentado.
A jornada dos refugiados Norte-coreanos até a jurisdição de Seul é longa e perigosa: a
grande maioria dos que desejam fugir do sistema político de Pyongyang o faz através de subornos á
agentes da fronteira com a China durante o inverno, quando o rio Yalu que divide os dois países se
congela e a travessia a pé se torna possível. A maior parte dos que escapam passam a viver de
forma indocumentada na China – estima-se que em torno de 200.000 de norte-coreanos vivam deste
modo, trabalhando em fábricas na parte continental do país. Os norte-coreanos chegam à China
desprotegidos de qualquer regimento legal, uma vez que Pequim não reconhece o status de refúgio

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Prato típico coreano e base de sua rotina alimentar. Extremamente apimentado e feito á base de acelga

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destes indivíduos tanto em função de sua posição ambígua dentro do ACNUR quanto em seu apoio
tácito, e por vezes explícito, a Pyongyang (KIM, 2012, p. 37-40).
Por vezes o governo chinês deporta forçadamente nacionais norte-coreanos de volta para
seu país de origem e se recusa a dialogar sobre qualquer questão humanitária ligada ao Coreia do
Norte no ambiente das Nações Unidas, afirmando que estes se tratam apenas de emigrantes
econômicos ilegais e não refugiados de fato (RICHARDSON, 2017, p.1-2). Um argumento que,
apesar de repudiado nos fóruns internacionais de direitos humanos, possui certa base factual:
pesquisas entre os refugiados apontam que maior parte dos que fogem da Coreia do Norte o fazem
por motivações econômicas e não necessariamente por perseguição política ou oposição ao regime
– elemento basilar para a definição da categoria perante os acordos internacionais. Esse padrão pode
também ser confirmado pelo suave declínio do número de migrantes norte-coreanos no Sul que vem
sido testemunhado nos últimos anos, em compasso com a reversão do cenário de fome extrema em
Pyongyang e retorno de seu crescimento econômico (tabela 1.1) (LANKOV, 2015).
Os que conseguem fazer a hercúlea travessia para o outro lado da península, no entanto,
possuem significativos incentivos para fazê-lo, que vão além do atrativo mundo de sonhos que
passam a assistir e desejar nas populares novelas sul-coreanas transmitidas por toda a Ásia10. Ao
contrário de outros grupos de migrantes que se estabeleceram nos últimos anos em grandes números
na Coreia do Sul11, os refugiados norte-coreanos chegam ao país com um status diferenciado: o de
cidadão. Todo refugiado norte-coreano que chega a Seul é considerado cidadão sul-coreano por lei
constitucional, muito embora estes tenham que ser primeiramente examinados pelo governo para
prevenir qualquer ameaça à segurança nacional12, bem como para verificar se a sua reivindicação de
ser norte-coreano é, de fato, genuína13. A travessia, contudo, carrega em si um peso que muitos
imigrantes indocumentados conhecem bem: grandes dívidas ao “Coiotes” que possibilitaram a
penosa travessia pela China. São de conhecimento geral casos de refugiados norte-coreanos que são
forçados a entregar quase todo o dinheiro do auxílio governamental para o tráfico de pessoas,

10
O impacto das novelas sul-coreanas dentre os refugiados do Norte tem sido assunto de crescente atenção para os que estudam os
conflitos da península. Não são poucos os casos de refugiados que contam terem sido motivados a escapar do Norte após entrarem
em contato com conteúdo cinematográfico sul-coreano contrabandeado (CHOE, 2015, p.2).
11 Em especial contraste com o crescente número de esposas vietnamitas e filipinas que tem migrado para o país, bem como um

grande contingente de trabalhadores de outras regiões do sudeste asiático, imigrantes vistos pelos sul-coreanos pelo mesmo prisma
que mexicanos nos Estados Unidos. (SEOL, 2015, p.64)
12 Apesar da óbvia preocupação com segurança na triagem de refugiados, o número de atos de terror cometidos internamente por

refugiados norte-coreanos e mesmo por indivíduos simpatizantes da causa de Pyongyang é surpreendente baixa se considerarmos
uma zona com rivalidades tão intensas, com a exceção e alguns poucos e emblemáticos incidentes, representando menos de 2% de
todas as “provocações” oriundas do Norte registradas pelo governo sul-coreano desde 1953. (SHIN, 2011)
13 Múltiplos relatos de chineses que aprendem a língua coreana para se passar por norte-coreanos e então receber as benesses sociais

concedidas pela Coreia do Sul levaram o governo a reforçar seu processo de Triagem, fazendo não apenas testes de línguas coreana,
mas sobre geografia norte-coreana (DEMICK, 2013)

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embora esforços policiais em torno dessas práticas tenham demonstrado melhoria significativa no
policiamento destas atividades (HAGGARD, 2010, p.31).
A transição para a nova vida não é simples, não apenas pelas desventuras que enfrentam
todos os emigrantes ao iniciar uma vida do zero longe de casa, mas também pelas particularidades
de ser um norte-coreano na Coreia do Sul. As frustrações cotidianas vão do econômico ao
simbólico e são um alerta para os agentes públicos que estudam as possibilidades de unificação dos
dois países.
A política pública sul-coreana para o acolhimento de refugiados do Norte se dificulta a
cada ano em que a unificação não acontece. É crescente o desinteresse das novas gerações em Seoul
em relação a estes indivíduos que se tornam verdadeiros aliens dentro da sociedade. Os esforços em
prover ferramentas para a adaptação são limitados e por vezes contraditórios: presumem a
existência de uma identidade cultura comum que se encontra em erosão e são operacionalizadas em
uma lógica de ensino top-down, mesmo que o objetivo final seja uma integração nacional e não
uma subordinação do Norte perante ao Sul. As próprias motivações para uma unificação se tornam
mais turvas se pensarmos que mesmo a unidade étnica, que unia um imaginário de unidade nos dois
extremos da península entrou em declínio com a adoção de políticas multiculturais do sul. De fato,
desde 2008 a taxa de imigrantes erradicados no Sul aumenta em uma média de 10% ao ano, sendo a
população emigrante no país superior a 5% de sua população - em torno de 3 milhões de pessoas -
com um em cada cinco casamentos registrados em cartório sendo com estrangeiros. (LIE, 2014,
p.54).
Se as políticas públicas para o acolhimento de refugiados não forem revistas, visando não
apenas um aprendizado técnico dos indivíduos, mas para gerarem uma nova narrativa que
encopassem estes indivíduos e todo o norte, é provável que a própria ambição de uma Coreia unida
entre em erosão. É importante ter em vista que a experiência de vida dos norte-coreanos não pode
ser tratada como uma totalidade de trauma e abrir espaços para suas necessidades de expressão de
identidade. A imposição de um estilo de vida específico só irá aumentar seu distanciamento com o
Sul e prolongar o sofrimento dentro desta crise humanitária.

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Reflexões sobre os fluxos migratórios transfronteiriços recentes entre


a Colômbia e a Venezuela
Considerations about recent cross-border migratory flows between Colombia and Venezuela

Palavras-chave: Migração transfronteiriça, Venezuela, Colômbia, Cúcuta


Keywords: Cross-border migration, Venezuela, Colombia, Cúcuta

Edgar Andrés Londoño Niño


Doutorando em Ciência política, Instituto de Estudos Sociais e Políticos IESP
Universidade do Estado de Rio de Janeiro UERJ
E-mail: edandresl@gmail.com

Os fluxos migratórios entre a Colômbia e a Venezuela têm estado presentes ao longo da


formação dos estados-nação, pelo qual as migrações de ambos os lados da fronteira fazem parte da
história social e política dos dois países. Além das migrações individuais motivadas especialmente
por questões políticas e econômicas, têm se apresentado várias ondas migratórias nestas duas
primeiras décadas do século XXI, destacando-se a onda migratória de colombianos a Venezuela por
causa do conflito armado, a onda migratória de venezuelanos à Colômbia pela implementação de
medidas socialistas durante o governo de Hugo Chávez e a recente onda migratória de venezuelanos
à Colômbia e o retorno de migrantes colombianos que moravam na Venezuela, tudo por causa da
grave crise econômica, mais evidente desde o ano 2013, e que tem estado acompanhada de uma
forte crise política e institucional, agravada pelos enfrentamentos entre o governo e a oposição.
Desse modo, em um primeiro momento, o perfil migratório com destino a Colômbia
correspondia a venezuelanos profissionais e empresários que emigraram da Venezuela, na maioria
das vezes por via área ou por terrestre com destino às principais cidades colombianas, cuja
emigração era dada principalmente pelas mudanças na política económica e cambiaria e as
expropriações feitas durante o governo de Chávez, mas a partir da crise aumentou a migração
transfronteiriça e o perfil migratório passou a ser mais diverso. É nesta última onda migratória que
este trabalho se concentra.
Assim, tem-se como objetivo analisar os principais elementos que caracterizam a migração
de venezuelanos à Colômbia a partir do aprofundamento da crise desde 2013, fazendo ênfase na
migração transfronteiriça, particularmente na cidade de Cúcuta, no departamento de Norte de
Santander (Colômbia).
É importante levar em conta que Colômbia e Venezuela compartilham uma grande fronteira,
com mais de 2.500 quilômetros, sendo a mais longa dos dois países e uma das fronteiras mais
ativas, pela alta mobilidade humana, e provavelmente uma das mais movimentadas da América do

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Sul (Defensoría, 2017). Do mesmo modo, é uma fronteira que não tem tido a presença efetiva do
Estado e suas instituições, pelo qual, além de vários problemas sociais e econômicos da população
fronteiriça, tem-se presenciado a ação de grupos armados ilegais colombianos, assim como
atividades ilícitas como o contrabando de gasolina e o tráfico de armas, principalmente.
Cabe anotar que as migrações intra-regionais na América do Sul, eram quase
exclusivamente laborais, exceto pela migração colombiana a Venezuela e Equador, principalmente,
por causa do conflito armado e o narcotráfico (OIM, 2012), mas o fluxo migratório colombo-
venezuelano muda essa dinâmica, pois a Venezuela passa a ser um país expulsor, motivado pela
crise econômica e política interna e a Colômbia passa de ser um país expulsor a ser um país
receptor de população. Este papel de país receptor é relativamente novo para a Colômbia, que não
teve fluxos migratórios consideráveis se comparado com outros países da América do Sul, pelo qual
ainda existem muitos desafios nas políticas públicas migratórias para atender a massiva chegada de
venezuelanos.
A entrada e saída de venezuelanos é constante pelos passos fronteiriços. No ano 2016 foram
abertos mais dois postos de controle migratório, com o objetivo de facilitar a mobilidade da região e
diminuir o trânsito irregular entre os dois países, completando sete pontos de controle ao longo do
limite internacional entre os dois países.
Justamente, a proximidade com a Colômbia dá a facilidade para o envio de remessas, o
possível retorno dos migrantes ou maiores chances de visitas de familiares e amigos, pelo qual é um
destino mais favorável para os migrantes, especialmente de baixa renda. Além disso, a Colômbia
tem apresentado nos últimos anos certa estabilidade econômica que faz com que existam
possibilidades de emprego formal ou informal. Mas aqui é importante assinalar que em Cúcuta
encontram-se venezuelanos de distintos municípios de origem, inclusive de Caracas, dado que o
transporte terrestre é a opção mais econômica para muitos dos migrantes que estão chegando à
Colômbia.
Além do anterior, a assinatura do acordo de paz com a guerrilha das FARC e a diminuição
de atos relacionados com o conflito armado, tem gerado o retorno de colombianos na Venezuela,
mas também tem atraído a muitos venezuelanos. Assim, junto com a chegada de venezuelanos à
Colômbia, apresenta-se o retorno de colombianos que tinham migrado à Venezuela, levando em
conta que vários dos departamentos que fazem limite com a Colômbia sofreram com o conflito
armado.

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Em contraste com as melhores condições de segurança na Colômbia, alguns dados, como os


elaborados pelo Observatório Venezuelano de Violência assinalam que estados fronteiriços
venezuelanos como Táchira, têm tido um aumento significativo da insegurança cidadã.
Cúcuta recebe principalmente dois tipos de migrantes. Por um lado, migrantes estacionários
ou temporais que vão a comprar alimentos, pois resultam muito mais baratos na Colômbia, assim
como os medicamentos que têm pouca oferta na Venezuela. Desse modo, a maioria desses
migrantes ingressa à Colômbia e saem, inclusive, no mesmo dia. Por outro lado, os migrantes
permanentes mudam seu lugar de residência a Cúcuta, que resulta mais acessível não só pela
proximidade geográfica, mas também porque muitos dos migrantes que se localizam em Cúcuta
têm poucos recursos econômicos para fazer uma viagem mais longa a cidades principais da
Colômbia. De tal modo, pelo fato de ser uma cidade intermedia com atividade comercial intensa,
Cúcuta oferece para muitos migrantes venezuelanos maiores possibilidades de trabalho, mesmo
informal, mas também encontra-se atualmente muitos venezuelanos morando nas ruas ou nas
periferias da cidade, pois eles consideram que é uma opção melhor que voltar para a Venezuela.
Contudo, resulta preocupante a existência de migrantes irregulares que são vítimas de
exploração laboral, pois alguns venezuelanos são contratados com baixos salários e sem as
garantias laborais que a lei colombiana dispõe. Do mesmo modo, evidencia-se em Cúcuta um
aumento da prostituição feminina, o que evidencia a complexidade da migração venezuelana na
Colômbia.
Neste ponto, é importante assinalar que a grande maioria de emigrantes venezuelanos
assinala que saíram de seu país por causa da crise, pelo qual evidentemente não foi uma decisão
voluntaria. Isto faz com que os aspectos psicológicos e psicossociais dos migrantes venezuelanos
devam ser considerados, pois a maioria de migrantes, especialmente de baixa renda, assinalam as
difíceis condições que fizeram com que saíram de seu país e os problemas com os que se encontram
no lugar de destino, pois mesmo tendo condições históricas comuns, há diferenças sociais e
culturais que dificultam a integração social dos migrantes.
Especialmente após a instalação da constituinte em agosto de 2017, aumentou o fluxo
migratório na cidade e os pedidos de asilo. Em Cúcuta, por exemplo, alguns militares venezuelanos
pediram asilo político.
Em uma fronteira é difícil quantificar o número de migrantes, pois como foi assinalado
alguns são migrantes estacionários e muitos outros ingressam de forma irregular. Nesse sentido,
evidenciam-se diferenças nas cifras oficiais, da mídia, dos governos locais e de grupos cidadãos e
ONG.

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Para responder a esse êxodo, o governo colombiano tem estabelecido programas especiais.
Desse modo, tem sido necessário criar novos mecanismos para receber o alto fluxo de migrantes
venezuelanos na Colômbia, como a “Tarjeta de Mobilidad Fronteriza” (TMF) para cidadãos
venezuelanos que moram na Venezuela, mas precisam ingressar para a Colômbia constantemente
até as regiões de fronteira para a compra de alimentos ou medicamentos. Por sua vez, “Permiso
Especial de Permanencia” (PEP), criado em julho de 2017, é para os cidadãos venezuelanos que se
encontravam na Colômbia no dia 28 de julho de 2017 e que querem permanecer de forma regular
no território colombiano para estudar o trabalhar, podendo se afiliar ao sistema de segurança social.
Este documento é para as pessoas que ingressaram em um posto de controle autorizado e tenham
seu passaporte carimbado e não sem antecedentes judiciais, nem medidas de deportação ou
expulsão.
Esses migrantes vão consolidando redes migratórias, por meio das quais informam a
possíveis migrantes que estão ainda na Venezuela sobre os procedimentos migratórios, a vida
cotidiana na Colômbia, as possibilidades de emprego, entre outras informações, por exemplo por
meio de redes sociais e youtube. Também resulta importante assinalar que têm sido criadas redes de
apoio na Colômbia, como a Associação de Venezuelanos na Colômbia e outros grupos de
colombianos e venezuelanos que ajudam aos migrantes que se encontram em cidades receptoras
como Cúcuta.
Frente a esse cenário complexo, são muitos os desafios que se apresentam para o governo
nacional e os governos locais, dada a magnitude da migração recente, pois Cúcuta é uma das
cidades com maior desemprego da Colômbia e não se encontrava preparada para a chegada massiva
de venezuelanos, pelo qual resulta necessária a ação do governo nacional nessa região, mas também
estudos e reflexões que permitam compreender a complexidade desse processo migratório recente,
sendo este último o interesse do presente trabalho.

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“Lá e cá” histórias e projetos de vida de sorveteiros ítalo-brasileiros


na Alemanha
“Here and There”: stories and life projects of Italian-Brazilians ice cream shop workers in
Germany

Palavras-chave: imigração de brasileiros para a Alemanha; Dupla cidadania; Identidade.


Keywords: Immigration from Brazilians to Germany; Dual citizenship; Identity

Diane Portugueis.
Doutoranda Imis Institut Universidade de Osnabrueck e Programa de Estudos Pós Graduados em
Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bolsista Capes-DAAD. E-mail:
psicodi@hotmail.com.

Compreender os vínculos que relacionam a cidadania obtida por meio da obtenção de


passaporte estrangeiro com a concretização de projetos de vida no exterior de descendentes de
imigrantes italianos nascidos no Brasil e entender ainda o valor desta estratégia imbricada ao
pertencimento e constituição de identidades, mostra-se tarefa pertinente frente ao grande número de
solicitação de dupla cidadania em consulados italianos por todo o Brasil. Tal fenômeno vem sendo
debatido em redes sociais e na mídia em geral, sobretudo quanto ao tempo de espera 14 para
aquisição do documento. Dados do Itamaraty15 estimam em 25 milhões o número de descendentes
de italianos no Brasil, dando margem assim à provável continuidade em termos numéricos desta
procura.
Em atenção a tais dados, interessa-nos articular o tema “dupla cidadania” com o hibridismo
cultural e sua influência na constituição de identidades, visando o processo constitutivo da
identidade do sujeito brasileiro, quando possuidor do passaporte estrangeiro em sua nova condição
de “europeu16”; As consequências de tal relação e influência cultural podem ser captadas através
das vivências de desenraizamento 17 e do enraizamento 18 em uma nova cultura, bem como sua

14
http://consuladoitalianosp.net/consulado-italiano-sp-lista-de-espera/
15
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/5270-republica-italiana
16
Com a aquisição do passaporte italiano o cidadão brasileiro passa a ter status de europeu. Isto nos remete a um
exemplo vivido por Zygmmunt Bauman. Ele, judeu polonês, há anos residente em Londres, em uma solenidade fora
obrigado a fazer uma escolha. Deveria escolher qual Hino nacional seria entoado para representá-lo. Sua escolha foi o
Hino Europeu. (mais informações em BAUMAN, Z.(1995) Identidade. Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro:
Zahar)
17
De acordo com Safra (1999) o desenraizamento consiste em ruptura, desalojamento da continuidade e no caso da
imigração, com possibilidade de que as diferenças étnicas do sujeito não sejam reconhecidas no novo ambiente.
18
Segundo Simone Weil (1979) “O enraizamento é talvez a necessidade mais desconhecida da alma humana. (...) o ser
humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos

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V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações. Caderno de Resumos.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2017
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importância junto à formulação de projetos de vida influindo, ou até mesmo determinando, a


constituição de identidades.
Esta proposta tem sido estudada19 junto a uma população de descendentes de imigrantes
italianos nascidos no Brasil, cujo contexto da obtenção de sua cidadania italiana visa um objetivo
peculiar. Trata-se de uma imigração de trabalho, que de acordo com informações as que tivemos
acesso20, teriam dado início na década de 1990. Esta imigração diz respeito aos descendentes de
imigrantes italianos nascidos no Brasil, que atualmente emigram para a Alemanha com a finalidade
de exercerem trabalhos em sorveterias, como vendedores de sorvete, ou mesmo na cozinha, no
preparo do mesmo.
Para tanto adquirem a cidadania italiana21 por meio da obtenção de passaporte italiano22 em
um processo que envolve alto investimento, tanto econômico como pessoal.
A existência deste fenômeno correlacionado às características acima descritas, chegou ao nosso
conhecimento através de relatos de pessoas que vivem na Alemanha e notaram a presença maciça
de brasileiros trabalhando nas condições descritas. Chamou nossa atenção a peculiaridade com que
tal imigração se dá. Os brasileiros descendentes de italianos trabalham na Alemanha, não falam o
idioma alemão, tampouco o italiano fluentemente. Vivem na Alemanha durante a temporada da
venda de sorvetes (quando as temperaturas se elevam) retornando ao Brasil no inverno europeu. Os
brasileiros permanecem na Alemanha por cerca de oito meses, retornam ao Brasil e posteriormente
reiniciam o novo ciclo, na reabertura da temporada de vendas de sorvete na Alemanha.
Caracteriza-se assim uma relação de circularidade cuja temporalidade do processo é um
fator de escolha para o trabalho na Alemanha (e não em outros países, como Itália, por exemplo)
justamente para que seja possível o retorno anual para o Brasil. Na Alemanha as sorveterias fecham
no inverno, o que não ocorre na Itália.

certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro. Participação natural, isto é, que vem automaticamente do
lugar, do nascimento, da profissão, do ambiente.” (p.347)
19
Doutorado em andamento desde 2014, com estágio doutoral e pesquisa de campo em Osnabrueck, Alemanha, desde
abril de 2015.
20
Não consta em documentos oficiais o início deste tipo de imigração de trabalho. Dados da dissertação de mestrado de
Carla Nichele Serafim (2007) e Adiles Savoldi (1998) apontam o inicio da década de noventa, dado confirmado por um
de nossos entrevistados.
21
Item obrigatório para que possam candidatar-se aos trabalhos nas sorveterias.
22
Segundo o site da revista exame (2001), passam de 12 mil os inscritos na fila do consulado italiano no Brasil a espera
do passaporte italiano. Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0741/noticias/mao-de-obra-absorvida-
m0045521 acesso em 07/04/2014.

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Foram encontrados poucos sites na internet que retratam a existência desta imigração23.
Nestes, o que capturou nossa atenção foi a descrição deste fato como possibilidade de
ascensão social pelo trabalho na Europa, sendo o recrutamento da mão de obra exclusivo para
pessoas que consigam obter o passaporte italiano. Dentre os sites mencionados, destacamos um que
relata a existência deste processo de recrutamento de pessoas na cidade de Urussunga 24- SC. A
reportagem ressalta que estes trabalhadores fazem a diferença por seu atendimento cordial,
diferindo, portanto, de trabalhadores de outras nacionalidades, também atuantes na mesma função.
Destaca-se a alusão nos sites pesquisados de tal possibilidade imigratória como ascensão social e
financeira, fator motivador para que muitas pessoas busquem o consulado italiano para a obtenção
do passaporte europeu.
De acordo com dados de Piscitelli (2008), a partir da década de 1980 o Brasil passa de país
receptor25 de imigrantes internacionais para um grande exportador de emigrantes. Devido à séria
crise econômica vigente à época, deu-se a emigração de descendentes de japoneses para o Japão,
cujo movimento conhecido como dekassegui teve grande destaque na literatura científica sobre
imigração (Sasaki, 1999). Tal movimento foi legitimado pelo critério da ascendência japonesa, cuja
valorização da consanguinidade foi tomada como critério seletivo (Kawamura, 1999).
Destaca-se ainda a imigração de trabalho para os Estados Unidos e, em menor escala, mas
com aumento substancial a partir dos anos 2000, para a Espanha (Assis, 1995; Patarra & Baeninger,
1995, Salles, 1999; Piscitelli, 2008; Amorim, 2013). Ressalta-se o movimento dekassegui como
imigração de trabalho cuja forma de entrada no país dependia de laços sanguíneos como também
observado no caso dos sorveteiros brasileiros na Alemanha, cuja entrada no país se dá via
passaporte italiano.
Piscitelli (2008) aponta que “a falta de oportunidades laborais e de possibilidade de
mobilidade social, sobretudo para alguns setores das classes médias, alimentaram o fluxo de
migração ao exterior” (Piscitelli, 2008:269). A autora ressalta que o fenômeno da emigração de
brasileiros para o exterior, iniciado em 1980, teve motivação econômica e até a publicação de seu

23
Sites encontrados à respeito dos sorveteiros brasileiros na Alemanha: http://panorama.sc/os-sorveteiros-de-urussanga-
nas-terras-de-bethoven/; http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0741/noticias/mao-de-obra-absorvida-
m0045521; http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL1132071-16022,00-DELICIA+DE+TRABALHO.html
24
Sorveteiros de Urussunga na terra do Beethoven. http://panorama.sc/os-sorveteiros-de-urussanga-nas-terras-de-
bethoven/ acesso em 07/04/2014.
25
A autora cita dados de Menezes (2001) e Seyferth (2001) que indicam que entre 1890 e a Primeira Guerra Mundial, o
Brasil era o terceiro pais receptor de imigrantes, depois dos Estados Unidos e Argentina. Recebia imigrantes, sobretudo
da Itália, Portugal e Espanha. Entre 1908 e 1940 houve ainda um fluxo considerável de japoneses e de imigrantes de
outros países europeus, como a Alemanha. No momento, o Brasil recebe principalmente imigrantes de países latino
americanos. (Piscitelli, 2008).

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artigo em 2008 ainda era a principal motivação26.


Em seu texto, Piscitelli (2008) propõe importante discussão sobre a tradução cultural da
posição subalterna ocupada pelo Brasil nas relações transnacionais e destes como aspectos que
influenciam as experiências destes sujeitos no exterior. Há ainda, mediado por razões econômicas,
um suposto prestígio creditado aos brasileiros que vão morar na Europa, podendo este também ser
fator motivacional para a emigração, algo que mesmo frente á crise econômica vigente desde 2008,
ainda pode ser considerado motivo de elevação de status social.
Com base em apontamentos de Costa (2008, 2012) verificou-se a escassez de estudos
relacionados ao fenômeno de coexistência interétnica em países como Brasil e Alemanha. O autor
aponta a importância de iluminar-se tal fenômeno com base no histórico e compreensão do Brasil
enquanto nação “mestiça, harmônica e igualitária” (Costa, 2012: 235). Segundo o autor no Brasil a
miscigenação daria espaço a outras formas de pertencimento e configurações identitarias. Contudo a
coexistência interétnica em ambos os países é uma discussão pró-forma, no sentido que “Cultura e
etnicidade transformaram-se em campos políticos de batalha” (Costa, 2012: 236) e não em
interação plural que fomente que ambas as Nações se configurem como etnicamente heterogêneas.
Desta forma, inspiramo-nos neste autor, sociólogo, catedrático da Universidade livre de
Berlim, que aponta a relevância social e científica da complexa tarefa envolta na discussão dos
desafios da coexistência interétnica. Levamos em consideração a importante posição econômica e
geopolítica ocupada por ambas potências na Europa e América Latina (Alemanha e Brasil). Assim,
a obtenção de informações pertinentes acerca do conflito instaurado pela questão migratória e
coexistência interétnica entre Brasil e Alemanha pode indicar um caminho para o entendimento de
atravessamentos do Estado na ordem sistêmica e também nos conflitos identitários, em alcance de
nível global. Costa (2012) ressalta a inexistência deste tipo de debate.

Referencias
Amorim, A.(2013). Identidade de gênero, subjetividade e migração internacional. Seminário
Internacional Fazendo gênero 10 desafios atuais dos feminismos, anais dos encontros, 16-20 de

26
Cabe destacar que após a crise econômica de 2008 muitos brasileiros que viviam no exterior retornaram ao Brasil.
Desta forma, o tema desta pesquisa também é interessante neste âmbito, uma vez que os brasileiros escolhem emigrar
para o país menos atingido pela crise, a Alemanha . Outro dado importante, recolhido durante nossa pesquisa de campo
em junho de 2016 retrata a nova perspectiva da escolha pela Alemanha como uma escolha em massa, segundo relato de
uma entrevistada na sorveteria. Segundo esta, muitos jovens de Urussanga que tinham decidido retornar e fixar
residência definitivamente no Brasil, resolveram voltar ao trabalho em sorveterias na Alemanha, após a crise política do
governo Dilma Rousseff.

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acesso em 07/04/2014
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http://consuladoitalianosp.net/consulado-italiano-sp-lista-de-espera/ acesso em 30/06/16
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O uso de TICs nas experiências de ativismo de mulheres migrantes em


São Paulo
The use of ICTs in the experiences of activism of migrant women in São Paulo

Palavras-chave: migração, gênero, TICs, ativismo migrante, cidadania


Key-words: migration, gender, ICTs, migrant activism, citizenship

Natália Ledur Alles


Doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos)
Bolsista de Pós-Doutorado Jr. ESPM-SP
Email: natalia.alles@gmail.com

No mundo contemporâneo, as migrações são um fenômeno de grande relevância que,


conforme explicita Cristina Blanco (2006), vem crescendo devido a fatores como as desigualdades
econômicas entre regiões, as transformações dos meios de comunicação e de transporte, o
reconhecimento do direito de reagrupamento familiar dos migrantes e os conflitos mundiais que
obrigam os sujeitos à mobilidade, entre outros. A intensificação dos movimentos migratórios
representou também uma ampliação no número de mulheres que migram – embora sua presença
seja pouco considerada nos estudos sobre o tema, que frequentemente abordam a migração como
questão masculina na qual as mulheres participam como acompanhantes ou subordinadas ao
universo masculino (Alencar-Rodrigues, Strey & Espinosa, 2009). Conforme salienta Gláucia Assis
(2007), embora migrem majoritariamente em grupos familiares, as mulheres também migram
sozinhas, “em busca de autonomia, para fugir de poucas oportunidades ou de discriminações” (p.
768).
Carmen Gregorio Gil (2009) aponta que as mulheres migrantes, especialmente as oriundas de
países pobres, são frequentemente representadas como uma categoria homogênea, vítimas passivas
da miséria e de suas sociedades patriarcais. Segundo a autora, as mulheres migrantes são
construídas como “outra” que é estigmatizada a partir da ideia de “constante gravidez”,
discriminada por sua religião ou considerada como coadjuvante nos processos de migração de seus
esposos ou familiares. Tal análise pode nos auxiliar a refletir sobre a realidade brasileira, visto que
também no Brasil as mulheres migrantes são frequentemente invisibilizadas, não sendo suas
mobilizações e agências temas centrais nas abordagens midiáticas e acadêmicas. Considerando,
portanto, a pouca atenção dedicada às questões de gênero nas pesquisas que abordam a migração
transnacional contemporânea em uma perspectiva comunicacional, destaca-se aqui a relevância de
contemplarmos tal tema, pois existem especificidades nos processos de mobilidade, inserção e
adaptação das mulheres ao novo contexto de imigração. É preciso ponderar, contudo, como coloca

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Denise Cogo (2015), que comumente as mulheres migrantes enfrentam dificuldades e limitações
para participar de atividades e mobilizações referentes aos temas de seus interesses, seja por
questões culturais e políticas, seja por uma frequente restrição feminina ao ambiente doméstico.27
Assim sendo, o presente artigo busca apresentar reflexões sobre as experiências de ativismo e
de cidadania de mulheres migrantes que vivem na cidade de São Paulo, centrando o enfoque nos
usos das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) por elas feitos nesses processos. A
partir das trajetórias de uma boliviana, Jobana, e uma haitiana, Geneviève, pretende-se analisar
especificamente a produção, a partir dos usos das TICs, de agenciamentos próprios que possibilitam
a construção de práticas de mobilização e ativismo orientadas à conquista e ampliação de direitos.
Através de entrevistas em profundidade, foi possível conhecer suas atuações e suas narrativas
acerca dos projetos em que estão envolvidas, podendo-se refletir sobre os modos com que utilizam
as TICs em prol de seus objetivos e, enquanto mulheres migrantes, sobre suas apropriações e
problematizações que envolvem as questões de gênero.
Para pensar nos usos das TICs pelas migrantes, considerando principalmente a internet, o
artigo segue ElHajji e Escudero (2015), que indicam que a internet vem sendo “utilizada como um
espaço de reordenamento de experiências e práticas sociais e subjetivas dos imigrantes e
comunidades diaspóricas” (p. 2). De acordo com os autores, as TICs possibilitam usos plurais e são
empregadas para a comunicação com pessoas em seu país de origem ou em outros lugares do
mundo, para o consumo de informações e de produtos comunicacionais oriundos de seus países,
para a manutenção dos laços, bem como para adquirir informações sobre o local em que vivem,
para compreender trâmites burocráticos e para que se mobilizem socialmente em âmbito local e
global. Nessa perspectiva, portanto, Cogo (2015) entende os usos e o consumo das tecnologias
digitais – principalmente da internet – como dimensão constitutiva das mobilizações e dos
ativismos de migrantes no Brasil. Em suas pesquisas, a autora percebe os esforços ativistas dos
migrantes no consumo e produção de espaços comunicacionais autônomos, voltados a expor as
demandas por cidadania em seus mais diversos âmbitos – social, cultural, político, econômico,
comunicativo.
Para além da grande mídia, Cogo (2010) compreende que apropriações e usos das tecnologias
da comunicação abrem possibilidades para que indivíduos e grupos construam e se insiram em

27
É importante observar que não é possível tomar as mulheres inseridas em fluxos migratórios de maneira homogênea.
Acredita-se, portanto, que a reflexão sobre o consumo e os usos comunicacionais exige que contemplemos não somente
os marcadores de gênero, mas também categorias como raça, etnia, religiosidade e nacionalidade, que influenciam em
suas inserções nas comunidades em que vivem e nas relações sociais estabelecidas nos contextos de migração.

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práticas de comunicação para o exercício da cidadania, “visando a diferentes agendas de


transformação social e/ou de democratização dos processos de comunicação” (pp. 82 e 83). Para
muitas redes de migrantes, a comunicação se constitui como ponto estratégico para elaboração e
distribuição de outras imagens e memórias sobre as migrações contemporâneas que contrapõem os
discursos midiáticos hegemônicos. Acreditamos, inclusive, que experiências de ativismo de
mulheres migrantes podem surgir a partir das tentativas de ressignificação de enquadramentos
comunicacionais que visibilizam determinadas culturas de forma estigmatizante.
É o que se percebe no caso de Jobana, que migrou da Bolívia para o Brasil em 2007 e é
fundadora e ativista no coletivo Equipe de Base Warmis,28 grupo que reúne mulheres de distintos
países, em sua maioria andinas, em variadas atividades que buscam a ampliação de direitos e a
visibilização dos protagonismos das mulheres migrantes. Para o coletivo de que Jobana participa, o
uso das TICs é fundamental para a organização e divulgação das atividades que promovem e das
demandas que pretendem colocar em circulação, bem como para a construção da memória da
mobilização das mulheres migrantes. De acordo com ela, a visibilidade alcançada pela circulação
das suas atividades através do site do coletivo, do blog e das redes sociais permite que sejam
conhecidas e reconhecidas como moradoras de São Paulo, percebidas como sujeitos que ocupam a
cidade e participam de suas dinâmicas, modificando representações vitimizantes sobre as migrantes.
A partir da atuação de Jobana, pode-se encontrar correspondência com Marinucci (2016), que
observa que o ativismo de migrantes busca questionar abordagens reducionistas, constituindo-se
como “atos de visibilidade, afirmações de presença, irrupções na esfera pública de seres humanos
que se autorreconhecem como sujeitos políticos” (p. 7).
Por sua vez, na experiência de Geneviève identifica-se a efetivação de um ativismo
transnacional, considerando, conforme apontam Nina Glick-Schiller, Linda Basch e Cristina
Szanton Blanc (1995), que sujeitos migrantes, ao mesmo tempo em que se estabelecem no país de
acolhida, mantêm relações e conexões e influenciam eventos em seus países de origem. Geneviève
vive no Brasil há dois anos e atua como professora de francês em uma ONG de São Paulo que
contrata migrantes e refugiados como professores de idiomas. Com apoio da organização em que
trabalha, criou uma página de financiamento coletivo na internet com o objetivo de arrecadar
dinheiro para a compra de um terreno e construção de uma escola em uma região economicamente
desfavorecida do Haiti – na mesma zona em que já havia trabalhado como professora voluntária

28 http://www.warmis.org/

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após o terremoto de 2010. Sua iniciativa alcançou ampla divulgação, tanto pelas redes sociais
quanto em veículos midiáticos tradicionais, e a isso ela atribui ter alcançado a meta financeira
inicialmente proposta. Nesse sentido, compreende-se que a iniciativa de Geneviève – difundida pela
internet – vai ao encontro da percepção de Cogo (2015), para quem a atividade dos migrantes no
consumo e na produção comunicacional amplia as possibilidades de intervenção na cena pública
para além do limite local e favorece os processos de mobilização cidadã em uma perspectiva
transnacional.
Por fim, tendo percebido o posicionamento das duas entrevistadas como protagonistas em
suas histórias e em suas comunidades de atuação, o artigo busca refletir especificamente sobre a
questão de gênero articulada à migração. Embora Geneviève e Jobana possuam discursos diferentes
sobre a temática dos feminismos – visto que Jobana se assume como tal, enquanto Geneviève
possui ponderações sobre tal luta – e tenham migrado em diferentes condições e com distintas redes
de apoio no país, ambas desenvolvem trajetórias que evidenciam as mulheres como agentes, sujeitas
históricas e particulares que possuem voz própria (Gregorio Gil, 2009) e que mobilizam e articulam
outros sujeitos na batalha pela ampliação da cidadania própria e de outros, em seus países de
nascimento ou no Brasil.

Referências
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http://www.compos.org.br/biblioteca/compos2015_autores_2759.pdf.

Glick-Schiller, N., Basch, L. & Szanton Blanc, C. (1995) From immigrant to transmigrant:
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Gregorio Gil, Carmen. (2009). Mujeres inmigrantes: Colonizando sus cuerpos mediante fronteras
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Marinucci, Roberto. (2016) Mobilizações de migrantes e refugiados: as lutas pela visibilidade e


pelo reconhecimento. Remhu - Rev. Interdiscip. Mobil. Hum., ano XXIV, 48, 7-10.

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Experiências das mulheres imigrantes bolivianas em São Paulo em


maternidade e cuidados em saúde da família
The experiences of Bolivian immigrant women in São Paulo in maternity and family healthcare

Palavras chaves: imigração boliviana, gênero, maternidade, saúde, cuidado


Keywords: Bolivian immigration, gender, maternity, health, care

Samantha Lynn Serrano


BA em Estudos Latino Americanos e Espanhol- California State University of Fullerton
MA em Estudos Latino Americanos- University of Texas at Austin
PhD (em processo) Saúde Coletiva- Universidade Federal de São Paulo
Email: samljgserrano@gmail.com

O projeto proposto tem como objetivo descrever e analisar as experiências de bolivianas


imigrantes em São Paulo, Brasil em maternidade e com os cuidados em saúde da família. O estudo
das experiências desse grupo de imigrantes com a saúde no Brasil abre um espaço para falar sobre o
gênero, a raça, a maternidade, a estrutura familiar, a interseccionalidade, a saúde intercultural,
trabalho em cuidado, a reprodução, e acesso ao cuidado de saúde preventiva e curativa desse grupo
de pessoas comumente marginalizado. A inclusão de fatores culturais, sociais e linguísticos
apresenta diferenças e desafios significantes para documentar. Será realizada uma pesquisa
qualitativa, utilizando métodos etnográficos. As interlocutoras do estudo serão 15 mães imigrantes
da Bolívia com residência em São Paulo.
A desigualdade de gênero é vista em muitas áreas incluindo a desvalorização e valorização de
diferentes tipos de trabalho (físico, reprodutivo, emocional, etc.), a divisão de poder em casa e na
comunidade, e a representação de homens e mulheres na mídia e nos espaços públicos. A divisão e
desigualdade de gênero também afetam as condições de saúde em termos de vulnerabilidades,
acesso aos serviços, apoio familiar, tratamento pelos profissionais de saúde, confiança no
conhecimento das mulheres e confiança na validade das reações e sentimentos das mulheres
(Pittman, 1999). Os papéis de gênero são importantes no processo migratório e são a base das
relações de subordinação. O processo migratório muda as relações de gênero no lugar de origem e
no destino, às vezes em maneiras contraditórias. Por isso, é vital estudar como a migração pode
mudar as relações patriarcais e se trabalha para reforça-las ou usurpá-las.
O processo de se tornar mãe ou se adaptar a ser uma em uma terra nova apresenta desafios
específicos na formação das identidades das mães imigrantes. O deslocamento cultural impacta os

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desafios da maternidade com a adaptação ao processo migratório, as mudanças em concepções de


papéis de gênero, conflitos culturais, e a mudança da estrutura da família e redes sociais (Tummala-
Narra, 2004). Segundo Akhtar (1999) o processo de migração para um país novo tem efeitos
profundos em indivíduos e estruturas familiares.
Tummala-Narra (2004) afirma que a migração em alguns casos proporciona uma
oportunidade para mães imigrantes acessar recursos que não eram disponíveis nos seus países de
origem para lidar com violência sofrida (no passado ou contemporaneamente), como terapia
psicológica ou cuidado de saúde em geral. Em outros casos, o estresse da imigração e o isolamento
da família pode ampliar o risco de violência contra mães e seus filhos (Carneiro Junior, 2011). Nas
hierarquias raciais e de gênero, mulheres imigrantes não brancas muitas vezes são as menos
valorizadas e possuem menos poder social e econômico. A vulnerabilidade dessas mulheres se
tornando vítimas de raiva ou violência por indivíduos que são parte ou não são parte das suas
famílias ou comunidades é considerável. Andrade (2003) indica uma prevalência de 30% a mais de
situações de violências entre as mulheres bolivianas em relação às demais usuárias dos serviços em
um centro de saúde em São Paulo.
Outra questão que as mulheres imigrantes que migram para países com mais acesso a
tecnologias biomédicas enfrentam é a possível sobrevalorização da biomedicina e a desvalorização
de cuidados naturais e tradicionais. No trabalho de Galvez (2011) com imigrantes mexicanas
grávidas em Nova Iorque, Estados Unidos, ela notou como o status de mulher imigrante e parte do
sistema público de saúde com vários fatores de risco na área de saúde (por questões
socioeconômicas) era uma razão para categorizar e doutrina-las para praticar as normas e
comportamentos na saúde pública do seu novo país. Todos esses processos aconteceram dentro do
contexto da imigração que era o aspecto central que guiou a manutenção de hábitos, informações e
perícias que trouxeram com elas nos seus encontros e consultas no novo país. Normalmente estas
mulheres estavam muito entusiasmadas por poder ter acesso a um hospital moderno e bem equipado
e estavam dispostas a ver o cuidado médico americano como inerentemente superior ao cuidado que
receberem em suas comunidades de origem. Muitas das mulheres descreveram o prestígio associado
com o acesso aos cuidados biomédicos como uma maneira para performatizar uma identidade
moderna, por exemplo poder fazer o parto num hospital era um privilégio associado com a
migração.
Galvez afirma que mudanças e progresso não são a mesma coisa e que a modernidade é uma
construção cultural e é um produto de transformações e que ambos têm custos e benefícios. As
mudanças culturais em nome da modernidade das mulheres migrantes podem reforçar

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desigualdades e criar outras. Essas mudanças podem também invalidar práticas tradicionais e tratar
o conhecimento tradicional como algo antigo e nulo.
Abordando a maternidade, gênero e saúde também abre espaço para examinar a área de
trabalho em cuidado não pago (ou seja, “unpaid care work”). A maioria do trabalho em cuidado é
realizado fora do mercado de trabalho pago e esse trabalho não pago é feito principalmente por
mulheres e meninas (Pearson and Sweetman, 2010). Esse trabalho em cuidado não pago inclui o
trabalho previsto socialmente e culturalmente para as mães como cuidado de crianças, limpeza de
casa, compras de comida, preparação de comida, e cuidado da saúde da família. Quando esse
trabalho é adicionado ao trabalho de horas longas pago da mulher imigrante, isso necessita uma
mudança nas dinâmicas e expectativas de gênero e cria tensões sociais, familiares e individuais em
termos de identidade. Vários acadêmicos e trabalhadores institucionais médicos com quem já falei
informalmente sobre o tema relataram que muitas vezes as mães imigrantes bolivianas não podem
participar tanto no trabalho no cuidado fora da casa por causa de limitações linguísticas que seus
parceiros homens não necessariamente enfrentam. Também, a questão de “care work” muda para
mães que moram dentro das oficinas de confecção, onde os donos comumente dão a comida para as
famílias e muitas vezes são os que agendam e decidem quando e como os trabalhadores devem
receber atenção médica.
Em termos de estudos que revelem a desigualdade de gênero na área de saúde das mães
bolivianas no Brasil, um aspecto importante da saúde das mães explorado em alguns estudos é a
saúde reprodutiva, incluindo a gravidez e o parto. Um dos maiores desafios na saúde no Brasil hoje
em dia é a taxa extremamente alta de partos cesarianos. Em anos recentes, certas políticas médicas
foram pensadas para ajudar a diminuir estas taxas, especialmente em hospitais públicos. Mesmo
assim, o problema persiste por causa de várias condições sociais, culturais e econômicas,
principalmente em hospitais privados (Victora et al., 2011). Na Bolívia, a maioria dos partos são
vaginais e em casa, com a ajuda de parentes e parteiras. Partos cesarianos são muito raros. Madi et
al. (2009) demonstraram que imigrantes bolivianas preferem partos vaginais em vez de cesarianos
por razões culturais e por causa da recuperação mais rápida que facilita a volta ao trabalho, que é
essencial para imigrantes de baixa renda. Segundo o coletivo Warmis (2016), uma instituição que
trabalha com os direitos em saúde de mulheres imigrantes no Brasil, uma agressão comum que as
mulheres bolivianas sofrem no Brasil é a violência obstétrica por meio de partos cesáreos forçados.
A violência obstétrica “caracteriza-se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das
mulheres pelos profissionais de saúde através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização
e patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir

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livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das
mulheres” (Defensoria Pública do Estado de São Paulo, 2013).
Segundo Yajahuanca (2015), para muitas bolivianas imigrantes em São Paulo “A distância
cultural entre a visão da biomedicina ocidental e a visão tradicional gera sentimentos de
desconfiança” Yajahuanca também problematiza a frequência da utilização de técnicas como a
episiotomia, que são interpretadas como violentas por muitas das bolivianas. Várias vezes as
bolivianas entrevistadas pela autora se ressentirem com a falta de cuidados e procedimentos que
favoreçam o parto vaginal, e com o desrespeito a seus valores culturais.
Algumas dimensões importantes da saúde dos imigrantes no Brasil que ainda não foram
estudadas profundamente são as experiências das mulheres imigrantes bolivianas em maternidade,
depois de fazer o parto e em cuidados em saúde da família geral. Esses elementos pouco explorados
podem revelar informação importante sobre as dinâmicas de gênero em famílias e nos serviços de
saúde e as vidas de imigrantes em geral.

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A presença de trabalhadores senegaleses em Niterói/RJ:


informalidade, precariedade, resistência e as expressões da imigração
contemporânea no Brasil
The presence of Senegalese workers in Niterói / RJ: informality, precariousness, resistance and
the expressions of contemporary immigration in Brazil

Palavras-chave: imigração contemporânea, trabalho, precariedade, resistência, Senegaleses.


Keywords: Contemporary immigration, work, precariousness, resistance, Senegalese.

Áurea Cristina Santos Dias


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.
Professora Assistente no Departamento de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense.
aureadias@id.uff.br

Introdução
Vivenciamos mundialmente um contexto de recrudescimento das lutas sociais e de
agudização da questão social, tendo consequências graves para a condição vida da classe
trabalhadora. O aumento dos deslocamentos forçados, especialmente entre países pobres, migrações
sul – sul, é uma das manifestações desta realidade.
Segundo dados do Alto Comissariado da ONU para Refugiados o deslocamento forçado
causado por guerras, violência e perseguições atingiu em 2016 o número mais alto já registrado na
história, 65,6 milhões.
No século XXI a imigração no Brasil ganha novas dimensões e características que afetam as
legislações e a própria representação ideológica a seu respeito visto que os imigrantes de agora são
oriundos de países periféricos, latino-americanos, africanos, além dos refugiados políticos de
diferentes países, como mostra a tabela abaixo. O Brasil principalmente na sua fase econômica e
política favorável recente, com impulsos de desenvolvimento ainda que subordinados, apareceu
como destino interessante para a busca de trabalho. Para Villen (2014) o fluxo migratório no Brasil
se insere no circuito mundial de imigração e se acelera principalmente a partir da crise de 2007 nos
países centrais.
Segundo Fontes (2014), o capitalismo contemporâneo inova e recria as contradições
fundamentais deste modelo societário, deste modo as disparidades e desigualdades econômicas,
políticas, sociais e culturais se aprofundam, sejam internamente em cada país como entre os países
centrais e periféricos. Os desafios estão postos a classe trabalhadora e atravessam fronteiras
nacionais, no entanto para o trabalhador imigrante a determinação de classe é atravessada por

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elementos culturais e étnico-raciais que em muitos casos se desdobram em manifestações


irracionais expressas na xenofobia, racismo e outras formas de violência.
No caso brasileiro a herança escravocrata de nossa formação sócio histórica incide em
particularidades na constituição da classe operária no Brasil e se perpetua em desigualdades
políticas, salariais e ocupacionais com forte marca da questão racial vinculada a população negra.
Seyfert (2002) ao analisar o processo de imigração no Brasil ressalta uma dimensão racial
questionando a imagem do Brasil como um país hospitaleiro e acolhedor. Para a autora, o estudo da
legislação e políticas migratórias revelam uma história de privilegiamento dos imigrantes europeus
brancos e de criminalização dos grupos considerados indesejáveis.
Os senegaleses têm entrado no Brasil pela fronteira do Acre com o Peru, depois se deslocam
para São Paulo29 e outros de lá se deslocam para o sul, como o município de Passo Fundo, atraídos
pela possibilidade de trabalho em frigoríficos30 e da certificação halal31 (Ibid.).
A pesquisa mostra ainda que a vinda para o Brasil é motivada pela busca de trabalho, que ao
chegarem ao Brasil solicitam refúgio por questões econômicas, no entanto segundo a legislação
brasileira são considerados para refúgio “temor de perseguição por motivos de raça, religião, grupo
social ou opiniões políticas, pelo qual o solicitante se viu obrigado a deixar o seu país” (Fernandes,
2015 p. 29) e os senegaleses não atendem a estes requisitos.
O Brasil é signatário das convenções sobre acolhimento de refugiados, o Comitê Nacional
para Refugiados- CONARE – é um órgão do Ministério da Justiça responsável pela análise das
solicitações. Fernandes (2015) explica-nos que nos casos que não atendem aos requisitos de
refugiados e que são recusados, a legislação permite que se encaminhe para o Conselho Nacional de
Imigração – CNIg32 - para nova avaliação, mas que o uso deste dispositivo foi um longo processo

29
A Revista Exame de aponta uma Mesquita no Centro São Paulo como importante local de acolhimento para
senegaleses, a reportagem afirma que por dia são recebidos de 70 a 80 imigrantes e que um terço deles é de senegaleses.
(Revista Exame 08/07/2015 disponível em
www.exame2.com/mobile/brasil/noticias/senegalesesformamumanovaondadeimigrantesnobrasil
30
A procuradora do trabalho Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes ao elencar as principais ocorrências no Ministério
Público do Trabalho envolvendo o trabalho de estrangeiros, aponta o trabalho em frigoríficos como um dos mais
degradantes em uso no Brasil e que tem utilizado largamente a força de trabalho imigrante, caracterizam este “trabalho
jornadas abusivas, excesso de frio, esforços repetitivos, cenário deprimente” (Lopes, 2015 p. 228).
31
“Forma de abate de animais com destino a exportação para países de costume muçulmano, que supostamente exige
que os trabalhadores que realizam a matança sejam mulçumanos e realizem o ato manualmente, em constrição,
pronunciando determinadas palavras. Esta suposta exigência tem justificado a preferência de contratação de
trabalhadores provenientes de países com mais presença mulçumana, como Bangladesh, Senegal, Iraque, entre outros”
(Lopes, 2015 p. 229).
32
O CNIg colegiado, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) composto por representantes
governamentais, de empregadores e de trabalhadores, com incumbência de orientar, coordenar e fiscalizar as atividades
de imigração (Sprandel, 2015 p. 49).

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de luta protagonizado pela Pastoral da Mobilidade Humana da Igreja Católica em função da


situação dos haitianos.
As principais referências legais além da Constituição Federal sobre migrações no Brasil são: a
Nova Lei da imigração (que veio substituir o Estatuto do Estrangeiro); Código Penal; Estatuto da
Criança e do Adolescente e a Lei de Refúgio (Sprandel, 2015). A estrutura governamental se
organiza em três ministérios: Ministério da Justiça; do Trabalho e Emprego e das Relações
Exteriores.
Objeto e Objetivos
Para a definição do objeto de nossa pesquisa consideramos que a estratégia capitalista para o
deslocamento de capitais e investimentos tem ocasionado um considerável deslocamento mundial
da força de trabalho. Esses acontecimentos relacionados com a história da imigração na constituição
do mercado de trabalho brasileiro e de sua classe trabalhadora, não é inteiramente nova, mas vem
assumindo novas características no século XXI. Villen (2014) aponta como características da
imigração contemporânea a ampliação do contingente e a diversificação dessa população.
Nesse sentido destacam-se os seguintes elementos: 1) o aumento do fluxo de imigrantes de
países de capitalismo dependente, em especial latino-americanos33, asiáticos, africanos e refugiados
políticos de diferentes nacionalidades; 2) Tendo em vista a crise de 2008 que atingiu regiões
centrais do capitalismo, o crescimento econômico registrado no Brasil nos últimos anos associado à
imagem de país hospitaleiro funcionou como um atrativo.
Definimos como objeto de nossa pesquisa o estudo sobre os fluxos migratórios
contemporâneos no Brasil, entendendo-o inserido no contexto global de mundialização do capital,
com repercussões para o trabalho e consequentemente para as políticas sociais. Interessa-nos
estudar o papel dos imigrantes na composição da classe trabalhadora no Brasil, identificando seu
lugar nas novas configurações do trabalho. Consideramos que o estudo dos trabalhadores
senegaleses em Niterói nos oferecerá.
O objetivo geral é estudar as principais características dos fluxos migratórios contemporâneos
no Brasil, em especial a relação na inserção no mercado de trabalho e suas conexões com os
processos de âmbito global. Os específicos: estudar elementos da formação sócio histórica do Brasil
que permitam uma apreensão do caráter dependente de nossa economia e das implicações para a
classe trabalhadora; pesquisar como essas determinações se revelam na trajetória dos imigrantes

33
Fernandes (2015) chama atenção para os peruanos e bolivianos, estes últimos registraram um crescimento de 90,4%
do Censo de 2000 ao de 2010, de 20.388 passaram a 38.826.

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senegaleses em Niterói, considerando as possibilidades de trabalho, as redes sociais construídas


para a vinda e permanência e as formas de violência a que são expostos.
Metodologia
O percurso metodológico é referenciado teoricamente numa perspectiva de historicidade e
que considera os fenômenos sociais inseridos em relações de totalidade social. Sendo assim o
desenvolvimento do estudo acionará instrumentos da pesquisa bibliográfica, documental e de
campo, tendo como universo da pesquisa trabalhadores imigrantes no Brasil, o recorte da amostra
será melhor definido na medida em que a aproximação com esta realidade for se construindo, trata-
se de trabalhadores senegaleses estabelecidos no município de Niterói, o interesse pelo grupo não se
dá por questões quantitativas mas pelas redes migratórias construídas.
Nossa abordagem entende que os imigrantes ao se deslocarem em busca de produção de vida
constroem, ainda que não seja por escolha, uma resistência ao contexto de expropriação crescente
do trabalho, por isso a pesquisa empírica representa um rico espaço de desconstrução de uma
condição de impotência, recorrentemente atribuídas aos imigrantes. O que no contexto brasileiro é
fortalecido pelos limites da ação das políticas públicas e o protagonismo da ação assistencial
religiosa.
Considerações finais
Para maior entendimento das migrações transnacionais é imprescindível que se considere as
novas configurações da divisão internacional do trabalho, neste esforço o período de transição dos
anos 1960 para os anos 1970 é particularmente importante.
A inserção dos imigrantes senegaleses no mercado de trabalho no Brasil tem ocorrido
principalmente de duas formas: através de trabalhos informais e de postos precarizados, como o
caso dos trabalhadores dos frigoríficos, explicitando e denunciando características históricas e
contemporâneas do trabalho. Dentre elas destacamos: 1) O racismo histórico, enraizado nas
relações sociais no Brasil, em especial no trabalho; 2) A redefinição da composição da classe
trabalhadora no Brasil caracterizada tanto pela flexibilização e perda de direitos quanto pela crise
nas instituições de representação política dos trabalhadores, levando a uma disputa por postos de
trabalho ainda que precarizados.
Essas afirmações carecem de estudos, aprofundamentos posteriores, mas em princípio nos
fornece um norte para uma primeira fase de nossas pesquisas.

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As Haitianas na escola: o peso do passado e a esperança no futuro


The Haitian girls at school: The weight of the past and the hope for the future

Palavras-chave: migração haitiana, educação, violência, gênero, juventude.


Keywords: haitian migration, education, violence, gender, youth.

Lucas Rech da Silva


Mestrando PPGEdu PUCRS, bolsista CNPq
lucas.rech@gmail.com

Alexandre Anselmo Guilherme


PhD pelo Institute of Advanced Studies in Humanity, University of Edinburgh.
Professor Adjunto PUCRS.
alexandre.guilherme@pucrs.br

Henrique Caetano Nardi


PhD na EHESS de Paris (2008).
Professor Associado da UFRGS
hcnardi@gmail.com

Migrar é parte da história da humanidade e deve ser encarado como direito. Nesta
perspectiva, este trabalho analisa um recorte de pesquisa que se propôs a estudar a inclusão de
estudantes haitianas na Educação Básica na cidade de Caxias do Sul, RS. A migração haitiana
para o Brasil teve seu auge em 2012 pela concessão do visto humanitário facilitada, em
decorrência do terremoto que abalou a capital haitiana no início do ano de 2010. Com essa
abertura jurídica e burocrática um grande contingente de haitianos passou a buscar o Brasil
como destino (Handerson, 2015).
No Rio Grande do Sul- RS a cidade de Caxias do Sul -Caxias se tornou, em decorrência da
economia forjada na indústria metal-mecânica, um dos principais locais de destino. Estes
imigrantes têm, em sua maioria, motivação econômica e vêm em busca de melhores postos
de trabalho que os possibilite uma vida melhor. Devido sua condição de vulnerabilidade estão
sujeitos a inúmeras violências (Herédia, 2015).
Destes imigrantes que se inseriram no mercado de trabalho, uma parcela teve a oportunidade
de reagrupar suas famílias, trazendo para o Brasil esposa e filhos. Logo, essas famílias buscam
sua inserção na sociedade e procurar acesso a direitos básicos. Assim, o foco deste estudo de

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caso foi compreender como estudantes imigrantes de Ensino Médio -EM- percebem e
interpretam suas experiências de migração e de estudantes em Caxias e quais violências
aparecem neste contexto.
Violências, no plural, por entendermos que são possíveis diversas expressões: estrutural,
cultural, física e psicológica. Para isso, nos apoiamos nos estudos sobre violência de Frantz
Fanon (1952, 1963) e Johan Galtung (1976, 1976, 1996). Todavia, o foco do recorte destacado
neste texto está centrado nas violências que estão relacionadas e ocorrem em função das relações
de gênero.
Destarte, este estudo de caso (Yin, 2005) qualitativo (Minayo, 2011) foi executado no
primeiro semestre do ano de 2017. Contou com a participação de duas estudantes, de 17 e 20
anos, matriculadas em uma escola estadual de Ensino Médio -EM em Caxias. O instrumento
construído para a realização das entrevistas foi pensado à luz de princípios de História Oral
(Alberti, 1990), que possibilitou uma maior flexibilidade para abordar questões que surgiram na
interação com as entrevistadas.
A análise contemplou as formas de violência estrutural, cultural e psicológica baseando-se
nas teorias de Galtung e Fanon. Assim, a violência de gênero é, para Galtung, uma Violência
Indireta, pois por vezes está naturalizada, uma vez que é arraigada na cultura das sociedades,
como o racismo e o machismo. Só se tornando violência direta quando agride a integridade física.
Cremin e Guilherme (2015, p. 3) afirmam que o machismo e o racismo seriam formas de
violência cultural que “ocorre em suporte à violência estrutural, mascarando-a (ex: indiferença
ou suporte à violência doméstica)”. Ou seja, a violência cultural está intrinsecamente interligada
a violência estrutural que está nas bases e estruturas das sociedades e instituições. Fanon
adiciona a violência psicológica como uma importante categoria de violência. Para ele, todas
seriam formas diretas, visto que agridem tanto ao corpo como à psique do ser humano. Ele
identifica as implicações da colonização psicológica dos sujeitos, quebrando assim seu Eu, seu
amor-próprio e sua autoestima.
No caso das estudantes haitianas foi a figura paterna quem deu início ao processo de
mobilidade. Ambas as estudantes explicitam que antes de migrar, ainda adolescentes, não
sentiam vontade de sair e inclusive sentiram medo de deixar suas cidades. Logo, não foi uma
decisão ou um projeto próprio, mas familiar. Temos, portanto, famílias transnacionais
reagrupadas onde a figura paterna é o agente primeiro da migração e que coloca a família no

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processo migratório.
É unânime entre as duas, que foram entrevistadas separadamente, a crença de que o fato
de serem mulheres e imigrantes dificulta a conquista de um emprego. Uma delas, quando
questionada sobre ter se sentido tratada de forma diferente por ser imigrante responde: “quando
uma pessoa sai pra procurar emprego e tem vaga, mas não é pra estrangeiro é para quem for do
Brasil.” 34 . E, quando perguntada sobre a ocupação da mãe: “ela procurou muitos já e não
conseguiu emprego. Faz muito tempo que minha mãe está procurando, mas não consegue.”35
Quando questionadas se sentiram-se tratadas de forma diferente por serem imigrantes, ou
por serem mulheres e negras, as estudantes respondem que não. Todavia, ambas conferem à
dificuldade de encontrar emprego (das mães e delas próprias) ao fato de serem mulheres
imigrantes. Ou seja, nenhuma delas explicita ter sofrido violência de gênero, mas ambas
creditam o desemprego das mães ao fato de serem mulheres e imigrantes. Embora as
entrevistadas não identifiquem a discriminação, podemos associar o desemprego à violência de
gênero arraigada a uma sociedade patriarcal, racista e xenófoba.
Há também que considerar que as duas relatam não terem sido vítimas de racismo ou
xenofobia. O fato de as relações de gênero serem fortemente hierárquicas e marcadas pela
dominação masculina pode indicar que as estudantes naturalizam as violências às quais têm
sido submetidas. Essa naturalização da violência acarreta um processo de legitimação social, que
são assimiladas, culminando com a impunidade, por serem permitidas, não precisam ser
condenadas (MONTEL, 2016).
Durante a análise foi possível concluir que o motivo da migração de ambas é decorrente de
uma condição de violência estrutural e possibilitada por uma catástrofe ambiental. Não sendo o
bastante, ao chegar ao Brasil, elas também sofrem violência estrutural e cultural, na forma de uma
situação de precariedade e misoginia aliada à xenofobia. Juntam-se a estas, a violência
psicológica inerente ao processo de migração e de estabelecimento em uma cultura e uma
sociedade tão diferente. Das violências estabelecidas apenas a física não foi encontrada nas
narrativas.
Porém, para além das violências, conferem uma esperança em um futuro próximo. A

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Entrevista concedida pela participante da pesquisa, Entrevista I, Junho de 2017. Entrevistador: o autor. Caxias do Sul,
2017.
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Entrevista concedida pela participante da pesquisa, Entrevista I, Junho de 2017. Entrevistador: o autor. Caxias do Sul,
2017.

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primeira tem planos de voltar ao Haiti, mas somente após cursar medicina, para poder ajudar as
pessoas pobres em seu país. A segunda não pretende ficar no sul do Brasil, tampouco voltar ao
Haiti, pensa em seguir sua vida em outro lugar onde o frio não esteja presente, onde haja
maiores oportunidades de emprego e estudo. Dessa forma, visualizamos aquilo que Handerson
(2015) aponta tão claramente: a diáspora como um valor intrínseco à cultura haitiana, bem
como o sentimento de solidariedade coletiva, traços marcantes e importantes da cultura do povo
haitiano.
No ambiente escolar, as estudantes apenas dão indícios de violência estrutural, como o fato
de a escola não se mostrar preocupada com algumas questões específicas da condição de
vulnerabilidade. Se, por um lado, professores e colegas têm se mostrado acolhedores (de acordo
com as falas das estudantes), por outro lado, a escola reproduz violências estruturais por
desconsiderar a situação peculiar desses estudantes. O acolhimento ocorre através das relações
interpessoais entre as estudantes e seus pares e seus professores e sem nenhum suporte
institucional.
Concluindo, esse processo foi marcado por uma série de violências, desde a motivação
inicial, passando pelas dificuldades de adaptação e inserção no mercado de trabalho. A sociedade
na qual se inseriram não estava culturalmente preparada para recebê-las e está tendo que
aprender a viver a interculturalidade na prática e essa mesma realidade se reproduz na escola.
Pode-se argumentar aqui que a verdadeira inclusão dessas jovens imigrantes na sociedade
brasileira depende, e muito, do seu processo de inclusão em nossas escolas.

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Reconhecimento do refúgio: uma análise sobre a especificidade de


gênero
Refugee recognition: an analysis of gender specificity

Palavras-Chave: ACNUR; CONARE; gênero; mulher; refúgio.


Keywords: UNHCR; CONARE; gender; woman; refugee.

Bruna Soares de Aguiar


Mestranda em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (IESP/UERJ)

Introdução

O Brasil foi o primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção de 1951 (Waldely, Aryadne
Bittencourt; Virgens, Bárbara Golçalves; Almeida, Carla Miranda Jordão, 2014), e é reconhecido
como pioneiro em legislação nacional sobre o tema: Lei 9.474/97. Esta lei define os mecanismos de
implementação das prerrogativas da Convenção, e a criação do Comitê Nacional para Refugiados
(CONARE). A atuação do Brasil na temática se dá em conjunto com o Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e organizações da sociedade civil. Com o passar do
tempo, a agenda do refúgio foi exigindo novos modos de ação para lidar com as especificidades dos
indivíduos e o contínuo aumento do fluxo, como no caso brasileiro, de acordo com dados do
CONARE, no ano de 2016, havia um total de 9.552 refugiados reconhecidos no Brasil, em relação a
8.493 no ano de 2015.
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), pelo
menos metade das pessoas deslocadas no mundo são mulheres e crianças, que carecem da proteção
de seus Estados, sendo pertinente o estudo sobre essa população em situação de vulnerabilidade. No
Brasil, as mulheres não representam a maioria dos solicitantes de refúgio e refugiados reconhecidos.
De acordo com o CONARE, em 2015 corresponderam a 28,2% e em 2016 25%. Apesar de não
serem quantitativamente expressivas, essas mulheres chegam ao país, e cabe às instituições que
trabalham com o tema do refúgio atende-las e observar se existem ou não necessidades específicas.
O CONARE não possuí delimitação expressa sobre gênero, e a legislação brasileira também não
trata do caso, mas por serem membros do Comitê Executivo do ACNUR, o país costuma adotar as
resoluções e pareceres elaborados pela instituição.
Em análises sobre refúgio é comum que os indivíduos sejam considerados como um grupo
coeso, diferente disto a proposta é analisar as especificidades que podem existir, assim, surgiu a

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questão de como a perspectiva de gênero é percebida pelos organismos e instituições que lidam com
o tema de refúgio. O estudo será realizado em consonância com bibliografia sobre gênero e fluxos
migratórios.

Gênero e refúgio

Desde 1985 as plenárias do Comitê Executivo do ACNUR (ExCom) tem abordado a questão
de gênero na agenda de refúgio. De acordo com a Comisión Española de Ayuda al Refugiado
(CEAR) o ExCom observou na plenária nº39 que as mulheres já constituíam a maioria dos
refugiados no mundo, e que possuíam problemas “especiais” na proteção internacional. Destacou a
necessidade do ACNUR e dos Estados levarem em consideração esses problemas e garantir a
proteção, por meio de medidas adequadas, das mulheres refugiadas que se encontravam
desprotegidas da violência e de ameaças a sua integridade física ou abusos sexuais. A conclusão
delimitou que os governos eram livres para a interpretação de que mulheres solicitantes de asilo,
vítimas de tratamento humano degradante por terem agido de forma a transgredir os valores sociais
e morais das sociedades em que viviam, poderiam ser consideradas como grupo social dentro do
que foi estabelecido na Convenção de 1951 (CEAR, n.d.).
Em 1990, na plenária nº41, o ExCom tomou como base as delimitações da Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW- sigla em inglês)
para conceder o estatuto de refugiadas às mulheres. No ano seguinte, em 1991, o ACNUR
promulgou o Guia para a Proteção das Mulheres Refugiadas, a partir desta o ExCom sustenta que as
mulheres que temem ser perseguidas e/ou sofrer discriminação devido ao seu sexo devem ser
consideras como membro de um grupo social para determinar o estatuto do refúgio. Através da
resolução conclusiva nº 73 de 1993, o ExCom solicitou aos Estados e ao ACNUR a garantia do
acesso, de forma igualitária, à homens e mulheres aos procedimentos de determinação da condição
de refugiado. Ficou estabelecido a perseguição por meio de violência sexual como constituinte de
uma violação dos direitos humanos, e quando cometidas em contexto de conflito armado, como
uma grave violação do Direito Internacional Humanitário. A recomendação foi de que os Estados
elaborassem diretrizes específicas para mulheres solicitantes de refúgio, reconhecendo que as
perseguições sofridas por este grupo diferem daquelas sofridas pelos homens (CEAR, n.d.).
Na resolução conclusiva nº 77, de 1995, o ExCom solicitou que o ACNUR promovesse e
apoiasse medidas desenvolvidas pelos Estados com respostas para a perseguição sofrida
particularmente por mulheres. Em 1998, o ExCom condenou a perseguição por meio da violência
sexual, reconhecendo como refugiado aqueles que possuem fundado temor por perseguição

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mediante a violência sexual e por razões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um


determinado grupo social ou opinião política (CEAR, n.d.). Em 1999, mediante resolução de nº87,
o Comitê Executivo retomou a conclusão de que os Estados devem aceitar que a perseguição pode
ter relação com gênero ou ser praticada mediante a violência sexual. Solicitando que tanto ACNUR
quanto demais partes interessadas promovessem ações, diretrizes, códigos de conduta e programas
de formação sobre as questões de refúgio relacionadas com gênero, a fim de aceitar a perspectiva de
gênero na agenda de refúgio. (CEAR, n.d.) O ACNUR integra a perspectiva de gênero nos
programas e relatórios de atividades que desenvolve desse 1999.
As resoluções adotadas pelo Comitê Executivo do ACNUR representam a visão da
Comunidade Internacional sobre a agenda de refúgio. A estrutura do Alto Comissariado das Nações
Unidas e dos órgãos que trabalham em conjunto, subordinados a Assembleia das Nações Unidas,
são os mecanismos de promoção dos Direitos Humanos Internacionais. Das resoluções como
consenso, depreende-se que os Estados-Membros do ExCom estão alinhados em dadas conclusões.
Segundo Daniel (2013) a categoria gênero permite comparação entre as relações de homens e
mulheres, masculino e feminino no país de origem e no de destino.
Mesmo quando compartilham do mesmo país de origem e a mesma motivação, homens e
mulheres podem ter visões diferentes sobre a experiência migratória [...]reconhecer o gênero
como um conjunto de relações que incide sobre as mobilidades internacionais exige uma
mudança de perspectiva que o entenda como uma categoria social que dá significado às
relações de poder (Scott, 1991) que organiza as sociedades distinguindo masculino e
feminino. (Daniel, 2013, pp.60 e 69)
De acordo com o editorial de Migrações na Atualidade (nº106, p. 3, 2017) deve-se
“considerar que as mulheres que migram acumulam fatores de opressão (por seu gênero e por sua
situação como migrantes/refugiadas) é necessário no que tange à elaboração de projetos e políticas
sociais que as atendam”. A maneira como as mulheres lidam com o deslocamento, as razões para
fazê-lo e forma como vivenciam a experiência do refúgio são relevantes para o desenvolvimento de
políticas públicas e integração desses indivíduos na sociedade receptora. Assim, uma análise mais
detalhada da variável gênero no refúgio faz-se necessária, com atenção as instituições que atuam na
agenda.

Considerações

As mulheres são reconhecidas internacionalmente como grupo, junto com crianças e jovens,
que apresentam maiores situações de risco entre a população que realiza deslocamento forçado. O
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados delimita a especificidade de gênero como
razão para concessão de refúgio, apesar de não estar de forma específica na legislação brasileira, de

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acordo com Thaís Menezes, coordenadora geral do CONARE, no Brasil, alguns casos de refúgio
são reconhecidos por razão de gênero, mas ainda são poucos. O deslocamento forçado dos
indivíduos se dá por razões distintas, quando a Convenção de 1951 e a Lei brasileira 9.474/97
delimitam casos para o reconhecimento do estatuto acabam por excluir outras especificidades. O
caso das mulheres que fogem do país de origem por perseguição de gênero, violação de direitos
sexuais e reprodutivos ficam à mercê da interpretação do Estado em que o refúgio é solicitado.
Mas além do reconhecimento como refugiada, as mulheres podem necessitar de políticas
públicas e de integração específicas. Quando o ExCom redige as resoluções supracitadas se limita
ao processo legal do refúgio, e a parte social fica com lacunas. Em estudo de caso que está sendo
realizado com mulheres congolesas 36 que chegam na cidade do Rio de Janeiro, percebe-se que
muitas das vezes o processo de integração tende a pesar mais sobre a experiência como refugiada
do que a solicitação de refúgio. As mulheres costumam trazer, além das marcas da violência política
do país de origem, experiências de violação, separação do núcleo familiar, mas também trazem os
filhos e/ou chegam gestantes. Além de não conseguirem inserção no mercado de trabalho na
formação que possuem, não possuem assistência no cuidado da criança. Ou seja, o processo de
integração destas mulheres prevê mais etapas, demanda assistência médica e psicológica, creches.
Para tanto, o que se considera é a necessidade de lançar olhar para questão de gênero no refúgio
além da inclusão da variável na legislação, é preciso uma mobilização de políticas de integração
que atendam às necessidades que trazem do país de origem, e as novas dinâmicas sociais que
enfrentam quando chegam ao Brasil.

Referências

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em: http://www.sinrefugio.org/noentra/PDF/cast/acnur.pdf Acessado em: junho de 2017.

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Janeiro. Revista Ambivalências. ISSN 2318-3888, V1, n. 2, p. 54-72.

36
Estudo de caso sendo desenvolvido pela autora para dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em
Sociologia no IESP/UERJ, sob orientação do professor Luiz Augusto Campos.

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Mulheres Migrantes e Refugiadas: riscos e proteção no contexto de violência de gênero (2017,


Março) Resenha Migrações na Atualidade, Ano 28, nº 106. Centro Scalabriniano de Estudos
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WALDELY, Ayadne Bittencourt; VIRGENS, Bárbara Golçalves; ALMEIDA, Carla Miranda


Jordão. (2014) Refúgio e Realidade: desafios da definição ampliada de refúgio à luz das
solicitações no Brasil. REMHU- Rev. Interdiscip. Mobil. Hum., Brasília, Ano XXII, n.43, pp.
117-131, jul./dez.

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Mulheres Refugiadas X Mercado de Trabalho: Uma Análise da


Realidade de Superexploração na Cidade de São Paulo
Women Refugees X Labor Market: An Analysis of the Reality of Overexploitation in the City of
São Paulo

Palavras-chave: Mulheres refugiadas Mercado de trabalho, Inserção formal/informal, Precarização


do trabalho, Condições de vida.
Keywords: Refugee women, Job market, Formal / informal insertion, Precarization of work, Life
conditions.

Marisa Andrade
Mestre em Serviço Social pela PUC-SP. Doutoranda em Serviço Social pela UFRJ. E-mail:
andrademandrade@bol.com.br

A temática do refúgio no Brasil é antiga, tratada nos meios jurídicos, vez que o país é
signatário da Convenção dos Refugiados de 1951 desde 1960, embora no início a concessão
ocorresse com restrições, pois “[...] o Brasil só recebia em seu território pessoas provenientes do
continente europeu, mediante reserva geográfica” (ALMEIDA, 2001, p. 115). Almeida assinala que
a Convenção foi acatada parcialmente, visto que houve restrições relacionadas ao associativismo e
ao exercício da atividade profissional assalariada.
Nesse período o Brasil negou ao refugiado qualquer associativismo, assim como o
impossibilitou acessar o mercado de trabalho, mesmo em condições precarizadas, contradizendo as
recomendações da Convenção. Esses procedimentos resultaram em perdas trabalhistas aos
refugiados residentes no Brasil, submetendo-os a condições precárias de inserção no mercado de
trabalho.
Observa-se o desinteresse do País com a situação dos refugiados, apesar da aparente
preocupação frente aos países desenvolvidos, que já acatavam a Convenção em sua totalidade. A
ratificação da Convenção pelo Brasil ocorreu a partir de interesses político-econômicos no cenário
internacional, mediante explícito interesse pelos europeus, que também obtiveram poucas
concessões.
Segundo Moreira (2006), o discurso do governo brasileiro de recepção aos refugiados
esbarrou na política interna de crescimento econômico e nas questões político-ideológicas do país,
resultando em declarações contraditórias em relação à acolhida dos refugiados. Moreira aponta que

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“[...] se de um lado [o Brasil] demonstrou ser um país comprometido com essa problemática, [razão
pela qual foi escolhido para fazer parte do Comitê Consultivo do ACNUR e tornou-se membro do
Comitê Executivo deste organismo], por outro lado deixou de acolher grande contingente de
refugiados latino-americanos durante as décadas de 1970 a 1980, período que se constatou
sistemáticos conflitos armados na região”. (MOREIRA, 2006, p. 71).
Embora compromissado desde 1960, somente no final de 1990 o Brasil iniciou sua atuação
com os refugiados, resultado da pressão exercida por organizações da sociedade civil, mormente
ligadas à igreja católica. Com o aumento do fluxo de refugiados e da ausência de políticas públicas,
as associações católicas passaram a atuar com esse público.
No entanto, sendo o Brasil um país de grandes contradições, essas também se consumaram
na questão do refúgio. Em 1997 o Brasil assumiu a proteção aos direitos dos refugiados com a
aprovação da Lei nº. 9.474, um marco histórico em relação aos direitos dos refugiados (ACNUR,
2010).
Esse breve histórico evidencia a importância dessa discussão na atualidade, vez que os
direitos adquiridos remetem ao imperativo da criação de políticas públicas sociais que atendam às
necessidades mais emergentes dos refugiados, a fim de lhes propiciar uma sobrevivência digna, a
partir da sua inserção no mercado de trabalho.
Este, portanto, constitui o foco central das pesquisas realizadas, que discutem a inserção de
mulheres refugiadas no mercado de trabalho, especificamente na cidade de São Paulo, em um
contexto de constantes perdas de direitos trabalhistas e de crises estruturais, como o atual, que após
décadas de lutas operárias retira dos trabalhadores, por meio do Estado, os direitos historicamente
adquiridos.
Segundo o ACNUR, o mundo tem se deparado com uma avalanche de pessoas refugiadas e
deslocadas sem precedentes na história da humanidade. O crescente aumento de pessoas forçadas a
deixar seus países, em especial nas fronteiras europeias, em consequência dos vários conflitos no
mundo, alcançou em 2016 um recorde de 65,6 milhões de pessoas (UNITED NATIONS HIGH
COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2017).
Esses expressivos números, outrora desconhecidos, hoje são divulgados pelas mídias
mundiais, que noticiam os acontecimentos no mundo. Destarte, ainda que superficialmente, tem-se
o conhecimento das mazelas vividas por milhões de pessoas que lutam para sobreviver dignamente,
a despeito do silêncio dos países onde tais realidades sucedem.
Assim, as pesquisas realizadas visam analisar a inserção no mercado de trabalho de
mulheres refugiadas na cidade de São Paulo no intuito de revelar a realidade dessa inserção à

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sociedade, comunidade científica e interessados, não obstante as convenções e direitos normativos


legais promulgados aos refugiados no Brasil.
Este estudo constitui-se como uma pesquisa qualitativa, descritiva, em que se procedeu
preliminarmente uma revisão da literatura com base em pesquisas bibliográficas e documentais
acerca do assunto. O levantamento bibliográfico e documental permitiu um estudo histórico dos
fatos, buscando-se apreender como se deu o processo de refúgio ao longo da história, no cenário
internacional e brasileiro, resgatando-se a participação do Brasil com a questão.
Realizou-se pesquisa de campo na cidade de São Paulo a fim de acompanhar o processo de
inserção desse público. Utilizaram-se como técnicas a observação direta, questionários aplicados às
organizações e entrevistas aprofundadas aplicadas às partícipes.
Para proceder ao cruzamento das informações dos dados obtidos, utilizou-se o software
PSPP, que permitiu gerar relatórios tabulados e gráficos, para realizar inferências sobre as
correlações entre as variáveis selecionadas e avaliar as condições socioeconômicas e de inserção
das refugiadas no mercado de trabalho paulistano. A partir dos relatórios emitidos e analisados,
procedem-se as conclusões das pesquisas.
A investigação de 2017 permitiu identificar e traçar o perfil das 50 refugiadas informantes.
Dessas 16% vieram acompanhadas de seus filhos. A análise por grupos etários revelou que 78%
têm menos de 40 anos, população em idade ativa economicamente (PIA), apta para o trabalho.
Somente 22% têm idade entre 40 a 55 anos, também aptas ao trabalho.
Entre as que declararam trabalhar, identificou-se que 92% estão no setor de serviços. Desse
percentual, 76% trabalham no setor informal e 16% estão registradas formalmente.
Como as condições de vida e sobrevivência decorrem da inserção no mercado de trabalho,
questionou-se a remuneração salarial. Das inseridas no setor informal (76%), 50% recebem entre
R$ 600,00 e R$ 800,00; 22% recebem entre R$ 801,00 a R$ 1.000,00; e 4% entre R$ 1.001,00 a R$
1.300,00. Portanto, 38 partícipes encontram-se desasseguradas em relação aos direitos trabalhistas
(INSS, FGTS, 13º, férias, etc). Concluiu-se que a remuneração inferior ao mínimo lhes afeta as
condições materiais e sociais de sobrevivência, produzindo condições subumanas de subsistência,
especialmente àquelas que possuem filhos.
A informalidade foi questionada às refugiadas, a fim de descobrir sobre as implicações
relacionadas à supressão dos direitos trabalhistas. Apesar do pouco discernimento a esse respeito,
essas mulheres buscam na cidade de São Paulo o apoio e a proteção negada em seu país de origem.

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A moradia também é um grande problema, pois há poucos abrigos para mulheres,


especialmente para abrigar junto os filhos. Detectou-se que 86% das investigadas moram em
quartos alugados em cortiços, sublocados para várias pessoas ou famílias.
Embora a Lei 9.474/97 expresse as principais proteções ao refugiado, como: educação,
trabalho, saúde, moradia, lazer, etc., as investigadas vivenciam inúmeras dificuldades na cidade de
São Paulo, condições que requerem do Estado o cumprimento do ordenamento jurídico, mediante
desejo político em sua implementação.
A pesquisa realizada em 2017 possibilitou compreender que as refugiadas no município de
São Paulo vivem um paradoxo: o de buscar dignidade humana onde essa dignidade é pseudo-
ofertada ou é ofertada em “migalhas”.
Ao se adentrar na cotidianidade das refugiadas, mergulhando-se nas mazelas impostas pelo
capital a esse grupo social, detectou-se que os detentores do poder, mediante relações capitalistas,
exploram e aniquilam esse grupo, levando-as à condição mínima de subsistência, uma existência
subumana na qual o ser não se reconhece enquanto ser de direitos.
A despeito de essa realidade assemelhar-se a vivenciada por milhões de brasileiros
subempregados, afetados pela atual crise global contemporânea, a situação das refugiadas constitui-
se com maior complexidade, agravada pelas diferenças culturais, raça, idioma, leis, distância dos
filhos e demais familiares, dificuldades de adaptação noutro país, inseguranças e instabilidades
psíquicas, deixando-as suscetíveis à marginalidade.
Quanto à inserção no mercado de trabalho, concluiu-se que as refugiadas são
superexploradas, inserindo-se quase que exclusivamente na área de serviços, em condições
informais, temporárias, precarizadas, marginais e instáveis.
Depreende-se que sem mudança estrutural e sem interesse político não haverá
transformações econômicosociais, inviabilizando de fato a inserção laboral dessa população. O
envolvimento dos Estados é fundante à resolução dos conflitos, visto que os crescentes
deslocamentos forçados de milhões de pessoas pelo mundo produzirão outros agravamentos da
questão social.

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V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações. Caderno de Resumos.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2017
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Mulheres migrantes e a perspectiva de gênero


Migrant women and the gender perspective

Palavras-chave: Gênero. Migrações. Metodologia. Autonomia. Empreendedorismo.


Keywords: Gender. Migrations. Methodology. Autonomy. Entrepreneurship.

João Maia
Professor associado da Faculdade de Comunicação Social (FCS/UERJ) e coordenador do grupo de
pesquisa CAC – Comunicação, Arte e Cidade (CNPq/PPGCOM/UERJ). Mestre em Comunicação
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990) e doutor em Sociologia - Université Paris
Descartes (1993).
cac_mangueira@hotmail.com.

Claudia Domingues
Doutoranda em Comunicação (PPGCOM/UERJ). Mestra em Psicanálise, Pesquisa e Clínica
(PPGPSA/UERJ). Membro do grupo de pesquisa CAC – Comunicação, Arte e Cidade
(CNPq/PPGCOM/UERJ). Graduada em Psicologia e Direito.
claudiambfd@gmail.com.

Ezra Park ([1916]1979), e os estudiosos da Escola de Chicago em geral, já observavam que


a experiência migratória acaba fomentando um verdadeiro laboratório social e humano, onde novas
maneiras de vida e organização social tomam forma. Do mesmo modo que as transformações nos
eixos sociais (família e instituições) ocorridas principalmente no século XX e XXI têm obrigado as
sociedades da época a construir novas relações de gênero e imaginar novos papéis para o feminino e
o masculino (MEZZADRA, 2012).
Segundo Barral (2005), os estudos migratórios devem ser pensados e estudados sobre uma
perspectiva de gênero, quando precisam ser observadas as diferenças materiais e simbólicas em
relação a homens e mulheres. As instituições, espaços de acolhimento para migrantes ou refugiados
devem buscar entender o gênero enquanto conjunto de categorias que se relacionam e se
comunicam, pelo fato do mundo dos homens fazer parte do mundo das mulheres e vice-versa.
As mulheres sempre estiveram presentes dentro das principais correntes migratórias, mas os
estudos clássicos sobre as migrações apontam para sujeitos sem sexo e sem corpo, pois se
restringiram na contabilização numérica de homens e mulheres. Barral (2005) assinala que os
modelos estabelecidos para as questões de gênero no contemporâneo em relação aos migrantes não
dão mais conta da diversidade de formas que homens e mulheres se apresentam para o mundo.

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Conforme a autora, as feministas pioneiras (anos 70/80) nos estudos migratórios se


preocupavam em descobrir as causas motivacionais ou determinantes do processo migratório.
Também tinham por objetivo a análise da relação entre migração e emancipação feminina, bem
como entender o impacto das experiências migratórias nas relações de gênero tanto no nível das
representações como nas suas práticas. Os estudos iniciais feministas também contestavam a
exclusão das mulheres como sujeitos migratórios, como mulheres trabalhadoras e agentes ativas na
sociedade, em razão das mulheres terem sido tratadas como dependentes dos homens, fechadas no
espaço doméstico e não consideradas livres e autônomas.
Assim, as migrantes foram em largo período de tempo consideradas como parte integrante
do núcleo familiar e contabilizadas como acompanhantes dos seus maridos e familiares. Outro
ponto importante é que as motivações e desejos migratórios apareciam como masculinos. Nestes
estudos clássicos, as mulheres migrantes não foram contabilizadas como trabalhadoras do campo,
como funcionárias dos estabelecimentos comerciais familiares e tantas outras formas de trabalho
pelo fato da força laborativa ter sido considerada exclusivamente masculina.
Os trabalhos científicos produzidos anteriormente sobre as mulheres reproduziram um dito
masculino sobre o feminino e uma das tarefas importantes do movimento acadêmico atual é revisar
os escritos científicos clássicos sobre as mulheres. Na contemporaneidade, as pesquisas sobre os
processos migratórios vêm se desenvolvendo a partir de uma nova óptica onde os estudos sobre
gênero têm um aporte central. Novas páginas da História têm buscado expor a diversidade dos
papéis sociais desempenhados por homens e mulheres, bem como a multiplicidade de definições do
que se pode chamar de feminino e masculino e a implicação de tal emaranhado subjetivo na vida
social, política e econômica da era contemporânea.
Conforme observa Peres et alii (2008) a sociedade, por muito tempo, construiu um discurso
preconceituoso, pelo qual as mulheres honradas não podiam migrar por vontade própria ou
desacompanhadas. A figura central das migrações era o homem; de tal modo que a presença da
mulher não era evidenciada nem nas estatísticas. No entanto, fatos históricos menos difundidos e
histórias de famílias deixam clara a importância da mulher migrante tanto no processo em si como
para o sucesso social do grupo.
Bassanezi (2013), observa que as mulheres chegaram ao Brasil desde a época colonial, mas
sua presença foi mais notada no fenômeno chamado “imigração de massa” que teve seu ápice a
partir das últimas décadas do século XIX e início do século XX, em razão das grandes
transformações econômicas, sociais e políticas que atingiram grande parte da Europa. Muitas

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mulheres desembarcaram nos portos brasileiros, trazendo em suas bagagens, além de seus pertences
pessoais, sua cultura e o desejo de uma vida melhor.
Cogo (2017), por sua parte, insiste que “a interface gênero-migração está situada como um
campo de estudos recente no âmbito das teorias migratórias, no qual as dinâmicas de feminização
das migrações internacionais passam a assumir centralidade” (COGO, 2017, p. 181). E não por
menos: a participação feminina nos fluxos migratórios transnacionais já chegou ao marco de 50%
da população migrante no mundo, segundo dados da ONU (BOTEGA, 2015, p. 2). O chamado
fenômeno de feminização das migrações “evidencia formas, desdobramentos e uma diversidade de
condições e circunstâncias a que enfrentam as mulheres em deslocamento” (ibid.). Que seja por
motivos econômicos, políticos ou subjetivos, as migrações femininas refletem uma realidade
própria a este segmento da sociedade humana. Subemprego, vulnerabilidade e violência de todo
tipo – desde a sexual e social até a política e cultural são dentre as ameaças por elas sofridas em sua
condição de pessoa deslocada.
Assim, não há como ignorar que a perspectiva de gênero afeta todas as facetas do processo
migratório. De acordo com a pesquisa de Andrade (2015, p. 109), até meados de 1970, a mulher
esteve praticamente invisível nos estudos sobre migração, em detrimento do fato de que sempre
esteve migrando. Os primeiros estudos que abordaram esta temática datam da década de 1970,
apontando que as mulheres, de modo geral, desempenhavam papéis coadjuvantes nos projetos
migratórios. Elas acompanhavam os pais ou o marido, viviam a situação com passividade e em caso
de não adaptação estavam reféns dos planos alheios.
Já nos anos 1980, a atenção é focada na figura da mulher migrante inserida no mercado de
trabalho, principalmente em razão da maior amplitude do movimento feminista que eclodiu na
maior parte do mundo ocidental. Em pauta, os movimentos sociais trouxeram reinvindicações
importante em relação a questões referentes à sua vida profissional, as perdas salariais, estatuto
laboral, as relações familiares, bem como o reconhecimento de formações e de experiências
profissionais.
Na década seguinte, as pesquisas também buscaram entender a vida pessoal, subjetiva e
afetiva da mulher migrante, levando em conta seu papel como mediadora de integração à cultura do
país de destino e/ou como agente de manutenção dos valores e tradições do país de origem. Já, nos
últimos anos, constata-se mais intensamente a migração de mulheres sozinhas, sejam elas solteiras
ou chefes de família; dado que acrescentou novos elementos ao fenômeno contemporâneo da
migração. Se antes, à mulher era atribuído o domínio da casa e da família, e ao homem destinava-se
a vida pública, esta separação ganha hoje tons menos nítidos.

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Andrade conclui, neste sentido, que o projeto migratório feminino vem se fortalecendo
enquanto meio de emancipação e autonomia. Além de as mulheres terem ambições econômicas e
profissionais cada vez mais fortes, tudo indica que o distanciamento físico das bases familiares e
religiosas pode representar uma via rumo à conquista da liberdade. Principalmente para aquelas que
são oriundas de culturas conservadoras, patriarcais, machistas e tradicionalistas, onde seu potencial
pessoal e seus direitos políticos de cidadania plena não são valorizados.
De fato, se a invisibilização da mulher migrante foi a regra até o passado recente, hoje, tanto
os estudos migratórios como novas perspectivas historiográficas – principalmente aquelas que
adotam Micro-História, as histórias de vida, a história oral, as histórias de vida como método, se
esforçam em resgatar essa memória densa, complexa e muitas vezes recalcada. Narrativas
femininas, na primeira pessoa ou a partir de relatos de primeira mão que buscam restituir a carga
subjetiva do processo migratório e conjugá-la à história do feminino em geral e suas lutas para
conquistar o direito à fala e à expressão de um ponto de vista próprio sobre o mundo.
A história de vida, em particular, conforme observa Ferrarotti (2007), oferecem um método
eficiente para mapear o quadro sociológico macro a partir de abordagens micro, focadas no
cotidiano dos indivíduos, suas preocupações, ânsias, desejos e esperanças. Narrar as histórias de
vida significa, para este autor, relatar sentimentos, emoções, amores, experiências e lembranças.
O que leva Ferrarotti (2007) a aconselhar o pesquisador a ficar atento ao inesperado que o
campo guarda e, principalmente, ser generoso na escuta do outro e atencioso em acompanhar o fio
de sua narrativa e história pessoal. A escuta do pesquisador, segundo ele, deve ir para além do
recorte sociológico, físico e social, buscar derrubar a barreira entre investigador/investigado e
encontrar uma autentica interação com as pessoas, sua subjetividade e sua cultura para construir
uma relação de confiança entre os interlocutores.
As histórias de vida, em sua perspectiva, ajudam na compreensão de que, na verdade, todo
investigador é, ao mesmo tempo, também investigado. Este é, justamente, o método que
pretendemos adotar para abordar a vida cotidiana das mulheres refugiadas que buscam por
autonomia no mercado de trabalho, por meio das redes de solidariedade e do empreendedorismo
gastronômico no Estado do Rio de Janeiro.

Referências

ANDRADE, Danúbia. Mulher, mulata e migrante: modalidades representativas de uma tripla


alteridade em jornais da Europa. Tese de Doutorado. ECO-UFRJ. 2015.

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V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações. Caderno de Resumos.
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“Falando com os peixes betas que não existem em minha casa”: o uso
das tecnologias da informação e comunicação pelas brasileiras
migrantes no Canadá
“Talking to beta fish that do not exist in my house”: the use of information and communication
technologies by Brazilian women migrants in Canada

Palavras-chave: mediação técnica; performatividade; migração internacional; internet; relações de


gênero.
Keywords: technical mediation; performativity; international migration; Internet; gender relations.

Rodrigo Fessel Sega


Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Unicamp. E-mail:
rodrigofsega@gmail.com

[ENTREVISTADA] Pensa que o cenário que eu vim para cá foi 2013. A Dilma estava bem, a
Copa ia acontecer [risos], a Copa ia acontecer e ia ter Olimpíadas no Brasil. Eu era de eventos. O
Canadá ia ter os jogos pan-americanos em 2014. Eu falei “meu, vou fazer um curso de eventos.”
(...) Eu tinha um futuro brilhante na minha vida: eu ia fazer meu curso de eventos, meu marido ia
conseguir um trabalho de TI, eu iria trampar nos [jogos] pan-americanos. Eu ia para a copa, eu
ia para as Olimpíadas e depois o céu era o limite! Aí a realidade aconteceu. Eu cheguei em
Toronto, meu curso era uma bosta. A George Brow era um depósito de imigrantes!

A partir de duas pesquisas de campo de caráter etnográfico com mulheres e homens brasileiros

que migraram para o Canadá pelo Programa Federal de Trabalhador Qualificado, observei que, além dos

migrantes irem casados, ambos têm formação superior e trabalhavam antes de migrar, almejando,

inclusive, continuar trabalhando em Toronto. Entretanto, a maioria dessas esposas não segue esse

caminho, apresentando dificuldades em entrar no mercado de trabalho e ficam encarregadas,

principalmente, de cuidar do lar e da educação dos filhos.

São majoritariamente essas esposas que iniciam a escrita de blogs pessoais, canais no YouTube e

contas no Instagram contando o dia a dia das famílias no processo de migrar. Todas as minhas

interlocutoras se utilizaram dessas plataformas virtuais em algum momento deste processo de mudança

e a grande maioria citou o blog, canais do YouTube e Instagram como as principais ferramentas para

encontrar informações sobre o processo de migração e adaptação em Toronto. Por não terem uma rede

familiar ou de sociabilidade forte na cidade antes de migrarem, o uso dessas tecnologias para conseguir

informações e fazer os contatos primários é intensa e me leva a percebê-las como uma ferramenta

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privilegiada neste processo migratório, atuando não como uma “ponte” entre Brasil e Canadá, mas como

uma mediação técnica (LATOUR 1994), permeada por desejos, sonhos e expectativas, que agencia

subjetividades e comportamentos específicos e de maneiras específicas.

Para compreender melhor esses fatores subjetivos, é necessário compreender as plataformas

usadas pelos migrantes e aplicantes37, a materialidade usada para transmitir essa informação. Durante a

história da migração, principalmente dos últimos séculos, a transmissão da informação entre os que

migraram e os que ficaram foi documentada e veiculada em diferentes tipos de veículos. As cartas, o

rádio, a TV, o telefone, as fitas cassete, as fitas de vídeo, as revistas de turismo e viagem, o e-mail, o

celular, o smartphone, as redes sociais online, os softwares de mensagens instantâneas e de

videoconferência apresentam uma materialidade que influencia a experiência de ser migrante no

reconhecimento dessa experiência. Neste trabalho, irei focar especificamente no uso dos blogs, e mais

recentemente, de canais de YouTube e perfis do Instagram.

É importante notar que essas plataformas que veiculam as experiências dos migrantes têm um

roteiro moral do que é permitido e do que não é permitido ser publicado, daquilo que pode ser dito e

daquilo que será visto como um conteúdo de “mau gosto”. Este conteúdo tem que ser apresentado de

uma forma específica, e irá obter respostas mais positivas ou negativas dependendo de como se

apresenta. Nos conteúdos produzidos pelos brasileiros no Canadá, essa informação têm um tom

particular em algumas emoções específicas selecionadas da vivência cotidiana que se traduzem em

imagens e sons nessas plataformas digitais.

Essas tecnologias, usada pelos imigrantes para conseguir informações, são pensadas não apenas

como veículo desses desejos, mas também enquanto recipiente que modifica como nos expressamos;

que tem significado, mas que produz esse significado através de um tipo especial de articulação entre

signos e coisas (LATOUR 1994:33). “Sua especificidade precisa ser levada em conta todas as vezes. Os

mediadores transformam, traduzem, distorcem e modificam o significado ou os elementos que

supostamente veiculam” (LATOUR 2012:65).

37
Aplicante é uma derivação da palavra inglesa applicant, aquele que aplica para se tornar um migrante qualificado e
muito falada por esses brasileiros.

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O fato de serem em sua maioria mulheres que escrevem e produzem conteúdo audiovisual sobre

esse processo migratório nos oferece pistas para a análise dessa realidade migratória sui generis. É

através dessas tecnologias que as redes sociais entre imigrantes se constroem e se reorganizam.

Potencializam as relações sociais, possibilitando com que seus usuários experienciem o que é ser

migrante antes mesmo de saírem do Brasil. É nessa relação que são desenvolvidas habilidades

específicas e recriadas, com o tempo, uma outra percepção de si e do mundo.

Parafraseando Donna Haraway, a tecnologia não é neutra (KUNZRU 2009:32), pois incorpora os

desejos do social. Entretanto, não apenas sua incorporação é motivo de análise, mas também sua

disseminação, suas vetorizações nas produções de desejos. Ao compreender “o gênero como produto e

processo de um certo número de tecnologias sociais”, identifico esses blogs, canais do YouTube e contas

do Instagram como uma tecnologia de gênero, aos moldes de De Lauretis (1994:208), constituído de

saberes e mecanismos capazes de disseminar assimetrias generificadas nos sujeitos, oferecendo uma

inteligibilidade de migrante associada a normas e comportamentos específicos. Por esses motivos,

gênero é entendido aqui enquanto ato discursivo performativo, enquanto comportamento aprendido pela

vivência cotidiana, como “prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que

nomeia” (BUTLER 2002:18).


[PESQUISADOR] Você lembra quando você começou os blogs?
[ENTREVISTADA] 2005, com certeza. Tanto é que eu tentei ter vários blogs, mas eu nunca
engrenava. Eu não tinha tempo, eu trabalhava, eu era de marketing, trabalhando para banco em
São Paulo. Minha vida era acelerada, mas era uma coisa que eu sempre acompanhava.

O marido trabalhando fora e a esposa cumprindo o papel de dona de casa nos remete a

configurações tradicionais de gênero, bastante comum dentro da comunidade brasileira de imigrantes

qualificados. Apesar dessas mulheres não cumprirem integralmente esse papel antes de migrarem, como

observei na história de vida da grande maioria das minhas interlocutoras, tal qual o excerto acima

exemplifica, essa divisão tradicional permeia a construção de gênero no Brasil e são acionadas e

performatizada ao chegarem no Canadá.

A performatividade do gênero, importante no processo migratório, é compreendida como um

ideal regulador (FOUCAULT 1993), pois ele não apenas armazena códigos e scripts duráveis que

facilitam a análise do pesquisador, mas gesta desejos e comportamentos que, ao mesmo tempo, são

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construídos e constroem a própria noção do que é um “bom migrante”, um migrante bem-sucedido – ou

um casal bem-sucedido. Não apenas nos informa as práticas sociais, como essa divisão tradicional, mas

articula discursos morais, gesta representações e corporalidades privilegiadas, naturalizando e

privilegiando categorizações generificadas. O migrante desejado pelo governo canadense é gestado

muito antes de conseguir o visto e entrar na província de Ontário e a eficiência da seletividade

migratória está justamente na naturalização desse “bom migrante”, associado à casais qualificados que

planejam ter filhos ou que já tenham, que possuam domínio da língua inglesa e com profissões com alta

demanda no país. É esse perfil que é valorizado no processo migratório.

A força dessas regulações de gênero está justamente em conseguir naturalizar classificações,

modelos ou comportamentos, uma vez que ao ser repetidamente citada essa norma produz um

apagamento dos próprios dispositivos que a produzem. Por isso, entendo que o gênero não deve ser

compreendido como uma identidade estável ou um lócus de ação do qual decorrem vários atos; em vez

disso, ele é uma identidade tenuemente constituída no tempo, instituído num espaço externo por meio de

uma repetição estilizada de atos (BUTLER 2003).

Percebo essa redundância, por exemplo, nas associações das mulheres migrantes com as

tecnologias de comunicação, como blogs, Instagram e Youtube. É uma associação comum e que ajuda a

reiterar aquilo que já foi dito, a reforçar discursos e disseminá-los através de outras inscrições. O texto

do blog é repetido nas fotografia do Instagram e nos vídeo do Youtube; e todos esses links estão (ou

podem estar) reunidos em todas as páginas do blog, em cada publicação, intensificando essa trama. A

própria materialidade encontra meios de se citar e se repetir no cotidiano.


“Cada informação nova, cada sistema de projeção favorece todos os outros. Compreende-se
melhor, então, a expressão “centro de cálculo”. A partir de um momento que uma inscrição
aproveita as vantagens do inscrito, do calculado, do plano do desdobrado, do acumulável, do que
se pode examinar com o olhar, ela se torna comensurável com todas as outras, vindas de
domínios da realidade até então completamente estranhos”. (LATOUR 2004:48)

As tecnologias reúnem essas inscrições de materialidades diferentes dando coerência ao próprio

processo migratório por meio de uma prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os

efeitos que nomeia. Essas tecnologias em si, esse veículo de inscrições, não apenas transforma a

informação, reduzindo e ampliando suas visibilidades, mas faz isso de forma a apagar os dispositivos

que produziram esse efeito, invisibilizando essa tecnologia no cotidiano. Tecnologias e gênero, portanto,

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têm algo em comum, uma coerência interna que, em sinergia com aqueles que desejam migrar,

potencializam o processo migratório e constitui sujeitos específicos mediante essas experiências.

Por isso, corroboro com Motta (2002) que não são apenas os corpos sexuados que dão suporte às

representações de gênero, mas é o todo da natureza e da vida social que é passível das construções

humanas a respeito de gênero. Enfatizo esse aspecto para não cair na falácia de observar apenas os

sujeitos e seus comportamentos generificados, mas também artefatos, tecnologias, eventos, políticas e

leis, pois também estes são categorizados nos modos pelos quais a distinção entre as características

femininas e masculinas se concretizam nas ideias das pessoas (STRATHERN 1988:ix).


[ENTREVISTADA] Aí o meu amigo falou assim “você tem que escrever um blog” e eu
falei “Dani, eu não sou famosa, minha família não é famosa, enquanto eu tô falando com
você eu tô mexendo na panela de pressão, tipo, oi?” [risos] “não, essa sua experiência pode
ser útil para outras pessoas... começa e escreve”. Ele falou “registra o domínio.” Aí meu
marido chegou em casa eu falei “sabe o Dani, ele me falou que eu tenho que escrever um
blog e para eu registrar o domínio” Aí ele falou “ah, eu acho legal” porque na época eu
estava falando com os peixes betas que não existem na minha casa. Tipo, eu não falo com
ninguém. A única frase que eu falo de manhã e quando eu vou no Starbucks e a mulher fala
assim “good morning” E aí eu falo “good morning. Can I have my mociatto?” E aí a gente
sorri um para a outra e até meus filhos voltarem da escola esse é meu único contato
humano. Tipo, as aulas que eu faço são à noite por causa da logística das criança e como eu
faço um curso que é totalmente genérico eu não tenho uma turma. Eu entro e saio da classe
sem falar com ninguém! Eu só falo com as pessoas, e você pode ver que eu sou uma pessoa
que fala pouco, [risos] eu só falo com as pessoas quando o professor manda porquê
ninguém fala.

Entretanto, apesar do Canadá ter uma imagem de um país livre de preconceitos (GOZA, 1999,

p.767; SCHERVIER, 2005; BRASCH, 2006) e se valer, portanto, da carga cultural que os imigrantes

trazem do país de origem, como o patriarcalismo embutido na sociedade brasileira, a socióloga

canadense Monica Boyd (1997) faz uma análise de cada programa migratório e demonstra como as

políticas estatais do Canadá assumem e sustentam condutas discriminatórias, colocando a mulher na

posição de dependente. Mesmo quando as políticas não são voltadas para um sexo determinado, fatores

conjunturais e ideológicos colocam a mulher nessa situação.


The dependency relations associated with the categories of admission are not mandated to be
sex-specific. But two interrelated factor make it so. First, gender stratification in countries of
origin often privilege men with respect to entry criteria. Women are less likely to have the same
education, paid work experience, occupationally related skills, and investment-related income as
their male counterparts. Second, partly because of better chances at meeting admission criteria
based on education and economic characteristic, and partly because of gender roles, men are
more likely to follow a ‘scout’ model in which they will migrate first and then seek reunification
with their families. As a result, women are more likely than men to enter under sponsorship
arrangements, such as those inherent in the family class (BOYD 1997:154)

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A maioria dos homens acabam entrando no Canadá pela categoria denominada “Sponsor”

(Patrocinador) ou “Principal Applicant” (Requerente Principal) e suas esposas migram na categoria

denominada “Sponsorship” (Patrocinada), ou seja, o marido é o candidato principal no processo e a

esposa será patrocinada por ele. Ele assina um termo que compromete ser responsável por prover as

necessidades essenciais para a família (esposa, filhos e outros familiares migrantes) por um período de

três anos,
“(...) prometendo fornecer alimentação, roupas, abrigo, combustível, utilitários, utensílios
domésticos, exigências pessoais, e outros bens e serviços incluindo tratamento dentário, oculista
e outros cuidados com a saúde. O candidato ainda assume que o dinheiro, bens e serviços
proporcionados por ele é suficiente para financiar as pessoas que irão junto com ele, se
comprometendo que nenhum membro da família solicitará assistência social governamental.”
(CANADA 2009:4)

Como o exemplo acima evidencia, a política migratória não exige que o candidato principal se

identifique necessariamente enquanto homem, mas, os fatores culturais e assimetrias de gênero

apreendidos no país de origem influenciam para que ele esteja nessa posição e as políticas migratórias

favorecem que a dependência feminina se configure no decorrer do processo.

Entender gênero além da corporalidade humana, mas na cosmologia das relações, das trocas, dos

objetos, eventos, políticas, tecnologias e instituições é importante, pois, pensando com Boyd e Grieco

(1998), busco compreender como os processos migratórios desses imigrantes altamente qualificados são

marcados pelas desigualdades de gênero, incentivando os maridos à realização profissional e isolando

suas esposas em casa ou confinando em sites de relacionamentos virtuais.

A partir da análise primária dos dados obtidos no trabalho de campo no Canadá, busco

problematizar o uso das mediações tecnológicas por brasileiras e brasileiros que migraram para o país

através do programa governamental de atração de mão de obra, em especial o Federal Skilled Worker

Program. Este fluxo migratório ganha destaque no cenário dos deslocamentos internacionais

contemporâneo devido à sua especificidade ao articular o uso intensivo das tecnologias da comunicação

interseccionado à uma rígida construção de feminilidade e masculinidade no decorrer do processo de

mudança. A questão central problematizada aqui é como a produção e a reorganização das assimetrias

de gênero são interpretadas e praticadas por esses indivíduos.

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A inserção de imigrantes chineses no mercado de trabalho brasileiro


segundo dados do Censo Demográfico de 2010
The insertion of chinese immigrants into the Brazilian labor market according to the 2010
Demographic Census

Palavras-chave: imigrantes chineses, mercado de trabalho brasileiro, assimilação, inserção


ocupacional, rendimentos.
Key words: chinese immigrants, brazilian labor market, assimilation, occupational insertion,
income

Flávia Lacerda Teixeira


Mestranda em Sociologia na Universidade Federal de Minas Gerais
flavialateixeira@gmail.com

Este artigo analisa a inserção de chineses no mercado de trabalho brasileiro com dados do
Censo Demográfico de 2010. Seus objetivos principais são: 1) mensurar a correlação entre tempo
de permanência dos imigrantes no Brasil e seus rendimentos ocupacionais; 2) verificar as razões de
chances dos chineses ocuparem posições intermediárias na economia (ligadas ao comércio e ao
ramo de alimentação) em comparação com brasileiros e outros grupos de imigrantes internacionais;
3) fazendo essa mesma comparação, conhecer suas razões de chances de serem empregadores. Tais
problemas foram levantados com o respaldo da pequena literatura sobre a trajetória laboral de
chineses no Brasil e também à luz das teorias da assimilação e dos middlemen minorities, que são
consagradas na temática sobre a inserção de imigrantes internacionais no mercado de trabalho das
sociedades hospedeiras, ainda hoje bastante incipiente no Brasil. Apesar de terem sido formuladas a
partir da realidade de países do norte global, acredito que alguns de seus aspectos possam ser
aproveitados e outros ajustados para o estudo do fenômeno proposto e que este trabalho oferece
pistas de seus limites e possibilidades.
A literatura sobre chineses no país nos permite dizer que este grupo possui certa trajetória
em alguma s das grandes cidades do país no exercício de atividades ligadas ao comércio. De
acordo com Chang-Sheng (2009), desde o início do século XX tem-se registros de chineses
residentes no Rio de Janeiro que mascateavam pelas ruas da cidade ocupando-se do comércio de
produtos típicos chineses, sobretudo toalhas bordadas e tecidos de seda. Este tipo de pequeno
comércio, em que vendedores ambulantes andam pelas ruas carregando consigo uma mochila ou
bolsão de mercadorias, ficou conhecido entre os imigrantes como tibao. Com o passar do tempo, os

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sacoleiros ambulantes transformaram-se em donos de bazares, pensões e restaurantes. Ainda


segundo o autor, partir da década de 1990 as lojas de proprietários chineses no centro do Rio de
Janeiro passaram a vender, a varejo e a atacado, uma série de produtos industriais importados da
China, Taiwan, Hong Kong e Japão.
Segundo Marcos Araújo Silva (2008), também em Recife se inaugura na década de 1990
uma nova onda de imigração chinesa que se deve à mundialização dos produtos Made in China.
Segundo o autor, no centro de Recife a presença de chineses é bastante evidenciada em pastelarias e
lojas ou boxes de produtos importados. A maioria dos chineses que trabalham em pastelarias,
segundo Silva, trabalha junto de seus familiares, porém o mesmo não acontece com frequência
entre os trabalhadores do comércio de produtos importados, o que o autor acredita estar associado
ao estigma de contrabandista que é lançado pela população nativa a estes trabalhadores.
Passando agora para São Paulo, Douglas Piza (2012) afirma que a forte presença de chineses
nos boxes de galerias da rua 25 de Março se deve ao protagonismo de um pequeno número de sino-
brasileiros já estabelecidos na cidade, que intensificaram a importação de produtos chineses em
grande escala ao mesmo tempo que o poder público municipal tomava medidas de concentração dos
comerciantes em galerias na década de 1990. A medida que as galerias se tornavam modalidade
privilegiada de venda na rua 25 de Março, tanto a varejo quanto a atacado, ocorria também, em
grande medida pela iniciativa de negociantes sino-brasileiros, uma substituição gradual do circuito
de sacoleiros de produtos paraguaios pela importação direta de produtos oriundos da região
industrial chinesa.
Acredito que estas informações nos oferecem pistas para o entendimento da possível grande
presença dos chineses em ocupações comerciais no Brasil atual. Apesar de não ser o foco deste
estudo, acredito que as adversidades da vida em outro país fortalecem as disposições de ajuda
mútua no interior da comunidade de imigrantes, o que dá suporte para o auto-empreendedorismo
como estratégia de ascensão econômica.
Edna Bonacich (1973) chama de middlemen minorities aqueles grupos de imigrantes que
abrem seus próprios negócios na tentativa de se resguardar da competição no mercado aberto. A
autora tem como principal pressuposto teórico os postulados da teoria do mercado segmentado, que
diz que o mercado aberto oferece aos imigrantes internacionais apenas os postos de trabalho mais
instáveis e menos remunerados rejeitados pelos nativos. Em resposta à polarização da estrutura
ocupacional, Bonacich diz que certos grupos de imigrantes internacionais estabelecem estratégias
próprias de contorno das dificuldades encontradas no mercado de trabalho hospedeiro através dos

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mecanismos de economia étnica, que os conduzem a posições intermediárias e empreendedoras.


Segundo a autora,
Eles tendem a se concentrar em certas profissões, nomeadamente transações financeiras e o
comércio, mas também outras linhas de "intermediárias", como agente, trabalhador de empreitada,
coletor de aluguéis, o que empresta dinheiro e corretor. Eles desempenham o papel de intermediário
entre o produtor e o consumidor, empregador e empregado, o proprietário e locatário, elite e as
massas [BONACICH, 1973, p. 583, tradução livre].
Percebe-se que Bonacich (1973) não considera a assimilação cultural como um fator de grande
importância explicativa para a posição econômica de todos os grupos de imigrantes internacionais,
mas somente daqueles que escolhem se estabelecer no país de destino e concorrer pelas vagas de
trabalho no mercado aberto.
Gordon (1964) diz que a aculturação e a adaptação dos grupos minoritários de imigrantes à
sociedade hospedeira são inevitáveis, como resultado da exposição e da experiência da vida
coletiva. Alguns aspectos da assimilação, segundo Gordon (1964), estão além do controle dos
imigrantes. Ele utiliza do termo “assimilação estrutural” para se referir ao processo de entrada
gradativa dos grupos étnicos nas redes de relacionamentos primários com os nativos.
Sanders e Nee (1987) fazem uma conciliação da teoria da assimilação com a teoria da
economia étnica, pois, segundo eles, a coesão interna da comunidade de imigrantes é fundamental
para a definição das ocupações dos trabalhadores de grupos étnicos com aquisição devagar da
linguagem e das habilidades culturais da sociedade hospedeira. Segundo eles “na medida em que os
imigrantes não possuem as competências linguísticas e culturais do país hospedeiro, as suas
oportunidades de emprego são geralmente limitadas aos empregos relativamente mal pagos”
(Sanders e Nee, 1987, p. 747, tradução livre).
Sanders e Nee (1987) criticam a ideia de que o mercado étnico sempre oferece aos grupos de
imigrantes rendimentos e retornos de capital humano mais vantajosos que o mercado aberto.
Segundo eles, empregadores e funcionários assalariados representam partes dos contratos de
trabalho com interesses antagônicos e que os trabalhadores sofrem as desvantagens nas
negociações, dado que, devido à segregação residencial, cultural ou linguística do grupo étnico,
suas oportunidades de empregos fora da comunidade de imigrantes são limitadas. Os imigrantes
desempregados, pertencentes a grupos étnicos geograficamente isolados e com baixa assimilação da
cultura nativa e das demandas do mercado aberto hospedeiro, são levados a aceitar as oportunidades
de trabalho que têm acesso, se conformando a trabalhar para coétnicos por salários menores e
condições indesejáveis. De acordo com os autores, os empresários étnicos usam da solidariedade

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étnica “para insular, persuadir e reproduzir a baixa remuneração da força de trabalho flexível
imigrante, não para ajudar os trabalhadores a entrar em auto-emprego” (Sanders e Nee, 1987, p.
773, tradução livre). Ou seja, para Sanders e Nee (1987), as vantagens do mercado étnico se
limitam aos imigrantes autônomos e empregadores.
No Brasil, Vilela (2011) concluiu que os imigrantes chineses residentes no país em 2000
possuem rendimentos ocupacionais superiores aos brasileiros natos. Todavia, a autora percebe que
eles são ainda assim discriminados negativamente no mercado de trabalho brasileiro, dado que suas
características produtivas são condizentes com rendimentos ainda superiores aos que eles recebem.
A autora sugere que isso pode ser explicado pelo possível pertencimento dos chineses em um
enclave étnico que cerceia o acesso dos imigrantes a informações diversificadas sobre
oportunidades de emprego, sendo necessário estudos mais aprofundados sobre o assunto, dado que
este déficit de rendimento poderia ser explicado também pela própria ausência da proteção de um
enclave, que deixaria os imigrantes expostos à discriminação no mercado aberto, como também
pelo peso diferenciado de características não observáveis (tais como, talento, iniciativa, motivação,
interesse) para estes imigrantes em especial.
A partir desse debate é possível inferir que a inserção de imigrantes no mercado de trabalho
possui múltiplos fatores explicativos. Alguns deles que podemos retirar das teorias acima são: a
polarização do mercado de trabalho, a discriminação social/laboral relacionada à
etnia/nacionalidade, o tempo de residência dos imigrantes no país de destino, a consolidação de
uma comunidade étnica e sua solidariedade interna, o fechamento das redes sociais de imigrantes, a
motivação individual de abrir um negócio próprio e as dinâmicas das relações de trabalho dentro do
grupo.
Neste trabalho proponho testar algumas hipóteses. A primeira delas diz respeito à existência
de uma correlação positiva entre tempo de permanência no país de destino e melhores ocupações e
rendimentos entre os imigrantes chineses, tal como é postulado pela teoria da assimilação. A
segunda é de que os chineses possuem maiores razões de chances, em comparação aos brasileiros e
os outros grupos de imigrantes internacionais, de exercerem atividades comerciais no mercado de
trabalho, entendidas como ocupações intermediárias da economia. Por último, pretendo verificar
também se há maiores razões de chances de chineses serem empregadores no mercado de trabalho
brasileiro do que nativos e outros imigrantes internacionais.
Para o teste da primeira hipótese de pesquisa utilizarei de regressão linear, tendo o logaritmo
dos rendimentos brutos na ocupação principal como variável dependente. Para o teste das duas
hipóteses seguintes farei regressões logísticas. Na primeira delas a variável dependente se refere ao

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exercício de atividades vinculadas ao comércio ou associadas ao setor de alimentação. Na segunda


regressão a variável dependente diz respeito à posição econômica como empregador.
Utilizarei dados do Censo Demográfico brasileiro de 2010 referentes somente à população
residente de doze estados brasileiros: Bahia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Estes estados selecionados são aqueles possuem um contingente populacional absoluto de no
mínimo 100 chineses (aplicando a ponderação do peso amostral). Foram considerados somente os
casos de indivíduos com idade superior a 16 anos e inferior a 64. As pessoas dentro deste intervalo
de idade foram todas consideradas população economicamente ativa. Por último, foram retirados do
banco de dados os indivíduos que exercem atividade não-remunerada e trabalham na produção para
o próprio consumo.

Referências

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VILELA, Elaine (2011). Desigualdade e discriminação de imigrantes internacionais no mercado de
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Quando a Mídia Brasileira fala de Imigração? Resultados de um ano


do Observatório MidiaMigra
When does the Brazilian Media talk about Immigration? One-year results of the MidiaMigra
Observatory

Palavras-chave: Migração; MidiaMigra; Observatório de mídia; Jornalismo


Key Words: Migration; MediaMigra; Media Observatory; Journalism

Grupo de Pesquisa MidiaMigra: Observatório de Migração e Comunicação Intercultural


Universidade Católica de Brasília – FAPDF

Prof. Dra. Sofia Zanforlin (coordenadora)


Professora do PPGCOM da Universidade Católica de Brasília, Pós-doutora pela ESPM – SP e
Doutorado em Comunicação e Cultura pela UFRJ.
szanforlin@gmail.com

Prof. Dr. Alberto Marques


Alberto Marques, professor da Universidade Católica de Brasília, Doutor pela Universidade de
Brasília.
alberto.marques@gmail.com

Fernanda Sá
Maria Carolina Morais
Omara Soares
Tiago Kirixi
Alunos da Universidade Católica de Brasília e bolsistas de Iniciação Científica FAPDF e PIBIC –
CNPq

Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir os resultados do primeiro ano (2016) da
pesquisa em desenvolvimento MidiaMigra: observatório de migração e comunicação intercultural,
financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). O observatório
realiza coleta, seleção e análise de materiais jornalísticos (notícias ou reportagens).
Partimos da premissa de que o conhecimento sobre os meios de comunicação abre a
possibilidade para novas abordagens sociais. Afinal, a atividade jornalística e os meios de
comunicação de massa atuam no nível da construção e reformulação do senso comum, mas também
da circularidade de estereótipos e reafirmação de estigmas, e, dessa forma, um olhar aberto e atento
às complexidades que envolvem a discussão sobre migração, suas vinculações com a história da
imigração para o país e os debates relacionados ao tema na atualidade, amplia a visão sobre o
passado e ajuda nas questões sobre o presente e o futuro.

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Deram embasamento para as análises, aportes teóricos sobre a migração histórica no Brasil e
como os discursos são elaborados mundo contemporâneo, buscando problematizar noções e
conceitos que inter-relacionam migrações e racismos, estereótipos, pertencimentos e
interculturalidades.
Como método de pesquisa, utilizamos a análise de conteúdo. Trata-se de “uma técnica de
investigação que, através de uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo
manifesto das comunicações, tem por finalidade a interpretação destas mesmas comunicações”
(BERELSON apud GIL, 2010, p. 152). Para o desenvolvimento das categorias de análise, a revisão
bibliográfica foi fundamental. Buscamos identificar informações bibliográficas e selecionar
documentos relacionados ao tema estudado (STUMPF, 2011, p 51).
Elaboramos cinco categorias qualitativas que foram desenvolvidas para análise do material:
Diversidade; Criminalização; Migrante; Preconceito/Xenofobia; e Trabalho (ZANFORLIN,
MARQUES, 2017, p.196). Para a análise, uma tabela dinâmica no Excel com 30 aspectos a serem
investigados, sejam eles qualitativas e quantitativas, foi desenvolvida. Neste trabalho, focamos nas
categorias de análise.
Os veículos estudados foram selecionados por meio do Ranking Alexa, que divulga a ordem
dos sites mais acessados do Brasil. Assim, foram escolhidos os portais: G1, UOL, El País, Veja,
EBC, IG, R7, Brasil 247 e Estadão. Entretanto, no decorrer da pesquisa, especialmente no ano de
2016, alguns portais foram retirados da análise por conterem material insuficiente ou irrelevante
para os objetivos da pesquisa ou mesmo por bloquearem o acesso ao seu conteúdo, desse modo,
permaneceram os veículos: G1, UOL, Estadão, R7, Brasil 247 e El País.
As palavras chave utilizadas na coleta das notícias foram: Imigrantes, imigração, migração,
migrantes, haitianos, bolivianos, venezuelanos, sírios, senegaleses, paquistaneses, bengaleses,
latino-americanos, “Lei de Migrações”, política migratória, lei de estrangeiros, estatuto do
estrangeiro, refúgio, refugiado, estrangeiros e estrangeiro.

Panorama de um ano de coleta

Foram coletadas um total de 9.140 textos jornalísticos (notícias e reportagens) sobre migração
nacional e internacional, sendo 4.270 no período de janeiro a maio; 2.218 de junho a setembro e
2.652 de outubro a dezembro. Desses resultados, apenas 227 foram analisadas por se referirem ao
contexto nacional.

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Foi possível observar que 21 dessas produções eram reportagens e 206 notícias. O veículo que
mais produziu conteúdo entre reportagem e notícias foi o G1 com 88 textos; seguido do Brasil 247
com 76; do UOL com 22; Estadão com 17, R7 com 13 e El País com 11.
Ao encontrar somente 21 reportagens, os dados indicam que em nossa amostra não há
aprofundamento no tema. Quando se fala sobre migração no Brasil, os conteúdos que fazem parte
da amostra indicam abordagens pontuais e limitadas. Quando são produzidas reportagens, essas
reporagens são aprofundamentos dos assuntos que foram tratados como notícia ou que de alguma
forma produziu um impacto ou uma discussão social maior.
O veículo que mais produziu conteúdo entre reportagem e notícias foi o G1, com 83 textos;
seguido do Brasil 247 com 76; do UOL com 22; Estadão com 17 e R7 com 13. O portal com maior
número de produção (G1) veiculou notícias através de todas suas sucursais afiliadas no país e
contou com maior número de personagens entrevistados. Foi possível notar que o veículo mostrou-
se solidário com a questão da migração com matérias com visão inclusiva como Criança de 10 anos
cria desenhos para ajudar refugiados sírios no Brasil38, escrita em 22 de outubro; Aulas de francês
com imigrantes em Porto Alegre incentivam troca cultural39, publicada em 15 de outubro; UEG
oferece vestibular especial para estrangeiros refugiados em Goiás 40 , de 20 de outubro; UFSM
facilitará acesso de refugiados e imigrantes a partir de 2017 41 . Mas potencializaram muitas
questões relacionadas à criminalização, seja no tráfico de drogas, vivência ilegal, trabalho informal
entre outras.
O segundo veículo com mais notícias foi o Brasil 247, com foco em questões culturais e
questões pontuais relacionadas aos crimes cometidos por e contra migrantes. Apesar de um texto
analítico e muitas vezes mais voltado para as questões de direitos humanos, o veículo entrevistou
um número maior de fontes oficiais, deixando as fontes envolvidas diretamente no assunto, ou seja,
os migrantes em segundo plano.
Quanto às categorias de classificação que se destacaram, em primeiro lugar, está Diversidade
seguida de Trabalho. Diversidade é a mais citada nos veículos R7, G1, UOL e Estadão, seguida da
categoria Trabalho, que apareceu nos veículos R7, Estadão e Brasil 247.

38
http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2016/10/crianca-de-10-anos-cria-desenhos-para-ajudar-refugiados-sirios-no-
brasil.html
39
http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/10/aulas-de-frances-com-imigrantes-em-porto-alegre-
incentivam-troca-cultural.html
40
http://g1.globo.com/goias/noticia/2016/10/ueg-oferece-vestibular-especial-para-estrangeiros-refugiados-em-
goias.html
41
http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/11/ufsm-facilitara-acesso-de-refugiados-e-imigrantes-partir-de-
2017.html

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A primeira colocada apareceu relacionada a textos sobre expressões culturais, seja pela
música, gastronomia e formas de demonstração da cultura daquela nacionalidade. Os sírios ganham
destaque neste aspecto, referenciando a cultura e pela forma empreendedora de viver no Brasil,
principalmente pela gastronomia. Demonstra também a solidariedade do povo brasileiro e
receptividade com esse grupo, o que nos leva a entender que a categoria classificada dependeria do
grupo que as notícias se referiam e como esses grupos eram tratados.
Trabalho ficou em segundo lugar por lidar com matérias referentes às questões de vínculos
empregatícios e a legalidade desses processos. O grupo de migrantes que mais se relacionam a esta
categoria são os haitianos, que enfrentam problemas como a contratação sem carteira de trabalho e
direitos trabalhistas assegurados e bolivianos correlacionados com informalidade ou análogos a
trabalho escravo.
Um outro tópico observado nas coletas foi a região de cobertura dos acontecimentos, no qual
a região Sudeste foi a região destaque em todos os veículos. Atribuímos isso a dois fatores, o
primeiro, a quantidade de veículos de comunicação concentrados na região, é no Sudeste e na
região Sul que existe o maior número de jornais do Brasil, o que concentra o maior número de
matérias com a cobertura realizada nesta localidade. O segundo é que a região Sudeste é a que
concentra a maior quantidade de migrantes no país, com 40%. Possivelmente, outro fator
importante é a cidade de São Paulo que é vista não só pelos próprios brasileiros, mas também por
estrangeiros como uma terra de grandes oportunidades e novas experiências.

Considerações finais

O primeiro dado que é gritante em nossa análise é que em um ano todos os veículos
analisados produziram somente 227 textos sobre migração no Brasil. Podemos afirmar que é um
número irrelevante, principalmente pelo intenso fluxo de notícias que os portais apresentam.
Destacamos também que conteudos mais profundados também foram mais escassos (somente 21
reportagens).
Outro ponto a ser discutido é a relação entre categorias qualitativas de análise e grupos de
migrantes. Enquanto os sírios lideram na categoria Diversidade, com enfoque para expressões
culturais e empreendedorismo, os haitianos e bolivianos estão relacionados às categorias Trabalho e
Criminalização. Estes dados apontam para a etnicização da cobertura midiática em relação a estes
grupos e mantém vivas a proximidade entre imigração e racismo no Brasil.

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É importante destacar também que apesar de os meios de comunicações selecionados terem


circulação nacional, percebemos que o local tem foco na região sudoeste. O que concentra a região
de cobertura e exclui a diversidade migratória.

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O consumo cultural e as práticas comunicacionais dos imigrantes


haitianos na cidade de Joinville (SC).
Title: The cultural consumption and communication practices of Haitian immigrants in the city
of Joinville (SC).

Palavras chaves: Identidade cultural; consumo cultural; práticas midiáticas; haitianos; Joinville.
Keyworks: Cultural identity; cultural consumption; media practices; Haitians; Joinville.

Eliziane Meurer Boing


Doutoranda em Comunicação e Cultura (UFRJ), Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade
(Univille), graduada em Ciências Econômicas (Univille/SC), com especialização em Gestão
Estratégica de Pessoas (FAE/PR). Universidade da Região de Joinville, Joinville, SC.
liziboing@gmail.com

Mohammed ElHajji
Professor Orientador. Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Pós-doutorado pela UNISINOS
(Mídia e Migrações). Professor Associado da da Escola de Comunicação UFRJ (ECO-UFRJ). Professor nos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação (POS-ECO) e Psicossociologia de Comunidades e Ecologia
Social (EICOS).

Esta proposta visa apresentar algumas reflexões sobre o consumo cultural e as práticas
comunicacionais no cotidiano dos imigrantes haitianos na cidade de Joinville/SC, tendo uma
abordagem vinculada ao sentido e significado que esses imigrantes atribuem ao consumo e também
a identidade, visto que na atualidade uma grande parcela da população mundial tem acesso a um
tipo de informação, através da televisão, rádio e internet ou qualquer outro meio de comunicação
midiático, tudo isso pode ser acessado por meio da globalização, facilitando assim a comunicação
de forma global.
O desejo incessante de consumir com a aquisição de bens e serviços para subsistência e
também para satisfação pessoal acabou por formar um novo modelo de cidadão imigrante, voltado
ao consumo, que com a crescente industrialização, e, posteriormente com a globalização, ocasionou
uma mudança mundial, formando uma sociedade voltada para o consumismo. No decorrer do
tempo, essas ferramentas de comunicação, transpassaram as fronteiras dos países, oportunizando
uma nova fase para a sociedade, principalmente relacionado ao consumo.
Nesta sociedade o fator determinante para a existência do homem, é sua imagem (KEHL,
2004), após sua evolução e todo o processo sócio-histórico, o ser humano, com a invenção de tantos

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recursos visuais se tornou um ser de aparências, no qual a visibilidade dá ao indivíduo o certificado


de que o mesmo existe, sendo este proporcionado pela mídia (PEDREIRA et al, 2011).
Portanto, ser visto e reconhecido pelo outro, confere ao indivíduo status e identidade,
fazendo com que o mesmo deixe de ser um sujeito meramente anônimo, ou até mesmo um ser
invisível. O advento da televisão e do computador, juntamente com as possibilidades que estes
abriram, foi o marco preponderante para permitir ao sujeito existir por meio da imagem. Debord
(1998) traduz bem a atual situação, segundo ele, a sociedade passou por duas fases distintas: Na
primeira para SER era preciso TER, e na segunda que se trata da contemporaneidade, é a sociedade
do espetáculo, em que é preciso TER para PARECER, e isso nada mais é do que uma forma de
dominação da economia capitalista. Contudo, a dominação pelo aspecto econômico já está
consolidada e por isso, tem-se agora a dominação pela imagem, onde a mídia nada mais é do que a
soma dos poderes políticos e econômicos. É a mídia ordenando o que se precisa ter e consumir e ao
mesmo tempo, organizando o tempo e lazer das pessoas (PEDREIRA et all, 2011).
Com o advento da internet, o contato pessoal, a relação com os outros é coisa do passado, e
já com a televisão, o mundo real está cada vez mais distante, uma vez que mostrar-se na telinha
tornou-se tão importante. Afinal, para grande parte da população, ser invisível não é tolerável, pois
apresenta a sociedade por conta dessa exposição em massa, está cada vez mais sofrendo sob o
aspecto da insegurança, afinal, vive se perguntando se os outros gostam dele, se ele é amado pelos
seus familiares, enfim ele depende do “olhar do outro”, para se enxergar. (ROCHA e CASTRO,
2009), para fundamentar essa visão, (KEHL, 2004) comenta, “não estamos vivendo na sociedade do
cada um por si, e sim em uma sociedade em que cada um depende do outro”, onde só nos
constituímos como sujeitos “SE”, o outro nos reconhece como tal. Diante desse cenário, a
personalidade do indivíduo é formada pela indústria cultural. Desta forma, o indivíduo identifica-se
com a sociedade, porém sem crítica, uma vez que ele não está apto para isso, pois foi socializado
para não identificar as contradições e por consequência para que não tenha uma consciência crítica
os ídolos agora são substituídos pelos ídolos produzidos pela indústria cultural (MARCUSE, 1982).
Esse mesmo aspecto da sociedade, pode ser observado devido ao constante processo de
globalização, onde no atual cenário contemporâneo, a todo momento as pessoas deixam seus países
de origem para rumarem a outros, por determinado período de tempo, ou então para ficarem de
forma permanente, nesse sentido, eles passam a ser qualificados como imigrantes. Nos últimos
anos, o povo haitiano migrou para vários países, dentre eles para o Brasil, visando fugir dos
problemas socioeconômicos do Haiti, principalmente devido as consequências do terremoto em
2010. A chegada dos mesmos ao Brasil, ocorreu por via terrestre, através das cidades fronteiriças de

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Tabatinga-AM e Brasileia-AC, de onde muitos se deslocaram para São Paulo, em busca de trabalho
e a fim de recomeçarem a vida. Esses imigrantes circularam em todo o território nacional, e
migraram também foram para Santa Catarina, sendo o segundo estado da federação que mais
recebeu imigrantes haitianos com 21,7% (Instituto Migrações e Direitos Humanos, 2016).
As cidades catarinenses que aparecem no ranking como as que mais receberam esses
imigrantes são Itajaí, Navegantes, Balneário Camboriú e Chapecó, o município de Joinville não
aparece entre as principais cidades de destino dos imigrantes, no entanto, pelos dados cedidos pela
Polícia Federal de Joinville (2017), podemos constatar que existem hoje documentados 2.280
haitianos na cidade, esses dados auxiliam no estudo para atingir o objeto geral da pesquisa que é“
entender e compreender qual o sentido/significado que os imigrantes haitianos atribuem ao
processo de consumo cultural através das práticas comunicacionais provocadas na cidade de
Joinville (SC)”, principalmente se analisarmos o consumo cultural gerado pelo gênero feminino dos
imigrantes haitianos.
As imigrantes haitianas buscam sua integração na sociedade local por meio dos seus
processos de inserção e cidadania, através de uma veiculação gerada pela perspectiva em que o
sentido e a ressignificação, que esse contexto migratório, atribui e produz por meio de certos tipos
de consumo culturais, gerados pelos produtos culturais, que eles consomem, TV, teatro, as
comemorações e celebrações religiosas, reuniões associativas, assim como as notícias de seu país de
origem, bem como se as novelas brasileiras tem influência no seu consumo, então, como os
imigrantes atribuem o sentido produzidos, reinterpretados neste tipo de consumo.
Outro aspecto que faz com que os imigrantes busquem sua inserção na sociedade local, são
as práticas comunicacionais midiáticas, onde são inclusas as facetas dos usos midiáticos, tais como
telefonia (Skype, WhatsApp, Viper, etc), as redes sociais (vinculadas aos aspectos de sociabilidade,
solidariedade e cidadania comunicativa), os blogs e websites feitos e/ou consumidos por grupo
determinado de imigrantes, neste caso, os haitianos. Porque o consumo cultural vinculado as
práticas comunicacionais midiáticas afetam os aspectos econômicos, de sociabilidade, assim como
os de cidadania comunicativa entre outros, influenciam também nas questões da identidade cultural.
A cultura de consumo é uma premissa a expansão e produção de mercadorias que levam, a
um acumulo de material cultural, que afetam a uma espécie de marcadores das relações sociais, pois
é através das formas de consumo que sãos construídas as relações, visto que quando um produto é
consumido de maneira semelhante tende a derrubar as fronteiras sociais, e quando consumido de
maneira diferente, acaba gerando uma barreira. Além disso, um mesmo produto pode apresentar
dimensões simbólicas distintas, por exemplo, para uns o vinho serve apenas como bebida, para

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outros terem uma garrafa específica na coleção é também uma maneira de consumir. Assim como o
consumo pode apresentar um meio de satisfação de prazeres pessoais e realização de sonhos
(FEATHERSTONE, 1995).
Segundo a opinião de Pedreira et al (2011, s.d), “Isto se dá, pois a necessidade do “ter” e do
“possuir”, é uma das principais características da sociedade em que nos encontramos atualmente,
em que a partir do momento que o indivíduo se sente seduzido por dado objeto, seja ele qual for, há
certa pressão para que este consuma independentemente da sua real necessidade, formando assim
uma espécie de necessidade aparente, ou seja, o que um indivíduo consome não é necessariamente o
que ele precisaria consumir para sua sobrevivência como ser humano, mas sim, para sobreviver em
dado grupo e/ou sociedade (culturalmente falando).
Ao relacionar o desenvolvimento com o grau em que são satisfeitas as necessidades
humanas, alerta para a enorme dificuldade em aplicar critérios objetivos para avaliar o grau de
satisfação das necessidades, quando nos afastamos das necessidades básicas. Pois, se é certo que
existem necessidades básicas de sobrevivência do homem, grande parte dos bens de consumo
produzidos na sociedade moderna e em economias desenvolvidas, destinam-se a atender uma
necessidade criada pela própria atividade econômica, que pode ter decorrido de mudanças de
comportamento ou das relações sociais, segundo Celso Furtado (apud SILVA, 2009, p.121), essa
necessidade, faz parte, do cotidiano das pessoas, principalmente dos imigrantes, que atribuem
sentidos e significados distintos ao processo de consumo cultural.
A fim de validar essa pesquisa os aspectos metodológicos abordados para esse estudo terão
como base a pesquisa qualitativa, seguindo a metodologia da pesquisa bibliográfica, documental e
de campo, com a técnica de coleta de dados, entrevistas profundas42. Na pesquisa bibliográfica, será
coletado na literatura específica através de artigos, livros e outras publicações científicas bem como
pesquisas já realizadas para compreender as discussões sobre o tema, o material ilustrativo será por
meio principalmente de websites, no arquivo histórico e arquivo pessoal.
Na pesquisa qualitativa, será utilizada a observação etnográfica participante dos imigrantes
haitianos, por ser uma técnica de investigação social, possibilitando ao observador, na medida em
que as circunstâncias permitem partilhar das atividades, as ocasiões, os interesses e os afetos de um
grupo ou de uma comunidade. A pesquisa de campo, será pela aplicação de um questionário, de

42
Classificada como pesquisa qualitativa as entrevistas profundas, são um método de entrevista utilizado sob a forma
uma conversa livre, amigável e informal, tendo como objetivo um assunto de interesse comum entre o entrevistador e o
entrevistado, serve para registrar fatos subjetivos de como o entrevistado percebe esse assunto na sua própria vidade.
Nota da autora.

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modo a poder identificar e analisar o perfil dos imigrantes, após será realizado as entrevistas em
profundidade, para entender através das narrativas, as histórias de vida desses imigrantes e por
último será realizado com base nas narrativas, uma análise do discurso, como forma para interpretar
o sentido que eles produzem do consumo cultural através de práticas comunicativas mediadas por
tecnologias.

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Retratos da Migração Transnacional na cidade de São Paulo: Um


estudo sobre o consumo imagético da exposição fotográfica “Somos
Todos Imigrantes"
Portraits of Transnational Migration in the city of São Paulo: A study on the imagery
consumption of the photographic exhibition "We Are All Immigrants"

Palavras-chave: Comunicação e práticas de consumo. Visibilidade. Fotografia. Migrações


transnacionais.
Keywords: Communication and consumer practices. Visibility. Photography. Transnational
migration.

Matheus Alves Passaro


Mestre em Comunicação e Práticas do Consumo | PPGCOM ESPM-SP,
professor do curso de Design da ESPM-SP.

Fruto da pesquisa de mestrado concretizada em março de 2017, o trabalho teve o objetivo de


analisar as relações entre comunicação, consumo e migração a partir do estudo dos processos de
produção e recepção de uma exposição fotográfica, Somos Todos Imigrantes, buscando
compreender os enquadramentos e percepções em torno da visibilidade midiática e pública dos
migrantes transnacionais na cidade de São Paulo.
Na construção da metodologia da pesquisa, adotou-se uma perspectiva multimetodológica
constituída por três procedimentos: (1) pesquisa bibliográfica e documental – objetivando
conhecimentos acumulados sobre os pilares da problemática, bem do desenho teórico-metodológico
que sustenta as dimensões construídas no trabalho de campo; (2) levantamento de dados
relacionados aos espaços de produção e recepção da mostra fotográfica – coleta e análise das
imagens da exposição, entrevistas com os produtores e com o público migrante e não migrante; e
(3) análise qualitativa dos dados.
Para a análise das apropriações das imagens da mostra fotográfica, criou-se três eixos
temáticos extraídos do trabalho com o material empírico em diálogo com o campo teórico: (1) o
imigrante na mídia: visualidades que hierarquizam – levantamento das percepções dos
entrevistados em relação a visibilidade dos fluxos migratórios na mídia ; (2) singularidades
migrantes: percepções sobre as imagens da exposição – identificação das leituras das imagens
realizada pelos públicos da exposição; (3) visibilidades das migrações: limites e possibilidades –
detalhamento dos limites, encontrados pelos entrevistados, das imagens da mostra e o vislumbre
para outras possibilidades.

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A exposição “Somos Todos Imigrantes”, idealizada pelo fotógrafo Chico Max43 em parceria
com o Pe. Paolo Parise44 da instituição Missão Paz45, foi composta por 19 retratos fotográficos de
imigrantes de doze nacionalidades (Cabo Verde, Angola, Camarões, Nigéria, Senegal, Congo,
Haiti, Síria, Venezuela, Chile, Bolívia e Peru). As imagens foram expostas em diferentes espaços na
cidade de São Paulo, em um período, por nós analisado, que compreende de novembro de 2015 até
julho de 2016. Além de sua circulação em diferentes espaços da cidade, a exposição teve
repercussão midiática, sendo divulgada em rádio, jornais e televisão. São homens, mulheres e
crianças migrantes retratados em um fundo preto e sem nenhuma produção específica no que se
refere à vestimenta ou maquiagem.
Para tanto, partiu-se da hipótese que os retratos realizados para a exposição "Somos Todos
Imigrantes" constroem e oferecem imagens que se distanciam de uma representação vitimizadora e
criminalizadora do imigrante e possibilitam que o público identifique um deslocamento da
visibilidade midiática dominante das migrações transnacionais contemporâneas. Nesse sentido, a
seguinte pergunta orientou a problemática construída na pesquisa: em que medida as imagens da
exposição "Somos Todos Imigrantes constroem, do ponto de vista da produção e da recepção,
outros modos de visibilidade dos migrantes transnacionais que buscam promover um deslocamento
de visibilidades midiáticas dominantes na perspectiva de contribuir para os processos de cidadania
dos migrantes na cidade de São Paulo?
Para responder a esse questionamento, estabeleceu-se como objetivo principal, analisar como
são construídas, pelos produtores da exposição – Pe. Paolo Parise e o fotógrafo Chico Max – e por
parte público da mostra, formado por migrantes e não migrantes, percepções e apropriações em
torno do consumo imagético da visibilidade dos migrantes transnacionais na cidade de São Paulo,
especificamente no âmbito da mostra fotográfica "Somos Todos Imigrantes".

43 Chico Max, fotógrafo autodidata com mais de 30 anos de experiência, mantém atuação profissional como fotógrafo,
diretor de arte, videomaker e psicólogo. Iniciou sua carreira no mercado editorial em 1986 e, desde então, já trabalhou e
atendeu revistas e empresas de grandes organizações midiáticas. Na fotografia, uma de suas especialidades é o retrato,
sobretudo, o retrato de personalidades do mundo artístico e empresarial nas mídias que atuou. Seu trabalho autoral de
maior envergadura foi a exposição fotográfica "Somos Todos Imigrantes", focalizada na pesquisa.
44 Padre Paolo Parise, italiano da região do Vêneto, está no Brasil desde 1992, atuando em missões no Guarujá, no

litoral paulista, e no Grajaú, na Zona Sul de São Paulo. Na Itália, em 1984, Pe. Paolo já auxiliava moradores do norte da
África que cruzavam o Mediterrâneo em botes para ingressarem na Europa. Desde 2010 é um dos párocos e diretores da
Missão Paz, onde também é o principal porta-voz da instituição no diálogo com os meios de comunicação.
Recentemente, a Missão Paz ganhou visibilidade midiática ao se tornar a principal instituição na cidade de São Paulo no
acolhimento do fluxo migratório do Haiti, principalmente entre 2014 e 2015.
45 A Missão Paz congrega diferentes frentes de atendimento aos imigrantes, partindo da Igreja Nossa Senhora da Paz

(1940); Centro de Estudos Migratórios - CEM (1969); Centro Pastoral dos Migrantes (1977); Casa do Migrante (1978);
Início dos trabalhos das Assistentes Sociais (1994); Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes - CPMM (2012) e
Rádio Migrantes (2013). Disponível em: <http://www.missaonspaz.org/historia>. Acesso em: 10.fev.2017

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Para pensar o consumo imagético a partir da produção e recepção de uma exposição


fotográfica, pautou-se o quadro teórico na intersecção entre os estudos da comunicação e práticas de
consumo, fotografia, visualidades e políticas de visibilidade, além dos estudos sobre as migrações
transnacionais contemporâneas no Brasil, especificamente, na cidade de São Paulo. Partiu-se da
compreensão da centralidade da imagem na sociedade, principalmente, no campo da comunicação e
nas práticas de consumo, onde “não se pode perder de vista também que o consumidor é um ser
ativo nos contextos sociais e possui percepções, representações e valores que resultam deles e com
eles interagem” (BACCEGA, 2012, p. 249). Ao falarmos sobre imagem, utilizou-se uma
compreensão que incorpora essa complexidade a partir da tríade de Hans Belting (2014) – imagem,
corpo e meio. Para o autor, as imagens se articulam pela materialidade e imaterialidade, onde nós
próprios geramos imagens que confrontamos com outras imagens no mundo visível. Essa via dupla
demonstra que ao mesmo tempo que utilizamos imagens para atingir um objetivo, somos afetados
por elas. Poderíamos afirmar também que a utilização das imagens se dá pelas narrativas que
produz, onde "a imagem dá origem a uma história, que, por sua vez, dá origem a uma imagem"
mas, não obstante, com significação definida por seu contexto e traduzida nos termos da nossa
própria experiência. Apresentamos, ainda as especificidades da imagem fotográfica no que
concerne aos artifícios técnicos de sua produção, com características que estão relacionados a
diferentes significações e simbologias que remetem à políticas de visibilidade, compreendidas como
mecanismos sócio-culturais partilhados que conferem, a determinadas imagens visuais, a
qualidade de partícipes de sistemas de crença e de leitura visual reconhecíveis e
reconhecidos. O que é visível remete menos ao que se tornou imagem visual e mais àquela
visualidade que, via jogo societal e estratégias comunicacionais, é reconhecida como dotada
de valor de troca simbólico e de relevância comunicativa. Visibilidade, finalmente, apenas
se realiza e se consuma no momento do consumo, da recepção, da codificação, da
interpretação e da tradução. É, ainda, um recorte significante particular feito em um todo
visual múltiplo e abrangente (ROCHA 2006, p. 10).
Vislumbramos um papel ativo ao consumidor, tanto em sua escolha pelas imagens que deseja
consumir, quanto pela sua decisão na escolha das imagens que deseja produzir ou participar na
produção. Tal possibilidade evidencia as próprias relações entre os seres humanos em sociedade,
repercutindo em seus processos de cidadania. Uma cidadania orientada por uma maior igualdade no
acesso e distribuição dos recursos comunicacionais e midiáticos que favoreçam práticas sociais que
propiciem o sentido de pertencimento e de identidade. Essas considerações foram e são muito
importantes para a compreensão do papel central da imagem na nossa sociedade, bem como o
entendimento dos modos pelos quais a migração transnacional na cidade de São Paulo e suas
visibilidades estão inscritas e se articulam aos processos de cidadania dos migrantes.
Entendemos, a partir das reflexões propostas, que a vida cotidiana está permeada pela
temática da imagem e das visibilidades encadeadas ao consumo visual. A fotografia, enquanto

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aparato fotográfico, pronuncia-se como uma das principais ferramentas para a produção dessas
imagens, onde "o que agora nos interessa, são máquinas que nos fazem ver, que nos fazem ser
vistos e que nos permitem vermos-nos sendo vistos” (ROCHA, 2006, p. 4).
Por fim, realizamos uma contextualização histórica das migrações transnacionais a fim de
elencar elementos dos regimes de visibilidade, construídos historicamente, que poderiam estar
associados às migrações contemporâneas na cidade de São Paulo. Na busca por autores que pensam
os fluxos migratórios contemporâneos, observamos a predominância de uma política de visibilidade
que hierarquiza os migrantes distanciando-os da visibilidade dos fluxos históricos e associando-os a
problema, conflito e pobreza.
Compreendemos que os movimentos migratórios, sobretudo os fluxos hodiernos, são
constituídos de uma carga simbólica fortemente carregada de preconceitos e estigmas no imaginário
coletivo, consequentemente, estudos baseados na produção de conhecimentos a respeito da imagem,
das identidades e das visibilidades midiáticas dos migrantes transnacionais contemporâneos podem
contribuir socialmente para reflexões e práticas em torno das relações entre visibilidade e cidadania
dos imigrantes nos âmbitos acadêmico, governamental e no próprio contexto dos movimentos
sociais migratórios.
Deste modo, concordamos com Cogo e Badet (2013, p. 30) onde "não é possível associar as
migrações uma única causa, nem homogeneizar os fluxos migratórios, mas é necessário analisar os
diferentes fluxos, perfis e realidades migratórias, as diversas causas e motivações econômicas,
políticas e sociais que a elas se associam". Nesse contexto, ressaltamos que as Tecnologias da
Informação e Comunicação (TICs) se apresentam como “espaços relevantes de construção e
circulação de imaginários e de agendas relacionados às disputas de cidadania nos âmbitos
socioeconômicos, político e cultural” (COGO, 2010, p. 83).
Os resultados da pesquisa apontaram para três dimensões principais que resultam dos
processos de produção de das apropriações das imagens fotográficas da exposição: (1) o
reconhecimento de uma visibilidade midiática dominante que hierarquiza os migrantes e os associa
a problema, conflito, pobreza; (2) as possibilidades de constituição de outras visibilidades cidadãs,
especialmente aquelas que singularizam, sem folclorizar, e favorecem uma aproximação
humanizadora com o Outro migrante; e (3) os limites impostos à produção dessas outras
visibilidades no campo das migrações que aparecem associados à necessidade de políticas públicas
que assegurem aos migrantes acesso e ocupação de espaços tanto da mídia quanto da cidade.

Referências
BACCEGA M. A. O consumo no campo comunicação/educação: importância para a cidadania. In: ROCHA, R. M;
CASAQUI, V. (Orgs.). Estéticas midiáticas e narrativas do consumo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2012, p. 248-
267.

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COGO, D; BADET, M. Guia das migrações e diversidade cultural para comunicadores migrantes no Brasil.
Bellaterra: Instituto de la Comunicación de la UAB/Instituto Humanitas Unisinos, 201
COGO, D. A Comunicação cidadã sob o enfoque do transnacional. INTERCOM – Revista Brasileira de Ciências da
Comunicação. São Paulo, v. 33, p. 81-103, 2010.
COGO, D; PASSARO, M. A "foto roubada": mídias, visibilidade e cidadania da imigração haitiana no Brasil. Anais.
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. XXV Encontro Anual da Compós.
Universidade Federal de Goiás, 2016.
BELTING, H. Antropologia da Imagem. Lisboa: KKYM, 2014.
RANCIÈRE, J. A partilha do sensível - estética e política. 2ª edição. Trad. Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34,
2009.
RINCÓN, O. Narrativas mediáticas. O cómo se cuenta la sociedad del entretenimiento, col. Estudios de televisión,
núm. 23. Barcelona: Gedisa, 2006.
ROCHA, E. P. G. Culpa e prazer: imagens do consumo na cultura de massa. Revista Comunicação, Mídia e
Consumo. São Paulo: ESPM, mar. 2005, v. 2, n. 3.

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Uma década de Brasil: Olhares pela Imprensa Haitiana entre 2005-


2015
A decade from Brazil: Looking for the Haitian Press Between 2005-2015

Palavras-Chave: Identidade nacional; Imprensa; Representação; Brasil; Haiti.


Keywords: Nacional identity; Press; Representation; Brazil; Haiti

Otávio Cezarini Ávila.


Professor Substituto do Instituto Federal do Paraná (IFPR), é graduado em Comunicação Social –
Relações Publicas pela UEL e mestre em Comunicação pela UFPR.
ota_cez@hotmail.com

O Brasil e o Haiti mantêm um laço desde, praticamente, a temporalidade prevista neste texto:
uma década. Criada em 2004, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
(Minustah), missão da ONU em parceria com o Governo Brasileiro, surgiu para contribuir com o
ambiente adverso à democracia, ao trabalho e a um futuro mais otimista aos haitianos. Desde esse
período, os capacetes azuis foram os primeiros contatos tangíveis entre as duas nações. Passando
2010 por um terrível terremoto que destruiu parte do país, o Haiti ainda convive com a desconfiança
de tropas estrangeiras que insistem em ficar. Em março de 2017, duas notícias saíram no jornal O
Globo: “Tropas brasileiras deixarão missão de paz no Haiti até 15 de outubro”46 e “ONU deixará
Haiti até abril de 2018, diz comandante da missão”47.
Se a presença da Minustah passa de uma década e não tem data certa para deixar o país
caribenho, o outro lado da moeda ainda se coloca em suspense: a presença dos haitianos no Brasil,
passados os anos, não é uma certeza como se pensou até 2015, quando 14.535 haitianos foram
registrados pela Polícia Federal, nação recorde no ano48. Notícias e contato com imigrantes revelam
uma nova realidade porvir: a saída dos haitianos para outros países que ofereçam melhores
condições e oportunidades de trabalho já ocupa as reflexões sobre seus futuros.
Ainda que seja necessário acompanhar a dinâmica migratória haitiana no país afim de
sabermos se a migração humanitária será uma tônica do Brasil do século XXI – sobretudo pela
promulgação da Nova Lei de Imigração – o texto pretende fazer uma breve análise do período de
2005 a 2015 com o intuito de estabelecermos não só uma análise do povo haitiano, mas também do

46
https://oglobo.globo.com/brasil/tropas-brasileiras-deixarao-missao-de-paz-no-haiti-ate-15-de-outubro-21135325
47
https://oglobo.globo.com/mundo/onu-deixara-haiti-ate-abril-de-2018-diz-comandante-da-missao-21046170
48
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/06/em-10-anos-numero-de-imigrantes-aumenta-160-no-brasil-diz-pf.html

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Brasil nesta última década. Para elucidar isso, três imagens midiáticas chamam a atenção para esta
realidade brasileira: as capas da revista The Economist revelam um Brasil em três versões. Em
2009, sua capa com a imagem do Cristo Redentor alçando voo como um foguete acompanha a frase
“Brazil takes off” (“O Brasil decolou”); em 2013, em alusão à capa de 2009, uma nova imagem
mostra o mesmo Cristo rodando difusamente pelo céu, acompanhado da frase “Has Brazil blown
it?” (“O Brasil estragou tudo?”); em 2016 – período já não correspondente à pesquisa – a revista
fecha seu ciclo com o Cristo Redentor segurando uma placa “SOS”, novamente acompanhado de
uma frase: “The betrayal of Brazil” (“A traição do Brasil”).
Se essas imagens expressas por uma das principais revistas do mundo revelam um descrédito
do Brasil após escândalos de corrupções e golpes políticos, como foi a cobertura da imprensa
haitiana sobre seu “país parceiro” destes últimos anos? Como a imagem do Brasil foi construída e
remodelada nesta década a qual este texto pretende se aprofundar, ainda que timidamente, pela
limitação que um resumo expandido nos obriga? Com tantas perguntas, chega-se a um problema de
pesquisa: Quais sentidos circularam na sociedade haitiana a partir da cobertura da imprensa
nacional sobre o Brasil entre 2005 e 2015? A ideia de “circulação na sociedade” vem de Braga
(2012), o qual afirma que não só a imprensa participa dos processos comunicativos que circulam na
sociedade (no caso a haitiana), mas também seus cidadãos em suas diversas interações.
Esta pergunta não chega à toa. Uma pesquisa realizada no Mestrado em Comunicação pela
UFPR (ver AVILA, 2016) deixou um ponto solto quando o assunto foram os processos
comunicativos dos haitianos no novo território (Curitiba, no caso): como foi realizado o processo de
“convencimento” midiático da imprensa haitiana sobre o Brasil como um país de oportunidades? É
sabido que ao tratarmos de processos comunicativos, entendemos esta expressão como toda
interação existente em uma sociedade midiatizada, mas, entender a participação da imprensa
conjuntamente a essas interações – interações compostas por redes informais de contatos, como as
redes sociais e grupos de Whatsapp, por exemplo, que uniram familiares no Brasil e no Haiti afim
de trocar informações e encorajamento em mudanças territoriais – é um desafio a se assumir aqui.
A construção da imagem do Brasil e o reconhecimento de um país de oportunidades é outra
questão a desvendar ao tratarmos de circulação de sentidos. Não entendemos o fenômeno
migratório motivado apenas por fatores econômicos, mas também por necessidade de
reconhecimento. Presumindo-se que o Brasil era retratado como país de oportunidades é para lá
também que os haitianos poderiam ir em busca de si, como seres de oportunidades. Sobre esta
busca pessoal por reconhecimento, mas mediada pela socialização inerente à contemporaneidade,
salienta o filósofo Axel Honneth:

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O quadro que resulta dessas reflexões sobre o processo de socialização humana


contém a ideia de um entrelaçamento entre individualização e socialização que já
permite tirar algumas conclusões sobre a importância dos grupos sociais para o
amadurecimento individual. Eu havia afirmado que a internalização da relação de
reconhecimento, que gradativamente se diferencia, leva ao surgimento de uma
forma complexa de autorrelação (...) (HONNETH, 2013, p.64).

A presença do grupo é mais uma forma de socialização, acompanhada pelos dispositivos


midiáticos, que impulsionariam o ímpeto de migrar. Esta relação entre escolhas interpessoais e ação
midiática reforçam a escolha desta pesquisa em tratar a mídia como constituidora e constitutiva da
organização social. Como afirma Sodré, o que define a linguagem, presente no texto midiático, é
sua capacidade de abertura ao mundo e nomeação do mesmo. O texto, em si, não é só um recurso
instrumental para informar, mas um “organizador da variedade” no cotidiano. (SODRÉ, 2014,
p.243).
Antes de sugerir o objeto de análise, cabe levantar o componente metodológico que se
pretende assumir na pesquisa. John Thompson (2011), em seu livro Ideologia e Cultura Moderna
(2011), sugere a Hermenêutica de Profundidade (HP), cuja metodologia tem como “objeto de
análise uma construção simbólica significativa, que exige interpretação” (p.355), e essas formas
simbólicas – que podem ser textos, falas ou ações – construídas sobre distintos contextos sociais e
históricos podem ser inter-relacionadas com outros métodos, de forma que supram a deficiência da
análise positivista no que tange à capacidade interpretativa.
Em seu sentido mais amplo, a HP proposta por Thompson (2011) não desconsidera a
capacidade histórica, relação a qual tanto o analista social quanto o objeto humano da pesquisa
estabelecem uma “relação de apropriação potencial” (p.359). E isso diz respeito a tradições, que por
muitas vezes são recentes, mas conformam as ações e interpretações através de aparatos ideológicos
como relações históricas de gênero, raça e religiosidade em determinados espaços.
Se a pesquisa apresenta este enfoque interpretativo, ela também utiliza outros métodos de
análise, como a análise de conteúdo, que será utilizada para analisar a representação do Brasil pela
imprensa haitiana. Este momento, chamado de análise formal, procede a análise da doxa e a análise
sócio histórica e precede a interpretação/reinterpretação ou o que Laurence Bardin (1988) chama de
Inferências na análise de conteúdo (a técnica de análise a ser utilizada).
Em relação à imprensa, apenas a título de elucidação, invocamos o Le Nouvelliste, um dos
mais antigos e importantes jornais do Haiti, para representar a imprensa haitiana. Em uma rápida

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pesquisa, apenas neste jornal foram encontrados 163 títulos de matérias que apresentam referência
ao Brasil em sua versão digital49.
A análise levará em conta a seção editorial em que se encontram as matérias e, mais
profundamente, por meio da análise de conteúdo, identificará a caracterização do Brasil como: a)
país de destino; b) país que oferece ajuda; c) país interventor; d) país da Minustah; e) país dos
grandes eventos/futebol. A partir dessas cinco categorias, será possível mensurar qualitativamente a
representação da identidade atrelada ao Brasil pela imprensa haitiana.
Posteriormente, a pesquisa pretende realizar uma série de entrevistas com os haitianos que
residem no Brasil – e possivelmente outros, que por lá ficaram – para inferir como a imprensa
influenciou sua vinda para o país de destino.
Em uma pré-análise, enviesada apenas pelo recorte de dados gerais, percebe-se uma
proximidade quantitativa de títulos por ano, o que derrubaria uma premissa inicial de que a maior
parte das notícias sobre o Brasil apareceria a partir de 2010, quando o fluxo migratório se
intensifica. Outro ponto que chama a atenção é a metade (82 títulos) estarem vinculados à seção
“National”. A seção, embora bastante ampla em sua variedade de temas nacionais, neste recorte
representa a noticiabilidade alinhada à participação diplomática do Brasil no Haiti, sobretudo pela
Minustah. Inclusive, 2010, ano do desastre natural, é o ano que congrega boa parte das notícias
dessa seção editorial.

Referências
AVILA, O. (2016). O Haiti em Curitiba: um olhar interpretativo das práticas comunicativas dos
haitianos no novo território. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
Brasil.
BARDIN, L. (1979). Análise de Conteúdo. Lisboa: Persona.
BRAGA, J. L. (2012). Circuitos versus campos sociais. In: JACKS, Nilda et al (orgs). Mediação e
Midiatização. Salvador: EDUFBA; Brasília: Compós.

SODRÉ, M. (2014). A ciência do comum: notas para o método comunicacional. Petrópolis: Vozes.
THOMPSON, J (2011). Ideologia e Cultura Moderna: Teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. 9ª Ed. Petrópolis: Vozes

49
Sem participar da pesquisa, os anos de 2016 e 2017 (até 15/08) continham 40 de referências ao Brasil na versão
digital, número elevado se comparado às 162 referências da década pesquisada.

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Por uma mídia mais humana e aberta ao diferente: o site


MigraMundo e a cobertura jornalística sobre as migrações no Brasil.
For a more human and open-minded media: MigraMundo website and journalistic coverage
about migrations in Brazil

Palavras-chave: migrações; imigrantes; comunicação; jornalismo; diversidade


Key words: migration; immigrants; communication; journalism; diversity

Rodrigo Borges Delfim


Jornalista formado pela PUC-SP, fundador e editor do site MigraMundo e especialista em
migrações.
rodrigobdelfim@gmail.com

A migração é um movimento exercido pela humanidade desde os seus primórdios. No


entanto, ainda vigora junto à sociedade uma visão distanciada e romanceada desse fenômeno. No
Brasil, por exemplo, a associação mais imediata se dá em relação aos brasileiros residentes no
exterior, aos deslocamentos internos (entre Nordeste e Sudeste do país, por exemplo) e aos fluxos
migratórios que chegaram entre os séculos XIX e XX, especialmente da Europa e Japão. Já as
migrações atuais, nas quais predominam pessoas de países da América Latina, África e Oriente
Médio, ainda são um assunto recente na pauta, e por vezes sofrem com uma abordagem rasa, pouco
esclarecedora e recheada de estereótipos – além de considerada “menos importante” do que no
passado.
Essa percepção sobre as migrações do passado e do presente – que em verdade são um único
movimento, que varia de intensidade de acordo com a época e contextos globais e locais – encontra
bastante eco nos meios de comunicação. Estes, por sua vez, contribuem para disseminá-la por meio
de programas de entretenimento (como novelas, séries e atrações de auditório) e de jornalismo.
Nessas abordagens, tanto de ficção como informativas, não é raro encontrar uma série de piadas e
preconceitos sobre determinadas nacionalidades que, em verdade, muito mais dificultam o
entendimento sobre os fluxos migratórios do que trazem algum tipo de esclarecimento.
Falando especificamente dos meios de comunicação, esse quadro deficiente de abordagem
dos fluxos migratórios se dá por uma série de fatores, interligados entre si e que também se
retroalimentam: a predominância de fontes oficiais; falta de contextualização sobre um determinado
fato ou fenômeno; pouco ou nenhum espaço para ouvir o migrante; a utilização de termos e
expressões que denotam um sentido depreciativo de determinadas nacionalidades e fluxos

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migratórios, como “invasão”, “explosão”, “ilegal”, ou ainda associar um termo técnico a uma
definição equivocada, como acontece em relação a refugiado – por vezes definido como um
fugitivo de algum crime; o enfoque no inusitado, que folcloriza e coloca o migrante como um ponto
fora da curva ou mesmo uma aberração em meio à sociedade, embora o migrante seja sujeito e
representante de um movimento humano e global.
Ao olhar para esse cenário, fica a pergunta: como essa situação poderia ser diferente? Nunca
é demais lembrar que a comunicação e seu poder de penetração, aliado às novas tecnologias,
também têm poder suficiente para fazer o contrário. Ou seja, são ferramentas de grande alcance
que, dependendo da sua utilização, podem contribuir para a desconstrução de estereótipos e, ao
mesmo tempo, levar esclarecimento e conscientizar a sociedade sobre as realidades migratórias
atuais.
Tarefa essa que se torna ainda mais árdua, mas ao mesmo tempo mais necessária, quando se
consegue estabelecer uma ponte entre o passado e o presente dos fluxos migratórios, demonstrando
a continuidade desse movimento humano e desconstruindo estereótipos que atrapalham também um
melhor entendimento dos fluxos que vieram ao Brasil no passado, indo além das visões
romanceadas e idealizadas ao longo de gerações.
Essa visão da comunicação também como aliada e ferramenta para esclarecimento e
conscientização tem movimentado uma série de atores em diferentes áreas, como o meio
acadêmicos, os movimentos sociais, instituições formais da sociedade civil e até mesmo os próprios
migrantes e iniciativas independentes de comunicação.
No ambiente acadêmico, um exemplo dessa ação é o Guia das Migrações Transnacionais e
Diversidade Cultural para Comunicadores – Migrantes no Brasil (2013), organizado pelas
pesquisadoras Denise Cogo e Maria Badet. A cartilha tem justamente o objetivo de qualificar o
debate sobre as migrações na mídia brasileira, seja apresentando esclarecimentos sobre o fenômeno
migratório em âmbito global, seja no contexto brasileiro e continental. Também conta com uma
série de menções a publicações de referência no estudo das migrações e uma lista de potenciais
fontes para reportagens na academia, sociedade civil e organizações internacionais.
Com base nessa publicação, em outubro de 2013 aconteceu na Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) o Curso de Migrações Transnacionais e
Diversidade Cultural para Comunicadores e Mediadores Sociais, que reuniu em torno de 60 pessoas
de diferentes nacionalidades e áreas de formação profissional. Há movimentações junto a
universidades para que o curso seja retomado e possibilidade uma formação complementar a

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comunicadores que, assim estariam melhor preparados para entender e abordar o fenômeno
migratório em suas diversas ramificações e particularidades.
Esse movimento de qualificação do debate na mídia sobre migrações está longe de ser algo
localizado. Em 2014, acadêmicos de toda a Europa lançaram uma campanha (também disponível
em português) pelo fim do uso do termo “ilegal” e variações nas reportagens sobre migrações. A
ação também apresenta termos como “indocumentado”, “sem documentação” ou mesmo “irregular”
como alternativas para designar as migrações não documentadas.
Assim, além de conscientizar sobre seu caráter social e humano, busca-se também combater
a ideia de criminalização dos fluxos migratórios.

O MigraMundo
É nesse ambiente que, em 3 de outubro de 2012, teve o início o MigraMundo, a partir de um
blog pessoal. Sua proposta é de abordar as migrações como um fenômeno social e como uma
expressão global do direito de ir e vir. Também procura estabelecer pontes entre os fluxos
migratórios atuais e do passado, mostrando que não são acontecimentos isolados.
Um princípio pétreo do MigraMundo é o de abolir de suas matérias todo e qualquer termo
que traga conotação preconceituosa sobre a temática migratória, como “ilegal”, “invasão” e suas
variações. Por não ter ligações com instituições e por não ter sido criado por um migrante, o
MigraMundo foi alvo de estranheza em seus primeiros meses. Com o tempo, no entanto, esses dois
fatores se tornaram diferenciais do veículo e contribuíram para reforçar o caráter de independência
de suas abordagens.
Ao longo de sua trajetória, que completou cinco anos em 2017, o MigraMundo testemunhou
e retratou, entre outros assuntos: o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à população
migrante em São Paulo; os debates e principais fatos em torno da nova Lei de Migração
(sancionada em maio de 2017); uma série de eventos culturais e sociais ligados à temática
migratória, incluindo aqueles protagonizados por migrantes organizados informalmente ou por meio
de coletivos; acompanhou in loco e noticiou as duas últimas edições do Fórum Social Mundial de
Migrações – Joanesburgo (2014) e São Paulo (2016).
Outra ação do MigraMundo é também se posicionar de forma crítica a abordagens
equivocadas veiculadas na grande imprensa sobre migrações. Nesse meio, o destaque vai para a
repercussão da foto do migrante haitiano retratado nu em um banheiro da Missão Paz, em São
Paulo, por um fotógrafo da agência Folhapress e que estampou a capa dos jornais Folha de S.Paulo
e Agora em maio de 2015. Meses mais, tarde, a foto recebeu o Prêmio Vladimir Herzog daquele

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ano, gerando indignação junto aos migrantes e na sociedade civil organizada em torno da temática
migratória.
Por conta desse histórico e princípios, o MigraMundo é considerado uma referência na
abordagem sobre migrações por envolvidos e demais interessados no tema, incluindo especialistas,
militantes e gestores públicos. Em junho de 2014 o MigraMundo recebeu em Bonn, na Alemanha, o
prêmio de Blog Favorito do Público em Português, uma das categorias do The Bobs (The Best of
Online Actvism), promovido pela emissora pública alemã Deutsche Welle.
Essa visibilidade crescente também traz responsabilidades cada vez maiores e novos
desafios. Atualmente o MigraMundo luta para conseguir sua autonomia financeira, por meio de
parcerias, projetos, editais e apoio de seus leitores. Ao mesmo tempo, procura se profissionalizar e
incorporar novos elementos ao seu material, como vídeos e podcasts, sem perder a proximidade
com os movimentos sociais e com os migrantes.

Considerações finais
Ao tentar promover uma visão mais humanista sobre a migração e jogar luz sobre as
mudanças que, em geral, são abordadas de forma superficial ou mesmo são ignoradas pelos grandes
meios de comunicação, o MigraMundo procura dar sua contribuição para o combate a essa falta de
visibilidade para a temática.
Importante lembrar que há outras iniciativas em curso que procuram, a seu modo e de
acordo com seu público, se utilizar da comunicação como ferramenta para amplificar vozes que
ainda são pouco ouvidas e contar uma narrativa diferente do que se vê em geral nos grandes meios
de comunicação quando se fala em migrações. Um exemplo bem sucedido é o do portal Bolívia
Cultural, que pelo menos desde 2009 mostra uma Bolívia bem diferente dos estereótipos que
rondam o país e sua população. Dar visibilidade e apoiar outros veículos ou mesmo profissionais –
independentes ou empregados nos meios de comunicação tradicionais – que tragam essa nova
narrativa sobre as migrações é de suma importância para desconstruir barreiras sustentadas por
preconceitos e estereótipos.
Especialmente em tempos nos quais predominam a intolerância e aversão ao outro e nos
quais cada vez mais muros (materiais e imateriais) são erguidos, é necessários lembrar que os
mesmos tijolos e materiais usados para fazer muros também podem ser usados para construir
pontes. A comunicação pode ser entendida como uma dessas ferramentas que, quando bem
utilizada, ajudar a abrir novos caminhos e a expandir horizontes que contribuem para uma
sociedade mais plural, justa e humana. Essa tarefa cabe não são aos responsáveis pela produção e

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veiculação da informação, mas também aos seus receptores, uma vez que se apropriam e
disseminam esse conteúdo.

Referências

BAENINGER, Rosana. O Brasil na rota das migrações latino-americanas. In: _____. (Org).
Imigração boliviana no Brasil. Campinas: Nepo/Unicamp: Fapesp: CNPQ: UNFPA, 2012
BAENINGER, Rosana; PERES, Roberta; FERNANDES, Duval; SILVA, Sidney Antonio; ASSIS,
Glaucia de Oliveira; CASTRO, Maria da Conceição g.; CONTIGUIBA, Marília (Orgs). Imigração
Haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016
COGO, Denise; BADET, Maria. Guia das Migrações Transnacionais e Diversidade Cultural para
Comunicadores – Migrantes no Brasil. Bellaterra: Instituto de la Comunicación de la UAB/Instituto
Humanitas Unisinos, 2013
ESCUDERO, Camila. O Rio de Janeiro dos imigrantes: páginas de uma cidade de muitos povos.
Rio de Janeiro: E-papers/Faperj, 2016
KOIFMAN, Fábio. Imigrante Ideal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012
REIS, Rossana; SALES, Teresa (Org). Cenas do Brasil Migrante. São Paulo: Boitempo, 1999

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O Caso Pérolas Negras: uma reflexão sobre futebol, jornalismo e


fluxos migratórios
“Perolas Negras": reflections about football, journalism and migration flows

Palavras-chave: migração, jornalismo, futebol, complexidade, cidadania


Key-Words: Migration, Journalism, Football, Complexity, Citizenship

Francisco José Eboli Machado


Mestrando em Ciências da Comunicação
Universidade do Vale do Rio do Sinos (UNISINOS)
francisco.eboli@gmail.com

Em janeiro de 2016, um grupo de jovens haitianos atraiu as atenções do público e da


imprensa durante a disputa da tradicional Copa São Paulo de Futebol Júnior, competição organizada
pela Federação Paulista de Futebol que reúne as equipes de base dos principais times profissionais
do país e, eventualmente, equipes convidadas estrangeiras. O time foi formado a partir de um
projeto social da ONG brasileira Viva Rio, que, desde 2004, desenvolve iniciativas no Haiti. Em
2010, o Viva Rio construiu na região metropolitana de Porto Príncipe, capital haitiana, a Academia
de Futebol Pérolas Negras, que objetiva profissionalizar o futebol haitiano e assim promover o
talento e a autoestima dos jovens em situação de vulnerabilidade.50
A partir de uma parceria com a Federação de Futebol do Haiti, a Viva Rio, através do
Pérolas Negras, desenvolve talentos locais para sua inserção na cena internacional. O exemplo do
Pérolas Negras instigou-me a refletir sobre a questão da mobilidade ligada ao futebol,
especialmente no que diz respeito à migração de jovens oriundos de países pobres. Ao observar a
cobertura da imprensa sobre o Pérolas Negras, é possível perceber inúmeras construções simbólicas
relacionadas à migração e futebol, bem como uma forte tendência a tê-lo como um importante
instrumento de mobilidade social.
Essa representação foi sendo construída e propagada tendo a imprensa esportiva um papel
central nesse processo. Como apontam Mello e Rocha Júnior (2012), o futebol acabou se
constituindo simbolicamente como sede de sonhos e possibilidade de afirmação. Porém, conforme
divulgado pela Confederação Brasileira de Futebol em 2016, 82,4% dos jogadores profissionais que
atuam no país têm renda inferior a R$ 1 mil e ganham menos do que receberiam em ocupações

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Site: http://academiaperolasnegras.org

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como servente, garçom e catador de materiais reciclados. Sem mencionar ainda todos aqueles que
deixam de lado a escola e dedicam toda a infância e adolescência buscando uma oportunidade de
profissionalização que sequer vai surgir.
Nesse sentido, é necessário considerar o amplo espaço dado ao futebol nos media, que,
historicamente, tiveram um papel fundamental na construção da “realidade” em torno desse esporte
e contribuíram para que ele se tornasse um elemento extremamente representativo da cultura
brasileira (DaMatta, 1994, 2006; Guedes, 1998; Toledo, 2000; Wisnik, 2008; Rodrigues da Silva,
2014). Por essa razão, penso ser importante refletir sobre a maneira como o jornalismo esportivo
trata com questões que vão além do campo de jogo propriamente dito. Afinal, o futebol é um
fenômeno social e cultural complexo, que necessita ser analisado por meio de um olhar
multiperspectivado e de uma abordagem complexificada. O que exige, portanto, uma atitude
reflexiva do jornalista para que não acabe caindo na simplificação e reproduzindo apenas aquela
perspectiva hegemônica em determinado contexto social.
Ao abordar o futebol, é preciso considerar que esse esporte também sofreu os impactos do
processo de globalização e dos avanços tecnológicos que tornaram o mundo menor e
proporcionaram uma aproximação que não é meramente retórica. Como aponta Stuart Hall (2003),
os fluxos migratórios vêm se intensificando em todo o mundo, diversificando as culturas e
pluralizando as identidades culturais. Segundo o autor, os fluxos não regulados de povos e culturas
são tão amplos e tão irrefreáveis quanto os fluxos patrocinados do capital e da tecnologia. É
importante ter em mente que esta pulsão internacional de mobilidade de jogadores da periferia para
o centro não algo é algo exclusivo do momento atual, pois se faz presente desde sua origem, porém
os fluxos migratórios se tornam algo característico e necessário na atual fase do futebol de livre
mercado.
De acordo com a antropóloga Bea Vidacs (2012), em locais onde vigora um elevado grau de
pobreza o esporte pode ser percebido como possibilidade de fugir da condição de miséria que
historicamente o destino lhes reserva, gerando nesses jovens esperanças e um sentido para suas
vidas que não existiria longe da prática esportiva. Porém, como já mencionado, os riscos de
frustração são grandes. O sociólogo Richard Giulianotti (2012) chama a atenção para o problema do
tráfico humano que envolve os fluxos migratórios ligados ao futebol, em que jovens atletas pagam
agentes para entrarem na Europa, mas são depois abandonados ao não serem aprovados nos testes.
O pesquisador lembra que a organização beneficente francesa Cultur Foot Solidaire contabiliza
mais de 7 mil jovens africanos nessa situação.

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Ainda que entenda que o futebol tenha sua diáspora própria (Melo e Rocha Júnior, 2012),
acredito que ela está ligada inevitavelmente aos fluxos migratórios da contemporaneidade. Por isso,
parto da perspectiva de “agência migrante” (Castles, 2003), que enxerga os imigrantes não como
sujeitos separados, mas como seres sociais que buscam melhores condições para si, suas famílias e
comunidades. A antropóloga Carmen Rial (2008) destaca que muitos destes migrantes do futebol
estão inseridos em projetos familiares, a partir de migrações que, geralmente, começam por volta
dos 13 anos, dentro do próprio país, com o deslocamento das regiões mais pobres para os grandes
centros de formação de atletas.
Quando Mar de Fontcuberta (2006) afirma que os fatos são “pontas de inúmeros icebergs
sociais”, podemos pensar que uma análise complexa por parte da imprensa sobre a participação do
Pérolas Negras na Copa São Paulo estaria em trabalhar não somente o que está na superfície – a
simples participação da equipe no torneio –, mas também o que está abaixo dela, refletindo de
forma mais profunda sobre os aspectos socioculturais implicados. O corpus da análise é composto
por 12 matérias sobre a equipe publicadas nos sites Estado de São Paulo, Folha de São Paulo,
GloboEsporte.com, Espn Brasil, Revista Veja, Revista Exame, Empresa Brasil de Comunicação
(EBC), BBC Brasil, Trivela, Calle 2, Vice Brasil e Huffington Post. A definição obedeceu critérios
qualitativos. Deu-se preferência a reportagens que falassem da presença da equipe no país de forma
mais ampla, por trazerem uma abordagem mais próxima daquilo que pretendemos analisar.
Com base nos elementos trazidos pelo paradigma da complexidade de Edgar Morin (2015),
os dados empíricos e teóricos são trabalhados dentro de uma perspectiva multidimensional, sendo
que para efeitos da presente análise pensa-se o universo do futebol a partir de cinco dimensões: a
esportiva, a dos sujeitos, a sociocultural, a midiática e a econômica. Tais dimensões servem como
marcadores para facilitar a exploração dos textos selecionados, sendo que um mesmo texto pode
fluir pelas múltiplas dimensões.
O presente artigo traz os resultados iniciais do trabalho que venho desenvolvendo em minha
pesquisa de mestrado. Pode-se dizer que a participação dos Pérolas Negras na Copa São Paulo
atraiu a atenção da imprensa e acabou sendo tema de inúmeras matérias. De uma maneira geral os
textos acabaram explorando as múltiplas dimensões, mas também caíram nos estereótipos e lugares
comuns. A maioria das narrativas podem ser resumidas no título da matéria da Folha de São Paulo:
Haitianos “jogam a vida” na Copa SP por sonho de contrato no Brasil. No entanto, nenhum dos
textos apresentou qualquer dado sobre esse mercado de trabalho em que os jovens caribenhos
desejam ingressar ou confrontou o “sonho” com a realidade que vão encontrar.

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Os pontos de entrada mais abordados – fora os aspectos ligados ao torneio propriamente dito
e ao projeto em si – foram o sonho de conseguir um contrato num time profissional, a pobreza no
país de origem, a tragédia resultante do terremoto de 2010 e o desejo de ajudar a família que ficou
no Haiti em condições de vida precárias. A construção da maioria das matérias privilegiou aquelas
percepções cristalizadas no senso comum referentes ao país da América Central, caindo
invariavelmente na simplificação e reprodução de estereótipos. Nos materiais com essa abordagem,
os depoimentos dos atletas são utilizados apenas para reforçar as condições do “drama” que está
sendo narrado. Mesmo que jogadores e dirigentes digam em suas falas que um dos objetivos do
Pérolas Negras é mostrar o Haiti não é só tragédia e também existem aspectos positivos a serem
destacados, os materiais não conseguem fugir da retórica da tragédia e do “drama” a ser superado.
Em poucas matérias foram explorados temas como a presença de grande número de
haitianos torcedores, as vivências no Brasil, a história do Haiti, a recepção dos torcedores
brasileiros, os casos de preconceito sofridos pelos migrantes haitianos no país, as distinções entre as
migrações do futebol e as demais, dentre outros assuntos relevantes que poderiam ter sido pautados.
Dos diferentes atletas que falam nas matérias, um dos mais procurados foi Fénelon Marckenson,
que perdeu o pai às vésperas do torneio. Portanto, sua tragédia pessoal ajudava acrescentar um
elemento dramático a mais na narrativa construída. Por fim, somente o site Trivela ouviu os
migrantes torcedores e sua alegria com a acolhida dada pelos brasileiros ao Pérolas Negras, que de
certa forma fazia eles sentirem-se também acolhidos. Nesse sentido, ao dar maior destaque às vozes
oficiais (técnico e diretor da ONG), deixando em menor evidência os principais envolvidos, que são
os migrantes haitianos (sejam jogadores ou torcedores), o jornalismo acaba por perder a
subjetividade que faz parte da vivência do processo migratório (Cogo, 2001), invariavelmente
simplificando algo de grande riqueza e reproduzindo visões naturalizadas de uma realidade
complexa.

Referências
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Rodrigues da Silva, M. (2014). Quem desloca tem preferência: ensaios sobre futebol, jornalismo e
literatura. Belo Horizonte: Relicário.
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Vidacs, B. (2010). O esporte e os estudos africanos. In V.A. Melo, M. Bittencourt & A.
Nascimento (Eds.), Mais do que um jogo: o esporte e o continente africano. Rio de Janeiro: Apicuri,
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Wisnik, J. M. (2008). Veneno Remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.

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O sujeito-objeto e a construção do discurso do “Outro”: uma análise


de discurso sobre o processo migratório de senegaleses e haitianos no
Jornal Pioneiro de Caxias do Sul, RS
The subject-object and a construction of the "Other" discourse: an analysis of the discourse on the
migratory process of Senegalese and Haitian people in the Pioneiro Journal of Caxias do Sul,RS

Palavras-chave: jornal, discurso, imigrante, poder, lugar


Keywords : newspaper, discourse, immigrant, power, space

Daniel de Moura Pinto


Mestrando em Comunicação Midiática, Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Federal de Santa Maria (POSCOM-UFSM)

As diásporas de imigrantes, que se locomovem segundo suas pretensões, sejam essas políticas,
sociais e econômicas são evidências latentes do subsequente rompimento das fronteiras materiais e
subjetivas estabelecida na globalização capitalista. Do ano de 2010 até os dias atuais evidencia-se um
aumento exponencial do fluxo de imigrantes que se direcionam ao Brasil, sobretudo imigrantes vindos do
Haiti e Senegal. Diante da importância dessa questão nos cenários locais, regionais, nacional e internacional,
os meios midiáticos constroem suas próprias narrativas acerca do processo migratório.
Atendo-se ao fato de que toda a instituição midiática detém em si o lugar privilegiado de emitir
informação com um potencial valor de verdade (Chauí, 2011; Foucault,2013) resguardados pelo poder de
formadores de opinião, abre-se um leque de possibilidades narrativas que descrevem um acontecimento
conforme suas inferências ideológicas.
Tendo em vista a sociedade globalizada e a formação intercultural de diferentes identidades
(Canclini,2010), atenta-se para a caracterização do migrante a partir das perspectivas econômicas globais
que, por sua vez, acabam por desfragmentar o espaço-tempo em que tal imigrante se encontra, lugar esse de
sua fala, de exercício político e cidadão e, por consequência, da sua história.
Presumindo o lugar de fala dos meios midiáticos como lugar competente para informar, esse trabalho
busca entender de que forma as inferências do discurso midiático do Jornal Pioneiro incidem na construção
da identidade dos imigrantes senegaleses e haitianos em Caxias do Sul, RS. Para tanto partiu-se da
construção da seguinte hipótese: o discurso midiático competente institui fronteiras que tendem a distinguir
imigrantes de cidadão locais, de tal modo que a mídia se torna responsável por deslocar o lugar de ação
política dos imigrantes, a ponto de lhes negar o direito de ser protagonistas de sua própria história.
Logo, procedeu-se a partir da realização da análise de discurso de notícias da versão impressa do
Jornal Pioneiro de Caxias do Sul - cidade gaúcha que mais recebe imigrantes haitianos e senegaleses - no
período compreendido entre 01 de janeiro e 30 de junho de 2015. Foram analisados 9291 documentos
referentes a todas as páginas do jornal Pioneiro durante o período. O critério utilizado para elencar as

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matérias jornalísticas com fins no problema de pesquisa foram os verbetes: Senegal, Senegaleses, Haiti,
Haitianos, Imigração, Imigrantes.
Para fins de não tangenciar a pesquisa do problema proposto, foram selecionadas as 45 páginas que
continham alguma referência direta com os verbetes elencados e, consequentemente, com o tema. Destes
materiais verificados, optou-se pela análise das notícias e reportagens, uma vez que essas ocupam-se de
forma mais aprofundada a enunciar a narrativa construída para o acontecimento do processo migratório de
senegaleses e haitianos na região de Caxias do Sul.
A análise inicia preliminarmente na escolha de sequências discursivas (SD’s) em que os sentidos
nucleares foram limitados, tendo em vista a existência de duas camadas, uma ideológica e outra discursiva
como aponta Márcia Benneti (2007). Utiliza-se o não-dito sob a perspectiva do silêncio proposta por Orlandi
(2001). Objetivou-se, assim, organizar as sequências discursivas presentes nas notícias referentes ao
processo migratório de senegaleses e haitianos no Jornal o Pioneiro; para analisar a forma que o discurso
midiático articula suas inferências simbólicas atribuindo sentido ao processo migratório e, por fim, verificar
os lugares de enunciação explícitos e intrínsecos à construção da notícia do tema abordado.
Ao trabalhar no entremeio da descrição com a interpretação, a fim de facilitar o entendimento dos
dialogismos estabelecidos entre as Sequências Discursivas (SD) presentes em textos diferentes, como propõe
Orlandi (2001), subdividiu-se em três pilares determinantes na observação da formação das narrativas acerca
do processo migratório. A saber:(1) Deslocamento da vida pública a partir de relatos da vida privada e a
construção do imaginário acerca da identidade do imigrante;(2) Trabalho como identidade, apoderação do
estado e a objetificação do imigrante;(3) Reconhecimento da diferença e a negação do espaço-tempo da
cidadania”.
As constatações realizadas durante o desenvolvimento da análise de discurso deste trabalho
permitem visualizar os entrelaçamentos discursivos que compõe a construção narrativa do processo
migratório de senegaleses e haitianos em Caxias do Sul. Nesse processo de interdiscursividade notam-se que,
de fato, as construções de simulacros de uma dada realidade ou acontecimento, guardam intrinsecamente em
si inferências ideológicas que tem por função dar aos indivíduos uma explicação racional para as diferenças
da sociedade.
Um enunciado nem sempre responde de forma evidente ao que é dito de maneira explícita. Por
vezes, guarda um sentido que se refere a um não-dito condizente com a camada ideológica do discurso. As
matérias analisadas e suas correspondentes sequências discursivas apontam para algumas questões que
respondem ao problema proposto e confirmam a hipóteses previamente determinada.
As três categorias elencadas convergem em um ponto específico que determina as formas que o
discurso incide na construção da identidade dos imigrantes senegaleses e haitianos em Caxias do Sul.
Observou-se que existe uma delimitação de fronteiras que especificam o lugar de fala de quem emite juízo
(nós, enquanto cidadãos locais), e os outros (imigrantes senegaleses e haitianos) que são restringidos e
emitirem sentimentos acerca do processo no qual são protagonistas. O deslocamento do lugar protagonista

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do imigrante é a negação do seu espaço de ação para que esse seja sujeito do seu próprio destino. Com as
enunciações relativas à vida privada sendo apresentadas como pública, acaba por se dissimular as práticas
sociais e políticas como tais e, por fim, tangenciar a expressão pública e racional de interesses e de direitos,
para noticiar o não-pensado.
A permissividade de ver a diferença sob uma concepção antagônica às identidades-raiz é
contraditória à formação de novas identidades no mundo globalizado e, também, fato determinante para
basilar o discurso do outro.
A separação nós e outros está nas relações de dominação econômica e política, uma vez que se percebe
como as mesmas se articulam da destituição do lugar de poder do imigrante para, assim, utilizar-se da sua
condição de sujeito-objeto.
Dito isso, fica claro o motivo do imigrante ser frequentemente referido ao trabalho, como se esse
fosse o fim de sua imigração. A invisibilidade desses sujeitos esconde-se nas reproduções simbólicas
lacunares do discurso ideológico que, por sua vez, possui caráter hegemônico dentro da sociedade. No
Estado, são estrangeiros sem voz, no cenário internacional não possuem espaço institucionalizado e, ainda
que tivessem, é no Estado que ambientalmente esses sujeitos, não-sujeitos, estão inseridos.
Por fim, a inferências da narrativa do processo migratório de senegaleses e haitianos no Jornal
Pioneiro corrobora para a destituição do lugar de poder do imigrante enquanto sujeito do seu destino e de
direitos. As enunciações que deslocam a vida pública para privada são cruciais no movimento de destituir o
espaço público do imigrante e relegar a ele a condição única do espaço privado, onde este só é visto sob uma
perspectiva restritiva e econômica.

Referências Bibliográficas:
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Editoral Teorema,1996.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 6ª ed Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2003.
CANCLINI, Nestor García. A globalização Imaginada. Editora Iluminuras, São Paulo, 2010.
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CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. Editora Contexto, São Paulo, 2006.
CHAUÍ, Marilena. A ideologia da competência. Organizador André Rocha. Belo Horizonte:
Autentica Editora; São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2014.
________________. Cultura e Democracia Discurso Competente e outras falas. 11ªedição revisada
e ampliada. Editora Cortez, 2011
CORSINI, Leonora. A potência da hibridação: Edouard Glissant e a creolização. In:
Lugar Comum, n 25-26, 2008.

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FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro. Editora Forense Universitária, 2014.
___________________. Microfísica do Poder. 26ª edição, São Paulo, Editora Graal, 2013.
LAGO,Cláudia; BENNETI, Marcia. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis,Rio de
Janeiro, Editora Vozes,2007.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em Análise do Discurso. Editora Pontes, 1987.
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso, Princípios e Procedimentos. São Paulo: Pontes, 2001.
PECHEUX, Michel; FUCHS,Catherine.Por uma análise automática do discurso.Uma
Introdução a Obra de Michel Pêcheux.Campinas: Editora da UNICAMP,1990.
REDIN, Giuliana. O direito de imigrar. Editora Conceito Editorial, Florianópolis, 2013
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. 4. ed São Paulo;
EDUSP, 2006.

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Exilados de Mazzini no Rio de Janeiro imperial: a primeira emigração


política da Itália para o Brasil
Exiles of Mazzini in imperial Rio de Janeiro: the first political emigration from Italy to Brazil

Palavras-chave: exilados, Mazzini, Rio de Janeiro, Teresa Cristina, Império.


Keywords: exiles, Mazzini, Rio de Janeiro, Teresa Cristina, Empire.

Adriana Marcolini
Doutora em Letras
Universidade de São Paulo
drimarcoli@gmail.com

Introdução
Este texto lança luz sobre a presença de uma comunidade de exilados políticos italianos no
Brasil na época do Império (1822-1889) – a primeira emigração de caráter político proveniente da
Itália para o território brasileiro. Evidencia a contribuição dos intelectuais que apoiavam Giuseppe
Mazzini e dos artistas italianos estabelecidos no Rio de Janeiro, então capital do Império, para o
nascimento do sentimento de brasilidade, no final do século XIX, e para a unificação territorial e
política da Itália, em 1861.
Marselha, França, 1831. O político Giuseppe Mazzini (1805-1872) funda a Giovine Italia,
uma sociedade secreta que visava a transformar os territórios italianos em uma República
democrática unitária segundo os princípios de liberdade, independência e unidade. Respirava-se o
ar do Risorgimento, o movimento social, político, cultural e militar que aspirava à unificação da
Itália e que se estendeu entre as últimas décadas do século XVIII e o final do século XIX. A cada
derrota dos motins do Risorgimento seguidores de Mazzini escapavam para o exterior.
Rio de Janeiro, Brasil, 1836. Condenado à morte no Reino do Piemonte-Sardenha por ter
participado de uma insurreição do Risorgimento, o jovem capitão da Marinha Giuseppe Garibaldi
(1807-1882) chega ao Rio, onde foi recebido por seguidores.
Contexto
O grupo de exilados mazzinianos na capital do Império era formado por cerca de trinta
pessoas. Embora reduzido, era influente e defendia a bandeira da República. No Brasil, os
mazzinianos participaram dos movimentos independentistas no Sul e provocaram uma mudança na

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postura do governo imperial com relação a eles, que deixou de ser benevolente e os convidou a
deixar o país. (TRENTO, 1989, pp. 16-17).
O casamento da princesa napolitana Teresa Cristina de Bourbon, irmã do rei das duas
Sicílias Ferdinando II, com o imperador Dom Pedro II, em 1843, beneficiou a difusão da cultura
itálica no Império. Os artistas da Península que se estabeleceram no Rio contribuíram para reafirmar
o sentimento da italianidade, conforme escreve a pesquisadora Alessandra Vannucci (VANNUCCI,
2001, p. 2):

No contexto de autoafirmação que anima o Risorgimento italiano, as tournées dos atores


para o exterior [...] vêm a ser consideradas missões patrióticas, pois a fortuna conquistada no
exterior, repercutindo na pátria como sinal de um correto reconhecimento do ‘gênio itálico’,
é explorada pela mídia no mote da exaltação da Itália como Nação de grande, estimada e
unitária cultura. [...]. Na década de 1880, cerca de 40% das companhias italianas de teatro e
10% das dialetais encontram-se mensalmente entre Argentina, Brasil e Uruguai [...].

A cantora milanesa Augusta Candiani (1820-1890), as atrizes Adelaide Ristori (1822-1906)


e Eleonora Duse (1858-1924) são algumas das estrelas italianas que se apresentaram nos palcos
cariocas. Marietta Baderna (1828-1870), primeira bailarina do Teatro Scala de Milão, fixou-se no
Rio com o pai, o médico Antonio Baderna, seguidor de Mazzini. Defendia publicamente a
unificação da Itália.
Entre os membros da comunidade mazziniana está o jornalista Gian Battista Cuneo, um dos
fundadores da “Congrega per Giovine Italia”, a Congregação para a Jovem Itália, e do jornal La
Giovine Italia, publicado em língua italiana em 1836 (SCHEIDT, 2007, p. 229). Havia ainda os
jornalistas Luigi Rossetti e Alessandro Galleano Ravara (editor do jornal L'Iride Italiana, fundado
em 1854); o médico e tradutor Luís Vicente De Simoni; Livio Zambeccari, que tomou parte na
Revolução Farroupinha, e o engenheiro Pietro Bosisio. As atividades da “Congrega per la Giovane
Italia” se estenderam até 1838, quando os exilados mais importantes se transfeririam para a
Argentina e o Uruguai.
Os jornais – É nesse contexto que deve ser assinalada a publicação de dois jornais italianos
no Rio: o bilíngue L’Iride Italiana, fundado em 1854 pelo jornalista e poeta Galleano Ravara, e o
Monitore Italiano. O primeiro representou a afirmação da identidade e da língua italiana. Já o
segundo, só em italiano, foi fundado em 1859, e tinha um caráter mais político que L’Iride. Apoiou
as tropas de Garibaldi e promoveu um abaixo-assinado para a coleta de fundos com vistas à compra

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de 1 milhão de fuzis a serem enviados aos soldados do “herói dos dois mundos” – uma iniciativa
significativa.
Língua e nação – Publicar em língua italiana no exílio, naquelas circunstâncias e naquele
período, constituía um ato político, que repercutia na Península. Os exilados continuavam a fazer
política por intermédio do uso da língua enquanto elemento de afirmação do povo. Embora não com
o mesmo peso que tinham as comunidades de exilados políticos italianos nos países europeus
(França, Inglaterra, Suíça), as mensagens do Rio ecoavam dos dois lados do Oceano. Cabe ressaltar
que a Itália ainda não era uma realidade. Portanto, os imigrantes eram antes de tudo vênetos,
napolitanos ou calabreses – de acordo com a região de origem. A emigração levou-os a se sentirem
italianos antes mesmo de seus compatriotas do outro lado do Atlântico.
Obras de divulgação da língua italiana – O Metodo pratico per imparare la lingua
italiana, do jornalista Galleano Ravara, foi uma das principais obras de divulgação do idioma então
editadas no Brasil. Ravara também publicou o Dizionario italiano e um livro de poesia e literatura
comparada: Vibrazioni di una cetra che domani si spezzerà. (HOHFELDT, 2001, p. 198). Esta obra
foi traduzida pelo médico Luis Vicente De Simoni. Citamos ainda o primeiro dicionário completo
italiano-português, de Antonio Bordo (1854).

Conclusão
Para concluir, o fervor em torno da cultura italiana no Rio de Janeiro também contribuiu –
aparentemente de forma paradoxal – para alimentar um sentimento de brasilidade entre as elites que
dirigiam o Império do Brasil e os intelectuais que refletiam sobre o que significava ser brasileiro. O
que se passou foi mais um dos benefícios trazidos pelos fluxos migratórios: suscitar um
espelhamento do outro em si. Vivia-se um momento de busca e negociação de uma identidade. O
sentimento nacional, “o ser brasileiro” estava em construção – tal como na Itália.
Por fim, ressaltamos que os mazzinianos constituíram a primeira emigração política de
italianos para o Brasil. Tinham consciência de que, mesmo distantes, podiam influenciar o processo
de unificação da Península. Difundiam a língua de Dante porque sabiam que isto era um ato
político, uma vez que o idioma era inerente à unificação. Suas vozes reverberaram no Velho
Continente.

Referências
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no Rio de Janeiro. Movimentos, Trânsitos e Memórias: Temas e abordagens. Anais do I Colóquio
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V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações. Caderno de Resumos.
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A identidade lusófona nos jornais de Língua Portuguesa de Macau:


primeiros resultados
Lusophone identity in Macao Portuguese language newspapers: first results

Palavras-chave: Imprensa de língua estrangeira. Identidade Cultural. Lusofonia. Língua Portuguesa.


Macau.
Keywords: Foreign language press. Cultural Identity. Lusophony. Portuguese language. Macao.

Camila Escudero
Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo. E-mail:
camila.escudero@metodista.br

A imprensa de língua estrangeira é conhecida por estabelecer um canal próprio de


comunicação entre os falantes de um mesmo idioma num território externo ao de origem, bem
como garantir a manutenção da identidade cultural do grupo por meio da língua. Certamente, ela
tem uma função fortemente socializadora, levando ao conhecimento de todos os valores
estabelecidos por determinado grupo e permitindo o contato de seus leitores com um conjunto de
normas, comportamento, ideias e valores organicamente sistematizados (CAPARELLI, 1979, p.95-
96).
Não existe um modelo único de imprensa de língua estrangeira. Ao longo do tempo, ela se
diversificou e evoluiu refletindo às mudanças na sociedade à qual está inserida, apresentando
grande diversidade de estilos, formatos, estrutura e conteúdo. E, se no início, resumia-se a jornais,
boletins ou revistas impressas, com o surgimento dos aparatos audiovisuais, ganharam os canais de
TV e emissoras de rádio. Hoje, praticamente todas estão presentes na Internet, onde custos de
publicações e alcance de leitores destacam-se como facilidades das chamadas TIC’s (Tecnologia de
Informação e Comunicação).
Entre tamanha variedade, sabe-se que um veículo de comunicação de língua estrangeira
fornece elementos ao seu leitor que propiciam um contato direto com suas raízes e origens por meio
de seu conteúdo – seja pelo idioma em que é escrito, seja pela etnia ou nacionalidade às quais estão
intimamente ligados. Dessa maneira, em suas páginas, são comuns assuntos e informações ligados à
preservação e manutenção da identidade cultural (hábitos, costumes, tradições, língua etc.) do
falante do idioma.

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Diante de todas essas informações e ciente do papel da imprensa como contribuinte da


compreensão da sociedade nos surgiu o seguinte problema de pesquisa: os jornais escritos em
língua portuguesa que circulam em Macau podem favorecer a identidade lusófona? De que maneira
isso aparece nas páginas desses veículos?
Assim, o objetivo geral da presente pesquisa – ainda em fase de realização, é analisar dois
jornais de língua portuguesa de Macau, O Clarim e Plataforma de Macau, no sentido de verificar
em seu conteúdo assuntos que favorecem a identidade lusófona. Partimos da hipótese de que ambos
os títulos fornecem elementos que propiciam um contato direto com as raízes e origens por meio de
seu conteúdo favorecido pelo uso do português, garantindo a manutenção das identidades híbridas
dos envolvidos; além disso, ao registrar fatos locais periodicamente constitui-se em uma fonte
histórica para a compreensão do modo de vida da sociedade em questão.
Para atingir os objetivos da pesquisa e proporcionar a descrição objetiva e sistemática do
conteúdo dos jornais de língua portuguesa que circulam em Macau, estamos fazendo uma análise de
conteúdo, seguindo as orientações de KRIPPENDORFF (1990) e Bardin (1977). Diante da amostra
construída estabelecida previamente, foram analisados quatro edições de O Clarim e quatro de
Plataforma de Macau, publicadas nos últimos quatro anos, formando um corpus de 102 textos, que
está sendo submetido ao processo de categorização, conforme o protocolo abaixo:

Título: (do jornal)


Edição: (N°) – Ano: – Data:
Texto Pág. Gênero Fonte Lugar Tema Elemento Identitário Lusófono (EIL)
Geral Específico Identificação Descrição

A categoria “Texto” descreve o título do texto analisado; a categoria “Pág”. é apenas uma
indicação de onde está localizado na edição o texto analisado; a categoria “Gênero” indica o gênero
jornalístico do texto (reportagem, notícia, coluna, editorial, entrevista etc.); a categoria “Fonte” é o
autor do texto (repórter, correspondente, agências de notícias etc.); a categoria “Lugar” aponta
sobre qual lugar fala a notícia (Macau, China, Portugal, países de CPLP etc.); a categoria “Tema”
foi dividida em duas subcategorias: “Geral” refere-se ao assunto geral do texto (na verdade, espécie
de editoria jornalística – cultura, esportes, política, economia etc.), já “Específico” descreve
detalhadamente sobre do que realmente se trata o texto; por fim, a categoria “Elemento Identitário
Lusófono” foi dividia em duas subcategorias: “Identificação”, ou seja, quais elementos identitários
estão presentes no texto analisado (os encontrados, que comentaremos mais adiante foram:
“Catolicismo”, “Língua Portuguesa e CPLP”, “Personagens históricos”, “Navegações e

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Descobrimento”, “Saudades e Despedida” e “Macau”), e “Descrição”, que reúne trechos transcritos


do texto que explicam ou justificam a identificação do elemento identitário. Obviamente, a
categoria “EIL” considera elementos para além do idioma português.
Por fim, sobre a fundamentação teórica, optamos por duas correntes de pensamento que vêm
sendo incorporadas ao campo geopolítico a partir do debate sobre integração, assimilação e até
mesmo globalização, constituindo uma nova perspectiva que considera a multiplicidade de
identidades, redes e organizações fluídas e constituídas dentro de uma relação espaço e tempo: o
Transnacionalismo e os Estudos Culturais.
Segundo Schiller, Basch e Blanc-Szanton (1992), entende-se que, agora, um novo tipo de
população está emergindo, composta de redes, atividades e parceiros que envolvem suas vidas do
local de origem e do local de acolhida (real ou simbólico) num único campo social. Isso nada mais
seria que o transnacionalismo, processo pelo qual é construído um campo social que une nações
geograficamente distantes. Para as autoras, nesse campo, os sujeitos desenvolvem e mantêm
múltiplas relações – familiares, econômicas, sociais, organizacionais, religiosas e políticas – para
além das fronteiras. Ou ainda: tomam ações, decisões, se preocupam, e desenvolvem identidades
com as quais formam uma rede de conexão que envolve dois ou mais países.
De acordo com Vertovec (2009), desde o início dos anos 1990, a perspectiva transnacional
tem sido usada como uma ferramenta de análise para tornar visível o aumento e a intensidade de
fluxos de pessoas, bens, informações e símbolos desencadeados por processos migratórios ou de
colonização.
Transnacionalismo descreve uma condição em que, apesar das grandes
distâncias e não obstante a presença de fronteiras internacionais (e todas as
disposições legislativas, regulamentares e narrativas nacionais que essas
representam), certos tipos de relacionamentos foram globalmente
intensificados e agora têm lugar paradoxalmente em um planeta espandido –
no entanto virtual – na arena da atividade (VERTOVEC, 2009, p.03 –
Tradução nossa).

Sobre a outra corrente, a dos Estudos Culturais, sua aplicação nos estudos geopolíticos
reside em uma transformação radical do conceito de cultura – até então entendida pelos marxistas
como algo pertencente ao campo das ideias. Nessa linha de pensamento, a cultura passa a ser vista
como não dependente das relações econômicas, mas fruto das relações políticas e econômicas e
recriada a todo momento (reflexo das relações de produção e da estrutura econômica). Trata-se de
uma contribuição teórica e metodológica que engloba significados e práticas concretas e efetivas
por intermédio das quais os valores se manifestam.

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Talvez por sua característica interdisciplinar ou por abrir os espaços acadêmicos para as
práticas cotidianas – os Estudos Culturais permitiram a articulação da pesquisa acadêmica com
várias formas de experiência contemporâneas que, de outra maneira, continuariam fora dos circuitos
legítimos de produção intelectual (MARTINO, 2009) – as práticas culturais ancoradas em um
idioma, por exemplo, ganharam espaço para serem pensadas não apenas como “cultura” em um
sentido clássico, mas como elemento de constituição da própria identidade desses grupos. Entre os
autores dessa corrente, o grande destaque, sem dúvida, é o sociólogo jamaicano Stuart Hall (2005),
além de Néstor Garcia Canclini (2005).
Como a pesquisa está em fase de elaboração, não temos ainda resultados conclusivos. Para o
momento, podemos afirmar que a análise do conteúdo que vem sendo feita tem nos mostrado que as
páginas de ambos os jornais compõem um espaço social identitário com indícios de uma pretensão
hegemônica em torno de uma cultura linear e acumulativa que utiliza a Língua Portuguesa como
recurso simbólico.

Referências
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BASCH, Linda; BLANC-SZANTON, Cristina; SCHILLER, Nina Glick. “Transnationalism – A


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CANCLINI, N. G. Diferentes, Desiguais e Desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

CAPARELLI, Sérgio. Identificação social e controle ideológico na imprensa dos imigrantes


alemães. Comunicação & Sociedade. São Bernardo do Campo: Cortez & Moraes / Metodista, ano
I, n.1, 1979. p.89-108.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

KRIPPENDORFF, Klaus. Metodologia de Analisis de Contenido. Barcelona: Ediciones Paidós,


1990.

MARTINO, Luís Mauro Sá. “A dissolução dos Estudos Culturais: consenso genealógico e
indefinição epistemológica”. XIX Encontro da Compós. Anais... Rio de Janeiro: PUC-RJ, 2009.
Disponível em: http://compos.com.puc-rio.br/media/gt7_luis_mauro_sa_martino.pdf. Acesso em: 7
Jan. 2016.

VERTOVEC, Steven. Transnationalism. New York, London: Routledge, 2009.

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O uso do transnacionalismo na análise dos fluxos migratórios na


região metropolitan de Londrina/PR
The use of transnacionalism in the analysis of migratory flows in the metropolitan region of
Londrina/PR

Palavras-chaves: Imigração. Sul-Sul. Transnacionalismo. Paraná. Redes Pessoais.


Keywords: Immigration. South-South. Transnationalism. Paraná. Personal Networks.

Líria Maria Bettiol Lanza


Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Docente
do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política
Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
liriabettiol.j@gmail.com

Daniele Soares Sana


Assistente Social e residente em Saúde da Família da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Foi Bolsista de Iniciação Extensionista no Projeto de Extensão “Migrar com Direitos” (UEL),
vinculado ao Programa Universidade Sem Fronteiras da Secretaria de Estado da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior do Paraná.
danielessana@gmail.com

As migrações podem ser consideradas como parte constituinte da formação dos Estados
modernos, sobretudo com o advento e internalização do capitalismo, em que a mobilidade da força
de trabalho se faz funcional aos interesses de expansão e consolidação do capital global. Diversos
estudos no decorrer das investigações científicas já problematizaram as principais vertentes teórico-
analíticas para compreensão da migração (Rua, 1997). De modo que, ancorados em uma
perspectiva materialista das relações sociais, compreende-se que, o capitalismo é o fator
determinante e condicionador das imigrações. Dessa forma, no tempo presente, derivado do
processo de mundialização, aspectos como a divisão internacional do trabalho, a configuração dos
Estados-Nação, bem como, as crises capitalistas, induzem, reprimem e redefinem os fluxos
migratórios internacionais.
Ao examinar as imigrações em âmbito mundial, em suas diversas modalidades no século
XXI, em que vivenciamos mais uma crise no capital (Harvey, 2011), emerge no interior das
discussões a problematização das migrações enquanto transnacionais. A partir do estudo de
Baeninger (2017) é possível identificar que aspectos relacionados aos múltiplos vínculos dos
imigrantes com diferentes países, contraria o enfoque do nacionalismo metodológico, assim como,

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da teoria de assimilação, muito expressivos nas produções sobre imigrações, posto que, dada a
heterogeneidade dos mesmos, em relação ao tempo-espaço, indica a necessidade de repensá-los.
De acordo com Portes (2004) é possível encontrar traços do transnacionalismo na história
das imigrações. Todavia, seu contorno atual, tendo em vista o desenvolvimento técnico-
informacional da humanidade (transportes e telecomunicações), permite que ele possa ser melhor
identificado na realidade dos imigrantes e por isso, seja um aspecto que desperte interesse nos
estudos migratórios atuais. Ainda, de acordo com o autor, o transnacionalismo, tem ao menos, três
dimensões: econômica, política e cultural.
Tomando como referência tais apontamentos, o presente trabalho se propõe a
problematizar a presença do transnacionalismo nos fluxos imigratórios na Região Metropolitana de
Londrina/PR. É sabido que o Brasil tem em sua história a presença de imigrantes, com
características e intencionalidades vinculadas às necessidades do Estado, conforme estudo de
Pacheco e Patarra (1997). Todavia, é a partir das mudanças macro societárias na passagem do
século XX para o século XXI, que reordenam a mobilidade humana, no sentido Sul-Sul (Villen,
2015), que o país passa a receber um novo perfil de imigrantes. Ainda, se presencia a existência da
interiorização desses fluxos em direção a cidades médias do país.
Estudos anteriores (Bettiol Lanza, Santos & Rodrigues, 2016) evidenciaram que, questões
como a posição do Estado do Paraná em termos de oferta de empregos formais, sobretudo pela
presença de frigoríficos de abate de carne de frango na região, torna-o pólo atrativo de
trabalhadores, com presença de imigrantes, predominantemente haitianos, além de outras
nacionalidades do sentido Sul-Sul (Paraná, 2014). Nesse sentido, a pesquisa buscou referendar o
uso do transnacionalismo, como conceito e eixo de análise, para a compreensão desses fluxos.
Das cinco cidades51 onde se evidenciou a maior presença de imigrantes na região estudada,
Londrina foi o local de maior levantamento de dados até o momento, sendo a sede da Região
Metropolitana e o maior município em termos populacionais e de desenvolvimento econômico e
social. Dos formulários aplicados, evidenciou-se a presença majoritária de homens (73,8%) em
relação as mulheres (26,2%). Os estudos acerca da imigração feminina já apontaram que, embora as
mulheres migrem após o estabelecimento dos homens nos países de acolhimento, a média atual é de
que 48% dos migrantes são mulheres (Souza, 2015). São jovens, entre 19 e 29 anos (52,4%) e
adultos, de 30 a 60 anos (47,6%). Em que pese as diferenças sobre a inserção dos jovens no

51
Arapongas, Cambé, Jaguapitã, Londrina e Rolândia.

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mercado de trabalho, podemos inferir que todos estão em idade produtiva, disponíveis a atividade
laboral.
Em relação à cidade de nascimento, encontramos 13 origens diferentes, dos países Haiti,
Bangladesh, Senegal, Angola, Colômbia, Nigéria e Guiné, com maior incidência de imigrantes
haitianos, senegaleses e bengaleses. Destes, somente 01 imigrantes teve como localidade anterior ao
Brasil, a Europa, os demais, migraram de países latino-americanos. Quanto ao tempo de
permanência no Brasil, 34,1% residem de 01 a 02 anos e 22,7%, de 02 a 03 anos. Com menos de 01
ano, 18,2% e com mais de três anos 25%.
Ao abordamos o desejo de permanecer no país, 69,7%, afirmaram que sim, 25,6%,
responderam não e 4,7% alegaram não saber. O desejo de voltar ao país de deslocamento e a
migração para países da América do Norte e Europa, figuraram como justificativas para as
negativas. O trabalho foi o principal desencadeador da migração (33,8%), em seguida da busca por
melhores condições de vida (21%); prosseguimento dos estudos (19,4%) e (14,5%) por questões
econômicas e políticas.
Os imigrantes sujeitos da pesquisa migraram sozinhos (65,9%) ou acompanhados pela
família (25%) ou amigos (9,1%). Ainda, muitos (65,9%), afirmaram terem recebido auxílio no
processo de instalação no Brasil, sendo de amigos (43,7%), familiares (18,8%) e de entidades
religiosas (31,3%). As áreas de auxílio foram alojamento, (32,5%), idioma (22,5%); trabalho (20%),
documentação (10%) e alimentos com (12,5%). Em suas residências se comunicam no idioma
nativo (65,8%) e em português (30,2%). Ainda, participam de atividades (encontros, festas, etc.)
com outros imigrantes (53,2%)e acreditam ser importante manter contato com o país de
deslocamento (97,5%) e o fazem, em sua totalidade por meio da rede mundial de computadores. Os
contatos, realizados têm como objetivos recorrentes, receber informações sobre o país (95, 2%),
sendo os maiores informantes, a família(35,3%) e a internet (36,8%); além de enviar remessas de
dinheiro (16,5%).
Diante do exposto, em análise preliminar, podemos confirmar a heterogeneidade dos atuais
fluxos imigratórios, bem como o sentido Sul-Sul e a presença do transnacionalismo. No entanto,
prevalece a dimensão cultural, tendo o uso do idioma nativo e contato com outros imigrantes –
familiares e amigos – bem como a ligação com outro país mediante o acesso a informações sobre o
mesmo, como forma de maior regularidade, referendando as teses sobre integração parcial dos
imigrantes ao Brasil (Baeninger, 2017, Portes, 2004).
Mediante o estágio da pesquisa em curso, podemos afirmar que os atuais fluxos imigratórios
na região estudada, corroboram com as tendências analíticas mais gerais das imigrações

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internacionais. Todavia, até o presente momento, é possível inferir que há maior expressão do
transnacionalismo na dimensão cultural, embora seja possível identificar alguns dados sobre sua
dimensão econômica, o que sugere aprofundamento nesse âmbito.
Ressaltamos também, que diante da configuração do mesmo, ficou evidente a imigração
como um processo social e não individual, posto que os países de deslocamento, figuram entre
nações empobrecidas e de contextos sócio-políticos complexos, o que nos leva a problematizar que,
ao emigrar, os homens e mulheres, continuam vinculados às suas famílias, caracterizando-a, ainda,
como elo forte nas vidas dos sujeitos. Da mesma forma, as relações de amizade, influenciam,
sustentam e induzem os fluxos migratórios do tempo presente, referendando o papel que as redes
pessoais, em termos de intensidade, e as redes sociais de comunicação, em termos de recursos
utilizados, são determinantes para problematizar tais fluxos. Dessa forma, abrem-se novos objetos
de estudos e possibilidades interpretativas para entender e problematizar múltiplas perspectivas de
análise.

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V Simpósio de Pesquisa sobre Migrações. Caderno de Resumos.
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Tradução e adaptação da Refugee Integration Scale (RIS)


Translation and adaptation of the Refugee Integration Scale (RIS)

Palavras-chave: Refugiado. Imigrante. Integração. Avaliação. Escala. Aculturação.


Keywords: Refugee. Immigrant. Integration. Assessment. Scale. Acculturation.

Rodrigo Trapp
Doutorando em Psicologia do Desenvolvimento Humano e Avaliação Psicológica da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
rodrigotrapp2@gmail.com

Fernanda Almeida
Aluna da graduação no curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
fealmeida15@gmail.com

Clarissa Trentini
Prof. da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
clarissatrentini@terra.com.br

Jorge Sarriera
Prof. da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
jorgesarriera@gmail.com

No Brasil, a vinda de refugiados iniciou-se no período pós Segunda Guerra, como parte do
esforço mundial de acolhimento dos milhões de deslocados e apátridas existentes na Europa. O
Brasil fez sua própria adequação da Convenção de 1951, reconhecendo a violação aos direitos
humanos que justifica o refúgio (Jubilut, 2007). Desse modo, o refúgio no país é regrado pela
Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e também pela Lei brasileira nº
9.474/97. O Brasil possui seu próprio programa de políticas públicas voltadas à manutenção dos
direitos básicos dos refugiados e solicitantes de refúgio.
As políticas públicas podem ser compreendidas como um “programa ou quadro de ação
governamental” (Bucci, 2006) a partir de um processo composto por vários grupos da sociedade
que deliberam questões coletivas que, quando realizadas, tornam-se uma política comum
“impulsionando a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública”
(Bucci, 2006). As políticas públicas voltadas à assistência e integração dos refugiados são
imprescindíveis para assegurar-lhes os direitos econômicos, sociais e culturais, à saúde e à
educação, prerrogativas fundamentais para seu acolhimento.

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Bógus e Rodrigues (2011) destacam três principais eixos de políticas de assistência ao


refugiado: saúde, alimentação e moradia. Os refugiados possuem direito ao trabalho, livre trânsito
pelo território, acesso a escolas públicas, atendimentos em hospitais e postos de saúde, não podendo
ser discriminados em decorrência de sua origem e podendo praticar livremente a sua religião,
especialmente em razão do Brasil ser um estado laico.
Apesar da vanguarda do Brasil referente ao acolhimento de refugiados, o problema está na
garantia dos serviços sociais básicos oferecidos pelo governo brasileiro em razão dos mesmos não
possuírem nenhuma especificidade para a população de refugiados. Os obstáculos ao acesso aos
serviços sociais básicos, que já se mostram grandes para os próprios cidadãos brasileiros, que
dominam o idioma e conhecem melhor como os sistemas e a burocracia brasileira funcionam, são,
portanto, ainda mais difíceis para os refugiados que, por vezes, não possuem todos os documentos
exigidos pela burocracia, não dominam o português e ainda possuem traumas e necessidades
específicas de seu processo de migração forçada que não são observados em um cidadão brasileiro
comum. Mais que um simples apoio financeiro, necessitam de políticas que facilitem sua adaptação
à realidade brasileira. Para isso, mostra-se necessário um minucioso estudo do processo de
integração, que engloba diversas questões pertinentes à vida dos refugiados, como emprego,
educação, saúde, acesso e a políticas públicas, preconceito, moradia, cidadania e participação
política.
Fielden (2008) faz referência à integração local como um papel de solução duradoura, que
surge a partir da combinação de três diferentes fatores. É (1) um Processo Legal, no qual são
garantidos aos refugiados uma gama de direitos no país de acolhimento, (2) um Processo
Econômico, de estabelecer uma subsistência sustentável e um padrão de vida comparável ao da
comunidade local, e (3) um Processo Social e Cultural, que permite aos refugiados sua contribuição
à vida social do país de acolhimento e uma vida sem medo de discriminação.
O autor sugere ainda que é possível que um refugiado adquira os três elementos da
integração local sem ter sido propriamente naturalizado no país de acolhimento. Baseado nessa
afirmação diz que, durante o processo de integração, os refugiados irão permanecer indefinidamente
em seu país de asilo, encontrando soluções para as situações adversas que lhes ocorrerem. Para tal,
preferencialmente, mas não necessariamente, a aquisição de cidadania será envolvida.
Da mesma forma, Moreira (2014) entende que a integração é um termo abrangente que
abarca um conjunto de processos em diversas esferas diferentes, que não operam necessariamente
em conjunto. Um refugiado poderia ter acesso à saúde, mas ser excluído do mercado de trabalho,
por exemplo. Ou então ter acesso à saúde, educação e emprego, mas não possuir nenhum direito de

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participação política.
O conceito de integração também está estabelecido na lei internacional de refugiados da
convenção da ONU de 1951, reconhecendo o papel da integração local, porém, foca-se na
impotência de se garantir cidadania e encontrar soluções duradouras para a situação dos refugiados
(Fielden, 2008). Na convenção internacional de refugiados de 1951, ficou definido que a integração
refere-se à integração à sociedade local e à concessão de asilo completo e permanente, garantindo o
status de residente pelo governo local. Trata-se de um processo legal, econômico, social e cultural,
que culmina na oferta de cidadania (Kibreab, 1989; Jacobsen 2011).
Os programas e as políticas públicas voltadas para a integração dos refugiados dependem de
diversas instituições, sejam elas estatais, ONGs, instituições religiosas e/ou privadas. Aponta-se,
contudo, o desconhecimento por parte dessas instituições sobre as reais necessidades e dificuldades
de acesso a serviços e direitos por parte dos refugiados. Por essa razão, entende-se que é
fundamental ouvir diretamente da própria população alvo as demandas e percepções sobre os
processos de integração vivenciados (Castles et al., 2002). A integração de refugiados na
comunidade local é permeada por diversas experiências que podem funcionar de forma a dificultar
o processo, os chamados fatores de risco, ou de forma a facilitá-lo, os fatores de proteção. A
identificação dessas situações é essencial para uma melhor compreensão do fenômeno. Para tal, a
utilização de um instrumento que contemple as mais diversas e amplas esferas do conceito de
integração faz-se necessário.
Ferramentas construídas a partir de estudos empíricos, com um robusto embasamento
teórico que auxiliem na avaliação da integração de refugiados mostram-se cada vez mais
necessárias (Beversluis, 2016). Isso se mostra especialmente importante no Brasil, ao passo em que
a população de refugiados e solicitantes de refúgio mostra um aumento considerável a cada ano. As
instituições do governo responsáveis pela criação e implantação de políticas públicas específicas
para essa população podem fazer bom uso de informações coletadas a partir de ferramentas com
esse propósito. Com o intuito de suprir a carência de instrumentos de avaliação de integração em
populações de refugiados, a Refugee Integration Scale (RIS) foi desenvolvida com a finalidade de
poder ser utilizada de forma rápida e barata, coletando informações importantes de um grande
número de participantes em um período de tempo reduzido. A RIS avalia a integração local
contemplando os 10 fatores do modelo teórico de Ager e Strang (2008): Idioma e Conhecimento
Cultural (Language and Cultural Knowledge), Segurança e Estabilidade (Safety and Stability),
Laços Sociais (Social Bonds, Social Bridges and Social Links), Emprego, Moradia, Educação e
Saúde (Employment, Housing, Education and Health) e Direitos e Cidadania (Rights and

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Citizenship). A utilização da escala não substitui outras formas de investigação acerca do processo
de integração de refugiados na comunidade local, mas pode ser uma ferramenta importante para
auxiliar no conhecimento de suas necessidades.
No Brasil, não foram encontrados instrumentos que avaliem a integração da população de
refugiados à comunidade. Por esse motivo, o presente trabalho tem como objetivo fazer a tradução e
a adaptação da Refugee Integration Scale (RIS) para o contexto brasileiro. É necessário que o
instrumento esteja disponível em português do Brasil e também nos idiomas principais da
população com a qual serão utilizados. Dessa forma, o instrumento será adaptado também para o
português de Portugal, o Espanhol e o Francês. Para a realização da adaptação do instrumento serão
adotados os seguintes passos: (1) Pelo menos dois tradutores com proficiência nas línguas inglesa e
espanhola, dois tradutores com proficiência nas línguas inglesa e portuguesa (de Portugal) e dois
tradutores com proficiência nas línguas inglesa e francesa realizarão a tradução dos 25 itens da
escala. (2) Será realizada a síntese dos itens traduzidos em itens que melhor se adaptem a cada um
dos idiomas. (3) Será feita, então, a análise da síntese dos itens por um expert da área em cada um
dos idiomas. (4) Após a aprovação dos experts, ocorrerá uma análise dos itens com representantes
de cada uma das populações alvo. (5) Com os itens prontos, outros dois tradutores (por idioma)
farão a tradução do português, espanhol e francês para o inglês, para que se possa enviar a escala
com o objetivo de que o autor aprove os itens (back-translation). (6) Então, a escala será aplicada
na população de refugiados e solicitantes de refúgio para a realização das análises. O estudo será
desenvolvido com refugiados, solicitantes de refúgio e imigrantes acolhidos por razões
humanitárias residentes na cidade de Porto Alegre, maiores de 18 anos, de ambos os sexos,
oriundos de países de língua espanhola, portuguesa ou francesa como língua materna. Os
participantes consentirão à participação da pesquisa através de um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.

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Tuberculose em imigrantes no estado de São Paulo


Tuberculosis among immigrants in São Paulo state

Palavras-chave: Tuberculose; Imigrantes; Saúde do Imigrante; São Paulo; Brasil


Keywords: Tuberculosis, Immigrants; Health of Immigrant; São Paulo; Brasil

Denise Gonçalves
Pós-graduanda no Programa de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.
Departamento de Saúde na Comunidade/FMRP/USP.
goncalves.denise@usp.br

Antônio Ruffino Netto


Professor Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto, SP.
Departamento de Saúde na Comunidade/FMRP/USP.
aruffino@fmrp.usp.br

Introdução
A Tuberculose (TB) é uma doença causada pelo Mycobacterium Tuberculosis, bactéria que
acomete principalmente os pulmões, mas que pode atingir também outros órgãos (TB
extrapulmonar). A transmissão do M. tuberculosis, também conhecido como Bacilo de Koch (BK),
ocorre principalmente por via aérea, quando pessoas infectadas pela forma pulmonar expelem
quantidades significativas do bacilo através da tosse ou espirro (WHO, 2011). Entretanto, das
pessoas que se infectam, de maneira geral, apenas 5 a 10% ficarão doentes. Essa proporção é
influenciada por um conjunto de fatores que alteram a patogenicidade da TB como idade, estado
nutricional, alcoolismo, uso de medicamentos imunossupressores e/ou decorrência de patologias
concomitantes como HIV/AIDS, dentre outras condições, internas e externas, que possam
influenciar na resistência imunológica do indivíduo (Ruffino-Netto, 2002).
A TB é curável, seu tratamento é oferecido através de um esquema terapêutico eficiente e
gratuito pelo do Sistema Único de Saúde – SUS, ancorado na estratégia do Tratamento Diretamente
Observado (TDO) preconizado pela OMS. Também pode ser prevenida nas suas formas mais
graves, através da vacinação nos primeiros dias de vida com a vacina BCG (Bacilo Biliado de
Calmette e Guérin).
Ainda sim, a Tuberculose se apresenta hoje como um grave problema de saúde pública
mundial, com uma taxa de mortalidade maior do que a AIDS e a Sífilis juntas.

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É a doença infecciosa responsável pelo maior número de mortes no mundo, foram reportados
10,4 milhões de casos em 2015, sendo que 87% desses ocorreram em 30 países e, nesse mesmo ano,
foram estimadas 1,4 milhão de óbitos (WHO, 2016a). Dados do Brasil para o ano de 2015 apontam
o diagnóstico de 81.450 mil casos novos e cerca de 4,5 mil óbitos por TB (SINAN, 2017). Dessa
forma, segundo a nova classificação da OMS 2016-2020, o Brasil ocupa a 20a posição na lista dos
30 países com alta carga de TB e a 19a posição na lista dos 30 países com alta carga de TB/HIV
(WHO, 2016b).
Considerando a TB como uma doença extremamente associada aos determinantes sociais, é
epidemiologicamente relevante analisar o movimento de grupos vulneráveis, tais como os
migrantes.
As migrações atuais são fruto de questões como conflitos armados, fome, miséria e
desemprego. Durante o processo de deslocamento, os migrantes passam por situações de estresse
frequente como a escassez de alimentos, barreiras linguísticas, condições habitacionais e laborais
precárias, passando boa parte do tempo em aglomerados com pouca ou nenhuma infraestrutura
sanitária, além dos riscos inerentes às situações de ilegalidade como o tráfico de pessoas e a
exploração de mão de obra.
A falta de políticas públicas de saúde e a dificuldade em se consolidar uma política migratória
fundamentada no imigrante como um indivíduo e não como um inimigo dificulta muito o acesso
dessa população ao sistema de saúde.
A irregularidade promove o medo e o isolamento, causando a busca tardia por assistência em
saúde, fator que pode ser determinante no momento em que se realiza um diagnóstico e inicia um
tratamento (WHO, 2003). Um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) compete à
Universalidade, ou seja, qualquer pessoa, nativa ou não, documentada ou não, regular no país ou
não deve ser assistida em todos os seus níveis (Puccini, 2013).
Apesar da perspectiva negativa da população brasileira em relação ao SUS, um estudo feito
com a população boliviana residente na cidade de São Paulo, comprova que, ao contrário do que
acontece na Bolívia, o acesso ao SUS não é visto como problemático (Martes, et al, 2013).
Em novembro de 2014 na cidade de São Paulo foi criado o CRAI – Coordenação de Políticas
para Imigrantes, dentro da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), cujo
objetivos visam a prestação de serviços aos imigrantes, oferecendo informações sobre direitos
sociais, auxílio jurídico, serviço social e de saúde dentro da cidade (CRAI-SP).

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A gestão municipal no período 2013-2017 visou, através da SMDHC, implementar uma


política municipal de saúde para imigrantes e refugiados, afim de garantir o direito ao acesso ao
SUS.
Corria nos serviços de saúde muita desinformação a respeito do atendimento a imigrantes e
refugiados, não havendo articulação entre os setores, mesmo na Atenção Básica, para o atendimento
e assistência para essas populações. Tal fato dá margem à dúvidas em relação à quantidade e
qualidade das notificações de TB em imigrantes realizadas até então.
Novas práticas foram essenciais para desmistificar a figura do imigrante e combater a
xenofobia e o racismo entre os profissionais de saúde. A educação foi essencial para a
conscientização, resultando em políticas de inclusão, respeito e acolhida. Novas formas de transpor
barreiras linguísticas, por exemplo, foram implementadas e uma “Rede de apoio à População
Migrante e Refugiada no Município de São Paulo” foi criada.
Especificamente no caso da TB, a busca ativa de casos em oficinas de costuras e outros
pontos com concentração de grupos de imigrantes avançou muito no período. A inclusão de
organizações e coletivos não governamentais no grupo de trabalho foi essencial para o melhor
aprendizado e ampla divulgação das novas políticas de saúde (Inovação e Direito à saúde na cidade
de São Paulo (2013-2016), 2017).
O Estado de São Paulo foi pioneiro na notificação de imigrantes em casos de TB, iniciando
em 2012 o preenchimento desse campo (SINAN, 2017). Entretanto, a nacionalidade ainda não é
item de preenchimento obrigatório, o que prejudica a qualidade das informações obtidas no banco
de dados e, limitando assim, o estudo com notificações.
Fato recente, a diáspora haitiana para o Brasil provocou um colapso nos abrigos de acolhida
localizados no Acre em 2014, principal via de entrada dessa população no Brasil. Dados da Polícia
Federal fornecidos ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg) registram a entrada de 14.492
haitianos no Brasil somente no ano de 2015. No período de 2012 a 2016, 73.077 haitianos se
registraram na Polícia Federal, sendo a maioria com base no visto humanitário (RN – CNIg 102 de
26 de abril de 2013) fornecido pelo Ministério das Relações Exteriores (Instituto de Migrações e
Direitos Humanos, 2016).
A precariedade dos estabelecimentos, com falta de estrutura básica para atender a quantidade
excessiva e constante de indivíduos, provocou o fechamento dos abrigos no estado, transferindo
grande parte do grupo para as regiões Sul e Sudeste do país, sendo São Paulo a cidade que mais
acolheu os imigrantes (Parise, 2016).

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Dentro desse contexto, os haitianos passavam por processos seletivos para garantir vagas de
emprego em empresas nas regiões Sul-Sudeste. Ao chegarem na região, muitos se depararam e,
ainda nos dias de hoje se deparam, com condições insalubres de moradia e trabalho. A concessão do
visto humanitário facilitou as contratações, entretanto, as condições de saúde foram deixadas em
segundo plano devido à grande necessidade de manter a subsistência e, na maioria dos casos,
garantir o sustento da família em outras regiões do mundo (Leão, 2017; Magalhães, 2016).
Entende-se que o adoecimento por TB pode por vezes ocorrer no país de acolhimento e não
no país de origem. Essa dinâmica atua de maneira a alterar a epidemiologia da doença, pois leva-se
em consideração os índices de incidência de TB no país de origem, as condições imunológicas dos
indivíduos e questões sociais e ambientais, dentro das quais o mesmo está inserido (Yuen, et al.,
2016). Observando a complexidade dos determinantes de saúde dos imigrantes, bem como a
heterogeneidade dos mesmos e a falta de dados nacionais e internacionais consistentes sobre essas
questões, a investigação nessa temática, atualmente, é muito escassa (Maggi, et al 2003; Mckay et
al., 2003).
Assim, a melhor compreensão da dinâmica de uma doença infecciosa de dimensões globais
como a TB nesse grupo de vulneráveis poderá ser de grande utilidade para o desenvolvimento de
políticas e programas de saúde mais adequados e eficazes, para permanência e o bem-estar dos
imigrantes no Brasil.
Dessa forma, através de dados obtidos no Sistema de Agravos de Notificação (SINAN),
busca-se nesse projeto de pesquisa compreender a epidemiologia da TB em imigrantes no estado de
São Paulo no período de 2012 a 2015, bem como comparar com o perfil de pessoas doentes
pertencentes à população autóctone e estimar o Risco Relativo com base nos coeficientes de
incidência dos respectivos períodos.
O projeto se encontra na fase de levantamento e análise das informações da cidade de São
Paulo. Os casos estão sendo analisados segundo as variáveis: sexo, idade, forma de TB, coinfecção
TB-HIV e tipo de entrada. Estão sendo elaborados gráficos e tabelas e análises iniciais estão em
andamento.
Considerações finais
Ainda que em desdobramento, o projeto vislumbra grandes resultados no decorrer do
levantamento de dados, sendo alguns ainda de difícil acesso, pois no Brasil não há uma fonte
elucidativa de dados sobre imigração e refúgio. Muitas informações estão sendo colhidas aos
poucos, mas com a certeza que farão toda diferença no final. Os resultados mostrarão informações e

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análises inéditas e de eminente importância para o entendimento da epidemiologia da TB em


imigrantes com intuito de, assim, melhorar a qualidade de vida dessa população.
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Acesso à saúde por refugiados e solicitantes de refúgio no Rio de


Janeiro
Access to health care for refugees and asylum-seekers in Rio de Janeiro

Palavras-chave: refugiados, solicitantes de refúgio, acesso à saúde, direito à saúde, biopolítica


Keywords: refugees, asylum-seekers, health services accessibility, right to health, biopolitics

Julianna Godinho Dale Coutinho


Psicóloga (UFRGS, 2011), especialista em gestão de políticas públicas de gênero e raça (UnB,
2016), estudante do programa de Mestrado Acadêmico em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina
Social/UERJ.
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
jucoutinho@gmail.com

A quantidade de refugiados no mundo vem aumentando significativamente devido a fatores


complexos, existindo atualmente cerca de 65,3 milhões de pessoas deslocadas de forma forçada no
mundo, sendo 21,3 milhões destes refugiados, 3,2 milhões solicitantes de refúgio e 40,8 milhões
deslocados internos (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados [ACNUR], 2016). No
Brasil, os refugiados estão concentrados na região Sul e nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro,
sendo que, nos últimos cinco anos, as solicitações de refúgio aumentaram em 2.886% no país
(Ministério da Justiça, 2016). Só no estado do Rio de Janeiro, existem em torno de 4,1 mil
refugiados e 2,4 mil solicitantes. Podemos caracterizar refugiados como pessoas que se encontram
fora de seu país de origem seja por este país estar em situação de graves violações de direitos
humanos ou por estarem sendo perseguidas por motivos “de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas” (BRASIL, 1997; ACNUR, 1967). A violação de direitos dos
refugiados, não raro, ocorre no local de origem, na sua saída deste local e no percurso que realizam
até chegarem a outras localidades em busca de proteção.
O protocolo de 1967, que atualiza a Convenção sobre o Estatuto do Refugiado de 1951,
marco internacional sobre a proteção de refugiados e direitos humanos, além de definir as
especificidades dos refugiados dentro do âmbito dos migrantes, também prevê deveres aos Estados
que acolhem refugiados e solicitantes, como a garantia de direitos humanos básicos, proteção contra
devolução destes ao país de origem, acesso ao procedimento de asilo de forma justa e eficiente.
Segundo Martes e Faleiros (2016, p.351), “a atual ampliação dos fluxos migratórios
internacionais coloca em debate a responsabilização dos Estados pela garantia de direitos sociais
básicos às populações imigrantes, dentre eles, o acesso à saúde”. A saúde das pessoas refugiadas,

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física e mental, com frequência é comprometida, seja pelas situações ocorridas no lugar de origem,
pelas condições frequentemente degradantes de seu trajeto, ou pelos efeitos de sua saída e chegada
em um país com diferentes questões políticas e culturais.
Segundo pesquisas internacionais, os refugiados tendem a ser mais vulneráveis para algumas
questões de saúde, tais como diabetes, doenças transmissíveis, problemas relacionados à saúde
materno-infantil, problemas ocupacionais, preconceito e sofrimento psíquico (Rechel et al, 2013). O
impacto na saúde desta população tem relação com o processo pré, durante e pós-migração. Neste
sentido, Parker (2013) afirma que o processo de migração e o deslocamento são fatores estruturais
difusos que, junto a fatores como idade, gênero e classe, contribuem para maior vulnerabilidade e
desigualdades em saúde, o que corrobora com a constatação de que a migração pode ser
compreendida como um determinante social de saúde em si (Davies, Basten & Frattini, 2010).
Apesar das notáveis vulnerabilidades desta população, a literatura indica que a mesma sofre
com barreiras de acesso, que dificultam a garantia de seu direito à saúde, tais como idioma,
desconhecimento de seus direitos, exclusão social, discriminação e divergentes compreensões
culturais sobre processo saúde-doença (Martes, Faleiros, 2013; Rechel et al., 2013).
A literatura demonstra que imigrantes e refugiados possuem diversas necessidades em saúde
relacionadas ao seu processo migratório e ao seu estabelecimento em um novo país, demandando
assim cuidados em saúde que muitas vezes se tornam impossibilitados devido às diversas barreiras
expostas pelos autores. Essa questão suscita o debate acerca de como os sistemas de saúde
funcionam, estabelecendo um paradoxo entre a garantia de direitos e o controle da população. Sabe-
se que o surgimento dos sistemas de saúde está atrelado a um pacto existente entre governantes e
população, no qual algumas demandas populacionais são atendidas em troca da submissão a um
certo controle realizado pelo setor saúde, do qual nos fala Foucault (1998, 1999). A biopolítica,
conceito elaborado pelo autor, nos ajuda a desenvolver um olhar crítico para as ações de saúde,
mantendo em aberto o paradoxo entre o exercício de um direito que pode visar à autonomia ou ao
controle de grupos populacionais.
A discussão proposta por Foucault torna-se importante dentro do complexo panorama
político da globalização atual, na qual a chamada crise migratória do século XXI, que produz
deslocamentos internacionais em uma escala imensa, coloca em questão a definição dos Estados
nacionais, da cidadania e das fronteiras como delimitantes territoriais, imaginários e políticos. A
idealização que existiu nos anos 90 de que o processo de globalização viria a suprimir fronteiras foi
deteriorada por um mundo que se revelou muito mais aberto à circulação de mercadorias e de
capital do que de seres humanos (Jarochinski, 2014). As fronteiras e sua rigorosidade se

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multiplicam na atualidade, na força colocada em muros, cercas, campos de refugiados, centros de


detenção, passaportes, carimbos, uma burocracia cada vez mais especializada em definir quais
corpos podem circular, quais corpos podem permanecer, quais corpos tem direito a ter direitos. A
marginalização dos que migram obviamente não é generalizada: os cidadãos do mundo, aqueles
pertencentes às classes abastadas, estes alcançaram a tão almejada cidade global (Bauman, 1999), já
os sujeitos advindos dos países subdesenvolvidos, que fogem de guerras e da pobreza, estes
terceiro-mundistas tem seu direito a circular atrelado a decisões governamentais que, quase sempre,
os jogam na marginalização: seja como vítimas puras e praticamente desassistidas, seja como
potenciais criminosos (Moulin, 2012; Pussetti, 2017).
Essa perspectiva crítica, que traz à tona a complexidade da discussão, dialoga com autores
da sociologia e antropologia que debatem as migrações no âmbito da globalização do século XXI.
Assim, Bauman (2016) nos traz elementos para pensarmos a securitização da sociedade no contexto
da globalização, debatendo como o medo é um fator fundamental na organização dos Estados em
sua relação com migrantes e refugiados. Moulin (2012) nos traz novamente a dimensão do medo,
uma emoção humana, como fio condutor tanto do reconhecimento do refugiado legítimo, quanto da
possibilidade de se repelir e negar direitos a um estrangeiro que possa ameaçar a ordem nacional.
Agier (2016) aborda a perspectiva dos homens-fronteira nessa nova ordem mundial, definindo os
tipos de cosmopolitismo em diálogo com outros autores. Estes homens-fronteira seriam os
aspirantes a refugiados, habitantes do que Agier chamou de Nova Cosmópolis: a “experiência
daquelas e daqueles que vivenciam a concretude do mundo, sua aspereza, que experimentam uma
passagem das fronteiras que pode se estender no tempo e no espaço.”. Por fim, Fassin (2001, como
citado em Weintraub & Vasconcellos, 2013) adentra mais especificamente nas questões
relacionadas aos cuidados de saúde com refugiados e populações excluídas em geral, destacando
que muitas vezes este cuidado serve mais para tamponar questões sociais e políticas maiores, do
que para de fato reconhecer a cidadania e direitos dos mesmos. O autor dialoga com os conceitos de

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biopolítica e biopoder de Foucault, trazendo ainda para a temática da migração internacional


reflexões acerca de conceitos como trauma e humanitarismo.
O objetivo desse trabalho é debater o acesso de refugiados e solicitantes de refúgio aos
serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro, assim como compreender quais estratégias estão
sendo desenvolvidas, por parte de trabalhadores e gestores, para lidar com essa questão. O debate
envolve as dimensões relacionadas ao exercício de cidadania e direitos de refugiados e solicitantes,
abordando a relação entre os processos de globalização e novas perspectivas dos deslocamentos
migratórios junto ao estado nação segurança. A pesquisa em questão ainda está em fase inicial, uma
vez que a fase de campo ainda não foi iniciada, ainda que o campo já tenha sido definido – uma
unidade básica de saúde/clínica da família que atua em território onde há muitos refugiados e
solicitantes residentes. No entanto, já houve um levantamento extensivo da literatura que permite a
formulação de questionamentos e a explicitação da complexidade da temática.

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Saúde mental e barreiras de cuidado em migrantes bolivianos em São


Paulo, Brasil

Palavras-chave: Psiquiatria Transcultural; Competência cultural; Saúde mental; Migração.

Lineth Hiordana Bustamante Ugarte


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp)
Universidade Federal De São Paulo
quilla_27@hotmail.com

Estima-se que cerca de 244 milhões de pessoas no mundo tenham emigrado de seu país de origem,
fugindo de guerras, pobreza ou perseguindo o sonho de uma vida melhor (ONU, 2016). No Brasil
existem atualmente cerca de 8.863 refugiados, em sua maioria vítimas das guerras no continente
africano (Comitê Nacional para Refugiados, 2016). Até o ano 2015, segundo dados da Polícia
Federal (PF), 117.745 estrangeiros deram entrada no país, dos quais 8.407 são bolivianos, mantendo
assim o segundo lugar, seguidos pelos colombianos (7.653), argentinos (6.147), chineses (5.798),
portugueses (4.861) e paraguaios (4.841). (Projeto O Estrangeiro, 2016). Busca por trabalho,
reunião com membros da família e busca por refúgio devido a razões humanitárias representam
algumas motivações para a migração.
Embora tradicionalmente tenha sido pensado que problemas relacionados a receber migrantes
internacionais quase que exclusivamente pertencem a países desenvolvidos, tornou-se claro que o
fenômeno é muito mais complexo, neste sentido vários países em desenvolvimento podem ser
afetados por razões particulares, por exemplo, proximidade, trânsito entre o local de origem e o
destino final, as circunstâncias econômicas, a linguagem, o multiculturalismo e as leis de migração
(Alonso, 2011; Souchaud, Carmo, & Fusco, 2007). Neste contexto, o Brasil surgiu como uma
alternativa para os migrantes internacionais que fogem da guerra, da pobreza ou da busca de uma
vida melhor (Bustamante, Leclerc, Mari, & Brietzke,2016).
Recentemente, uma enorme onda de migração da Bolívia para o Brasil foi registrada, como
resultado da nova posição geopolítica assumida pelo Brasil na América Latina, segundo dados
estimativos mais de 100 mil bolivianos vivem em São Paulo, a maior cidade do Brasil ( Silva, 2006)
A principal atividade econômica exercida por esta população é a costura de roupas, pois, em São
Paulo, as grandes empresas têxteis terceirizam a produção, subcontratando outras empresas que se
valem do mercado de trabalho informal (Freire, 2009 ; Xavier, 2009). Isso é feito para reduzir seus

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custos de produção, aumentando a eficiência dos investimentos de capital e reduzindo os custos de


manutenção, tornando as empresas têxteis mais competitivas e lucrativas. Consequentemente, eles
indiretamente acabam usando a força de trabalho de migrantes bolivianos (Futurechallenges,2014)
porque muitos desses trabalhadores são originários de cidades muito pobres da Bolívia e também
têm boas habilidades em costura e tecelagem, o que os torna uma fonte atrativa de trabalho para a
indústria têxtil (Sauchaud, 2012).
Dados muito robustos apontam a experiência de migração como fator de risco para diferentes
doenças mentais, como transtorno depressivo, transtorno de estresse pós-traumático e esquizofrenia
(Carta, Bernal, Hardoy & Haro-Abad, 2002). As populações migrantes com distúrbios mentais ou
em risco de problemas de saúde mental podem ser expostas ao estigma relacionado à experiência de
sintomas psiquiátricos, o que está relacionado a consequências potencialmente graves, como
suicídio (Alemi, James & Montgomery, 2016).
Este assunto tem recebido cada vez mais interesse devido ao reconhecimento do impacto da
migração sobrea a saúde pública. Pessoas migrantes são suscetíveis a experiências de
discriminação, violência e exploração, todas elas sabidamente afetando a saúde física e mental.
Além disso, os problemas de saúde apresentados pelos migrantes podem não ser bem
compreendidos no novo país de residência. Para tornar o problema ainda mais complexo, barreiras
legais ou socioeconômicas podem impedir o acesso ao serviço de saúde em muitos casos. Quando
os migrantes têm acesso aos serviços, estes podem não ser sensíveis ou apropriados a questões
culturais e linguísticas. As comunidades que recebem um grande número de migrantes estão diante
de novos desafios, como o aumento da diversidade da população e a consequente mudança no perfil
cultural e nas perspectivas dos pacientes sobre saúde. Isso inevitavelmente impacta o trabalho dos
profissionais de saúde no dia-a-dia dos serviços. As abordagens atuais do manejo da saúde mental
de migrantes devem acompanhar o ritmo da complexidade, da velocidade, da diversidade e do
volume dos fluxos migratórios presentes em diferentes lugares. O objetivo final é assegurar que
todos os migrantes exerçam seu direito fundamental a saúde, estabelecido internacionalmente como
um direito humano fundamental.

Garantir a equanimidade e não discriminação requer a participação de diferentes setores do


governo, de organizações sociais, religiosas e políticas, mas também das organizações promotoras
de conhecimento através da pesquisa, como as universidades. Na atualidade a migração no Brasil e
particularmente na cidade de São Paulo vem crescendo exponencialmente com a presença de
diferentes grupos de populações de migrantes cada um com suas especificidades linguísticas,

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culturais, sociodemográficas e comportamentais, representando um novo desafio à estrutura dos


serviços de saúde no Brasil. A literatura existente sobre este tema e a análise de alguns indicadores
focados no acesso aos cuidados de saúde pelas principais comunidades migrantes residentes no
Brasil revelam que, apesar de serem conhecidos as diversas situações de vulnerabilidade nas que se
encontram os migrantes face às problemáticas da saúde física, e de terem sido feitos esforços para a
sensibilização desta população face aos riscos das doenças infectocontagiosas como a tuberculoses
por exemplo, até o momento, não foi desenvolvida, uma reflexão aprofundada sobre a saúde mental
dos migrantes para a construção da “competência cultural” nos serviços destinados a esta
população. O que se torna particularmente importante se tomarmos em consideração as diversas
experiências traumáticas pelas quais os migrantes atravessam durante o processo migratório. Neste
sentido, percebe-se a urgência e a necessidade de adotar-se, no Brasil, políticas de saúde
“culturalmente sensíveis” ou “culturalmente competentes”, com o propósito de melhorar a
qualidade dos serviços de atenção à saúde física em geral e da saúde mental em particular para uma
população cada vez mais multicultural.
Apesar do reconhecimento da importância de avaliar as barreiras aos cuidados em saúde mental,
existem poucos instrumentos validados para avaliar as barreiras ao atendimento em populações com
problemas de saúde mental. A Avaliação de Barreiras para Cuidados foi projetada com este objetivo
já que mesmo considerando que a população migrante é vulnerável a problemas de saúde mental,
não há estudo avaliando barreiras de cuidados em migrantes bolivianos no Brasil. Assim, o objetivo
deste estudo foi investigar barreiras para obter cuidados adequados em uma amostra de migrantes
bolivianos que vivem em São Paulo e avaliar a associação entre os resultados obtidos com a escala
BACE e o risco de transtornos psiquiátricos não psicóticos nesta população. Para isso, foram
selecionados 104 indivíduos com idade entre 18 e 80 anos, nascidos na Bolívia e com nacionalidade
boliviana, vivendo em São Paulo por pelo menos 30 dias antes da inclusão. Foi aplicado um
questionário sociodemográfico e sobre as circunstâncias da migração elaborado pelos autores, a
versão em espanhol do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) e a versão em espanhol adaptada ao
contexto cultural e linguístico boliviano da Barriers to Access to Care Evaluation (BACE scale). O
escore médio do SRQ-20 na amostra total foi de 8,31 (desvio-padrão= 5.94) e 52,5% da amostra
teve escores acima de 7, compatíveis como uma alta probabilidade de apresentar um transtorno
mental não-psicótico. O escore no SRQ-20 foi positivamente correlacionado com o escore total na
BACE, bem como os escores em todas as suas dimensões, exceto na dimensão estigma. Para uma
avaliação adicional do efeito preditivo do escore BACE total no escore SRQ-20, construímos um
modelo de regressão múltipla usando o escore BACE como variável independente e o escore SRQ-

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20, idade, sexo e renda familiar como variáveis dependentes. Em conjunto, a combinação do escore
total da BACE, idade e sexo predisse 35,5% da variância na pontuação total SRQ-20 (R2 = 0,355, p
<0,001). Os achados do nosso estudo sugerem que a maioria dos migrantes bolivianos
especialmente as mulheres apresentam altas taxas de sintomas de transtornos mentais não
psicóticos. Indivíduos que reportam mais barreiras de cuidado, especialmente barreiras
instrumentais e atitudinais, também apresentam mais sintomas, independente do sexo, idade e renda
familiar. Nossos resultados indicam a necessidade de ações direcionadas para o aumento da
disponibilidade de serviços de saúde mental, especialmente serviços culturalmente sensíveis para
reduzir as barreiras de cuidado e melhorar a saúde mental dos migrantes.
A literatura existente no Brasil a respeito de saúde mental e migração tem abordado o tema de um
modo muito genérico, existindo poucos estudos dedicados a investigar os fatores de risco e de
resiliência nessa população. Nosso estudo abordou especificamente a saúde mental de migrantes
bolivianos, por se tratar de um contingente em contínuo crescimento.
Contudo, os resultados deste estudo ganham relevância significativa ampliando o conhecimento do
fenômeno migratório da população boliviana e a sua repercussão na saúde mental, fenômeno nunca
antes estudado no Brasil. Espera-se que seus resultados possam orientar a construção de políticas
públicas que contemplem as caraterísticas particulares não só dos bolivianos, mas também de outras
comunidades migratórias culturalmente diferentes, garantindo deste modo o acesso a saúde mental
com competência cultural.

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Um olhar antropológico sobre a migração chinesa para Salvador,


Bahia
An anthropological view at the Chinese migration to Salvador, Bahia

Palavras chave: migração internacional, comportamento alimentar, culinária


Keywords: emigration and immigration, feeding behavior, culinary

Ana Claudia de Sá Teles Minnaert


Doutora em Antropologia
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
venegeroles@yahoo.com

Introdução

No mundo contemporâneo, a diáspora chinesa vem tomando novas formas. Diferente dos
coolies, os novos migrantes apresentam mais autonomia na busca da sua rota e têm o objetivo de se
estabilizar no novo território.
O fluxo migratório chinês para o Brasil passou a ser marcante a partir de 1979, quando os
direitos de ir e sair dos cidadãos da República Popular da China (RPC), passaram a ser respeitados.
Muitos dos chineses que aqui chegaram iniciaram sua trajetória econômica como vendedores
ambulantes e depois se tornaram proprietários de restaurantes e lojas de produtos importados.
Até o final do século XX, Salvador não era considerada um importante polo de atração de
chineses. São Paulo e Rio de Janeiro se caracterizavam como os principais destinos, contudo, as
dificuldades de mercado ocasionaram mudanças nas rotas migratórias desse grupo no país.
Segundo dados do Departamento da Polícia Federal52, em 2014, residiam em Salvador 392
chineses, sendo 384 provenientes da República Popular da China, 02 de Taiwan e 06 da Hong
Kong, o que correspondia a 60,87% dos chineses que viviam na Bahia. No entanto, o chefe do
Departamento salientou que este número não retratava a realidade, pois indicava apenas os
migrantes registrados e havia muitos que ainda estavam em processo de legalização. Além disso, os
dados correspondiam aos imigrantes que se inscreveram no posto da Bahia, não consideravam,
portanto, aqueles que vieram de outros estados.

52
Dado coletado em agosto de 2014.

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A distância entre o número de migrantes legalizados e a realidade do quadro migratório pode


ser facilmente visualizada quando andamos pelas ruas da cidade, principalmente no Centro, onde a
cada dia aumenta o número de chineses. Há muito mais do que os números oficiais demonstram.
E é uma viagem nesse mundo dos migrantes chineses que vieram para Salvador, a partir das
suas vozes que proponho aqui. O quadro apresentado é fruto de um estudo antropológico
desenvolvido no período de outubro de 2012 a novembro de 2014, junto aos imigrantes chineses
proprietários de estabelecimentos de alimentos localizados nas ruas do Centro de Salvador-Bahia, e
tem o intuito de descrever o perfil desse imigrante, assim como seu processo de imigração para esta
cidade.

A imigração chinesa para Salvador

Os primeiros chineses53 chegaram a Salvador na década de 1960, procedentes principalmente


de Taiwan e Cantão (RPC), eles se instalaram preferencialmente no centro da cidade, onde abriram
comércios na área de alimentos e lavanderias.
Nesse período, essa região passava por um processo de modificação. As grandes lojas de
departamento fechavam e davam lugar ao comércio popular e muitas empresas passavam a ser
dominadas por comerciantes asiáticos.
Até a o final do século XX, esse fluxo ocorria de forma discreta, mas a partir do ano 2000,
Salvador passou a compor a rota migratória externa e interna da diáspora chinesa. Além de
imigrantes vindos diretamente da RPC e de Hong Kong, muitos chineses que viviam em São Paulo
e Rio de Janeiro vieram para essa cidade.
O novo fluxo trouxe novos contornos para o Centro, que passou a ser um polo de
concentração de chineses, que abriram comércios de produtos importados, acessórios femininos e
principalmente alimentos, como seus precursores.
Há aproximadamente 70 estabelecimentos54 de chineses na região central de Salvador, 60%
destes são restaurantes ou pastelarias, mas este número aumenta a cada dia.
Os chineses que chegaram à capital baiana se inseriram no cotidiano da cidade e não
buscaram segregar-se espacialmente, nem criar a imagem de uma China utópica, como ocorreu nas
tradicionais chinatowns. Os restaurantes chineses do Centro não comercializam a comida chinesa,
eles servem a culinária local, apesar de sempre haver uma ou duas preparações chinesas nos

53
Considerei imigrantes chineses aqueles provenientes da República Popular da China, de Taiwan e Hong Kong.
54
Dados coletados até dezembro de 2014.

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balcões. Mesmo sendo um grupo a parte, eles buscaram se inserir no tecido urbano do Centro e
adotar os códigos do lugar.

Os chineses

Os proprietários de estabelecimentos de alimentos do Centro dividem-se em 3 grupos de


origem: os de Cantão (RPC), os de Taiwan e os de Hong Kong. Apesar de para a população local
todos serem reconhecidos como “china”, a diferenciação da região de origem traz diferenças que
extrapolam a esfera geográfica, ou mesmo política. Para os procedentes de Hong Kong e Taiwan,
ser chinês é uma característica depreciativa, apenas os imigrantes da RPC se consideram chineses55.
Os chineses do Centro falam português com muita dificuldade, mesmo aqueles que residem
em Salvador há mais de 30 anos, o que dificulta muito a comunicação. As crianças falam melhor, e
se comunicam com os pais em cantonês, mandarim ou taiwanês 56 , que aprendem em casa, no
ambiente doméstico, e são elas que negociam com os fornecedores, conversam com os clientes.
Elas fazem a ligação entre os dois mundos, o da casa e o da rua.
Geralmente, os imigrantes que trabalham no Centro residem ou no próprio local onde
trabalham ou em bairros muito próximos. Outro fator que chama a atenção é que gerações
diferentes residem juntas. Os pais vivem com os filhos, mesmo depois que estes se casam e
constituem família. Os avós são fundamentais no cuidado das crianças, que estão sempre circulando
nos estabelecimentos e interagindo com os clientes.
As razões que levaram a migração foram as mais diversas, desde a pobreza, como o pai de
Wu; o casamento, como Ana; ou um convite para trabalho, como o pai de Chen; ou a busca por
melhores oportunidades de negócios, como Kite. Ou simplesmente por desejo de mudança. Mas a
maioria disse ter saído do seu país de origem em busca de melhores condições de vida.
Segundo o processo de migração, identifiquei em Salvador, quatro perfis. Um primeiro grupo
que veio diretamente para esta cidade, chegou aqui por volta de 1960. Alguns já retornaram para a
China, mas seus filhos permaneceram e outros ainda vivem em Salvador, mas não trabalham mais,
ou os estabelecimentos fecharam ou estão sob a responsabilidade dos filhos.
O segundo grupo é composto por chineses que chegaram aqui para trabalhar para amigos ou
parentes, ficaram ilegais, trabalhando em condições quase escravas. Após um tempo de trabalho,

55
Nesse estudo considerei imigrantes chineses, os imigrantes oriundos de RPC, de Taiwan e Hong Kong.
56
Segundo a origem linguística há três grupos de chineses na cidade os falantes de cantonês, os de mandarim e os de
taiwanês.

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eles legalizaram sua condição de migrante, trouxeram a família e abriram estabelecimentos


comerciais, normalmente na área de alimentos, pois como informam, exige menor investimento.
Um terceiro grupo é formado por chineses que migraram inicialmente para Rio de Janeiro e
São Paulo, trabalharam lá, mas como o mercado estava saturado, buscaram novas áreas onde fosse
mais fácil investir; vieram, então, para Salvador, principalmente porque já tinham conhecidos na
cidade, pertencentes ao primeiro grupo.
Um quarto grupo é formado por mulheres que vieram diretamente para Salvador por razão de
casamento e por adolescentes que vieram para acompanhar os pais que já estavam na cidade.
Um traço marcante dos migrantes chineses é que a segunda geração não permanece no mesmo
tipo de negócio dos pais. Normalmente, com uma escolaridade mais elevada, esse grupo é formado
por profissionais liberais.
Como os filhos seguem outros caminhos, à medida que vão envelhecendo, os chineses
abandonam suas lojas ou passam para imigrantes mais novos, o que causa alterações na composição
do mapa de localização dos estabelecimentos.
Em relação ao gênero, o número de homens e mulheres é equilibrado, pois geralmente são
casais que estão à frente dos negócios. Quando os homens migram sozinhos, eles buscam suas
mulheres e filhos assim que se estabilizam; e se são solteiros buscam uma esposa na própria
comunidade ou na China.
As famílias dos chineses do Centro não são numerosas, compostas, geralmente, por um casal
com 1 a 2 filhos. Os casais, que migraram adultos, trouxeram filhos crianças, mas muitos dos
imigrantes vieram adolescentes e os filhos nasceram aqui, ou mesmo chegando adultos, tiveram
seus primeiros filhos em solo brasileiro.
As crianças que nasceram no Brasil ou aquelas que vieram muito pequenas se adaptaram
melhor à vida local. Elas permanecem no país mesmo após o retorno dos pais à China. Eles se
consideram brasileiros e não mais chineses, pois foi aqui que estudaram, fizeram amigos, criaram
seus laços, construíram suas memórias, sua história, assim como a memória de seus pais ficou na
China, a deles foi enraizada no Brasil.

Conclusão

Diferente de outros aglomerados, no centro de Salvador, os imigrantes chineses não buscam a


segregação e sim a inserção, para que no cotidiano, na relação com o outro, o desconforto do
estranhamento seja superado.

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E assim, Salvador vai se inserindo na rota da diáspora chinesa, como um espaço de


acolhimento para a população imigrante que encontra na sua região central o seu lugar. Aí, eles
construíram família, se estabilizaram economicamente, criaram seus filhos, aprenderam a viver, se
transformaram em baianos, mesmo permanecendo chineses.

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Latino-americanos na escola e Interculturalidade: reflexões sobre


Formação Docente, Currículo e Cultura Escolar
Latino-Americans at School and Interculturality: Reflections on Teacher Training, Curriculum
and School Culture

Palavras-chave: Educação; Imigrantes; Interdisciplinaridade; Interculturalidade; Latino-americanos


na escola.
Key words: Education; Immigrants; Interdisciplinarity; Interculturality; Latin Americans in school.

Adriana de Carvalho Alves


Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura
Universidade Presbiteriana Mackenzie
andritsena@hotmail.com

Os fluxos migratórios contemporâneos têm despertado uma série de inquietações entre os


paulistanos, e essas inquietações reverberam na escola, especialmente naquelas que recebem
quantidades significativas de matrículas por se localizarem em regiões da cidade onde esses fluxos
se concentram. Nos últimos anos alguns poucos pesquisadores têm se debruçado sobre o tema da
Educação para Imigrantes, esboçando pesquisas majoritariamente quantitativas e relativas ao acesso
à escolarização por parte de cidadãos e cidadãs imigrantes. Nesse aspecto, destacamos a dissertação
de Mestrado “O acesso à educação escolar de imigrantes em São Paulo: a trajetória de um
direito”, defendida por Tatiana Chang Waldman no ano de 2012, por apresentar um panorama a
partir da área do Direito, identificando as limitações ao acesso ao direito à educação, fornecendo
aportes sobre a documentação jurídica que ampara esse direito em detrimento as ações de
cerceamento ao acesso à Educação analisadas pela autora. Na mesma linha, encontramos a
dissertação “Fronteiras do Direito Humano a Educação: um estudo sobre os imigrantes bolivianos
nas escolas públicas de São Paulo”, defendida por Giovanna Modé Magalhães, com foco
direcionado à Sociologia da Educação. Na Dissertação, que é organizada em três partes – acesso e
permanência; imigrante e sua relação com a escola brasileira e; expectativa das famílias bolivianas
em relação à escola - são relatadas algumas barreiras que limitam o acesso à educação por parte
dos estudantes imigrantes, tais como: burocracia em relação a documentação, falta de informações
para acessar os direitos, invisibilidade dos estudantes, indiferença em relação ao idioma, entre
outras.

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As pesquisas já publicadas expressam certa dificuldade em relação à obtenção de dados


oriunda da metodologia de coleta de informações por parte dos sistemas de ensino. A esse respeito
Norões (2016) salienta que os dados podem ser apresentados de forma imprecisa justamente por
não serem considerarem como centrais na formulação das políticas educacionais.

Ressaltamos que durante o processo de matrícula, assim como a cor, é facultado


aos pais e responsáveis pela autodeclaração quanto à origem, no total ainda pode
haver crianças nascidas em outros países sem registro ou mesmo declaradas como
brasileiras. Sendo assim, somente com estudos in loco e com documentos
dispostos nas escolas seria possível obter dados mais precisos. (NORÕES, 2016,
p. 195)

É relevante a constatação da autora porque evidencia a marcante invisibilidade da população


imigrante acarretada pela deficiência nos levantamentos oficiais produzidos pelos sistemas de
ensino. Para além da omissão em relação ao item ‘origem nacional’, é possível verificar ainda a
incongruência nos dados relativos a origem familiar dos estudantes. Não podemos dirimir a
influência que a cultura familiar exerce sobre o sujeito em sua produção identitária e, nesse sentido,
por não haver essa especificação nos dados, torna-se tarefa árdua realizar o mapeamento da segunda
geração de imigrantes latino-americanos nas escolas.
Consideramos que a primeira grande barreira no acesso aos direitos, por parte da população
Imigrante, é a xenofobia e essa demanda levou o poder executivo municipal de São Paulo a criar
um Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População Imigrante, com o objetivo de
discutir instrumentos que garantissem o acesso aos direitos sociais básicos a essa população que,
apesar de numerosa, não aparece quantificada corretamente nos recenseamentos oficiais. Este
Comitê foi responsável por elaborar a Lei Municipal 16.478/16 que, dentre os objetivos, aponta a
promoção do respeito à diversidade e da interculturalidade.
Retomamos a discussão desencadeada a partir do Comitê Intersetorial da Política Municipal
para a População Imigrante, que definiu a prioridade de se estabelecer, como objetivos da política
geral de atendimento a essa população, a promoção do respeito a Diversidade e a Interculturalidade.
E, no que se refere a regulamentação da citada lei no âmbito da Educação, o Decreto Nº 57.533
prevê, em seu artigo Nº 20, que a Interculturalidade é um princípio a ser promovido através do
diálogo entre diferentes as culturas, pautada na construção de ações educativas de combate a
xenofobia, na introdução de conteúdos de ensino que valorizem as culturas de origem dos

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imigrantes que compartilham aquele espaço escolar, através do fortalecimento e ampliação de


formação intercultural para os profissionais de ensino e da garantia de apoio institucional a projetos
pedagógicos que promovam a Interculturalidade.
É relevante ressaltar essa normatização porque a mesma se configura enquanto um avanço
quando refletimos sobre o modo como se organizam as instituições de ensino. Ao refletir sobre o
cotidiano escolar, Candau (2012) constata que
A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída
fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da
modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como
elementos constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferenças são ignoradas ou
consideradas um “problema” a resolver” (CANDAU, 2012, p. 83).

As expectativas elencadas na legislação municipal citada divergem utopicamente dessa


perspectiva ao trazer para a centralidade da discussão a ruptura com a tendência da homogeneidade
cultural no processo ensino-aprendizagem. As orientações propostas vão ao encontro do escopo
teórico defendido pela Pedagogia Crítica Intercultural, na medida em que considera a dimensão
cultural um dos elementos centrais do processo pedagógico por reconhecer a aprendizagem
significativa aquela que “reconhece e valoriza cada um dos sujeitos nele implicados, combate todas
as formas de silenciamento, invizibilização e/ou inferiorização de determinados sujeitos
socioculturais” (CANDAU, 2012, p. 103).
Conhecer a cultura escolar é compreender como se dão, inclusive, as manifestações de poder,
a hegemonia e as disputas contra-hegemônicas. Catherine Walsh, em Interculturalidad,
plurinacionalidad y decolonialidad: las insurgencias político-epistémicas de refundar el Estado
contribui nessa perspectiva ao afirmar que o que está em jogo, na estruturação do poder - e
compreendemos o currículo como um dos espaços de disputa ideológica – é a necessidade de
‘interculturalizar, plurinacionalizar y descolonizar, estos entendidos como luchas, acciones y
pedagogías necessariamente entretejidas’. Poderíamos, sem prejuízo de interpretação, inverter a
ordem da insígnia propondo, em primeiro lugar, o reconhecimento da plurinacionalidade no
ambiente escolar, que por sua vez, demandará a necessidade de estratégias de ensino pautadas na
interculturalidade como ferramenta para a descolonização do currículo, das relações e do
pensamento.
O dinamismo e a complexidade dos fluxos migratórios contemporâneos em sua interface com
a Educação Escolar, requer uma abordagem que possibilite o tensionamento entre algumas áreas de
conhecimento, o que é favorecido pela Interdisciplinaridade. Através da abordagem interdisciplinar
poderemos realizar análises totalizantes em relação à formação identitária das comunidades

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escolares – professores, estudantes e seus familiares, gestores – preconizando aspectos relacionados


à língua, formação cultural, currículo ensinado e vivido, expectativas em relação à formação
escolar. Compreendendo a interdisciplinaridade como uma tentativa de rearranjo dos saberes, nos
pautamos nas proposições de Gusdorf (1995) quando esse sugere essa reorganização como
elemento capaz de “assegurar a articulação dos elementos e a coerência das proposições e de
fornecer aos especialistas um instrumento epistemológico capaz de dilatar os limites da formulação
logico-matemática” (1995, p. 23). Dessa forma, nossa intenção é recolher, dentre os discursos
científicos, elementos que contribuam para o mapeamento de práticas, projetos e reflexões
decorrentes das demandas colocadas pela presença de estudantes latino-americanos, de modo a
construir um mapa da interculturalidade em curso nas escolas públicas paulistanas, a partir dos
dilemas colocados pelos diversos contextos educacionais contemporâneos.

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Cartografias de Corpos-Território: Fronteira, Mobilidade e


Urbanização na Amazônia
Cartographies of Bodies-Territory: Frontier, Mobility and Urbanization in the Amazônia

Palavras-chave: fronteira, mobilidade, cartografia, Amazônia, urbanização.


Key words: frontier, mobility, cartography Amazonia, urbanization.

Juliana Mota de Siqueira


Mestre em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar)
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bacharel em estatística pela Universidade
de Brasília (UnB). Atualmente é estudante do Mestrado em Ciências Sociais, Território e
Desenvolvimento pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Correio eletrônico:
motasiqueira.juliana@gmail.br

As migrações. A fuga dos estados tediosos.


Contra as escleroses urbanas.
Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.

Oswald de Andrade, Manifesto Antropofágico, maio 1928.

Introdução
Diante das novas formas de globalização econômica, que interconectam os Estados Nacionais em
diferentes escalas (global, regional e local), tem-se observado a redefinição simultânea da
distribuição espacial das populações segundo diferentes formas operacionais de mobilidade.
No âmbito global, uma das características desse processo é o crescimento das trocas populacionais
entre os países em desenvolvimento (Sul-Sul). Segundo dados das Nações Unidas (2016), entre
2010 e 2015 o estoque de migrantes com origem e destino no Sul Global excedeu o de sentido Sul-
Norte, totalizando respectivamente 90.2 e 85.3 milhões de pessoas. Na América Latina e Caribe
esse cenário não é diferente. Com 5.9 milhões de migrantes cujas origens e destinos correspondem
a países latino-americanos ou caribenhos, estabelecem-se ao longo do tempo situações de
crescente complexidade tais como novas dinâmicas migratórias vinculadas à circularidade, retorno
e deslocamento forçado.

No caso do Brasil, observamos recentemente a convergência para novos padrões de mobilidade


populacional que acentua: 1) a intensificação das migrações internas urbano-urbano de curtas
distâncias – com o consequente incremento dos fluxos para cidades médias; 2) a recuperação da

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tendência de imigrações internacionais, especialmente a entrada cada vez maior de migrantes


latino- americanos e africanos – bem como a ampliação do fluxo de retornados; e, finalmente, 3)
também é possível observar o aumento das mobilidades nas áreas de fronteira internacional do
Brasil que incluem não apenas as migrações internacionais de caráter permanente, mas também
uma dinâmica espacial bastante singular e matizada entre deslocamentos temporários, regulares e
irregulares.

Estes processos, em diferentes intensidades e sob distintas formas, são passíveis de identificação
nos espaços fronteiriços, que sob a hipótese de Picouet (1995), podem ser considerados entidades
específicas de reprodução socioeconômica e relativamente autônomos como objetos de observação
dos fluxos permanentes e temporários. Cabe notar que a hierarquia e diversidade das mobilidades
nas áreas de fronteira são também responsáveis pela construção e ampliação de novas
“territorialidades” que se ligam intimamente à condição transnacional desses espaços
(MACHADO et al. 2005; GRIMSON, 2001).

No Brasil, o termo “Faixa de Fronteira” refere-se à largura ratificada em 1979 (lei 6.634/79) e
compreende 588 municípios total ou parcialmente cortados por uma linha poligonal de 150 km a
partir do limite internacional. Com o objetivo central de promover a segurança nacional, sua
posição periférica em relação aos centros decisórios nacionais, acompanha o papel marginal que
assume no processo de desenvolvimento e integração em diferentes escalas e dimensões. Nesse
contexto, merece destaque a Faixa de Fronteira amazônica, que apesar de sua evidente importância
no cenário nacional e internacional – com destaque para sua singular oferta de recursos
ecossistêmicos e potencial de integração com inúmeros países sul-americanos - tem suportando
historicamente a sobreposição de diversos mecanismos de segregação (FARRET, 1997;
STEIMAN, 2002; MACHADO et al, 2005).

Nesse sentido, se isoladamente a faixa de fronteira é vista como um espaço de risco latente que
deve ser combatido com políticas de controle e proteção, em sua porção amazônica esses
argumentos são animados pelo histórico desconhecimento sobre a região, frequentemente
percebida como incivilizada, deserta e carente de medidas de intervenção do governo central.
Soma-se a isso, o menor conhecimento quanto aos países que estabelecem fronteira com a região
amazônica e sobre suas reais dimensões de integração com o território nacional57.

57
Este trabalho considera como Faixa de Fronteira amazônica a região de coincidência entre a Faixa de Fronteira do Brasil e
da Amazônia Legal, o que equivale a parte dos estados de Amapá, Pará, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso e a totalidade
dos estados de Roraima e do Acre.

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Como consequência, reproduz-se a perspectiva primeiramente concebida por gestores muitas


vezes distanciados da realidade local e erroneamente percebida pelas diferentes esferas da
sociedade (LEFEBVRE, 1991), de modo a projetar a imagem de uma região de hegemonia natural
e vocação rural. No espaço vivido, ao contrário, a Amazônia como um todo tem sido
predominantemente urbanizada desde pelo menos 1980, a ponto de Becker (1995) propor o termo
floresta urbanizada. A autora defende que embora cerca de 70% da população amazônica viva em
núcleos urbanos, a urbanização é negligenciada em muitos estudos da região (BECKER, 2013;
BROWDER e GODFREY, 2006), sendo que na faixa de fronteira essa visão é intensificada
mesmo no contexto regional.

Além do poder de concentração populacional, os núcleos urbanos assumem um papel fundamental


na estrutura territorial, atuando como pontos nodais da circulação de pessoas, capital e
informações e, a partir do adensamento da diversidade, potencializam a oportunidade de
surgimento do “novo”, manifestos também nos “sistemas de mobilidade”. Esta propriedade se
complexifica com a intensificação do fluxo populacional nos núcleos urbanos da Amazônia
brasileira com origem em países como Venezuela, Colômbia, Haiti, Senegal e Nigéria, que vão de
encontro à tendência mundial de fortalecimento das redes de deslocamentos Sul-Sul.

A partir desse cenário, nesse ponto deve estar claro que este trabalho se posiciona no trinômio
fronteira, mobilidade e urbanização e que projeta aí as luzes que ajudarão a iluminar os
inúmeros pontos cegos no debate sobre o desenvolvimento da região amazônica em sua dimensão
internacional. A ideia central desta proposta é de que os três termos da equação não são fenômenos
isolados, mas sim manifestações da mesma realidade e estão enredados sob uma ecologia
cognitiva indivisível.

Não há, contudo, nenhuma razão para se supor que as respostas aos problemas que envolvem estes
temas se dispõem onde estes se tornam aparentes. Complexificados pelas diversas escalas de
tempo e espaço de análise, bem como pela própria indefinição dos conceitos e políticas que os
permeiam no contexto amazônico, os desafios crescem à medida que revela a importância do tema
em discussão.

Objetivos gerais
A partir da perspectiva de autores como Rolnik (1986) da cartografia de corpos-território como
“um desenho que se acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da
paisagem” e Acselrad e Coli (2008) da cartografia social como articulada às disputas territoriais,

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este projeto tem como objetivo central construir uma cartografia analítica e crítica do fenômeno
social recente das mobilidades nas áreas da Faixa de Fronteira amazônica com foco nos espaços
urbanos.

Ainda, temos como parte deste objetivo mais geral, construir uma discussão de políticas públicas e
planejamento urbano e regional que compreenda as diferentes estratégias de mobilidade
populacional como agente de transformação e transformador da produção do espaço.

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Segunda geração de imigrantes: filhos de dekasseguis no Japão


Second generation of immigrants: children of dekasegis in Japan

Palavras-chave: Filhos de dekasseguis; Imigração; Psicanálise.


Keywords: Children of dekasegis; Immigration; Psychoanalysis.

Cizina Célia Fernandes Pereira Resstel


Estudante de Doutorado, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) Faculdade de Ciências
e Letras, Assis, Brasil.
ciressfer@yahoo.com.br

José Sterza Justo


Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP). Faculdade de Ciências e Letras, Assis, Brasil.
seterzajusto@yahoo.com.br

Mary Yoko Okamoto


Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP) Assis, Brasil.
mary.o@uol.com.br

No início do século XX (1908), chegaram ao Brasil os primeiros imigrantes japoneses que partiram da sua terra
oriental para trabalharem nas lavouras cafeeiras do estado de São Paulo no país de destino- Brasil. As dificuldades
eram inúmeras que surgiram na época entre as duas culturas: o idioma, os costumes, hábitos, etc., que formaram
uma grande barreira no processo de adaptação ao país estrangeiro. O comportamento e o tipo físico dos japoneses
chamaram atenção pela sua maneira peculiar de ser aos olhos dos brasileiros, pois eram pessoas bem distintas do
nativo ocidental. De forma notória, o espírito japonês está apregoado à hierarquia, à disciplina e ao respeito ao
imperador (Benedict, 2014 & Sakurai, 2016). Percorrendo pela história desses imigrantes japoneses e seus
descendentes no Brasil, o seu passado parece estar bem vivo no presente, sendo assim, uma repetição vem sendo
expressada através do comportamento dos dekasseguis e seus filhos que vão para o Japão em busca de trabalho e/ou
por outros motivos, como, movidos pela consanguinidade e pelo desejo de conhecer as suas próprias raízes. Esse
encontro com o passado e o presente vem representando uma experiência viva e, portanto, compondo a migração
contemporânea, como se formasse um círculo de repetições nas gerações do imigrante japonês. O filme Gaijin
Caminhos da Liberdade (1980) da diretora Tizuka Yamasaki, nos mostra as primeiras experiências dos imigrantes
japoneses em contato com o solo e o povo brasileiro. Eles vieram para um trabalho temporário e com perspectivas
de retorno para a terra de origem. As propostas de trabalho anunciadas pelo governo japonês não condiziam com a
realidade das fazendas de café no Brasil. Assim, o sonho de retorno ao Japão se distanciou cada vez mais com o

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tempo. A maioria dos japoneses não conseguiu voltar a sua terra de origem, mas seus filhos e netos foram ao
encontro dos seus antepassados. Contudo, antes de completar 100 anos da imigração japonesa no Brasil, acontece o
fenômeno dekassegui , considerado o processo inverso da imigração japonesa à nossa terra. Precisamente, em
meados de 1980, o fenômeno dekassegui se destaca pelo grande contingente de descendentes de japoneses que
começaram a se deslocar para trabalharem nas fábricas japonesas, na terra dos seus avôs. A palavra dekassegui é de
origem japonesa e significa aquele que sai da sua terra natal em busca de serviços temporários para ganhar dinheiro e
depois de certo período fora, retorna para casa. Os próprios japoneses já utilizavam esse termo entre os seus que
se deslocavam de regiões improdutivas em épocas de invernos rigorosos, mas voltavam para a casa após o término
da estação (Sasaki, 1999). Nesse mesmo período do fenômeno dekassegui, o Brasil enfrentava uma grande crise
política, econômica e social. Muitos brasileiros perderam os seus empregos e entre eles estavam os filhos e netos de
japoneses e também aqueles que tinham dupla nacionalidade. Os primeiros dekasseguis (issei e nissei) que
migraram para a terra do sol nascente, o idioma não era visto como uma barreira entre as duas culturas, pois sabiam
falar a língua japonesa. Diferentemente, para os sanseis (terceira geração) que não tinham conhecimento do idioma
e agora nos deparamos com seus filhos yonseis (quarta geração) que vivem o chamado double limited em ambas
as línguas (Yano, 2006), ou seja, apresentam a problemática de não dominarem nenhum dos dois idiomas. Portanto,
os entraves são enormes entre as duas subjetividades culturais. Com isso, a exclusão social por parte da sociedade
dominante a esses filhos da imigração vem ocorrendo, pois a falta de domínio da língua japonesa faz com que o
imigrante passe a ser um alvo fácil de reconhecimento do estrangeirismo pelos japoneses. Ademais, os seus pais
migraram para o Japão com objetivo de trabalhar e somente trabalhar, mas a segunda geração de imigrantes, os
filhos de dekasseguis não pensam da mesma forma, não aceitam ser estrangeiros no Japão e nem a vida como ela é
(Bbc Brasil- Notícias, 2012). Além do mais, acabam sofrendo de crise identitária, os descendentes de japoneses
brasileiros no Brasil são reconhecidos e identificados como japoneses entre a comunidade brasileira devido aos seus
traços fenotípicos. Do outro lado do mundo, no Japão, os dekasseguis e seus filhos são “os filhos da imigração”,
não são reconhecidos e nem identificados como japoneses - são estrangeiros/ gaijin. Uma parte dos filhos de
dekasseguis que nasce no Japão, mesmo tendo o nome de registro da cidade japonesa, a sua nacionalidade é
brasileira. Para Grinberg, Grinberg (1984) a migração acontece de forma distinta para cada fase da vida, sendo
assim, não é da mesma forma que ocorre para a criança e o adolescente que estão em pleno desenvolvimento
biopsicossocial, e nem para o adulto e o idoso, que embarcam nessa nova jornada migratória e passam a viver
situações inusitadas. Cada fase é marcada por um período de vida e as experiências migratórias acontecem de
maneira peculiar de cada indivíduo (Higa, 2006). A proposta geral deste estudo elege, como objeto de
investigação, a nossa experiência de 3 meses no Japão em 2012, com o migrante dekassegui,
particularmente com os filhos desses migrantes, descendentes de japoneses que partiram do Brasil
com os seus pais para a terra oriental e aqueles que nasceram no Japão. O objetivo específico da

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pesquisa é fazer uma leitura dessa experiência, a partir da nossa participação no “Programa de
Desenvolvimento de Apoio Psicológico no Estado de São Paulo voltado aos dekasseguis e seus
descendentes que retornam ao Brasil”, em parceria com a Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP - Assis) e a Japan International Cooperation Agency (JICA), durante o
período de setembro a dezembro de 2012, na província de Aichi/ Japão. Esta província japonesa
tem a maior concentração da comunidade brasileira em todo território japonês, chegando a quase
55.000 brasileiros em 2012, somando um total de 210.000 de brasileiros, de acordo com o
Ministério da Justiça do Japão. Os nossos instrumentos metodológicos com os filhos de
dekasseguis são a observação, a escuta e alguns registros memoriais. O método é o psicanalítico
como a análise e a interpretação na transferência e contratransferência dos conteúdos. Freud (1911-
1913/1996) reconhece o enamoramento, ou seja o amor transferencial que acontece na relação
paciente/psicólogo no setting terapêutico. Esse amor considerado genuíno por Freud (1911-
1913/1996), origina-se do passado e se manifesta constantemente em formas de repetições atuais
com características infantis numa figura de autoridade. De forma contrária, Freud (1910/1996) nos
mostra na contratransferência a ideia antecipadora consciente do psicólogo na relação com o seu
paciente, daquilo que se escuta do discurso e do afeto que está sendo mobilizado no psicoterapeuta,
levando-o a chegar ao conteúdo inconsciente reprimido do seu paciente. Enfatizamos, que a nossa
pesquisa não será um estudo sobre a teoria da transferência e contratransferência, mas a leitura da
nossa experiência com os imigrantes brasileiros no Japão. A produção de novos modos de vida
encontra-se na migração contemporânea e tem sido alvo de preocupações e discussões para as
ciências. A nossa pesquisa ainda está em andamento, mas temos alguns resultados parciais: Os
filhos de segunda geração de dekasseguis brasileiros que estudam em escolas japonesas estão se
sentindo estrangeiros dentro da sua própria família, ou seja, em casa. As dificuldades que surgem
não são somente dos filhos, mas também dos pais que não têm compreensão do idioma japonês e
isto acaba desencadeando enormes prejuízos na comunicação entre pais e filhos.

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Humanitarismo ou segurança? O alcance normativo do princípio do


non-refoulement e a política europeia para refugiados no Mar
Mediterrâneo após a crise de 2015
Humanitarianism or security? The normative scope of the principle of non-refoulement and the
European policy for refugees in the Mediterranean Sea after the crisis of 2015

Palavras-chaves: refúgio; princípio do non-refoulement; Direito Internacional; Direito do mar;


Europa.
Keywords: refuge; Principle of non-refoulement; International Law; Law of the sea; Europe.

Rickson Rios Figueira


Doutorando no programa Derechos Humanos, Democracia y Justicia Internacional – Universidad
de Valencia
Professor na Universidade Federal de Roraima (UFRR)
rickson.figueira@ufrr.br

A crise de refugiados de 2015, de acordo com o ACNUR, levou cerca de um milhão de


pessoas a atravessar o Mar Mediterrâneo em direção à Europa. O número impressiona ainda mais se
comparado ao do ano anterior: cerca de 216.000 migrantes fizeram o mesmo movimento. O número
de mortos e desaparecidos durante a travessia manteve-se em torno de 3.500 vítimas (ACNUR,
2017).
Existem muitas ações concorrentes no Mar Mediterrâneo em atividades de controle de
fronteiras, combate ao tráfico de pessoas e à imigração irregular. Não há dúvidas de que têm efeitos
positivos no salvamento e resgate de migrantes e solicitantes de refúgio. No entanto, há ainda vários
problemas quanto à consideração dos pedidos de pessoas que necessitam de especial proteção.
As migrações marítimas são, em geral, realizadas em condições precárias. Em alguns casos,
navios que transitam na área, cumprindo as regras internacionais de resgate e salvamento, logram
socorrer migrantes, levando-os a bordo. Seu desembarque em porto seguro, entretanto, não é tão
simples, já que muitos Estados costeiros não os querem receber. Boa parte desses indivíduos
pretende solicitar refúgio, o que ocasiona a aplicação do princípio do non refoulement, limitando as
ações do Estado por força da Convenção de Genebra de 1951. Nesse sentido, os Estados costeiros
resistem a autorizar o desembarque, buscando, com isso, contornar suas obrigações relativas ao
direito dos refugiados.
A pesquisa tem indicado que, ao ser socorrido, o solicitante de asilo já se encontra sob a
jurisdição do Estado ao qual se vincula por nacionalidade o navio que o resgatou. Existe, porém,

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certo consenso de que esse Estado não se vê atado por qualquer obrigação no tocante à concessão
de asilo. Se autorizado o desembarque, será o Estado costeiro aquele ao qual o resgatado poderá
dirigir o pedido de reconhecimento da condição de refugiado, ante o que encontrar-se-á o Estado
rogado submetido à força do princípio do non refoulement.
As operações que foram instituídas pela União Europeia enfatizam antes objetivos de
segurança que humanitários. Embora tenham efeitos positivos no salvamento e resgate de migrantes
e solicitantes de asilo, há ainda vários problemas quanto à consideração dos pedidos de pessoas que
necessitam de especial proteção.
Durante a crise de refugiados, em meados de 2015, no contexto da Política Externa e de
Segurança Comum da União Europeia, foi lançada a operação EUNAVFOR MED, com o claro
objetivo de intensificar os esforços de combate ao transporte ilegal de pessoas e ao reforço do
controle fronteiriço (DEL VALLE, 2016). A missão, também chamada “Sofia”, foi apresentada
como tendo caráter civil-militar, atendendo ao interesse dos Estados europeus de incremento de sua
segurança.
O artigo tem como objetivo examinar as seguintes questões: pode o Estado costeiro negar o
desembarque, de acordo com as normas do Direito Internacional do Mar? É possível a aplicação
extraterritorial do princípio do non refoulement, tornando desnecessário o desembarque dos
solicitantes de refúgio? As soluções políticas e operacionais adotadas pela Europa para responder ao
movimento de refugiados pelo Mar Mediterrâneo têm caráter humanitário ou de securitização?
Trata-se de pesquisa explicativa, com base bibliográfica e documental, em que foram
analisados instrumentos de hard e de soft law, concernentes ao direito dos refugiados, ao direito do
mar e ao direito comunitário europeu.

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A importância da religião na compreensão da mobilidade social dos


refugiados sírios no Brasil
The religion importance for comprehension of Syrian refugees social mobility in Brazil

Palavras-chaves: sociologia, religião, estratificação social, capital social, refugiados


Key-words: sociology, social stratification, religion, social capital, refugees

Zakia Ismail Hachem


Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
zakiaihachem@gmail.com

“A guerra lá começou em 2011, então começou a vinda, vamos dizer, em 2013, quando pessoas
viram que não tem mais condição para viver lá [Síria], muita gente que perdeu a casa, o trabalho, a
família. Então eles chegam aqui refugiados, ou procurando trabalhando, ou a procura de
segurança, na verdade. [...] A maioria dos sírios chegam aqui porque conhecem alguém que ta
aqui. Mas quem não conhece ninguém fica em São Paulo. [...] A maioria que eu conheço são
muçulmanos, porque tem católicos que vem e que não vem procurar a gente, procura outros
caminhos, procura a igreja, então a gente não fica sabendo sobre eles.”
(Imigrante síria responsável pelo acolhimento de refugiados compatriotas em Foz do Iguaçu/PR).

Segundo o CONARE, Comitê Nacional para Refugiados do Brasil, as solicitações de refúgio


no país cresceram 2.868% nos últimos cinco anos. Se em 2010 cerca de 3.904 refugiados tinham
sido reconhecidos, no ano de 2016 esse número saltou para 8.863 pessoas. O relatório expedido por
esse órgão mostra que ao todo há 79 nacionalidades presentes no país, mas que a maior comunidade
de refugiados hoje é de sírios, totalizando 2.298 integrantes58. Embora, em números absolutos, estes
sírios não sejam expressivos ao serem comparados com o volume total da população brasileira, os
dados relacionados apontam para um aumento significativo desse público no cenário nacional.
Somadas a esse crescimento, a visibilidade midiática do tema refúgio, seguida de sua centralidade
em agendas políticas internacionais, fazem com que tal população mereça destaque como objeto das
ciências sociais. Nesse sentido, a dimensão da religiosidade de tais sujeitos se mostra um fator a ser
considerado de modo atido, afinal, aparece com relevância, como mostra a fala da imigrante síria
que acolhe seus compatriotas em Foz do Iguaçu. O presente artigo pretende, portanto, investigar o
papel da religião na inserção dos refugiados sírios no país.

58
Informações obtidas no site da ACNUR - Agência da ONU para refugiados, em 14 de junho de 2017. Acesso em
http://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas.

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A investigação sociológica, em especial os estudos de estratificação e mobilidade social, tem


adotado com muita propriedade nas últimas décadas o conceito de capital social para compreender
o envolvimento e a participação de um indivíduo em grupos. Segundo Portes (2000),

a originalidade e o poder heurístico da noção de capital social provêm de duas fontes: em primeiro
lugar, o conceito incide sobre as consequências positivas da sociabilidade, pondo de lado as suas
características menos atrativas; em segundo lugar, enquadra essas consequências positivas numa
discussão mais ampla acerca do capital, chamando atenção para o fato de que formas não
monetárias podem ser fontes importantes de poder e influência. (p.134)
Inúmeros foram os teóricos que contribuíram para a teoria de capital social. Começando por
Bourdieu (Bourdieu, 1998), seguido por Coleman (1988), sendo somados por vários outros teóricos,
tais como Putnam (1996), Granovetter (1985) e Portes (2000). Tais estudiosos, em linhas gerais,
postularam que esse tipo de capital considera que a produção e manutenção de redes de
relacionamento por indivíduos ou grupos são aspectos que afetam a mobilidade social. Isso porque
“de posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento
e de reconhecimento mútuo a utilizam, de modo a produzir benefícios, tanto de ordem econômica
quanto de ordem emocional” Helal (2005 como citado em Vilela, 2011, p. 158).
Muitos pesquisadores da teoria do capital social a utilizaram para compreender, em particular,
o fenômeno migratório. Segundo Vilela (2011), há concordância entre os pesquisadores de que os
imigrantes que são integrados às redes sociais se adaptam melhor à nova sociedade e ao mercado de
trabalho, quando comparados com imigrantes que não são bem integrados às essas redes. A autora
afirma ainda que
As redes sociais, formadas pelos imigrantes, são frutos de um compartilhamento de certas
características e ideologias. A primeira e mais forte encontra-se nos laços de sangue, seguido pela
origem, crença étnica, membros de uma organização comum e até mesmo o nível de capital
humano. Desta forma, podemos inferir que redes sociais estão entre os mais importantes tipos de
estruturas nas quais transações econômicas e sociais estão inseridas. Portanto, é um instrumento
essencial para a ascensão socioeconômica dos imigrantes na sociedade hospedeira. (p.159).

Chama a atenção também as redes sociais que se estabelecem via religião. Em Cenas do
Brasil Migrante, Martes (1999) aponta como as igrejas norte americanas se tornaram uma referência
primordial para os brasileiros que emigraram para os EUA. Ela mostra que a inserção dos
indivíduos em redes de sociabilidade e no mercado de trabalho se deu em grande medida pelo
envolvimento deles em igrejas protestantes. Para Cardoso e Neves (2005), a relação entre religião e
mobilidade social está calcada já sociologia clássica. No estudo “Sírios e libaneses: redes sociais,
coesão e posição de status” (Vilela, 2011), a autora verificou o impacto do imigrante ser ou não
católico e seu sucesso como empregador. Ela diz:

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Isso é, ser cristão ou da cor branca reduz em 48% e 25%, respectivamente, as chances de o
indivíduo estar na posição de empregador, comparado a estar em outras localizações no mercado
de trabalho. Embora não surpreendam, esses resultados levantam questões, apresentando- -se, pois,
como uma oportunidade interessante para estudos futuros. (p. 164).
Esses estudos dão mostras de que, no geral, a variável religião é importante. Todavia, ela é
mais uma dentre as diversas variáveis de controle 59, ou dependência60, junto a sexo, raça/cor e
estado civil, por exemplo. Enquanto isso, na contramão do que tem sido apresentado pelas teorias
de estratificação e mobilidade social, em especial aquelas que lidam com o fenômeno imigratório, a
sociologia da religião estuda exaustivamente a relação com a migração.
Para Castro (2014),
a relação entre religião e globalização constitui uma das temáticas mais efervescentes da
atualidade. A globalização, pensada muitas vezes em termos puramente econômicos e políticos,
tem implicações culturais importantíssimas e o estudo do fenômeno religioso tem sido um dos
maiores contribuintes para a compreensão desta faceta do chamado “encolhimento do mundo”.
Aliada ou adversária da globalização, a religião transforma e é transformada na era global.
Religiões valem-se da porosidade das fronteiras do Estado-nação para alimentar, em uma escala
jamais vista, identidades coletivas transnacionais. Ao mesmo tempo, são utilizadas localmente
para demarcar a diferença, a singularidade e afastar o perigo da “homogeneização cultural
ocidental”. Seja por meio da imigração, do trabalho missionário (inclusive pela internet), ou
mesmo do turismo religioso, as mais diversas religiões, tradicionais e recentes, dispersam-se pelo
mundo. (pag. 7)
Em sua resenha sobre a coletânea Religion on the Edge, importante obra da sociologia da
religião contemporânea, Rosas (2016) apresenta os diversos artigos que compõem esse trabalho,
nos permitindo notar em alguns deles a abordagem do tema imigração. O caso mais evidente está
no artigo de Jacqueline Hagan, que estudou um movimento de refúgio advindo de redes religiosas
transnacionais. Hagan mostra que “os imigrantes recebem suporte social, espiritual e psicológico de
movimentos que acabam por advogar por direitos, e monitorar e contestar as práticas
regulamentadoras das imigrações.” (Rosas, 2016, pag.193), desafiando assim a moralidade das
políticas fronteiriças.
Tal como ressaltado por Castro (2014) e Rosas (2016), é possível citar inúmeros outros
trabalhos no âmbito da socióloga da religião que abordam a temática migração, seja para analisar
como ela interfere e modifica o universo religioso ou ainda, como a religião pode incidir nas
dinâmicas migratórias. Diante disso, o presente trabalho em desenvolvimento sugere uma análise da

59
Variável que pode afetar a variável dependente, mas que é neutralizada para não interferir no modelo estatístico.
60
Variável que é resultado, consequência ou resposta de algo que estimulado.

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estratificação social dos refugiados sírios do Brasil, que trate a religião como uma variável
independente dentro da teoria de capital social. A escassez do enfoque religioso nos estudos de
estratificação e mobilidade social, em contrapartida ao rico material elaborado pela sociologia da
religião, aponta a necessidade de intersecções entre essas áreas do conhecimento. Embora o enfoque
sociológico da religião se diferencie daquele abordado pela estratificação social, acredito que os
estudos elaborados pela primeira podem contribuir sobremaneira para a compreensão da dinâmica
dos imigrantes no Brasil, em especial dos refugiados, seja para acesso ao mercado de trabalho, seja
para a mobilidade educacional.
Mais do que própria nacionalidade síria, as entrevistas e observações participantes realizadas
por mim ao longo dos últimos um ano e meio reiteram essa percepção. A importância das
comunidades religiosas no acolhimento dos refugiados sírios no Brasil se faz clara na divisão do
acolhimento entre sírios muçulmanos e sírios cristãos, segundo suas religiões de origem. Isso pôde
ser percebido tanto na observação dos trabalhos com refugiados realizados pela Igreja Católica
Santa Generosa, em São Paulo/SP, como na Paróquia Sagrado Coração de Jesus dos Siríacos
Católicos, em Belo Horizonte/MG, ou mesmo na entrevista com a imigrante síria da Mesquita
Omar Ibn Al-Khatab, em Foz do Iguaçu/PR, que acolhe os refugiados muçulmanos naquele
município. A religião nestes casos, somada à nacionalidade, é o que determina quem recebe esse
público no Brasil, e, consequentemente, como será a inserção social dele, em especial no que se
refere ao mercado de trabalho.

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A securitização dos refugiados sírios pela França


The securitization of syrian refugees by France

Palavras-Chave: Guerra da Síria, Securitização, Refugiados, França, Segurança Societal.


Key Words: Syrian War, Securitization, Refugees, France, Societal Security.

Gabriela Santos da Silva


Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Atualmente pós-graduanda em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).
silva.gaabii@gmail.com

A Guerra da Síria tem se mostrado nos últimos tempos um conflito de grande importância para
o Sistema Internacional. Conflito esse que, no ano de 2017, completa seis anos e sofreu o “spillover
effect” (ou efeito de transbordamento) atingindo grande parte da região do Oriente Médio – seja
através de posicionamentos em relação às partes participantes, seja em função do recebimento dos
refugiados que se deslocaram e continuam a se deslocar para países vizinhos, consequência muito
importante dessa guerra. Não somente países do Oriente Médio são responsáveis pelo recebimento
de refugiados sírios, mas também países da Europa.
Desta forma, ao perceber que países europeus também se envolvem na questão, este trabalho se
propõe a analisar, particularmente, a França e o tratamento que ela tem dado aos refugiados sírios
desde o início da guerra, verificando se esse tratamento teve alterações à medida que a guerra se
estendeu (no sentido de pensar mais na segurança nacional francesa, ou seja, se há um processo de
securitização em relação aos refugiados sírios).
Levando em consideração este objetivo do trabalho, a delimitação espacial se dá no território
sírio (para uma contextualização e entendimento da guerra) e no território francês, país selecionado
para a análise, por conta dos ataques terroristas de origem do Estado Islâmico (conhecido como
ISIS), um dos grupos combatentes na Guerra da Síria, no ano de 2015 (escolhido, também, como a
delimitação temporal final desta pesquisa). Esse é um dos motivos pelos quais a França é o país
central neste trabalho: por conta dos ataques terroristas que sofreu naquele ano, as manifestações do
governo pós-atentados indicam uma alteração política em relação aos refugiados.
Para atingir o objetivo geral – o de analisar a mudança de tratamento francês em relação aos
refugiados sírios e perceber se há um processo de securitização em curso – porém, são necessárias
algumas apresentações teóricas, fundamentais para o entendimento de conceitos que serão
utilizados ao longo do trabalho.

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Assim, a pesquisa trará uma explanação teórica acerca dos tipos de guerra, um fenômeno que
sempre esteve presente no Sistema Internacional e nos estudos de Relações Internacionais. Mesmo
sempre presente no Sistema Internacional, a guerra teve alterações nas suas características e nos
atores que dela tomam parte, o que faz com que surjam diversas categorias que a classificam ao
longo do tempo. Assim, é necessário avaliar as suas diversas modalidades, para que, no âmbito
deste trabalho, seja possível verificar as características dos determinados tipos de guerra que
possam ser trazidas para o contexto da Guerra da Síria, a fim de compará-las.
Além disso, é necessário trazer e explicar o conceito de securitização, de modo que seja
possível entender essa perspectiva de análise dos temas relevantes nesta pesquisa. Uma determinada
escola é trazida para a pesquisa, a Escola de Copenhagen, por conta da consideração que propõe a
outros setores na análise de segurança, além do setor militar – considerado tradicional nesse
assunto. Isso, então, torna esta escola significativa nesta pesquisa, visto que os refugiados não
podem ser considerados como uma questão tradicional para análise de segurança (não se encaixam,
necessária e exclusivamente, no setor tradicional, que é o setor militar).
Ainda neste capítulo, é possível perceber uma junção desses dois assuntos, de modo a analisar a
possível securitização dos refugiados (tomando como perspectiva de segurança outro setor presente
na análise da Escola de Copenhagen, o setor societal).
Finalmente, pretende-se unir todas as questões teóricas para que seja possível chegar ao
objetivo principal do trabalho, através de um estudo de caso da Guerra da Síria e da análise dos
dados e documentos que permitem esse estudo. Assim, inicia-se contextualizando e fornecendo um
histórico da Guerra da Síria, para que seja possível, através das características apresentadas sobre a
guerra, verificar semelhanças com características presentes em determinados tipos de guerra
apresentados na primeira seção. Após, é apresentado um contexto geral da situação dos refugiados
sírios (uma análise de países que mais os recebem, principalmente, aqueles próximos à Síria e uma
comparação desses números com os países europeus que tem participado dessa questão também).
Por fim, o último tópico diz respeito à questão da França. Neste, é feita uma análise de dados e de
notícias para verificar a evolução do tratamento dos refugiados sírios ao longo do tempo.
Dessa forma, a pergunta a qual esta pesquisa pretende responder é: Como, desde o início da Guerra
na Síria, a França tem tratado os refugiados sírios que recebe, e esse tratamento se alterou com o
passar dos anos?
Acredita-se que o tratamento da França em relação aos refugiados, embora sem uma alteração
muito perceptível, está em um processo contínuo de mudança. Ainda há uma preocupação
humanitária com os refugiados que chegam ao país, já que as pessoas continuam sendo acolhidas,

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entretanto, é possível perceber um temor de que os refugiados representem uma ameaça à segurança
nacional, muito partindo da argumentação de que parte dos imigrantes estejam envolvidos em
atividades terroristas. Este último pensamento tornou-se mais presente, principalmente, após os
ataques terroristas ocorridos no ano de 2015, fazendo com que a França tomasse posições mais
firmes. Este posicionamento mais firme pode resultar em uma mudança no tratamento dado aos
refugiados mais rígida a longo prazo, seja através da criação de um processo mais rigoroso para a
aceitação destes (negando mais demandas), seja através do convencimento da população de que se
tratam de pessoas perigosas (o que alimenta um sentimento de xenofobia em relação às pessoas que
já estão dentro da França, podendo aumentar o isolamento e posterior radicalização dessas pessoas,
chegando, até mesmo, ao possível recrutamento pelos grupos terroristas).
Além da análise do objetivo geral da pesquisa, outros objetivos são estabelecidos para
enriquecimento da pesquisa. Como mencionado anteriormente, pretende-se realizar um
mapeamento dos diferentes tipos de guerra (tradicionais e os fenômenos atuais de uso da força)
como uma forma de caracterizar a Guerra da Síria. Além disso, é necessário contextualizar
historicamente a Guerra da Síria, para que seja possível identificar as condições em que se
encontram os refugiados. Outro objetivo é o de analisar os Bancos de Dados franceses, com base
nos estudos e conceitos de Segurança Internacional, para verificar as possíveis alterações no
tratamento dos refugiados. A busca desses objetivos contribuirá para a melhor delimitação do tema.
A pesquisa será feita em torno de um estudo de caso: o conflito sírio. Dessa forma, é possível
restringir o assunto a um exemplo atual e de grande repercussão. Isso colabora para que o ponto
central da questão seja mais bem trabalhado ao se explicarem os conceitos e contextos relevantes e
os trazer para exemplificar o objeto central, além de que o estudo de caso permite a análise de
documentos na sua produção – o que permite que a corroboração (ou não) da hipótese seja mais
perceptível. Ou seja, um embasamento teórico é necessário antes da análise da Guerra da Síria.
Por ser uma guerra recente no contexto internacional, este trabalho se torna relevante no
entendimento dos motivos os quais permitem que esta determinada guerra continue em curso. Além
disso, é possível mapear os grupos combatentes e perceber qual a influência que outros países têm
em relação a estes e no andamento da guerra.
Dessa forma, como já mencionado, a França é escolhida como país de análise na questão da
securitização, principalmente por conta dos ataques terroristas marcados no ano de 2015, o que gera
uma dúvida na maneira através da qual serão tratados os refugiados a partir desses fatos. Há uma
pressão internacional em alguns países do Sistema Internacional, entre eles a França, para que se

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envolvam de modo a ajudar os refugiados que conseguem escapar do conflito. Por outro lado, é
possível que exista receio na aceitação destes por parte daqueles países.
Trata-se de estudo que propõe em sua hipótese um enfrentamento dessa pressão. Isso porque a
acredita-se que, ao contrário da pressão internacional, a França apresenta certas mudanças na
maneira como trata os refugiados sírios, de modo que, ao longo do tempo, tem se preocupado mais
com questões voltadas a sua segurança nacional, o que significa dizer, então, que há um percurso
para uma possível securitização.
Ao afirmar que a França tem enfrentado a pressão internacional por políticas de assistência
humanitária, acredita-se que este seja o início de uma movimentação para esse tipo de pensamento
mais preocupado com a segurança nacional. Dessa maneira, por se tratar de uma possível
diferenciação na própria política do país e no que os outros países têm desejado, esta pesquisa
procura entender essas políticas voltadas para o tema dos refugiados e como elas se manifestam à
medida do tempo, principalmente quando eventos-chave acontecem e possuem o poder de mudar o
curso das ações.

Referências

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passam dos 4 milhões. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/acnur-
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<http://funag.gov.br/loja/download/43-Paz_e_Guerra_entre_as_Nacoes.pdf>.

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<http://www.diplomatie.gouv.fr/en/french-foreign-policy/defence-security/parisattacks-paris-terror-
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parliament>.

France Diplomatie (2015b). Syrie – Prolongation de l’engagement des forces aériennes françaises
en Syrie (25 novembre 2015) Disponível em: <http://www.diplomatie.gouv.fr/fr/anciens-
ministres/laurent-fabius-2012-2016/interventions-a-l-assemblee-nationale-et-au-senat/article/syrie-
prolongation-de-l-engagement-des-forces-aeriennes-francaises-en-syrie-25>.

Furtado, G., Roder, H., & Aguilar, S. L. C.. (2014) A Guerra Civil Síria, o Oriente Médio e o
Sistema Internacional. Série Conflitos Internacionais, Marília, v. 1, n. 6, p.1-6.

Le Figaro. (2015) François Hollande décrète l’état d’urgence. Disponível em:


<http://www.lefigaro.fr/actualite-france/2015/11/14/01016-20151114ARTFIG00005-francois-
hollande-annonce-la-fermeture-des-frontieres.php>.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2017
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Pena, R. F. A. Primavera Árabe. Brasil Escola. Disponível em


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RT News. ‘New Jungle’ grows: Schocking images show migrant camp in French port city, mayor
calls on army. Disponível em: < https://www.rt.com/news/319121-aerial-photos-calais-migrants/>.

Schuurman, B. (2010). Clausewitz and the “New Wars” Scholar, Parameters 40:1, p. 89-100.

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Solicitantes de refúgio no Brasil


Refugee applicants in Brazil

Palavras-chave: Solicitantes de Refúgio. Brasil. Direitos. Proteção. Lei 9474/97.


Keyword: Applicants Refugees. Brazil. Rights. Protection. Law 9474/97.

Isadora d’Avila Lima Nery Gonçalves


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito na Universidade Federal
Fluminense.
isadlima@gmail.com

O presente trabalho busca observar o procedimento de solicitação de refúgio no Brasil. Para


isso, faz-se necessário uma análise bibliográfica e da legislação que aborda o tema. A necessidade
de compreender o procedimento é essencial para que o auxílio aos solicitantes de refúgio se
constitua eficazmente.
Primeiramente perpassa-se por uma abordagem no contexto histórico brasileiro do instituto
do refúgio, pois mediante esta análise é possível compreender a sua construção no tempo e no
espaço, assim como, a sua aplicabilidade no cenário jurídico e a busca por garantia de direitos.
A análise da lei brasileira 9474/97 permite o diálogo com Convenções e Resoluções, sendo
possível em um plano teórico à garantia e proteção de direitos, porém no plano prático é perceptível
a vulnerabilidade em que se encontram os solicitantes de refúgio. A problemática a ser demonstrada
busca enfatizar direitos e deveres, mas acima de tudo a eficácia na proteção.
Sendo assim, tem-se por objetivo, por meio deste trabalho, abordar os direitos humanos dos
refugiados, observar a trajetória dos solicitantes no contexto brasileiro, enfatizar os direitos que lhes
são garantidos e como a sua aplicabilidade é possível e viável, respeitando histórias, memórias e
direitos.
A lei 9474/97 proporciona a compreensão acerca do processo de solicitação de refúgio e o
desenvolvimento que sucede na concessão do status de refugiado no Brasil. A lei inicia-se com a
definição de refugiado em seu artigo 1º, caracterizando-o como o sujeito que sofre fundado temor
de perseguição, porém, a discussão sobre definição é ampla devido à diversidade de Convenções
internacionais.
O fluxo migratório na fronteira brasileira aumentou nos últimos anos, com isso, elaborou-se
uma complementação para a lei 9474/97, editando-se a Resolução Normativa 18/2014 – pelo

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Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) – determinando o procedimento de solicitação de


refúgio e enfatizando que não há necessidade de demonstração prévia de quaisquer requisitos do
artigo 1º da lei supramencionada.
O processo de solicitação tem por ideia o princípio do non-refoulement, partindo do
entendimento de que não pode haver devolução (RAMOS, 2015), ou seja, a deportação ou expulsão
do solicitante de refúgio caracteriza violação a integridade. A proteção do solicitante de refúgio tem
que ser garantida, onde não implica-se a condição de ingresso irregular, pois é um direito do
solicitante de refúgio a partir da sua chegada ao Brasil, efetuar a solicitação. O procedimento inicia-
se com a ida do solicitante à Delegacia da Polícia Federal ou autoridade migratória na fronteira,
porém, o que tem ocorrido, é o medo que muitos solicitantes sentem ao dirigir-se à Delegacia de
Polícia Federal (SEVERO, 2015).
No artigo 9º da lei 9474/97 o procedimento de solicitação de refúgio é expressamente
elucidado, condicionando o solicitante a manifestar o seu interesse perante a autoridade competente,
sendo esta a responsável por preparar o termo de declaração, explicitando as circunstâncias que
levaram ao pedido de refúgio. Após o registro de solicitação ser efetuado, o solicitante de refúgio
tem direito ao Protocolo Provisório, possibilitando a obtenção do Cadastro de Pessoa Física (CPF) e
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
O Protocolo Provisório é a identidade do solicitante de refugio durante todo o processo, é a
prova da condição de solicitante. A Resolução Normativa 18/2014 do CONARE editou a celeridade
na concessão do Protocolo Provisório, na qual se encontra o procedimento de ida do solicitante de
refúgio à autoridade competente para entregar o Termo de Solicitação de Refugio, cabendo a
Polícia Federal em receber o Termo de Solicitação de Refúgio preenchido, concedendo cópia de
todos os documentos ao solicitante de refúgio. O Protocolo tem que ser emitido imediatamente – no
plano prático há violações e morosidade no processo (SEVERO, 2015) – não dependendo da oitiva
– a emissão do protocolo se constituía após o envio do termo de declaração ao CONARE, e
somente este poderia permitir a emissão do Protocolo mediante a Polícia Federal.
Os direitos e deveres são condições constituídas e garantidas ao solicitante de refúgio no
Brasil. O processo legal deve ser gratuito, a integridade do solicitante deve ser preservada, estar
irregular no país não é um fator criminalizante, o acesso ao Cadastro de Pessoa Física e Carteira de
Trabalho e Previdência Social são garantias para que tenha acesso à educação, saúde, emprego, ou
seja, meios que garantam subsistência e dignidade, e estes direitos são garantidos
constitucionalmente pelos artigos 5º ao 7º da CRFB/88. Bem como, é dever do solicitante de
refúgio, não envolver-se com atividades de natureza política, respeitar a Constituição Federal e as

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leis brasileiras, sempre informar ao Comitê Nacional para Refugiados e a Polícia Federal em
situações de alteração de endereço, e manter a documentação atualizada.
Estes são pontos da teoria que se consolidou ao entorno do procedimento de solicitação de
refúgio, porém, no plano prático, a carência de políticas públicas eficazes de proteção aos
solicitantes de refúgio, vem mantendo-os em situações de vulnerabilidade e frequentes violações
aos direitos humanos (SEVERO, 2015).
Sendo assim, percebe-se que há a necessidade do plano teórico ser eficaz em seu plano
prático, ou seja, devemos lutar pela proteção aos direitos humanos dos refugiados, garantindo-lhes a
devida proteção legal. Garantir direitos para que as trajetórias de vida e dignidade sejam respeitadas
e preservadas. A dignidade humana é um princípio e este deve ser garantido.
O caráter de urgência em proporcionar amparo aos solicitantes de refúgio vem com a
necessidade de auxilia-los na formulação da sua fundamentação para solicitar o status de refugiado.
As histórias dentre de suas respectivas particularidades, devem ser respeitadas, visando à garantia
de direitos e orientação ao longo do processo.

Referências

BARRETO, L. P. T. F. Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas
Américas. 1. ed. – Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 – Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso: 05/08/2017.
JUBILUT, L. L. O direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico
brasileiro. São Paulo: Método, 2007.
LEI 9.474/97. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9474.htm. Acesso:
23/05/2017.
RAMOS, A. C. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 5. ed. – São Paulo:
Saraiva, 2015.
RESOLUÇÃO NORMATIVA 4/1998 - CONARE. Disponível em:
http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/asilos-refugiados-e-
apatridas/resolucao-normativa-conare-no-04-1998 Acesso: 05/08/2017
RESOLUÇÃO NORMATIVA 18/2014 - CONARE. Disponível em:
http://www.justica.gov.br/seus-direitos/migracoes/refugio/anexos/resolucao-18-dou-pdf.pdf Acesso:
05/08/2017
SEVERO, Fabiana Galera. O procedimento de solicitação de refúgio no Brasil à luz da proteção
internacional dos direitos humanos. Brasília: R. Defensoria Pública da União, n.8, pp.33-56,
2015.

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Syrian refugees: Brazil as new home


Refugiados Sírios: O Brasil como uma nova casa

Key worlds: Syrians, class, contacts, security, refuge.


Palavras-chave: Sírios; classe; contatos; segurança; refúgio.

Debora Flaminia Draghi Manoel


Mestre em Sociology: Migration and Ethnic Studies
University of Amsterdam
deboradraghi@hotmail.com

This research aims to find the main reasons that have led Syrians to choose Brazil as a new
country to restart their lives. This paper investigates how state policies, class and networking have a
decisive role on Syrians choices and how all these factors have influenced their decisions. However,
Brazil does not offer more than open borders, and the majority of assistance comes from civil
society. For people that have fled conflict and left everything behind, it is hard to begin a new life
without any support. As shown through my research and analysis, Brazil is improving its
integration policies, while at the same time Syrians are overcoming the initial difficulties found
when they first arrive.
Millions of people fled their homes when war broke out in Syria in 2011. At first, many of
them were reluctant to leave, but over the years, with chances of possible peace decreasing and the
conditions becoming more difficult, many Syrians chose to flee in order to find a peaceful life,
away from the brutal situation.
The displacement of nearly 5 million Syrians (UNHCR 2015, 03) has happened since 2011.
The conflict and persecution has lead many people to leave their homes and look for safety. Part of
the displacement happened internally, but millions decided to go further, trying to reach Europe,
most of them through crossing at the Aegean Sea, from Turkey to Greece. For Syrians, Europe
means a place not so far from home that provides everything they need. According to one of the
interviewees, “people lose everything they have in war, so at least when they flee, all they want is a
government that will help them to restart a life, instead of beginning from zero.” However, Europe
is not an easy continent to arrive at: usually it is achieved with a payment to smugglers and involves
risks that have costed thousands of lives. Many European countries have made the entrance more
difficult, hampering visas and making the journey more dangerous and risky for refugees. Until the

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end of 2015, around 11.7 million Syrians had to move, whether internally or to another country
(UNHCR 2015, 06). The majority of the refugee population is in neighboring countries, such as
Turkey, Lebanon or Jordan, corresponding to the first, third and sixth top host countries (UNHCR
2015, 03). With millions trying to cross the Aegean Sea to arrive and live in Europe, many
European national governments have made new policies trying to contain the amount of people
arriving. On the other hand, Brazil has opened its borders through the open-ended Humanitarian
Visa Programme (UNHCR 2016, 21) in 2013 for Syrians, allowing them to find a safe place in a far
continent, very far away from home. Until May 2016, there were 2.298 Syrians in Brazil (CONARE
2016, 11). However, different than Europe, Brazil is 11.000 kilometers away from Syria and does
not provide any kind of support. The culture has many differences and the struggles do not stop
once refugees are in Brazil. Thus, this paper has as purpose to examine the main reasons that have
lead Syrians to seek asylum in the South American country. As verified within the scope of this
research, Brazil was not known by many of its Syrian residents, but, as of now, has more than 2.200
refugees. If Europe is reachable and closer than compared to Brazil, why do thousands of Syrians
find themselves in Brazil right now? If the Humanitarian Programme does not provide anything else
apart from a visa, why have Syrians still decided to go to Brazil and start from little? This research
aims to discover the main causes that have influenced Syrians to choose Brazil as a new home.
Theoretical framework
Two aspects are taken into consideration regarding the theoretical approach: class and
networking. Regarding class, according to Van Hear (2004) having money greatly influenced the
decision on which country migrants would flee to and accompanying route chosen. It is interesting
to point out how class plays an important role in determining the guidelines chosen by refugees. It
is reasonable as Van Hear noted that those in better-off conditions will have greater chances of
fleeing to places that also offer better conditions (2004). Better, in this particular case, may not
mean the country that offers the greatest stability, but the one that is able to give the safety sought
by refugees. Usually better-off people are endowed with financial capital. But it is important to
know the meaning of capital: what helps migrants in specific field in a specific time? Referring to
Bourdieu (as cited in Van Hear, 2004), capital takes many different forms. Whether it is economic,
cultural or social, it is necessary for a migrant to be able to turn one form of capital into another.
According to Bourdieu, capital can be explained as, “properties capable of conferring strength,
power and consequently profit on their holder” (1987). Still, in order to move somewhere else,
migrants need to possess different kinds of capital and mix them to achieve a determined goal, that

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is in terms of international movement. Therefore, only those able to combine capitals, whether they
are social, financial or informational, will be successful in their journeys.
Social networks
Social connections have a decisive role in the migration process. Through networking,
future migrants have the chance to find out more about a place, ask for advice and information from
someone who has previously migrated. To Massey, Goldring and Durand (1994), “people living in
a community characterized by a long history and high prevalence of out-migration are very likely to
be connected socially to people who have been abroad, and these people tend to have considerable
knowledge about conditions and resources at points of destination”. These quote can be applied to
the findings of this research, as will be further seen: the number of interviewed people that had a
prior contact in Brazil is considerable and should be taken into consideration. Through them, they
had the chance to gather more information and choose a city to live based upon a prior contact they
had there. Also, according to Massey et al(1994) risks and costs are reduced when migrants have
social connections. It is always more difficult for the first migrants to face a movement if compared
to those that have a prior connection in advance: it is more difficult in a financial and psychological
way. Usually the first ones to arrive do not know what to expect, nor whether their duties, language,
culture and other different aspects hamper successful integration (Massey et al 1994). If other
migrants move in advance, they make the path safer and more possible for those who have the same
wish. As found in this research, many of the refugees picked a certain city to go and settle down in
Brazil because they had prior contacts there that would allow them to decrease the expenses and
risks. Besides, after arriving in a new society, learning the language, making connections to
nationals, finding a job and becoming more adapted, many decide to settle down in a new society,
confirming what Massey et al mentioned (1994, 1499-1502). Furthermore, it must be reminded that,
for refugees, settling down should be an option because most of them do not have anywhere else to
go in a short term. Within a few years, it could be possible to move somewhere else, but if they,
initially, were accepted to live in Brazil, they might spend a few years there before migrating to a
second place.
Conclusion
It is relevant to point out that safety was a key word in this research. All the migrants
interviewed had the chance to move somewhere else, mainly Europe, but they did not try that
because it could be lethal, thus they decided to take a secure journey in order to arrive in safe in
Brazil. All of the interviewees had the financial means to pay a smuggler and cross to Europe. But
at the same time, they all had enough means to pay a ticket from Middle East to Brazil and restart a

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new life in South America. However, it was not just about arriving in safe: it was about having all
the documents, belonging to a nation and being able to have a job, have the same rights as national
citizens and having the chance to restart a new life knowing that they do not have to move
somewhere else within a few years. It is relevant to mention how social connections, religious
institutions, Brasil’s policies, class positions and Europe’s hostile policies have had a crucial role to
determine Syrians decisions to migrate to South America. Thus, reuniting the unfriendly policies of
most countries in the North of the Globe, the open borders in Brazil, the fear of embarking in a
dangerous journey, social contacts available and the good economic means for most of them, it is
possible to verify that all these possibilities, mostly combined, have led Syrians to choose Brazil as
a new country to establish.

Bibliography
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Migration Policy Institute.
Ajay Bailey, Inge Hutter and Monique Hennink, Qualitative Research Methods. 2011 (London:
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CONARE. Comite Nacional para os Refugiados. 2016. Sistema de Refugio Brasileiro: Desafios e
Perspectivas. Accessed June 24, 2016.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Sistema_de_Refugio_brasile
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Goldring and Jorge Durand, “Continuities in Transnational Migration: An Analysis of Nineteen
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Infância e cultura: primeiras linhas sobre crianças refugiadas


Childhood and culture: first lines on refugee children

Palavras-chave: Crianças refugiadas, pesquisa com crianças, infâncias, ética, ética na pesquisa.
Keywords: Refugee children, research with children, childhood, ethics, research ethics.

Fernanda de Azevedo Milanez


Doutoranda em Educação – ProPEd/GPICC61
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
milanez21@gmail.com

Este trabalho pinça questões iniciais que emergem de uma pesquisa de doutoramento em curso que
situa-se no campo dos Estudos da Infância, cujo olhar se lança especificamente sobre crianças em
situação de refúgio. Tem por objetivo revelar modos de perceber infâncias contemporâneas,
balizados pela filosofia de Walter Benjamin e seus conceitos de cultura e história, infância e
memória, de origem e ruína, em diálogo com os caminhos das próprias crianças, em suas andanças
e deslocamentos pelo mundo. Ao demarcar a fusão de seus espaços-tempos com as experiências
vividas nos encontros e observações da pesquisa, poderemos identificar aquilo que o filósofo da
linguagem Mikhail Bakhtin conceituou como cronotopo, categoria literária que funde tais
dimensões, e que, ao ser emprestada às ciências humanas, pode ser balizadora para a construção de
uma ética e, por conseguinte, uma metodologia de pesquisa que sigam para além dos limites
protocolares e normativos, sendo construídas e revisadas ao longo de todo o processo. É na
eminência do encontro de diferentes culturas geracionais com suas complexidades, singularidades,
continuidades e permanências, que se cria campo fértil para uma relação de alteridade entre adultos
e crianças que possam se reconhecer nas diferenças e se tornar propositivamente visíveis, uma vez
que historicamente somos nós adultos que nomeamos, categorizamos, narramos sobre as
experiências infantis, expropriando-as do debate atual sobre o lugar social que ocupam nas relações
de poder estabelecidas, propondo que outros pontos de vista possam ser narrados por elas mesmas.

Bibliografia
Agamben, G. (2005). Infância e História: Destruição da experiência e origem da história. Belo
Horizonte: Editora UFMG/Humanitas.
Bakhtin, M. (2003) Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes.

PROPED – Programa de Pós Graduação em Educação da UERJ e GPICC – Grupo de Pesquisa em infância e Cultura
61

Contemporânea, coordenado pela profª Drª Rita Ribes.

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Refugiados sírios na França: uma abordagem da Escola de


Copenhagen e do processo de securitização
Syrian refugees in France: an approach to Copenhagen School and the securitization process

Palavras-chave: Guerra da Síria. Securitização. Refugiados. França. Segurança Societal.


Keywords: Syrian War, Securitization, Refugees, France, Societal Security.

Gabriela Santos da Silva


Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Atualmente pós-graduanda em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).
silva.gaabii@gmail.com

A Guerra da Síria tem se mostrado, nos últimos tempos, um conflito de grande importância
para o Sistema Internacional. Conflito esse que, no ano de 2018, completa sete anos e sofreu o
“spillover effect” (ou efeito de transbordamento) atingindo grande parte da região do Oriente Médio
– seja por meio de posicionamentos em relação às partes participantes, seja em função do
recebimento dos refugiados que se deslocaram e continuam a se deslocar para países vizinhos,
consequência muito importante dessa guerra. Não somente países do Oriente Médio são
responsáveis pelo recebimento de refugiados sírios, mas também países da Europa.
Desta forma, ao perceber que países europeus também se envolvem na questão, este trabalho se
propõe a analisar, particularmente, a França e o tratamento que ela tem dado aos refugiados sírios
desde o início da guerra, verificando se esse tratamento teve alterações à medida que a guerra se
estendeu (no sentido de pensar mais na segurança nacional francesa, ou seja, se há um processo de
securitização em relação aos refugiados sírios).
Levando em consideração este objetivo do trabalho, o estudo se delimita no território sírio
(para uma contextualização e entendimento da guerra) e no território francês, país selecionado para
a análise – por conta dos atentados terroristas sofridos, assumidos pelo Estado Islâmico (conhecido
como ISIS). Esse é um dos motivos pelos quais a França é o país central neste trabalho: após os
atentados sofridos em 2015, as manifestações do governo indicam uma alteração política em
relação aos refugiados.
Para atingir o objetivo geral – o de analisar a mudança de tratamento francês em relação aos
refugiados sírios e perceber se há um processo de securitização em curso – são necessárias algumas
apresentações teóricas, fundamentais para o entendimento de conceitos que serão utilizados ao
longo do artigo.
Assim, a pesquisa traz uma explanação teórica acerca dos tipos de guerra, um fenômeno que
sempre esteve presente no Sistema Internacional e nos estudos de Relações Internacionais. Mesmo
sempre presente no Sistema Internacional, a guerra teve alterações nas suas características e nos
atores que dela tomam parte, o que faz com que surjam diversas categorias que a classificam ao
longo do tempo. Assim, é necessário avaliar as suas diversas modalidades, para que, no âmbito
deste trabalho, seja possível verificar as características dos determinados tipos de guerra que
possam ser trazidas para o contexto da Guerra da Síria, a fim de compará-las.
Além disso, é necessário trazer e explicar o conceito de securitização, de modo que seja
possível entender essa perspectiva de análise para o tema de refugiados, central nesta pesquisa.
Uma determinada escola é trazida para a pesquisa, a Escola de Copenhagen, por conta da

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consideração que propõe a outros setores na análise de segurança, além do setor militar –
considerado tradicional nesse assunto. Isso, então, torna esta escola significativa, uma vez que os
refugiados não podem ser considerados como parte da questão tradicional de análise de segurança
(não se encaixam, necessária e exclusivamente, no setor militar).
Finalmente, pretende-se unir todas as questões teóricas para que seja possível chegar ao
objetivo principal do trabalho, por meio de um estudo de caso da Guerra da Síria e da análise dos
dados e documentos que permitem esse estudo. Assim, inicia-se contextualizando e fornecendo um
histórico da Guerra da Síria, para que seja possível, por meio das características apresentadas sobre
a guerra, verificar semelhanças com características presentes em determinados tipos de guerra
apresentados na primeira seção. Na sequência, é apresentado um contexto geral da situação dos
refugiados sírios (uma análise de países que mais os recebem, principalmente, aqueles próximos à
Síria e uma comparação desses números com os países europeus que têm, também, participado
dessa questão). Por fim, o último tópico diz respeito à questão da França. Neste, é feita uma análise
de dados e de notícias para verificar a evolução do tratamento dos refugiados sírios ao longo do
tempo.
Dessa forma, a pergunta a qual esta pesquisa pretende responder é: Como, desde o início da Guerra
na Síria, a França tem tratado os refugiados sírios que recebe, e esse tratamento se alterou com o
passar dos anos?
Acredita-se que o tratamento da França em relação aos refugiados, apesar de não ser uma alteração
muito perceptível, está em um processo contínuo de mudança. Ainda há uma preocupação
humanitária com os refugiados que chegam ao país, já que as pessoas continuam sendo acolhidas,
entretanto, é possível perceber um temor de que os refugiados representem uma ameaça à segurança
nacional, muito partindo da argumentação de que parte dos imigrantes estejam envolvidos em
atividades terroristas. Este último pensamento tornou-se mais presente, principalmente, após os
ataques terroristas ocorridos no ano de 2015, fazendo com que a França tomasse posições mais
firmes. Este posicionamento mais firme pode resultar em uma mudança no tratamento dado aos
refugiados mais rígida a longo prazo, seja através da criação de um processo mais rigoroso para a
aceitação destes (negando mais demandas), seja por meio do convencimento da população de que se
tratam de pessoas perigosas (o que alimenta um sentimento de xenofobia em relação às pessoas que
já estão dentro da França, podendo aumentar o isolamento e posterior radicalização dessas pessoas,
chegando, até mesmo, ao possível recrutamento pelos grupos terroristas).
Além da análise do objetivo geral, outros objetivos são estabelecidos para enriquecimento da
pesquisa. Como mencionado anteriormente, pretende-se realizar um mapeamento dos diferentes
tipos de guerra (tradicionais e os fenômenos atuais de uso da força) como uma forma de caracterizar
a Guerra da Síria. Além disso, é necessário contextualizar historicamente a Guerra da Síria, para
que seja possível identificar as condições em que se encontram os refugiados. Outro objetivo é o de
analisar os bancos de dados franceses, com base nos estudos e conceitos de Segurança
Internacional, para verificar as possíveis alterações no tratamento dos refugiados. A busca desses
objetivos contribuirá para a melhor delimitação do tema.
A pesquisa será feita em torno de um estudo de caso: o conflito sírio. Dessa forma, é possível
restringir o assunto a um exemplo atual e de grande repercussão. Isso colabora para que o ponto
central da questão seja mais bem trabalhado ao se explicarem os conceitos e contextos relevantes e
os trazer para exemplificar o objeto central, além de que o estudo de caso permite a análise de
documentos na sua produção – o que permite que a corroboração (ou não) da hipótese seja mais
perceptível. Ou seja, um embasamento teórico é necessário antes da análise da Guerra da Síria.
Por ser uma guerra recente no contexto internacional, este trabalho se torna relevante no
entendimento dos motivos os quais permitem que essa determinada guerra continue em curso. Além
disso, é possível mapear os grupos combatentes e perceber qual a influência que outros países têm
em relação a estes e no andamento da guerra.

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Dessa forma, como já mencionado, a França é escolhida como país de análise na questão da
securitização, principalmente por conta dos atentados terroristas marcados no ano de 2015, o que
gera uma dúvida na maneira através da qual serão tratados os refugiados a partir desses fatos. Há
uma pressão internacional em alguns países do Sistema Internacional, entre eles a França, para que
se envolvam de modo a ajudar os refugiados que conseguem escapar do conflito. Por outro lado, é
possível que exista receio na aceitação destes por parte daqueles países.
Trata-se de estudo que propõe em sua hipótese um enfrentamento dessa pressão. Isso porque
acredita-se que, ao contrário da pressão internacional, a França apresenta certas mudanças na
maneira como trata os refugiados sírios, de modo que, ao longo do tempo, tem se preocupado mais
com questões voltadas a sua segurança nacional, o que significa dizer, então, que há um percurso
para uma possível securitização.
Ao afirmar que a França tem enfrentado a pressão internacional por políticas de assistência
humanitária, acredita-se que este seja o início de uma movimentação para esse tipo de pensamento
mais preocupado com a segurança nacional. Dessa maneira, por se tratar de uma possível
diferenciação na própria política do país e no que os outros países têm desejado, esta pesquisa
procura entender essas políticas voltadas para o tema dos refugiados e como elas se manifestam à
medida do tempo, principalmente quando eventos-chave acontecem e possuem o poder de mudar o
curso das ações dos países.

Referências

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passam dos 4 milhões. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/acnur-
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Refugiados: tensões em um imaginário de acolhimento


Refugees: tensions in a welcoming image

Palavras-chave: Imigrantes refugiados. Imaginário de acolhimento. Análise do Discurso. Negação.


Estereótipos.
Key-words: Refugee immigrants. Welcoming image. Discourse Analysis. Denial. Stereotypes.

Sabrina Sant’Anna Rizental


Doutoranda em Linguística
Universidade Estadual de Campinas
sabrina.santanna.k@gmail.com

O Rio de Janeiro é uma das cidades do Brasil que abriu suas portas aos estrangeiros que se
encontram na condição de imigrantes que solicitam refúgio e também aos que já estão reconhecidos
como refugiados. Estes estrangeiros procedentes de diversos países, e que após fugir de situações
que violam os direitos humanos tentam reconstruir a vida e ocupam ruas de alguns bairros da cidade
para vender produtos de sua cultura e lutar pela sobrevivência, ocupam o lugar de imigrantes
refugiados nesta cidade onde circulam dizeres que produzem uma construção imaginária, também
atribuída ao Brasil, como lugar de acolhimento. Trata-se de um imaginário no qual comparecem
discursos que se inscrevem numa rede de memórias constantemente retomada em nossa formação
social. No discurso político, por exemplo:
“o Brasil é um país de refugiados. Meu pai era refugiado da Segunda
Guerra Mundial, e tivemos sempre uma relação de abertura, não só
temos hoje no Brasil uma população síria muito expressiva, que
mora, vive, trabalha e cria seus filhos, tem seus amigos, seus parentes
no Brasil. Nós estamos de braços abertos para receber. Mesmo
enfrentando as nossas dificuldades, isso não significa que no nosso
país não caibam sempre mais pessoas. Nós somos um país
continental, e para todos os refugiados que quiserem vir trabalhar,
viver em paz, ajudar a construir o país, criar seus filhos, desenvolver
e viver com dignidade, nós estamos de braços abertos” (Dilma
Rousseff em entrevista coletiva concedida após a reunião de cúpula do
G4, em Nova Iorque, 26/09/2015, EUA – fonte: Portal Planalto,
publicado em 26/09/2015).
Este trabalho é um recorte da pesquisa de mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, em março de 2017, sob
a orientação da Prof.ª Dr.ª Vanise Gomes de Medeiros e coorientação da Prof.ª Dr.ª Maria Del
Carmen Daher, e propõe pensar os discursos dos e os discursos sobre os imigrantes refugiados,
levando em conta o que se diz, o que é silenciado e o que comparece como já-dito, o pré-construído,
o “‘sempre-já-aí’ da interpelação ideológica que fornece-impõe a ‘realidade’ e seu ‘sentido’ sob a
forma da universalidade (o ‘mundo das coisas’)” (PÊCHEUX, 2014[1988], p. 151). Segundo
Pêcheux, isso significa dizer que algo fala sempre antes, independentemente, em outro lugar e este
algo se encontra sob a dominação das formações ideológicas. No Brasil, este algo é retomado e
repetido no imaginário do país dito como acolhedor. Neste recorte tratamos dos efeitos de sentidos
mais latentes que apagam outros sentidos pela forma como estes estrangeiros são ditos: como

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estrangeiros que fugiram de seus países de origem em busca de refúgio em outro país. Interessa-nos
analisar os efeitos desses dizeres a partir da memória que movimenta outros sentidos nos deslizes.
No funcionamento desta memória comparecem já-ditos naturalizados pelo uso e que perderam sua
referência como se a historicidade do sentido que se foi constituindo ao longo do percurso, por
outros dizeres, em outros momentos, em outros lugares desconhecidos, não pudesse afetar a
formulação de novos dizeres (ORLANDI, 2012).
Esta pesquisa está ancorada na Análise do Discurso Francesa (AD), que se fundamenta nos
estudos de Michel Pêcheux e Eni Orlandi, no Brasil, e tem como objetivo pensar o funcionamento
dos discursos que ao significar o imigrante refugiado no imaginário de acolhida dito sobre o Rio de
Janeiro produzem tensões. As noções de sujeito, formações imaginárias, interdiscursos e também
outras noções da AD são mobilizadas, considerando as contradições inscritas nestes discursos. A
partir de um corpus constituído por alguns materiais, dos quais se destacam dois mais específicos
que observamos com mais vagar, analisamos os dizeres do imigrante refugiado e os dizeres
institucionais sobre este estrangeiro. O primeiro material é o proferimento de um imigrante
refugiado da República Democrática do Congo, que foi realizado durante a celebração do Dia
Mundial do Refugiado, em 2015, num seminário organizado pelo Ministério Público do Trabalho
no Rio de Janeiro e o segundo material é uma apresentação institucional da Cáritas RJ, instituição
responsável pelo acolhimento dos estrangeiros que chegam no Rio de Janeiro e solicitam refúgio,
pelo acompanhamento daqueles que já se encontram na condição de imigrantes refugiados e por
oferecer projetos direcionados a este público, tais como: acompanhamento de sua reintegração na
sociedade, contando com o apoio de assistentes sociais, atendimento jurídico, curso de português,
entre outros. A partir destes materiais, analisamos algumas sequências discursivas cujas marcas
linguísticas permitem refletir sobre seus diferentes funcionamentos nos discursos do imigrante
refugiado e da instituição, com especial ênfase para a negação.
Indursky diz que “a negação é um dos processos de internalização de enunciados oriundos
de outros discursos, podendo indicar a existência de operações diversas no interior do discurso em
análise. Em suma, essa construção evidencia a presença do discurso-outro” (INDURSKY, 1992, p.
307) inserido no discurso do imigrante refugiado e no discurso sobre este imigrante.
Do funcionamento do não, repetido nos dizeres do estrangeiro e da instituição, analisamos
a formulação da negação e sua operacionalização nos processos discursivos, produzindo sentidos a
respeito dos imigrantes refugiados neste imaginário de acolhida. A análise do proferimento tem
como foco o funcionamento da designação e da imagem do imigrante refugiado, nas diferenças que
surgem na troca com o outro que o recebe, que o acolhe no país e na cidade destinatária, e nos
discursos referentes ao trabalho deste estrangeiro que agora busca oportunidades para reconstruir
sua vida num lugar, que em muitos casos, é bastante distinto daquele ao qual se sentia pertencente,
o lugar de sua origem, a casa sua que precisou deixar para trás. Os estereótipos, a alteridade, a
negação, o conceito de refugiado, o acolhimento e as tensões na relação com o outro são analisados
a partir de fragmentos da transcrição do proferimento e de slides que destacamos da apresentação
institucional. Nos dois materiais há ampla utilização da negação. No proferimento, o sujeito
primeiro usa o não para negar algumas proposições e depois afirmar, mostrar e significar o
imigrante refugiado num imaginário de Brasil e de Rio de Janeiro como lugares acolhedores e
abertos à diversidade. Esse funcionamento é expressado através das seguintes fórmulas: não somos
x, somos y – “Não somos diferentes das outras pessoas. Queremos liberdade, queremos paz e
queremos uma vida digna”: Kongo, Charly (proferimento realizado no Ministério Público do
Trabalho no Rio de Janeiro - MPT RJ, 15 de junho de 2015 – itálicos nossos); ou a fórmula não x
porque y – “Não deixamos nosso país por uma escolha. A única opção que tínhamos era entre
morrer ou viver. (idem)”. Através de fórmulas também podemos expressar o funcionamento dos
estereótipos: se x logo y: “Só pelo fato de sermos africanos, somos considerados analfabetos.
Pensam que não temos cultura, que não temos formação, que somos ignorantes. Só pelo fato de

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sermos árabes, pensam que somos terroristas. Pelo fato de sermos colombianos, somos traficantes.
Somos como todos outros: queremos liberdade, temos sonhos e queremos gozar a vida. (KONGO,
2015 – itálicos nossos)”, isto é, a fórmula “se x logo y”, diz que se africano logo analfabeto,
ignorante; se árabe logo terrorista; se colombiano logo traficante.
Brandão traz Amossy para dizer que “os estereótipos ‘são imagens preconcebidas e
cristalizadas, sumárias e recortadas das coisas e dos seres’ que o indivíduo recebe de seu meio
social e que ‘determinam em maior ou menor grau sua maneira de pensar, de sentir e de agir’. Os
estereótipos são, pois, imagens de segunda mão que mediatizam nossa relação com o real. Nós
percebemos, com efeito, somente o que nossa cultura definiu antecipadamente por nós. No domínio
das ciências sociais, o termo estereótipo tem tido geralmente seu sentido ligado ao preconceito; mas
no domínio das letras e da comunicação ele está ligado antes à idéia do pré- construído [...]”.
(AMOSSY, 1991 apud BRANDÃO, 2006, p. 243 - aspas da autora).
Na apresentação institucional, a negação comparece como aquela que produz sentidos de
impedimento, expressada por diversos nãos, inclusive NÃOs em caixa alta, que deslocam sentidos,
mostrando as tensões recorrentes no imaginário de acolhimento constantemente recuperado e
repetido nos dizeres sobre o Brasil e o Rio de Janeiro. Por fim, este trabalho pretende mostrar como
na pesquisa buscamos compreender os efeitos de sentido que podem ser produzidos pelos discursos
do e pelos discursos sobre o imigrante refugiado neste imaginário. Mostramos que o Brasil é dito
como um país onde circulam discursos que produzem efeitos de sentidos de terra que acolhe, terra
que abriga, terra que recebe o outro.
Efeitos correntes em discursos que tocam a questão do estrangeiro que chega aqui e que
atribuem sentidos de hospitalidade ao país, propondo pensar que há esta construção imaginária de
lugar de acolhimento e esse discurso também se estende à imagem do Rio de Janeiro, a “cidade
maravilhosa” com seu Cristo Redentor de braços abertos. Contudo, identificamos que este
imaginário é tenso. As pistas inscritas na materialidade linguística que comparecem no discurso do
imigrante refugiado e no discurso institucional demonstram essa tensão. O Brasil não fecha suas
portas. Acolhe, mas... Há um não-dito que significa e produz sentidos, sentidos adversativos,
ambíguos, sentidos que deslizam. O Rio de Janeiro, bem como o Brasil, também acolhe, mas
também deixa lacunas. Estas lacunas se materializam nos dizeres destacados do corpus da pesquisa,
nos dizeres que nos fornecem estas pistas para problematizar, refletir sobre o acolhimento, bem
como mobilizar sentidos sobre as tensões que fazem parte desta construção imaginária.

Referências
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estereotipia. Filologia e Linguística Portuguesa, USP, 8, 239-250. Recuperado em 14 de maio,
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PORTAL PLANALTO. (2015). [Entrevista coletiva concedida pela Presidenta da República,


Dilma Rousseff, após reunião de Cúpula do G4 – Nova Iorque/EUA]. Planalto – Presidência da
República. Nova Iorque. Recuperado em 21 de novembro, 2015, de:
http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/entrevistas/entrevistas/entrevista-coletiva-
concedida-pela-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-apos-reuniao-de-cupula-do-g4-nova-iorque-
eua

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Política de migração entre a União Europeia e Alemanha: escalas e


possibilidades de cooperação
Migration policy between the Ruropean Union and Germany: scales and possibilities of cooperation

Palavras-chave: Migração; Europa; Crise de Refugiados; Alemanha; Berlim


Keywords: Migration; Europe; Refugee Crisis; Germany; Berlin.

Zélia Aurea Azevedo Thomaz


Geógrafa e Licenciada em Geografia – UFF. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e docente em Geografia no Colégio Pedro II.
zeliaaurea@id.uff.br

Introdução
Pode-se dizer que desde a sua fundação, a União Europeia pensa em uma política comum de
migração. Nesse sentido, o Tratado de Maastricht (1993) fundou o bloco sob 3 pilares: o primeiro
pilar trataria das comunidades europeias, o segundo pilar seria responsável pela política externa
comum e segurança política e o terceiro pilar seria aquele em que a migração estaria presente, ou
seja, o pilar da Justiça e Assuntos Internos. As decisões desse pilar seriam decisões
intergovernamentais e abordariam a concessão de asilo, controle de fronteiras, imigração, direito de
residência de cidadãos de fora da UE, combate ao tráfico de drogas, fraude internacional,
cooperação judicial em questões civis e criminais, cooperação policial para combate ao terrorismo e
outros crimes sérios por meio da EUROPOL. Desde o início o Reino Unido, a Irlanda e a
Dinamarca decidiram não aderir o terceiro pilar.
É com o Tratado de Amsterdã em 1997 a inclusão da Área de Liberdade, Segurança e
Justiça nos objetivos da UE assim como a incorporação do Tratado de Schengen. No entanto o
Reino Unido, Irlanda e Dinamarca ganharam vários opt-outs, que são as não-adesões, da nova área
de Liberdade, Segurança e Justiça além do Tratado de Schengen (Phinnemore, 2010).
Em 2004 o pilar de Justiça e Assuntos Internos passou a ser decidido apenas pela União
Europeia sendo rebatizado em 2009 para “Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça”,
tendo suas decisões e competências compartilhadas entre a União Europeia e os países membros. O
que muito se questiona é que a política de migração faz parte da União Europeia desde a sua
fundação, mas muitas propostas como a Política Comum de Asilo não tiveram legislação suficiente
para que fosse colocada em prática, sendo só posteriormente à crise de refugiados o estabelecimento

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de legislação mais contundente e maior pressão direcionada aos países para que participem e
adotem essa política.
Este trabalho pretende discutir os desafios e possibilidades de cooperação na crise
migratória instaurada na União Europeia a partir de 2015. Percebe-se que a União Europeia deu
prosseguimento a várias políticas como a Política Comum de Asilo, Agenda Urbana, Agenda de
Migração e a Estratégia Global. Serão essas decisões que irão ancorar as legislações nacionais nas
próximas décadas e consequentemente a mobilidade demográfica do bloco. A Alemanha se
posiciona no contexto dos países da União Europeia, com a responsabilidade enorme de acolher,
hospedar, educar e integrar pessoas de diferentes culturas, com diversos níveis educacionais. Por
esse motivo, ao analisar a Alemanha nesta pesquisa, o foco é discutir as formas de proteção, as
estratégias de integração e seu possível êxito.

Metodologia
Como modalidade e metodologia de pesquisa utilizadas neste trabalho, o mesmo pode ser
caracterizado substancialmente, por uma pesquisa qualitativa contendo a análise de conteúdo, a
análise de informações em documentos e legislações da União Europeia e também da Alemanha, e
também a realização de uma pesquisa de campo em dezembro de 2017 em Hamburgo e Berlim,
para levantamento de informações e mapeamento da distribuição migratória na Alemanha.

Migração e União Europeia


Uma das legislações que entraram em colapso após a crise de refugiados foi o Tratado de
Dublin. Pela regra atual, as solicitações sobrecarregam poucos Estados, o compartilhamento de
responsabilidades não é equitável, os solicitantes não podem escolher para onde vão e certos países
oferecem um sistema de asilo mais atraente que outros, o que faz com que muitos imigrantes
tenham tais países como destino. Um exemplo disso é a Alemanha e a Suécia. Por isso, um novo
sistema automatizado e melhor partilha de responsabilidades é necessário, além de sua reforma
também refletir sobre em qual momento um Estado está submetido a uma pressão migratória como
foi o caso da Grécia e Itália.
Em meio à crise, a União Europeia lança sua Agenda de Migração em maio de 2015,
seguida de 3 pacotes de medidas. No primeiro pacote de medidas, em maio de 2015, houve a
relocalização, ou seja, um mecanismo de resposta de emergência para ajudar a Itália e a Grécia
dando 6 mil euros por pessoa para cada país que recebê-los, a reinstalação de vinte mil pessoas em
que a ACNUR identificou como necessitando de proteção internacional, houve também a

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consolidação de um plano de ação contra tráfico de migrantes além de orientações sobre a recolha
de impressões digitais logo na chegada. Já no 2º pacote de medidas em setembro de 2015, houve a
de distribuição que considera a população (40%), 40% do PIB, 10% taxa de desemprego e 10% da
recepção de pedidos de asilo anteriores. Além disso também reconheceu como países seguros a
Albânia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Kosovo, Montenegro, Sérvia e Turquia. Já o terceiro
pacote de medidas, em dezembro de 2015, cria a Guarda Costeira Europeia, sob comando da
Frontex.

Alemanha em meio a atual crise de refugiados


A Alemanha se posiciona então no contexto dos países da União Europeia, com a
responsabilidade enorme de acolher, hospedar, educar e integrar pessoas de diferentes culturas, com
diversos níveis educacionais. Por esse motivo, ao analisar a Alemanha neste trabalho, o foco é
discutir as formas de proteção, as estratégias de integração e seu possível êxito.
No caso alemão, são três as formas de proteção: a proteção subsidiária, o direito de asilo e o
status de refugiado. Já as estratégias de integração incluem o estudo do sistema de cotas na alocação
de refugiados, o sistema de distribuição no país, sobretudo nas cidades-estados como Berlim, a
distribuição de fundos provenientes da instancia federal, estadual e municipal e as estratégias de
quem está frente-a-frente com o imigrante, o que inclui as ONGs como atores importantes.
Uma outra mudança foi rever a própria legislação do país. A lei trabalhista foi alterada de forma
que as empresas possam empregar estrangeiros com a mesma ordem de prioridade de um alemão.
Além disso o país se apressou para a construção de alojamentos e moradias e garantir o ensino da
língua alemã para os recém-chegados e transformando o aprendizado do idioma em condição
obrigatória para estar no país. Além disso, o governo federal alemão passou a reembolsar os
municípios em parte dos custos incorridos com os refugiados recém-chegados (Katz et al, 2016).
A Alemanha se destacou pressionando a rediscussão de tratados internacionais além daqueles
concernentes ao bloco, como o Tratado de Dublin, se solidarizando especialmente com a Grécia e
Hungria por serem países de trajeto e que deveriam juridicamente arcar com a responsabilidade das
solicitações de asilo, retomou a discussão do alargamento ou aprofundamento das relações entre os
países membros do bloco e fez com que a União Europeia colocasse a Turquia como aliada, mesmo
ciente das falhas da democracia dentro deste país.

Resultados

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Percebe-se que os próprios imigrantes precisam lidar com diferentes escalas caso queiram se
estabelecer na União Europeia. A primeira delas é o desafio de adentrar no solo “europeu” e
posteriormente chegar ao país de destino para dar então entrada à sua solicitação de asilo ou, nos
casos mais recentes, dar entrada na solicitação de asilo em solo grego ou italiano – os países de
chegada mais usuais - e aguardar saber para qual país será enviado. Caso vá para a Alemanha, esse
solicitante é distribuído em meio aos estados por um mecanismo alvo de inúmeras críticas, o
Königstein Schlüssel que desconsidera o custo de vida e déficit habitacional dos estados alemães.
Posterior a isso, cada estado tem então seus próprios critérios para distribuição em suas comunas.
Após seis meses a solicitação, se aprovada, dará direito ao imigrante em se estabelecer onde ele
quiser dentro do território alemão.

Considerações Finais
Se o objetivo da União Europeia é de se tornar mais unida e mais forte, como se daria o
papel da Alemanha na recepção dos imigrantes para que o objetivo da União seja realmente
alcançado? Podemos dizer que há uma coesão entre os países da EU na distribuição dos imigrantes?
Essas são questões cujo desenvolvimento dessa pesquisa tentará compreender.
Apenas no caso alemão, muitas dúvidas insurgem, e que são fundamentais, como as
competências das instâncias políticas administrativas alemães, a origem dos recursos provenientes
para os primeiros cuidados como moradia e alimentação, as funções das ONGs e Órgãos Públicos
na crise migratória, o motivo da suspensão do reagrupamento familiar na Alemanha, o papel do país
em pressionar a União Europeia na mudança de suas políticas, e ao fim, os motivos de revisão do
Königstein Schlussel.

Referências
Katz, B.; Noring, L.; Garrelts, N. (2016). Cities and Refugees – The German Experience. Brookings
Institution Forum: The European Response. United Nations General Assembly.
Phinnemore, D. (2010). The European Union: Establishment and Development. In: CINI, Michelle
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information/docs/communication_on_the_european_agenda_on_migration_pt.pdf. Acesso em 08 de
março de 2017.

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Imigração e Insegurança: Representações aprisionam? Uma


etnografia no bairro Veronetta
Immigration and Insecurity: Does representation imprision? An ethnography in the
neighbourhood Veronetta

Palavras chaves: Imigração, Insegurança, etnografia, Itália


Key words: Immigration, insecurity, ethnography, Italy

Fabiane Cristina Albuquerque


Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás. Master di Primo e Secondo
livello pela Università di Verona- Italia.
Doutoranda em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP.
fabcristbr@hotmail.com

Esse resumo se refere à pesquisa de mestrado realizada em Veronetta, um bairro da cidade de


Verona (norte da Itália), entre dezembro de 2015 e abril de 2016. Através de um trabalho
etnográfico, entrevistas semiestruturadas e observação participante, buscou-se compreender se os
imigrantes incorporam ou não a representação dominante sobre eles, a saber, ligada à insegurança,
às condições de vida e suas lutas num contexto de globalização, fronteiras materiais e invisíveis e
leis cada vez mais rígidas que criminalizam o próprio ato de imigrar. Ao todo, foram feitas 37
entrevistas com imigrantes de diversas nacionalidades (marroquinos, albaneses, romenos,
brasileiros, indianos, cingaleses, japonês, alemão, macedônio, nigerianos, guineenses etc.)
O sentimento de insegurança é tema de muitos estudos sociológicos em ao redor do mundo.
Na Itália, o sentimento de insegurança percebido pela população ao longo dos anos vem sendo
direcionado aos imigrantes, sobretudo quando utilizado por partidos políticos em
propostas/programas. Para muitos estudiosos a insegurança é consequência de grandes
transformações sociais e da crise da modernidade – modernidade líquida, globalização, fluxo
imigratório (Bauman, Giddens, Beck) – e alguns autores italianos (Colombo, Ambrosini) apontam o
sentimento de insegurança direcionado a um grupo concreto que canaliza todos os problemas
sociais na forma de “bode expiatório” (Girard), resultando em uma “sociedade do bode expiatório”
(Beck). Porém, ainda são poucos os estudos sobre o que esta representação – que liga os imigrantes
à insegurança e à ameaça da ordem social – provoca na autoimagem dos próprios imigrantes. O
objetivo da pesquisa foi entender se incorporam ou não esse discurso, e quais os fatores que
influenciam na incorporação. Recolhemos o discurso dos imigrantes sobre essas representações,

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além de analisar as estruturas produtoras deste tipo de construção da alteridade. A cidade italiana
escolhida foi Verona, berço de partidos e movimentos anti-imigração, cujo histórico de
administração carrega esta mesma bandeira, sendo também a cidade da região com maior número
de imigrantes.
Como parte da metodologia e trajetória de pesquisa reflito sobre minha inserção em campo a
partir do meu próprio corpo, corpo esse “marcado”, nas palavras de Haraway e que circulava no
bairro com seus limites e possibilidades. Por exemplo, não poder frequentar alguns locais
prevalentemente masculinos por causa do assedio e, de fato, reporto episódios como esse. Por outro
lado, meu corpo de mulher, negra, com fenótipo de países colonizados me permitiu frequentar
lugares prevalentemente de assistência a imigrantes, sendo sempre confundida com alguém
(imigrante) em busca de ajuda, por isso no lugar “natural” do imigrante.
O bairro Veronetta, local da etnografia é um lugar estigmatizado, não apenas com a chegada
de imigrantes, mas com a presença dos italianos do sul, que já era motivo de uma imagem negativa
sobre o espaço. Com o crescente número de imigrantes que foram atraídos pelo baixo-custo dos
alugueis neste bairro, o local passou a ter seu degrado relacionado à presença deles, quando, na
verdade, o processo teria sido ao contrário: a degradação dos apartamentos atraiu os imigrantes. As
condições de moradia no bairro, onde não raro o inquilinato se dá através do aluguel de uma cama
(e não de um quarto ou casa), também expõem esses imigrantes (principalmente do sexo masculino)
à condição de conviverem muito tempo nas ruas da cidade. Resulta daí que tais comportamentos,
resumidos no fato deles se reunirem fora de casa para beber, fumar e conversar em grupo, são
apontados como causa de insegurança no bairro e as ruas com maior presença de grupos de
imigrantes como aquelas mais “perigosas”. Como lembra Bertani (2006), alguns comportamentos
de ordem moral e ofensa ao decoro social se tornaram problema de segurança público, como
consumir bebidas alcoólicas pela rua ou permanecer em grupos até tarde da noite.
O mesmo discurso dominante presente na sociedade, nas palavras de Elias e Scotson (1990),
são configurações que adquirem poder sobre os indivíduos e que exercem um certo grau de coesão
sobre eles, ajudando a fortalecer a identidade de uns e a exclusão de outros. Quando Quasoli (2000)
diz que o crime do imigrante é, na verdade, o crime do imigrante na sociedade italiana, pois é esta
que estipula o que é crime (ou não) e as suas modalidades, a afirmação vale também para
entendermos que o problema do imigrante como “perigo” e “insegurança” é, de fato, um problema
da sociedade italiana como um todo, incluindo seus representantes legais, uma vez que foi ela quem
criou as categorias e modalidades para se perceber, falar e representar a imigração e alguns grupos
específicos, além de estipular o que se considera crime, como a ilegalidade dos “indocumentados”.

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Na Itália, marroquinos, albaneses e romenos existem, na sociedade, como substantivo para se


referir a crime, insegurança e perigo; e a mídia e o Estado têm, aqui, um papel central na construção
de tais nacionalidades. As mesmas falas que os imigrantes incorporaram foram dadas e apreendidas
nas relações sociais, mas é obvio que estas não são uma reprodução automática ou mecânica da
representação dominante: mesmo que tenham reproduzido tais discursos, a prática dos imigrantes
não coincide totalmente com tal visão exposta. O termo “marroquino” tem uma conotação negativa
na Itália, e em campo foi possível perceber que até mesmo alguns marroquinos tentam se distanciar
do termo. Outros imigrantes apontaram marroquinos como imigrantes que “causam mais
problemas”, seguidos dos romenos, albaneses e africanos. “Marroquino”, no entanto, é usado para
se referir a qualquer pessoa de pele escura e cabelo crespo. Essa conotação, porém, é típica da
sociedade italiana e só existe dentro das relações de poder dentro do próprio país. Os próprios
imigrantes têm contribuição na reprodução/circulação do discurso que liga a imigração ao problema
da insegurança. Torna-se extremamente difícil estabelecer quem são – para usar os termos de Elias
e Scotson (2001) – os “estabelecidos” e os “outsiders” no bairro Veronetta. Para tais autores, o
primeiro grupo era responsável pela criação da imagem do segundo, enquanto restava aos últimos a
incorporação de tal imagem.
A questão da falta de coesão discursiva entre alguns imigrantes contribui para a falta de uma
identidade do “imigrante”, tornando difícil uma luta conjunta para superar a discriminação,
incluindo uma representação negativa e estigmatizante. Em Veronetta, “unificar” tal condição em
torno de uma “identidade imigrante” é um tanto problemático e complexo – entre outros fatores,
porque o termo é considerado pejorativo e muitos tentam se afastar dele, ao invés de assumi-lo ou
de se contrapor à sua imagem negativa.
As experiências e práticas verificadas no campo de desconstrução da representação dominante
sobre imigrante e insegurança partem daqueles, no entanto, cuja vida está enraizada num grupo
social ou em redes de relações que permitem adquirir instrumentos materiais e simbólicos para
romper com tais imagens; estes são, em outras palavras, os imigrantes com maior capital social e
cultural. E não se trata, especificamente da parte desses, de uma “defesa” ou “resistência”
(GRAMSCI, 2010), o que poderia remeter a uma ideia passiva de sobreviver ali. Trata-se, pois, de
uma profunda ressignificação, da recriação do próprio espaço social e de suas relações, e,
justamente por isso, ao final é possível concordar com a afirmação de Gramsci (2002: 135): “todo
traço de iniciativa autônoma por parte dos grupos subalternos deve ter valor inestimável”.

Bibliografia

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Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2017
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Estigmatização e estereótipo do imigrante haitiano em Lajeado, Rio


Grande do Sul
Stigmatization and stereotype of Haitian immigrant in Lajeado, Rio Grande do Sul

Palavras-chave: Imigração haitiana; estigmatização; estereótipo; racialização; relações étnico-


raciais
Keywords: Haitian Immigration; Stigmatization; Stereotype; Racialization; Ethnic-racial relations

Fernando Diehl
Doutorando em Sociologia pela UFRGS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
fernandodiehl89@gmail.com

Introdução

Este trabalho é oriundo de pesquisa que ocorreu no decorrer dos anos de 2015 e 2016 que
buscou verificar a presença dos imigrantes haitianos em uma cidade do interior do Rio Grande do
Sul, o tema central foi compreender e descrever a relação social entre os moradores estabelecidos
de Lajeado e os imigrantes haitianos, tendo como principal foco analisar a estigmatização dos
haitianos pelos lajeadenses, visto que a partir da estigmatização e principalmente a racialização dos
imigrantes haitianos que a população estabelecida de Lajeado constituiu o estereótipo de todos os
novos imigrantes na cidade.

Metodologia

Para a coleta de dados foram utilizados três instrumentos, a observação sistemática, que
ocorreu em espaços de interação cotidianos, como praças, rodoviária, as ruas centrais da cidade,
locais de entretenimento e festas municipais; entrevistas semiestruturadas, foram realizadas vinte e
uma entrevistas com moradores de Lajeado assim como também conversas informais; e por último,
análise de dados midiáticos, ou seja, matérias de jornais e programas de rádio locais que tratavam
sobre os imigrantes haitianos.

Discussão

O principal aspecto que deve ser destacado é que o estereótipo dos imigrantes haitianos não
surgiu repentinamente, ele ocorreu de forma processual. Entre os fatores que ocasionaram na
construção deste estereótipo é de que esses imigrantes chegaram na cidade repentinamente em um

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número bastante significativo, causando o espanto, medo e desconfiança da população local que
precisou lidar com um grupo de estrangeiros circulando nos espaços centrais da cidade que havia
surgido “da noite para o dia”. Deve-se salientar que os habitantes de Lajeado e a região chamada
Vale do Taquari, na qual a cidade pertence, são em sua maioria descendentes de imigrantes alemães
e italianos, outros grupos étnicos são minoritários, entre eles, os negros eram 2% da população e
não se encontram tanto na região central da cidade. A entrada destes imigrantes – negros – na
cidade, circulando nas regiões centrais causou espanto da população local. Em um primeiro
momento essa população associou estes imigrantes utilizando-se de categorias raciais existentes na
região acerca dos brasileiros negros, todavia, à medida que a presença destes imigrantes tornava-se
mais “naturalizada”, as informações transmitidas nas redes de fofoca se organizaram de
determinada forma que possibilitou aos estabelecidos construírem características que
essencializavam os imigrantes, atribuindo a eles determinadas características que seriam inerentes a
todos os “haitianos”, estas características diferenciariam estes imigrantes dos brasileiros negros.

A construção do estereótipo dos imigrantes haitianos decorreu de dois aspectos, através de sua
racialização e estigmatização. Esses imigrantes eram negros, diferentes da maioria da população
local, o que causava o estranhamento inicial. No primeiro momento os haitianos foram relacionados
de maneira semelhante à que a população estabelecida de Lajeado em conversas informais costuma
atribuir aos brasileiros negros. Conforme a presença dos haitianos se tornava mais comum outras
características foram surgindo, estes imigrantes começaram a ser considerados como barulhentos,
principalmente porque eles andavam em grandes grupos, diferente dos brasileiros negros que
costumam andar sozinhos ou em pequenos grupos, menores que os dos haitianos. A população
lajeadense estabelecida questionava se esses imigrantes iriam trabalhar, se não seriam uns
“vagabundos” como consideram os brasileiros negros. Todavia, conforme a presença dos imigrantes
tornava-se mais naturalizada, os haitianos foram vistos como muito trabalhadores, essa
característica logo foi bastante enaltecida, mas, esperavam que os haitianos trabalhassem e apenas
isso, no tempo livre que desaparecessem em suas casas afastadas. Por outro lado, os brasileiros
consideravam estes imigrantes como agentes que estavam trazendo doenças para a cidade, nisto eles
faziam uma confusão de informações, pois associavam o Haiti com a África, continente este que
existe todo um imaginário coletivo de ser um péssimo lugar, apenas com miséria, fome e todas as
doenças possíveis, logo, estes imigrantes negros estariam trazendo para a região doenças e um
“atraso cultural”.

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No município de Lajeado, todos os novos imigrantes passaram a ser vistos como “os
haitianos”, consequentemente, outros imigrantes como senegaleses e indianos, tornavam-se
automaticamente como “haitianos”, e essa categoria racial, denotava possuir atributos inerentes a
todos os indivíduos “haitianos”, construiu-se assim a forma do estereótipo do haitiano. O “haitiano”
se apresenta como um indivíduo muito trabalhador, mas que é meramente uma mão-de-obra a ser
utilizada e descartada, os “haitianos” são muito barulhentos, eles são ignorantes, fedorentos,
pessoas podem ser terroristas disfarçados, são portadores de males exteriores que vão vir destruir a
terra “perfeita” dos estabelecidos, trazendo doenças como AIDS (que já existia na cidade) e outros
males. O principal para muitos moradores locais é de que os imigrantes possuem uma cultura
inferior, e que isto pode vir a prejudicar a tradição da cidade e região. O haitiano é representado
como um estranho, alguém misterioso, alienígena de todo o resto da cidade, um estrangeiro
conforme descrito por Georg Simmel em 1908. Este estereótipo do imigrante não surgiu pronto, foi
um produto de um processo que os lajeadenses foram constituindo em suas interações, para
estabelecerem e traçarem um perfil tipificado destes imigrantes, construindo assim um estereótipo
que mantivesse a sua função na sociedade, trabalhadores braçais, ao mesmo tempo que deixava
bastante nítida que eram uma categoria inferior com atributos pejorativos. Como os haitianos foram
o grupo imigrante mais numérico, acabaram se tornando a tipificação de todos os novos imigrantes
na cidade.

Considerações finais

Devido ao fato de que os locais que transmitem as informações e estigmas dos haitianos não
se relacionam com eles, o estereótipo tende a ser exagerado, quase caricaturado, tipificando todos
os imigrantes com um perfil só. Este perfil surge nas redes de fofocas, o que corrobora para a
disseminação do preconceito contra os imigrantes, pois sem haver uma interação, os locais
estabelecidos não conhecem de fato quem estes imigrantes são. O estereótipo assim como os
estigmas são construídos por uma pequena parcela da população que é abertamente contra a
presença destes imigrantes, e reproduzida pela população indiferente à presença destes imigrantes,
que associa essas informações exageradas como sendo verdades. Todavia, deve-se destacar que, aos
olhos da população local, os imigrantes “haitianos” tipificados, embora estigmatizados encontram-
se em melhor situação que a população brasileira negra local, pois a população branca, vê estes
imigrantes de forma positiva por considerarem os imigrantes como muito trabalhadores, visão
contrária que eles têm dos brasileiros negros, que os atribuem como sendo preguiçosos.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2017
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Referências

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partir dos deslocamentos populacionais contemporâneos. Aurora, Marília, v. 7, n. 1, p. 27-40, Jul.-
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Influência do contexto cultural na escolha de estratégias identitárias


individuais e coletivas em situação de mobilidade
The influence of cultural context on the choices of individual and collective identity strategies in
case of mobility

Palavras-chave: Brasil; Estratégias identitárias; França; Latino-americanos(as); Mobilidade.


Keywords: Brazil; France; identity strategies; Latin-Americans; Mobility.

Filipe Soto Galindo


Doutorando em Psicologia Intercultural
Universidade Toulouse Jean Jaurès
Bolsista Doutorado Pleno da CAPES
filipe.soto-galindo@univ-tlse2.fr

Elaine Costa Fernandez


Professora Doutora em Psicologia Intercultural
Universidade Federal de Pernambuco
elainef@free.fr

Patrick Denoux
Professor Doutor em Psicologia Intercultural
Universidade Toulouse Jean Jaurès
denoux@univ-tlse2.fr

Esta comunicação tem como objetivo a apresentação de um projeto de pesquisa sobre a Influência
do contexto cultural na escolha de estratégias identitárias individuais e coletivas em situação
de mobilidade62. Trata-se de um estudo internacional em andamento que visa compreender os
fatores que influenciam a adoção de estratégias identitárias específicas por migrantes latino-
americanos em situação de mobilidade63 na França e no Brasil. Partimos da hipótese de que as
estratégias identitárias adotadas pela população estudada variam em função de fatores coletivos,
decorrentes do contexto cultural e fatores individuais, decorrentes de suas subjetividades. A nível de
fatores coletivos temos as características geopolíticas dos territórios/países e os aspectos
socioculturais das sociedades de origem e de acolhimento; a nível individual temos a cultura
técnica/tecnológica geracional das pessoas, a mobilidade estatutária sentida e o sistema de valor do
migrante.

62
Tese de doutorado realizada no eixo de psicologia intercultural do Laboratoire Cliniques Pathologique et
Interculturelle (LCPI) da Universidade Toulouse Jean Jaurès (França), com financiamento da CAPES/Brasil.
63
Entenda-se aqui “mobilidade” como conceito alternativo ao da migração.

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Questões de partida
Imaginemos a migração como o nascimento de um bebê. É um ato que implica simultaneamente
rupturas e continuidades. Durante nove meses o bebê permanece no útero da mãe, sendo estes
ligados através do cordão umbilical que o alimenta e lhe proporciona os elementos essenciais para a
sua existência. Chegado o momento do parto, esse cordão que liga mãe e filho é cortado.
Desembarcando nesse novo mundo estrangeiro a ele, o bebê começará pouco a pouco a explorar o
seu entorno e a criar laço com o seu meio. Tudo isso faz parte de sua sobrevivência.
Progressivamente ele aprende a falar, a caminhar e a se alimentar por si só, mesmo se durante os
seus primeiros anos de vida ele não tenha outra escolha se não a de ingerir aquilo que lhe é imposto.

Para melhor entender do que tratamos aqui, podemos dizer que no percurso de uma pessoa migrante
acontece uma situação similar à do recém-nascido. Podemos comparar o migrante em seu país de
origem ao bebê no ventre de sua mãe, onde o indivíduo durante os primeiros anos de sua existência
se nutre da cultura, dos valores e das tradições desse lugar. Após nove meses é chegado para o novo
ser o momento de se confrontar à nova realidade. Os laços existentes entre a pessoa e o seu meio
são desatados, deixando certas vezes um frágil fio unindo as extremidades, podendo mesmo levar
em algumas situações a uma ruptura. Assim como o recém-nascido, chegando em um novo país o
migrante deverá aprender a existir nesse novo contexto. Ele deverá decifrar novas culturas, aprender
a interagir com outras pessoas, e em algumas situações tendo mesmo que aprender uma nova
língua, dentre outras tarefas necessárias durante esse processo de socialização e de reinvenção de si.

A nossa proposta a partir deste estudo é de identificar os instrumentos dos quais dispõem os
indivíduos para lidar com os eventuais conflitos provocados pela ruptura entre a sociedade de
origem e a sociedade de acolhimento. Supondo que o indivíduo adote estratégias identitárias para
ultrapassar as dificuldades inerentes às situações de ruptura, interroga-se os elementos que farão
variar a escolha dessas estratégias identitárias. Qual será a participação do coletivo, através do
contexto cultural, e a do singular, através da subjetividade do sujeito, na definição das estratégias
adotadas? Pretende-se também interrogar as especificidades das estratégias identitárias adotadas
quando o processo migratório implica uma mudança no status social. Em que medida a idade do
indivíduo influencia as estratégias adotadas? Qual é a incidência do sistema administrativo do país
de origem e a do país de acolhida neste processo? Sendo assim, estas são algumas das questões-
chave que abrem a porta do presente estudo.

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Compreendendo o contexto
Nos últimos anos os movimentos migratórios e os deslocamentos dos povos têm constituído mais a
regra do que a exceção, produzindo sociedades étnicas ou culturalmente “mistas” (Hall, 2009, p.
52). Segundo Silva (2005), mais do que ultrapassar fronteiras, o processo migratório provoca uma
ruptura de contextos, deslocando o migrante em uma nova ordem sociocultural, o que resulta em
modificações na dinâmica cultural dos grupos dos emigrados. Com o fortalecimento da
globalização no século XX, depois das Guerras Mundiais e das diversas crises econômicas, sociais
e/ou políticas em várias regiões do planeta, as migrações foram se intensificando, facilitadas em
parte pela acessibilidade aos meios de transporte, o que passou a possibilitar mais opções de
deslocamento às pessoas. A partir daí, onde as tecnologias da comunicação junto com a ascensão do
mercado liberal mundial no cenário político do planeta, as delimitações ligadas ao espaço e ao
tempo tornam-se mais tênues (Augé, 2010), vindo isto a compor sociedades cada vez mais multi e
interculturais.

A psicologia intercultural do contato de culturas tem como foco principal a compreensão dos
processos intrapsíquicos provocados no sujeito em situação de mudança de contexto. Avalia-se a
construção da interculturalidade a partir das negociações de pertencimento e distanciamento à
cultura (Denoux, 2013). Desta forma, é importante questionar-se as estratégias empregadas por
indivíduos que se encontram face a novas modalidades de contato de culturas. Diversos modelos de
elaboração psíquica decorrentes do encontro com o outro cultural têm sido propostos. Nessa
perspectiva nos interessamos particularmente ao modelo das estratégias identitárias proposta por
Camilleri (1999, p. 199), na qual as estratégias identitárias são entendidas como uma “defesa contra
a desordem vivida pelo sujeito como resultado daquilo que ele percebe como uma ameaça à sua
identidade.”.

Desta maneira, Camilleri (1990) classifica as estratégias de enfrentamento aos conflitos identitários
em três grandes grupos, sendo estas: a) a da coerência simples, na qual o sujeito consegue passar de
um sistema ao outro segundo a demanda das situações e dos interlocutores, visando assim ou
conservar uma unidade identitária em decorrência de uma inadaptação ao novo contexto, ou se
adaptar a todo custo à cultura de acolhimento. Sendo assim, o indivíduo passa a dar prioridade à
evocação a um sistema cultural, deixando assim “de lado” o sistema cultural do outro grupo; b) na
estratégia que revela uma coerência complexa o sujeito constrói uma formação inicial original a

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partir de elementos provenientes dos dois modelos culturais, visando haver assim uma adaptação e
um equilíbrio. Esta pode ser dividida em dois subgrupos, sendo o primeiro aquele no qual o
indivíduo põe em evidência uma lógica subjetiva (e não racional) que permite resolver a
contradição para si, mas não em si, reinterpretando as prescrições tradicionais de acordo com os
seus interesses, visando assim maximizar as vantagens que possa tirar da situação de entre-culturas.
No segundo subgrupo o sujeito busca articulações lógicas entre os elementos novos e as estruturas
antigas, havendo assim adaptações e negociações menos passionais e mais racionais; c) Por último,
têm-se as estratégias de moderação de conflito, visando assim diminuir os conflitos gerados.
Ocorre, porém, que em algumas vezes há uma dificuldade de adaptação ao país de acolhimento,
passando o indivíduo a desenvolver sentimentos de auto-culpabilização pelas dificuldades
encontradas. Evita-se, pois, através desta situação, o contato tanto com o sistema cultural do país de
acolhida, como também com o de país de origem. É através dessa dificuldade em conjunto com as
técnicas de enfrentamento desenvolvidas pelo sujeito que muitas vezes adoecem, buscando refúgio
em válvulas de escape tais como álcool, toxicodependência, entre outros vícios (Amin, 2012;
Denoux, 2013; Pacheco, 2000).

Estágio atual do trabalho

Sendo um estudo realizado em dois contextos culturais diferentes (Brasil e França), haverá
participantes residentes em ambos os países. A coleta dos dados será realizada a partir de um
questionário online o qual abordará tanto aspectos individuais quanto coletivos considerados fatores
influenciadores das estratégias identitárias adotadas por pessoas em situação de mobilidade. Esse
questionário será composto de três partes, sendo a primeira referente a informações sobre a cultura
técnica/tecnológica geracional das pessoas e a mobilidade estatutária sentida pela pessoa em
situação de mobilidade, assim como características geopolíticas dos territórios/países e os aspectos
socioculturais das sociedades de origem e de acolhimento. A segunda parte trata-se de uma
ferramenta de identificação das estratégias identitárias em via de validação. A terceira e última parte
é composta pelo Questionário de Perfis de Valores (QPV) construído por Schwartz e colaboradores,
o qual permite identificar “10 tipos motivacionais que abrangem o conjunto de valores identificados
nas diversas culturas” (Tamayo & Porto, 2009, p. 370). Visa-se assim que pistas de respostas às
questões iniciais, sabendo-se, contudo, que não se trata de encontrar respostas herméticas a um
problema, mas sim de abrir o leque para novos questionamentos.

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Referências

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Camilleri, C. (1999). Stratégies identitaires : les voies de la complexification. In : Hily M.-A.,


Lefebvre M.-L. (Org.), Identité collective et altérité, Paris: L’Harmattan.

Denoux, P. (2013). Le contact culturel dans les procédures de recherche. Propositions


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Resende et al. Belo Horizonte: Editora UFMG.

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Culturas, Porto, nº 13, p. 119-139

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bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 77-83,
jul./set.

Tamayo, A. & Porto, J. B. (2009). Validação do Questionário de Perfis de Valores (QPV) no Brasil.
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37722009000300010

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Migração e aquisição de Português como Língua de Acolhimento:


promovendo a abertura para a diferença e diversidade no Brasil
Migration and acquisition of Portuguese as a Host Language: promoting the openness to
difference and diversity in Brazil

Palavras-chave: migração; PLAc; língua; diversidade


Keywords: migration; PHL; language; diversity

Eric Júnior Costa


Mestre em Português Língua Não Materna pela UAb/Lisboa, atualmente doutorando em Estudos de Linguagens no
CEFET-MG.

Introdução

Em primeiro lugar, é necessário destacar que no presente trabalho migração é entendida


como parte essencial e própria do desenvolvimento humano, inerente às relações sociais ao longo
dos tempos. Portanto, migrar não deve ser tratado como um ato ameaçador ou disfuncional, já que
é uma condição fundadora da nossa espécie (ELHAJII, 2011) É importante politizar e criar
oportunidades de diálogo sobre migração a fim de eliminar rastros de aversão aos imigrantes,
racismo e preconceito como o alarmante número do Disque 100 64 que registrou crescimento de
633% em denúncia de xenofobia em 2015.
Sabe-se que o número de pessoas forçadas a deixar suas casas já superou a marca de 65
milhões65, número superior ao da Segunda Guerra Mundial. Parte significativa desses imigrantes
deixa sua casa por motivos de guerra, catástrofe natural, perseguições, crises econômicas,
instabilidade política, discriminação ou por buscar melhor oportunidade de vida. Presenciamos,
assim, novos processos sociais, culturais, econômicos e demográficos que caracterizam a
modernidade, e no Brasil não é diferente. Da mesma maneira que vemos brasileiros que vão e vêm
pelo mundo, presenciamos também a chegada dos haitianos, bolivianos e sírios ao Brasil. Assim,
faz-se indispensável a discussão sobre políticas públicas locais que prevejam o acolhimento e a
inserção destas populações na realidade do país. Neste sentido, os cursos de PLAc têm o objetivo de
oferecer um dos primeiros recursos para a integração dessas pessoas: a aquisição da Português

64
Para mais informações: https://oglobo.globo.com/brasil/denuncias-de-xenofobia-no-disque-100-crescem-633-em-
2015-18554954
65
Para mais informações sobre o número de migrantes forçados e refugiados:
http://www.unhcr.org/globaltrends2016/#_ga=2.172157291.958902957.1504031242-1998694638.1493599020

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Brasileiro (PB). Vale ressaltar que, segundo pesquisa realizada em 2015 pelo Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (IPEA) e pelo Ministério da Justiça, a principal dificuldade enfrentada pelos
imigrantes é o novo idioma66. Diante de tal contexto, o PB é uma Língua de Acolhimento (LAc) e
promove a abertura para a diferença e diversidade no Brasil, haja vista a riqueza apresentada nos
cursos devido à heterogeneidade linguística e cultural dos alunos.
Destarte, os objetivos deste artigo são evidenciar as especificidades da aquisição de PLAc e
apresentar um levantamento sobre as produções brasileiras e projetos em andamento sobre o tema.
Língua de Acolhimento (LAc) refere-se à aprendizagem de língua não materna em contexto
migratório, cujo principal fim é a integração à sociedade de acolhimento. O PLAc destina-se a
imigrantes e refugiados, transplantados de outros territórios (AMADO, 2011), provenientes de
regiões em situação de precariedade econômica, política ou social, cujas possibilidades de
(sobre)vivência encontram-se negativamente mais complexas que as dos países receptores,
impossibilitando uma vida em condições seguras. À mobilidade forçada acrescenta-se a fragilidade
das escolhas realizadas no percurso de migração, um processo muitas vezes realizado às pressas e
sem planejamento, em caráter de urgência. Tal conceito transcende a perspectiva linguística e
cultural e refere-se também ao caráter emocional e subjetivo da língua e à relação conflituosa
presente no contato inicial do imigrante com a sociedade de acolhimento, a julgar pela situação de
vulnerabilidade que essas pessoas enfrentam (SÃO BERNARDO, 2016).
A necessidade de estudos e práticas sobre Português Língua de Acolhimento (PLAc) no
Brasil deve-se, principalmente, ao aumento do número de pedidos de refúgio no país. Segundo o
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e o Comitê Nacional para
Refugiados (CONARE)67, o número total desses pedidos cresceu mais de 2.868% entre 2010 e 2015
(de 966 solicitações em 2010 para 28.670 em 2015). Esse elevado crescimento é também um
reflexo dos avanços das legislações brasileiras que têm exercido um papel de destaque no cenário
geopolítico. Em nível internacional, o Brasil ratificou as decisões das principais convenções e
tratados sobre refúgio (Convenção de 1951, Protocolo de Genebra de 1967, Declaração de

66
Para mais informações sobre as principais dificuldades enfrentadas pelos imigrantes no Brasil, consultar:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/12/PoD_57_Liliana_web3.pdf

67
Até dezembro de 2016, o Brasil tinha 9.552 refugiados reconhecidos, de 82 nacionalidades. Os
países com maior número de refugiados no país são: Síria, Angola, Colômbia, Venezuela e
República Democrática do Congo. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-
justica/2017/06/numero-de-refugiados-no-brasil-aumentou-12-em-2016

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Cartagena de 1984). No âmbito nacional, ressaltamos a Lei 9.47468 de 1997, a aprovação no dia 24
de maio de 2017 da nova lei nacional de Migração, a Lei 13.44569 e também a Lei 01-00142/201670
da cidade de São Paulo, que trata da instituição da Política Municipal para a População Imigrante, e
tem como um dos objetivos garantir ao imigrante/refugiado o acesso a direitos sociais e serviços
públicos, além de ser um instrumento de combate à xenofobia e ao racismo, promovendo o respeito
à identidade de gênero, raça, religião, orientação sexual, idade e diversidade linguística.
No que diz respeito ao conteúdo das tarefas e de das unidades temáticas dos cursos de
PLAc, são priorizados temas que promovam o conhecimento sociocultural, a consciência
intercultural, a partilha de saberes, ultrapassando estereótipos pela interação e pelo diálogo
intercultural (CALDEIRA, 2012). Além disso, as aulas contemplam as principais necessidades do
dia a dia desta população (COSTA & SÁ, 2018), oferecendo-lhes os recursos linguísticos
necessários para a clara e objetiva comunicação com os interlocutores brasileiros nas situações mais
diversas como: matricular uma criança na escola, procurar um emprego, solicitar a regularização
dos documentos pessoais, elaborar um currículo, contar sua história de vida, falar sobre suas
atividades cotidianas, seus costumes, gostos e preferências, solicitar uma consulta médica, pedir
uma informação de localização, fazer um boletim de ocorrência, fazer compras, ir ao
banco, procurar um lugar para morar. A língua, nesse sentido, figura não apenas como um
instrumento de comunicação, mas também como um elemento de defesa pessoal (LOPEZ, 2016) na
luta contra o desamparo inicial da chegada a um território geográfico, social e cultural ainda
desconhecido. Assim, no âmbito do PLAc, a competência em português brasileiro (PB) é um
caminho significativo para a integração do imigrante e do cidadão em condição de refúgio, dando-
lhes autonomia e possibilidade de maior atuação social. Sem esses conhecimentos e o engajamento
crítico neles preconizado, o refúgio restringe-se a uma relocação geográfica e não se transforma em
uma experiência de trocas e novos saberes, de atuação social ativa e democrática.
Com relação aos professores de PLAc, procura-se que seja um profissional sensível e aberto
a diferenças socioculturais, que tenha desenvoltura para trabalhar em ambientes multirraciais e
multiétnicos, que entenda bem a necessidade de se praticar a alteridade, tendo bem desenvolvida
sua competência intercultural e comunicacional, uma vez que os participantes dos cursos de PLAc
formam grupos de grande diversidade linguística e cultural.

68
A lei pode ser consultada em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9474.htm
69
A lei pode ser acessada na íntegra em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm
70
A lei pode ser acessada na íntegra em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/uplokad/direitos_humanos/PL%20142_2016_Pt%281%29.pdf

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Após contextualizar o cenário de PLAc no Brasil, apresentamos a “Figura 1” que mostra as


especificidades de PLAc e a relação interdisciplinar desse tipo de aquisição de Português Língua não
Materna com Geopolítica e Imigração.

Cidadãos
prática transplantados/
linguístico- mobilidade
discursiva com forçada em geral
foco em temas numa relação questões
sobre Sul-Sul psicossociais
cidadania
contexto escolar
Prática da multicultural e de
alteridade grande
diversidade
linguística

Professor como
amenizador de
PLAc objetivo de
conflitos entre os disseminar a paz
alunos e a nova Português e tolerância entre
língua
(mediador)
Língua de culturas e etnias

Acolhimento
Proficiência da
Temática dos língua-alvo
conteúdos dos interligada à
cursos visa a realidade
reconstrução socioeconômica e
social poltíco-cultural

alunos têm
tempo para dificuldade de
aprender a língua Aprendizagem se
dá em um frequentar os
é menor por
ambiente de cursos de PLE
motivos de
maior pressão devido ao alto
sobrevivência custo
social

Figura 1: Especificidades de Português Língua de Acolhimento - PLAc

No que diz respeito aos projetos que envolvem o ensino e aprendizagem de PLAc realizados
no Brasil, destaca-se que, devido à falta de uma política linguística expressa na legislação
migratória brasileira, os cursos de português têm sido ofertados frequentemente por organizações
não governamentais (ONGs), pelas pastorais das igrejas católicas e centros de acolhida. Contudo, é
possível destacar projetos universitários de grande expressão e que contam com profissionais dos
cursos de Letras em todos os níveis (graduação e pós-graduação), tais como o Português Brasileiro
para Migração Humanitária (PBMIH)71, da Universidade Federal do Paraná, o projeto MemoRef –
Memorial Digital do Refugiado 72 , da Universidade Federal de São Paulo, além do projeto de
extensão do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET–MG) 73 , e da
Universidade de Brasília os cursos do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Português para Estrangeiros

71
Para mais informações, consultar: http://www.migracoes.ufpr.br/site-pbmih/aulas-portugues/ e também Barbosa &
Ruano (2016).
72
Para mais informações, consultar: http://memorialdorefugiado.com.br/
73
Para mais informações, consultar: http://www.sri.cefetmg.br/turmas-de-plac-20172/

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(NEPPE)74, que promoveu o I Encontro Nacional de Português Língua de Acolhimento (ENPLAC)


em junho de 2017, bem como o II ENPLAC75 em parceria com a Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul em junho de 2018. As produções de (LOPEZ & DINIZ, no prelo) e (COSTA & SÁ,
2018) trazem um mapeamento detalhado das ações brasileiras sobre o PLAc.

Conclusão

As bases para a prática e os referenciais teóricos do PLAc dentro da perspectiva do ensino


de Português Brasileiro (PB) ainda estão sendo desenhadas. Neste sentido, ressalta-se que, em
primeiro lugar, deve-se garantir aos imigrantes e refugiados o direito à aprendizagem de português,
pois só assim terão acesso a outros direitos, além de cumprir com os deveres de um cidadão.
Portanto, é necessário que políticas públicas governamentais sejam postas em prática com apoio da
universidade, da sociedade civil e dos imigrantes.
Não há dúvida que a aquisição da língua portuguesa por parte dos imigrantes e pessoas em
condição de refúgio é uma ferramenta indispensável para que possam de fato se integrar à
sociedade, porém para que a aquisição se torne uma realidade, a qualidade dos cursos oferecidos
nos projetos e iniciativas deve ser significativa e as teorias e práticas sobre PLAc devem estabelecer
o diálogo com outras áreas do saber, como a Geopolítica, Migração e Direito Internacional visando
a promoção da diversidade e da diferença.

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Para mais informações sobre o projeto, veja: http://www.neppe.unb.br/br/
75
Para mais informações, consultar : http://www.uems.br/noticias/detalhes/uemscg-realiza-encontro-nacional-de-
portugues-lingua-de-acolhimento-174254

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Programa Escolas Interculturais de Fronteira: intencionalidades e


desdobramentos
Intercultural Boundaries Schools Program: intentionalities and unfoldings

Palavras-chave: Interculturalidade, Escolas, Fronteiras, Territórios, Povos Indígenas,


Keywords: Interculturality, School, Boundaries, Territory, Indian People

Rosinere Evaristo
Mestra em Educação
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ
rosinereufrrj@gmail.com

Introdução

Este texto tem como foco investigativo, o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, e suas
possíveis dicotomias e desdobramentos, face às políticas públicas educacionais presentes na
perspectiva neoliberal. A proposta da análise nasceu da problemática e de algumas inquietações que
transitam nas relações entre Estado e suas propostas educacionais para com as minorias. Nesse
contexto, estivemos movidos a investigar as diretrizes do Programa, que traz em seu bojo as
configurações internacionais desenvolvimentistas, delineadas pelas propostas do MERCOSUL e
seus desdobramentos no lócus das escolas localizadas nas fronteiras. A gênese do programa ocorreu
no ano 2004, entre Brasil e Argentina e tornou-se, posteriormente, uma política de inter-relação do
Plano de Ações do Setor Educacional do MERCOSUL, porém foi através da Portaria MEC nº 798,
de 19 de junho de 2012, que instituiu o Programa em nosso País (Brasil, 2012).

Bakhtin (1995) traz uma clara definição do modelo neoliberal ao enfatizar que “o pilar
implícito e político-ideológico do pensamento neoliberal é a tentativa de alçar o mercado ao grau
máximo de regulação da vida social a uma totalização supraclassista, invasora, não só das relações
econômicas, mas das relações políticas e culturais” (p.63).

É possível afirmar que o modelo neoliberal procura se expressar como um projeto ambicioso
de reforma ideológica em nossa sociedade, ou seja, a construção e a difusão de um novo senso
comum que fornece coerência, sentido e uma pretensa legitimidade às propostas de reforma
impelidas pelo bloco dominante. Ou nas palavras de Pablo Gentili (1996), se “o neoliberalismo se
transformou num verdadeiro projeto hegemônico, isto se deve ao fato de ter conseguido impor uma

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intensa dinâmica de mudança material e, ao mesmo tempo, uma não menos intensa dinâmica de
reconstrução discursivo-ideológica da sociedade” (p. 11).

Outra contribuição vem de Boaventura da Sousa Santos (2005), ao nos apontar mais um
conceito importante para a discussão: Governação Neoliberal. Afirma ele a importância de
identificar o significado político da Governação Neoliberal, sendo necessário prestar atenção, não
apenas àquilo que ela diz, mas também àquilo que silencia. E são os seguintes os silêncios mais
importantes da matriz da Governação: as transformações sociais, a participação popular, o contrato
social, a justiça social, as relações de poder, e a conflitualidade social.

Boaventura Santos (2002) sinaliza à importância da discussão entre Globalização e a Ciência,


ambas como componentes epistemológicos, propondo para esta última, caminhos para uma nova
produção científica, possibilitando diálogos com outros saberes:

trata-se de um processo complexo que atravessa as mais diversas áreas da vida


social, da globalização dos sistemas produtivos e financeiros à revolução nas
tecnologias e práticas de informação e comunicação, da erosão do Estado nacional
e redescoberta da sociedade civil ao aumento exponencial das desigualdades
sociais, das grandes movimentações fronteiriças de pessoas como emigrantes,
turistas ou náufragos (p. 11).

Milton Santos (1996) traz uma discussão indispensável entre o “local” e o “global” e suas
relações com a vida social, cultural e econômica ao declarar que “cada lugar é, ao mesmo tempo,
objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente” (p. 273).

Habermas (2002), por sua vez, reflete a respeito da globalização ao declarar que o contexto
dela é caracterizado por uma práxis neoliberal. Assim Habermas (2002) sugere que precisamos
refletir aproximadamente, avizinhar-se de um exercício de futurologia, mas que aponta a esperança
de alternativas políticas para um momento de tantas perplexidades. Ou seja, o pensamento
desafiador com possibilidade de intervenção nos males advindos da globalização alienante.

Vale apontar que nosso estudo evidenciou que nas escolas onde adotaram o programa há
grande número de indígenas, em sua maioria crianças menores de doze anos. É necessário declarar
que os Povos de diferentes etnias, que têm diretos constituídos quanto à educação diferenciada e
respeito às diferenças. Nessa perspectiva, refletimos no processo formativo desses grupos étnicos
inseridos nesses lócus, em que o programa vigora. Nesse sentido nos atraiu tecer questionamentos

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sobre essa proposta educacional com suas bases imersas no arquétipo neoliberal que tem alicerces
tecnicistas que vão na oposição da filosofia dos povos indígenas.

Objetivo

Analisar as diretrizes do Programa Escolas Interculturais de Fronteira, constituído por


legislação, acordos e parcerias entre países e instituições e, investigar as propostas pedagógicas.
Tendo como anseio desvelar no programa a sua relação com as políticas neoliberais via educação,
as relações de poder que o permeiam, assim como seu desdobramento entre os alunos indígenas.

Metodologia

Entendemos que a escolha teórico-metodológica, está diretamente ligada ao que se pesquisa e


aos objetivos propostos, sendo mais que uma opção, pois é, antes de tudo, uma visão de mundo.
Goldenberg (2005) resume essa ideia ao expor que “o que determina como trabalhar é o problema
que se quer trabalhar: só se escolhe o caminho quando se sabe aonde se quer chegar” (p. 14). Pensar
assim é admitir a indissociabilidade entre pesquisa e pesquisador, é compreender que em toda
pesquisa há marcas do pesquisador, e assim, não está isenta de suas impressões e de suas reflexões.
Nessa perspectiva, a proposta da metodologia se consistiu em pesquisa Qualitativa, Exploratória
Documental. De acordo com Gil (2016), a pesquisa Qualitativa Exploratória sinaliza que a
finalidade consiste em, desenvolver, esclarecer conceitos e ideias para análises com objetivos
aproximativos acerca de um determinado fato que deseja esclarecer e delimitar. Apoiados em Gil
(2016) compreendemos que a pesquisa Documental é capaz de proporcionar ao pesquisador dados
em qualidade e quantidade, tendo como exemplo, clássicos dessa modalidade de pesquisa as
análises de documentos elaborados por agências governamentais. Por conseguinte, podem
evidenciar conjuntos de dados coletados e, suas análises devem ser submetidas com rigor e seguir
todo procedimento e formulação de relatórios qualificados.

Como estratégia de desenvolvimento do estudo realizamos, a análise em três fases.


Constituiu a primeira fase, as análises documentais legislativas referentes ao programa em questão
e, ainda os documentos que o implementou nas escolas. A Segunda fase destinou-se buscar
trabalhos que apontam opiniões de lideranças indígenas sobre o programa e outras propostas do
Estado em relação aos moradores das fronteiras. A terceira fase se deu através da análise crítica
dos dados obtidos nas fases anteriores com a triangulação dos dados obtidos no sentido de
contrastar os discursos presentes nos documentos e na discussão com base no referencial teórico.

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Resultados e Discussão

Com o estudo documental foi possível identificar que o objetivo principal do Programa é
promover a integração regional por meio da educação intercultural, que garanta formação integral
às crianças e jovens nas escolas das regiões de fronteira e, ampliação das oportunidades do
aprendizado da segunda língua, apresentando como opções o espanhol, português, guarani, inglês e
francês, além das línguas maternas de cada comunidade fronteiriça. Nos documentos analisados,
ficou subentendido a perspectiva teórica da interculturalidade, ou seja, se tem bases na
interculturalidade funcional ou crítica como conceitua Walsh (2010).

WALSH (2010) afirma que a perspectiva de interculturalidade funcional se enraíza no


reconhecimento da diversidade e diferenças culturais, visando à inclusão destas, no interior da
estrutura social estabelecida. Em contrapartida a interculturalidade crítica não parte do problema da
diversidade ou diferença em si, mas do problema estrutural-colonial-racial. E, ainda mais
importante, é seu entendimento, construção e posicionamento como projeto político, social, ético e
epistêmico, de saberes e conhecimentos, que afirma a necessidade de mudar não só as relações, mas
também as estruturas, condições e dispositivos de poder que mantêm a desigualdade, inferiorização,
racialização e discriminação.

De acordo Boaventura Santos (1994) as tensões intrínsecas nas zonas fronteiriças, são por
formarem “uma zona híbrida, babélica, onde os contatos se pulverizam e se ordenam segundo
micro-hierarquias pouco suscetíveis de globalização” (p. 49). Além das tensões que os povos
indígenas são suprimidos nesses “entre-lugares”, através de distintas formas de violências o Estado
e sua estrutura de poder determina suas políticas públicas a revelia dessas e de outras minorias.

O estudo preliminar apontou o desconforto dos povos indígenas, em relação às ações


governamentais com propostas desenvolvimentistas, que nesse caso vieram através de um programa
educacional. Visualizamos a preocupação das lideranças indígenas no que está relacionado à busca
por manutenção cultural e de suas tradições que são transmitidas a suas crianças, respeito às
diferenças e defesa dos seus territórios, porém choca-se com as políticas neocoloniais do Estado que
ao logo da história vem suprimindo povos tradicionais. É preciso refletir na centralidade dessas
questões que tencionam na relação entre Estado e as minorias (não só quantitativas) como estrutura
de poder. É importante refletir não somente nos discursos governamentais, mas também nos

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silenciamentos contidos neles que podem encobrir ordenamentos tendenciosos e manipuladores.


Para Foucault (2006)

o discurso está na ordem das leis; que há muito tempo se cuida de sua aparição;
que lhe foi preparado um lugar que o honra mais o desarma; e que, se lhe ocorre
ter algum poder, é de nós, só de nós, que lhe advém [...] o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz a luta e os sistemas de dominação, mas aquilo
porque, pelo que se luta (p. 7, 10).

Conclusões

Diante da proposta de estudo foi vislumbrado que o modelo neoliberal que se institui no
programa analisado, busca se expressar como um projeto ousado de reforma ideológica que busca
através da educação para o trabalho, fortalecer a integração entre os habitantes das fronteiras com o
propósito de fortalecimento da mão de obra para o mercado e, ampliação de novos idiomas, como
facilitador dessas relações. Incluímos que mesmo não estando explicita em qual base teórica o
programa trata a interculturalidade, compreendemos através das leituras dos documentos que se
trata da interculturalidade funcional. Fato que legitima mais um processo que não favorece as
minorias - nesse caso os povos indígenas - com debate social, político e com diálogo coerente com
possibilidade de superação das tentativas opressoras do bloco dominante das elites empresariais que
buscam maiores lucros com suas empresas nas zonas de fronteira em detrimento da população.

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Reflexões iniciais sobre a elite no exílio: os presentes nas missas de


réquiem de Dom Pedro II
First reflections on the elite in the exile: the presents in the requiem service of d. Pedro II

Palavras-chave: Elite Imperial; Exílio; Sociabilidade; Paris; Século XIX


Keywords: Imperial Elite; Exile; Sociability; Paris, XIX Century

Thalita Moreira Barbosa


Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal de Juiz de Fora
thalitabarbosa@hotmail.com

No século XIX, a centralidade da Europa e, sobretudo da França, no contexto geopolítico do


ocidente, era clara. As viagens constantes das elites periféricas tinham como destino certo Paris.
O Brasil do século XIX estava impregnado de cultura francesa e a elite abraçava Paris como
uma segunda pátria (CARELLI, 1994). A partida da Família Imperial no ano de 1889
acarretou o deslocamento de um conjunto de famílias da elite oitocentista para a Europa.

Com Paris como destino, a comunidade brasileira que se estabeleceu no ultramar, levou
consigo seus costumes, hábitos e relações. Com a morte do Imperador e a centralidade que
a religião ocupava no seio social dos exilados, as missas de réquiem celebradas até meados do
século XX servem como fonte para a identificação desses ilustres que cercaram a Família
Imperial durante os anos de exílio e recriaram suas vidas na Europa.

Segundo Michel Forsé (1981), demonstrar que as relações que um indivíduo mantém com
outros varia, em grande parte segundo fatores sociais, econômicos ou demográficos, e que
tais determinantes nutrem as redes de relacionamento estabelecidas e o nível de engajamento
de seus membros, constitui o estudo das sociabilidades. A constituição desses grupos e de seus
mecanismos internos de funcionamento, bem como suas relações de adesão e/ou de rejeição,
tem papel central para o entendimento da dimensão cultural e social das famílias da elite
oitocentista que viviam em Paris na virada do século XIX.

Paris, enquanto lugar de encontro, ao qual chamamos de “espaço de sociabilidade”, de


acordo com Jean-François Sirinelli (1986), abrange as atitudes e os comportamentos coletivos,
o

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espaço geográfico e o comportamento afetivo envolvido nas relações, pois trata-se de


domínio intermediário entre a família e a comunidade de pertencimento civil, atuando como um
microcosmo social, resultante de fatores permanentes ou temporários, de contornos variáveis, que
atraem e unem os membros, uns aos outros, como num sistema de redes.
Desde de 1889 vivendo na França, o monarca, embora caracterizado como resignado
e silencioso, não deixara de frequentar os meios sociais e, principalmente científicos e
intelectuais parisienses, o que só fez aumentar o carisma que os europeus já nutriam por ele.
Notícia constante nos principais jornais cotidianos de grande tiragem, Dom Pedro II tinha suas
aparições em público vigiadas de perto pelos seus admiradores, angariando respeito e simpatia
nos meios que frequentava (JANOTTI, 1986).
Dois anos de exílio, uma conquista significativa do carisma dos franceses, presença
assídua nas sessões da Academia de Ciências, tempo dedicado aos estudos, passeios pela
cidade, visitas à amigos célebres e uma corte de exilados ao seu redor. Assim foi o período que
Dom Pedro II viveu na França. Tempo o suficiente para que seu funeral tenha sido um
verdadeiro evento em Paris.
Para Chartier (1995), prestar atenção aos processos e condições que são portadores das
operações de produção de sentido significaria reconhecer que nem as ideias nem as
interpretações são desencarnadas e, portanto, devem ser consideradas nas descontinuidades das
trajetórias históricas.
Seu funeral representou um momento de claras e fortes disputas, batalhas e negociações
memoriais foram travadas desde então. O luto atrapalhava o desejo de rompimento com o
passado monárquico que a República nutria (FAGUNDES, 2016). O complicado cenário da
política nacional agravava-se com a morte do Imperador e com as diversas manifestações que
ocorreram por ocasião de seu falecimento.
A partir de então, os réquiens são realizados anualmente na França e têm um quórum
significativo dessa comunidade migrada. O foco deste trabalho é analisar e refletir sobre os
presentes nessas missas, suas redes de relacionamento e seus espaços de sociabilidade. O
critério utilizado para colher uma amostra de quem seriam essas pessoas que migram junto à
Família Real ou em anos próximos, foram os presentes nas missas de réquiem do imperados,
uma vez que elas são noticiadas nos periódicos franceses da época e contêm o nome dos que
estavam presentes.
Dentro dessa ideia geral suscitada, o falecimento do Imperador é central para o estudo
proposto, pois é o fio condutor de todo o levantamento dos dados que serão analisados. O

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falecimento de Dom Pedro II é um marco importante para a comunidade brasileira exilada, uma
vez que muitos são monarquistas que abrem mão de continuar em seu país por consideração ao
monarca e/ou desgosto pelo novo regime.

A questão que se coloca é, portanto, a necessidade de uma análise sistemática e mais


detalhada das redes de sociabilidade construídas no exílio, inclusive em relação à interação
dessas famílias oitocentistas entre si e com a sociedade francesa. A proposta do projeto gira em
torno dos espaços de sociabilidade não somente dos brasileiros, mas também os compartilhados
entre ambas as elites.
A pesquisa encontra-se na segunda etapa do levantamento de dados. A comunidade
brasileira estabelecida em Paris na virada do século já foi identificada de acorda com o
filtro escolhido, ou seja, através das missas de réquiem de D. Pedro. Essa primeira coleta de
dados já forneceu um panorama geral de parte dessas pessoas que encontram-se em solos
parisienses e é possível fazer uma análise dessa comunidade a partir da interpretação das
informações obtidas.
A segunda parte da pesquisa está sendo feita através de um levantamento sistemático dos
nomes encontrados na primeira fase da pesquisa, tanto em uma ótica biográfica, através do
Dicionário Nobiliárquico Brasileiro e do Dicionário das Famílias Brasileiras, quanto nas
notícias dos periódicos franceses em que os nomes aparecem e atividades relacionadas a eles são
noticiadas, o que faz com que os espaços de sociabilidade e as redes no exilio tornem-se mais
claros.

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Imigração e vivências de haitianos em Joinville (SC): indícios da


construção de interculturalidade76
Haitian immigration and experience in Joinville (SC): evidences of the intercultural construction

Palavras-chave: imigração haitiana; interculturalidade; narrativas imigrantes; redes de


sociabilidade; cidadania.
Keywords: Haitian immigration; interculturality; immigrant narratives; sociability nets; citizenship.

Sirlei de Souza
Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina
professorasirlei@gmail.com

Os fluxos migratórios contemporâneos e seus impactos sociais, culturais, geopolíticos e


econômicos configuram-se em importantes temáticas para as pesquisas na área da comunicação,
sobretudo se os processos migratórios forem problematizados na perspectiva interdisciplinar, como
os estudos realizados recentemente por Cogo (2014) e por ElHajji (2012), em que as questões de
cidadania e visibilidade em torno dos imigrantes são problematizadas.
O Brasil, conforme Cogo (2014), voltou a fazer parte da rota da imigração internacional em
2008, por conta da estabilidade econômica e política do país. Entre aqueles que procuram o Brasil
como destino nos últimos anos, estão os imigrantes haitianos. Estima-se que aproximadamente 80
mil haitianos tenham obtido registro na Polícia Federal nos últimos quatro anos 77. A cidade de
Joinville (SC) recebeu nos últimos anos cerca de 2.300 imigrantes haitianos78, figurando entre os
principais destinos de haitianos no Sul do país. O fato de a cidade ser um polo industrial, a terceira
maior da Região Sul e ter nas últimas décadas avançado seu desenvolvimento no setor terciário
(Saavedra, 2016, conforme matéria do jornal A Notícia; Prefeitura de Joinville, 2016) pode estar
entre as justificativas para a escolha dos imigrantes haitianos.

76
A pesquisa faz parte dos estudos que estão sendo desenvolvidos para a tese de doutorado que tem como título inicial
Mídia e mediações socioculturais: imigração e vivências de haitianos em Joinville/SC (2010-2016), iniciada em abril
de 2016. Orientadora Professora Doutora Marialva Barbosa. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Doutorado Interinstitucional (Dinter) UFRJ/Universidade da Região
de Joinville (Univille).
77
Dados fornecidos pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos, 2016.
78
Informações obtidas por mensagem eletrônica do Serviço de Informação ao Cidadão, da Polícia Federal, em 2017.

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À luz de estudos recentes sobre imigrações, nossa pesquisa tem como objetivo estudar os
deslocamentos e a presença dos imigrantes haitianos em Joinville, bem como problematizar as
tensões e disputas que se desenrolam na e pela imigração. Para ElHajji (2012), os deslocamentos
migratórios impactam as diferentes culturas promovendo a interculturalidade por meio de vivências
que se entrecruzam.
A comunicação ora apresentada é resultado parcial de um conjunto de pesquisas
desenvolvidas em Joinville pelo Grupo de Pesquisa Cidade, Cultura e Diferença e de atividades de
extensão, realizadas pela Universidade da Região de Joinville (Univille) com imigrantes haitianos.
Tais atividades têm proporcionado diálogos constantes com os imigrantes, seja mediante os
encontros de extensão, seja por meio das entrevistas desenvolvidas por intermédio da metodologia
de história oral 79 , ou ainda pela realização de grupos focais 80 em que os haitianos expõem
coletivamente suas experiências migrantes.
Para esta comunicação, optamos em analisar as narrativas produzidas nesses espaços e que
trazem à tona questões referentes à integração na sociedade joinvilense, entre as quais estão
manifestações de preconceitos em lugares públicos, de intolerância de vizinhos para com suas
religiosidades e discriminações culturais.
Por outro lado, as narrativas exprimem estratégias desenvolvidas pelos imigrantes perante
essas recusas. Entre essas estratégias, estão a criação da Associação de Imigrantes Haitianos, a
construção de espaços específicos para seus cultos religiosos e a efetivação de uma rede de
solidariedade e de sociabilidade entre haitianos e joinvilenses (como a que hoje existe com igrejas,
instituições de movimentos sociais afrodescendentes e com a universidade).
Essas iniciativas têm como objetivo a interação cultural e política, viabilizando a
participação ativa dos haitianos no cotidiano da cidade, por meio da valorização de diálogos
interculturais e da disseminação de práticas de solidariedade e de cidadania.

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Fundação Getulio Vargas.
Barbour, R. (2009). Grupos focais. Porto Alegre: Artmed.

79
Em relação à problemática envolvendo os usos da história oral, ver: Amado e Ferreira (1996); Ferreira et al. (2000);
Pollak (1989).
80
Ver Barbour (2009).

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Trajetórias migratórias às margens da cidade: a presença de


“africanos” e “europeus” nas favelas cariocas
Migratory trajectories at the margins of the city: presence of "Africans" and "Europeans" in the
favelas of Rio de Janeiro

Palavras-chave: Rio de Janeiro; Favelas; Africanos; Europeus; Segregação


Keywords: Rio de Janeiro; Favelas; Africans; Europeans; Segregation

Nicolas Quirion
Mestre em Política, Espaço e Sociedade pela universidade de Rennes II (França)
Doutorando no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ)
Bolsista CNPq
nicoquirion@gmail.com

O estudo transdisciplinar em curso tem como objetivo comparar dois tipos de imigrações
internacionais a priori claramente distintos, que convergem dentro de um espaço caraterístico da
cidade do Rio de Janeiro. Tratar-se-á de examinar a ancoragem de indivíduos (oriundos da África,
por uma parte; e da Europa, por outra) no seio das zonas tradicionalmente marginalizadas que são
as favelas cariocas. Consideramos que esses assentamentos populares informais representam um
excelente laboratório para observar os efeitos sobre o território das escolhas de uma multidão de
pequenos atores, que contribuem para o aparecimento de certos fenômenos urbanos emergentes.
Com efeito, a escolha deste território específico como zona de convergência dos dois grupos de
migrantes permite matizar a habitual dicotomia entre “migrações elitárias” e “migrações
econômicas”, que ficam associadas a maioria do tempo, respetivamente, aos migrantes oriundos de
países “ricos” e aos de países “pobres”. Podemos dessarte nos concentrar sobre outros fatores, de
natureza mais simbólica, que favorecem ou não a integração do migrante à terra de recepção. Neste
sentido, procuramos saber como a convivialidade e os conflitos, que não deixam de manifestar-se
nas áreas estudadas entre nativos e migrantes, alimentam os imaginários de todos os atores
envolvidos, levando a representações mútuas que podem participar da (re)configuração das relações
sociais nessas áreas tradicionalmente ostracizadas da cidade do Rio de Janeiro.

Desenvolvimento
Concentrado sobre um período que se estende desde o início dos anos 2000 até hoje, este
estudo representa uma tentativa de questionar a relação indivíduo/território em um mundo
globalizado, onde a circulação de pessoas, capitais e culturas é fluida e intensa. As representações e

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os discursos que emergem em relação aos grupos de estrangeiros morando nas favelas — tanto
quanto os efeitos potenciais das suas presenças nesses territórios — são usados aqui para destacar
algumas questões significativas, na intersecção de conflitos simbólicos e sociais, que podem entrar
em ressonância com a história nacional e algumas dinâmicas transescalares em curso. Com efeito, a
presença de estrangeiros em um determinado território geralmente tende a favorecer a emergência
de novas representações urbanas, sejam elas positivas ou negativas. Assim, a observação comparada
das trajetórias de dois grupos de migrantes em um espaço urbano historicamente marginalizado
permite lançar um olhar novo sobre as questões habituais de diferenciação urbanas; seja em relação
às lógicas de exclusão e de estigmatização, bem como de cosmopolitismo e de fluidificação de
relação mercantil.
Apesar dos incontestáveis progressos urbanos registrados 81 e das tentativas de valorização
simbólica, as favelas do Rio de Janeiro continuam profundamente marcadas por uma visão
negativa, e sofrem os efeitos de acusações incessantes de ilegalidade82. De alguma forma — e este
fato certamente não é alheio à sua má reputação — a favela carioca sempre tem sido refúgio de
"migrantes". Tal foi o caso, à escala intra-urbana, quando no início do século XX grandes reformas
expulsaram autoritariamente os habitantes mais precários dos cortiços obrigando-lhes a construir
massivamente casas improvisadas nas encostas dos numerosos morros que fragmentam o espaço
urbano local (ABREU; VAZ, 1991). Um segundo movimento amplo, iniciado durante a fase de
desenvolvimento industrial acelerado por volta dos anos 1950, levou durante várias décadas um
fluxo intenso e contínuo de migrantes econômicos domésticos oriundos da região Nordeste,
geralmente fugindo das secas e da pobreza de áreas rurais negligenciadas pelas autoridades. Mais
recentemente, foi possível ter conhecimento da existência de certas correntes migratórias
internacionais dirigidas, de maneira fragmentária, até as favelas cariocas. Quantitativamente
marginal, difuso, complexo de acompanhar, o fenômeno dos não-brasileiros com um endereço nas
favelas tem sido objeto de poucos estudos até agora. Para os nossos propósitos, optamos por focar
sobre dois tipos de migrantes internacionais que se estabelecem em diferentes favelas da cidade.
Por uma parte, algumas localidades do complexo de favelas de Maré, localizado na Zona
Norte da cidade, têm conhecido um aumento do fluxo de imigrantes africanos, principalmente de

81
Estes bairros surgidos da "lógica da necessidade", segundo processos arquitetônicos vernáculos e em grande parte
espontâneos, passaram geralmente por uma inegável consolidação material, graças aos esforços contínuos dos seus
próprios moradores e ao resultado cumulativo de políticas de urbanização implementadas a partir da segunda metade
dos anos 1970 (GONÇALVES, 2013).
82
A suposta “ilegalidade” das favelas deveria ser fortemente matizada pelo conhecimento dos mecanismos de
tolerância, e até de incitação, à favelização que foram notadamente descritos por Rafael Soares Gonçalves (2013).

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Angola. Essas migrações se inscrevem na continuação de um movimento iniciado no final das


guerras coloniais na África lusófona, quando refugiados fugindo das perseguições e da guerra civil
se instalaram muito precariamente na favela (PETRUS, 2001). No entanto, o perfil dos Angolanos
que chegam agora na Maré parece sensivelmente diferente. De acordo com observações de campo
realizadas numa abordagem etnográfica, os migrantes que deram entrada nos últimos quinze anos,
ou seja após o fim da guerra civil em Angola (2002), seriam oriundos de camadas sociais
relativamente privilegiadas e disporiam de um bom nível educacional. Apesar destas características,
a estigmatização desses indivíduos dentro da sociedade brasileira permanece forte. Atitudes e
observações discriminatórias contra esses migrantes, aos quais é frequentemente atribuída uma
africanidade indesejável, podem vir tanto do exterior83 como dos próprios moradores “nativos” das
favelas em questão. Com efeito, esses últimos são às vezes imbuídos de concepções fóbicas
semelhantes às quais eles mesmos estão tradicionalmente submetidos, e tendem a procurar uma
identificação com as camadas superiores da população (VIDAL, 1998; SOUZA, 2012). Em tal
configuração, as oportunidades para intercâmbios costumam ser reduzidas, o que pode causar um
isolamento comunitário e alimentar o círculo vicioso da estigmatização e da exclusão social.
Por outro lado, algumas favelas situadas na proximidade das centralidades urbanas
(especialmente da Zona Sul, a mais valorizada econômica, cultural e simbolicamente) tornaram-se
destinos de um intenso trânsito turístico (MORAES, 2017; FREIRE-MEDEIROS, 2013) e,
ocasionalmente, de instalação residencial de indivíduos oriundos de países mais desenvolvidos —
especialmente da Europa Ocidental. Percebidos como pertencendo a categorias socioculturais
superiores, estes novos moradores parecem fora de sintonia com a realidade das favelas, conhecidas
tradicionalmente para acomodar os mais desfavorecidos. Embora esteja em refluxo desde o final
dos grandes eventos e por causa da deterioração das condições de segurança (relacionada com a
crise do modelo de segurança pública conhecido como "pacificação"), o fenômeno parece ter
deixado uma sedimentação importante. Essa presença estrangeira foi às vezes considerada como
reveladora de um processo de gentrificação na sua fase pioneira. Embora seja necessário apontar as
particularidades e limitações desse suposto fenômeno (RIBEIRO, 2017), é possível dizer que a
instalação de “gringos” em certos assentamentos precários participa de uma dinâmica de
ressignificação simbólica da favela carioca (LACERDA; SALLES; NOVAES, 2017). De fato, a
procura por diversidade e autenticidade por parte de certos novos habitantes mais privilegiados

83
Como foi o caso com as acusações recorrentes (muito difundidas pela imprensa local), segundo as quais os
Angolanos organizariam o treinamento dos traficantes da Maré para as tácticas de guerrilha (cf. “Investigação de
angolanos intimida favela” <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0902200025.htm>.

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pode se inscrever em uma transformação tendencial do exercício de dominação social, tal como
observado em muitas cidades de países mais desenvolvidos. Em retorno, esse processo não vai sem
despertar a vigilância de certos segmentos politizados da população local. Com efeito, alguns atores
adotaram estrategias de afirmação identitárias no âmbito de uma “luta pelo reconhecimento”
(HONNETH, 2011) que passa pela preservação do uso popular de um território considerado como
locus histórico de resistência à opressão racial no Brasil, em uma analogia com o quilombo rebelde
do tempo da escravidão (CAMPOS, 2005).

Algumas considerações
De acordo com trabalhos de campo realizados com dos dois grupos de estrangeiros,
acompanhados de uma revisão da literatura, foi possível reconhecer através de trajetórias
nitidamente diferenciadas os sempiternos dilemas da condição social do “estrangeiro”. Duas obras
seminais da sociologia clássica, as de Georg Simmel (1983) e Alfred Schütz (1944), propuseram
enquadramentos teóricos cujas grandes linhas permitem discernir as ambivalências que rodeiam os
sujeitos do presente estudo. De um lado, a presença do estrangeiro de tipo simmeliano não costuma
ser considerada pela população de acolhida como particularmente problemática. Pelo contrario, esse
Outro vem nimbado de uma aura de objetividade que pode fazer dele um arbitro diante de certos
conflitos entre locais. Embora a distança social entre o Estrangeiro e esses últimos atores não deixe
de existir, ela confere potencialmente um estatuto valorizado. Em contraste, para Schütz, o
“forasteiro” não desfruta de tais prerrogativas simbólicas. Trata-se de um imigrante, de um
indivíduo estranho que procura viver entre os locais. Porém, apesar de todos os seus esforços para
aprender as normais e os valores vigentes no novo lugar de vida, o estigma e a marginalização
parecem persegui-lo.

Acompanhando os diferentes olhares dados pela sociedade receptora sobre os grupos de


imigrantes estudados, foi possível constatar que, se a representação de migrantes africanos na
grande imprensa oscila, quase inevitavelmente, entre o miserabilismo 84 e a estigmatização
criminal 85 ; a instalação de novos residentes de países mais desenvolvidos em algumas favelas
aparece retratada como uma possível brecha na manutenção da tradicional segregação residencial

84
Ver por exemplo: “O sofrimento silencioso dos refugiados do Congo em Brás de Pina”, in O Globo, 19/06/2016
http://oglobo.globo.com/rio/o-sofrimento-silencioso-dos-refugiados-do-congo-em-bras-de-pina-19538015.
85
Ver por exemplo: “Ligação de angolanos com o tráfico é provada”, in O Globo, 15/12/2006
<http://oglobo.globo.com/rio/ligacao-de-angolanos-com-trafico-provada-4538796>

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no Rio de Janeiro, ao passo que são valorizadas determinadas atitudes ou iniciativas "positivas" e
altruísta desses recém-chegados86. A fim de descobrir como o olhar da sociedade brasileira sobre as
favelas em questão pode evoluir devido à presença de diferentes tipos de estrangeiros, não podemos
deixar de sublinhar a importância das origens do migrante em relação à integração em um país
como o Brasil, cuja história é caracterizada por um período de escravidão particularmente longo e
intenso e pela importância difusa da ideologia eugenista de "branqueamento" da população
(SCHWARCZ, 1993). Com a importação massiva de trabalhadores europeus, efetuada em
detrimento do necessário esforço para integrar as massas de ex-escravos, foi toda uma parte da
população que ficou condenada à mais abjeta pobreza e à exclusão ao longo de gerações.

Em uma conjuntura marcada por uma profunda crise social, econômica, política e moral; mas
também pelo fortalecimento de certas formas militantes embasadas na valorização identitária dos
grupos sociais historicamente marginalizados, consideramos que será relevante acompanhar o
tratamento dado à figura do estrangeiro, seja nas favelas como no conjunto da cidade.

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86
Ver por exemplo a série de reportagens publicados pouco antes dos Jogos Olímpicos de 2016 : “Favela Brass ensina
instrumentos de sopro a crianças de comunidades” <http://oglobo.globo.com/rio/bairros/favela-brass-ensina-
instrumentos-de-sopro-criancas-de-comunidades-20021912>; “O belga que quer revolucionar favelas brasileiras com
energia solar” <http://www.bbc.com/portuguese/media-37166918>.

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Uma análise das migrações como poéticas e políticas de transformação


social a partir de uma ética da coabitação
An analysis of migrations as poetics and policies of social transformation from a cohabitation
ethic

Palavras-chave: Migrações; Transformação social; Ética; Coabitação; Antropologia.


Key-words: Migrations; Social transformation; Ethic; Cohabitation; Anthropology

Janaina Santos
Doutoranda em Antropologia Social no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social na
Universidade Federal de Santa Catarina - PPGAS/UFSC.
Membro do GAIRF (Grupo de Apoio a Imigrantes e Refugiados de Florianópolis e região), do
GT I (Grupo de Trabalho sobre Imigração da Comissão de Direitos Humanos da ALESC) e do
Observatório das Migrações da UDESC.
Professora voluntária de Língua Portuguesa para Imigrantes e Refugiados no Projeto PLAM.
Vinculada ao GESTO (Grupo de Estudos em Oralidade e Performance).
janaina.santos@ufsc.br

Proponho uma reflexão acerca do fenômeno global das migrações recentes como
possibilidades (co)movedoras poética e politicamente que impulsionam a transformação do
mundo social. Deste modo os deslocamentos populacionais deste início do século XXI, a partir
do contexto local da região da Grande Florianópolis, são analisados em seus atravessamentos e
interseccionalidades através das narrativas e performances de migrantes haitianos e
senegaleses. Pretendemos, portanto, analisar as migrações recentes a partir de uma abordagem
positivadora deste processo, no sentido de que elas impõem uma reconfiguração da história
universal através de movimentos divergentes que surgem nas brechas das fronteiras e
hegemonias, questionando as heranças do colonialismo e dos processos de racialização ainda
vigentes e impondo novas configurações desestabilizadoras.
Analisamos os deslocamentos e as migrações humanas contemporâneas através dos fluxos
locais e globais que envolvem trajetórias definidas, mas também muitas experimentações e
improvisos. Compreendemos as paisagens, a partir das narrativas de imigrantes haitianos e
senegaleses em Santa Catarina, como narrativas em constante transformação e priorizamos
uma abordagem que atenta às interconexões e engajamentos entre espaços e tempos,
articulando territórios provisórios, passageiros, ontogênicos e que apontam para pertencimentos
múltiplos, em processos que envolvem constantes descobrir-caminhos. Seus movimentos
implicam uma abertura para o mundo e constantes reelaborações de paisagens, relações e

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ambientes.

Não é raro que mesmo depois de terem residência e trabalho estável, ou de a família já
ter se juntado no novo contexto, resolvam partir novamente em busca de melhores condições,
ou de possibilidades de estudos ou rendimentos maiores. Para os que ainda não encontraram
emprego fixo ou mínimas condições de inserção social, maiores ainda são as aberturas para
o novo, para novas migrações que sobrepõem camadas às suas experiências migratórias.
Desta forma pretendemos articular o fenômeno das migrações recentes a partir uma
abordagem que, para além das precariedades e restrições de direitos, atente para a liminaridade e
a construção de novos modos de estar no mundo, mais fluídos e menos estáveis, bem como o
estabelecimento de novos paradigmas de relações em contraste com ordens pré-estabelecidas
econômica, social, política e territorialmente. Entretanto, apesar destas constantes reelaborações
de trajetórias e de identidades, suas múltiplas relações afetivas ou materiais permanecem e se
ampliam, criando conexões transnacionais que articulam experiências e narrativas com
diversas pessoas em diversos países. Através destas conexões pessoas, saberes, práticas, bens,
remessas materiais, informações e imagens circulam em suas comunidades diaspóricas e fora
delas, sendo enviados, recebidos, produzidos, reproduzidos e subvertidos, deslocando, através dos
seus deslocamentos, múltiplos pontos de vista em um processo contínuo.

Luane veio do Haiti, morou um mês em Florianópolis e reemigrou para Caxias do Sul.
Voltaria em 30 dias, mas conseguiu trabalho, começou um relacionamento estável e não
retornou. Helena morou em Florianópolis por um ano e depois foi para o Chile. Clara veio do
Senegal para cá, quis ir para São Paulo, mas espera o filho nascer para partir para a França. B.,
que veio para o Brasil utilizando a mesma rota de muitos dos primeiros migrantes haitianos,
morou em Caxias do Sul, São Paulo, Chapecó, São José e Florianópolis, além disso, viaja todas
as semanas para outras cidades ou estados em função do seu trabalho. M. veio do Haiti, morou em
Palhoça, depois em Curitibanos, voltou para Palhoça, fundou uma associação e, tendo recebido
uma oferta de trabalho, voltou para Curitibanos junto com mais vinte conterrâneos. O mundo
para estas mulheres e homens é muito conectado e elas se movem e (co)movem com relativa
facilidade e muita coragem.

O enfoque proposto, para além das precariedades e restrições de direitos, aponta para a
positividade do fenômeno migratório, que através dos constantes deslocamentos e de modos de
estar no mundo mais fluídos e menos estáveis, atua como desencadeador de novos paradigmas de
relações contra hegemônicas. As migrações assumem, sob este viés, uma dimensão política e

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poética performada e experienciada cotidianamente, que se expande, criando efeitos


transformadores que movem e (co)movem. A partir desta abordagem, enfatizamos seu potencial
de criar transformações sociais e descentrar relações historicamente assimétricas e desiguais,
provocando uma reestruturação que possa ser “ boa para pensar” e proporcione maneiras de
sustentar uma ética de coabitação.

Segundo Butler (2017a) através da ética da coabitação nos comprometemos não apenas com
pessoas próximas, ou pertencentes ao país em que vivemos ou nascemos – assim como
tampouco aceitamos sermos meros consumidores de imagens de pessoas em deslocamento ou
sofrimento e nem tampouco indiferentes ao seu sofrimento – mas passamos a questionar o que
nos faz próximos ou distantes das desigualdades e tragédias humanitárias de todos os tempos e
lugares. Para a autora “a heterogeneidade da população de nosso planeta é uma condição
irreversível da vida social e política” e “estamos [também] obrigados a preservar estas vidas e a
pluralidade sem limites que constitui a população mundial” (Butler, 2017a, p. 115, tradução
livre). A partir deste pensamento somos implicados eticamente e tornamo-nos responsáveis não
apenas pela coabitação como princípio, mas por garantir as melhores condições para que esta
possa existir, tanto em âmbito local quanto internacional. “O que existe aqui, está implicado
com o que há lá”, como propõe o título do trabalho de Assis (1995): “Estar aqui, estar lá”, ainda
que com outros sentidos.

Homi Bhabha (2013) faz um elogio ao nomadismo e à mestiçagem como práticas éticas que
se contrapõem ao império e à fixação, seja a uma nação, a uma identidade ou a um povo. Na
mesma perspectiva, para Paul Gilroy, a diáspora desafia toda forma de fascismo “com seus
distintos mitos de renascimento nacional” a “valorizar parentescos sub e supranacionais”,
permitindo assim “uma relação mais ambivalente com as nações e com o nacionalismo”
(Gilroy, 2017, p. 19), e propondo “uma relação entre igualdade e diferenciação étnica: um
mesmo mutável” (idem. p.29). Segundo este autor os deslocamentos sobre o oceano Atlântico
desde o início da escravidão colonial foram sempre, paradoxalmente, uma oportunidade para
trocas e articulações políticas, linguísticas e culturais, possibilitando muitas vezes a organização e
a disseminação de levantes por justiça, de cunho abolicionista e anti-escravagista. Ele argumenta
que “os padrões fractais de troca e transformação cultural e política” (idem, p. 58)
proporcionados pelos múltiplos deslocamentos sobre o Atlântico negro desde o século XVI - e
retomados agora neste novo milênio – permitem perceber a criatividade transnacional do
Atlântico negro nas artes, no pensamento, nas lutas por emancipação e defesa de direitos de

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formas que extrapolam as políticas de nacionalidade e etnicidade, relacionando afetos e


resistências na construção de novas possibilidades, que podemos tomar por uma reivindicada
ética de coabitação.

Analisar as narrativas e performances relacionadas aos fluxos e circulações de haitianos e


senegaleses através do Atlântico, seguindo os caminhos inicialmente apontados por Gilroy
(2013) implica em múltiplos atravessamentos e articulações. Neste sentido convém pontuar que
se tratam de dois países com reconhecidas tradições diaspóricas, ambos com populações negras
que se confrontam com processos de racialização impostos desde o período colonial e que
muitas vezes passam a vivenciar diretamente este processo apenas aqui no Brasil. Além disso a
partir da pesquisa etnográfica foi possível percebermos que importante percentual dos
imigrantes senegaleses que entraram no Brasil após 2010, ao serem informados via redes
sociais das facilidades de acesso à população haitiana através do estatuto do visto humanitário,
trataram de fazer a mesma rota e seguir as mesmas trajetórias que estes. Outro fator de
aproximação da população destes dois países com o Brasil passa pelas representações de igualdade
social e racial veiculadas em seus países através da apresentação de novelas brasileiras e do
futebol. Além disso como pode-se apreender nas suas narrativas e performances, haitianos e
senegaleses estabelecem conexões e articulam discursos, compartilhando identidades migrantes
quando tal estratégia se mostra promissora de desencadear visibilidade na luta pelo
reconhecimento de seus direitos.

De acordo com Appadurai, “a velocidade e a intensidade com que elementos tanto


materiais quant o i d eol ó gi c os a gora c i r c u l a m através de fronteiras naci onai s
criaram uma nova ordem de incerteza na vida da sociedade” (Appadurai: 2009, p. 15). Assim,
segundo o autor, o projeto moderno de sociedade não se concretiza pois cada vez mais os
arranjos mostram-se volúveis, quase líquidos. Assim, em muitos casos, a luta contra o
enfraquecimento dos estados-nação (e todas as ficções que os envolvem) se torna a luta contra
imigrantes e refugiados, considerados ameaças externas. Neste novo cenário do mundo em
permanente fluxo, a unidade básica de identificação e de pertencimento está cada vez menos
ancorada no território (Hannerz, 1990, p.237). Os fluxos globais cada vez mais denunciam a
fragilidade e os interesses dos Estados- nações.

As migrações, portanto, atuam como fenômenos (co)movedores, implicando migrantes e


não-migrantes em processos dialógicos de liminaridade e transformação, que articulam poéticas e
políticas através da compatibilização e fricção de múltiplas dimensões da vida social. Entre os

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diversos desafios que se colocam, está a compreensão dos novos fluxos migratórios em seu
potencial transformador, tomando os múltiplos deslocamentos de pessoas neste novo milênio
como desencadeadores de necessárias transformações sociais em direção a uma ética de
coabitação. Assim, compreender e dialogar com a pluralidade, a diversidade e a heterogeneidade
colaboram para a construção de novas bases relacionais, e as migrações recentes têm muito a
ensinar através dos múltiplos (co)movimentos que performam e desencadeiam, transformando o
mundo, contribuindo para que precariedades, violências, racismos e essencialismos possam ser
gradualmente desconstruídos.

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Narrativas de perseguição, narrativas de liberdade: diálogos entre a


identidade curda e a identidade dinamarquesa
Narratives of persecution, narratives of freedom: dialogues between Kurdish and Danish
identity

Palavras-chave: Identidade, diáspora, Curdistão, Dinamarca, etnicidade


keywords: Identity, diaspora, Kurdistan, Denmark, ethnicity

Tiago Duarte Dias


Doutorando pelo PPGA-UFF e membro do NEOM (Núcleo de Estudos do Oriente Médio). Email:
tiago_ddias@hotmail.com

No dia 21 de junho de 2014, após já ter tido a oportunidade de realizar uma série de
entrevistas com alguns interlocutores, tanto membros, quanto ex-membros de uma organização
chamada FOKUS-A (Organização de Estudantes e Acadêmicos Curdos). O autor foi a diversas
demonstrações públicas ao redor da capital dinamarquesa, incluindo uma demonstração pró-
Curdistão em frente a Rådhuspladsen (a prefeitura de Copenhague, local central na cidade, perto da
principal rua de compras da cidade, da estação principal de trens e do parque de diversões Tivoli,
além de abrigar uma praça, que durante o verão é lar de diversas manifestações artísticas e políticas)
a qual servirá como início da narrativa etnográfica presente em tal artigo.
Primeiramente, faz-se necessário especificar o sentido de “Curdistão” em tal manifestação.
Para meus interlocutores, o conceito de Curdistão explicitado era o que se relacionava a uma
identidade curda que se manifesta tanto dentro do que os curdos nacionalistas chamam de
“Curdistão”, quanto fora de tal território mas que se relacionaria a tal território por enxergá-lo como
território originário, ou ainda território pátrio, dos curdos; ou seja, a ideia de Curdistão que estaria
sendo defendida em tal manifestação, era uma ideia relacionada a identidade curda em consonância
a um pertencimento simbólico a tal território (VAN BRUINESSEN, 2002). Conforme um dos meus
interlocutores, Zana, me informa: “Essa manifestação de hoje foi organizada pra não ter a presença
de partidos políticos nem nada, só pra mostrar que somos curdos”.

Organizada por diversos grupos políticos e culturais curdos, especialmente os ligados, ou


ainda, que nutrem uma simpatia com o KDP (Partido Democrático do Curdistão) a mesma surge
como uma maneira de celebrar o possível surgimento de um estado curdo, ou o aumento da
autonomia do território do Curdistão dentro do atual Iraque, no norte do mesmo, e que dentro de
uma narrativa nacional curda, também é conhecido como Curdistão do Sul, ou, em Kurmanji,

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Basûrê Kurdistanê. Após o colapso representativo do governo oficial iraquiano devido (entre outras
coisas) ao aparecimento do grupo fundamentalista ISIS, no qual o mesmo conseguira capturar as
cidades de Mosul e Tirkuk sem muita resistência das forças iraquianas locais. Entretanto, ao
tentarem entrar em território curdo, os mesmos encontraram forte resistência do exército curdo, os
peshmerga (“aqueles que se encontram com a morte”). Logo, diante de um ataque externo, as forças
de defesas do governo regional baseado em Erbil (Hêwler em Kurmanji), num primeiro instante, se
mostraram suficientes. Tal autossuficiência militar das forças de defesa curdas, somadas a um nível
de autogoverno relativamente alto, fizeram com que a ideia de um estado- nacional curdo, a
princípio, no território iraquiano fosse cogitado tanto pelo governo local de Mahmoud Barzani do
KRG (Kurdish Regional Government), que comentara sobre a possibilidade de um possível
referendo, quanto pelas comunidades curdas espalhadas ao redor do mundo, além de acadêmicos e
jornalistas de diversas publicações sobre política externa e relações internacionais.87
Portanto, é possível notar claramente uma grave contradição em relação ao que meu
interlocutor me informara, e o que, de fato, ocorrera. O discurso de grande parte dos participantes
era de um tom apaziguador, e que buscara não trazer as divergências políticas, ideológicas e
geográficas da política curda para tal arena, especialmente por aquela manifestação ser uma na qual
não haveria uma disputa narrativa, posto que, os curdos que se opõe a Barzani e sua política haviam
ou optado por não ir, ou por não trazer tais críticas de modo mais enfático de maneira a evitar
conflitos. Afirmar que tal manifestação buscava celebrar uma identidade curda sem os meandros da
política e das ideologias presentes na mesma só desnuda a narrativa política e ideológica de grupos
dentro da população curdo-dinamarquesa. Entretanto, conforme será demonstrado ao longo do
artigo, a presença de manifestações nas quais as divergências são postas em segundo plano em prol
de uma identidade curda ocorrem em diversas instâncias, algo que, por exemplo, não ocorreria de
maneira tão harmoniosa na Alemanha, conforme observado por Bahan Baser (2013).
Ou seja, com a dissolução do estado iraquiano, e a capacidade do território curdo em se
governar de forma independente de Bagdá, a comunidade curdo-dinamarquesa resolve se
manifestar de maneira a celebrar tal capacidade. Como um interlocutor mais velho, e originário de
Hêwler (Erbil) me dissera: “Nós podemos cuidar de nós mesmos, nunca precisamos do que veio de
Bagdá, só precisamos que nos deixem em paz, não só lá, mas também na Turquia, na Síria e no

87
Recentemente, no dia 7 de Junho de 2017, o presidente do Curdistão Iraquiano, o já citado Mahmoud Barzani
afirmou, via Twitter, que o referendo sobre a independência curda do Iraque ocorreria no dia 25/09 do mesmo ano.
Fonte: https://twitter.com/masoud_barzani/status/872496589868290049 (Acesso em 08/08/2017)

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Irã”.
Em um primeiro momento, conforme ouvira de diversos participantes, de diversas idades e
origem, a criação de um estado nacional curdo parecia apenas uma questão de tempo; e a resistência
contra mais um inimigo externo criara uma perspectiva positiva no qual os diversos fatores políticos
eram deixados em segundo plano em prol de um bem comum maior, ao menos para diversos
indivíduos dentro da comunidade curda, incluindo os cuja a simpatia com o PKK e com seu líder
Abdullah Ocälan, (posto que Ocälan e o PKK já não mais lutavam pela independência curda através
da criação de um estado) não fossem tão grandes a ponto de impedir que os mesmo participassem
de uma demonstração sem suas bandeiras, ou ainda, sem o viés ideológico ligado a tal grupo. Um
desses indivíduos, presente em tal manifestação, e que eu pude entrevistar depois, me disse que
acreditava que a teoria política de Ocälan, porém que, ele era, acima de tudo, curdo, e que sua
presença era uma maneira de expressar tal posicionamento.
De qualquer maneira, tal manifestação afirmou-se em prol da vitória dos peshmergas sobre
os partidários do Estado Islâmico, no qual os diversos grupos que a organizaram concordaram em
não levar nenhum símbolo ou bandeira relacionados a qualquer partido político curdo. Ao invés
disso, os participantes foram instruídos a levarem bandeiras do Curdistão e da Dinamarca.
Os discursos foram somente dois, ambos em kurmanji, e focando, conforme um de meus
interlocutores me contara, principalmente em louvar aspectos da cultura curda e comentar sobre a
resistência heroica dos peshmerga na batalha contra os militantes do Estado Islâmico. Após os
mesmos, música típica curda fora tocada através de um auto-falante. Enquanto isso, crianças com
bandeiras do Curdistão corriam e jogavam futebol, jovens adultos conversavam com seus amigos,
além de tirarem fotos em frente a uma enorme bandeira curda que era exposta em frente a
prefeitura, ao mesmo tempo, senhoras de idade conversavam entre si, em kurmanji e em
dinamarquês, e velhos combatentes, vestindo trajes típicos curdos, conversavam entre si. Um
político local de origem curda conversava com diversas pessoas, enquanto diversos transeuntes iam
e viam numa das áreas com a maior circulação de pedestres da capital, e ocasionalmente, paravam e
olhavam com curiosidade a demonstração que atraíra entre 250 e 300 pessoas num domingo
ensolarado no primeiro dia de verão dinamarquês.
Minha aproximação inicial gerara um misto de curiosidade e orgulho em grande parte dos
meus entrevistados naquela ocasião. Curiosidade por haver alguém disposto a, de acordo com
alguns deles, “estudar e aprender sobre nós” e orgulho por estarem sendo alvo de tal estudo, ainda
mais por alguém que viera de um país tão distante, além, é claro da percepção que eles teria de que
a causa curda continuava tendo uma relevância acadêmica. Sendo a manifestação realizada durante

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a Copa do Mundo de 2014, e sabendo eles que eu era brasileiro, um dos assuntos mais comentados
fora tal evento. O fato de podermos ter conversado sobre amenidades como futebol, dera uma
dimensão precisa do clima da mesma, ainda mais ao comparar com outras manifestações que
ocorreriam após a mesma, conforme será observado ao longo do artigo.
O clima, portanto, de tal manifestação, era um de celebração da cultura curda, ao mesmo
tempo em que os manifestantes ocupavam um lugar público de grande circulação, numa tentativa de
demonstrar para a sociedade dinamarquesa de forma ampla, que os mesmos, de acordo com o relato
de um dos meus interlocutores:

Tais manifestações são importantes para nós por que elas mostram pra sociedade
dinamarquesa que nós não somos todos iguais. Nós não somos turcos, não somos iranianos,
não somos iraquianos, não somos sírios e nós não somos árabes. Nós somos curdos. Temos
nossa música, nossa bandeira, nossa língua. Isso aqui também é importante para que os
mais novos (ao falar isso, ele aponta para duas crianças correndo) também saibam disso.
Isso é importante para que eles não esqueçam quem eles são. E se depender de eventos
como esse os curdos jamais esqueceram que são curdos, mesmo morando fora do
Curdistão.

Ou seja, é possível, portanto, retirar duas análises etnográficas sobre tal evento ocorrido em
junho de 2014. A primeira é uma autoafirmação da identidade curda, feita através de símbolos
étnicos e nacionais próprios, e portanto, distintos tanto do resto da população imigrante na
Dinamarca, quanto dos próprios dano-dinamarqueses. A segunda é a importância de tais eventos
ocorridos em Copenhague como forma de fortalecimento dos laços sociais dentro das diversas
comunidades e populações curdas espalhadas por todo o país que se encontram na capital do país.

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O papel da língua na transformação do sujeito migrante e sua


inserção na sociedade de acolhimento.
The language’s role in migrant subjectivity’s transformation and its insertion in the reception
society.

Palavras chave: Migração, linguagem, cultura, não linearidade, metamorfose.


Keywords: Migration, language, culture, non-linearity, metamorphosis.

Jorge Luiz Veschi

Pode-se migrar movido por algum desejo ou pressionado por alguma necessidade. Estas
necessidades podem ser derivadas de pressões na terra natal ou para acompanhar alguém a quem se
está vinculado e que migra. Os tipos de resistência e motivações diferem de uma situação para
outra, sendo que, usualmente, quando o deslocamento se dá por algum desejo, os processos de
adaptação são mais aceitos. O banzo é uma reação comum aos que deixam seu território na ausência
do desejo.
Os lugares de acolhimento diferem quanto a atitude desejante a respeito do acolhimento ou
uma atitude de resistência maior ou menor ao acolhimento. Quando existe uma demanda em relação
à vinda de outros, buscam-se mecanismos de facilitação da integração, o que usualmente não
acontece quando não há uma demanda. O estrangeiro é uma figura densamente ambígua em
qualquer comunidade.
Quando falamos que ‘o homem é o animal do logos (o grego usa logos e não glossa para
caracterizar que não se trata da língua enquanto tal, mas sim das condições de possibilidade da
construção de uma linguagem)’ estamos dizendo da característica humana de perceber o mundo
enquanto uma estrutura de linguagem, na forma de signos e símbolos.
Uma linguagem se constrói não apenas de símbolos passíveis de transmitir informações e
mesmo ao apoiar a comunicação, ela se constrói incorporando o ambiente físico e emocional na
qual se constitui. Dessa forma, a linguagem representa uma realidade. Ela se compõe também de
imaginário através do qual a realidade vem a ser romanceada.
Sapir trabalha a maneira a como a língua representa uma maneira de se perceber e agir sobre
a realidade.

“Seres humanos não vivem no mundo objetivo sozinhos, nem sozinhos no mundo das atividades
sociais, como se entendeu ordinariamente, mas estão á mercê de uma linguagem em particular a

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qual vem a ser o meio de expressão para sua sociedade. É uma ilusão se imaginar que alguém se
ajusta á realidade sem o uso da linguagem e que a linguagem seja meramente um sentido acidental
de resolver problemas específicos da comunicação ou reflexão88”
Chomsky aponta a presença das condições para a estrutura da linguagem enquanto inatas no
homem, porém os efeitos sociais e políticos determinados pelos símbolos carregados de valores
sociais inseridos nos códigos da linguagem e que vêm habitar cada ser falante. Segundo o autor, “o
interacionismo construtivo define como os novos conhecimentos são decorrentes de interações
construtivas com o ambiente”.
Já Vygotsky tematiza a relação da linguagem enquanto o instrumento com o qual o homem
opera o real.

“O ambiente efetivo de qualquer organismo não é meramente a situação objetiva na qual se


encontra, mas sim, o produto da interação entre suas características singulares e quais sejam
as oportunidades e experiências que seu ambiente objetivo possa proporcionar 89”.

Quando temos o encontro de duas linguagens, ocorre um sistema adaptativo complexo, uma
situação não linear. Não se trata apenas de se somar uma nova língua ou uma nova cultura,
estabelece-se um paulatino e intrigante processo metamórfico tanto na pessoa que vive o processo
quanto no ambiente onde isso ocorre. O encontro de sistemas diversos cria a possibilidade de
bifurcações criativas ou conflitivas dependendo do endereçamento. Tanto a realidade da pessoa que
migra quanto o ambiente para onde ela migra vive a presença de disparidades. Os encontros
migratórios são os que efetivamente estabelecem as condições de possibilidades para o novo, para o
criativo, não enquanto pertinente ao mero desdobramento de uma linearidade mas enquanto
emergente do efeito das forças das diferenças em ação sobre o devir.

Se por um lado temos o potencial criativo da disparidade dos sistemas, por outro, como o
efeito residual dialético, temos o acirramento atávico das singularidades. O que se estende na
direção do novo, do futuro, aponta também para as raízes, para o antigo.
Sabe-se bem as diferenças entre aprender uma outra língua no próprio país e aprendê-la no
país onde se fala esta língua. O processo de incorporação da cultura ocorre predominantemente pela
aquisição da linguagem, porém, a aquisição da linguagem não é apenas a aquisição de seus signos e

88
Giesbrecht, R. The Sapir-Whorf Hypothesis, GRIN, Public and Find Knowledge, e-book 2017.
89
Vygotsky, L.S. Mind in Society. The developement of higher psychological processes. E-book 2017. Harvard
University Press, Cambridge, Mass. London.

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de sua gramática, mas, principalmente, de sua visão de mundo e do tipo de relacionamento que se
estabelece com os falantes desta língua. A incorporação da linguagem por parte da criança se dá de
forma caótica, não linear e agregando o envolvimento emocional com as pessoas e o ambiente;
quando se vai aprender uma nova língua, principalmente fora do ambiente desta língua, se procura
aprender de forma estruturada, o que produz efeitos menos marcantes, de menor incorporação.
Há uma área conflitiva entre as linguagens e a ´língua materna’ costuma ser ciumenta.
Algumas pessoas têm mais, outras menos dificuldade em se descolarem de sua língua materna. A
vivencia deste descolamento é um evento psicológico de grande importância no sentido do
sentimento de naturalidade entre palavras e coisas atingindo significativamente o sentimento de
‘natural’ bem como o sentido de ‘ser’.
O paradigma para a vivencia de migração é o nascimento. Onde nos deslocamos
primariamente de um ambiente para outro. Onde nos movemos de uma língua primária – Lacan
chamou de ‘lalangue’ para dizer de um substrato da linguagem não baseado no significado ou
sentido mas na sonoridade afetiva e nas implicações emocionais – para a construção de uma
linguagem que nos inscreve no socius. A possibilidade e as vicissitudes desta transposição depende
do encontro entre a subjetividade do sujeito nascente, a subjetividade daqueles falantes que a
recepcionam e do ambiente social no qual se inscreve.
Este processo servirá de base para as vivencias de mudanças extensas como é o caso de uma
imigração. A presença de uma linguagem estruturada previamente, ou mais exatamente a
aprendizagem de uma linguagem de forma estruturada funciona como um filtro, ou como uma
resistência ao processo de incorporação da linguagem. Nesse tipo de procedimento temos um
aprendizado e não uma incorporação.
A entrada em outro ambiente cultural implica inicialmente o asseguramento da
sobrevivência física e emocional, para isso é logo apreendido a importância da linguagem e dos
signos do ambiente. Esta perspectiva responde a uma atitude ativa de se buscar pela sobrevivência e
bem estar. Algumas pessoas buscam este asseguramento através de relacionamentos com a cultura
para onde se mudou, mas a tendência é buscar a presença de pessoas afins e um ambiente cultural
onde encontre referencias de sua origem.
Geralmente as fases de incorporação de um ambiente passam por uma empolgação inicial
com a diferença, uma recusa em decorrência da saudade e resistência das condições de origem e
uma fase seguinte de assimilação. Esses processos não são lineares e dependem da subjetividade de
cada um bem como das condições que encontra no lugar de mudança. As áreas de resistência

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maiores são os hábitos alimentares, religiosos e afetivos. Como religião queremos dizer aquilo no
que a pessoa crê, o que pode significar a ciência e a racionalidade.
O sujeito decorrente de um processo metamórfico em decorrência das vivencias
interculturais e interlinguísticos apresenta diferenças importantes relativos a um sujeito linear. Esses
processos não são somatórios, não são realidades que permaneçam paralelas e não intervenientes,
uma parte superficial mantém um processo de diferenciação cultural e linguístico, porém , em nível
mais profundo, constitui-se uma terceira via. É essa terceira via que atrai os interesses
principalmente em uma sociedade mundial cada vez mais em movimento.

Referências:
CHOMSKY, N. On Language. The New Press, New York. E-book 2017
GIESBRECHT, R. The Sapir-Whorf Hypothesis, GRIN, Public and Find Knowledge – e-book 2017
LACAN, J. Mais, ainda... Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro. 2da edit. 1985.
LARSEN-FREEMAN, D. & Cameron, L. Complex Systems and Applied Linguistics.Oxford
University Press, New York. E-book 2017
VYGOTSKY, L.S. Mind in Society. The developement of higher psychological processes. Harvard
University Press, Cambridge, Mass. London e-book 2017

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El cuerpo como alteridad en la experiencia migrante.


The body as alterity in migrant experience.

Palabras clave: migración; cuerpo; alteridad; psicoanálisis; antropología


Palavras-chave: migração; corpo; alteridade; psicanálise; antropologia

Verónica Pérez
Psicóloga – Mestrado em Antropologia Social (UFRGS, 2005); Doutoranda em Psicologia (Udelar,
Montevideo-Uruguay, inicio 2016). Docente en Facultad de Psicologia y Facultad de Medicina
(Universidad de la República, Montevideo-Uruguay) Doutoranda em Psicologia pela Universidade
da República (Udelar).

Las reflexiones que serán expuestas en este trabajo hacen parte de la Tesis doctoral en
Psicología (Udelar, Montevideo-Uruguay) que conducimos desde el año 2016 sobre el tema de la
construcción de la alteridad en sujetos migrantes siendo el objeto principal de indagación el lugar
que ocupa el cuerpo en esa construcción.
La migración en tanto fenómeno de movilidad humana tiene un carácter universal, aunque sus
formas de presentación cambian de acuerdo al contexto histórico. Identificamos la tendencia actual
de los países europeos al fortalecimiento del control con aumento de barreras físicas y jurídicas ante
el ingreso de migrantes al mismo tiempo que asistimos a una flexibilización de las leyes migratorias
en los estados del sur de América.
En el caso específico de Uruguay nos encontramos con escenarios diferentes a los que
caracterizaron las migraciones que poblaron el país en los siglos XIX y principios del XX y
diferentes también al proceso que entre los años 70 y el año 2000 ubicó al país en el auge de una
tendencia expulsiva que afectó los sectores jóvenes y más escolarizados del país cuyos altos índices
de emigración – sumado a la baja natalidad – llegaron a configurar un importante problema
nacional (Uriarte, 2007). Desde el año 2007 en adelante asistimos a una inversión de este flujo
migratorio debido a la fuerte afluencia de migración proveniente de América Central, Caribe y
países africanos.
Esta nueva presencia extranjera incluye además el retorno de los uruguayos emigrados en
décadas anteriores que vuelven debido a la crisis europea y que traen consigo experiencias, acentos
y estilos de vida que van tornando más heterogéneas y permeables las referencias identitarias del
país (Boggio, 2016). La nueva tendencia demográfica del Uruguay como país receptor de
inmigrantes podría explicarse por la coyuntura de inestabilidad política y económica de toda la

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región sumado a la facilidad para la obtención de visas y documentos de identidad en el país


promovida a partir de la promulgación de la ley de migración del año 2007 que torna además más
benévola la sanción del Estado uruguayo hacia los migrantes ilegales.
A este contexto se suman los discursos mediáticos y políticos que presentan al Uruguay como
un país con relativa prosperidad, estabilidad política y baja violencia dentro del continente. Este
cambio en el perfil migratorio constituye un hecho de enorme relevancia para la constitución social
del Uruguay cuyas bases identitarias han sido constituidas sobre el mito de la homogeneidad
(Guigou, 2014). La homogeneidad puede ser entendida como una construcción social que tiene
como contrapartida la tendencia a invisibilizar las diferencias como forma de eludir los conflictos
(Lopez, 2013;2015).
El mito de la homogeneidad uruguaya reconduce la identidad nacional a la figura de un
montevideano apacible, con tintes melancólicos, mayormente blanco, laico, educado, cuya
corporalidad se asocia al uso discreto de los colores de la indumentaria y los adornos y al recato de
las formas sociales y la expresión pública de las emociones (2016) Esta imagen parece
contraponerse punto por punto al discurso construido sobre la imagen del centroamericano,
asociado comúnmente al sujeto no blanco, al uso de color en la vestimenta, adornos y tocados, a
una mayor exposición del cuerpo tanto en el espacio público como en la danza y a la alegría de su
música.
Imagen que Ahunchain; Eyherabide; Guigou; Navata, podría llegar a componer una alteridad
radical definiendo todo lo que el uruguayo no es. Entendemos que esta polaridad que organiza las
atribuciones dadas al cuerpo responde a diferentes modos de pensar la oposición
racionalidad/cuerpo en un escenario post-colonial que ha dejado sus marcas, pero bajo diferentes
signos (Quijano, 2011).
El punto de partida que conduce nuestra investigación es el presupuesto de que el cuerpo tiene
un lugar importante en la construcción de las referencias identitarias y de alteridad, referencias que
se construyen de forma singular en la historia de vida de cada sujeto pero que no son sin relación
con los devenires históricos del grupo social al que se pertenece.
Esta investigación propone un enfoque interdisciplinar que integra aportes de la antropología
y del psicoanálisis en el entendido de que es necesario sostener la tensión entre la verdad subjetiva
que en cada sujeto hace cuerpo bajo la forma del síntoma – verdad referida a la historia afectiva de
encuentro con el otro, a partir de cuyo cuerpo constituyó sus identificaciones primordiales – y todo
aquello que el sujeto heredó en términos de estructuras de parentesco y de la ley transmitidas por
mitos, tradiciones y discursos y permeada por los accidentes de la historia que se expresan en el uso

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inconsciente del cuerpo de los sujetos de cada cultura (Douville, 2012).


La concepción psicoanalítica nos permite reconocer la imagen del cuerpo propio como
substrato relacional no necesariamente especular fundado a partir de nuestras primeras experiencias
de encuentro con el cuerpo del otro (Doltó, 1986). La imagen del otro constituye por su parte el
soporte externo a partir del cual el sujeto se identifica como cuerpo unificado parecido y al mismo
tiempo diferente del semejante (Lacan, 1985/1949). Esa imagen exterior es incorporada pasando a
constituir el baluarte más íntimo de la identificación del sujeto (Miller, 2010); constituyendo así la
fuente de todos los motivos morales que organizan las relaciones de amor, odio, empatía o
rivalidad.
Esa imagen que el sujeto internaliza se constituye al mismo tiempo como un ideal a alcanzar,
lo que el sujeto debería ser. Ideal del yo que es permeable a los ideales del grupo social al cual se
pertenece y a las diferentes versiones de cuerpo que circulan en la cultura que funcionarán como
modelo para la construcción de cuerpo en los sujetos singulares (Le Breton, 2002).
A través de los registros iniciales de la observación participante y entrevistas informales
realizadas en el marco de las instituciones y eventos que nuclean las diferentes organizaciones de
migrantes en la ciudad de Montevideo surge la interrogación sobre un aspecto poco abordado por
los estudios migratorios que tiene que ver con el extrañamiento con respecto al propio cuerpo.
La observación participante permitió agrupar bajo el nombre de extrañamiento todo un tipo de
vivencias que van desde la percepción del cuerpo del otro (nativo) como diferente, a las vivencias
relacionadas con el cambio corporal acaecido en el contexto de la nueva cultura. Para algunos
entrevistados la integración al país parece haber sido vivida como una transformación que reviste
por momentos el carácter de un imperativo superyoico, como si se tratase de una metamorfosis
aceptada o impuesta de forma violenta.
Por otro lado, reunimos también dentro de este conjunto de vivencias la expectativa del
migrante de que su presencia en la ciudad pueda llegar a transformar al nativo (modificar su acento,
sus afectos, su color). Esta expectativa, expresada a menudo en forma de chanza o provocación
hacia el nativo en el encuentro amistoso entre ambos grupos nos parece un elemento de análisis
importante para poder pensar la forma en que se construye la alteridad en el marco de los procesos
migratorios y el lugar que ocupa el cuerpo en esa construcción.
Los estudios antropológicos señalan que en numerosas culturas los cambios de estatus social
son acompañados de transformaciones operadas a nivel del cuerpo real como lo testimonian los
rituales que utilizan la marcación transitoria o permanente de la piel (tatuajes, escarificaciones,
perforación, pintura corporal) para inscribir el pasaje de un estado a otro en estados particularmente

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liminares como la entrada en la vida adulta, la iniciación sexual, el nacimiento, la muerte, o para
señalar la pertenencia a un grupo (Clastres, 1978; Van Gennep, 2008).
El psicoanálisis por su parte propone al cuerpo como una estructura en construcción cuyos
límites y bordes reales, imaginarios o simbólicos precisan ser resignificados y rehechos en
momentos significativos de la vida, siendo las narrativas sobre el cuerpo, las transformaciones de la
imagen externa o inclusive la manipulación del cuerpo real – como en el caso de tatuajes, piercings
o cortes en la piel – actos subjetivantes que buscan reorganizar la relación del sujeto con su cuerpo
(Costa, 2015; Harari,2004; Resfield, 2012). Estas referencias nos permiten trabajar con la hipótesis
del cuerpo como pasible de ser resignificado o incluso reinventado transformando experiencias
subjetivas en marcas reales o bien, al contrario, marcas en el cuerpo que pueden subjetivarse a
través de la palabra.
En nuestro trabajo de investigación nos parece posible tomar las experiencias relatadas por
algunos migrantes con relación a su cuerpo y al cuerpo del otro como llave de análisis para abordar
el proceso de construcción de la alteridad. Consideramos que la experiencia migratoria proporciona
una serie de encuentros con la alteridad que tocan al cuerpo en su dimensión imaginaria, real y
simbólica.
El encuentro con tipos étnicos diferentes a los propios que desestabilizan las bases identitarias
del yo en su consistencia imaginaria; el depararse con la lengua del otro a partir de fonemas y
modulaciones nuevas o palabras que nombran el cuerpo de modo diferente provocando resonancias
inconscientes que conducen a formaciones sintomáticas inéditas para el sujeto; la inscripción de
sensaciones nuevas (sonidos, aromas, sabores, texturas, sensaciones climáticas) que recortan en los
cuerpos nuevos objetos pulsionales. Experiencias de cuerpo que constituyen la base para una
vivencia de extrañamiento que implica no sólo la presencia del otro diferente sino, en última
instancia, la percepción del propio cuerpo como territorio de alteridad.

Referencias
Ahunchain; Eyherabide; Guigou; Navata
Douville, Olivier (2004) Uma melancolização do laco social? Ágora (Rio J.) vol.7 no.2 Rio de
Janeiro July/Dec. 2004.
Guigou, Nicolás (2014) Identidad nacional. Radio Uruguay 1050. 15 setiembre 2014. Recuperado:
http://www.mec.gub.uy/innovaportal/v/57194/22/mecweb/la-identidad-nacional-segun-nicolas-
guigou?parentid=11305.
Harari, Roberto (2012) ¿Qué dice del cuerpo nuestro psicoanálisis? Buenos Aires: Letra Viva.

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mobilização negras e as ações afirmativas no Cone Sul. In: JARDIM, D.; LÓPEZ, L. C. Políticas
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Critica da concepção estática dos processos de formação das


identidades colectivas a partir de John Rawls

Keywords: Demos, ethnos, cidadania, exclusão e riconhecimento.

Rodrigues Alfredo
Sapienza, University of Rome, Italy
rodrigues.alfredo@uniroma1.it

Demos is not ethnos. All the liberal democracies in modern nation-states


exhibit these two dimensions. The people are not a defined and self-
sufficient entity. It is a non-static dynamic reality. Therefore, the policy of
belonging in the era of fragmentation of citizenship has to do with
negotiating complex relations between rights of full membership,
democratic expression and residence in the territory. Proper membership
includes: the recognition of the moral right of refugees and asylum seekers
to “first entry”; a regime of porous borders for migrants; the ban of the
nationality deprivation and rights of citizenship; the claim of the right of
every human being to “have rights”, that is, to be a legal person who holds
some inalienable rights, regardless of their political status.

O filosofo Americano John Rawls em The Law of Peoples considera a formação das
identidades coletivas e a evolução das formas de solidariedade cultural não como resultado de
conflitos sociais e políticos prolongados, mas sim como resultados de dados factos (Rawls, 1999). É
precisamente esta concepção estática dos processos de formação das identidades coletivas que
permite a Michael Walzer (1983) e John Rawls assumir que os estrangeiros, os imigrantes e os
requerentes asilo podem prejudicar, dissolver ou suprimir uma solidariedade comunitária já
consolidada.
As identidades coletivas das democracias liberais nunca foram caracterizadas pelo nível de
coesão cultural e centralização. Não existe um Estado que não assumiu o monopólio do poder com
força em um determinado território, cujo a superfície varia de acordo com as condições históricas.
Rawls, embora não negue que o sistema internacional se caracterize pela interdependência entre os
Estados, obviamente atribui a este facto uma importância secundária na determinação da riqueza ou
da pobreza de uma Nação. Para Rawls, as causas das riquezas das Nações são geralmente
endógenas e não exógenas. A riqueza de uma Nação é determinada pela sua cultura política e pelas
tradições religiosas, filosóficas e morais que apoiam a estrutura de base, bem como as qualidades

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morais de seu povo, como a diligência e a capacidade de cooperar. Rawls não fornece evidências
empíricas para apoiar essas reivindicações.
Considerar os povos liberais como sociedades bem ordenadas, cujo prosperidade é o resultado
das suas instituições e sua natureza moral, trascurando o quadro historico, è um grande erro. Em
The Law of Peoples, Rawls não menciona a questão da pilhagem da África da parte das sociedades
Ocidentais (land grabbing); a colonização das Américas; e quase parece que os britânicos nunca
dominaram a Índia e exploraram suas riquezas. Seyla Benhabib está certo quando afirma que é
«grosseiramente inadequado considerar o desenvolvimento do capitalismo sem considerar a história
do imperialismo ocidental» (Benhabid, 2004; Bauman 2017). Se não fosse a expassão colonial seria
difficil pensar l’economia capitalista ocidental. È verdade também che as transformações morais e
culturais que levaram ao surgimento da ética protestante no Ocidente tiveram origem endógena.
Michael Walzer e John Rawls sobrepoem demos e ethnos. Ethnos indica uma “comunidade
política de destino”, unida pelos laços de solidariedade aos quais os indivíduos estão vinculados
(ibidem), ou seja, uma comunidade que promove a partilha de destinos, memórias, solidariedade e
pertença. É algo que é dado com o nascimento, embora um adulto possa renunciar a essa herança,
abandoná-la ou tentar alterá-la. Demos, indica, um grupo de cidadãos capazes de democracia, que
podem pertencer ou não ao mesmo ethnos (ivi). O facto è que demos não è ethnos. Em todas as
democracias liberais modernas apresentam essas duas dimensões. Uma sociedade não è uma
entidade definida e autosuficiente. É uma realidade dinâmica não estática. Portanto, a política de
inclusão nesta época de fragmentação da cidadania deve ter in conta com a negociação das relações
complexas entre direitos de plena inclusão, expressão democrática e residência no território do
Estado. Um cosmopolitismo constituicional.

Referências
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teorico della società liquida, PGRECO Edizioni, Milano.
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Cidadania, Nacionalidade E Migrações Internacionais: Imigrantes No


Conselho Participativo Do Município De São Paulo.
Citizenship, Nationality And International Migration: Immigrants At The Participatory Council
Of The Municipality Of São Paulo.

Palavras-chave: Migrações Internacionais. Nacionalidade. Cidadania transnacional. Participação


política de imigrantes. Direito ao voto.
Keywods: International Migration. Nationality. Transnational citizenship. Political participation of
immigrants. Right to vote.

Giovanna de Oliveira Kanas


Mestranda do programa de Mestrado em Mudança Social e Participação Política/ Bacharel em
Relações Internacionais. Universidade de São Paulo, Escola de Artes, Ciências e Humanidades..

No Brasil, a nova Lei de Migração, sancionada com vetos pelo poder executivo em maio de
2017, é resultado de anos de luta política das comunidades imigrantes e movimentos sociais que
advogam pela causa migrante. A nova Lei de Migração, agora Lei 13.445/2017, substitui o Estatuto
do Estrangeiro, que era incoerente com a Constituição Federal e tratados internacionais celebrados
pelo Brasil. A mudança da lei representa uma conquista ao garantir igualdade de tratamento;
impedir repatriação, deportação e expulsões coletivas; ampliar as modalidades de vistos
temporários e permitir a participação e manifestação política de imigrantes.
Contudo, para que o Brasil avance na construção de um novo paradigma migratório é
necessária a reformulação do conceito de cidadania a fim de garantir aos imigrantes o direito ao
voto. O segundo parágrafo do Artigo 14 da Constituição Cidadã de 1988 postula que “não podem
alistar-se como eleitores os estrangeiros”. Esta limitação representa uma contradição da democracia
brasileira, uma vez que o sufrágio representa um dos principais fundamentos das democracias
modernas e sua ausência produz consequências objetivas e simbólicas na vida de imigrantes que
vivem no Brasil.
A presença de indivíduos sem direitos políticos em sistemas democráticos questiona um dos
principais alicerces da democracia, o sufrágio universal, uma vez que “põe em xeque o pressuposto
democrático de que todos que vivem sob um determinado conjunto de leis e são afetados por elas
deveriam estar envolvidos, de alguma forma, na sua elaboração” (Reis, 2007, p.18). Da mesma
forma, a participação política é instrumento de luta para a conquista
de outros direitos, além de afetar subjetivamente a integração dos imigrantes: “na ausência de
igualdade formal e do compartilhamento de direitos políticos, os imigrantes serão sempre parte do

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‘outro’ e, portanto, estão sempre sujeitos à perda de direito e até mesmo a expulsão” (Reis, 2007, p.
20).
Nesse debate, uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo adquiriu valor histórico. No dia 30 de
Março de 2014, imigrantes puderam tomar parte em uma votação pela primeira vez no Brasil.
Foram 1710 votantes que elegeram seus representantes para as Cadeiras Extraordinárias compostas
por imigrantes nos Conselhos Participativos Municipais de 19 das 32 Subprefeituras, denominadas
Prefeituras Regionais a partir de 2017, de São Paulo.
O Conselho Participativo Municipal (CPM) é um organismo autônomo da sociedade civil,
reconhecido pelo Poder Público Municipal como instância de representação da população. Seu
objetivo é ampliar a participação popular no processo decisório do município e atribuir maior
transparecia ao trabalho das Prefeituras Regionais. Cabe aos conselheiros auxiliar no processo de
planejamento, fiscalizar a utilização de recursos públicos e sugerir políticas voltadas à sua região.
Portanto, a pesquisa, iniciada em março de 2016, tem por objetivo analisar a atuação dos imigrantes
no Conselho Participativo de São Paulo, buscando compreender como se articulam termos como
cidadania e nacionalidade a partir da experiência inédita na qual imigrantes puderam tomar parte,
como votantes e votados, em uma eleição no Brasil.
A coleta de dados consiste na realização de entrevistas semiestruturadas complementadas pela
observação não participante nas reuniões dos Conselhos. A população selecionada constitui-se em
Conselheiros representantes dos imigrantes eleitos nas eleições do dia 06 de dezembro de 2015, que
cumprirão mandatos de dois anos (2016 – 2018), provenientes das Prefeituras Regionais com
maiores taxas de imigrantes, a saber, Sé (3 conselheiros imigrantes), Mooca (2 conselheiros
imigrantes), Pinheiros (2 conselheiros imigrantes), e Vila Maria/Vila Guilherme (2 conselheiros
imigrantes). A escolha da população se justifica pelo fato de essas serem as Prefeituras Regionais
que possuem mais imigrantes em seus territórios e, em decorrência, mais de uma cadeira destinada
a imigrantes em seus Conselhos, o que possibilita conhecer a visão de mais de um imigrante sobre a
participação política de imigrantes no Conselho Participativo Municipal de uma mesma Prefeitura
Regional.
Apesar da intersecção construída entre nacionalidade e cidadania, estes termos são distintos,
como explicou Batista (2006):

No plano interno, o que se observa é que cidadania e nacionalidade não são conceitos
coincidentes. A primeira se relaciona com a proteção devida pelo Estado ao indivíduo
nacional, que deve ser por ele tutelado, devendo o ente estatal respeitar seus direitos e
cumprir suas obrigações constitucional e legalmente instituídas; a segunda se refere ao
gozo de uma gama específica de direitos, quais sejam, os direitos políticos, seja o modelo

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de democracia adotado representativo ou participativo, ou mesmo uma combinação entre


ambos, como acontece na Constituição Brasileira em vigor, que estabelece um vínculo
necessário entre nacionalidade e cidadania e exclui determinados segmentos da população
do rol dos direitos políticos (p. 06)

A única exceção na qual imigrantes possuem direito ao voto no Brasil é o caso dos
portugueses com residência permanente no país, desde que seja observada a condição de
reciprocidade, ou seja, desde que brasileiros também possam votar em Portugal, conforme o Artigo
12, parágrafo 1o da Constituição Federal. Esse privilégio remonta ao passado de colonização, que
faz com que os dois países compartilhem “valores históricos, culturais, linguísticos e étnicos”,
como afirma a Convenção Sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses,
promulgada pelo Brasil em 1972. Dessa forma, o cidadão português que reside há pelo menos cinco
anos no Brasil pode adquirir direitos políticos e participar de concursos públicos, votar e ser votado.
Como toda realidade social, o termo cidadania está sujeito a variações contextuais. Ao longo
da história a definição de quem são os sujeitos da cidadania se deu por meio da disputa e demanda
popular, promovendo a ampliação da gama de cidadãos. Segundo Marshall (1965), a partir do
século XVIII, na Inglaterra, o escopo de garantias foi ampliado paulatinamente, evoluindo
cronologicamente de direitos civis para políticos e, no século XX, sociais. Junto a essa expansão de
direitos houve a ampliação da classe de cidadãos, com a inclusão, por exemplo, de pobres e
mulheres.
Porém, a evolução dos direitos garantidos aos migrantes se deu de forma distinta à dos
nacionais. Como percebe Freeman (2004) os imigrantes (documentados) tiveram acesso a direitos
sociais e econômicos primeiro, especialmente os relacionados aos contratos trabalhistas. Somente
após foram garantidas aos migrantes as liberdades civis, como acesso à justiça e o direito à
propriedade. No entanto, os direitos políticos dos imigrantes não são garantidos.
Paulatinamente diversas democracias têm incluído os imigrantes em seus processos eleitorais.
Os critérios para a inclusão variam e, enquanto alguns países garantem o voto em todas as eleições,
outros limitam o voto de imigrantes à esfera local. Podemos utilizar o exemplo do Cone Sul, no
qual o Brasil é o único país que não reconhece aos imigrantes o direito ao voto. No Chile e Uruguai
os imigrantes possuem direito a voto em todos os âmbitos, com exigência de, respectivamente,
cinco e quinze anos de residência. Já na Argentina e Paraguai os imigrantes possuem direito ao voto
apenas em eleições municipais (BAHTEN, 2013).
A impossibilidade de participar plenamente na vida pública não só prejudica a integração dos
imigrantes, mas também usurpa o significado da atuação em coletividade, o que Hanna Arendt

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(1998) percebe como um dos primeiros passos para a violação da vida humana. Além disso, o
enriquecimento cultural proporcionado pelos imigrantes que poderia vir a ser traduzido em novas
práticas tem sido silenciado pela impossibilidade de participação política plena. Do mesmo modo,
em um contexto global de diversas crises migratórias, é preciso dar voz aos conhecimentos capazes
de contribuir para a gestão de políticas públicas que valorizem os aspectos positivos e reduzam
progressivamente os aspectos negativos da migração.
A porosidade do Estado no mundo globalizado, a desigualdade social e a necessidade de
reconhecer a diversidade questionam a narrativa da nacionalidade homogênea, que edificou a
congruência entre nacionalidade e cidadania. Assim, a complexidade da realidade faz emergir a
indispensabilidade de coordenar a diferença e a igualdade. Isso significa identificar as diferenças de
modo que estas não sejam conduzidas à desigualdade excludente e, no caso dos direitos políticos,
silenciadora. Portanto, o debate sobre participação política de migrantes e novas formas de
cidadania é parte da discussão sobre uma possível reacomodação do Estado-nação em sua forma
renovada.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que determina em seu artigo 21 que “todo ser
humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de
representantes livremente escolhidos” e que “a vontade do povo será a base da autoridade do
governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por
voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto”. Desta maneira, apesar de a
igualdade como vetor de tratamento, os compromissos internacionais compreendem que os direitos
de cidadania se fundamentam na autodeterminação dos povos, alinhando a cidadania à
nacionalidade.
Se a participação na vida pública é considerada um valor relevante para a dignidade da vida
humana, o contexto de intenso deslocamento levanta suspeita sobre a coerência de limitar esse
direito ao enquadramento nacional. Em termos práticos, imigrantes que compartilham com os
nacionais a vida em comunidade e são afetados pelo processo político
do país receptor não participam da expressão mais icônica do sistema político democrático: o voto.

Referências:
Arendt, H. (1998). Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras. Bahten, G.
L.(2013). O voto de estrangeiros nos países do Cone Sul: Uma análise de direito
comparado. Conjuntura Global, 2 (3), 145-150. Batista, V. (2009). O Fluxo Migratório Mundial e o
Paradigma Contemporâneo de Segurança

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Migratória. Revista Versus , 3, 68 – 78. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


(1998). Brasília. Recuperado em 5
agosto, 2017, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Decreto no 70.391, de 12 de abril de 1972. (1972). Promulga a Convenção sobre Igualdade de
Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses. Brasília.
Decreto no 54.156, de 1 de agosto de 2013: Dispõe sobre a criação, composição e atribuições do
Conselho Participativo Municipal em cada Subprefeitura. (2013). São Paulo, SP.
Decreto no 56.208, de 30 de junho de 2015: Confere nova regulamentação ao Conselho
Participativo Municipal em cada Subprefeitura a que se referem os artigos 34 e 35da Lei no 15.764,
de 27 de maio de 2013. (2015). São Paulo, SP.
Freeman, G, (2004).Immigrant incorporation in Western democracies.
Lei 13.445, de 24 de maio de 2017: Institui a Lei de Migração. (2017). Brasília. Recuperado em 5
agosto, 2017, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2017/lei/L13445.htm.
Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980: Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o
Conselho Nacional de Imigração. (1980). Brasília. Recuperado em 5 agosto, 2017, de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6815.htm.
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Marshall, T. H. (1965). Class, Citizenship and Social Development. Nova York, Anchor.
Reis, R. R. (2007). Políticas de imigração na França e nos Estados Unidos. São Paulo: Hucitec.

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Imigrantes e Políticas Públicas: os desafios enfrentados na garantia de


direitos da população migrante
Immigrant and public policies: the Challenges faced to guaranty de rights of the migrant
population.

Palavras chaves: Migração; cidadania; direitos humanos; interculturalidade; políticas públicas.


Keywords: Migration; citizenship; human rights; Interculturality; public policy.

Josimar Lucas Nascimento


Acadêmico de Serviço Social pela Universidade de Caxias do Sul. Educador Social no Centro de
Atendimento ao Migrante.

Juliana Camelo
Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Pelotas. Mediadora
Intercultural no Centro de Atendimento ao Migrante.

Maria do Carmo dos Santos Gonçalves


Doudoranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante.

Rafaela Beal Bossardi


Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Psicóloga
do Centro de Atendimento ao Migrante.

Vanessa Perini Moojen


Graduada em Serviço Social e especialista em Intervenção Familiar: Abordagem Socioeducativa.
Assistente Social do Centro de Atendimento ao Migrante.

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a experiência de trabalho
desenvolvida no Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) de Caxias do Sul e os desafios
suscitados a partir desse percurso. O CAM é uma instituição de assistência social, privada e sem
fins lucrativos, cuja mantenedora é a Associação Educadora São Carlos (AESC), representante da
Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos de Borromeo no Brasil. O CAM, desde 1984
cumpre seu objetivo de promover e defender a vida e a dignidade do ser humano, sobretudo, dos
sujeitos em situação de vulnerabilidade e em processo de mobilidade humana.
Na sua trajetória, o CAM tem identificado uma mudança significativa no cenário migratório
brasileiro, que apresenta-se como um dos grandes desafios contemporâneos por ser um fenômeno
heterogêneo como um mosaico de realidades, que perpassam a rede de relações sociais, políticas,
econômicas, interinstitucionais, apresentando desafios frente às novas realidades. Conforme o

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Relatório do Ministério da Justiça sobre o sistema de refúgio brasileiro (2016), o Brasil tem
apresentado um crescimento relevante no número de imigrantes.
Entre os estados brasileiros, o Rio Grande do Sul foi apontado como um dos que mais recebeu
solicitantes de refúgio: em 2014 concentrava-se 35% das solicitações de refúgio das solicitações de
refúgio no sul do Brasil, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refúgio
(Acnur, 2014). Neste sentido, Herédia (2015) afirma que o principal motivo da escolha por Caxias
do Sul está baseada na característica da cidade ser um dos principais polos industriais do Estado do
Rio Grande do Sul, contribuindo com suas características laborais para os deslocamentos
contemporâneos.
A análise dos dados registrados no serviço alia-se às demandas levantadas pelos grupos de
imigrantes na I Conferência Nacional de Migrações e Refúgio 90, apontando para uma realidade
permeada por diversas vulnerabilidades e riscos sociais a qual os imigrantes vivenciam.
A chegada de novos fluxos migratórios internacionais em um curto espaço de tempo,
fomentou debates envolvendo diversas esferas públicas, prevalecendo a ideia de que o imigrante
traz consigo um ônus social, devido às vulnerabilidades apresentadas que os tornam demandantes
das políticas sociais (saúde, educação, habitação, assistência social, identificadas como já
insuficientes para atender os categorizados como “nossos” (brasileiros), face àqueles que vêm de
fora (de outros países).
Neste contexto, emergem pontos nevrálgicos que ressaltam a importância de abordar o tema
do reconhecimento dos direitos humanos e do direito de acesso aos direitos sociais, na esfera
pública e privada, e as estratégias de superação das vulnerabilidades articuladas pelos imigrantes,
muitas das vezes na tentativa de suprir o direito negado ou não reconhecido pelo Estado, assim
como o agravamento dessas vulnerabilidades pela discriminação, racismo e xenofobia nos diversos
setores da sociedade.
Conforme muitos teóricos afirmam, a migração é um processo que não se realiza sem
percalços a serem enfrentados. É um componente fundamental da existência humana e parte
integrante do sistema político, social e econômico contemporâneo (Seyferth, 2007). A busca por um
“outro lugar” engloba investimento financeiro, psíquico e moral (Pandolfo, 2007 apud Vacchiano,
2014), em relação ao qual se espera um mundo de possibilidades. Esse investimento não se realiza
impunemente, exige certos sacrifícios que, porém, são recompensados com a ideia de se encontrar
um lugar no qual a vida merece ser vivida.

90
Levantamento feito as etapas municipal e estaduais, preparatórias da I Conferência Nacional de Migrações e Refúgio.

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Quem migra tem um trabalho árduo de, a todo o momento, ter que garantir seu lugar como
sujeito de direitos no novo país; este, por sua vez, os lhe concede apenas enquanto sujeito
estrangeiro com estadia provisória, sendo-lhe negados os demais direitos de ser reconhecido como
cidadão. Assim, a imigração apresenta-se como um fenômeno contraditório no qual o sujeito que
migra se encontra numa posição nem provisória e nem permanente no país de destino: em sua vida
cotidiana, sempre há algo que lhe lembra que não é daquele lugar, fazendo crescer o sentimento de
não pertencimento, o que não é vivenciado sem angústias e medos diante do temor de uma
“calamidade da expulsão” (Sayad, 1998, p. 47).
Outra contradição inerente ao processo migratório se refere ao que se espera da imigração e a
realidade efetiva desse processo. Por um lado, existe a expectativa de que a imigração somente
oportuniza vantagens e lucros , enquanto o imigrante mantiver sua condição laboral. Por outro lado,
a realidade impõe as dificuldades inerentes ao processo, principalmente em momentos de crise
econômica e social, quando o imigrante evidencia sua condição de ser humano. Sayad (1998)
afirma que é essa contradição que vai orientar a condição do sujeito imigrante e as políticas
públicas em relação a ele.
Tal análise parece remontar a situação atual do Brasil. Em época de empregabilidade, as
expectativas em relação à imigração eram satisfeitas tanto para a sociedade quanto para os
trabalhadores imigrantes. A partir do momento em que a crise afetou o país, a realidade revelou o
que o sujeito imigrante realmente é: não apenas um trabalhador, mas um sujeito com suas
necessidades e direitos humanos e sociais a serem supridos.
Adentrando no contexto de migração presente na região atendida pelo CAM, identifica-se que
a categoria da migração forçada entre a maior parte dos imigrantes atendidos pela instituição. A
migração forçada é usualmente vista de forma restrita, relacionada apenas aos deslocamentos
provocados por perseguições de natureza racial, política, religiosa ou étnica que colocam em risco a
vida. Porém, não se pode ignorar que deslocamentos provocados por fatores socioeconômicos ou
ambientais, de acordo, Farena (2012) a questão econômica pode ser uma ameaça a vida humana,
representa a própria sobrevivência. Neste sentido, ela afirma que “o que distingue uma migração
forçada de uma voluntária é que na primeira está em jogo a necessidade e na segunda a vontade.”
(Farena, 2012, p.32).
Porém, além do processo migratório ser marcado por dificuldades inerentes a essas condições,
a atual situação econômica, social e política do Brasil acaba não contribuindo para o enfrentamento
de tais dificuldades. Diante desse quadro, enquanto equipe interdisciplinar, denota-se, entre os
diversos percalços enfrentados pela população imigrante, a dificuldade na busca por atendimento na

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rede de proteção social. Nesse sentido, destacam-se o não acesso à informação desta população
sobre os seus direitos, a não compreensão dos direitos dos imigrantes pelos próprios gestores e
trabalhadores das políticas públicas e a recorrente violação desses direitos. Ainda, atenta-se para a
barreira linguística e o despreparo de muitos profissionais, o que acaba reforçando o sofrimento e
proporcionando o acirramento das situações de vulnerabilidades enfrentadas.
Se o acesso às políticas públicas está ligado aos direitos de cidadania, quem são os cidadãos
que têm esse acesso? Os imigrantes são reconhecidos enquanto cidadãos ou apenas enquanto força
de trabalho a ser explorada? Silva apud Marques (2012, p.10) aponta que “cidadão, no direito
brasileiro é indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas
consequências" e “cidadão é tão somente o brasileiro nato ou naturalizado”. Ao passo que só
possuem direitos políticos, de acordo com a legislação brasileira, os brasileiros ou estrangeiros
naturalizados.
Essa concepção direciona a um posicionamento de que os imigrantes não são cidadãos, o que
está ligado ao fato de que a relação entre cidadão e Estado-nação comumente remete à relação entre
cidadania e nacionalidade, estando a “dimensão da nacionalidade vinculada à ideia de nação, como
unidade territorial geograficamente localizada e à ideia de Estado moderno como expressão política
de sua organização” (Prá, Mendes & Mioto, 2007). Porém, é necessário salientar que não são
apenas os nacionais que estabelecem relações com o Estado-nação, mas também os imigrantes
residentes no País.
Ainda, se “cidadania é constituída por um conjunto de direitos formais, promulgados por lei,
garantidos e implementados pelo Estado, estabelecendo-se dessa forma, uma relação entre o
cidadão e a unidade estatal no que concerne a direitos e obrigações”(Prá, Mendes & Mioto, 2007),
devem-se considerar também os direitos garantidos pelos instrumentos jurídicos estatais aos
imigrantes residentes no país e os tratados jurídicos internacionais a que o Estado é signatário.
Sendo assim, o conceito de cidadania ligado à nacionalidade é ampliado para uma concepção de
cidadania universal como direito inalienável dos imigrantes internacionais, traduzindo-se como
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Assim, tomando como foco de análise a cidadania universal e a proteção social da população
imigrante, também pode ser destacado o contexto social no qual são abordados estes desafios, com
o avanço da ideologia neoliberal alimentado a lógica de precarização das políticas públicas e
fragilização na garantia dos direitos fundamentais. Muitas necessidades sociais não são atendidas
pela rede de proteção, que deveria garantir todos os direitos descritos na Constituição Federal de
1988. Aguinsky (2006, p. 20) afirma, “as políticas sociais são operadas de forma fragmentada,

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focalizada e com níveis de financiamento que impedem a sua efetivação”.


Quando se trata dos imigrantes, o não acesso aos direitos fundamentais toma um
âmbito ainda maior, uma vez que, há um distanciamento considerável entre o que é garantido na
Constituição Federal (1988), com o que de fato é garantido e acessado por esta população. Em uma
sociedade que ainda carrega o peso da escravidão e o imaginário de um padrão ideal de sociedade,
bem como, o preconceito enraizado sobre diversas etnias, exige-se dos
imigrantes as condições sociais para prover todas as suas necessidades sociais básicas.
Outra questão que pode ser destacada é a concepção que se tem sobre a política de Assistência
Social, que acaba por assumir o papel da rede de proteção social. Levanta-se a hipótese de que isto
ocorre pelo não reconhecimento da importância da própria política ou pela compreensão de que as
situações de vulnerabilidade enfrentadas por esta população devem ser superadas por meio de ações
que correspondem somente à política de Assistência Social, cabendo à Educação, Saúde e
Habitação, somente demandas específicas destas. Entende-se que, desta forma, o trabalho
preventivo em rede fica limitado, agindo somente nos casos em que já se identifica situação de
risco.
Assim, cabe ressaltar a necessidade de promover a participação desta população, seja
mediante os espaços formais de deliberação das políticas públicas sociais ou pelas pequenas
rupturas que se promove no cotidiano profissional, contra a lógica excludente do sistema capitalista,
trabalhando na mobilização e conscientização, para que se avance na conquista e reconhecimento d
e direitos e evite o retrocesso dos mesmos.
Como instituição que trabalha com os migrantes, o CAM busca fomentar a articulação com as
redes de proteção social, levando este tema para reuniões e encontros, espaços de sensibilização
quanto às vulnerabilidades e a não garantia do acesso aos direitos sociais. Da mesma forma,
fomenta a articulação com os coletivos e associações de migrantes, que têm sido protagonistas na
busca de soluções para as demandas, e articulando estes com a rede. Percebe-se que é importante
sensibilizar e proporcionar espaços de contato e convivência intercultural com comunidade geral,
nos mais diversos espaços, cidadania é inclusão social.

Referências
Aguinsky, B. G., & Alencastro, E. H. de. (2006). Judicialização da questão social: rebatimentos
nos processos de trabalho dos assistentes sociais no Poder Judiciário. Revista Katálysis, v.9 n.1
jan./jun. 2006.
Alto Comissariado das Nações Unidas - ACNUR. (2014). Refúgio no Brasil: Uma análise

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Estatística - Janeiro de 2010 a outubro de 2014. Recuperado de:


http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Refugio_no_Brasil_
2010_2014.pdf?view=1
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(32a ed.). São Paulo: Saraiva.
Farena, M. N. F. C. (2012). Direitos Humanos dos Migrantes Ordem Jurídica Internacional e
Brasileira..Curitiba: Juruá.
Herédia, V. B. M. (Org.). (2015). Migrações Internacionais: o caso dos senegaleses no sul do
Brasil. Caxias do Sul: Belas Letras.
Marques, C. G.M. (2012). O direito do E strangeiro Residente no País ao Benefício de
Prestação Continuada. Revista Internacional de Direito e Cidadania. Fev/2012. P. 10
Ministério da Justiça - Comitê Nacional para os refugiados (CONARE). (2016). Sistema de
Refúgio Brasileiro: desafios e perspectivas CONARE. Recuperado de:
https://pt.slideshare.net/justicagovbr/sistema-de-refgio-brasileiro-balano-at-abril-de-2016
Prá, K. R. D.; Mendes, J. M. R. & Miotto, R. C. T. (2007). O desafio da integração social no
MERCOSUL: uma discussão sobre a cidadania e o direito à saúde. Cad. Saúde Pública. Rio de
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Sayad, A. (1998). A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP. Seyferth, G.
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Vacchiano, F. (2014). Para além das fronteiras e dos limites: adolescentes migrantes marroquinos
entre desejo, vulnerabilidade e risco. Saúde Soc. São Paulo, v.23, n.1, p.17-29, 2014. Recuperado
de http://www.scielo.brscielo.php?script=sci_arttext&pid=S0
Interculturality; public policy104-12902014000100017&Ing=en&nrm-iso&tlng=pt

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Inclusão Política de Estrangeiros: Análise Comparativa entre


Argentina, Brasil e Equador.
Political Inclusion of Aliens: Comparative Analysis of Argentina, Brazil and Ecuador

Palavras Chave: Migrações, Cidadania, Direitos Políticos, Política Migratória, América do Sul.
Keywords: Migration, Citizenship, Political Rights, Immigration Policy, South America.

Roger Lucas Correa Martins


Graduado em Ciência Política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO),
mestrando em Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

Introdução
O presente trabalho busca observar o caminho seguido por Argentina, Brasil e Equador em
ampliar sua cidadania a fim de garantir direitos políticos à estrangeiros nos seus territórios
nacionais. Para isso é necessário reavaliar a posição dos sujeitos migrantes no cenário internacional,
atribuindo-lhes as garantias e direitos respaldados pelos acordos internacionais e regionais vigentes
e reconhecendo o movimento migratório como autônomo e a pratica cidadã desvinculada do
nacionalismo.
A metodologia consta com uma revisão da literatura e uma análise qualitativa das
legislações internacionais, regionais e nacionais para a demarcação do modelo de política
migratória baseada nos direitos humanos e em uma cidadania prática e ampla, que supere barreiras
do nacionalismo.

Novo Paradigma Migratório


Os fluxos migratórios como um objeto de análise representam um desafio metodológico,
principalmente frente sua diversidade enquanto elemento social, tanto em seus efeitos e causas,
quanto na forma como são encarados no cenário internacional pelas diferentes correntes teóricas,
como a teoria realista e a liberal (ARANGO, 2003).
Uma característica comum à essas abordagens é situar esses fluxos enquanto elemento
constitutivo de um arranjo internacional de Estados soberanos. Porém, compreender os fluxos
migratórios e tentar resolver os problemas que os envolvem a partir das prerrogativas dos Estados
modernos significa colocar os migrantes em uma posição de vulnerabilidade, onde respondem às

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políticas estatais que os desconsideram enquanto indivíduos de direitos e os dividem em categorias


a fim de retirar as responsabilidades do Estado.
As barreiras das prerrogativas da soberania estatal são um desafio para o alcance de um
novo paradigma. Ele ameaça a concepção totalizante de comunidade política (LINKLATER, 1998),
assim como introduz uma percepção nova dos direitos garantidos pela cidadania, incorporando
direitos sociais coletivos (YOUNG, 1989) ou entendendo a identidade enquanto uma ação e não
uma condição ou status (RAMÍREZ, 2016). Um paradigma de mobilidade, que parta do direito à
migração sem restrições, que elimine condições exploratórias de trabalho e ofereça melhores
acessos às condições de equidade social e econômica para ambos nacionais e migrantes, leva a um
processo de autonomia e emancipação, a partir do exercício da prática cidadã e dos direitos
humanos por parte desses atores (BARALDI, 2014).
Tal paradigma tem como base o regime internacional de direitos humanos estabelecido a
partir das convenções internacionais da Organização das Nações Unidas. No caso, a Convenção
Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de
suas Famílias (1990), tida como principal instrumento para a garantia de direitos de não nacionais
de forma que estende garantias tanto a migrantes regulares quanto irregulares, e o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos aparecem como mecanismos para a expansão da
cidadania e inclusão política dos estrangeiros.

Cidadania Ampliada na América do Sul?


Apesar dos fluxos sul-norte predominarem no sistema internacional devido as desigualdades
provocadas pelo mercado globalizado, a imigração intra-regional supera hoje os movimentos para o
norte (OIM, 2012). Os motivos vão além do desequilíbrio econômico, levando em conta também o
contexto político e social que impactam diretamente na facilidade de mobilidade (ARANGO,
2003).
Além das políticas internacionais, a região possui uma estrutura regional que fomenta a
construção de uma cidadania latina americana e enxerga a imigração como uma realidade dos povos
latinos. O Tratado Constitutivo da União das Nações Sul Americanas estabelece em seu segundo
artigo:

A União das Nações Sul Americanas tem como objetivo construir, de maneira participativa
e consensual, um espaço de integração e união cultural, social, econômica e política entre
seus povos, ortogando prioridade ao diálogo político, às políticas sociais, à educação, à
energia, à infraestrutura, ao financiamento e ao meio ambiente, entre outros, com objetivo
de eliminar a desigualdade socioeconômica, buscar a inclusão social e a participação

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cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da


soberania e independência dos estados (Tratado Constitutivo da UNASUL, 200891).92

A Comunidade Andina das Nações aprovou no Parlamento Andino, em 2005, o Estatuto


Andino de Mobilidade Humana que busca assegurar os exercícios de direitos de mobilidade
humana, permanência e circulação na região andina (RAMÍREZ, 2016) e o Mercado Comum do
Sul em seu Plano de Ação para consolidar seu Estatuto de Cidadania do Mercosul propõe:
Avaliar as condições para avançar progressivamente o estabelecimento de direitos políticos
de acordo com as legislações nacionais que regulamentam seu exercício, em favor dos
cidadãos de um Estado Parte do Mercosul que residem em outro Estado Parte do qual não
são nacionais, incluindo a possibilidade de eleger parlamentares do Mercosul (RAMÍREZ,
2016, P.66, tradução nossa)93

Direitos políticos na Argentina


Os direitos políticos são reconhecidos em todo território nacional, sendo restritos ao nível
municipal, o tempo de residência para imigrantes poderem votar é de dois anos. O principal
problema aparece nos entraves burocráticos e administrativos para se conseguir o direito ao voto, e
os documentos e requisitos necessários para o processo variam de município para município,
assumindo muitas vezes um caráter arbitrário. Ser eleito é mais complicado, devido a limitações nas
próprias legislações municipais que dificultam a candidatura de estrangeiros, seja impedindo-os de
encabeçar listas ou proibindo-os de ocupar cargos do Executivo. Apesar de províncias como
Córdoba e Buenos Aires terem aprovado a participação de estrangeiros para o nível provincial, a
participação política geral dos estrangeiros ainda encontra muitos entraves e a difusão de
informações é escassa e difusa (BARALDI e GAINZA, 2013).

Brasil
A nova legislação que versa sobre a imigração no Brasil foi aclamada por ser baseada em
uma perspectiva humanitária, porém caminhou pouco no que tange aos direitos políticos. Ela

91
http://www.unasursg.org/images/descargas/DOCUMENTOS%20CONSTITUTIVOS%20DE%20UNASUR/Tratado-
UNASUR-solo.pdf. Acesso em Setembro, 2017.
92
La Unión de Naciones Suramericanas tiene como objetivo construir, de manera participativa y consensuada, un
espacio de integración y unión en lo cultural, social, económico y político entre sus pueblos, otorgando prioridad al
diálogo político, las políticas sociales, la educación, la energía, la infraestructura, el financiamiento y el medio
ambiente, entre otros, con miras a eliminar la desigualdad socioeconómica, lograr la inclusión social y la participación
ciudadana, fortalecer la democracia y reducir las asimetrías en el marco del fortalecimiento de la soberanía e
independencia de los estados.
93
Evaluar las condiciones para avanzar progresivamenteen el establecimiento de derechos políticos, de acuerdo con
laslegislaciones nacionales que reglamenten su ejercicio, a favor de los ciudadanosde un Estado Parte del Mercosur que
residan en otro EstadoParte del que no sean nacionales, incluyendo la posibilidad de elegirparlamentarios del Mercosur.

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assegura a participação cidadã do migrante na execução e avaliação das políticas migratórias, mas o
direito ao voto ou associação partidária, assim como ocupação de cargos públicos, é inexistente (Lei
Nº 13.445, de 24 de Maio de 201794).

Equador
O Equador apresenta uma política migratória progressista, com base em sua constituição de
2008 que reconhece como direitos políticos a possibilidade de eleger e ser eleito, participar dos
assuntos de interesse público, apresentar projetos de iniciativa popular normativa, ser consultado,
fiscalizar atos do poder público, revogar mandatos, ocupar empregos e cargos de função pública e
participar de partidos e movimentos sociais. Estrangeiros tem acesso a todos esses direitos, sendo
que para votar necessitam residir no país por pelo menos cinco anos (BARALDI e GAINZA, 2013).

Conclusão
Os marcos normativos internacionais e regionais nos ajudam a situar o contexto onde uma
possível transformação da comunidade levaria a uma cidadania ampliada. A América do Sul parece
apresentar um cenário promissor para avaliar esse tipo de projeto. Sua estrutura normativa
representada pela CAN, MERCOSUL e UNASUL apontam para um interesse regional de maior
integração e de uma nova concepção de cidadania, mais ampla e menos vinculada ao nacionalismo.
As políticas nacionais, porém, não apontam para a mesma direção em alguns dos casos. No
Brasil, a legislação anterior a recente aprovada em 2017 não garantia nenhum direito político aos
imigrantes, proibindo quaisquer manifestações ou reuniões com esse intuito. Com a nova legislação
há uma mudança de orientação, mas sem o direito ao voto ou à candidatura é difícil de imaginar
uma cidadania incisiva por parte da população migrante.
A Argentina, apesar de garantir o direito a participar de eleições locais e em alguns casos
provinciais, ainda enfrenta barreiras burocráticas e administrativas. A informação continua sendo
um problema que inviabiliza a inserção política dos estrangeiros e políticas municipais ainda se
traduzem em barreiras para exercício de cidadania.
O Equador, com sua Constituição de 2008, demonstrou uma política migratória progressista,
com participação de voto nas três esferas federativas. Comparada com os casos anteriores, sua

94
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm)

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política migratória se encontra mais próxima de uma transformação e ampliação da comunidade


política e dos objetivos colocados pelas organizações regionais.

Bibliografia:
ARANGO, Joaquim. La explicación teórica de las migraciones: luz y sombra. Migración y
Desarrollo, octubre, número 001, Red Internacional de Migración y Desarrollo. Zacatecas,
Latinoamericanistas, 2003.
BARALDI, Camila e GAINZA, Patricia P. (coords.) (2013) “Políticas migratorias e integración en
América del Sur. Realidad del acceso a derechos políticos, económicos, sociales y culturales de las
personas migrantes”, ISBN: 978-9974-99-090-6, Lima, Editorial Punto Cero, 512pp.
BARALDI, Camila Bibiana Freitas. Migrações Internacionais, Direitos Humanos e Cidadania Sul-
Americana: o prisma do Brasil e da Integração Sul-americana. Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da Universidade
de São Paulo, 2014.
LINKLATER, Andrew. The Transformation of Political Community. POLITY PRESS, 1998
OIM, Panorama Migratorio de América del Sur, 2012.
RAMÍREZ, Jacques. Hacia el Sur. La Construcción de la Ciudadanía Suramericana y la Movilidad
Intrarregional / 1.ed. – Quito: CELAG, 2016.
YOUNG, Iris Marion. Polity and Group Difference: A Critique of the Ideal of Universal
Citizenship. Ethics, Vol. 99, No. 2. (Jan., 1989), pp. 250-274.

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O SUS para Todas e Todos é possível? Até para as pessoas


imigrantes?
Is SUS for All possible? Even for immigrant people?

Palavras-chaves: Migração; Refugio; Saúde; Políticas Públicas; Psicologia Social.


Keywords: Migration; Refuge; Health; Public politics; Social psychology.

Rocio del Pilar Bravo Shuña


Doutoranda em Psicologia Social e do Trabalho – Universidade de São Paulo

A implantação e implementação de um sistema único de saúde que cumpram com os princípios


de universalidade, equidade, integralidade continua sendo um desafio cotidiano para os gestores do
sistema e dos serviços de saúde, especialmente no contexto da crise capitalista atual, onde a
manutenção de direitos sociais é avaliada em razão de custos de produção e gastos/investimento
públicos/privados.
Um país multicultural e diverso como é o Brasil, com mais de 206 milhões de cidadãos, a
responsabilidade de cumprir com o direito universal a saúde é uma tarefa de todas e todos. Portanto,
sua compreensão, formação e gestão requerem de um alto nível de compromisso intersetorial e
interdisciplinar.
A migração tem sido um fenômeno progressivo e, portanto de relevância para os estudos sobre
população, psicologia social e políticas públicas em saúde, onde a dimensão da condição do
imigrante é mais um elemento que atravessa sua subjetividade.
Assim, nessa diversidade de sujeitos que usufruem os serviços públicos de saúde estão os
aproximadamente 39.474 usuários imigrantes cadastrados no cartão nacional de saúde só no
Município de São Paulo (SÃO PAULO, 2015); de diferentes nacionalidades, de iguais/diferentes
línguas e de iguais/diferentes práticas do cuidado do corpo, da saúde e do bem-estar.
A Saúde é um elemento básico da vida humana, mas as condições a que pessoas imigrantes se
submetem podem leva-las a abrir mão de aceder a esse direito; mesmo que na legislação brasileira o
poder público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) garanta o direito à saúde como um
direito fundamental e de acesso universal e igualitário às ações de prevenção e promoção de saúde e
serviços para todas e todos. E, outrossim, procurando estes serviços encontraram numerosos
empecilhos que dificultam esse acesso ao cuidado: o idioma, o desconhecimento legal, o status
migratório e o conseguinte medo de deportação, o desconhecimento do sistema e o medo de ser

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vítima de xenofobia. Estas variáveis combinadas provocam tanto para esses sujeitos quanto para os
equipamentos públicos de saúde desafios que precisam ser atendidos na urgência do trabalho diário.
Assim, surgem estes inquéritos: O quanto são, estão e conseguem estar preparados tanto a
equipe como o serviço de saúde para dar conta desse diário de trabalho com imigrantes? Para
refletirmos juntos, vou trazer nesta comunicação oral minha experiência como mediadora cultural
no Projeto de Acolhimento aos usuários imigrantes 95 , uma parceria entre a OPAS/OMS e a
Secretaria Municipal de Saúde da cidade de São Paulo no ano 2016, cujo objetivo foi realizar
campanhas de sensibilização e formação sobre questões relacionada com a imigração e refúgio para
profissionais de saúde da rede de atenção básica e que por sua vez constituiu um precedente para
formular uma política pública para este segmento populacional.
Uma primeira etapa do projeto foi identificar quais são os estabelecimentos que atende o maior
número de usuários de imigrantes ou refugiados por meio de um questionário eletrônico preenchido
por cada gestor da unidade básica de saúde, do total de 286 estabelecimentos que responderam ao
inquérito, 184 assinalaram que atendiam a este grupo populacional. Entre os resultados, observou-se
que os maiores números de usuários imigrantes se concentravam nas regiões Centro (06 unidades),
Leste (51 unidades) e Sudeste (52 unidades). A nacionalidade varia em relação à região onde são
atendidos; as comunidades mais representativas das 53 nacionalidades registradas no questionário
foram Portugal, Bolívia, Japão, Haiti, Nigéria, Angola, Síria, China, Perú, Paraguai, Argentina e
libanesa (Boletim CEInfo Analise, 2015).
A segunda etapa foi realizar três rodas de conversa em 60 unidades de saúde que centrar o maior
número deste grupo populacional, com uma equipe de sete mediadores culturais de diferentes
nacionalidades: Bolívia, Perú, Guiné-Bissau, Haiti, Congo, Palestina e China. As duas primeiras
reuniões estiveram direcionadas a funcionários da unidade e a última roda convidou-se também
as/os usuários imigrantes.
Assim, a modo de organizar melhor está experiência retomaremos progressivamente cada uma
das perguntas mobilizadas parágrafos acima:

O quanto são preparados?


Os funcionários atendidos por este projeto falaram que dentro de sua formação nunca tinham
sido preparados para atender a diversidade, nem muito menos para atender a usuários imigrantes. A

95
Veja-se o link: http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/34091.

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condição do imigrante tem sido pouco considerada no processo de atendimento ao usuário do SUS,
existindo ainda poucas iniciativas em esta área.
É preciso dizer que a Saúde, como assinala Ianni Regia Scarcelli (2016):

[...] é um campo complexo, composto por muitos fatores inter-relacionados,


complementares e em movimento. Demanda a busca de conhecimento de outros campos,
assim como a capacidade de refletir sobre aspectos ligados à organização dos serviços de
saúde, à constituição histórica dos saberes e práticas, às fundamentações teóricas, jurídicas
e filosóficas acerca da construção desse saber, à contextualização da sociedade da qual
estamos falando, às relações possíveis de serem feitas sobre saúde-sociedade, indivíduo-
estado e instituições, entre outras [...] (Scarcelli, 2016, p.190)

Daí que o contexto migratório atual é uma oportunidade para repensar nossos saberes e práticas
em saúde que envolve entre outras coisas as relações de gênero, étnico-raciais e de classe social
nessa convergência de culturas e de diferentes cosmovisões do cuidado do corpo que traz a presença
do usuário imigrante no serviço público.
Embora, que o modelo médico ocidental e biologicista com seus artefatos e medicamentos tem
se convertido desde os anos 90 em um padrão hegemônico em términos de ensino-aprendizagem,
como também criador e executor de políticas e programas de atendimento em saúde, algumas
iniciativas tem-se aberto passo como são as Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)96 para
valorizar a medicina tradicional/complementar como outro meio de cuidar o corpo, seguindo assim
a lógica de integralidade e equidade do SUS, onde a saúde vai mais além da prescrição médica e de
um “mercado farmacológico” e sim, como formas de cuidado e convivência em comunidade.
Para isto, como dizem Yara Maria de Carvalho e Ricardo Burg Ceccim (2008) a formação em
saúde não pode se centrar num acúmulo e transmissão de conteúdos sobre doença e reabilitação; e
sim ser mais integral, onde a formação teórico-conceitual e metodológica permita o enfrentamento
das necessidades de saúde da população e o desenvolvimento do sistema de saúde.
O projeto de acolhimento aos usuários imigrantes ao ser tratado como forma de educação
permanente trouxe o debate sobre racismo, xenofobia e interculturalidade dentro das próprias
unidades básicas de saúde (UBS), por médio de rodas de conversa se diálogo sobre as origens de
cada um, como a cidade de São Paulo historicamente está conformada por uma diversidade de
povos, algo que se reflexa nos diversos espaços da cidade. Assim, nestes diálogos se debateu a
importância que têm acolher a diferença através da escuta atenta e de respeito cultural como via de

96
Portaria Nº 971, de 03 de maio de 2016; aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(PNPIC) no Sistema Único de Saúde.

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acesso ao serviço. Também, foi uma oportunidade para aproximar mais as PNPIC no cotidiano do
atendimento ao usuário, como uma referência também de cuidado.

O quanto estão e conseguem estar preparados?


Muitas vezes o conhecimento sobre como funciona SUS tanto para os funcionários, como para
os usuários, imigrantes ou não, só conseguem entender no cotidiano com a unidade de saúde sendo
que a alguns duvidam se mesmo tem direito ao serviço ou não.
Por outro lado, está a delimitação de territórios político-administrativos que permite o
andamento do serviço, mas que nem sempre esse recorte espacial está de acorde com os territórios
que as pessoas circulam como é o caso da/do usuário imigrante cuja possibilidade que migre dentro
da cidade é maior, sendo isto um desafio em especial para unidades que trabalham com a estratégia
da saúde da família, que depois de acompanhar a alguma família por um tempo, logo percam
qualquer contato com ela ou já não pertence mais a sua jurisdição. Talvez a saída a isto seja como
Ianni Scartelli (2016) menciona:
O território é, muitas vezes, utilizado como estratégia para a coleta e organização de dados
sobre ambiente e saúde, mas os processos sociais e ambientais transcendem esses limites.
Se trabalharmos numa perspectiva que busca não fragmentar saberes e experiências,
podemos dizer que territorializar e desterritorializar são dois lados de uma mesma moeda.
Ambos dizem respeito a buscar o fio da história, a resgatar a memória a criar e recriar
novos territórios. (SCARTELLI, 2016, p.189)

(Re)criar novos territórios talvez nos permita entender melhor as características deste grupo
populacional, como são os usuários imigrantes, com costumes e línguas diferentes. Algumas UBSs
tem inserido dentro do planejamento anual o atendimento a imigrantes como um desafio a ser
trabalhado, a fim de criar ações especificas (folders informativos em diversos idiomas, contratação
de agentes comunitários imigrantes, entre outros) que possam minimizar as barreiras tanto do
funcionário como do usuário ao momento de procurar atendimento. Além de ter entre seu staff de
profissionais, médicos estrangeiros vindos do Programa Mais Médicos.
Esta experiência trouxe a importância de se manter espaços de reflexão, debate e sistematização
dos saberes e fazeres, das praticas de cuidado em saúde que possa (re)dimensionar e (re)significar
tanto os conhecimentos dados na formação, à pesquisa, e na própria organização laboral em saúde
que permita em algum momento operacionalizar em toda sua amplitude os princípios do SUS, se
sinta e se execute para todas e todos, equipe e usuários que a conformam.

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Referências

Carvalho YM, Ceccim RB. (2009) Formação e Educação em Saúde: aprendizados com a Saúde
Coletiva. In: Campos GW, Minayo MCS, Akermann M, Drumond M, Carvalho YM,
organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec. p. 149-182.
Dejours C (2004). Inteligência prática e sabedoria prática: duas dimensões desconhecidas do
trabalho real. In: Lancman, S.; Snelwar, L. I. (Org.). Christophe Dejours: da psicopatologia à
psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; Brasília, DF: Paralelo 15, 2004a. p. 277-299.
Ramos, N. (2010). Saúde, migração e direitos humanos. Mudanças-Psicologia da Saúde, v. 17, n. 1,
p. 1-11, 2010.
São Paulo - Cidade ( 2015). Secretaria Municipal de Saúde. Coordenação de Epidemiologia e
Informação/ CEInfo. Aguiar, B.S; Neves, H.; Lira, M.T.A.M. Alguns aspectos da saúde de
migrantes estrangeiros recentes no município de São Paulo. Boletim CEInfo Analise/Ano X, nº 13,
Dezembro 2015. São Paulo: Secretaria Municipal de Saúde, 49p.
Scarcelli, I R (2016). Psicologia social e políticas públicas: pontes e interfaces no campo da saúde.
Tese (Livre-Docência – Departamento de Psicologia Social e do Trabalho.) – Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo.

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Os efeitos do multiculturalismo na União Europeia


The effects of multiculturalism on European Union

Palavras-chave: identidade, multiculturalismo, União Europeia, integração, Constituição Europeia


Keywords: identity, multiculturalism, European Union, integration, European Constitution

Caroline Nunes Albertino


Mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ

O processo de globalização, ao mesmo tempo em que propicia um movimento de


fragmentação das identidades nacionais, propicia o fortalecimento de identidades locais ou
comunitárias. A fragmentação, ao mesmo tempo em que proporciona uma liberdade na escolha das
identidades, também causa um sentimento de “vazio”, de “não pertencimento a lugar nenhum”.
Esse vazio tem sido preenchido cada vez mais pelas identidades locais, regionais e comunitárias. De
acordo com Bauman (2013), como a figura do Estado se enfraqueceu, este passa a não mais
controlar os processos de integração social e, “quando alicerces mais sólidos são oferecidos nesse
mundo de volatilidade, a exemplo do caso das comunidades, as pessoas não hesitam em aderi-las”
(BAUMAN, 2013: 76), o que explicaria o número crescente de identidades diferentes. Essa
multiplicidade de identidades coletivas também é influenciada pelo crescimento dos fluxos
migratórios no mundo, principalmente das zonas periféricas para as centrais.
Esses fatores se conjugam no surgimento do multiculturalismo, principalmente a partir de
1960, com o crescimento de movimentos que buscam o reconhecimento de suas particularidades
culturais. Na Europa, o multiculturalismo se tornou um dos grandes temas de debate político,
principalmente à medida que o processo de integração europeu se intensificou. De acordo com
Bauman, a Europa está se transformando “em um mosaico de diásporas” (BAUMAN, 2013: 78).
Medidas como a criação do Mercado Comum Europeu, a moeda única, o espaço Schengen e a
criação de uma cidadania europeia, além de permitir a circulação de bens e pessoas e viabilizar a
aproximação entre os países, têm realizado uma interconexão entre culturas, por vezes distintas, dos
países membros da união. Além disso, o projeto de unificação europeia passou a atrair um fluxo
cada vez maior de imigrantes de países externos ao bloco, refugiados ou voluntários, seduzidos por
uma aparente estabilidade política e econômica e melhores condições de vida.
Essa pluralização da União Europeia e a consequente adoção, por alguns dos países
membros, de políticas multiculturais têm se revelado bastante controversa. Seja na adoção da

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isenção de regras de trânsito para os Sikhs (Parekh, 2000) na Grã-Bretanha, como na permissão ou
não do uso do véu por mulheres muçulmanas na França, o que se percebe é a ausência de uma visão
europeia uniforme sobre como lidar com a diferença cultural. Constata-se que essa matéria tem sido
deixada muito mais a cargo de decisão nacional, em vez de procurar um consenso europeu, o que
reflete contradições existentes no bloco. Uma dessas contradições se refere ao discurso universalista
e comunitário, presente em diversos tratados e acordos da UE, em contrapartida a uma realidade
que ainda contempla e destaca a importância do caráter nacional. Outra condição se refere à questão
da democracia, um dos valores tidos como básicos da União. Além do déficit democrático na
União, que para muitos de seus cargos não conta com uma votação e envolvimento popular, muitas
dessas políticas etnoculturais adotadas nos países “são organizadas por elites burocráticas e
políticas, mesmo contra o alto nível da hostilidade pública”3 (BARRY, 2001: 299). Essas
contradições tem sido um grande empecilho para o aprofundamento do bloco, como foi percebido
na rejeição da proposta de Constituição Europeia em 2005.
O principal objetivo deste trabalho é analisar como o multiculturalismo tem influenciado as
políticas na União Europeia e, mais precisamente, deseja-se entender quais são os reflexos desse
fenômeno no aprofundamento da integração regional. A hipótese que se pretende averiguar é se o
multiculturalismo possui efeitos negativos para o aprofundamento da integração da União Europeia.
Acredita-se que o multiculturalismo adotado nas políticas da UE tem sido muito radical, implicando
negativamente nas posturas dos Estados-nação em relação ao gerenciamento das diversidades
culturais. O trabalho se focará na discussão do projeto da Constituição Europeia e de como o
nacionalismo populista, gerado em grande medida pelo multiculturalismo, representa uma das
principais causas de sua rejeição. A não adoção de uma Constituição Europeia retrata um retrocesso
no aprofundamento da integração europeia e no desenvolvimento de uma governança
supranacional, além de fortalecer o surgimento e o discurso de partidos extremistas e a manipulação
política de ideias como insegurança cultural e dar margem para o aumento da xenofobia e do
racismo. Outras áreas de influência negativa do multiculturalismo também serão abordadas, como a
construção de uma identidade política europeia, e a instrumentalização dos radicalismos culturais
pelos partidos populistas em seus discursos xenófobos, como na construção da ameaça societal.
De acordo com Heywood (2010), um número cada vez maior de países, “incluindo quase
todos os países-membros da União Europeia, havia incorporado oficialmente o multiculturalismo à
política pública: os governos reconhecem que as tendências multiétnicas, multirreligiosas e
multiculturais nas sociedades modernas haviam se tornado irreversíveis” (HEYWOOD, 2010: 97).
Alguns governos, imbuídos de uma narrativa hegemônica, acreditavam ser inevitável que a

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diversidade fosse abraçada e reconhecida pelo governo e pela sociedade, para manter a estabilidade
do corpo político-social, evitando possíveis fragmentações. Contudo, é necessário se perguntar se o
multiculturalismo é a melhor postura a ser adotada no reconhecimento dos direitos dos diversos
grupos étnicos, bem como da promoção de uma convivência pacífica entre estes grupos.
Com a adoção de medidas multiculturais nos diversos países da União, percebe-se um
relativo isolamento dos grupos minoritários, concomitantemente a um aumento do racismo e da
xenofobia entre os diversos grupos. Muitas dessas medidas, como previamente mencionado, foram
adotadas pelas elites políticas, sem envolvimento da participação popular e, além disso, defendem
certos direitos ou isenções a determinadas minorias étnicas, o que, de acordo com Barry (2001),
pode ser visto pela grande maioria como uma desigualdade em relação aos demais. Ou seja, o
multiculturalismo, em vez de proteger as minorias, acaba por inflamar separatismos e racismos
entre os grupos.
Em uma comunidade como a União Europeia, que defende um discurso de unificação das
nações europeias e a busca por mecanismos cada vez mais supranacionais, a defesa do
multiculturalismo parece ir de encontro a esse ideal. O multiculturalismo tende a destacar a
diferença e valorizá-la, em vez de diluí-la e, por isso, ressaltando assim o caráter nacional em vez
do comunitário, fato que pode prejudicar o aprofundamento da União Europeia, principalmente no
campo político e social. Uma prova desse “entrave” é a rejeição da Constituição Europeia pela
população. Ainda que o contexto do bloco parecesse favorável para a implementação da
Constituição, de acordo com Pecequilo (2014), a ideia de um contexto favorável na verdade
representava uma subestimação do apoio popular, dos riscos de quebra da união e de “movimentos
de reordenamentos de grupos conservadores à direita, de caráter xenófobo contra o bloco e minorias
raciais, de gênero e religiosas” (PECEQUILO, 2014: 82). Por isso, a discussão deste tema se torna
bastante pertinente e atual.
Na introdução, define-se o tópico multiculturalismo e suas principais características, a partir
de teóricos como Eric Hobsbawn (2013), Bhikhu Parekh (2002) e Stuart Hall (2015). Estes
destacam como o cenário internacional atravessou diversas transformações que possibilitaram o
surgimento do multiculturalismo. Hobsbawn sublinha, entre outras questões, a perda de funções do
Estado-nação, principalmente como ponto de referência identitária, à medida que as transformações
econômicas propiciadas pela globalização ‘tiraram’ do controle estatal as relações econômicas. A
perda de centralidade do Estado nação, somada à fragmentação do indivíduo, causará diversos
movimentos, como hibridismos ou até mesmo o endurecimento de algumas identidades nacionais

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(Habermas, 2001). A possibilidade da pluralidade de identidades vai dar origem ao que se


denomina multiculturalismo.
Também são discutidas algumas teorias sobre o multicuturalismo, como o liberalismo, o
comunitarismo e patriotismo constitucional. John Rawls, um dos representantes do liberalismo,
ressalta a necessidade da igualdade de oportunidade, em que todos os indivíduos devem ser
apresentados às mesmas oportunidades de escolha. O liberalismo vai adotar uma postura de
tolerância à diferença, dando enfoque ao direito e à liberdade do indivíduo. Will Kymlicka, por
outro lado, tem um posicionamento distinto do liberalismo tradicional. Seu culturalismo liberal
acredita na existência de uma “cultura societal” pluralista, que por vezes pode representar ameaças
a determinados grupos minoritários. Por isso, Kymlicka defende que algumas medidas
diferenciadas de grupo que assegurem a liberdade de associação devem ser aceitas pela teoria da
justiça. Comunitaristas, como Charles Taylor e Michael Walzer, acreditam na necessidade de
reconhecimento das minorias e suas especificidades. Taylor, por exemplo, acredita que o
liberalismo não consegue “pretender uma neutralidade cultural completa” (TAYLOR, 1998: 83),
pois a postura neutra acaba favorecendo algumas culturas e ignorando outras. Por isso, segundo ele,
é necessária uma política de reconhecimento das minorias culturais, não só no sentido de que as
minorias tenham o direito a defender sua cultura, mas também que “todos reconheçam o valor igual
das diferentes culturas” (TAYLOR, 1998: 84). Dessa forma, o reconhecimento é importante, pois as
identidades se formariam dialeticamente. Uma terceira corrente advoga pela construção de uma
cidadania a partir de valores universais. Por exemplo, a proposta do patriotismo constitucional de
Jürgen Habermas defende a criação da cidadania com base em valores universais, como os direitos
humanos, e adotando um caráter democrático. Sendo assim, a deliberação terá um caráter
imprescindível, em que todos os indivíduos devem participar da arena pública, para que as
diversidades possam ser negociadas.
Em seguida, é realizada a contextualização do fenômeno na União Europeia, com a
abordagem das principais teorias de integração da União Europeia e um breve histórico de sua
formação até o recorte deste trabalho, ou seja, até as discussões sobre a Constituição Europeia.
Assim, serão analisadas as discussões anteriores à Convenção e à Conferência Intergovernamental
para a formulação do projeto da Constituição Europeia, desde a gestação até a Declaração de
Laeken, em 2001. Por último, serão examinadas as progressões da Convenção e da Conferência
Intergovernamental, que debateram as diversas questões sobre a criação da Constituição Europeia,
cujo projeto final foi aprovado no dia 29 de outubro de 2004.

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Por fim, são abordadas algumas das principais consequências da política multicultural na
União Europeia, como o período de ratificação e as consequentes rejeições do projeto constitucional
pelos referendos na França e na Holanda. Também são avaliados três efeitos do multiculturalismo
na UE: na formação da identidade europeia, na emergência dos partidos nacionalistas populistas e,
por fim, no surgimento do conceito de segurança societal. Na conclusão, apresenta-se a ideia de
que, apesar do multiculturalismo ser uma bandeira defendida pela União Europeia, na prática os
países não conseguem entrar em acordo sobre uma política comum que possa contemplar e respeitar
as diversas culturas das populações que neles habitam.

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Política de informação sobre refugiados: enclave entre os direitos


humanos e a vigilância para o controle
Information policy about refugees: enclave between human rights and the surveillance for
control
Politica de información sobre los refugiados: enclave entre los derechos humanos y la vigilancia
para el control

Palavras-chave: Refugiados. política de informação. regime de informação. vigilância. direitos


humanos
Keywords: Refugees. information policy. regime of information. surveillance. human rights.
Palabras clave: Refugiados. politica de información. régimen de información. vigilância. derechos
humanos.

Bruno Macedo Nathansohn


Doutor em Ciência da Informação pelo convênio entre Instituto Brasileiro de Informação e, Ciência
e Tecnologia – IBICT e Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

A política de informação é parte integrante da gestão das migrações, e importante pilar de


sustentação para as políticas migratórias, pois conferem subsídio para a tomada de decisão. Estão,
portanto, diretamente relacionadas a estratégias que envolvem múltiplos atores em conflito, para
estabelecer medidas institucionais voltadas a objetivos de produção, transmissão, acesso, ou sigilo
da informação. Nesse sentido, as Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC), os tratados
internacionais, os blocos regionais, as instituições supranacionais e as normas jurídicas
internacionais, pressupõem a formação de regimes.
González de Gómez (2002) destaca a existência de um vínculo entre a política de informação e
o regime no qual ela está inserida. Em verdade, a autora aponta para uma condição multinível da
ação política, que pode se dar nos espaços local, nacional, regional ou global. Pode-se dizer, em
certo sentido, que a política de informação determina a conformação de um regime de informação,
mantendo-o, reproduzindo-o ou mudando-o e reformulando-o.

[…] o conceito de ‘regime de informação’, que designaria um modo de produção


informacional dominante em uma formação social, conforme o qual serão definidos
sujeitos, instituições, regras e autoridades informacionais, os meios e os recursos
preferenciais de informação, os padrões de excelência e os arranjos organizacionais de seu
processamento seletivo, seus dispositivos de preservação e distribuição. (GONZÁLEZ DE
GÓMEZ, 2002, p.34)

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Pode-se dizer que exista uma agenda global, que tende a padronizar as políticas de informação
relacionadas ao tratamento da questão migratória, que se dinamiza na tensão entre o tratamento
humanitário e a lógica securitária. Essa agenda é orientada por centros internacionais de poder,
enquanto outros atores, notavelmente periféricos, participam do jogo político em duas formas
diferentes, ambos adotando tanto uma postura às vezes de resignação, às vezes de resistência à essa
agenda. Os países considerados periféricos tendem a adotar, de forma subalterna, métodos de
vigilância e de controle sociais e territoriais, mas é fato notório também que esses mesmos países
contribuem significativamente para o aprimoramento de políticas migratórias e para o ordenamento
jurídico sobre o tratamento de migrantes/refugiados, apresentando avançadas experiências políticas
nesse sentido (ex.: CONARE, no Brasil; política migratória de ‘fronteiras abertas’, do Equador;
criação do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul etc.).
A definição de direitos humanos é fortemente confrontada por um sistema de relações estatais
baseado nas concepções de soberania e de nacionalismo. Esse sistema é por si mesmo,
simultaneamente complexificado pela presença dos novos atores políticos que agem num contexto
estruturado em rede. Muito desse contexto é emoldurado pelas TIC, que potencializa ambos, sob a
lógica do controle absoluto. A vigilância, nesse sentido, torna-se o elemento fundamental para um
processo dialético mais amplo, no qual os atores políticos são confrontados de maneiras diferentes.
Essa dinâmica, que não é nova, mas que potencializa dispositivos tecnológicos para a vigilância e o
controle, rearranjou as relações de poder. Como Didier Bigo salienta, “National security is part of
global security, and may be challenged by the emergence of the ‘new problem’ of delivering
security globally” (BIGO, 2013, p.157).
Nesse caso, a chamada política de vigilância em massa, que foi perpetrada pela Agência de
Segurança Nacional (NSA) contra o Brasil, em 2013, revelou como a informação é um elemento
que deveria ser considerado como um recurso de poder. Os debates, que tem sido gerados na arena
política internacional, revelam um regime no qual a prática de vigilância é “sem-fronteiras”, e funde
as noções de segurança nacional e internacional. Além disso, tem-se desvelado a moldura
ideológica e discursiva que tem dado sentido à noção de segurança.
Políticas de segurança interna no Brasil convergem com as políticas de segurança internacional.
Para implementar programas de monitoramento, e para o controle de certos territórios, o Estado
também limita seu escopo para um determinado tipo de população, ou grupo social, no qual as
ações de vigilância deveriam se implantadas. É um controle local, operacionalizado por meio de
dispositivos globais. Desde a fronteiras israelo-palestinas aos corredores de circulação em Bogotá,
na Colômbia, passando pelo circuito de monitoramento reticular na fronteira entre Estados Unidos e

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México, até o programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro, é exercida
a coerção pelos meios de vigilância de massa, com o uso de câmeras, drones e centros de comando
e controle.

Internal security is not an “internal problem between communities in a public sphere about
the definition of national identity”, internal security is a transversal vision of some
knowledge about public order and surveillance inside or outside the territory, associated
with specific devices of control. (BIGO, 2000, p.322)

Como a segurança poderia ser definida atualmente, tendo em vista a crescente variedade de
questões que geram insegurança? Nesse caso, aquele tripé seria possível para solucionar a questão
da segurança, ou seria uma desculpa para estabelecer uma eficiente forma de controle sobre
determinado grupo social, ou sobre alguns grupos, que são considerados potencialmente de risco?
As migrações entram nesse cálculo de risco, fazendo com que os Estados desenvolvam mecanismos
de mensuração mais complexos, colocando-as no escopo das medidas de segurança, agora
fortalecidas pelo combate ao crime organizado e ao terrorismo.

The fight against terrorism has clearly served as a justification for strengthening control
mechanisms whose efficacy in combating clandestine organizations is far from proven, but
which ‘help’ the police in their surveillance and control of foreigners. (BIGO, 2009, p. 588)

As denominadas ameaças difusas é uma outra questão relacionada ao controle que emerge
de um discurso riscos e insegurança. Longe de ser produzida como algo neutro, a classificação é um
significado produzido por padrões políticos e sociais originados de uma matriz de pensamento
hegemônico, que está localizado em certos indivíduos e grupos de poder, que estão em uma posição
dominante. Foucault (2001) identifica que esse poder não é uma manifestação própria da teoria
política, mas está relacionado à prerrogativa das tecnologias de poder disciplinar. Esse é um
processo que se desenvolve, num primeiro momento histórico, como manifestações da lógica
estabelecida pelo direito de soberania. O que se dá por meio de um “racismo de Estado”, ligado à
prática da guerra. Uma guerra permanente dos dominantes contra os dominados, nas palavras de
Bourdieu, tendo em vista as ações cotidianas das forças policiais nas periferias das grandes
metróploes.
Programas de controle dos migrantes, inerentes à chamada gestão das migrações são, em
realidade, a permanência dessas políticas de controle empreendidas contra grupos sociais que
apresentam riscos à sociedade, segundo o discurso dos grupos denominados por Bourdieu (2014)
como dominantes. Envolvem políticas de informação assentadas em ações multinível, pois toca a

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diversas escalas de poder e atingem diversos indivíduos e coletividades, em espaços tangíveis e


intangíveis. Para que essa gestão seja cumprida, torna-se premente a implantação de programas de
monitoramento e de vigilância. A informação é o elemento que perpassa todos os campos e esferas
de poder, unindo-os ou fragmentando-os culturalmente, desvelando as contradições próprias da
globalização como está proposta. Quando sistemas regionais de direitos humanos são estruturados,
em realidade, o que se estruturam são dispositivos classificatórios universalizantes para legitimar o
tratamento ao fenômeno migratório. E esse sistema não se realiza espontaneamente, de forma
natural, mas com a contribuição de diversos atores, que interactuam globalmente. Os sistemas
regionais de direitos humanos também fazem parte de um regime de política de informação, de
caráter global, porque o ordenamento jurídico, que é traduzido em normas, tratados, entendimentos,
jogos de linguagem, é informação.
Informação codificada, e, portanto, instrumental, a ser apropriada pelos agentes para atingir
objetivos diversos (BOURDIEU, 2014; ABOUT e DENIS, 2010). Por isso, existe uma relação
intrínseca entre dois temas de direitos humanos: 1) a questão dos refugiados; e 2) a vigilância em
massa, que são duas categorias a conviver em tensão permanente, impactando a estruturação de um
regime global de política de informação. Nesse regime global convivem uma perspectiva tanto de
cobertura jurídica, quanto securitária, produzindo uma governamentalidade baseada na vigilância
recíproca, e por isso, o regime de políticas de informação é um regime de visibilidade. Muito
daquilo que se coloca em voga nas discussões sociais, como tema candente, e gerador de crise,
surge como uma escolha realizada por aqueles que produzem um discurso legitimador (WEBER,
1982; FOUCAULT, 1987; BOURDIEU, 2014). Esse é o caso dos dispositivos disciplinares de
vigilância e de controle, que se encontram como parte de uma lógica de poder que se situa de forma
ubíqua, e que não se restringe a estruturas constituídas, como no Estado, por exemplo. Mas que
continua tendo, ao mesmo tempo, o Estado como protagonista e definidor da política internacional.
Os dispositivos são acionados simbolicamente, e, ao mesmo tempo, como consequência, se
materializam, a todo o momento, dependendo das circunstâncias e do grau de aderência das
chamadas “ideias-força” que impulsionam grupos os mais diversos para a legitimidade de
determinadas políticas (BOURDIEU, 2014). A vigilância e o controle do refugiado encontram na
dinâmica informacional a razão de suas existências, como recurso de poder. Um recurso perene que
é apreendido por diversos grupos em conflito.
Essa é a característica da chamada gestão das migrações, que se pode traduzir também como
um regime no qual convergem o campo político com o informacional. A partir daí relaciona-se o
regime de informação com a gestão das migrações, em que grupos especializados, situados em

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posições-chave nas estruturas burocráticas (i.e. juízes, tomadores de decisão governamental,


especialistas acadêmicos etc.) — detêm o monopólio da “gestão dos bens simbólicos”, ou dos
discursos legitimadores sobre quem são elegíveis e não-elegíveis, além de deterem o domínio do
saber e dos meios de reprodução simbólicos (discursivos e normativos) — , colocam-se em
oposição àqueles que estão vulneráveis, por terem que reagrupar os símbolos que lhes foram
negados ao longo da trajetória rumo ao refúgio, e que lhes impuseram a condição de dominados (i.e.
migrantes/refugiados). Assim, a informação pode ser abordada como um elemento central para a
análise política, a partir de uma perspectiva construtivista, em que o que existe é uma tensão entre
dominantes e dominados, situados em campos sociais interdependentes.

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