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RESUMO
ABSTRACT
With the objective of occasioning the fieldwork as an opportunity for a research in/for/with
Historiography, through the realization of the experience of collecting the memorial and
documentary accounts, carried out in the remaining community of Engenho in Itabira, Minas
Gerais. The authors: Alexia Leles de Castro (History - UFOP), and Marcos Vinícius (Letters -
UFVJM), tell the history of the place, describe and transcribe the memorial and documentary
accounts of the remaining quilombolas living in the community. In this way, this production
tends to seek, know, and document the existing memories of a people that suffers with the
silencing and invisibility inherited from the colonial period. It is understood that this
documentation experience, anchored in the theoretical and bibliographical bases for
sociological and historiographical analysis from the perspective of Alberti (2013) in the
Manual of Oral History and Paul Thompsom (1997), along with fieldwork in/for/with
Historiography and Sociology, becomes important in the possibility of a research to rescue
memories.
1 INTRODUÇÃO
Para o desenvolvimento deste resgate, optamos por uma abordagem simples e direta,
tomando como base os depoimentos dos sujeitos pesquisados. Acreditamos que as histórias
contadas, por mais que se trate apenas de ‘causos’, se fazem importantes para os indivíduos
que as relataram.
Para tanto, optamos por apresentar este artigo em cinco partes distribuídas: Na
primeira, mostramos a importância da História Oral como trilha de pesquisa e caminho
metodológico. Na segunda, contamos a história da comunidade, desde que ainda era uma
fazenda. Na terceira, elucidamos como se dá a organização do quilombo HOJE. Na quarta,
expomos os ‘causos’, relatos orais e documentos históricos, e por fim apresentamos as
considerações finais, ressaltando a importância do trabalho realizado.
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respeito ao papel da HO. Segundo ele, a História Oral “[...] devolve a história às pessoas em
suas próprias palavras. E ao lhes dar um passado, ajuda-se também a caminhar para um futuro
construído por elas mesmas.”
3 FAZENDA DO ENGENHO
Dessa forma, Tenente Ponciano, que cresceu em uma família com boas condições
sociais e prestígio na cidade, herdou o terreno de sua família e na região viveu por toda sua
vida. Apesar de ter se casado 2 vezes, a primeira com Leonor Augusta Teixeira Lage e a
segunda com Joana Antônia Dias de Souza não deixou filhos em nenhum dos casamentos. Ao
fim de sua vida, Ponciano foi diagnosticado com Hanseníase, e como ele não possuía
herdeiros ou família próxima, foi ajudado por seus escravos que forneceram auxílio a ele
durante sua enfermidade. É desconhecida a quantidade de escravos que o Tenente possuía e se
foram somente os escravos em sua posse que o ajudaram, uma vez que no local se encontrava
outras fazendas de donos diferentes e que possuíam também seus escravos, a região era área
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comum para todos esses escravizados pelas rotas feitas para chegar até a cidade, lavar roupas
e outras atividades encarregadas a eles. Ponciano faleceu em 1879 em sua fazenda.
Ao fim da vida, já bem adoecido pela doença que o assolou, Ponciano deixa claro em
seu testamento a doação de todo seu território para alguns de seus escravos até a 4º geração
dessas pessoas, além de dar a liberdade para todos escravos em sua posse após seu
falecimento.
Apesar de ser uma comunidade remanescente de quilombo, até hoje a comunidade não
recebeu tal título e aguarda a visita técnica da Fundação dos Palmares sobre o requerimento
de Nº 01420.008677/2012-50 PROCESSO NA FCP enviado em 09/07/2012.
Sendo uma comunidade rural, o Engenho possui diversas carências, um dos maiores
problemas relatados pelos moradores foi sanado em junho de 2021 com o asfaltamento (não
completo) da única via de acesso a região após 33 anos da primeira reivindicação feita em
1988 por José Luiz Rosa, ex-presidente da associação dos moradores. Apesar do asfaltamento
resolver os problemas de acesso a comunidade, a região ainda possui muitas demandas como
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a falta de assistência à saúde, pois há 2 anos não ocorre uma visita médica a região, o local
também não consta com um PSF próprio, e no caso de necessidade médica deve se
movimentar para o PSF II do bairro Praia há cerca de 5,9 KM.
Além da falta de auxílio médico adequado, a comunidade também tem sua saúde
colocada em risco devido a falta de saneamento básico, a água utilizada vem de uma nascente
que só recebe encanamento após uma distância considerável de onde brota. Além da
contaminação que ocorre devido ao contato direto da água com o solo no início de seu trajeto,
há também o encontro de água limpa com água contaminada dos vestígios gerados pela
Estação de Tratamento de Água e Esgoto (ETE), essa água corta toda a comunidade a céu
aberto e sem nenhuma proteção para evitar o contato dos moradores ao eminente perigo.
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do teto da associação. Os moradores alegam sentir falta das atividades exercidas pela
associação e se sentem lesados por não poderem aproveitar de um espaço comum da
comunidade. Infelizmente, a comunidade não conta com nenhum apoio financeiro, e com a
sede inutilizada não conseguem meios para arrecadação, além do fato de existir uma dívida na
receita federal em relação aos impostos que deviam ser pagos e a presidência da associação
não havia tomado conhecimento, o que gerou uma dívida de anos para ser paga.
A manutenção da região é feita por seus moradores, que cuidam da fauna e flora do
local, cultivam suas hortas e colaboram entre si para que não haja faltas na região. Inclusive,
algo bastante lembrado pelos moradores é a falta de um comércio próximo que tenha
alimentos básicos que são encontrados somente na cidade.
Esses objetos encontrados pela moradora, evidenciam a presença dos escravos ali, uma
vez que a foice servia para o trabalho de cultivação da terra e o lampião iluminava o caminho
dos escravizados que passavam por ali. Outra moradora, chamada Ângela afirma ter
encontrado moedas que aparentam ser dos tempos do escravizados, as moedas encontram-se
sob posse da moradora.
Além dos vestígios encontrados na região, Vera conta que seu marido em determinado
momento de sua vida, viu uma mulher de cerca de 4 metros de altura, negra, com um vestido
e um grande balaio de palha na cabeça passando pela estrada do Engenho, ao notá-la o seu
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marido sacou a espingarda para reagir, mas quando se deu conta a mulher havia passado por
ele sem mal algum lhe ter feito. Assim Verá conta em seu relato recolhido através da
entrevista:
O morador João Bosco conta que em outra ocasião, seu irmão ainda em fase infanta
em certa noite ouviu uma série de latidos e foi tomar ciência do que estava ocorrendo, ao
verificar pela fresta da porta da casa, ele se deparou com um homem enorme, de pele negra,
descalço, com uma perna da calça dobrada e a outra normal, carregando um grande balaio
debaixo do braço e com um chapéu de palha na cabeça. No trecho abaixo, João Bosco detalha
a experiência paranormal.
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“Meu irmão me falou que teve uma vez que, há muitos anos, a gente
morava numa casinha de sapé, nesse local onde minha mãe mora. Os
cachorros estavam latindo muito, e ele, inclusive, olhou sem nem
chegar a abrir a porta e ele viu um homem grande, imenso…
passando na estrada, subindo ne, com uma sacola de palha trançada
debaixo do braço, com um chapéu grande de palha na cabeça e uma
calça com a perna baixa e outra mais para cima e descalço… diz ele
que ficou horrorizado com a altura do homem, e que ele nunca tinha
visto aquela pessoa aqui na localidade. Na época, não tinha estrada,
era um caminho de animal, nós nem sonhávamos com a luz (...) o
homem era de altura gigantesca e cor negra, com uma sacola de
palha e um chapéu enorme.”
Todas essas histórias ocorreram antes da iluminação pública chegar ao local, quando a
estrada ainda era um caminho de boi e não estava nem perto de se tornar uma estrada de terra
ou a via asfaltada que hoje existe. Todos estes relatos se tratam de memórias contadas, a partir
de experiências denominadas paranormais vividas pelos moradores do Engenho.
Já Maria Gomes, em seu relato, conta um pouco sobre a história do quilombo, e revela
também que apesar de ser moradora, nascida e criada na comunidade, assim como os outros,
não tem muito conhecimento sobre como se deu a formação do quilombo. Assim percebe-se
na transcrição abaixo:
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Avó: Que minha bisavó era do senhor de Souza, e o Engenho era do
Tenente Ponciano, que era um Tenente, que era dono disso tudo!
Avó: O tenente Ponciano era dono da cachoeira, do Engenho, isso
tudo era dele! aí então… é… esse tenente Ponciano que doou aquele
terreno tudo pros escravos dele
Entrevistadora: E porque ele doou? Ele teve alguma história com
eles?
Avó: É… sobre assim… família… não sei se era casal sem filhos… ele
doou para os escravos dele, aquele terreno ali que pertencia a ele, e
ele doou para os escravos dele. Eu tinha, não sei, aquele negócio de
mexer com muito papel, EU TINHA ESSA HISTÓRIA GUARDADA,
eu vou tentar puxar pra ver onde que foi esse papel, com a história do
Engenho.
Entrevistadora: Deve ser o Testamento!
Avó: TESTAMENTO! É! mas não tá assim… contando quem era o
Ponciano?
Entrevistadora: Não, tá contando que ele doou as terras para os
escravos, tem o nome das pessoas escravizadas…
Avó: Isso mesmo! Esse Tenente foi um [inaudível]
Entrevistadora: Qual foi o motivo dele ter doado este terreno? Eu
lembro de uma história que a senhora falava que ele teve lepra, e que
a família não quis cuidar…
Avó: Essa é a história mais antiga… agora eu não tô lembrada!
Entrevistadora: Mas então ele chegou a doar este terreno, e é este
terreno que a gente conhece até hoje, né?!
Avó: Até hoje! Sei que… não podia ser vendido… eu que tinha direito,
que herdei, eu não doar pra ninguém nem para vender. Passado o
tempo vai mudando [inaudível]
Entrevistadora: Até a quarta geração?
Avó: Isso, até a quarta geração! Agora, tem gente aí que não tem
nada mais… [inaudível]
Entrevistadora: Vieram pessoas de fora e que fizeram moradas aqui
né?!
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Avó: A mais tempo se chegasse uns de fora aqui, os do Engenho metia
o pau neles e ia tudo embora! Eles não aceitavam… mas aí foi
mudando, mudando, mudando, até que hoje tem muita gente de fora
morando ai. mas na verdade foi doado somente para os escravos,
pros herdeiros deles [...]
Entrevistadora: [...] Este nome Engenho vem de que?
Avó: Engenho… aquele tempo eles falavam que [...] Ai meu deus! Eu
tinha ouvido essa história, e agora eu esqueci do porque Engenho.
Avó Uma vez viera uma pessoa aqui, e ele fotografou essa história do
Engenho, eu tinha essa história todinha! [...] Era por causa da cana,
plantação de cana!
5.1 O TESTAMENTO
Em posse da líder comunitária Valeria Rosa de Brito, foi encontrado uma cópia do
testamento original que elucida a doação do terreno correspondente a comunidade do
Engenho por parte do Tenente-Coronel Ponciano da Costa Lage. Durante o trabalho de
campo, realizamos a transcrição do documento para que fosse melhor interpretado. Em razão
da falta de preservação do testamento, algumas partes estavam ilegíveis e foram impossíveis
de serem transcritas. Ademais na transcrição abaixo encontram-se os vestígios necessários
que comprovam a doação terreno que hoje corresponde a comunidade do Engenho.
"Página 1
Clara de Andrade já falecida Item que fui casada com Dona Anna Antonia da Costa Lage e
falecendo esta fez-se inventario, digo, esta fez-se inventário e partilha dos bens com o
herdeiro seu pai, como conta em juízo, e liquidamente, tomando o que lhe pertencia.
Item casei-me segunda vez com Dona Leonor Augusta Ferreira Lage e da qual também não
deixando filhos e nem descendentes que poderiam ser herdeiros. Declaro que sou irmão
resumido (?) da Casa Santa e do Santíssimo Altíssimo Casamento (?) e da casa do Hospital
desta cidade de Itabira.
Item deixo de esmola para a Igreja da Santa Conceição 200 mil réis, e para o hospital a
quantia de 100 mil réis, que será repartida no dia seguinte do meu enterro pelos pobres mais
necessitados. Declaro mais e é minha vontade deixar os meus escravos livres.
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Ilegível
Baixo e existirem no casarão que eu falei. São os seguintes Felisberto Cr; Filipe Cr,
Domingos Cr, General Pardo e sua mulher Anna Parda e Mariana Cr e Alice Cr , Heliodora
Cr, Cassiana Cr, os quais no caso que passe o seu valor de meação dos escravos que
possuírem se inteiriane em dinheiro que deixo é a minha testamento
Página 2
Brás Monteiro da Costa Tenente Rio Vitalino da P..... O … de Escrivão do Judicial e Notas
da Cidade e Termo de Itabira.
Página 3
Declaro que quando falecer desejo ser sepultado no cemitério de Santo Cruzeiro, sem
pompa, bastando os padres que se acharem na ocasião dizendo-se muito de corpo presente se
puder ser e mais 7 missas, 7 por minha alma, 7 pela de meus pais e 1 pelos meus irmãos, e
para os meus escravos falecidos senão também cinco missas. Declaro que minha vontade
dará contas desta testamentária no prazo de 2 anos ou antes poster peço a fazer, pois declaro
que não devo a pessoa alguma nesta data por ter minhas contas juntas. Espero dessa forma
ter concluído o meu – de última vontade à disposição para depois de minha morte -.
Revogando a outro qualquer testamento ou corlecillo que possa aparecer antes deste e para
segurança deste testamento que vai feito após minha própria letra, estando são a pegar de
ter setenta e seis anos e três meses. Contudo estou (ilegível) com saúde nesta ocasião, por
isso (ilegível) a Justiça Imperial que protegia em toda a suas declarações, por ser respeito da
minha última vontade. Cidade de Itabira 22 de fevereiro de 1876, mil oitocentos e setenta e
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seis. Ponciano da Costa Lage, Tenente reformado das ... Milícias da Comarca de Sabará. Em
seguida a folha e três dos autos se encontra o auto de aprovação (ilegível)
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... minha testamenteira depois que sejam estes avaliados lhe passara carta de liberdade para
seu título e apresentaram à Collectoria para ficar cientes que estão libertos. Item deixo a
fazenda chamada de Engenho para os escravos que deixo forros e mais quatro que já moram
nela a tempos que são os seguintes; Justina Cr, Antonia Cr, Antonio Denação e sua mulher
Maria Augusta a fazenda do Engenho (ilegível) Antônio José de Souza por uma parteira e
vallo, para cima, para outras minhas pelos espigões mais altos: Enfim e todas as vertentes
dos dois cônegos muito conhecidas no lugar que leva 90 alqueris de semendina de milho toda
ela. Com casas, moinhos, paives, cercados de achas de brahuna e cafés no quintal, para os
ditos escravos morrerem e morassem e desfrutassem enquanto viverem, e seu filhos e seus
netos se os houverem, e quando acabar essa geração, passará para os herdeiros que eu tenha
nessa (ilegível)... venderem e nem arrendassem e tão somente para o trabalho deles, e
aqueles que não se acomodarem um com os outros, perturbando uns aos outros depois de
serem admitidos que perdem o direito de desfruto e não se acomodassem se não expulsados
para fora pela minha testamenteira e na falta dela quando não existir outra que ela deixe
quando falecer, e na falta o Juízo Municipal que o faça na forma que ficar.
Página 5
Ano de mil oitocentos e sessenta e seis pelo Tabelião José de Melo Ferreira (ilegível):
Ponciano da Costa Lage, Emerenciano Júlio F. Thiago, João Rodrigues Pereira, José
Antônio Marinho, Antônio Ferreira de Leão, Joaquim Domingues Vieira. A folha quatro
encontrei a declaração de abertura na essência do Meritíssimo Juiz Municipal, efetua dá aos
dezenove de agosto de mil (ilegível) que dos autos consta em relação ao questionário verbal
que me foi proposto. Eu, Brás Martins da Costa, Escrivão, a escrevi, subscrevi e assinei.
O escrivão;
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências Bibliográficas:
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3ª Edição. Rio de Janeiro: FGV, 2013. (p.35-50
e 157-234)
THOMPSOM, Paul. A vóz do passado. Trad. Lólio Lorenço de Oliveira. São Paulo: Paz e
Terra, 1998.
VIDAL, Diana Gonçalves. De Heródoto ao gravador: histórias da História Oral. Resgate -
Revista Interdisciplinar de Cultura do Centro de Memória - UNICAMP. Número 01.
Campinas: CMU, 1990.
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