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As Pequenas Áfricas:
Temporalidades nas relações de trabalho e resistências negras na
zona portuária do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2019
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BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Prof. Dra. Cecília Campello do Amaral Mello
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
____________________________________________
Prof. Dr. Renato Emerson Nascimento dos Santos
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
____________________________________________
Pós. Dra. Clara Mariani Flaksman
Programa de Antropologia Social / Museu Nacional - UFRJ
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Introdução
6. 6. Bibliografia bibliográficas
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Agradecimentos
“Tengo mucho que escribir y poco papel
Mi honestidad es color transparente
Me puedes ver por dentro con solo mirarme de frente
Puedes tratar de tirarme y hacer el intento
Aunque pa' seguir siendo honesto yo soy el mejor en esto”
(Calle Trece. Adentro. Compositor: Rene Perez.)
dois anos. Contudo, o resultado aqui não é meu, é nosso! Saibam que meu coração
ainda caminha com esperanças e sorrisos. Obrigado.
(*Abraçar e Agradecer. Compositores: Geronimo Duarte / Everaldo Calazans De Almeida
Filho. 2016)
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RESUMO
RESUMO EM INGLÊS
neighborhoods and erase the black history that perpasses the life of the people and that
composed of this central part of the city. From journalistic chronicles, I've obtained an
ethnographic collection, in which composes Rio de Janeiro of the First Republic and the
embryonic entrance of capitalist activities. The work also presents the struggles being
held in these neighborhoods, such as the Vaccine Revolt and the Chibata Revolt. In
addition to these struggles, residents are fighting to keep their homes and their ways of
living. Stevedores join the Sons of Gandhy through their representatives. Revelers have
symbolically demonstrated through the African matrix religions and the relationship
between the profane and the sacred. Afoxé fights for the representation, ancestry, and
respect of the men and women who makes up the group and also for the religiosity
around the patrimonialization and recognition of its social role in the city.
*****
Sumário:
Introdução
5. Considerações finais
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6. Referências Bibliográficas
Introdução
“Tem que acreditar. Desde cedo a mãe da gente fala assim: -Filho, por você ser preto você
tem que ser duas vezes melhor. Ai passado alguns anos eu pensei, como fazer duas vezes
melhor se você ta pelo menos cem vezes atrasado? Pela escravidão, pela história, pelo
preconceito, pelos trauma, pelas psicose, por tudo que aconteceu. Duas vezes melhor como?
Ou melhora ou você é o melhor ou é o pior de uma vez. Sempre foi assim.”*
(nota: mMúsica “A Vida é Desafio”. Álbum: “Nada como um Dia após o Outro Dia”,
Racionais Mc’s. 2002. Gravadora Cosa Nostra. Compositor: Pedro Paulo Soares Pereira)
aulas e durante o meu percurso cotidiano de Niterói à Ilha do Fundão. Espero que na
resposta ou nos desdobramentos engendrados por minhas inquietações trabalhadas
durante o texto tenha construído uma dissertação com elementos que possam
demonstrar a força histórica dos trabalhadores da estiva, dos cronistas negros da cidade
e dos Filhos de GandhiFilhos de Gandhy na cidade do Rio. “na cidade grande sempre
foi assim, você espero tempo bom e o que vem é só tempo ruim.” (A vida é desafio.
2002 Pedro Paulo Pereira)
Nunca será suficiente relembrar que o Porto do Rio de Janeiro foi o lugar onde
mais se aportaram escravizados no mundo. E que o Brasil foi o último país a abolir a
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Minha pergunta, neste primeiro momento é: quem forão essas pessoas “que dão
vida” a essa localidade em eterna transformação urbana? Como se deram suas
resistências e existências nesse lugar que personaliza inúmeros debates sobre
“intervenção urbana” do passado e do presente. Para responder a essas indagações,
consideramos importante retomar as narrativas de ontem e de hoje sobre os
trabalhadores, os moradores e os projetos culturais de matriz africana que permanecem
neste local.
Por ter como análise temporal um largo espaço de tempo, considero importante
verificar desde o pré até o pós-abolição as atividades do Porto e como se davam as
relações de trabalho na região. E, nessa direção, como hoje e no passado, por que as
narrativas são “reincidentes”, isto é, reatualizando a todo tempo a ideia do porto
enquanto, um lugar a ser modificado e revitalizado? Nota-se que esse processo de
transformação se dá segundo uma lógica que acaba por apartar alguns sujeitos da
cidade, em sua maioria pobres e negros. Autores como Santos (2011), conceituaram
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essas transformações como orientadas por uma lógica cujos contornos políticos apontam
para um processo de embranquecimento discursivo e material.
Visto que o que estudamos são em sua maioria autores europeus e brancos e
qualquer outra visão de mundo acaba por não ser incluída nas bibliografias dos
Programas de Graduação e Pós-Graduação por não representarem a visão hegemônica
europeia (Silva, Vainer, no prelo), vejo principalmente no Planejamento Urbano, ora
combativo ora próximo dos movimentos sociais, um distanciamento bibliográfico e
experiencial, pois não há uma busca ou possibilidade de caminhos diferentes dos
imperativos epistêmicos do Norte. Numa constante reprodução, permanecemos
enquanto colônia no pensamento, repetindo e vociferando conceitos e narrativas
importadas.
O capítulo quatro se prioriza a luta atual por esses “lugares de memória” (Nora,
1993) no espaço do Porto do Rio de Janeiro e os bairros que compõem seu entorno. E
analisa como a implicação dos Grandes Eventos e suas obras têm por efeito a negação e
o apagamento dos sujeitos subalternizados que, historicamente e hoje, referenciam uma
cidade de memória e matriz negra, contra o projeto governamental proposto de uma
nova estrutura urbana empresarial e “embranquecida” (Santos, 2011). Desenvolvo esse
olhar de negação do governogoverno devido à seletividade cultural que ele implementa
enquanto política pública de revitalização e tombamento histórico. Esse pode ser
observado na contraposição dos elementos novos, como o Museu de Arte do Rio e
Museu do Amanhã, nas casas coloniais do Morro da Conceição, em contraposição às
ruínas onde sediam o grupo Afrocultural Afoxé Filhos de GandhiFilhos de Gandhy e as
instalações simples e mantidas de forma quase autônoma do Instituto de Pretos Novos.
“A vida não é problema é batalha, é desafio. Cada obstáculo é uma lição. Eu anuncio: -é isso aí
você não pode parar, esperar o tempo em vez de abraçar. Acreditar que sempre é preciso. É o
que mantem os irmãos vivos. ”*
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Toda história tem uma ou mais versões de si mesma. Seja por se escrita pelos
vencedores, ou mesmo porque há visões diferentes do mundo de quem faz e quem
escreve as narrativas oficiais. Com base no Porto descrita pelo governogoverno, me
lembrei de que há sempre problemas numa história única, e que portanto, há de se olhar
a fundo as muitas histórias que compõe um ambiente, que compõem as pessoas desse
ambiente, para que não se repliquem estereótipos, para que não se desonre a história de
pessoas.
“É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma
palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso
sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é “nkali”. É um
substantivo que livremente se traduz: “ser maior do que o outro”.
Como nossos mundos econômico e político, histórias também são
definidas pelo princípio do “nkali”. Como é contadas, quem as conta,
quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do
poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outra
pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. O poeta
palestino Mourid Barghouti escreve que se você quer destituir uma
pessoa, o jeito mais simples é contar sua história, e começar com “em
segundo lugar”. Comece uma história com as flechas dos nativos
americanos, e não com a chegada dos britânicos, e você tem uma
história totalmente diferente. Comece a história com o fracasso do
estado africano e não com a criação colonial do estado africano e você
tem uma história totalmente diferente. (Adiche, 2010. Tradução
Geledés. – grifos meus)
Utilizo dois autores, Lima Barreto e João do Rio para compor as cenas
etnográficas das reformas urbanas e do cotidiano no início do século XX e o romance
naturalista “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo. Em paralelo a esse exercício busquei,
em autores especializados em crítica literária o tema Sociedade e Cidade, e como este
pode ser combinado com a literatura, a exemplo dos trabalhos desenvolvidos pelos
críticos Flora Süssekind (1984), Paulo Franchetti (2012) e Antônio Candido (2006).
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No conjunto literário desses dois autores trabalhei com duas obras de crônicas,
em específico, “Lima Barreto: Cronista do Rio” de organização de Beatriz Resende
(2017) e “De olho na Rua: A cidade de João do Rio” de Julia O’Donnell (2008),
exatamente porque o contorno dado pelas autoras é a cidade. Retomo a referência do
trabalho de Adriana Facina (2004) para demonstra como o processo criativo literário
pode se encaixar e funcionar na escrita acadêmica. Em suas palavras:
“João do Rio” nome criado por Paulo Barreto cujas crônicas ficaram populares
pelo público por sua escrita naturalista das atividades diversas da cidade e narrar
trabalhos, religiosidades e a sociedade em mudança de monarquia a república. Alguns
comentários sobre a belle époque carioca e suas mudanças à moda francesa. Entusiasta
das alterações urbanas que colocavam a nova capital tanto no cenário do mundo
moderno. O cronista registrava o cotidiano múltiplo da cidade e suas alterações sociais e
urbanas. “Mulato, calvo, gordo e homossexual, a personagem de João do Rio descolou-
se de sua matriz biográfica (Paulo Barreto) e garantiu espaço no inventário de seu
tempo. Com seus fraques verdes, sua presença era indisfarçável e seu público jamais era
neutro. (...) o autor fez do urbano seu mote único e inesgotável, (...). Em sua obra, em
sua biografia o urbano extrapolava a condição de adjetivo, construindo a sua própria
visão de mundo do cronista e do habitat que registrava. ”. (O’Donnell, 2008. p 14 e 15)
E Lima Barreto;
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pode ser ladrão de galinhas! Ciancio ainda contestou, dizendo que isso
valia para ele também. Mas o futuro escritor encerrou a questão: Ah!
Vocês, brancos eram ‘rapazes da Politécnica’ [...] estudantada. Mas
eu? Pobre de mim. Um pretinho. Era seguro logo pela polícia. Seria o
único a ser preso”. (Schwarcz, 2017. p. 122)
“
“A branquitude é entendida como uma posição em que sujeitos que
ocupam esta posição foram sistematicamente privilegiados no que diz
respeito ao acesso a recursos materiais e simbólicos, gerados
inicialmente pelo colonialismo e pelo imperialismo, e que se mantêm
e são preservados na contemporaneidade. Portanto, para se entender a
branquitude é importante entender de que forma se constroem as
estruturas de poder fundamentais, concretas e subjetivas em que as
desigualdades raciais se ancoram. ”(Vainer, 2014)
Não há como se fazer uma comparação de suas obras, e esse nunca foi o objetivo
desta dissertação. Mas informar ao autor que existiam diferenças de cor e classe entre
eles, e que foi o branco quem as criou. O que os colocava em pontos opostas aos
projetos de reurbanização da cidade do Rio de Janeiro.
Há uma dinâmica própria dos Portos, que incluiu não somente o porto em si,
mas toda uma zona portuária de serviços aduaneiros, transporte de cargas e de
alfândega. A entrada e saída permanente de objetos e pessoas torna o lugar sempre um
espaço de passagem, ou melhor, de circulação - mas ele não é apenas isso. Pensar nas
dinâmicas operativas dos portos é adentrar um nicho historiográfico, sociológico e
urbanístico muito particulares. No campo disciplinar da História, há estudos
especificamente voltados às mudanças durante os séculos das operações econômicas e
sociais portuárias. Algumas cidades são referências nestes estudos por abrigarem nelas
essas transformações urbanas, como Barcelona, Contudo, alguns países debatem
corriqueiramente as mudanças e as novas estruturas de portos, a exemplo da
Universidade na Espanha (Colóquio Governanza de los Puertos), Argentina (Rede de
Los Puertos - REDP), Portugal (Transformação da Cidade do Porto), Holanda e no
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Calado: é a distância entre a superfície da água em que a embarcação flutua e a face inferior de sua
quilha
2
Prático: Termos da Marinha para o indivíduo conhecedor dos acidentes hidrográficos e
topográficos de áreas restritas marítimas, fluviais ou lacustres, e que nelas conduz embarcações em
segurança; piloto, timoneiro, patrão.
3
Despachante Aduaneiro: profissional que representa os importadores, exportadores,
transportadores, armazéns alfandegados, perante aos diversos órgãos intervenientes
governamentais e entidades comerciais, nos procedimentos aduaneiros, fiscais, tributários,
logísticos e comerciais, visando à liberação aduaneira de carga.
4
Comódites: termo da economia que representa tudo aquilo que, se apresentando em seu estado
bruto (mineral, vegetal etc), pode ser produzido em larga escala; geralmente se destina ao comércio
exterior e seu preço deve ser baseado na relação entre oferta e procura.
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Modais: termo referente a formas de transporte de carga.
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(Honorato, 2016). A Delegacia funcionava como primeiro ponto de registro, após este
momento era ou não gerado um processo criminal contra o sujeito, e apenas depois
desse trâmite jurídico os condenados eram enviados as Casas de Detenção. Um dos
pontos de destaque relatado em entrevista concedida pelo Prof. Dr. Cezar Honorato
(Honorato, comunicação pessoal, 20198) é “a indiscutível perseguição a negros, no Rio
de Janeiro como um todo, o que fez aumentar o número de registros policiais nas
delegacias principalmente nessa zona/freguesias, onde era fonte de trabalho e moradia
de uma grande quantidade de negros” (Honorato, 2019). Esta região estavam os
cidadãos a serem vigiados pelo poder público. Havia um medo real do GovernoGoverno
da época e dos que o sucederam da emergência de revoltas de cunho étnicas na cidade
do Rio de Janeiro. A referência que Arantes apresenta são os presos e condenados nas
imediações da Zona Portuária, em sua maioria por “vadiagem” -nesse momento
entendido como estarem na rua sem serviços, o que era visto como crime até então-, e
como se dividiam por cor no livro de registros da Casa de Detenção do Rio de Janeiro
(1901-1910). Estas são fontes primárias que demonstrem os números de pessoas presas
nas Casas de Detenção, nas quais se regista a ocupação e a cor do preso. Observa-se que
não se trata dos dados das delegacias, onde estão registradas as ocorrências e detenções
temporárias.
Brasileiros Estrangeiros
Pardos 91% 9%
(Fonte: Livro de Matrículas da Casa de Detenção do Rio de Janeiro – APERJ, apud Arantes, 2005)
Italianos 22 * * 22
Espanhóis 52 * * 52
Africanos * 5 6 13
Outros* 26 9 4 40
(Fonte: Livro de Matrículas da Casa de Detenção do Rio de Janeiro – APERJ, apud Arantes, 2005)
Aqui nomeio como um paradoxo histórico-moral pois ainda havia uma atividade
continuada de tráfico e escravização, antes e depois das leis intermediárias. Isso porque
é de conhecimento a entrada de escravizados após a promulgação dessas leis
intermediárias por portos clandestinos em todo o litoral do Rio de Janeiro. (Cf. Siqueira,
2019, no prelo) Devido ao fato do tráfico interno de escravizados no país ser muito
rentável, estabeleceu-se um intenso trânsito entre Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro
destinado à lavoura no interior destes estados. Acredito que seja necessário apresentar
esse momento de forma diferenciada, pois em cartas trocadas entre Euzébio de Queiroz
e o conhecido traficante de escravizados Antônio Breves desvela-se uma coligação entre
um dos idealizadores do abolicionismo gradativo e o então -grande- traficante do Vale
do Paraíba. (Cf. Siqueira, 2019, no prelo.) Por este motivo, o paradoxo histórico-moral:,
aparentemente com contornos humanistas, o processo gradativo de extinção do
escravismo não redundou em reparações ao povo negro e ainda o submeteu à
continuidade do trabalho forçado nas lavouras localizadas no interior do pais.
200000
150000
Estrangeiros na
Região Portuária
Região Portuária
50000
exterior e um novo projeto de Nação, onde os negros não fariam parte de forma
autônoma e digna deste novo Estado, mas inseridos de forma subalternizada e , de
acordo com os antropólogos, gradualmente extintos,extintos, ou mesmo
embranquecidos, em um período de cem anos, vide tabela de João Batista de Lacerda e
Roquete Pinto, médicos brasileiros e antropólogos, um dos eexpoentes da teoria do
embraquecimento no Brasil, juntamente com Roquete Pinto, abaixo. A tabela abaixo foi
apresentada no Primeiro Congresso das Raças, realizado em Londres, no ano de 1911.
forma biológica, dividindo entre inferiores e superiores. Este tipo de ciência estava em
voga em todo o mundo no início do século XX.
Tabela C: Portuários Presos na Casa de Detenção, segmentados por cor (1901 -1910)
Morenos 50 5,7%
(Fonte: Livro de Matrículas da Casa de Detenção do Rio de Janeiro – APERJ apud Arantes, 2005)
(Foto de carregamento portuário – acervo do historiador Waldir Rueda. Foto publicada na edição especial
da Revista da Semana/Jornal do Brasil de janeiro de 1902)
“Às 5 da manhã ouvia-se um grito de máquina rasgando o ar. Já o cais, na claridade pálida da
madrugada, regurgitava num vai-e-vem de carregadores, catraieiros, homens de bote e
vagabundos maldormidos à beira dos quiosques. Abriam-se devagar os botequins ainda com os
bicos de gás acesos; no interior os caixeiros, preguiçosos, erguiam os braços com bocejos
largos. Das ruas que vazavam na calçada rebentada do cais, afluía gente, sem cessar, gente que
surgia do nevoeiro, com as mãos nos bolsos, tremendo, gente que se metia pelas bodegas e
parava à beira do quiosque numa grande azáfama. Para o cais da alfândega, ao lado, um grupo
de ociosos olhava através das frinchas de um tapume, rindo a perder; um carregador, encostado
aos umbrais de uma porta, lia, de óculos, o jornal, e todos gritavam, falavam, riam, agitavam-se
na frialdade daquele acordar, enquanto dos botes policrômicos, homens de camisa de meia
ofereciam, aos berros, um passeiozinho pela baía. Na curva do horizonte o sol de maio punha
manchas sangrentas e a luz da manhã abria, como desabrocha um lírio, no céu pálido.
Eu resolvera passar o dia com os trabalhadores da estiva e, naquela confusão, via-os vir
chegando a balançar o corpo, com a comida debaixo do braço, muito modestos. Em pouco, a
beira do cais ficou coalhada. Durante a última gréve, um delegado de polícia dissera-me:
– São criaturas ferozes! Nem a tiro.
Eu via, porém, essas fisionomias resignadas à luz do sol e elas me impressionavam de maneira
bem diversa. Homens de excessivo desenvolvimento muscular, eram todos pálidos – de um
pálido embaciado como se lhes tivessem pregado à epiderme um papel amarelo, e assim,
encolhidos, com as mãos nos bolsos, pareciam um baixo-relevo de desilusão, uma frisa de
angústia.
Acerquei-me do primeiro, estendi-lhe a mão:
– Posso ir com vocês, para ver?
Ele estendeu também a mão, mão degenerada pelo trabalho, com as falanges recurvas e a palma
calosa e partida.
– Por que não? Vai ver apenas o trabalho, fez com amarga voz.
E quedou-se, outra vez, fumando.
– É agora a partida?
– É.
Entre os botes, dois saveiros enormes, rebocados por uma lancha, esperavam. Metade dos
trabalhadores, aos pulos, bruscamente, saltou para os fardos. Saltei também. Acostumados,
indiferentes à travessia, eles sentaram-se calados, a fumar. Um vento frio cortava a baía. Todo
um mundo de embarcações movia-se, coalhava o mar, riscava a superfície das ondas; lanchas
oficiais em disparada, com a bandeira ao vento; botes, chatas, saveiros, rebocadores. Passamos
perto de uma chata parada e inteiramente coberta de oleados. Um homem, no alto, estirou o
braço, saudando.
– Quem é aquele?
– É o José. É chateiro-vigia. Passou todo o dia ali para guardar a mercadoria dos patrões. Os
ladrões são muitos. Então, fica um responsável por tudo, toda a noite, sem dormir, e ganha seis
mil réis. Às vezes, os ladrões atacam os vigias acordados e o homem, só, tem que se defender a
revólver.
Civilizado, tive este comentário frio:
– Deve estar com sono, o José.
– Qual! Esse é dos que dobra dias e dias. Com mulher e oito filhos precisa trabalhar. Ah! meu
senhor, há homens, por este mar afora cujos filhos de seis meses ainda os não conhecem. Saem
de madrugada de casa. O José está à espera que a alfândega tire o termo da carga, que não é
estrangeira.
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Outras chatas perdiam-se paradas na claridade do sol. Nós passávamos entre as lanchas. Ao
longe, bandos de gaivotas riscavam o azul do céu e o Cais dos Mineiros já se perdia distante da
névoa vaga. Mas nós avistávamos um outro cais com um armazém ao fundo. À beira desse cais,
saveiros enormes esperavam mercadorias; e, em cima, formando um círculo ininterrupto,
homens de braços nus saíam a correr de dentro da casa, atiravam o saco no saveiro, davam a
volta à disparada, tornavam a sair a galope com outro saco, sem cessar, contínuos como a
correia de uma grande máquina. Eram sessenta, oitenta, cem, talvez duzentos. Não os podia
contar. A cara escorrendo suor. Os pobres surgiam do armazém como flechas, como flechas
voltavam. Um clamor subia aos céus apregoando o serviço:
– Um, dois, três, vinte e sete; cinco, vinte, dez, trinta!
E a ronda continuava diabólica.
– Aquela gente não cansa?
– Qual! trabalham assim horas a fio. Cada saco daqueles tem sessenta quilos e para transportá-lo
ao saveiro pagam 60 réis. Alguns pagam menos – dão só 30 réis, mas, assim mesmo, há quem
tire dezesseis mil réis por dia.
O trabalho da estiva é complexo, variado; há a estiva da aguardente, do bacalhau, dos cereais,
do algodão; cada uma tem os seus servidores, e homens há que só servem a certas e
determinadas estivas, sendo por isso apontados.
– É muito, fiz.
– Passam dias, porém, sem ter trabalho e imagine quantas corridas são necessárias para ganhar a
quantia fabulosa. (...)
Decerto pela minha face eles compreenderam que eu os deplorava. Vagamente, o primeiro
falou; outro disse-me qualquer coisa e eu ouvi as idéias daqueles corpos que o trabalho rebenta.
A principal preocupação desses entes são as firmas dos estivadores. Eles as têm de cor, citam de
seguida, sem errar uma: Carlos Wallace, Melo e François, Bernardino Correia Albino, Empresa
Estivadora, Picasso e C., Romão Conde e C., Wilson Sons, José Viegas Vaz, Lloyd Brasileiro,
Capton Jones. Em cada uma dessas casas o terno varia de número e até de vencimentos, como
por exemplo –o Lloyd, que paga sempre menos que qualquer outra empresa.
Os homens com quem falava têm uma força de vontade incrível. Fizeram com o próprio esforço
uma classe, impuseram-na. Há doze anos não havia malandro que, pegado na Gamboa, não se
desse logo como trabalhador de estiva. Nesse tempo não havia a associação, não havia o
sentimento de classe e os pobres estrangeiros pegados na Marítima trabalhavam por três mil réis
dez horas de sol a sol. Os operários reuniram-se. Depois da revolta, começou a se fazer
sentir o elemento brasileiro e, desde então, foi uma longa e pertinaz conquista. Um homem
preso, que se diga da estiva, é, horas depois, confrontado com um sócio da União, tem que
apresentar o seu recibo de mês. Hoje, estão todos ligados, exercendo uma mútua policia para
a moralização da classe. A União dos Operários Estivadores consegue, com uns estatutos
que a defendem habilmente, o seu nobre fim. Os defeitos da raça, as disputas, as rusgas são
consideradas penas; a extinção dos tais pequenos roubos, que antigamente eram comuns,
merece um cuidado extremado da União, e todos os sócios, tendo como diretores Bento José
Machado, Antônio da Cruz, Santos Valença, Mateus do Nascimento, Jerônimo Duval, Miguel
Rosso e Ricardo Silva, esforçam-se, estudam, sacrificam-se pelo bem geral.
Que querem eles? Apenas ser considerados homens dignificados pelo esforço e a diminuição
das horas de trabalho, para descansar e para viver. Um deles, magro, de barba inculta, partindo
um pão empapado de suor que lhe gotejava da fronte, falou-me, num grito de franqueza:
– O problema social não tem razão de ser aqui? Os senhores não sabem que este país é
rico, mas que se morre de fome? É mais fácil estourar um trabalhador que um larápio? O
capital está nas mãos de grupo restrito e há gente demais absolutamente sem trabalho. Não
acredite que nos baste o discurso de alguns senhores que querem ser deputados. Vemos claro e,
desde que se começa a ver claro, o problema surge complexo e terrível. A greve, o senhor acha
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que não fizemos bem na greve? Eram nove horas de trabalho. De toda a parte do mundo os
embarcadiços diziam que trabalho da estiva era só de sete!
Fizemos mal? Pois ainda não temos o que desejamos.
A máquina, no convés, recomeçara a trabalhar.”
(Publicado em 1904, na Gazeta de Notícias. Presente no livro, A Alma Encantadora das Ruas.
1910 – grifos meus).
Nesse ponto há nos trabalhos de Maria Cecília Velasco Cruz “Tradições Negras
na Origem de um Sindicato: Sociedade de Resistência dos Trabalhadores do Trapiche e
Café 1905-1930.”(2000) e “Redes Atlânticas de Trabalho no Porto do Rio de Janeiro
Oitocentista”(2017) todo um trabalho de reconstrução histórica da formação sindical do
Porto do Rio. A autora apresenta em suas pesquisas a organização dos trabalhadores
inicialmente denominada União dos Trabalhadores de Café (1904), primeira associação,
mencionada no texto acima e posteriormente rebatizada de Sociedade de Resistência
dos Trabalhadores em Trapiche e Café (1905). Esta se diferencia por ser composta por
diferentes segmentos de trabalhadores do Porto, desde os carvoeiros, traineiros aos
carregadores – grande parte da linha de trabalhado portuário.
A pergunta de Cruz (2000) sobre a diferença do Rio de Janeiro frente a outros lugares
não é fácil de ser respondida. Talvez a solidariedade entre os operários, ou mesmo um
reconhecimento de seus esforços neste trabalho tão embrutecido. O que me impressiona
no trabalho de Cruz, em específico, sobre a sindicalização é que a autora traz uma
problematização da questão racial dentro do campo do trabalho. A autora coloca que,
por não haver um registro oficial do governogoverno sobre a quantidade, a cor e a
habitação desses estivadores, houve uma lacuna na identificação desses sujeitos e quem
eles seriam, a única classificação governamental da época para todos os tipos de
trabalho ligados a porto era de “transporte marítimos e fluviais” e mesmo nos sindicatos
a informação de cor ou moradia não aparece. Há uma série de postos de trabalho que
ampliariam a visão do trabalho no setor, pois como foi colocado haviam estivadores,
trapicheiros, carvoeiros, entregadores, transportadores, são trabalhos diferentes,
contudo, todos ligados de forma direta ou indireta à zona portuária. No começo da
pesquisa só se consegui observar estes homens e suas cores através dos registros das
Casas de Detenção, a princípio, o que justifica minhas análises anteriores dentro da
perspectiva de fontes primárias de Arantes.
Como demonstra a citação acima, o trabalho portuário tem relação direta com a
construção étnico-racial negra deste espaço. Durante a organização sindical os
estivadores entraram em contato com advogados para mediar e tratar nos termos dos
comerciantes as melhorias ndo trabalho. Como revela na história econômica e também
no conto de João do Rio o trabalho da estiva era um trabalho hiper-explorado. O motivo
de greve de parte dos trabalhadores, se mostra historicamente negro frente à entrada do
capital internacional no Brasil. O sindicato Sociedade Resistência não era apenas no
nome,, resistência não apenas no nome, mas no modo de agir desses trabalhadores em
torno das suas condições de trabalho e nas reformas estruturais do cais que os atingia
diretamente. Seria o Brasil ou o Porto do Rio, na dimensão de baixos recursos
mecânico-industriais no Porto, com um modelo de trabalho baseado na dinâmica
escravocrata, principal fonte de escoamento de produtos do Vale do Paraíba fluminense
e paulista, ponto de entrada massiva de importados para os “sertões de dentro”, agora
um iniciante das práticas capitalistas internacionais. Vemos nas obras centrais realizadas
por Pereira Passos que grande parte do dinheiro utilizado nas reformas urbanas foi
direcionado a alteração do porto, para torna-lo moderno e ágil. (Belchimol, Honorato,
1992, 2016)
Pontuo, que não há uma unicidade sobre a paralização geral dos trabalhadores da
estiva, bem como, sobre a extensão da centralidade do Sindicato Resistência na
dinâmica de sindicalização dos trabalhadores. Honorato afirma há falta de fontes
primárias para tal afirmação (2019). No trabalho do historiador há uma marca a greve
como um ponto importante, porém os comerciantes substituíram os grevistas pelos
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trabalhadores portugueses das redondezas (2019). O autor também detalha que haviam
outros sindicatos e que alguns deles não aderiram à greve devido a importância da
remuneração para as famílias desses estivadores devido a situação de pobreza na região.
O porto visto como espaço brutalizado e que almeja por melhorias trabalhistas
nos da a primeira escala de lutas que será trabalhada nesta dissertação. É na zona
portuária que se desenrolam um serie de dinâmicas de batalhas contra o governogoverno
e o capital internacional, de forma embrionária, e que se adensa com as políticas
sanitaristas e habitacionais. A luta é parte da zona portuária, um reduto de
particularidade étnicas mistas, mas com maioria negra, se apresenta intensamente
durante todo primeiro período republicano como zona de resistência as modificações
urbanas, pois foi essa população negra e empobrecida a mais afetada por tais
transformações estruturais e sociais.
Nos trabalhos pesquisados para esta dissertação não encontrei algum que um
tratandosse da questão da moradia que não se utiliza do discurso modernizador e ou
higienista da região portuária para ratificar as expulsões do estado e as reformas
forçosas em algumas regiões. Encontrei que em 1908 houve por parte da Igreja
Americana Metodista um estudo sociológico da região; “Numa das ruas foram contados
vinte e sete cortiços. Habitavam nessas casas 89 famílias, um total de 457 pessoas. (...)”
(Albuquerque, 1985. p. 88) tal estudo voltava-se a incidência de tuberculose na região,
buscando algum tipo de controle as epidemias recorrentes no Rio de Janeiro.
“João Romão comprou então, com as economias da amiga, alguns palmos de terreno ao lado
esquerdo da venda, e levantou uma casinha de duas portas, divididas ao meio paralelamente a
rua, sendo a parte da frente destinada à quitanda e a do fundo para dormitório que se arranjou
com os cacarecos de Bertoleza. (...) João Romão não saia nunca à passeio, nem ia à missa aos
domingos; tudo que rendia a sua venda e mais a quitanda segui a direto para a caixa econômica
e daí então para o banco. Tanto assim que, um ano depois da aquisição da crioula, indo em hasta
pública algumas braças de terra situadas ao fundo da taverna, arrematou-as logo e tratou, sem
perda de tempo, de construir três casinhas de porta e janela.
Que milagres de esperteza e economia não revelou nessa construção! Servia de
pedreiro, amassava e carregava barro, quebrava pedra; pedra, que o velhaco, fora de hora, junto
da amiga, furtavam à pedreira do fundo, da mesma forma que subtraíam o material das casas em
obra que havia por ali perto. (...)
E o fato é que aquelas três casinhas, tão engenhosamente construídas, foram o ponto de
partida do grande cortiço de São Romão.
51
Hoje quatro braçadas de terra, amanhã seis, depois mais outras, ia o vendeiro
conquistando todo o terreno que se estendia pelos fundos da bodega; e, à proporção que o
conquistava, reproduziam-se os quartos e o número dos moradores. ”. (Azevedo, p 66, 69, 70.
1857-1913)
“Os delegados de polícia são de vez em quando uns homens amáveis. Esses cavalheiros chegam
mesmo, ao cabo de certo tempo, a conhecer um pouco da sua profissão e um pouco do trágico
horror que a miséria tece na sombra da noite por essa misteriosa cidade. Um delegado, outro
dia, conversando dos aspectos sórdidos do Rio, teve a amabilidade de dizer:
– Quer vir comigo visitar esses círculos infernais?
Não sei se o delegado quis dar-me apenas a nota mundana de visitar a miséria, ou se realmente,
como Virgílio, o seu desejo era guiar-me através de uns tantos círculos de pavor, que fossem
outros tantos ensinamentos. Lembrei-me que Oscar Wilde também visitara as hospedarias de má
fama e que Jean Lorrain se fazia passar aos olhos dos ingênuos como tendo acompanhado os
grão-duques russos nas peregrinações perigosas que Goron guiava.
Era tudo quanto há de mais literário e de mais batido. Nas peças francesas há dez anos já
aparece o jornalista que conduz a gente chique aos lugares macabros; em Paris os repórteres do
Journal andam acompanhados de um apache autêntico. Eu repetiria apenas um gesto que era
quase uma lei. Aceitei.
À hora da noite quando cheguei à delegacia, a autoridade ordenara uma caça aos pivettes,
pobres garotos sem teto, e preparava-se para a excursão com dois amigos, um bacharel e um
adido de legação, tagarela e ingênuo.
52
O bacharel estava comovido. O adido assegurava que a miséria só na Europa – porque a miséria
é proporcional à civilização. Ambos de casaca davam ao reles interior do posto um aspecto
estranho. O delegado sorria, preparando com o interesse de um maítre-hôtel o cardápio das
nossas sensações.
Afinal ergueu a bengala.
– Em marcha!
Descemos todos, acompanhados de um cabo de polícia e de dois agentes secretos – um dos
quais zanaga, com o rosto grosso de calabrês. É perigoso entrar só nos covis horrendos, nos
trágicos asilos da miséria. Íamos caminhando pela Rua da Misericórdia, hesitantes ainda
diante das lanternas com vidros vermelhos. Às esquinas, grupos de vagabundos e desordeiros
desapareciam ao nosso apontar e, afundando o olhar pelos becos estreitos em que a rua parece
vazar a sua imundície, por aquela rede de becos, víamos outras lanternas em forma de foice,
alumiando portas equívocas. Havia casas de um pavimento só, de dois, de três; negras, fechadas,
hermeticamente fechadas, pegadas uma à outra, fronteiras, confundindo a luz das lanternas e a
sombra dos balcões. Os nossos passos ressoavam num desencontro nos lajedos quebrados. A
rua, mal iluminada, tinha candeeiros quebrados, sem a capa Auer, de modo que a brancura de
uns focos envermelhecia mais a chama pisca dos outros. Os prédios antigos pareciam
ampararem-se mutuamente, com as fachadas esborcinadas, arrebentadas algumas. De repente
porta abria, tragando, num som cavo, algum retardatário.
Trechos inteiros da calçada, imersos na escuridão, encobriam cafajestes de bombacha branca,
gingando, e constantemente o monótono apito do guarda noturno trilava, corria como um
arrepio na artéria do susto para logo outro responder mais longe e mais longe ainda outro ecoar
o seu áspero trilo. No alto, o céu era misericordiosamente estrelado e uma doce tranquilidade
parecia escorrer do infinito.
– Há muitos desses covis espalhados pela cidade? indagou advogado, abotoando o mac-
farlane.
– Em todas as zonas, meu caro.
– Em cinco noites, visitando-os depressa, informou o agente, V. Sa não dá cabo deles. É
por aqui, pela Gamboa, nas ruas centrais, nos bairros pobres. Só na Cidade Nova, que
quantidade! Isso não contando as casas particulares, em que moram vinte e mais pessoas,
e não querendo falar das hospedarias só de gatunos, os "zungas".
– "Zungas"? fez o adido de legação, curioso.
– As hospedarias baratas têm esse nome... Dorme-se até por cem réis. Saiba V. Sa que a
vídinha dava para uma história. (...)”
(A Alma Encantadora das Ruas. 1910 – grifos meus).
“João Romão comprou então, com as economias da amiga, alguns palmos de terreno ao lado
esquerdo da venda, e levantou uma casinha de duas portas, divididas ao meio paralelamente a
rua, sendo a parte da frente destinada à quitanda e a do fundo para dormitório que se arranjou
com os cacarecos de Bertoleza. (...) João Romão não saia nunca à passeio, nem ia à missa aos
domingos; tudo que rendia a sua venda e mais a quitanda segui a direto para a caixa econômica
e daí então para o banco. Tanto assim que, um ano depois da aquisição da crioula, indo em hasta
pública algumas braças de terra situadas ao fundo da taverna, arrematou-as logo e tratou, sem
perda de tempo, de construir três casinhas de porta e janela.
Que milagres de esperteza e economia não revelou nessa construção! Servia de
pedreiro, amassava e carregava barro, quebrava pedra; pedra, que o velhaco, fora de hora, junto
da amiga, furtavam à pedreira do fundo, da mesma forma que subtraíam o material das casas em
obra que havia por ali perto. (...)
E o fato é que aquelas três casinhas, tão engenhosamente construídas, foram o ponto de
partida do grande cortiço de São Romão.
Hoje quatro braçadas de terra, amanhã seis, depois mais outras, ia o vendeiro
conquistando todo o terreno que se estendia pelos fundos da bodega; e, à proporção que o
conquistava, reproduziam-se os quartos e o número dos moradores. ”. (Azevedo, p 66, 69, 70.
1857-1913) Neste ponto cabe referenciar que Lima Barreto era radicalmente contra a
europeização da cidade, enquanto João do Rio se mostrava a favor das transformações
urbanas e sociais simbólicas da cidade. Segue abaixo a análise de O’Donell (2008) e de
João do Rio sobre as transformações sociais e estéticas;
“Assim, a cidade aparecia como um deleite à
visão, fazendo dessa cognitividade ótica a
rainha do mundo público, isso não se dava sem
prejuízos. Numa dialética tipicamente moderna,
o crescimento urbano levava à publicização das
vidas e, ao mesmo tempo, fazia com que o
56
“Os delegados de polícia são de vez em quando uns homens amáveis. Esses cavalheiros chegam
mesmo, ao cabo de certo tempo, a conhecer um pouco da sua profissão e um pouco do trágico
horror que a miséria tece na sombra da noite por essa misteriosa cidade. Um delegado, outro
dia, conversando dos aspectos sórdidos do Rio, teve a amabilidade de dizer:
– Quer vir comigo visitar esses círculos infernais?
Não sei se o delegado quis dar-me apenas a nota mundana de visitar a miséria, ou se realmente,
como Virgílio, o seu desejo era guiar-me através de uns tantos círculos de pavor, que fossem
outros tantos ensinamentos. Lembrei-me que Oscar Wilde também visitara as hospedarias de má
fama e que Jean Lorrain se fazia passar aos olhos dos ingênuos como tendo acompanhado os
grão-duques russos nas peregrinações perigosas que Goron guiava.
Era tudo quanto há de mais literário e de mais batido. Nas peças francesas há dez anos já
aparece o jornalista que conduz a gente chique aos lugares macabros; em Paris os repórteres do
Journal andam acompanhados de um apache autêntico. Eu repetiria apenas um gesto que era
quase uma lei. Aceitei.
À hora da noite quando cheguei à delegacia, a autoridade ordenara uma caça aos pivettes,
pobres garotos sem teto, e preparava-se para a excursão com dois amigos, um bacharel e um
adido de legação, tagarela e ingênuo.
O bacharel estava comovido. O adido assegurava que a miséria só na Europa – porque a miséria
é proporcional à civilização. Ambos de casaca davam ao reles interior do posto um aspecto
estranho. O delegado sorria, preparando com o interesse de um maítre-hôtel o cardápio das
nossas sensações.
Afinal ergueu a bengala.
– Em marcha!
Descemos todos, acompanhados de um cabo de polícia e de dois agentes secretos – um dos
quais zanaga, com o rosto grosso de calabrês. É perigoso entrar só nos covis horrendos, nos
trágicos asilos da miséria. Íamos caminhando pela Rua da Misericórdia, hesitantes ainda diante
das lanternas com vidros vermelhos. Às esquinas, grupos de vagabundos e desordeiros
desapareciam ao nosso apontar e, afundando o olhar pelos becos estreitos em que a rua parece
vazar a sua imundície, por aquela rede de becos, víamos outras lanternas em forma de foice,
alumiando portas equívocas. Havia casas de um pavimento só, de dois, de três; negras, fechadas,
hermeticamente fechadas, pegadas uma à outra, fronteiras, confundindo a luz das lanternas e a
sombra dos balcões. Os nossos passos ressoavam num desencontro nos lajedos quebrados. A
rua, mal iluminada, tinha candeeiros quebrados, sem a capa Auer, de modo que a brancura de
uns focos envermelhecia mais a chama pisca dos outros. Os prédios antigos pareciam
ampararem-se mutuamente, com as fachadas esborcinadas, arrebentadas algumas. De repente
porta abria, tragando, num som cavo, algum retardatário.
Trechos inteiros da calçada, imersos na escuridão, encobriam cafajestes de bombacha branca,
gingando, e constantemente o monótono apito do guarda noturno trilava, corria como um
arrepio na artéria do susto para logo outro responder mais longe e mais longe ainda outro ecoar
o seu áspero trilo. No alto, o céu era misericordiosamente estrelado e uma doce tranquilidade
parecia escorrer do infinito.
– Há muitos desses covis espalhados pela cidade? indagou advogado, abotoando o mac-
farlane.
– Em todas as zonas, meu caro.
– Em cinco noites, visitando-os depressa, informou o agente, V. Sa não dá cabo deles. É
por aqui, pela Gamboa, nas ruas centrais, nos bairros pobres. Só na Cidade Nova, que
quantidade! Isso não contando as casas particulares, em que moram vinte e mais pessoas,
e não querendo falar das hospedarias só de gatunos, os "zungas".
58
Na visão de Lima Barreto sobre a cidade, havia sempre uma crítica sobre os
moldes das transformações e o que deveria ser alterado na cidade. Segue uma crônica de
1915 sobre o Rio de Janeiro, após obras de Pereira Passos, sobre as enchentes da cidade
e sua contínua falta de estrutura, mesmo depois de parte das obras concluídas:
“As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro, inundações
desastrosas. Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção das
comunicações entre vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais
lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis.
De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais
acidentes urbanos.
Uma arte tão ousada e quase tão perfeita, como é a engenharia, não deve julgar irresolvível tão
simples problema.
O Rio de Janeiro, da Avenida, dos squares, dos freios elétricos, não pode estar à mercê de
chuvaradas, mais ou menos violentas, para viver a sua vida integral.
Como está acontecendo atualmente, ele é função da chuva. Uma vergonha! (...)
O Prefeito Pereira Passos, que tanto se interessou pelo embelezamento da cidade, descurou
completamente de solucionar esse defeito do nosso Rio.
Cidade cercada de montanhas e entre montanhas, que recebe violentamente grandes
precipitações atmosféricas, o seu principal defeito a vencer era esse acidente das inundações.
Infelizmente, porem, nos preocupamos muito com aspectos externos, com fachadas e não com
o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social.”
(Barreto. As enchentes; Correio da Noite. 19/01/1915. – em Lima Barreto: cronista da cidade)
século XIX e XX, baseadas aqui no racismo biológico e social. (Oliveira, 2014, ;
Santos, 2011). Associando dois discursos diferentes - o aquele de embranqucimento e
aquele de degradação das áreas de concentração habitacional da população da cidade
conseguimos verificar quem é o sujeito, sua cor e classe, excluído incluído de forma
subalternizada àa cidade.
assim cria-se um clima de comoção e medo da comunidade que tem seus filhos matriculados
nos colégios da VOT responsabilizando os quilombolas de tudo de ruim que nelas possa
acontecer.
Nós que articulamos essa proposta de representação de nossa identidade sabemos que o seu
entendimento para muitos de nossa gente é um pouco difícil de forma imediata; há uma base de
sustentação legal dessa proposta na Antropologia, na Ciência Política, na História e numa
aprofundada leitura do Direito Étnico hoje no Brasil na ação das Procuradorias Federais do
INCRA, Fundação Cultural Palmares e do Ministério Público Federal que está muito recente e
que vem pela Constituição Federal de 1988.
O senso comum, para muitos que não acompanham as discussões nos fóruns políticos e
acadêmicos, acredita que é absurdo pensar a Pedra do Sal por quilombo. Mas é um erro. Se não
fosse isso por que estaríamos incomodando tanto?
Nossa proposta incomoda os detentores do poder econômico imobiliário na região porque é
legitima. Tem fundamento legal e respaldo público e jurídico; senão não teria força alguma os
boatos que laçaram contra nós, articuladores do Quilombo Pedra do Sal.
É pura mentira o que disseram sobre a nossa causa quilombola. Nós não apostamos no fim e
nunca propomos o fim das escolas seja da Ordem Terceira, seja a privada (Paraíso Infantil) e
nem a pública Escola Municipal Vicente Licínio Cardoso. É vergonhosa mentira e desespero da
direção da VOT que como estratégia busca por a Comunidade escolar contra nós. Isso é leviano
e legitima o abuso do poder econômico e de coação dessa instituição religiosa que mantém dois
colégios na região.
O circo armado na reunião do último dia 10 de julho é desespero do Frei Eckart e sua equipe
que não consegue junto ao Ministério Público Federal e ao INCRA informar o que lhe é pedido
sobre muitos imóveis da região que pertencem à Ordem: na Sacadura Cabral, na Prainha, na
Pedra do Sal etc... Esse é nosso compromisso com muitos dos moradores que foram
injustamente despejados por ação da VOT.
Estamos informando publicamente que qualquer ato de violência a nossa integridade física e
psicológica e as nossas famílias, devido à onda de boatos lançados na última reunião do dia 10
de julho pelo Frei Eckart e sua equipe, entende desde já por ônus de responsabilidade desses que
alimentaram junto à comunidade uma revolta a contra nós quilombolas nos acusando de
querermos fechar as escolas da VOT em reunião publica sem nosso direito de defesa.
A toda Comunidade Portuária nossos alunos, pais e responsáveis dos alunos em momento
algum foi dito, elaborado ou construída qualquer ação para por fim a qualquer escola no
quilombo ou fora dele. Mente os que usam isso para por a comunidade contra nós que fazemos
parte dela. Temos histórias nela, (não somos pilantras como disse frei Eckart e nem ladrões
como o disse o televisivo historiador Milton Teixeira) e muitos de nós sempre foi visto com
muito respeito pela seriedade de nossos trabalhos e ações. Não somos levianos, nem
oportunistas. Somos esclarecidos.
Viva! E Viva Por muitos anos a Escola da Ordem Terceira da Penitência!
Viva a Escola Pública de qualidade que queremos!... É Para isso que temos que lutar! (também)
– Escola é obrigação do Estado
E porque não um dia uma escola pública Portuária e quilombola!... Uma Universidade... Sonhar
não custa nada. Isso é memória e História!”
(Fonte> KOINOMIA, 2007. http://www.koinonia.org.br/oq/noticias-detalhes.asp?cod=7322)
63
Esta história começa muito antes, desde do aterro portuário realizado em 19832-
1835, que se estendeu do Largo da Prainha até onde hoje se observa as docas e o cais de
aporto de navios. Na época do aterro a posse de terras na região foi prometido
prometida pelo gGoverno, em troca de trabalho, a posse terras na região. E os
trabalhadores ficaram ali.
Espaços físicos contêm neles muito mais do que aquilo que vemos com nossos
olhos. Como colocado por Rabha (1985) no subcapitulo anterior, há um tempo que
perpassa os espaços físicos, na verdade, muitos tempos se passaram naquele espaço.
Trata-se e trata da continuidade viva como a continuidade da perspectiva estética do
tempo, nomeados pela autora como tradição e saudade (1985). Há, assim, diversas
materialidades no espaço e, ao mesmo tempo, diversas espacialidades materiais, que são
definidas e condicionadas pelas relações sociais. Nas palavras de Santos (2006), “é
preciso atentar para uma espaciologia social e de poder”, que seriam as relações
estabelecidas na região, seja de posição financeira, postos de trabalho, status social,
entre outros.
Espaços físicos contêm neles muito mais do que vemos com nossos olhos. Como
colocado por Rabha (ano) no subcapitulo anterior há um tempo que perpassa os espaços
físicos, na verdade, muitos tempos se passaram naquele espaço. Há, assim, diversas
materialidades no espaço, e ao mesmo tempo diversas espacialidades materiais, que são
definidas e condicionadas nas relações sociais; conforme Santos (2006) uma
espaciologia social e de poder.
Volto a falar aqui sobre o tempo, mas de uma outra forma. Um tempo em
suspensão em que não há respeito ou legitimidade à ancestralidade das ossadas do
negros escravizados encontrados. No candomblé, o Tempo, também é orixá, cultuado
nas nações jejê-nagô, que traduzido do inquicequibundo significa “vento violento”
(Lopes, 2004). Ao soprar os minutos e as horas, atinge com a violência da passagem dos
anos a todos.
70
Nem nada!
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
havia um continente majoritariamente negro no Rio de Janeiro. Este fato sem dúvida
ressalta o quantitativo de negros na cidade, e vai além, quando verificasse
especificamente a região portuária.
presente até hoje através do olhar dos meus interlocutores que vivem de forma múltipla
aquele espaço e de acadêmicos estudiosos dessa região.
A denominação Pequena África foi dada por moradores da região, pelo fluxo intenso de
negros, moradores e trabalhadores do cais. (SANTOS, 2017). Uma das referências
presente nas análises sobre a região também está em entrevistas de Heitor dos Prazeres,
sambista um dos fundadores da G.R.E.S. Portela, conhecido também por seu trabalho
como artista plástico e pelas pinturas relacionadas à cultura negra na região, presentes
no livro Tia Ciata e a Pequena África (1994).
79
A Pequena África, portanto, não tem relação com tamanho em si, já que a
Grande África é o Continente Africano. “Uma Grande África, mãe de todos”, como me
diz disse meu primeiro interlocutor em campo, Thiago Laurindo, professor da Rede
Pública e ex-vice presidentevice-presidente do Bloco Afoxé Filhos de GandhiFilhos de
Gandhy. Conheci o Thiago através de amigos da Vila da Penha, local onde ele morou
até pouco tempo. Foi desta forma que adentrei o campo Thiago Felipe Laurindo era uma
liderança jovem na Igreja católica, muito presente no bairro e na vida dos jovens. Entre
seus amigos estudei Ciências Sociais com Fabiana Pereira, que foi quem nos
apresentou.
Foi desta forma que conheci o campo. Já adultos esses amigos permanecem se
encontrando, mas não estão mais ligados à Igreja Católica. Em conversa com Thiago
pudemos conversar sobre a Pequena África, e o fato de haver uma África ali na região
central do Rio de Janeiro. Uma África do passadopassado, porém que traz reverberações
para o presente,, resguardada no ocorrido repertório mítico de seus descendentes,
sonhada, e imaginada e recriada nas terras brasileiras. E, simultaneamente, uma África
física, palpável e real nas nossas peles negras, nas nossas religiosidades e no racismo
que nos captura diariamente. Uma África para a da qual poderíamos retornar e buscar
nossas raízes ancestrais distintas que foram perdidas na escravização. Sobre o processo
de africanização me utilizo do trabalho de Silva (2016) para tratar dos fluxos
relacionados a consciência negra que movimentaram a Bahia e o Rio de Janeiro em
torno deste tema.
Como foi e será observado nesta dissertação e nos outros trabalhos aqui
mencionados, o território da Pequena África não era bem visto pela população carioca
de classes média e alta desde o Brasil Colônia e média. Nesta localidade habitavam
pessoas com comportamentos “fora do padrão idealizado” pelo Governogoverno e pela
elite da cidade, poisque viviam coletivamente, cultivavam modos de se relacionar com a
81
religiosidade de matriz africana e, em sua grande maioria, eram pessoas negras e pobres.
Aqui questiono a idealização brasileira recorrente baseada sempre numa noção
europeizante (ou, mais recentemente mesmo, americanizadação), seja no modo de se
vestir, o que ler e estudar e onde/como habitar. A partir desta chave, conseguimos
entender como o viver coletivo negro e a pobreza deste espaço não poderiam fazer parte
da cidade, seja na gestão do prefeito Pereira Passos - aos modos parisienses - ou mesmo
na gestão de Eduardo Paes, com sua “cidade empresa”. Uma visão estática de
transformação contínua, em um processo de colonização constante, seja dos habitantes
até a própria estética, do território em diversos tempos, com o nome de intervenção
urbana.
parte alta juntamente com a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência
(VOT) com o os remanescentes de dos negros que habitam um antigo prédio federal
situado no pé do morro e habitantes das propriedades, em sua maioria casas antigas, da
VOT.
interessados em saber porque eu ia a todo ensaio, estava em toda festa ou evento que o
GandhiGandhy participava. No final de 2018, forma foram aproximadamente 54
apresentações, incluindo os ensaios, pois além de desfilar no centro da cidade no
domingo de carnaval junto com os demais Blocos Afro, em Copacabana com as Filhas
de Gandhy, em eventos culturais diversos junto com os demais Blocos Afro, todos
também iriam desfilar excepcionalmente em unuma das alas da Mocidade Independente
de Padre Miguel, cujo tema do carnaval era a Índia. Um dos trechos da música afirma;
“Desemboca o Ganges cá no Rio de Janeiro. Os filhos de GandhiFilhos de Gandhy hoje
são brasileiros!”(Compositores: Altay Veloso, Paulo César Feital, Zé Glória, J.
Giovanni, Denilson do Rozário, Carlinhos da Chácara, Léo Peres e Alex Saraiça). Segue
abaixo a arte da agremiação. Que conquistou Campeonato de Escolas de Samba do
grupo A, Mocidade Independente de Padre Miguel.
que e porquê eles não haviam gostado no livro, o que havia naquela pesquisa que os
deixou-os contrariados.
Eventos ocorridos entre 2007 a 2014. Em paralelo, esses são os mesmos adjetivos
historicamente verbalizados pelo governogoverno durante a Reforma Urbana de Pereira
Passos, presente no livro Pereira Passos: Haussmann brasileiro (1992), trato como um
dado, já que o ex-prefeito Eduardo Paes se autodenominou “o Nnovo Pereira Passos”. .
Neste ponto, buscando dar inteligibilidade para o fato de que alguns integrantes
do Filhos de Gandhy não se sentiram confortáveis com a tese de SampaioGuimarães,
entendo que há em sua argumentação vejo que há um mau uso pouco prolífico do termo
87
“utopia", que possui diversos significados outros. Falar em utopia como “não-lugar” ou
enquanto lugar irreal, pode ter por efeito político , além de um novo apagamento -–
agora referendado pela universidade - daà luta resistência histórica identitária dos
remanescentes e resistentes negros(as) naquela região, que lutam diariamente por
habitação regular e “reconhecimento do espaço cultural e religioso de matriz africana na
região”. (Capone, no prelo).
Por certo, há um debate que permeia este trabalho que se trata da autenticidade
em contraposição com inautenticidade das fontes de memória. Todavia, há uma
“geografia da autenticidade” (SampaioGuimarães. Prefácio. p.7) proposta pela autora,
que contrapõe a visão moderna de cidade, formada por uma individualização, alienação
do sujeito do espaço vivido, e a vida partilhada e a cultura observados no Morro da
Conceição. O individualismo neste ponto é visto como expressão do “inautêntico” as
em contraposição a “autenticidade” estrangeira e católica tradicionçalões do Morro e
um rótulo, ou classificação, daos moradores do asfalto, como um todo inautêntico.
Visto que que a Pedra do Sal foi tombada em 1986 e o Quilombo Urbano
(PROARQ) foi titulado pela Fundação Palmares em 2005 acredito que essa
contraposição entre autentico e inautêntico é irreal, posto que e com isso, o reclame
identitário destes moradores já foi reconhecido por entidades nacionais e internacionais..
A autora Ana Maria Gonçalves também traz em seu romance “Defeito de Cor”
(2009) tem como cenário a região do cais como cenário d na venda de quitutes e da
possibilidade de pessoas negras da região se abrigarem por preços baixos próximas em
estalagens no Centro carioca para exemplificar o que digo. Junto com toda a variedade
de mercadorias aportadas ali, a região era Além de todo um grande centro de
informações de todo o Brasil e mundo além-mar que ali circulava. junto com toda a
variedade de mercadorias aportadas ali.Neste ponto, como no romance há de se ressaltar
que os trabalhadores da estiva eram os primeiros a receberem notícias de fora do Brasil,
88
político e analítico, pois não leva em conta a pluralidade que abriga todo o entorno do
Porto, evidenciando a colonialidade latente que a academia preserva: seu poder de
classificar e rotular espaços.
O livro, por outro lado, traz informações etnográficas e conceituais densas sobre
a sociabilidade do Morro da Conceição e a relação com a zona portuária. De minha
parte, gostaria de utilizar outros conceitos para contrapor-me à visão explicitada e
criticada anteriormente. Utilizo como base o texto “Disputas de Lugar e a Pequena
África no Centro do Rio de Janeiro: Reação ou ação? Resistencia ou r-existência e
protagonismo ?” artigo do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Relações
Raciais e Movimentos Sociais da UERJ. O texto, publicado no Seminário Internacional
Urbanismo Biopolítico (2018), traz conceitos-chave para pensar a relação dos
movimentos sociais da região na construção de ações de retomada da memória espacial
negra e a emergência cultural de atores “subalternizados” latente da região do cais e
arredores do centro da cidade.
neste caso contatamos que houveram alterações, tais como a construção do Museu de
Arte do Rio, o Museu do Amanhã e o Boulevard Olímpico. O público que era atraído
pelos serviços e atrações culturais da região foi modificado e os modos de se relacionar
com este espaço se alteraram também, principalmente após a inauguração dos dois
museus que hoje lá estão, atrações turísticas e do espaço de circulação frente à Baía de
Guanabara.
6
Para mais informações sobre a Revolta da Chibata consultar ALMEIDA, Sílvia Capanema P.: Corpo,
saúde e alimentação na Marinha de Guerra brasileira pós abolição, 1890-1900, Manguinhos v.19, supl.,
2012. Além de NASCIMENTO, Álvaro Pereira do, Cidadania, cor e disciplina na revolta dos marinheiros
de 1910. Rio de Janeiro, Maua X, 2008 e Do cativeiro ao mar: escravos da Marinha de Guerra. Estudos
Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro: Centro de estudos Afro-Asiáticos, n 38, dez. 2000.
91
O governo recém empossado era Hermes da Fonseca recebeu carta direta dos
marinheiros revoltosos, onde “o conjunto de reinvindicações expressa a consciência de
grupo que os marinheiros, [informava que] em sua maioria alcançavam os oficias
brancos, hierarquicamente superiores, educados nas melhores instituições de ensino,
pertencentes a famílias abastadas e defensores do espirit corps. [E gozavam de
privilégios] (...) Essa imagem fora corrompida por aqueles marinheiros negros, pobres e
de parda instrução – 70% eram analfabetos” (Nascimento, 2016).
O autor demonstra que o racismo foi o estopim desta revolta, pois mesmo com a
abolição formal da escravatura, a discriminação criava barreiras para ascensão social
dos marinheiros negros dentro da instituição. Não sem motivo, o racismo biológico, já
comentado acima, veio ratificar a diferença entre brancos e negros. Porém, os ideais
republicanos e igualitários em que se baseava esse novo Brasil republicano que tinha
como referência as propostas da Revolução Francesa não se concretizavam pelos
“incômodos à maior parte dos brancos, que se sentiu ferida com a divisão dos seus
privilégios” (Nascimento p.152).
A proposta dos marinheiros era de emancipação, tinha como lema “Liberdade”
e “Fim da Chibata”. Importante frisar a liberdade como um dos pleitos. Estes
marinheiros negros não se sentiam plenamente livres. Muitos deles compunham a
primeira geração do Ventre Livre e entendiam bem a oposição de liberdade e cárcere.
93
Atualmente a briga retoma como marca também da região. hoje, para resgatar
esta memória, a estação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que passa na região está
sendo submetida a análise e mudança de nome para Almirante João Candido. (Machado,
conversa pessoal 2019), pleito da Associação dos Moradores da Saúde.
por um “outro”, que é negro e/ou nordestino e visto como estrangeiro naquele local e
não um morador que vive e compartilha daquele espaço., por mais que ambos os grupos
sejam moradores.
O livro, por outro lado, traz informações etnográficas e conceituais densas sobre
a sociabilidade do Morro da Conceição e a relação com a zona portuária. Creio que
além do texto há outros pontos em que poderei me debruçar sobre o debate sobre a
etnicidade, seja ela negra e portuguesa da região e relação governamental estabelecida
pela autora, com o Ministério Público, ONG’s, a Venerável Ordem Terceira de São
Francisco da Prainha e com o INCRA, por exemplo.
presente no livro Utopia da Pequena África, como seja no resultado das obras de
“melhorias urbanas” na região central esteve e está presente, com diferentes nuances, é
certo, no governo e na academia e no governo. Trata-se de Uma uma história escrita
sobre muitas outras histórias, que tenta-se apaga-ser para construirconstruírem-se novas
narrativas hegemônicas sobre a região. Como descrito por Sueli Carneiro (2005) há
sempre o “eu hegemônico” personificado no detentor o homem branco. Citar Sueli
Carneiro. Essa citação de Marx que se segue, por incrível que seja, é muito usada e não
me parece necessária aqui. Valeria mais a pena trazer algo sobre racismo estrutural, até
porque Marx não foi um autor que valorizou as questões raciais. Se quiser manter o
Marx, precisará fazer as mediações necessárias para não ficar solto. ;
“Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea
vontade, pois não são eles quem escolhem às circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas
lhes foram transmitidas assim como se encontram. A tradição de todas as gerações passadas é
como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos. ”. (Marx, Karl. 18 Brumário. p. 25)
O Projeto Porto Maravilha tem traz muitas similaridades com as obras do Bota
Abaixo, tanto no plano discursivo, quanto no discurso e em sua implementação
urbanística. O Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária do Rio de
Janeiro (2001) tinha como escopo objetivo o desenvolvimento turístico, a construção de
novas habitações, no padrão de estúdios e apartamentos voltados para solteiros que
trabalhavam na região central, e prédios comerciais, e , com isso, a promoção d o
crescimento econômico da região portuária.
Tendo como base aTal como a perspectiva adotada pelo livro Utopia da Pequena
África, há umaos governogovernos responsáveis pela “revitalização” da região também
operaram produzindo uma comparação diferenciada entre as formas de habitar o Morro
e o entorno do Porto por seus diferentes púbicos, basicamente entre
“estrangeirosdescendentes de europeus” e os “outros”. Além disso produzindo “valor”
no bairro com a reforma e suas operações de melhorias infraestruturais. Isso ficou , o
que ficou mais exposto com evidente no debate com a população sobre as obras de
infraestrutura urbana e a gradual implementação da “revitalização” do Porto. :
(Eduardo Paes e ator que representou Pereira Passos na inauguração do Jardim do Valongo. Foto: Marcos
Tristão. O Globo - Julho de 2012.)
Apesar dos mais de 100 anos que separam as duas administrações da cidade,
observamos uma relação de continuidade discursiva entre os projetos Há uma
regularidade discursiva entrede Pereira Passos e Eduardo Paes para a região central do
rio Rio de Janeiro. Explicar por quê há essa continuidade com exemplos. Considero este
um dado, já que o ultimoNão à toa, Eduardo Paes se auto denominou o “Novo Pereira
Passos”.
Acho oportuna a consideração de Marx abaixo; “(...) Hegel comenta que todos os
grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por
assim dizer duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a
segunda como farsa. ”. (Marx, Karl. 18 Brumário. p. 25).
4.4
(Tradução simples: Exú do caminho, eu brinco do alto da montanha para o senhor dar força.
Exú eu estou feliz Exú. Exú do caminho nós o cumprimentamos.).
Foi possível entender melhor a conexão entre Bahia e Rio de Janeiro, aPor
intermédio de minha orientadora pude conversartravés de entrevista realizada com
Emilio Domingos, Assistente assistente de Direçãodireção, Coordenador coordenador
de Pesquisa pesquisa e Fotografia fotografia Still still do filme Filhos de GandhiFilhos
de Gandhy (1999), sobre o aniversário de cinquenta anos do Afoxé Filhos de Gandhy
baiano, dirigido porde direção de Lula Buarque de Holanda, sobre o aniversário de
cinquenta anos do Afoxé Filhos de Gandhi baiano.
comuns, os dois afoxés, na Bahia e no Rio de Janeiro têm aNa união de diversas casas
de santo, na suaa variedade de nações e procedimentos religiosos, em prol de um
mesmo afoxé, os princípios de Mahatma GandhiGandhy ligados a à paznão-violência (o
que não quer dizer não-resistência, ), estando sua figura presente nos adornos de cintura,
camisas e turbantes, a presença apenas de homens, nos tambores e no cortejo e a
importância do orixá regente, Oxalá.
No cinquentenário do Afoxé nas ruas de Salvador, o bloco contava com doze mil
homens associados aos Filhos de GandhiFilhos de Gandhy, mas à rua saíram quase
dezessete mil. Os associados são cadastrados através de CPF, Identidade identidade e
Certidão de Bons Antecedentes. Cada folião ganha: lençol é roupa, toalha para cabeça
com pequena ponta no pescoço, fitas com nome do bloco, faixa que segue amarrada a
cintura (como um cintofaixa, flamula flâmula), flâmula, um pequeno adorno azul ligado
a toalha de cabeça feito em paetê, e alfazema e colares de contas transpassados ao peito
feito de contas azul e branca. Todos esses elementos possuem em si um significado são
adornos que reproduzem uma roupa hindu, sendo a alfazema, que ao mesmo tempo
serve para limpeza no candomblé, como uma erva ligada ao amor. Os colares por vezes
são trocados por beijos na avenida. (explicar o significado de cada um desses
elementos).
104
(Fonte:www.cenbrasil.org.br/afoxe-filhos-de-gandhy-tera-ala-de-inclusao-social-no-carnaval-2018/)
Contudo, tTudo começou em 1948 com trinta e três homens debaixo da arvore
árvore da Igreja de Santa Luzia, na Cidade Baixa em Salvador. Vavá Madeira havia
tinha visto o filme “Gunga Din”, filme de Rudyard KiplingGeorge Stevens (18921939),
com Cary Grant no elenco, uma espécie de filme Western que conta a aventura, em
síntese de alguns soldados ingleses são enviados colônia daà Índia, então colônia, e
atacados por rebeldes uma seita indianaos de uma seita de adoradores da deusa Kali,
considerada extintaexterminada. Gunga Din é o indiano carregador de água amigo e
colaborador dos ingleses, que sonha em servir ao exercido da Rainha. O argumento do
filme é inspirado no poema de mesmo nome de Kipling, hoje considerado um exemplo
de poesia racista e repleta de estereótipos. Gunga Din é um empregado servil do
exército inglês que acaba por perder a vida ao salvar um soldado do Império. Enquanto
Gunga Din agoniza, o soldado que teve sua vida salva, afirma “you’re a better man than
I am, Gunga Din” (“você é um homem melhor do que eu, Gunga Din”), expressão que
se tornou de uso comum, como um cumprimento ao interlocutor, tamanha a influência
do filme junto ao público de língua inglesa.
Há uma parte do filme de Lula Buarque, mais histórica, em queque reúne cinco
homens que se destacam pela beleza e pela idade:, eram os fundadores do bloco,
homens da estiva com cinquenta anos de Filhos de GandhiGandhy. Apresento aqui a
transcrição de , os fundadores: separei algumas falas para compor esse encontro e as
conversar sobre o afoxé em meio aos muitos temas tratadosque me parecem
particularmente interessantes:
Guarda Sol: “- Eu classifico Vavá Madeira como o primeiro idealizador, que foi ele que
foi ver no Jandaia ver o filme GUNGA DIN, foi ele quem trouxe com Dodo Miliano e
confabularam trouxeram para nós a ideia do bloco, (...)”.
(Fonte:www.uneb.br/enlacandosexualidades/files/2015/07/comunica%C3%A7%C3%A3ojo
%C3%A3opena_texto-completo.pdf)
Sede do Grupo Filhos de Gandhy, à rua xxx , Rio de JaneiroCinema Jandaia (Acervo Fotógrafo Paul
Burley)
Mica: “O que mais tarde inspirou também foi que Mahatma Gandhy estava
desenvolvendo um movimento contra a pobreza, pelos menos protegidos. Vem daí
também nossa mensagem. ”
Domi: “-Ser estivador significava estar num patamar mais alto que os demais
trabalhadores da cidade em geral, uma elite de operária. A gente trabalhava como bicho,
mas se vestia muito bem. Chapéu panamá. Linho do bom. E pensamos vamos fundar
uma brincadeira.? ”
Lobisomem: “-Tínhamos facilidade de ter bons lençóis de linho. O mais fácil é fazer o
que não se gasta nada! É um lençol, uma toalha, diferente de agora, e uma fita azul.”
(...) Gunda Din, eles bolaram assim o, nome Tiraram o “Gu” e ficou o “Gan Din.”
Mica: “-O que mais tarde inspirou também foi que Mahatma Gandhi estava
desenvolvendo um movimento contra sobre a pobreza, dos pelos menos protegidos.
Vem daí também nossa mensagem. ”
uma brincadeira dos rapazes por causa do filme, sem qualquer motivador externo
governamental. Após a conversa, a permissão de desfile foi autorizada. Contudo, surgiu
outro problema: relacionado a esse, como um bloco afro que veste de indiano e canta e
dança ijexá vai sair na avenida? Onde está a África nisso tudo?
Conforme colocado no filme, foi necessário explicar para todos que a figura de
GandhiGandhy era de a representação da “não violência” - o, o líder do movimento
indiano havia falecido a pouco tempo, mas seu legado se perpetuou - e o afoxé abraçou
a ideia de uma saída do bloco com referência ao indiano e também a Oxalá, sendo este o
orixá responsável pela paz e o entendimento entre os homens. Para os fundadores, são
duas coisas que se combinaram, e assim isso se tornou virou a uma filosofia do bloco,
tanto GandhiGandhy como Oxalá representavam objetivamente o que eles queriam
levar para a avenida, a Paz.
Alguns preceitos religiosos foram colocados para a saída dos homens nos
desfiles. Afinal, a brincadeira era profana e religiosa, o que de forma direta desconstrói
a dualidade opositiva presente na Sociologia da Religião Clássica, principalmente
quando retomamos a leitura de Durkheim sobre o assunto. O afoxé, diferentemente
apresenta que sagrado e também pode estar em um evento profano, uma lógica contra
intuitiva., a priori. Segue a fala de um dos fundadores sobre o tema;
Dino: -“No início todo mundo era ogã, pai de santo, então não podia sair no carnaval de
qualquer jeito, se não fosse em um afoxé. (...) brincamos, saímos no domingo e o
número triplicou na terça feira. ” (Ri bastante Dino disso tudo).
um intercâmbio entre estes trabalhadores estabelecido nas duas cidades o que deu
origem aos Filhos de Gandhi nas duas cidades. O que nos coloca a questão da
comunicalibilidade entre os trabalhadores desta ocupação. Sem dúvida, de forma
diferente com outros estados, visto que a presença bahiana no Rio era grande, também
houve um intercambio direto com Salvador no viés étnico, religioso e trabalhista. Tanto
lá em Salvador, quanto aqui no Rio de Janeiro, espacialmente distantes, o Afoxé Filhos
de Gandhi se firmou nas bases culturais, étnicas e religiosas de maneira muito
semelhante. A figura de Vavá Madeira, Durval Marques da Silva, é homenageada nas
duas cidades como principal articulador dos dois afoxés, quem deu nome e os princípios
do bloco.
Neto: “O que é lindo de se ver, um mar branco, calmo, sereno, pleno, mas que na
prática é muito complicado de se organizar.organizar. ” Um dos fundadoresEle mesmo
questiona no meio do filme; “Ccomo se controlar dezesseis mil homens durante o
carnaval ? ”
Insersir sub-título
bares nas imediações, azulejos brancos, arruda, um São Jorge e diversos adesivos, como
“Aqui tem pescador, caçador e muito mentiroso também. ”também. ” .
A praça da Harmonia não tem grades, diferente das maioria de praças situadas
no centro da cidade. Foi uma das primeiras coisas que pensei quando cheguei lá e é
muito arborizada, contei quase vinte árvores dessas de troncos largos e copas grandes.
Tinha até um pinheiro sofrendo com o calor carioca, em frente ao bar, ainda adornado
com bolinhas de Natal. Haviam crianças na tradicional corrida atrás de pombos. Um vai
e vem de pessoas da região, algumas paravam para cumprimentar Machado.
Ao final do ano de 2018, ele passa passou adiante seu posto na presidência por
problemas de saúde derivados de um a diabetes. Como gandhista, oO antigo presidente
me relata que ainda quer o bem do GandhiGandhy, mesmo que afastado de sua
presidência e afirma , ele acreditar ser importante a participação da cidade junto ao
Afoxé. Ele continua frequentando suas reuniões exatamente para se manter dentro dos
assuntos relacionados ao bloco. A luta pelo por um espaço físico para o bloco é
atualmente a mais importante ali dentro; , precisa-se de uma reforma urgente na Sede do
Afoxé, mas para isso, segundo ele, tem de seé preciso “saber por onde caminhar dentro
da política”. Esse ponto é visto como extremamente necessário para estruturação e
autonomia do bloco fora da época de carnaval.
114
(Fonte: https://www.facebook.com/Filhosdegandirjoficial/)
Ele, sempre muito sereno nas palavras, com um tom de voz bem baixo, me
explica que ali “é o sagrado e o profano”, que o GandhiGandhy segue alguns preceitos
do terreiro, mas que “ali não é terreiro”. Retomasse a quebra da dicotomia colocada pela
Sociologia. Que a parte carnavalesca deveria ser valorizada para trazer mais pessoas ao
bloco e assim apresentar que o sagrado pode fazer parte de um momento feliz, e sem
violência, que é o carnaval. Para cGostaria de ter mais meios para conseguir fazer as
fantasias para das crianças que saiamsaírem. Para marcar que ali é religioso e também é
carnavalesco e que . Que há espaço para os dois dentro do Afoxé. Em outras palavras, a
distinção sagrado x profano, cara para a teoria social, não faz sentido segundo a
perspectiva do Filhos de Gandhy: segundo eles, o bloco dissolve, na prática, essa
distinção ou, antes, impede, através de suas práticas, que ela aconteça.
115
A praça da Harmonia não tem grades. Foi uma das primeiras coisas que pensei
quando cheguei lá e é muito arborizada, contei quase vinte árvores dessas de tronco
largo e copa grande. Tinha até um pinheiro sofrendo com o calor carioca, em frente ao
bar, ainda adornado com bolinhas de Natal. Haviam crianças na tradicional corrida atrás
de pombos. Um vai e vem de pessoas da região, algumas paravam para cumprimentar
Machado;
Conversa com Seu Antonio Carlos Machado:Em nossas conversas sempre ressaltamos o
bairro da Saúde, onde ele mora a mais de trinta anos. Os bairros que compõe a Zona
Portuaria, segundo ele, foram divididos a sem qualquer consulta previa aos moradores.
Tanto que a Igreja de Nossa Senhora da Saúde de 1750 está no Bairro da Gamboa, me
exemplifica ele indignado. Aos poucos nossas conversas são exemplificados pelos
pedestres que ali estavam;
“Sabe aquela senhora ali, essa pequenininha. Ela já foi chacrete, mesmo com esse
tamanho. Na televisão ela parecia enorme. ”(...) Ali, naquela porta verde, ta vendo? Ali
foi assinada a criação do Vasco da Gama. Ali mesmo. E ninguém sabe disso. Eles
querem que essas histórias morram.”
Entendo que eles são representados pelo poder público, em suas diferentes
esferas, e pela nova e velha população que exige mudanças estruturais para se adequar
as novidades trazidas pelo Consórcio Porto Maravilha e agregar valor aos seus imóveis.
“Aqui em cima, esse prédio ali eu chamo de pombal, casa de pombo, ali é uma área de
bem entorno de bem tombado Federal. Nós queríamos uma área de laserlazer. Aquilo ali
é da esposa dos Cotarianos, ela não tinha o que fazer com aquele terreno e nós
praticamente tínhamos a doação do terreno e, mas o governogoverno não nos permitiu.
Ai Aí quando entrou o Cézar César Maia, o Augusto Ivan – não me lembro que cargo
ele ocupava - estava numa posição muito privilegiada. Ele conseguiu com o ISPHAN,
116
“O Augusto Ivan que foi o grande mentor, digamos assim, idealizador da preservação
do Rio de Janeiro, começou com a preservação do centro da cidade. Esqueci o nome
que tinha no centro da cidade ,foi o que nos espelhou para fazer o e projeto SAGAS,
projeto de uma área de preservação ambiental e tombamento nos bairros Saúde,
Gamboa, Santo Cristo e parte do centro da cidade. foi baseado no centro da cidade. E
nós nos espelhamos nesse projeto. E vem exatamente ele... e constrói esse pombal! Não
pode! A Igreja é tombada, nada pode ser construído em seu entorno.”
“O galpão da Ação da Cidadania também era tombado pelo IPHAN e preservado pelo
Projeto SAGAS, não sei se agora ainda é, tá um tal de destombamento ai... E neste caso,
a justiça já bateu o martelo e deram trinta dias para a Ação da Cidadania sair e deram
um prazo para a o governogoverno federal utilizar a verba que estava no orçamento do
ano passado para fazer o mMuseu da Escravidão e o município também está com prazo
para cumprir a sua parte. Porque existe compromisso do Brasil com a ONU com relação
ao que deve ser feito por conta do Cais do Valongo, patrimonializado em .2018. ”
117
“Só nesse pedacinho [no quarteirão em frente a Guarda Militar tinham havia], na Praça
da Harmonia, havia dez a quinze gráficas, agora tem no máximo três e estão fechando
aos poucos, as pessoas não percebiam o barulho durante o dia, mas durante a noite que
você percebia o barulho do moinho fluminense e das gráficas juntos... eE não dava. Mas
pior que o barulho, para o imóvel, era a trepidação. Muitos imoveis imóveis vieram
abaixo por causa disso ou, pegaram fogo. Porque esses imoveis imóveis antigos por
dentro é sapê (mandeira entrelaçada com barro), então a facilidade de incêndio é muito
grande. O barro é alto transmissor de calorias e no esquentar da madeira pegava fogo...
Pega.... Pega fogo com muito mais facilidade que outros materiais.materiais. ”
“E ele [Augusto Ivan] se aliou ao Cezar César Maia, que era contra a preservação, e saiu
permitindo tudo. O Eduardo Paes também era contra a preservação, mas isso caiu como
uma luva no projeto do Pporto Maravilha. O projeto aqui era de “arrasa-quarteirão”.
Fomos nós na Associação de Moradores da Saúde que não deixamos. ”
118
O projeto aqui era de “arrasa- quarteirão”. Fomos nos nós na associação que não
deixamos.
Entre todas as histórias relatadas a divisão dos bairros da zona portuária é a mais
discrepante de todas as que já ouvi quanto ao poder público e sua atuação no
zoneamento. “Em 1976, o governogoverno que fez a divisão dos bairros: Saúde,
Gamboa e Santo Cristo. Colocou a Igreja de Nossa Senhora da Saúde na Gamboa, o
morro da Gamboa no Santo Cristo e por ai aí a fora......, Masmas nesse governogoverno
ele quase demoliram o José Bonifácio (hoje Centro Cultural) para construção de um
Hotel, ela é uma das cinco primeiras escolas do Brasil.! De pé só tem ela e a Mário
Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado.Machado. ”
Com relação a memória da Zona portuária praticamente todo prédio tem uma
história. Machado me apontava que em cada lugar havia um evento marcante em
alguma época, como a história da assinatura de criação do Clube de Regatas Vasco da
Gama, em 1898 na Saúde.
Grande parte de seu passado ali, conta ele, a população era bem diversa e
predominantemente de migrantes nordestinos, estivadores negros e antigos português e
seus descendentes. Quando ele propôs a ideia de preservação arquitetônica e ambiental
houveram resistência por parte de todas as camadas com quem conversou. Apenas um
argumento foi utilizado ao fim; “Vocês todos vão perder suas casas! Assim lotei 2
ônibus” Ele relata; “A Associação Comercial tinha um plano, era o Centro Comercial
Internacional de Comércio, construir aqui um retro porto onde os exportadores e
importadores teriam aqui um centro de comercial. Eles já tinham uma maquete, que os
moradores não tinham conhecimento, eles colocaram em exposição num prédio lá na
Rio Branco e eu me passei por estudante de arquitetura, fotografei e trouxe. Apresentei
num seminário aqui, na estiva”. Neste momento havia uma forte desmobilização de
todos os sindicatos ligados ao porto, o que para ele fazia parte de todo esse plano de
119
destruir o bairro. “Os comerciantes internacionais teriam ali naquela região uma área
grade de comércio de produtos já trazidos do exterior ou que seriam vendidos para fora
do Brasil.”
Depois que nósFoi desta forma que engajei os moradores, em torno da posse de suas
casas. Eles conseguiram aprovar a lei de conservação do bairro. Não se pode cortar uma
árvore sem que tenha autorização, assim como alocar fábricas que não seja em benefício
dos moradores, não podem haver mais industrias na região da Gamboa, Saúde e Santo
Cristo conseguimos a preservação, esse projeto foi por agua água a baixo. Ele resume
“Mas sSe não fosse o projeto SAGAS¹ nós não estaríamos aqui mais
conversando.conversando.” O que eu falei para os moradores era que eles fossem lá
defender suas casas no centro da cidade. Lotei dois ônibus.
Começamos E com aquele negocio de inflação galopante, tinha que pegar antes
do cara remarcar o que você estava pegando porque se não já ficava mais caro.
Guerra para conversar comigo. O Guerra não queria. E ele convenceu o Guerra a
conversar comigo. Ele e o Rubin. Nisso que eu consegui a sala para o GandhiGandhy
ele ficou muito feliz e me convidou para participar da diretoria dos Filhos de
GandhiFilhos de Gandhy. Expliquei que eu não sou nem da religião, não tinha como
para mim eu estava no Vizinha [Faladeira.]. ”
Passou um tempo, o Guerra estava ficando cada vez mais doente e Machado
conta que Nno ano seguinte o vice- presidente saiu e ele me colocou no lugar dele, meio
que na força. “Eu não entendia nada de Aafoxé! AiAí passou os tempos, uns quatro
anos, e o Guerra meio doente falou: “-Se prepara pra ser presidente.presidente. ” Quero
não, disse eu logo.logo. ” Não adiantou não querer E nessa brincadeira se passaram
mais uns dois anos. E e nisso eu pegueiele ficou de vice no Vizinha o vice do Vizinha
Faladeira, e se preparava para as novas eleições. “nNossa chapa era forte e íamos tentar
de novo, fiquei afastado do GandhiGandhy esse tempo. Ai Um dia me deu vontade de
ir no GandhiGandhy para ver e Guerra disse diretamente para mim; “Vvocê vai ter que
assumir o Filhos de GandhiFilhos de Gandhy., Isso foi em 1998. E me lembro de ter
falado com ele que Nnão dá eu porque eu não sou conhecido pelas outras pessoas do
Afoxé, o pessoal não vai me aceitar... E ele foi direto, “-Se você não assumir o Filhos de
GandhiFilhos de Gandhy eu tranco, fecho a chave e jogo fora! Não tem ninguém aqui
no nosso meio que eu confie. ”confie. ”
Machado me relata que ele não poderia ver uma entidade como aquela fechar.
Eram quarenta e oito anos de história. Ele pediu um tempo para se desvencilhar da vice-
presidência do Bloco Vizinha Faladeira e da nova chapa que havia montado. E houve
outro ponto, Machado nunca foi de casa de axé, seja candomblé ou umbanda. Em
acordo com o presidente e ele pediu permissão para verificar na religião se era isso
mesmo o que ele deveria fazer; “Você vai me dar um tempinho porque eu vou me
confirmar na religião, porque eu não vou assumir sem isso. Eu sei que quando terminou
o carnaval eu fui suspenso e o Guerra ficou muito doente, deixei na mão de um amigo
dele, o Cacau, enquanto ia fazer o santo. E nesse momento eu assumi em 2000. Eu tinha
me confirmado ogã as pessoas passaram a me olhavam de outra forma, isso facilitou
bastante no diálogo com todos, mesmo eu sendo branco. Eu era da religião.” (Cara,
fechar uma entidade de 48 anos, pensei). Então vamos fazer o seguinte, vou avisar lá no
Vizinha para me tirarem da chapa e ele achar outra pessoa. E você vai me dar um
tempinho porque eu vou me confirmar na religião, porque eu não vou assumir sem isso.
Eu sei que quando terminou o carnaval eu fui suspenso e o Guerra ficou muito doente,
122
deixei na mão de um amigo dele, o Cacau, enquanto ia fazer o santo. E nesse momento
eu assumi em 2000. Como eu tinha me confirmado ogã as pessoas me olhavam de outra
forma, isso facilitou bastante. Eu era da religião.
Foram vinte anos de GandhiGandhy. Isso me deu uma vivência, eu ganhei não
só em termos de organização social, mas de experiência pessoal. E acho que dentro do
GandhiGandhy, eu exerci uma função bastante importante para que permanecesse, para
que o GandhiGandhy estivesse vivo até hoje.
pode deixar de fazer, mas é carnavalesco. Aqui é onde as pessoas das casas de terreiro
vem vêm se divertir.divertir. ”
Ele relembra; “Eu Quando ele começou no Afoxé tentou-se durante um tempo
fazer como nos terreiros, vigília e entrega do balaio pela manhã. Não deu certo.tentei
um tempo, bem no início, fazer a vigília e quebrei a cara. Naquela época eu pensava
que o Gandhy era uma extensão da casa de candomblé, e cheguei a uma conclusão de
que não era! Tem todo um embasamento que saia ao meio dia. Naquela época eu
pensava que o GandhiGandhy era uma extensão da casa de candomblé, e cheguei a uma
conclusão de que não era! E levei o GandhiGandhy para o profano, porque é a forma
que desenvolvemos.
caminhões de entulho de nove metros, isso da 81m² de entulho. nNós tiramos dali!.
Consegui que aquilo ali pudesse ser usável.usável. ”
A festa de iemanjá do ano passado teve duas ou três mil pessoas na saída do
balaio, cobertura da mídia, pessoas importantes, uma festa linda depois.
Teve uma época que ficaram buscando sede, que o Gandhy ficou aqui, perto daquela
casa amarela ali. Quando o maior presidente do Gandhy faleceu, o Assunção, o Gandhy
ainda ensaiava lá no Clube Brasil, na rua do Cajueiros. E veio para cá. Depois foram
para quadra da Estácio. E de lá saíram para Praça XI na esquina da Escola Tia Ciata e
depois José Bonifácio e finalizou lá na Camerino onde estão há trinta e cinco anos. E
ainda não temos a titularidade do imóvel...
Tenho que lembra de algo muito importante no relato de Machado. Por vezes
ele comentava sobre sua esposa falecida a Até trezes anos. “-Durante aquele tem atrás,
quando minha esposa era viva, nós arrastávamos trinta crianças daqui... todas. Fazíamos
as fantasias para todos de graça. Ela costurava. E talvez esse ano nem tenha fantasia...”
(Machado, conversa pessoal. 2019)
Ele começa me explicando basicamente como chegou ao Afoxé, pois como falei,
Thiago era da Igreja Católica com cargo junto a juventude do bairro da Vila da Penha e
se desvencilhou da igreja a pouco tempo, algo entre seis ou sete anos. “Eu cheguei no
GandhiGandhy por conta de um histórico que eu tenho de família, tem familiares meus
que participam do carnaval. Tem um primo meu que disputa samba, em várias escolas;
àas vezes até rola uma parceira do GandhiGandhy com ele, às vezes. E eu trabalho em
escola como professor de Biologia, uma amiga também professora na escola que já
dançava no GandhiGandhy. E ela falava no GandhiGandhy sempre. Os ensaios, quando
chovia, eram na quadra da FEBARJ, nós saímos de uma passeata na Rio Branco e
fizemos o caminho da ALERJ até a Lapa, ai aí me senti em umo espaço foi bem
acolhedor. eE gostei”. estava até passar mal.
Eu pretendo voltar, não sei se eles vão aceitar, mas é uma vontade, nem de continuar
minha militância. Acho que sem o Machado eu não tenho esse espaço todo...
. E no carnaval eles saem juntos um dia só. Durante todo o carnaval há uma parceria
com as mulheres que elas não só ajudam no dia de saída do bloco, elas têm uma ala só
delas, elas confeccionam as roupas, tem a ala de dança que é independente e algumas
que tocam.
Eu tenho muita dificuldade por responder tudo que é feito agora. Eu to me recuperando
ainda. Como eu tive esse problema e isso também e esse problema também foi fruto
desse desentendimento dentro do Gandhy por conta dessa nova administração e até hoje
nunca me aceitaram. Porque eles acreditavam que era minha atuação que impedia a
126
atuação deles. E eles não tem apoiadores dentro do Gandhy. O Gandhy tem esse
movimento de dar um boom no dois de fevereiro e no carnaval, depois vai ficar em
baixa, como sempre. Porque quem movimentavam as outras datas éramos nós. Eu nem
sei dizer o que eles vão fazer.
Sobre inovações a apropriações da zona portuária ele me conta que tentou levar
ao Gandhy uma linguagem mais nova, pagode, contação de história, feira gastronômica
e artesanato, ocupar o espaço da Praça dos Esttivadores e também a praça que compõe o
127
cais do Valongo. E acabou que deu certo, o pessoal do Gandhy gostou e o público
também. As fotos estão todas estão lá no site de Gandhy, é uma história de luta muito
rica. Foram suor, lágrimas e sangue, como colocado na faixa de Machado.
CConverso em outro dia com Thiago Laurindo. Ele demonstra que assim que
estiver melhor voltará ao Gandhy para retomar de onde parou as atividades políticas e
acadêmicas, mas não me convence. O novo presidente Carlinhos quer uma retomada do
Gandhy as suas raízes de matriz africana religiosas e realizar menos festas, como me
relata em uma das nossas últimas conversas após a saída de Machado. Seria o retorno ao
“Velho Gandhy”, com obrigações religiosas, atividades burocráticas de pleito do prédio
e financiamento para a manutenção deste espaço. Eventos como a Festa de Iemanjá,
tiveram outra forma de gestão do ritual até a oferenda ao mar. As fantasias para o
desfile no carnaval não são as prioridades desta administração nesse ano, será a mesma
utilizada no ano passado.
No caso das ossadas, esses outros poderiam ser meus antepassados, meus
bisavósmeus bisavôs que eu não sei quem foram, por exemplo. Não me sinto e não me
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Ao retomar aos Filhos de Gandhy, observo o mesmo descaso que se tem com as
ossadas encontradas.
AA casa que abriga o Afoxé possui um pequeno espaço interno, um palco, onde
acima estão prateleiras para se guardar os atabaques utilizados nas cerimônias, dois
banheiros e uma pequena cozinha verde cheia de panelas de vários tamanhos. Não há
teto no edifício na parte direita, assim como não há água encanada regular ou luz
própria na sede, o que impede reuniões em dias de chuva, festas grandes em seu interior
ou mesmo reuniões noturnas, que neste caso passam a ser realizadas na praça do
Estivadores.
Neste momento tentarei ser direta ao ponto que coloca como existência e
narrativas do Afoxé na zona central da cidade, onde houveram muitas alterações
urbanísticas e reformas várias das em diferentes tempos. Existência frente ao capital
especulativo, a demora da concessão da sede para realização da reforma nos corredores
da burocracia estatal, o não incentivo da Prefeitura durante o carnaval, a uma política
eterna da cidade que tenta apagar a memória de um passado escravocrata (Santos,
2011). O Afoxé Filhos de Gandhy resiste e existe naquele espaço, significando as
práticas religiosas do candomblé, tornando possível unir religiosidade e carnaval,
sagrado e profano, desmistificando a logica durkeimiana e proporcionando que no dia
dois de fevereiro haja o cortejo a Iemanjá, dona de todas as cabeças, até do antigo cais
de embarque do Porto, ao lado do recente Museu do Amanhã.
(Fonte: foto do acervo digital do Filhos de Gandhy no Facebook. Fotógrafo Mazé Mixo)
(Fonte: https://odia.ig.com.br/_conteudo/2018/02/rio-de-janeiro/5510564-dia-de-iemanja-e-comemorado-
com-cortejo-e-entrega-de-balaios-na-praca-maua.html#foto=1
Fotógrafo: Estefan Radovicz)
Há racismo por todos os lados, mas somos nós na academia que devemos nos
rever constantemente para não reproduzirmos a colonização imposta, nos tornando
escravizados e escravizadores de uma Europa arquitetônica e epistêmica. Somos mais e
podemos ir além. O Afoxé Filhos de Gandhy me mostra com sua luta isso todos os dias.
5. Considerações finais
A época deEm fevereiro de 2017, quando iniciei minha pesquisa de campo, dois
pontos eram muitos importantes, a reconstrução/reestruturação da Sede do grupo,
localizada aà rRua Camerino, ao lado do já restaurado Jardins Suspensos do Valongo e
em frente aà nova Praça dos Estivadores. O Afoxé lembra as ruinas de um outro país,
em meio à novas fachadas dos prédios e estátuas gregas e um reservatório de lixo
moderno no subsolo da praça dos estivadores. Nada foi feito pela sede por parte dos
poderes públicos.
A percepção de que o sindicato Resisteência teve grande atuação frente aos direitos
trabalhistas dos portuários também representouam o início de uma luta muito maior para
que houvesse regulamentações trabalhistas mais amplas.
Pontos centrais deste trabalhado foram a historicização dos bairros da zona portuária
como bairros de predominância maioria negra do Brasil colonial até meados da primeira
República, quando as operações de Pereira Passos fizeram migrar essa população para
favelas ou para a zona norte da cidade. O homem- máaquina que passa de escravo a
sujeito de direitos e os reivindica de forma inovadora para o pais.
Há neste trabalho fatores que se agregam em tempos diferentes, mas num mesmo
território de racialidade, etnicidade e resistência: . Uuma região marcada por um dos
maiores atos contra a humanidade. O que é feito destes lugares é de responsabilidade de
todos, antigos, novo e os que virão. A história negra da região central do Rio de Janeiro
não é apenas um ponto dentro as diversas histórias já contadas pela cidade, mas um
capítulo central d’A História da Cidade. Não haveria Rio de Janeiro sem os
escravizados aportados aqui, que literalmente construíram a cidade e alimentaram seus
portos com a força e energia dos seus corpos.
condições básicas, querer o impossível, querer sempre mais do que o oferecido por
governos ou pela academia, que se sucedem invisibilizando a cultura e a presença negra.
Há racismo por todos os lados, mas somos nós na academia que devemos nos rever
constantemente para não reproduzirmos a colonização imposta, nos tornando
escravizados e escravizadores de uma Europa arquitetônica e epistêmica. Somos mais e
podemos ir além. O Afoxé Filhos de Gandhy menos mostra isso através de com sua
luta, isso todos os dias.
56. Bibliografia
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71822014000100010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
*Páginas utilizadas:
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151109_mapa_desigualdade_rio_cc
(Matéria de 10 de novembro de 2015; Mapas de Gusmão)