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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO
COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA

O AFETO E A FALTA: CORPO PRETO, HIPERSSEXUALIZAÇÃO E AMOR NA


OBRA DO RAPPER RICO DALASAM

ANTONIO TEOFILO PINHEIRO NETO

NATAL – RN
2023
ANTONIO TEOFILO PINHEIRO NETO

O AFETO E A FALTA: CORPO PRETO, HIPERSSEXUALIZAÇÃO E AMOR NA


OBRA DO RAPPER RICO DALASAM

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Departamento de Comunicação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
para obtenção do diploma de bacharel em
Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Dr. Daniel Rodrigo Meirinho De


Souza
ANTONIO TEOFILO PINHEIRO NETO

O AFETO E A FALTA: CORPO PRETO, HIPERSSEXUALIZAÇÃO E AMOR NA


OBRA DO RAPPER RICO DALASAM

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Departamento de Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito para obtenção do diploma de
bacharel em Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Dr. Daniel Rodrigo Meirinho De


Souza

Natal, __ de ____________ de ____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________
Prof. Dr. Daniel Rodrigo Meirinho De Souza
Universidade Federal do Rio Grande Do Norte

__________________________________
Prof. Dr. Breno Da Silva Carvalho
Universidade Federal do Rio Grande Do Norte

__________________________________
Profa. Ma. Emanuele de Freitas Bazilio
Universidade Federal do Rio Grande Do Norte
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA

Pinheiro Neto, Antonio Teofilo.


O afeto e a falta: corpo preto, hiperssexualização e amor na
obra do rapper Rico Dalasam / Antonio Teofilo Pinheiro Neto. -
2023.
95f.: il.

Monografia (graduação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Comunicação Social - Publicidade e Propaganda,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2023.
Orientador: Prof. Dr. Daniel Rodrigo Meirinho de Souza.

1. Afeto Negro. 2. Hiperssexualização. 3. Sexualidade. 4.


Rap. 5. Dalasam, Rico, 1989. I. Souza, Daniel Rodrigo Meirinho
de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 659.1:316.77

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748


O meu apreço por esse trabalho e por uma
trajetória - minha, de Rico Dalasam, e de todos
como nós - que comemora a vida e celebra a
quebra de ciclos ruins. Um modesto registro
moldado por uma ordem eurocêntrica de
trabalho acadêmico para gritar que o lugar do
desamor não me cabe, não cabe os meus.
Sigo aprendendo.
“Vocês são o jogo do bicho.
Eu sou a bicha do jogo!”
Rico Dalasam
AGRADECIMENTOS

Não teria conseguido nada do que tenho hoje se não fosse pela minha Vó
Palmira que desde cedo acreditou em mim e sempre me apoiou nas minhas
decisões, me ensinando e indicando sempre correr pelo caminho certo. Por todas
as vezes que ouvi ela falar “Vou investir em você, porque a coisa mais valiosa que
posso deixar é o estudo.”
Aos meus pais Andrea e Antônio, e à minha tia Adeusa que sempre
seguraram na minha mão e que quando eu precisei estiveram ali para me dar
todo suporte. Agradeço aos meus familiares que acreditaram que eu seria
realmente feliz fazendo algo que eu sempre quis, e que me ajudaram e apoiaram
em cada decisão que tive desde que escolhi cursar Publicidade.
Ao meu orientador Daniel Meirinho, a quem desde a primeira aula vejo
como uma figura de referência. Agradeço o cuidado e a disponibilidade para me
orientar neste trabalho.
Ao corpo docente e todos os servidores da UFRN, especialmente do
DECOM, a quem agradeço cada “boa noite” e cada sorriso depois de uma piada
sem graça que eu soltei pelos corredores e em sala de aula.
À Vibe, Irineu e Gabriel por tudo que vivemos dentro e fora da
universidade, por todas as palavras de carinho, puxões de orelha, e trabalhos em
grupo. À Emilly, a quem me deu suporte e força que eu precisava na reta final.
Sem dúvidas nenhuma, se eu conseguir concluir esse curso a culpa é deles.
Aos meus amigos, por sempre botar muita fé em mim, no meu trabalho e
na minha arte.
À Residência Universitária, precisamente nas pessoas de Pedro, Ysmael e
Giovani que precisaram conviver comigo durante alguns anos, dividindo e
construindo um lugar de afeto, amadurecimento e aceitação. Vivências e trocas
que me tornaram um adulto um pouco mais responsável, ou nem tanto, vieram de
momentos protagonizados na casa 26 da Residência Biomédica da UFRN e eu
sou extremamente grato por isso.
Fernanda e Well que dividem e dividiram comigo o que podemos chamar
de lar nesses últimos anos, sou grato por cada momento que vivemos juntos e sei
que é de extrema importância a força e a energia positiva que emanamos uns
com os outros dentro da nossa casinha.
Leonino que sou, vou aproveitar para agradecer a mim e aos diversos
meios de ser que eu criei para poder sobreviver, viver e ter forças, a todas as
músicas que ouvi e escrevi, a todos os banhos de mar que me renovaram e
bloquearam pensamentos ruins, e a todas as energias boas que andam comigo e
que fizeram eu me sentir suficiente e completo mesmo sozinho.
RESUMO

O afeto negro é impactado pela hiperssexualização. Se negro e gay, esse impacto


é maior. É um desperdício um negro "lindo" ser gay. Rico Dalasam entrelaça a luta
contra o desafeto negro e a normatividade majoritária do rap, através do queer
rap. Considerado, inclusive, o precursor da modalidade no Brasil. Objetivando
compreender como Dalasam utiliza suas letras como veículos para explorar
emoções e questionar dinâmicas sociais relacionadas às identidades raciais e
sexuais, aplicou-se a análise de discurso, como metodologia, nas músicas Não
Posso Esperar (2015), Honestamente (2016), Não vem brincar de amor (2017),
Reflex (2020), Não é comigo (2021), Última vez (2021) e Tarde D+ (2022). Com
isso, concluiu-se que o amor branco, mesmo entre pessoas racializadas, tem sido
adotado como um modelo a ser seguido. Apesar de falho, se enraizou no solo
fértil do racismo estrutural de nossa sociedade. Desse modo, essa pesquisa
contribuiu para a ampliação do conhecimento acadêmico acerca das relações
entre afeto e raça, sexualidade e identidade, evidenciando o poder da arte, da
comunicação e da música como ferramentas de expressão, resistência e
transformação social.

Palavras-chave: afeto negro, hiperssexualização, sexualidade, rap, Rico


Dalasam
ABSTRACT

Black affection is impacted by hypersexualization. If you are black and gay, this
impact is even greater. It is a waste for a "beautiful" black person to be gay. Rico
Dalasam intertwines the struggle against black disaffection and the mainstream
norms of rap through queer rap. He is considered the pioneer of this style in Brazil.
In order to understand how Dalasam uses his lyrics as vehicles to explore
emotions and question social dynamics related to racial and sexual identities,
discourse analysis was applied as the methodology in the songs Não Posso
Esperar (2015), Honestamente (2016), Não vem brincar de amor (2017), Reflex
(2020), Não é comigo (2021), Última vez (2021) and Tarde D+ (2022).. It was
concluded that white love, even among racialized individuals, has been adopted
as a model to be followed. Despite its flaws, it has become deeply rooted in the
fertile ground of our society's structural racism. Thus, this research contributes to
the expansion of academic knowledge about the relationships between affection
and race, sexuality and identity, highlighting the power of art, communication, and
music as tools for expression, resistance, and social transformation.

Keywords: Black affection, hypersexualization, sexuality, rap, Rico Dalasam


LISTA DE ABREVIAÇÕES

LGBTQIAP+ - Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais,


assexuais e demais orientações sexuais e identidades de gênero.
R&B - Rhythm and Blues
DJ - Disk Jockey
MC - Mestre de Cerimônia
Rap - Rhythm And Poetry
QVVJFA - Quantas Vezes Você Já foi Amado?
DDGA - Dolores Dala Guardião do Alívio
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Grupo de Queer Rap Quebrada Queer................................................ 34


Figura 2 - Rico Dalasam........................................................................................49
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 13
2 MOVIMENTOS SOCIAIS COMO RESISTÊNCIA CULTURAL 19
3 RITMO & POESIA 25
3.1 Cultura Hip Hop 25
3.2 Rap na cultura negra 27
3.3 Queer Rap 29
3.4 Queer Rap no Brasil 32
3.5 Performatividade queer 34
4 AFETO 36
4.1 Afetividade negra: O afeto e a falta 38
4.2 Imagem de controle e hiperssexualização do homem negro 42
5 METODOLOGIA 45
5.1 Método 45
5.2 Rico Dalasam 49
6 ANÁLISES 51
6.1 A bicha preta tem pressa 51
6.2 Honestamente, não vem brincar de amor 53
6.3 O amor escolhe, prefere, exclui e cancela 54
6.4 A melhor versão de nós nunca foi na agonia 56
6.5 Declaro o enterro de um ex-amor que assustava-me 62
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 66
8 REFERÊNCIAS 70
Anexo I: Letra da faixa Não posso esperar (2015) 81
Anexo II: Letra da faixa Honestamente (2016) 84
Anexo III: Letra da faixa Reflex (feat. Jup do Bairro) (2020) 87
Anexo VI: Letra da faixa Não é comigo (2021) 89
Anexo V: Letra da faixa Última vez (2021) 90
Anexo VI: Letra da faixa Tarde D+ (2022) 93
13

1 INTRODUÇÃO

O Doodle do Google em comemoração aos 44 anos do Hip Hop, em 2017,


acompanhava um texto que dizia: "No dia 11 de agosto de 1973, no agitado bairro
do Bronx, Nova York, o DJ Kool Herc organizou uma festa que mudou os rumos
da música. Usando dois toca-discos, os DJs aumentaram a duração dos breaks
instrumentais. Assim, as pessoas dançavam por mais tempo, um estilo que ficou
conhecido como breakdancing. Em seguida, surgiu o MC, ou Mestre de
Cerimônias, que acrescentou rimas às batidas, para deixar as festas ainda mais
animadas. Desde a primeira festa do DJ Kool Herc, a cultura hip hop se
transformou em uma grande potência da música, da dança, da arte, da moda e
muito mais." De acordo com Forman (2002), o hip hop emerge como um
movimento cultural multifacetado, cuja fundação é sustentada por quatro
elementos distintos: rap, breakdance, graffiti e DJing. Cada um desses elementos
possui uma história peculiar e um significado intrínseco, todavia, sua combinação
intrincada proporciona a formação de uma cultura enraizada nas paisagens
urbanas, primordialmente envolvida com questões sociais, econômicas e
políticas. Sendo o rap um dos quatro componentes do movimento cultural do hip
hop, “ritmo e poesia” é uma forma de expressão cultural que surge desse
movimento e se torna uma das formas mais influentes de música e cultura popular
em todo o mundo. Não somente um movimento musical, o rap tem sua existência
firmada a partir da experiência de um movimento estético e cultural que
transcende as fronteiras da música. Sua essência vai além das batidas e
melodias, envolve um movimento estético e cultural enraizado na experiência
coletiva de comunidades marginalizadas.
Entrando na discussão de gênero e sexualidade dentro desse movimento,
encontramos o queer rap, que, alinhado aos meus objetivos de pesquisa,
questiona e discute as questões de gênero, raça, sexualidade e até expressão
corporal. Enquanto uma pessoa que admira a cultura e o movimento criado em
torno do que o rap representa, e que também questiona gênero, entendo essa
pesquisa sobre queer rap como parte de um processo identitário pessoal meu.
Sendo, particularmente, meu gênero musical favorito, é também um dos diversos
14

subgêneros do rap que se concentra em desafiar as normas e estereótipos de


gênero e sexualidade através de novas formas de expressão artística e sonora.
Criado para reivindicar um espaço do movimento hip hop norte-americano,
passou a denunciar a violência contra a população LGBTQIAP+1. Também é
conhecido pelos nomes LGBT Hip Hop, Gay Hip Hop, Homo Hip Hop, Queer Hip
Hop, entre outras denominações. [...] "Com roupas extravagantes que compõem
uma mistura de elementos femininos e masculinos, coloca no corpo o ser
diferente, o impacto do incomum, aborda a tripla exclusão: a do negro, do pobre e
do homossexual. O aspecto visual, por si só, mostra que o hip hop pode
denunciar essas exclusões e dar visibilidade e voz aos excluídos." (EDDINE,
2018, p. 360). Sendo o queer rap, uma forma de arte que busca criar espaços
mais inclusivos e abertos para pessoas LGBTQIAP+ na cultura hip hop, um
gênero que tradicionalmente tem sido bastante homofóbico e machista. Os
artistas queer do rap frequentemente adotam posturas e estilos que desafiam as
expectativas de gênero e sexualidade, questionando as categorias binárias e fixas
de masculinidade e feminilidade, e abrindo espaço para uma maior diversidade e
liberdade de expressão. O queer rap é uma forma de resistência cultural e
política, que celebra a autoexpressão, a identidade e a diversidade.
Partindo da ideia de Orlandi (2012) que a Análise do Discurso implica em
entender “como” o texto significa e não “o que” o texto quer dizer, já em “A ordem
do discurso”, Foucault diz que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz
as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o
poder de que queremos nos apoderar” (FOUCAULT, 1996, p. 10) o que traduz
em partes a motivação desse trabalho em analisar o discurso textual nas letras
das canções do rapper Rico Dalasam, com base em análises bibliográficas sobre
o movimento hip hop, sexualidade, racismo e escravização apresentadas ao
longo da pesquisa, tendo como foco a hiperssexualização e a representação
social do corpo do homem negro, à luz do que o psiquiatra e filósofo Frantz
Fanon2 discute em "Pele negra, máscaras brancas". Ouvir a vivência do afeto sob
a perspectiva do artista Rico Dalasam, através da análise das músicas Não Posso
1
A sigla LGBTQIAP+ está em constante evolução, com novos termos e identidades sendo
incorporados ao longo do tempo. Optei por utilizar LGBTQIAP+ por reconhecer que essa sigla
abrange uma ampla gama de experiências e vivências da comunidade.
2
Pensador, psiquiatra, filósofo e escritor. Sua obra teve um impacto significativo nos estudos
pós-coloniais, nas teorias do racismo e na luta anticolonial.
15

Esperar (2015), Honestamente (2016), Não vem brincar de amor (2017), Reflex
(2020), Não é comigo (2021), Última vez (2021) e Tarde D+ (2022) nos ajudará a
entender, em uma espécie de caminhada pela carreira de Dala, como o artista
aborda a hiperssexualização e a representação social do corpo do homem negro
em sua produção e discutir as contribuições da obra para a compreensão e
desconstrução da hiperssexualização e da representação social do corpo preto e
marginal.
A expressão artística de Rico Dalasam é emblemática para diversas
comunidades, especialmente para mim, que nesse ponto me identifico com as
vivências e desafios enfrentados por ele. Rico é um artista brasileiro conhecido
por fazer música sobre empoderamento, resistência, igualdade e superação de
forma autoral e autêntica, carregando a discussão sobre a vivência do afeto sob
sua perspectiva em com letras que imprimem à sua identidade como homem
negro, gay e periférico. Destacando a relevância de adentrar no campo da
interseccionalidade proposta por Crenshaw (1991) para acrescentar à discussão
sobre corpos pretos as marcas de uma vivência social com recortes de gênero e
sexualidade. Sendo assim, o trabalho aborda questões como o racismo estrutural,
a homofobia, a masculinidade negra e as desigualdades sociais.
Jefferson Ricardo da Silva, ou somente Rico Dalasam, se destaca no
cenário musical nacional como rapper, cantor e compositor. Sua produção
artística tem sido objeto de análises acadêmicas em diferentes áreas, como a
sociologia, a antropologia, a música e os estudos culturais. Ele se notabiliza por
uma sonoridade que combina elementos do rap, funk, soul e R&B, e por suas
letras que exploram questões de identidade, sexualidade e luta contra a
discriminação racial. A música e a atuação pública de Rico Dalasam têm sido
consideradas ferramentas importantes na promoção da construção de uma
sociedade mais justa e igualitária, que valorize e respeite as diferenças existentes
entre as pessoas, tornando Rico símbolo de luta contra o preconceito e de
promoção da diversidade de gênero e sexualidade, dentro do hip hop e da
sociedade em geral. Em seu álbum intitulado Dolores Dala Guardião do Alívio3
(2021), é possível perceber que o artista aborda de forma expressiva a

3
Disponível para audição em:
https://youtube.com/playlist?list=PLmtmYs6oir5GfL6DyZ-62Fb4rkCTdTCXI
16

hiperssexualização que historicamente tem sido atribuída ao homem negro, e gay,


já que é desse lugar que Dalasam fala.
A hipersexualização do corpo negro pode conduzir à objetificação desse
corpo, que é reduzido a uma mera mercadoria sexual, sempre pronto para o
consumo. Esse processo pode desencadear impactos negativos na autoestima e
autoimagem do indivíduo, bem como contribuir para a propagação de estereótipos
racistas e sexistas. A socióloga e teórica Patricia Hill Collins, desenvolveu o
conceito de "controle da imagem" em seu livro "Black Sexual Politics" (2004), que
descreve como as imagens estereotipadas da sexualidade negra são utilizadas
para reforçar a dominação racial e de gênero. Collins (2004) debate que "a
sexualidade negra tem sido historicamente objeto de controle” e discute como “as
formas de resistência à dominação racial e de gênero são continuamente
negociadas.”
A hipersexualização do corpo negro é uma forma de controle da imagem
que reforça estereótipos de que os corpos negros são inerentemente
sensuais, lascivos e insaciáveis, e essa ideia tem sido usada para
justificar a violência contra as pessoas negras. (COLLINS, 2004, p. 83).

A hiperssexualização também pode ser utilizada como justificativa para o


racismo estrutural, que frequentemente promove a ideia de que o corpo negro é
naturalmente lascivo e perigoso. Ainda, podendo resultar em discriminação,
marginalização e violência. Em muitos casos, os homens negros são
estigmatizados e rotulados, o que pode ocasionar preconceito e exclusão social.
bell hooks4(1995) relaciona o sistema colonial à desumanização do corpo da
pessoa preta.
Para justificar a exploração masculina branca e o estupro das negras
durante a escravidão, a cultura branca teve de produzir uma iconografia
de corpos de negras que insistia em representá-las como altamente
dotadas de sexo, a perfeita encarnação de um erotismo primitivo e
desenfreado (hooks, 1995, p. 469).

Como uma pessoa negra, parte da comunidade LGBTQIAP+, interessada


em cultura e fazedora de arte, sinto que é fundamental compreender como a
música e a cultura hip hop podem ser uma ferramenta poderosa de
auto-expressão, resistência e empoderamento para pessoas como eu. Motivada

4
bell hooks é um pseudônimo adotado pela escritora e ativista Gloria Jean Watkins. A autora
optou por escrever seu nome em minúsculas como uma forma de enfatizar a importância das
ideias e conceitos abordados, desvinculando-os de sua identidade pessoal.
17

não só pela minha própria experiência e vivência, mas também pela influência de
artistas como o próprio Rico Dalasam que se tornou importante por carregar essa
mensagem de inclusão, desafiando os estereótipos de gênero e sexualidade,
reivindicando sua negritude e expressando uma mensagem de empoderamento
que impactam outras pessoas como eu, como nós, funcionando como uma rede
de apoio.
Apesar de se tratar sobre a masculinidade negra, essa pesquisa é
influenciada pela forte admiração e referência que tenho em relação a bell hooks,
mulher cis preta, escritora, professora e ativista social que estudou e se tornou
símbolo acadêmico sobre as questões de gênero, classe e raça e defendeu uma
educação contrária a essas opressões; Judith Butler, mulher cis branca, que
questiona gênero e particularmente me sugere novas formas de pensar a cultura,
o (auto)conhecimento, o poder sobre quem posso ser e como a educação pode
transformar; e a artista multimídia, agitadora cultural, cantora e atriz, como ela
mesma se define, Linn da Quebrada5, mulher trans, travesti, com uma obra que
discute e reivindica corpo de uma forma que me faz brilhar os olhos desde 2017,
quando lançou seu primeiro trabalho na música, com a produção musical
Enviadescer (2017). Mulheres com trabalhos fundamentais para ampliar a minha
compreensão sobre a importância da auto-expressão.
Nesta pesquisa, dividida em 7 capítulos, incluindo a introdução e as
considerações finais, te convido a entender como os movimentos sociais
desempenham um papel na resistência cultural, com foco na incorporação do hip
hop nessa resistência. Faremos uma breve análise da emergência da cultura hip
hop e como, a partir dela, surgem outros subgêneros e grupos, como o queer rap,
discutindo também essa perspectiva no Brasil.
Reconhecendo que somos seres movidos por emoções e que a maioria
das músicas que conhecemos tem origem nesse lugar de afeto, dedicaremos um
capítulo ao afeto, destacando que, neste trabalho, a perspectiva de bell hooks
sobre o afeto também será considerada uma metodologia de pesquisa. Todos os
pontos da pesquisa terão um recorte de raça e sexualidade, considerando que
analisaremos a obra de um rapper negro e gay, Rico Dalasam.
5
Neste trabalho, utilizo o nome artístico Linn da Quebrada para me referir à artista brasileira Lina
Pereira. Reconhecida por sua atuação como cantora, atriz, performer e ativista, carrega esse
nome artístico como uma forma de expressão e afirmação de sua identidade.
18

Na análise do discurso da obra do rapper, examinaremos como cada verso


de cada música analisada neste trabalho foi escrito, explorando as metáforas, as
denúncias e os momentos de alívio presentes. Com o auxílio de teóricos,
especialmente bell hooks e Frantz Fanon, buscamos compreender melhor a
mensagem que Rico Dalasam quis transmitir.
19

2 MOVIMENTOS SOCIAIS COMO RESISTÊNCIA CULTURAL

O movimento social é entendido por Gonh (2008, p. 14) como "a expressão
de uma ação coletiva decorrente de uma luta sociopolítica, econômica ou
cultural". Acrescenta que seus elementos intrínsecos são demandas que
configuram sua identidade; adversários e aliados; bases, lideranças e assessorias
formadores de redes de mobilizações, que sustentam culturas próprias às suas
reivindicações. Para Ribeiro (apud DELLAQUA, 2017), a ação coletiva objetiva
mudanças sociais através de embate político, conforme valores e ideologias da
comunidade e de um contexto específico. A luta é por algum ideal ou
questionamento a algo impeditivo aos anseios do movimento.
No contexto da escravidão, a quilombagem se caracteriza como um
precursor movimento social, no Brasil. Para Beatriz Nascimento, o quilombo é um
projeto de nação dos excluídos. Sua resistência faz valer o direito ao território,
dessa forma o pertencimento da terra equivale à existência. Quilombo é
relembrado como desejo de uma utopia. Abdias, por sua vez, aplica o
quilombismo, cujo traz o contexto do quilombo para o presente, incluindo ações
práticas, “ideia-força”, “energia” “um conceito científico emergente do processo
histórico-cultural das massas afro-brasileiras” (NASCIMENTO, 1980, p. 245).
Sugere pesquisa, crítica e reflexão sobre passado e presente da população de
origem africana no Brasil. Também incita justiça social e igualdade (BATISTA,
2019). O negro-escravizado inconformado traduzia esse sentimento no ato da
fuga, constituindo o primeiro estágio de consciência rebelde, expressando um
protesto contra a situação na qual estava submetido. O negro fugido se tornava o
rebelde solitário que escapou do cativeiro. A socialização desse sentimento era o
segundo estágio da consciência. A consequência disso era a organização junto a
outros negros fugidos em uma comunidade que tanto poderia ser precária como
estável. Então, o negro fugido se tornava quilombola, sendo o principal agente do
quilombo. “A quilombagem é um processo social contínuo de protesto que se
desenvolve dentro da estrutura escravista, solapando-a histórica, econômica,
étnica e socialmente. [...] Não é um suceder de quilombos isolados, com uma
história atomizada e particular de cada um, mas um continuum que só termina
com a abolição do sistema escravista colonial.” A vitória do movimento é a
20

implantação do trabalho livre (MOURA, 2019).


O racismo, entendido por Almeida (2019), como um processo em que
condições de subalternidade e de privilégio que se distribuem entre grupos raciais
se reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas.
Articula-se como segregação racial-divisão espacial de raças, e partir disso o
racismo motiva a instituição do movimento negro. A abolição da escravidão, no
Brasil, foi uma conquista do movimento. A criação do dia da consciência negra é
outra conquista. A data refere-se à de nascimento de Zumbi dos Palmares,
principal líder da quilombagem. Para Nascimento (2010, online), "o dia 20 de
novembro simboliza a resistência dos africanos contra a escravatura". Para ele,
os quilombos e as outras formas de resistência quebraram a economia
mercantilista e culminaram na abolição da escravidão tendo o negro como
protagonista da luta. Apesar das vitórias, o movimento negro não conseguiu
dizimar o racismo.

No contexto atual, os negros vivem em dois mundos: conhecem a


realidade que uma sociedade racista os impõem, observam a realidade
que os brancos ao seu redor vivem, leem e estudam seus filósofos,
ouvem suas músicas, assistem seus pontos de vistas em programas de
TV, conhecem a história de momentos dramáticos dos povos brancos,
entendem de mitologia grega, nórdica, sabem da linhagem da rainha da
Inglaterra e mesmo assim precisam explicar coisas tão triviais do tipo
“posso chamar alguém de preto?” (POLITIZE, 2023).

O termo utilizado para referir-se a uma pessoa fenotipicamente não branca


pode demonstrar racismo. Nascimento (1978) entende que a falta de
conhecimento desse tipo costuma ser resultado da não abordagem da cultura
africana em escolas brasileiras:

Se consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória


africana, parte inalienável da consciência brasileira? Onde e quando a
história da África, o desenvolvimento de suas culturas e civilizações, as
características do seu povo, foram ou são ensinadas nas escolas
brasileiras? Quando há alguma referência ao africano ou negro, é no
sentido do afastamento e da alienação da identidade negra.
(NASCIMENTO, 1978, p. 95).

O debate em torno do uso das terminologias "preto" e "negro" tem sido um


tema relevante em diversas discussões sobre identidade racial e representação.
O cunho negativo do adjetivo “negro” é abordado por Nabby Clifford, precursor do
reggae no Brasil:
21

Um país, o Brasil, usa palavras como lista negra, dia negro, magia negra,
câmbio negro, vala negra, mercado negro, peste negra, buraco negro,
ovelha negra, a fome negra, humor negro, seu passado negro, futuro
negro (…). Pega o dicionário de língua portuguesa, está escrito: negro
quer dizer infeliz, maldito.

Ele entende a referência “preto” como um eufemismo:

Brasileiro quando valoriza alguma coisa não fala negro, ele fala preto (...).
Ele não come feijão negro, come feijão preto, o carro dele não é carro
negro, o carro dele é carro preto, ele não toma café negro, toma café
preto, a fome é negra, quando ganha na loteria, ganha uma nota preta. Se
branco não é negativo, preto também não é negativo. (PORTAL RAÍZES,
2018).

Na suposição de Fanon, ele questiona “Sou branco, quer dizer que tenho
para mim a beleza e a virtude, que nunca foram negras. Eu sou da cor do dia…”
(FANON, 2008, p .56) conversando com essa ideia lembrei imediatamente dos
versos de Baco Exu do Blues em A Pele que Habito6 (2017), insinuando ser parte
da noite e denuncia sutilmente e contrapõe o desejo do branco de fazer de um
movimento quando “a lua quer ser preta, se pinta no eclipse, eu faço parte da
noite.”
A peculiaridade do racismo brasileiro é ser velado. Acredita-se,
mundialmente, que a miscigenação é fruto da boa convivência entre brancos e
negros. Esse mito esconde a tentativa de extermínio negro. A característica
mascarada do racismo contribui para que a situação real deixe de ser enfrentada,
fazendo com que o próprio povo absorva que o racismo não existe. Almeida
(2019, p.20), coloca que o racismo é "a manifestação normal de uma sociedade, e
não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade”.
A música rap, de origem africana, é o próprio instrumento de trabalho do
hip hop. O fato de cultivarem rap já é investir em sua autoestima, pois o rap é uma
música de origem negra (ANDRADE, 1999). As letras de rap se apresentam em
forma de narrativa, em que seus autores relatam fatos que presenciaram ou
viveram em seu dia-a-dia. Algumas letras são apenas descritivas de tais
situações, outras trazem conselhos ou sugestões visando à solução dos
problemas narrados. Entretanto, todas as letras sempre carregam consigo uma
intenção crítica do social. Mesmo as letras somente descritivas têm sempre o

6
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=zOvgpIhx4Iw
22

objetivo de relatar os fatos ocorridos para trazê-los ao conhecimento de outros, a


fim de que tais fatos sejam questionados (LOURENÇO, 2010).

Em decorrência do fenômeno do movimento Hip Hop e sua propagação na


sociedade civil o movimento negro cria aliança com o mesmo, o que dinamiza e
amplia o movimento negro fazendo com que outros segmentos da população
sejam atingidos por uma retórica política diferente da dele, principalmente pela via
do rap, pelo qual a população periférica, em especial os jovens, consegue
apreender e integrar críticas políticas e sociais através das letras das músicas
(FREITAS; ANTUNES, 2019). A crítica ao racismo, através do rap, pode ser
materializada na canção Racistas otários (1993)7 de Racionais MC’s8:

O sistema é racista, cruel


Levam cada vez mais
Irmãos aos bancos dos réus
[...]
Mas se analizarmos bem mais você descobre
Que negro e branco pobre se parecem
Mas não são iguais

A identidade é produzida pelo reconhecimento do discurso. Os indivíduos


antes desmobilizados, passam a agir se sentindo pertencentes ao grupo. "A
identidade envolve setores políticos, sociais e culturais. Tendo de ser vista de
forma bastante ampla e genérica, é um fator importante para a criação de
relações em uma sociedade e da relação com o seu próprio “ser”, lembrando que
ela “indica traços culturais que se expressam através de práticas linguísticas,
festivas, rituais, comportamentos alimentares e tradições populares” (GOMES,
2005, p. 41, apud SOUSA, 2020) A identidade não é intrínseca ao indivíduo, mas
construída. É importante para a discussão sobre representatividade. Através dos
movimentos sociais, mudanças nos setores da mídia têm sido estimuladas,
buscando nesses setores, espaços sociais e políticos, além disso, força para
confronto quando direitos estão sendo violados. (MOURA; CECCARELI; LUZ,
2017)

7
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=JKiueNCiwX4
8
Grupo de rap brasileiro formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. O trabalho dos
Racionais MC's é marcado pela contundência e crítica, o grupo tornou-se uma referência
fundamental na história do rap nacional e da música brasileira. Letras que abordam questões
sociais, raciais e políticas, dando voz às experiências e vivências da população marginalizada.
23

A identidade de um indivíduo pode ser afetada pela falta de


representatividade. Os negros são representados, comumente, em filmes e
novelas, como empregadas domésticas, motoristas, traficantes, escravos, a
amante hiperssexualizada que quer destruir o relacionamento do casal branco,
sambistas e amigos conselheiros que acompanham o protagonista durante a
trama, mas sem nunca ter os holofotes em si, como meros coadjuvantes.
(LOPES, 2017). É consequência direta do racismo estrutural, inserido em todas
as esferas da sociedade, a ausência de pessoas negras em posições de poder e
prestígio. A representatividade nesses espaços não anula o racismo,
evidenciando que o fator não é suficiente para modificar a instituição (ALMEIDA,
2019).
O indivíduo negro, marginalizado através da sua representação na mídia,
encontra afago e semelhança no rap. A identidade, uma vez fortalecida, contribui
para o aumento da autoestima e consequentemente busca de autonomia. A
construção envolve perspectiva social, história, política e cultural. O sentimento de
pertencimento a grupos sociais é reflexo do autorreconhecimento nas questões
de gênero, sexo, de classe. "Também nesse sentido na interação do eu com o
outro, transmitimos uma imagem identitária que pode ser aceita ou recusada"
(SOUSA, 2020, p. 19). A autora acrescenta que a sua discussão sobre a
identidade negra deseja apontar que a construção é semelhante: é preciso
influência para a construir uma ideia pessoal fortalecida." Porém, na forma em
que são desempenhados os personagens negros (nas novelas, filmes, YouTube,
livros de literatura) estimulam ideias racistas. Dentro da sociedade, as
representações do negro são escassas e/ou silenciadas, contendo muitos
estereótipos negativos, o que foge da realidade causando confusão e
preconceito." Por esse motivo, é necessário abordar como o negro é referido na
sociedade.
Os atores são levados a desejarem superação das dificuldades. Focando
então, no que desejam alcançar. Então, a vontade de mudança de sua realidade é
estimulada. "É neste sentido que para estes atores o Movimento Hip Hop dialoga
com as políticas públicas, posto que sua contribuição possa ser significativa para
a transformação da juventude brasileira" (SANTOS, 2014, p. 34). A musicalidade
presente na organização negra desde o período escravocrata se apresentou e
24

continua como uma forma de resistência, através do rap. A linguagem de fácil


compreensão apresenta discurso de conscientização política, a qual permite
atingir um segmento social maior e mais diverso, principalmente a população
periférica, onde o movimento emerge (ROCHA et. Al, 2001 apud FREITAS;
ANTUNES, 2019, p. 11). O movimento hip hop apresenta consistência ao longo
dos anos. Diante disso, pode ser considerado como o maior movimento social e
cultural já vivenciado até hoje. A construção interna de identidade, possibilitada
pelo movimento, junto com a percepção de pertencimento (ou pelo menos
inclusão) a um grupo facilitam a resistência da cultura do indivíduo. Percebe-se
que os movimentos sociais são contribuintes para a manutenção cultural de um
grupo quando aproxima os simpatizantes e disponibiliza espaço para
manifestação da cultura de seus participantes.
25

3 RITMO & POESIA


3.1 Cultura Hip Hop

O hip hop é um movimento de contracultura que surgiu nos anos 1970, nas
periferias urbanas dos Estados Unidos, principalmente na cidade de Nova York,
precisamente no Bronx. Ele se desenvolveu a partir da expressão artística dos
jovens afro-americanos e latinos que viviam em bairros pobres e enfrentavam
situações de exclusão social e discriminação racial. Segundo Forman (2002), o
hip hop é um movimento cultural que se baseia em quatro elementos principais: o
rap, a breakdance, o graffiti e o DJing. Cada um desses elementos têm sua
própria história e significado, mas juntos eles formam uma cultura urbana e
engajada, que busca expressar as experiências e as demandas das comunidades
marginalizadas. Cultura essa que segue quatro principais vertentes: o rap, o
DJing, breakdance e o graffiti. O rap, por exemplo, é a expressão musical do hip
hop, que se caracteriza pela poesia rimada, acompanhada de uma batida musical.
A breakdance é uma forma de dança de rua que se desenvolveu nos anos 1970,
baseada em movimentos acrobáticos e no improviso. O graffiti é uma forma de
arte urbana que se manifesta em murais, pichações e outras formas de
intervenção visual nas ruas. E o DJing é a arte de mixar e manipular sons, que se
tornou uma das principais formas de expressão musical do hip hop. O hip hop é
uma cultura que busca afirmar a identidade e a resistência das comunidades
marginalizadas, por meio da expressão artística e da afirmação de valores como a
solidariedade, a criatividade e o respeito mútuo. Chang (2005) conta que o hip
hop é um movimento cultural que tem como objetivo "dar voz aos sem voz,
representar os não representados, e lutar contra a opressão e a marginalização".
Esse movimento juvenil e de contracultura do Hip Hop foi onde jovens
negros e latinos encontraram e inventaram formas de resistir e criar. Para Rose
(1997) a cultura hip hop surge como uma fonte de construção de uma identidade
alternativa e de status social para os jovens pretos e pobres.

"A identidade do hip hop está profundamente arraigada à experiência local


e específica e ao apego de um status em um grupo local ou família
alternativa. Esses grupos formam um novo tipo de família, forjada a partir
de um vínculo intercultural que, a exemplo das formações das gangues,
promovem isolamento e segurança em um ambiente complexo e
26

inflexível. E, de fato, contribuem para as construções das redes da


comunidade que servem de base para os novos movimentos sociais"
(ROSE, 1997, p. 202).

Essas identidades alternativas foram se formando através de expressões


da moda. As roupas com inspiração africana, blings (jóias douradas), correntes
penduradas na carteira, as cores da África (vermelho, preto e verde) tomaram a
rua e lojas em 1980. Em 1990, surgem o jeans baggy e os casacos com capuz
(VEJA, 2017). Através da moda foi possível construir a identidade visual do Hip
Hop, além de permitir a manifestação da cultura pela população que buscava seu
espaço. "É possível afirmar que a moda reflete a busca da mentalidade social, ou
seja, que ela expressa o comportamento e pensamento da sociedade num
determinado contexto histórico". (NAVA; LIMA, 2020, p.3). Seguindo com a
contracultura, o graffiti é capaz de estreitar as relações sociais nas ruas e nos
prédios das cidades, além disso pode ressignificar toda sua paisagem visual. O
break dance aproxima pessoas por intermédio dos passos aliados às músicas,
tendo em vista que a dança coletiva é meio de expressão corporal individual.
Tanto a estética quanto a filosofia do Hip Hop promovem interação e identificação
dos grupos na sociedade. "Nos dias atuais, muito mais que em outros tempos, a
estética do vestuário e a moda estão diretamente ligadas à cultura" (CHAVES;
GOMES, 2020, p. 322).
Apesar de ser reconhecido por seu reconhecimento sonoro, o hip hop,
como movimento social, utiliza a expressão artística como protesto contra o
racismo, a opressão social e a ordem estabelecida. O Hip Hop é considerado um
movimento artístico de contestação social que forma um sistema simbólico
orientador das práticas culturais e das atitudes juvenis possibilitando a cidadania
e o reconhecimento social (ALVES; OLIVEIRA; CHAVES, 2016). O termo Hip Hop
designa um conjunto cultural amplo que inclui música (rap), pintura (grafite) e
dança (break). O rap, sigla derivada de "rhythm and poetry" (ritmo e poesia), é a
música do Movimento e constitui o seu elemento de maior destaque. Mc é a sigla
de "Mestre de Cerimônia"; é ele que canta o rap e, na maioria das vezes, também
compõe as letras (LOURENÇO, 2010). Hip Hop, de acordo com as elaborações
de Santos (2014), pode ser entendido como um movimento juvenil de maioria
negra e utilizado como uma ferramenta política dessa juventude excluída. Embora
27

o mesmo paute questões particulares e identitárias, ele também revela a questão


da luta de classes. Ou seja, o Hip Hop é tanto um movimento cultural, quanto
político.
O rap é um estilo musical originado na cultura hip-hop que se caracteriza
pela poesia rimada, acompanhada de uma batida musical que surge, junto nas
ruas do Bronx, em Nova York, como uma forma de expressão dos jovens
afro-americanos, que enfrentavam dificuldades econômicas e sociais. De acordo
com Kugelberg (2007), o rap é uma forma de arte que se baseia na palavra
falada, na oralidade, e que se desenvolveu a partir das tradições orais das
culturas africanas e afro-americanas. O rap é considerado por muitos como uma
forma de resistência cultural, que permite aos jovens das comunidades
marginalizadas expressarem suas preocupações e reivindicações de forma
criativa e contundente. Segundo Rose (1994), o rap é uma forma de discurso
político que permite aos jovens, em sua grande maioria negros, das periferias
urbanas expressarem suas experiências de opressão e marginalização, e de se
organizarem em torno de questões sociais e políticas. Além disso, o rap também
é uma forma de manifestação artística que combina elementos de outras
tradições culturais, como o jazz, o blues e a música africana, e muitas vezes
combinado com a moda e lifestyle. Como destaca Forman (2002), o rap é um
gênero musical que se caracteriza pela sua capacidade de incorporar e
transformar elementos de outras culturas musicais, criando assim uma linguagem
musical própria e inovadora.

3.2 Rap na cultura negra

O rap é uma forma de expressão cultural que se tornou importante para a


afirmação da negritude e a formação de identidade do indivíduo enquanto pessoa
preta. Entende-se como negritude "a soma dos valores culturais do mundo
negro", conceito cunhado pelo escritor, poeta e político martinicano Aimé Césaire,
que concebeu essa definição como uma resposta às agressões e às humilhações
sofridas pelos negros em decorrência da colonização e do racismo (CÉSAIRE,
1955). O rap ao trazer à tona questões relacionadas à discriminação, ao racismo
e à exclusão social, permite que esses jovens se reconheçam em suas lutas e
28

vivências cotidianas, encontrando nele uma forma de representação e


empoderamento. De acordo com Stuart Hall, a cultura popular negra desempenha
um papel fundamental ao analisarmos as disputas relacionadas aos símbolos
culturais e às narrativas sobre as heranças culturais compartilhadas e as
experiências diaspóricas dos negros:

(...) esses repertórios da cultura popular negra – uma vez que fomos
excluídos da corrente cultural dominante – eram frequentemente os
únicos espaços performáticos que nos restavam e que foram
sobredeterminados de duas formas: parcialmente por suas heranças, e
também determinados criticamente pelas condições diaspóricas nas quais
as conexões foram forjadas. A apropriação, cooptação e rearticulação
seletivas de ideologias, culturas e instituições europeias, junto a um
patrimônio africano (...), conduziram a inovações linguísticas na
estilização retórica do corpo, as formas de ocupar um espaço social
alheio, a expressões potencializadas, a estilos de cabelo, a posturas,
gingados e maneiras de falar, bem como a meios de constituir e sustentar
o companheirismo e a comunidade (HALL, 2003, p. 343).

Segundo o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP),


Hermano Vianna, o rap se tornou "um importante veículo de expressão, denúncia
e luta contra a exclusão social, política e econômica que caracteriza a realidade
dos setores marginalizados da sociedade brasileira" (VIANNA, 1999, p. 31).
Sendo assim, reconhecido como uma forma de resistência cultural e política, que
permite aos jovens negros encontrarem na música uma forma de expressão e de
identificação. As criações de identidade coletiva e a preservação do legado
coletivo ao longo das gerações são grandes questões da diáspora africana
(BUTLER, 2020). O Hip Hop possui forte herança ancestral africana, ao ter
surgido com os negros da diáspora que se encontraram no South Bronx, no fim
da década de 1970 (SILVA, 2021). A música se aproxima das movimentações
diaspóricas. Além de entreter, é uma expressão artística utilizada para expressar
os sentimentos, afetos, o culto à memória, a ancestralidade e as inquietações dos
sujeitos. A diáspora e a música se encontram enquanto um campo de imaginação
capaz de desenvolver novas formas de comunicação, com a criação de uma nova
linguagem e expressividades corporais, como a dança (PORTAL GELEDÉS,
2021).
29

O tráfico transatlântico é um marco violento na história das populações


africanas devido às tentativas colonialistas de apagamento de suas identidades
negras. Durante essa travessia e o período seguinte, passamos e continuamos
passando pela experiência da perda da imagem (NASCIMENTO, 1989 apud
SOARES, 2019) num contexto que envolve eliminação, apagamento,
inferiorização e subalternização das imagens de pessoas negras na Diáspora
(SOARES, 2019, p. 2). Para Paul Gilroy (2001), no processo de diáspora, a
música é um elemento marcante na história dos indivíduos. Considerando a
diáspora como campo da busca pela origem desses indivíduos, a música
possibilita a criação de expressões comunicativas e usos do corpo, a preservação
da língua mãe, o afago da alma, além da expressão de si com relação à recusa
da sua própria identidade pelo contexto (SILVA, 2021). Já Mbembe (2001) aponta
que “a identidade africana não existe como substância. Ela é constituída, de
variantes formas, através de uma série de práticas” (MBEMBE, 2001, p. 29)
reconhecendo a África enquanto um mosaico de identidades já que “não há
nenhuma identidade africana que possa ser designada por um único termo, ou
que possa ser nomeada por uma única palavra”.
O papel do rap vai ainda mais além quando o viés da pesquisa entra no
campo da autoestima e do afeto ao corpo negro, como será abordado nos
próximos capítulos. Mesmo que a luta pela representatividade e pelos direitos
dentro do hip hop ainda seja uma questão em aberto e em constante evolução.
Para Abdias Nascimento (2010), o hip hop é um movimento importante para o
aspecto autoestima do indivíduo, pois “as letras de muitas músicas e a atuação
social de muitos de seus integrantes ajudam os jovens negros e as jovens negras
a elevar o conceito que têm de si mesmos e de sua comunidade”.

3.3 Queer Rap

O termo “queer” que começou a ser apropriado pelos próprios indivíduos


LGBTI+ como uma forma de ressignificação e empoderamento, adquirindo
conotações mais positivas de autenticidade, diversidade e resistência. A teórica
Judith Butler, influente nos estudos de gênero e sexualidade, com a teoria queer
30

incita que as práticas sexuais não-normativas funcionem como formas de


resistência simbólicas e políticas, tencionando transformações sociais. (BUTLER,
2003)
Butler (2003) argumenta que o gênero não é uma categoria natural ou
biológica, mas sim uma construção social e cultural que se perpetua através de
práticas repetitivas e normativas. Trazendo um recorte de sexualidade dentro da
sigla LGBTQIAP+, Bento (2017) diz que

"No âmbito das vidas LGBTTs, é recorrente encontrarmos narrativas de


pessoas que se sentem blindadas da violência por se comportarem de
acordo com as expectativas sociais: “Sou gay, sou homem e me comporto
como homem”. Ou: “Sou lésbica e não abro mão do meu lugar de mulher
".[...] O “reconhecimento”, tanto na questão racial quanto na dimensão das
homossexualidades e dos gêneros dissidentes (transexuais e travestis),
dá-se por mecanismos de apagamento das diferenças, e não pelo
reconhecimento da diferença. Ou seja, acontece via assimilação. O sujeito
queer, no Brasil, não se restringe exclusivamente aos LGBTT. São os que
não conseguem se inserir completamente na categoria humanidade,
tampouco usufruem da condição de cidadania plena estabelecida na lei."
(BENTO, 2017 p. 56).

Butler (2003) acredita que a repetição de práticas normativas é o que


produz a ilusão de uma identidade fixa e coerente, mas na verdade o gênero é
uma performance que está sempre em processo de criação e recriação. Por meio
da adoção de posturas e estilos que desafiam as expectativas de gênero, os
artistas queer do rap realizam uma performance que questiona a binaridade do
masculino e feminino, permitindo a emergência de uma maior diversidade e
liberdade de expressão. Relembro trecho de um som de Linn da Quebrada que
diz “Eu quero saber quem é que foi o grande otário, que saiu aí falando que o
mundo é binário. Hein?”9
Agora se insere em outro movimento de contracultura colocando a vista a
intersecção de raça e gênero e classe social que condicionam estruturalmente
esses grupos. Levando em consideração a pesquisa até aqui, entendemos como
os estudos de gênero estão interligados de forma direta e indireta a essa
formação de identidade que o rap promove.

9
A música Pirigoza (2017). Disponível para audição em:
https://www.youtube.com/watch?v=7kZ4Xh0mhik
31

No final da década de 1980 e início da década de 1990 nos Estados


Unidos, surge o queer rap. Como resposta - e de certa forma, como crítica - a
cultura hip hop, que até então era amplamente dominada por artistas
heterossexuais e muitas vezes marcada por letras e comportamentos
homofóbicos. De acordo com Hall (2006, p. 8), as identidades contemporâneas
estão passando por um processo de descentramento, indicando que elas estão
em constante deslocamento e fragmentação. O queer rap surge como uma forma
de resistência e de afirmação da identidade e da diversidade sexual, confrontando
as normas e os estereótipos dominantes no mundo da música, principalmente no
movimento hip hop.

O Queer Rap é uma realidade nos Estados Unidos. Inicialmente, foi criado
para reivindicar um espaço dentro do movimento hip hop norte-americano
e passou a denunciar a violência contra a população LGBT (...)
movimento Queer Rap é caracterizado pelas performances e danças que
misturam os estilos de cantoras populares conhecidas como "divas", tais
como Madonna, Beyoncé, Lady Gaga, entre outras. Com roupas
extravagantes que compõem uma mistura de elementos femininos e
masculinos, coloca no corpo o ser diferente, o impacto do incomum,
aborda a tripla exclusão: a do negro, do pobre e do homossexual. O
aspecto visual, por si só, mostra que o hip hop pode denunciar essas
exclusões e dar visibilidade e voz aos excluídos. (EDDINE, 2018, p 13)

Nascido das margens, “o hip hop, ao lado de outras importantes


expressões culturais populares e de massa, ocupa uma posição marginal e ao
mesmo tempo central na cultura brasileira” (HERSCHMANN, 1997, p. 66), uma
ferramenta importante para a representatividade e reivindicação de direitos, entre
disputas e denúncias. Embora o hip hop tenha sido inicialmente dominado por
homens, as mulheres sempre estiveram presentes no movimento, e por meio da
expressão artística afirmam seus valores e discutem sobre igualdade, liberdade e
independência cada vez mais lutando por espaço e reconhecimento. O espaço e
a falta de representatividade são ainda menores quando falamos de mulheres
trans, que usam o hip hop como um espaço de afirmação e de luta contra a
homofobia e a transfobia. Por meio da representatividade de artistas LGBTQIAP+
e da inclusão de temas relacionados à diversidade sexual em suas letras, o
movimento tem sido utilizado como uma ferramenta para desafiar a
heteronormatividade e para reivindicar o direito à livre expressão sexual, tendo
32

que bater de frente com um ambiente, estruturalmente misógino e homofóbico, o


que tem sido alvo de críticas e debates dentro do próprio movimento.

3.4 Queer Rap no Brasil

"Negros, gays, rappers: quantos no Brasil? Devem haver vários, tantos tão
bom quanto os foda que rima uma cota, tirando os que tão, né? E ninguém nota",
Rico Dalasam canta em tom de protesto nos versos da autobiográfica canção
“Dalasam”. Jefferson Ricardo da Silva, ou Rico Dasalam é uma importante
representação de gênero dentro do movimento hip hop brasileiro, pois desafia os
padrões tradicionais de masculinidade e heteronormatividade desde sua primeira
aparição, um “homem negro e gay que faz parte de um movimento intitulado de
queer rap, o qual constrói narrativas dissidentes no universo do rap – que por sua
vez já é dissidente enquanto espaço cultural antirracista e antielista.” (BRITO;
CRUZ, 2021, p.4)
Se destacando desde sempre por suas letras que exploram temas como a
sua vivência como um homem negro e gay na sociedade brasileira, além de
questionar os estereótipos de gênero e de sexualidade que são comuns dentro do
rap. Se utilizando de música, do audiovisual - com seus clipes memoráveis - e da
moda como forma de expressão de sua identidade de gênero, misturando
elementos considerados masculinos e femininos. Sua presença e sua arte
contribuem para a quebra de barreiras culturais e sociais, mostrando que as
pessoas podem ser quem são, sem ter que se encaixar em padrões pré-definidos,
além de se manter no meio hip hop, trazendo para a cena musical uma visão mais
ampla e diversa do que significa ser um homem negro e gay. Não há registros
precisos sobre a orientação sexual de outros artistas que atuaram anteriormente
na cena hip hop brasileira, dessa forma, Rico traz com si o pioneirismo e a
coragem em assumir sua homossexualidade no meio hip hop. Com os ânimos
aquecidos e vontade de fazer acontecer, no seu primeiro single, Aceite-c, de
2014, Rico canta “Eu, outro não dá pra ser, sem crise, sem chance, uma dica:
Aceite-se” trazendo para si os holofotes com a intenção de propagar uma
mensagem de (auto)aceitação e diversidade, provando que não chegaria apenas
para ser um artista “gay” no meio, especialmente em um contexto em que a
33

homofobia e a discriminação ainda são bastante presentes, mas que também


utilizaria a sua música e a sua imagem como forma de militância pelos direitos e
visibilidade da comunidade LGBTQ+, e foi o que aconteceu nos anos que
sucederam.

3.5 Performatividade queer

A concepção de que “o gênero é uma performance” é especialmente


relevante para o queer rap, que contesta as normas e estereótipos de gênero e
sexualidade por meio de novas formas de expressão artística e sonora. A
compreensão de uma identidade descentralizada é importante para percebermos
como se produzem os processos dos sujeitos a partir de alguns acordos teóricos.
Isso traz mudanças significativas nas formas de percepção da identidade. Essas
formas eram, no sujeito do Iluminismo, fixas e estáveis; e, no sujeito da
contemporaneidade, foram descentrando, gerando identidades abertas,
contraditórias, inacabadas, fragmentadas (EDDINE, 2018).
Objetivando reconhecimento para si, as bichas, os viados, as drags, as
travestis, muniram-se da cultura queer, que por sua vez, “está incessantemente
em desacordo com o normal, a norma, seja a heterossexualidade dominante ou a
identidade gay/lésbica. É categoricamente excêntrico, a-normal” (SPARGO, 2017,
p. 33, apud SÁ; SILVA; FERREIRA, 2019).
34

Figura 1 - Grupo de Queer Rap Quebrada Queer, em sentido horário:


Harlley, Murillo, Guigo, Boombeat e Tchelo

Fonte: Cassia Tabatini, 2022

Uma política de resistência é formada diante do surgimento de nichos


culturais que produzem conteúdos diversos e plurais. O grupo Quebrada Queer10
(Figura 1) é a voz de muitos que não são representados na elitista música popular
brasileira, encontrando nos estilos musicais pejorativamente marginalizados,
como o rap, um grito por reconhecimento. Artistas do nicho queer propõem a
demolição das imposições normativas binárias com as quais as identidades de
gênero têm sido socialmente construídas (SÁ; SILVA; FERREIRA, 2019).

"Fazem um uso político da música com o intuito de contestar um sistema


heteronormativo, cisgênero e patriarcal, contribuem para o processo de
problematização e discussão de conceitos já naturalizados, ao tempo em
que se apropriam de categorias, antes utilizadas de forma pejorativa,
num processo de ressignificação dessas categorias. Nesse processo de
questionamento identitário, as reflexões são expandidas para alcançar
corpos abjetos e por conseguinte defender suas próprias existências por
meio de uma linguagem mais acessível." (SÁ; SILVA; FERREIRA, 2019).

A música Aceite-C11 (2015) de Rico Dalasam explora a performatividade do


queer rap. Para Eddine(2018), o rapper aponta para duas possibilidades de modo
verbal, ao usar o verbo "aceitar" na disposição "aceite-se": subjuntivo e
imperativo. O primeiro se referiria ao julgamento sobre aqueles que ainda não se

10
Coletivo artístico e ativista brasileiro formado por Harlley, Murillo, Guigo, Boombeat e Tchelo,
artistas LGBTQIAP+ que se destacam no cenário da música e da cultura queer.
11
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=dRDRGizXymw
35

assumiram. Enquanto no segundo modo, a imposição soa mais forte, com a


ordem de auto aceitação.
36

4 AFETO

“O afeto é revolucionário”, vi em algum muro pixado da janela do ônibus e


pensei em todas as vezes em que fui salvo e salvei com um abraço ou uma
palavra de carinho e conforto. A música por outro lado sempre teve um lugar
especial na minha vida, justamente por me abraçar, ainda mais no recorte rap e
hip hop. Relembro que me entendo enquanto pessoa LGBTQIA+ preta que
questiona gênero, com passibilidade de um homem cis, que afirma com vivência
que, muitas vezes o afeto do outro para corpos como o meu demora a chegar, ou
nem chega. Esse lugar de afeto que eu tanto busquei, desde que passei a
entender sobre o que é o amor, eu encontrei na música. Especialmente nas
criações de Rico Dalasam, que segurou minha mão através de letras que guiaram
um processo de descoberta e identificação. E mesmo sem o toque físico, é como
se sentir abraçado e afetado diretamente por cada frase dita em cada canção. Em
Guia de um amor cego12 (2022), de Rico, ele entoa versos que penetram e
refletem a motivação pela qual escrevo e defendo um capítulo especialmente
sobre afeto nessa pesquisa:

O que sei sobre amor eu inventei, inventei um jeito para me amar e


quando alguém se sente amado por mim eu penso que deu certo o que
precisei inventar. Nunca foi, nem nunca será semelhante a nada, quando
garotos negros amam, quando garotos pretos se amam quase sempre se
inventou um jeito. Me percebi exceção cada vez que fui amado, foi
vivendo que constatei, o que sei sobre amor eu inventei. É inegável
quando verte o amor em mim, a cada vez que me fiz amável, e tantas
outras que me refiz amável. Só eu poderia constatar: O que eu sei sobre o
amor eu inventei. (DALASAM, 2022)

O conceito de afeto tem origem na filosofia, mais especificamente na


filosofia de Baruch Spinoza (1632-1677), um dos grandes filósofos do século XVII.
Para Spinoza, os afetos são as paixões humanas que surgem a partir da
interação entre o corpo e o meio ambiente, incluindo outras pessoas. Ele via os
afetos como uma força motriz da ação humana, tanto positiva como negativa, que
poderiam ser influenciados e modificados por meio da razão. No entanto, o
conceito de afeto também foi ampliado e desenvolvido por outros filósofos,
psicólogos e sociólogos ao longo do tempo. Por exemplo, Friedrich Nietzsche

12
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=R4YuUWAAMWo
37

(1844-1900) falou sobre a importância dos afetos como uma força vital e criativa,
enquanto Gilles Deleuze (1925-1995) explorou na obra Espinosa: filosofia prática
a ideia de que os afetos eram forças que produzem efeitos nos corpos e nas
mentes. “Afecção remete a um estado do corpo afetado e implica a presença do
corpo afetante, ao passo que o afeto remete à transição de um estado a outro,
tendo em conta variação correlativa dos corpos afetantes” (DELEUZE, 2002, p.
56).
Começando com Spinoza, ele foi um filósofo holandês de origem judaica,
cuja obra principal, a "Ética", foi publicada postumamente em 1677. Na filosofia
spinozista, os afetos são entendidos como um tipo de "percepção" que afeta a
potência e a ação do corpo humano. Spinoza argumenta que é possível mudar os
afetos por meio da razão, já que a compreensão racional de um afeto pode levar
a uma modificação do mesmo. Já Nietzsche, que é frequentemente associado ao
conceito de afeto, o utilizava em um sentido mais positivo, como uma força vital
que impulsionava a criação e a realização humana, acreditando que "as paixões
são os melhores meios de emancipação do indivíduo" (NIETZSCHE, 1987, p.
100). Isso significa que, para Nietzsche, os afetos eram uma forma de superar a
submissão à moralidade e à tradição, permitindo a expressão livre e criativa da
vida humana.
O afeto é conteúdo essencial para as ações coletivas, sem afeto não existe
ação nem identificação coletiva, sem afeto também não existe razão. “Os afetos
humanos são muitos e irão circular onde quer que existam seres humanos e
relações humanas.” Provavelmente, fé, alegria, amor e raiva circulam nos
movimentos sociais tanto quanto em qualquer outra atividade coletiva humana:
espaços laborais, sindicatos, igrejas, grêmios, associações, famílias (PORTO,
2022, p. 17). Para O Significados, afeto tem sua origem na palavra latina
affectus, que significa disposição, estar inclinado a. Afeto é a disposição de
alguém por alguma coisa, seja positiva ou negativa. Através do afeto construído,
emoções ou sentimentos são demonstrados. O ódio também é um afeto, tanto
quanto amor.
38

4.1 Afetividade negra: O afeto e a falta

O desamor com que os negros são tratados perante a hipersexualização


de seus corpos gera solidão. Essa solidão surge como resultado da negação do
amor e do respeito aos negros, onde suas identidades são reduzidas a
estereótipos sexuais e desumanizados, onde corpos negros têm sido
estereotipados e objetificados, reduzidos a meros objetos de desejo sexual.
Abordaremos a solidão da mulher negra e, posteriormente, a do homem.
Enquanto uma pesquisa que tem como objetivo entender gênero, raça e
sexualidade, é essencial contextualizar afeto com o recorte de raça, enquanto
pessoa preta. Medrado (2022) entende que a constante ausência de
representatividade dos afetos negros, junto com o excesso de demonstração de
afetos brancos, cria uma rede de reforçamentos, a qual pressupõe que é no
objeto branco que se encontra a realização do desejo de amar e ser uma pessoa
amada.
Segundo um dito - preconceituoso- popular, “a branca era pra casar, negra
para fornicar e a preta para trabalhar”. O ditado faz referência à normalização da
prática de estupro à mulher de cor, durante a colonização. Além da procriação,
pois quanto mais filhos, maior era a mão de obra para o senhor de engenho, a
vulnerabilidade da mulher negra a colocava como disponível para saciar os
desejos de seu dono. Involuntariamente, a imagem da mulher de cor é associada
à sexualidade pelo coletivo brasileiro. De acordo com Ladeira (2014), “desde o
período escravista, passando pelas comemorações carnavalescas e chegando às
telenovelas exibidas pela principal emissora do país, negras e mulatas geralmente
são retratadas como pessoas que supostamente possuem a libido aflorada".
Reconhecer-se como dignos de doação e afeto é uma forma de fortalecer-se
social e politicamente. A mulher negra tem adoecido mentalmente devido à sua
solidão, que não se resume à falta de um parceiro, mas à exclusão de um lugar
em que possam se sentir verdadeiramente amadas, respeitadas e sentir-se
humana (MAGALHÃES, 2017).

Quando nós, mulheres negras, experimentamos a força transformadora


do amor em nossas vidas, assumimos atitudes capazes de alterar
completamente as estruturas sociais existentes. Assim poderemos
acumular forças para enfrentar o genocídio que mata diariamente tantos
homens, mulheres e crianças negras. Quando conhecemos o amor,
39

quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é


possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do
amor. O amor cura. (hooks, 2021, p. 198)

Enquanto a canção Meu Ébano13 (2005) interpretada por Alcione14,


sucesso em 2005, retrata a hipersexualização do negro. Para Ferreira(2017), os
versos retratam “a figura do negro interpretada como o “negro viril” e “objeto de
desejo sensualizado””.

É! / Você um negão / De tirar o chapéu / Não posso dar mole / Senão


você, créu!
Me ganha na manha e babau / Leva meu coração…
É! / Você é um ébano / Lábios de mel / Um príncipe negro / Feito a pincel
É só melanina / Cheirando à paixão…
[...]
Moleque levado / Sabor de pecado / Menino danado / Fiquei balançada
Confesso / Quase perco a fala / Com seu jeito / De me cortejar / Que nem
mestre-sala…
Meu preto retinto / Malandro distinto / Será que é instinto / Mas quando te
vejo
Enfeito meu beijo / Retoco o batom / A sensualidade / Da raça é um dom
É você, meu ébano / É tudo de bom!...

A fim de fugir dos estereótipos negativos representados, tradicionalmente,


pela mídia, alguns procuram submeter-se à objetificação para serem aceitos e se
sentirem pertencentes ao contexto no qual estão incluídos. As atribuições passam
de má índole, selvagem, preguiçoso, primitivo para garanhão e bom de cama, por
exemplo. Essa objetificação relaciona-se com a escravidão, na qual o escravizado
era avaliado por seus aspectos físicos. “A identificação com esse homem objeto é
um caminho para a solidão de homens pretos, uma vez que ocupam apenas o
lugar de satisfação sexual do outro, muitas vezes mulheres e homens brancos”
(PRADO, 2021).
Discursos de submissão e hipersexualização foram construídos em relação
às mulheres negras e aos homens negros. Patrícia Hill Collins (2016) propõe o
conceito de “imagens controladoras”, que liga representações culturais a formas
estruturais de desigualdade, entendendo que imagens de determinados grupos
são construídas e divulgadas recorrentemente com a função de desumanizar e
controlá-los propagando práticas históricas e contemporâneas de dominação

13
Disponível para audição em:
https://www.youtube.com/watch?v=5JNa47qtJmM&pp=ygUJbWV1IGViYW5v
14
Renomada cantora e compositora preta brasileira. Uma das maiores intérpretes da música
popular brasileira, com uma carreira de sucesso que abrange mais de cinco décadas.
40

racial e de gênero. Roscoe (2020) entende que a hipersexualização se faz


presente, diariamente, de modo sutil para que seja naturalizada ao ponto de
passar despercebida. "Os homens brancos exercem, com todo direito, sua
sexualidade e seus desejos sem que aquilo os categorize emocionalmente,
intelectualmente e/ou sexualmente o transformem em mero objeto de desejo e
realizador de fantasias das demais pessoas." Acrescenta que um negro "postar
uma foto" de sunga, é capaz de reduzir sua capacidade intelectual e
conhecimento, sua possibilidade de ser um homem pensante e sua capacidade
de ser um humano emocional. O que lhe resta é a classificação de objeto sexual,
satisfazendo o imaginário do branco cuja mentalidade colonizadora o enxerga
como "escravo para satisfazer seu prazer”. Transformando, então, o afeto em
mero objeto de prazer alheio. Em 2022, Baco Exu do Blues15 virou notícia com
seu álbum QVVJFA?16 Batendo de frente com essa ideia, Baco expõe suas
vulnerabilidades enquanto homem preto e canta sobre o amor, sexo e a raiva. Ao
perguntar “quantas vezes você já foi amado?”, ele também traz à tona indagações
acerca da maneira como um homem negro no Brasil é afetado ou excessivamente
sexualizado, sendo visto apenas como um objeto de desejo.
Em Autêntica17 (2022) do grupo Quebrada Queer, o tema sexo e liberdade
se cruzam e o que era solidão se transforma em solitude quando em uma virada
de perspectiva que coloca a bicha preta “apaixonada pela vida”. Os versos
marcados em cima de uma base de rap e funk transparecem independência.

Pra bater de frente tem que ter linguagem


De rua, pele escura, na madruga, malandragem
(...)
Ela fode, mas não promete
O que não pode, então esquece
Ela sabe do valor que ela tem
Até hoje não achou ninguém que chego ao nível que ela pede
Ela fode, mas não promete
O que não pode, então esquece
Ela segue apaixonada pela vida
E sua prioridade é trampo e ponto do busão às 07:00

15
Baco Exu do Blues, nome artístico de Diogo Moncorvo, é um rapper e compositor brasileiro.
16
Disponível para audição em:
https://youtube.com/playlist?list=PLEBT36dqW0GIK0AcWRcLxOwZDKOG7sS0g
17
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=j5nEJmszccM
41

Sobre essa invenção de novas formas de amar que transpassa a


experiência da sexualidade de pessoas não heterossexuais, Albuquerque (2010)
diz que

Impossibilitados, na maioria das vezes, de reproduzirem o modelo do


amor romântico, ainda idealizado nas sociedades ocidentais, muitas
vezes recusando o modelo do casamento heterossexual, modelo em
crise entre os próprios heterossexuais, os homossexuais vêm inventando
diferentes tipos de relações afetivas e amorosas, aquelas possíveis na
condição de recusados pela cultura hegemônica em que ainda vivem,
muitas delas ainda centradas, sobremaneira, no ato sexual e,
frequentemente, apoiadas numa verdadeira falolatria (ALBUQUERQUE
JUNIOR, 2010, p. 48-49).

Cabe pensar se esse lugar que procuramos, achamos - e muitas vezes nos
decepcionamos - é ainda amor. Nessa linha, podemos criar paralelos dessa
invenção pensando como bell hooks(2021), que entende que o desamor é
contrário ao amor, e segundo ela, ele cura. Em sua obra "Tudo sobre o amor:
novas perspectivas" aborda o afeto em forma de amor. O amor é ação, apesar de
ser substantivo. É o centro de tudo, ética de vida e prática transformadora. A falta
de definição concreta faz acreditar que tudo é amor. Não nascemos sabendo nos
amar nem amar os outros. Apenas reconhecemos o carinho e atenção desses,
inclusive é o que buscamos. A diferença do amor depositado em cada indivíduo
ou relação é o comprometimento com cada um deles, é a energia depositada
nessa ação. Com relação ao amor próprio, hooks(2021) acredita que se somos
capazes de vermos o que somos e nos aceitarmos, construímos os requisitos
necessários para o amor próprio. Ter autoestima é a base para que consigamos
ter relações amorosas com os outros. No rap, o amor pode ser encontrado nas
palavras de Emicida: “Amor é espiritualidade / Latente, potente, preto, poesia /
Um ombro na noite quieta / Um colo pra começar o dia”.
O afeto positivo entre os negros é uma revolução numa sociedade que os
mata e coloca uns contra os outros. A ajuda mútua possibilita um espaço de
escuta e troca, através de conversas e compartilhamento de anseios e
conquistas. "Demonstrar afeto é tão importante, você está aqui e está vivo, então
construa novas histórias. Precisamos criar novas narrativas, e você faz parte
desse processo, então abra as portas e as janelas" (PRADO, 2021). Para Rafael,
42

pai da Sanko Familly18, "a partir do momento em que a gente se ama, se respeita
e se afeta, não tem mais como o sistema nos atravessar porque somos potência".
Nesse sentido, o afeto é revolucionário porque permite cura.
Para bell hooks, os negros possuem uma carga extra de desamor, tanto no
aspecto individual como no coletivo. O processo de escravização contribuiu para
que desenvolvessem o embotamento afetivo ou afeto embotado. Cuja definição é
a dificuldade de expressar emoções e sentimentos.

A escravidão condicionou os negros a conter e reprimir muitos de seus


sentimentos. O fato de terem testemunhado o abuso diário de seus
companheiros- o trabalho pesado, as punições cruéis, a fome- fez com
que se mostrassem solidários entre eles somente em situações de
extrema necessidade. E tinham boas razões para imaginar que, caso
contrário, seriam punidos. Somente em espaços de resistência cultivados
com muito cuidado, podiam expressar emoções reprimidas. (hooks, 2021,
p. 190).

Para Sousa (2017), "engolir o choro” foi um aprendizado decorrente do


endurecer necessário perante dificuldades e da concentração em esforços para
garantir a sobrevivência. Com isso, abraços, frases de carinho e afagos ficaram
em segundo plano em muitos lares.

4.2 Imagem de controle e hiperssexualização do homem negro

Em um recorte de gênero e raça, Fanon (2008) acredita que a


sexualização do homem negro está relacionada a animalização a qual ele é
submetido. Essa caracterização é o mecanismo de defesa aplicado pelo branco
para diferenciar-se do negro. O autor defende em "Peles negras, máscaras
brancas" (2008) que de modo algum a cor da sua pele deve ser interpretada como
uma tara, diante do mito sexual: a procura da carne branca. O atleta negro,
expressão erotizada, "é algo que assanha o coração".

Uma prostituta nos disse que, há algum tempo, só a ideia de dormir com
um negro a levava ao orgasmo. Ela os procurava sem exigir dinheiro.
Mas, acrescentou, “dormir com eles não tinha nada de mais do que com
os brancos. Eu chegava ao orgasmo antes do ato. Eu ficava pensando
(imaginando) tudo o que eles poderiam fazer: e era isso que era
formidável. (FANON, 2008, p. 139).

18
Projeto Sanko Family, é um projeto do Rafael Santos e sua esposa, onde compartilham a
respeito de formação pessoal e familiar, e educação anti racista. Disponível em:
https://www.instagram.com/sankofamilly/
43

“O negro tem uma potência sexual alucinante. É este o termo: é preciso


que esta potência seja alucinante” (FANON, 2008, p. 138). Por um lado, o corpo
negro causava desejo sexual, por outro fobia. Ambas questões devido a
sexualização exacerbada do corpo negro.

Pudemos observar, quando prestamos o serviço militar em três ou quatro


países da Europa, o comportamento das mulheres brancas diante dos
negros: durante as festas dançantes, a um convite elas geralmente
esboçavam um movimento de fuga, de retraimento, o rosto cheio de um
pavor não dissimulado. (Ibidem, p. 138).

A sexualização se aplica, inclusive, em um contexto de castigo. O corpo


negro é castrado, assim como um animal. É "na corporeidade que se atinge o
preto".

Por exemplo, nenhum anti-semita pensaria em castrar um judeu.


Matam-no ou o esterilizam. O preto é castrado. O pênis, símbolo da
virilidade, é aniquilado, isto é, é negado. A diferença entre as duas
atitudes é clara. O judeu é atingido na sua personalidade confessional, na
sua história, na sua raça, nas relações que mantém com seus ancestrais
e seus descendentes. No judeu que é esterilizado, mata-se sua estirpe;
cada vez que um judeu é perseguido, toda uma raça é perseguida através
dele. Mas é na corporeidade que se atinge o preto. É enquanto
personalidade concreta que ele é linchado. É como ser atual que ele é
perigoso. O perigo judeu é substituído pelo medo da potência sexual do
preto. (Ibidem, p. 142).

Fanon (2008) questiona a possibilidade de o linchamento negro ser


motivado por uma vingança sexual: "será que o branco que detesta o negro não é
dominado por um sentimento de impotência ou de inferioridade sexual?" (Ibidem,
p. 139). Considerando o contexto relatado pelo autor, conclui-se que a
hipersexualização praticada e sofrida, atualmente, é enraizada, pois ser negro
pode ser reduzido a ter um corpo negro- viril e sexual.
O que implica ainda na imagem de controle sobre a bicha preta, que é
complexa ao articular vários eixos como raça, sexualidade, gênero, classe, lugar
de origem, idade/geração. Com relação à sexualidade, seu corpo quebra a
masculinidade negra através do seu comportamento de impacto que quebra a
binaridade do masculino e feminino, da sua passividade em relação ao seu
imaginado pênis imenso - o que lhe tornaria um potente homem negro. Além
disso, pertence a um lugar periférico e precisa ser jovem, excluindo os corpos
44

velhos ou em envelhecimento. Vera Verão e a dançarina de funk Lacraia são


exemplos de figuras eternizadas na mídia. (RIBEIRO, 2020).
45

5 METODOLOGIA
5.1 Método
Este estudo teve como base uma análise cuidadosa da produção musical
de Rico Dalasam, utilizando as letras de suas músicas como material empírico,
desenvolvido a partir de elementos exploratórios, descritivos e interpretativos
típicos de pesquisas qualitativas (MINAYO, 1999). O objetivo principal foi ampliar
a compreensão das experiências vividas por homens negros e homossexuais,
explorando as nuances das suas vivências afetivas e temáticas como
hipersexualização do corpo preto, relações interraciais e a vivência afetiva do
corpo preterido pela sociedade. Além disso, buscamos compreender como
Dalasam utiliza suas letras como veículos para explorar suas emoções e
questionar as dinâmicas sociais relacionadas às identidades raciais e sexuais.
Essa pesquisa se justifica pela necessidade de abordar as complexidades
das relações afetivas, da construção da identidade e das interações entre raça,
sexualidade e vulnerabilidade social e na discussão de como o rap consegue ser
um meio de revolução. A análise das músicas do rapper Rico Dalasam
proporcionou uma compreensão mais ampla acerca de cada reclamação ou
denúncia em forma de versos que Dalasam coloca. É colocando os problemas
enfrentados por homens negros e homossexuais - como eu, e como o próprio
Rico - em seus relacionamentos afetivos que me permiti pensar uma análise
crítica mergulhada na forma que essas questões são representadas e
amplificadas na obra do artista.
A pergunta de pesquisa subjacente guiou nosso estudo: como as músicas
de Rico Dalasam abordam as experiências afetivas de homens negros e
homossexuais, e de que maneira refletem e amplificam as questões relacionadas
à raça, sexualidade e vulnerabilidade social? Para responder a essa pergunta,
utilizamos a metodologia da análise de discurso como ferramenta analítica,
buscando desvelar os mecanismos discursivos presentes nas letras das músicas
selecionadas. De acordo com Foucault (1996), o discurso é um conjunto crítico
que deve ser analisado com o propósito de praticar a inversão. Essa inversão
consiste em identificar, nos discursos, as formas de exclusão, limitação e
apropriação; investigar como essas formas se desenvolveram em resposta a
necessidades específicas, como se modificaram e se deslocaram ao longo do
46

tempo, que tipo de influência exerceram efetivamente e em que medida foram


contornadas. Particularmente, prefiro pensar a partir dessa subjetividade que
Foucault propõe, entendendo que consigo acrescer ainda mais da minha vivência
pessoal escrevendo enquanto pensamento de troca do eu.
As músicas escolhidas para a análise foram Não Posso Esperar (2015),
Honestamente (2016), Não vem brincar de amor (2017), Reflex (2020), Não é
comigo (2021), Última vez (2021) e Tarde D+ (2022). Por meio dessa seleção,
esperamos obter uma compreensão mais aprofundada das experiências afetivas
dos grupos estudados e das dinâmicas sociais envolvidas. Vale indicar que a
produção da música negra para bell hooks é uma referência significativa, uma
oportunidade para identificar uma crise existente na população negra dos Estados
Unidos em relação ao amor. Um ponto que merece atenção, enquanto realizava
esse estudo lembrei dos segundos finais da música 101019 (2018), do rapper
Djonga20, onde ele recita um texto que me deixou intrigado a primeira vez que
ouvi e até hoje fico bem mexido ao pesquisar sobre o assunto. O texto retirado de
um manuscrito assinado pelo rapper Tupac Shakur21, enviado para a então
Rainha do Pop Madonna22 datado de 15 de janeiro de 1995 (NOIZE, 2017) que
dizia “Para você, ser vista com um homem negro, não ameaça a sua carreira, no
máximo faz com que você pareça mais aberta e aventureira. Mas, no meu caso,
senti que, devido a minha “imagem”, eu estaria decepcionando metade das
pessoas que me fizeram ser o que sou.” Partilho da ideia de Medrado (2022) que
acredita que o afeto ainda é mantido sob escolta do medo e de outros fatores
sociais, como a dor, a insegurança e a pressão pelo (sobre)viver, e o incômodo da
convivência com tal pressão me faz querer entender a fundo e pesquisar sobre
afetos e relações interraciais.
É importante ressaltar que durante a pesquisa reconhecemos que a análise
das músicas pode levar à fragmentação da obra como um todo, visto que versos,
sons, imagens e batidas são perdidos nesse processo. Também reconhecemos
que nosso modelo de análise segue um padrão eurocêntrico típico de produção
de conhecimento científico. Bem como, é fundamental respeitar a autonomia
19
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=lOQHuk4I3ZI
20
Djonga é o nome artístico de Gustavo Pereira Marques, rapper e compositor brasileiro.
21
Tupac Shakur, também conhecido como 2Pac, foi um rapper, ator e ativista norte-americano.
22
Madonna, cujo nome completo é Madonna Louise Veronica Ciccone, é uma cantora,
compositora, atriz e empresária norte-americana.
47

artística do rapper e poeta, e considerar suas experiências e perspectivas


pessoais ao interpretar seus versos, é essencial reconhecer a importância de
levar em consideração a visão do próprio artista, suas experiências pessoais e a
intencionalidade por trás de suas composições.
Relembro algo que já disse na introdução, sinto-me motivado não apenas
pela minha própria vivência e experiência, mas também pela influência do Rico
Dalasam, como artista, que se tornou uma figura importante ao transmitir uma
mensagem que desafia os estereótipos de gênero e sexualidade, reafirmando sua
identidade negra e expressando uma mensagem de fortalecimento que impacta
outros indivíduos como eu. Essa identificação pessoal contribui para uma análise
mais aprofundada e sensível, na medida em que há uma ressonância e uma
vivência compartilhada em relação a questões discutidas, respeitando e
considerando as implicações sociais, culturais e históricas relacionadas à vivência
individual, embora cada indivíduo possua experiências únicas, é válido
reconhecer que existem aspectos e experiências compartilhadas dentro de grupos
marginalizados. Reitero, procurei atuar de forma crítica e sensível, valorizando as
vozes marginalizadas e contribuindo para o debate sobre identidade, diversidade
e representatividade na sociedade contemporânea.

5.2 Rico Dalasam

Jefferson Ricardo da Silva, nascido em Taboão da Serra, na Grande São


Paulo, virou Rico Dalasam. Rico em referência a "Ricardo", e Dalasam a
abreviação de "Disponho Armas Libertárias A Sonhos Antes Mutilados". Através
do esforço de sua mãe, adentra em uma escola particular onde se depara com o
racismo estrutural, conceituado por Almeida (2019), ao ser o único negro da
escola, afirma: "eu nunca me senti parte". Rico precisou perpetuar a autodefesa
diante de uma comunidade branca. Nesse contexto, o rap surge em sua vida:
'preciso dialogar em vez de sair na mão com os outros'. E aí o rap me deu as
palavras para estabelecer um diálogo" (APARTES, 2017), tornando-se próximo:
48

"O rap era um irmão. Era, às vezes, a única pessoa que eu queria ouvir, a
única pessoa com quem eu queria falar. Eu ouvia e traduzia para minha
realidade e isso fazia muito sentido. Não fui roqueiro porque achava que
rock era coisa de branco. O rap era um outro som que me dava uma
força." (DALASAM apud APARTES, 2017).

Quando apareceu, lançando seu primeiro som, Rico era “visto” de longe,
com seu visual composto por saias tipo kilt, cabelão escovado, jaquetas
extravagantes, chapéus, bolsas e bonés coloridos, além de meias descoladas,
indicam um jovem ligado em consumo, formado em audiovisual, que não deseja
atrair olhares apenas pela aparência (O TEMPO, 2015). Através do seu primeiro
trabalho, o EP Modo Diverso23 (2015), Dalasam, se estabeleceu como um dos
artistas mais proeminentes do movimento queer brasileiro. Cantando sem medo
sobre temas como identidade, sexualidade, representatividade e diversidade,
mesclando não só vivências nas letras, mas também elementos musicais do rap,
hip-hop e música eletrônica em suas composições, criou um som único e
autêntico.

23
Disponível para audição em:
https://youtube.com/playlist?list=PLmtmYs6oir5GtawSMeipjJN5ArZtbg6TS
49

Figura 2 - Rico Dalasam

Fonte: Portal Papel Pop, 2020

Dalasam prefere cantar celebração e afirmação, fugindo do tradicionalismo


rap de denúncia: "A gente pode levar uma “lampadada24”, mas vamos levar uma
“lampadada” pulando, gritando, celebrando. A gente celebra a vida muito perto da
morte" (APARTES, 2017).
O hip hop, no Brasil, vinha sendo hostil à expressão de identidades
LGBTQIA+, mas as contratações começaram com mais força em 2014, quando o
rapper surge em cena com o single Aceite-C (2015). "Os artistas gays, trans,
travestis etc. passaram a rimar a céu aberto, em alto e bom som, e seguem tendo
que lutar para manter o terreno conquistado até agora". Rico Dalasam é intitulado
de "o primeiro rapper gay do Brasil" (ELÁSTICA, 2020).

"Não encontro um ancestral meu dentro da cultura. Não tem um ancestral


do Rico Dalasam, com esse código, homossexual, rap. É um lugar que
está sendo fundado enquanto a gente está vivendo, fazendo e lançando.
Você vai achar o ancestral do Emicida no Mano Brown, o ancestral do
Djonga no Emicida, essas coisas geracionais. Eu não tenho" (DALASAM,
apud ELÁSTICA, 2020).

24
O termo faz referência ao caso do ataque homofônico na Avenida Paulista em novembro de
2010. No incidente um dos agressores chegou a quebrar uma lâmpada fluorescente na cabeça de
uma das vítimas.
50

"O discurso gay no rap poderia ter acontecido há dez anos. Talvez demore
muito mais, mas tô na batalha para que ser gay e ser rapper seja algo comum.
"(DALASAM, apud O TEMPO, 2015). Seu primeiro álbum foi batizado Orgunga25
(2016), que na sua língua própria, significa “orgulho que vem depois da
vergonha”.

“A ideia é que a gente consiga através dessas oito músicas escrever


esse tempo que levamos até adquirir esse orgulho, que é suficientemente
grande para que a gente possa superar vários obstáculos e várias
questões. E, com esse sentimento positivo, sermos capazes de
transformar essa matéria prima, que é a vergonha”, contou o rapper em
entrevista (DALASAM, 2016).

Rico com sua irreverência, desafia os padrões sociais, possui identidade


própria, adotou o estilo afro, resultando em um homem com garra, de voz grave,
com uma enorme presença de palco, e muita coragem (RAP NA RUA, 2016). A
sonoridade preservada dos seus projetos anteriores, mescla hip-hop e
percussões brasileiras com referências africanas. O que poderia ser encaixado
hoje em playlists de “afrobeat”. O que era “fervo e luta” no EP Modo Diverso
(2015) aqui se camufla entre dramas de uma vida jovem. Um legado importante
que foi atribuído a partir da sua primeira aparição, o que reverbera até hoje. A
música Metralhadora26 (2022) do grupo Quebrada Queer refere diretamente
Dalaboy27 enquanto pioneiro quando Tchelo Gomez canta “Dala-dala correu pra
nóis caminhar”.

25
Disponível para audição em:
https://youtube.com/playlist?list=PLmtmYs6oir5EHALaJbJ40oKdngvpIqwYx
26
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=Q5pinmXcAGM
27
Dalaboy é um termo carinhoso para se referir a Rico Dalasam. O próprio Dalasam adotou essa
forma de identificação em algumas ocasiões.
51

6 ANÁLISES

Neste capítulo, embarcaremos em uma jornada pela carreira de Rico Dalasam


ao longo dos anos, explorando minuciosamente as músicas lançadas entre 2015
e 2022. Com base nas teorias e conceitos apresentados anteriormente, nossa
análise visa examinar e questionar como determinados versos, de maneira
inteligente e artística, refletem os debates sobre gênero, raça e sexualidade. Sons
que transcendem a expressão musical e nos colocam enquanto observador
atento e crítico da sociedade. Letras que exploram a interseccionalidade entre
gênero, raça e sexualidade, de maneira que desafia estereótipos e agrega na
construção da identidade de jovens negros gays. “A discografia de Rico Dalasam
propõe olhares sobre homens Negros e homossexuais enquanto grupo
socialmente vulnerabilizado.” (SOARES, 2022, p 16).
A análise proposta segue uma linha do tempo, organizando as músicas de
Rico Dalasam de acordo com o ano de lançamento. Como acompanhei os
lançamentos no decorrer do tempo, desde meados de 2015, acredito que a
abordagem permite traçar um panorama evolutivo da carreira do artista ao longo
dos anos, para observar - assim como fui percebendo a cada novo lançamento - o
seu amadurecimento tanto musicalmente quanto nas suas reflexões.

6.1 A bicha preta tem pressa

Em 2015, Rico lança um EP de nome Modo Diverso, e nele uma música


me chama mais atenção que as outras. Em meio a faixas que exalavam poder e
ostentação no contexto raça, sexualidade e aceitação, uma me chama mais
atenção que as outras logo de cara. A canção que abre o EP, a faixa de nome
Não posso esperar28 (2015), expressa o sentimento de urgência em viver a vida
plenamente, associando-o à importância das relações afetivas.
Os versos "Não posso esperar mais 10, 15 anos / Pra dizer como eu amo"
refletem a necessidade de não adiar a expressão de afeto e a vivência intensa
das emoções, uma introdução que conseguia transparecer tudo que viria ser a

28
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=tOPBgcfG9m0
52

carreira do rapper nos anos seguintes, abordando temas como amor e liberdade.
Para Cândido (2022), diante de um sistema que incentiva conflito entre pessoas
pretas, o debate sobre o afeto é necessário. Pois, todo amor preto, seja entre
casal ou amigos, é resistência. Voltarei em hooks (2021), para lembrar que o
amor cura.
Entendo o verso "Que qualquer copo de afeto e assobio / Já era Dom
Pérignon e piano" como um marco nesse primeiro momento do disco, para além
de ser o meu verso favorito desse som. Quando estabelece uma comparação
entre elementos aparentemente simples, como um copo de afeto e um assobio, e
símbolos de luxo e sofisticação, representados pelo champanhe Dom Pérignon e
um piano, sugere uma inversão de valores, elevando a conexão afetiva a um
patamar de grande importância e valor. Eu não conhecia o Dom Pérignon a
primeira vez que ouvi a música, corri para procurar e me deparei com preços que
giravam em torno de R$2.000, a garrafa de 750ml. Então era o Rico Dalasam um
símbolo de ostentação?
O historiador e estudioso do campo de comunicação e música, MicaeI
Herschmann, acredita que “os segmentos populares associados a esse tipo de
manifestação cultural, embora frequentemente excluídos e estigmatizados, estão
também em sintonia com a lógica do capitalismo transnacional” (HERSCHMANN,
1997, p. 66). Apesar de colocar na letra - referenciar a marca e transparecer
saber do seu valor - Rico parece entender que o "copo de afeto" pode ser tão
satisfatório e enriquecedor quanto desfrutar desta bebida requintada.
Rico ainda chama atenção quando traz o termo “grilhões”29 no contexto de
barreiras sociais, preconceitos e medos que impedem as pessoas de amar
livremente. Nos versos "Vale mais amar, seja como for / Tortura é viver em falsos
grilhões / O medo é maior rival do amor / O mundo é melhor vivido a dois", Rico
Dalasam exalta o amor como um movimento essencial e poderoso,
independentemente das circunstâncias. Nesse verso, destaco o “medo”, que pode
ter ou não ligação com um sentimento de inferioridade, e coloco um contraponto
referenciando Fanon, que diz que "o amor autêntico permanecerá impossível
enquanto não eliminarmos este sentimento de inferioridade" (FANON, 2008, p.54).
29
Grilhões são correntes ou algemas que são usadas para prender os pulsos ou tornozelos de
uma pessoa. Esses dispositivos têm um simbolismo histórico e são frequentemente associados à
escravidão e à opressão.
53

Rico ainda usa o termo grilhões de forma metafórica para representar todos os
preconceitos, que restringem a expressão e vivência do amor autêntico. Ele
defende que o mundo é melhor vivido a dois, ressaltando a importância das
relações amorosas como uma fonte de conexão, apoio e enriquecimento mútuo.
Uma demanda passional pela possibilidade do amor se entrelaça, assim, ao
enfrentamento violento do colonialismo e racismo, mas como diria Fanon, as
pessoas “precisam de amor, afeição e poesia para viver” (FANON, 2015, p. 280).

6.2 Honestamente, não vem brincar de amor

Estamos em 2016. Rico lança o álbum Orgunga. A música Honestamente30


(2016) é a sexta faixa do disco e parece conversar com a canção “Não posso
esperar” do projeto anterior. Destaco a solidão e superficialidade do sexo casual -
ou relações desprovidas de uma conexão mais profunda. O desejo de ser amado
“seja como for” agora é colocado em cheque, quando Rico apresenta requisitos:
"Quer cuidar de mim? / Entra no meu ritmo / Vive do meu íntimo / Te faço sorrir /
Quer cuidar de mim? / Tem que ser legítimo / Se for só pra isso, amor / Tem
tantos por aí", pensar no efeito do racismo em sua subjetividade é pensar em
como o efeito estrutural disso gera uma sensação de insegurança em relação ao
seu valor próprio, mesmo quando está recebendo reconhecimento e amor de
outras pessoas (FANON, 2008), nesses versos questionados. Rico ainda sugere
que o cuidado deve ser baseado em uma conexão verdadeira, além de um mero
interesse em satisfação física ou encontros casuais. Ele expressa que se o
interesse for apenas por "isso", referindo-se ao sexo casual, existem muitas
pessoas disponíveis para esse propósito.
O que vem a se afirmar, na canção Não vem brincar de amor31 (2017) parte
do projeto Balanga Raba32 de 2017 onde reclama "Não vem brincar de amor / Se
só for pra passar” ainda advertindo sobre a superficialidade das relações
baseadas apenas no sexo casual.

30
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=ZeKav7Nf2Aw
31
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=1mOVK-MEZsg
32
Disponível para audição em:
https://youtube.com/playlist?list=PLmtmYs6oir5G_pAKK_c-Vg9a1--bNEfvk
54

A expressão "brincar de amor" indica um envolvimento superficial, em que


o amor é tratado de forma lúdica, temporária e descompromissada, encontros
passageiros, fugazes ou relações efêmeras, onde não exista comprometimento e
envolvimento mútuo, momentos transitórios de prazer físico, o que lembra o
conceito de amor líquido e aplicativos de relacionamento – e como esses
aplicativos são usados por homens gays. Ao suprir ausências temporal e
superficialmente, os relacionamentos em aplicativos socio-virtuais contribuem
para a sensação de solidão no indivíduo. “A proposta favorece a criação de
identidades virtuais que podem ao mesmo tempo emancipar o criador e aprisionar
o outro que acreditou naquela verdade” (CAVALCANTI, 2017).

6.3 O amor escolhe, prefere, exclui e cancela

Agora estamos em 2020, depois de um “hiato criativo"33 feito por Rico.


Comemorando os 5 anos do EP Modo Diverso, de 2015, Rico Dalasam lança uma
edição comemorativa, em 2020, com novas versões das músicas, dessa vez com
as participações de Jup do Bairro, Hiran, Bruna BG, Lucas Boombeat, Glória
Groove, Murilo Zyezz, Di Cerqueira, Luana Hansen e Enme Paixão, nomes
incidentes da mesma cena dele. Lembro de ter ficado extremamente feliz, era
como revisitar o passado, reconhecer as dores e ver como se curaram com o
tempo - avalio que para o Rico tenha sido algo parecido.
Aqui uma versão em específico me despertou um sentimento que eu não tinha
sentido antes, na música Reflex34 (2020), com a participação de Jup do Bairro35,
os versos "Existem corpos que nunca viverão o amor de forma horizontal / Muito
cruel, eu sei bem / Mas talvez esse sentimento criado por vocês não tenha sido
para ser vivido em plenitude por todos / O amor escolhe, prefere, exclui e cancela"
entoados por Jup, me trazem uma reflexão profunda sobre a acessibilidade do

33
Rico Dalasam, passou por um período de "hiato criativo" nos anos seguintes ao sucesso de
"Todo Dia" (2017), devido a uma disputa judicial pelos direitos da música. No entanto, esse
incidente específico não está diretamente relacionado à análise em questão.
34
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=tzzTt0bvULQ
35
Cantora, compositora e performer brasileira que se destaca na cena musical contemporânea.
Importante voz no ativismo queer no Brasil.
55

amor para certos grupos de pessoas marginalizadas pela sociedade, como os


corpos periféricos, pretos, travestis e outros corpos preteridos. Uso Fanon(2011)
para me ajudar a colocar a culpa dessa dor na violência colonial, quando debate a
necessidade de superar a fixação em um passado de sofrimentos e o apego
forçado à negritude.
Horizontalidade e verticalidade podem guiar a análise do discurso da letra
dessa música. A horizontalidade, num espaço de dois corpos, se refere a troca de
afeto entre esses como um “intercâmbio de emoções e sentimentos, doando e
recebendo”. A verticalidade, por sua vez, representa “um esquema onde um corpo
está no topo e outro embaixo”. O belo é o ponto vital para o primeiro fator, pois
segue a fórmula dos que estão em cima, já o feio segue a fórmula da oposição,
do contraste, do marginal. “A horizontalidade do amor não é para todos, nem
todos os corpos saberão o que é ser amado, simplesmente pelo fato de não
atingirem o nível mínimo necessário para senti-lo, corpos marginalizados são
marginais porque estão à margem de tudo — até mesmo à margem dos que são
amados” (COSTA, 2022).
A canção menciona que talvez o sentimento do amor, tal como foi criado
pela sociedade dominante, não tenha sido concebido para ser vivido em plenitude
por todos, aponta para a exclusão estrutural e sistemática enfrentada por
determinados grupos. Fanon (2011) acredita que esse é um amor que pode até
não existir, mas sim sua representação colonial, o poder, o dinheiro, a dignidade.
Essa exclusão pode ser resultado de normas sociais, preconceitos arraigados e
desigualdades que perpetuam a marginalização de certos corpos e suas
experiências amorosas. Reafirmando ao cantar que "o amor escolhe, prefere,
exclui e cancela", ressaltando a complexidade do amor e como ele pode ser
seletivo, perpetuando desigualdades e injustiças.
Colocando o amor como uma condição social, influenciado por gênero,
sexualidade, fatores sociais, culturais e históricos que privilegiam alguns e
marginalizam outros.
56

6.4 A melhor versão de nós nunca foi na agonia

Rico lança em 2021 o Dolores Dala o Guardião do Alívio. Não imaginava


que esse iria se tornar o meu disco favorito. Nas palavras de Soares(2022)
DDGA (2021) é
“um manifesto de Rico Dalasam em primeira pessoa no qual percebemos
que as relações interpessoais — que são parte da realidade que
entendemos como cotidiana ou comum — também podem ser territórios
de confrontos e enfrentamentos — aqui relacionados às identidades
raciais e a homossexualidade — que estão inscritos historicamente e que,
por isso e ao mesmo tempo, fazem parte de uma temporalidade social
que existe para além das narrativas do rapper.”

No interlúdio Não é Comigo36(2021) onde apresenta uma conversa em


áudio, Rico reclama “Vai querer em algum momento da sua vida, da sua vivência
social, você vai tentar dar uma suavizada na minha presença" dando a entender
que falta uma aceitação e/ou revelação da sexualidade do parceiro.
Ele traz à tona a questão da consciência racial e como isso pode
influenciar a dinâmica social e a forma como as pessoas se relacionam. Ao
mencionar que a pessoa que está do outro lado da linha "não swinga no social da
coisa", Rico aponta para a falta de familiaridade e compreensão da realidade e
experiência social que ele, como uma pessoa preta, vivencia. Essa expressão
pode ser interpretada como uma forma de dizer que a pessoa branca não está
plenamente inserida ou não compreende completamente os desafios e as
complexidades que os indivíduos pretos enfrentam diariamente na sociedade. Um
relacionamento interracial não é sinônimo de que o racismo acabou nem de que o
antirracismo venceu.

Felizmente, há pessoas não negras que se despiram de seu racismo de


formas que lhes permitem criar laços de intimidade baseados em sua
capacidade de amar a negritude sem assumir o papel de turista cultural.
Ainda está por vir uma quantidade significativa de textos destes indivíduos
que relatem como mudaram suas atitudes e resistem, numa vigilância
diária, a voltar a contribuir com a supremacia branca (hooks, 2019 p. 58)

Os discursos e as atitudes precisam ser construídos diariamente. Piadas


racistas nos grupos de família, por exemplo, não podem ser aceitas. “Mais do que
amar, é possível sair da passividade e ir para a atividade. Amar pode ir além do
verbo intransitivo.” (GÉNOT, 2019).

36
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=ekPzUn25HpY
57

O rapper ainda usa o termo "dar uma suavizada" na sua presença em


algum momento da sua vida ou vivência social, apontando para a possibilidade de
a pessoa tentar minimizar as diferenças raciais ou ignorar questões de
discriminação e opressão, buscando evitar desconfortos ou confrontos
relacionados à raça. A faixa em si soa como um pedido de socorro e, de forma
agonizante, uma chamada para um relacionamento mais autêntico, respeitoso e
sensível às dinâmicas raciais existentes.
Rico ainda usa as palavras "porque as águas que vêm de baixo são as
águas que eu consigo alcançar, porque as águas que vêm de cima não estão
disponíveis para mim", para comparar vivências e oportunidades, levando em
consideração o racismo estrutural presente na sociedade. Como observado por
Fanon, há uma dinâmica na qual as pessoas negras podem se sentir aprisionadas
e alienadas em relação à sua própria inferioridade percebida, enquanto as
pessoas brancas podem estar presas em uma noção de superioridade. O racismo
estrutural discutido por Almeida (2019) é percebido aqui. A partir disso podemos
também debater o quão é importante reconhecer que almejar a cultura do outro
pode resultar em um distanciamento de sua própria cultura, levando a um fascínio
e desejo de aproximação que pode levar à autonegação e ao embranquecimento.
Ao mencionar as "águas que vêm de baixo", ele se refere às oportunidades
e recursos que estão mais acessíveis para aqueles que enfrentam desigualdades
e marginalização devido ao racismo, e ainda nesse contexto homofobia. Essas
"águas" simbolizam as limitações e obstáculos impostos por uma estrutura social
que perpetua a discriminação e a desigualdade racial e de gênero. Em "águas
que vêm de cima", se refere às oportunidades e vantagens que são mais
facilmente disponibilizadas para pessoas brancas na sociedade.
Destacando a disparidade de oportunidades e as barreiras enfrentadas por
pessoas pretas devido à estrutura racista em que vivemos. Acesso a recursos,
poder e privilégios para determinados grupos, enquanto outros têm mais
facilidade em alcançar essas mesmas oportunidades. De acordo com Brito(2020),
o homem negro é marcado duplamente pela violência.

“Vejo isso pelas trajetórias de outros homens pretos que conheci e que
acabaram presos ou em situação de drogadição por conta disso. Além do
mais, nossos corpos são extremamente sexualizados; somos
desumanizados. Então somos vistos obrigatoriamente como máquinas de
58

fazer sexo e precisamos performar isso. E tem que ser o sexo hétero.
Algumas mulheres, quando descobrem que um homem negro é gay, logo
reagem dizendo que um negão assim ser gay é um desperdício.” (BRITO,
2020, online).

Na faixa, Dalasam faz menção ao termo "500 anos", fazendo referência à


escravidão e à história de opressão que a população negra passou, trazendo à
tona a magnitude desse legado de discriminação e sofrimento.

A economia do Brasil foi construída à base do trabalho forçado de


pessoas Africanas e de pessoas dos povos originários por 388 anos 25 .
Ainda que não seja a demarcação temporal precisa, acreditamos que o
rapper faz alusão a esse marco histórico do país quando fala sobre uma
“parada de 500 anos”. (SOARES, 2022, p 44)

Ao questionar se alguém estaria disposto a enfrentar essa história de


opressão por causa de um amor incerto, ele coloca em perspectiva a gravidade e
a complexidade das lutas e desafios enfrentados pela população negra ao longo
dos séculos. Ao colocar essa referência em contraponto ao "suposto amor", Rico
questiona se um relacionamento amoroso individual seria suficiente para superar
ou desafiar toda essa história de opressão. Essa colocação sugere uma reflexão
sobre a necessidade de entender e reconhecer a importância da luta contra o
racismo estrutural, que vai além – e que reflete diretamente nos relacionamentos
individuais.
No verso "Então não é comigo que você tem que ficar, você tem que
correr... correr com os caras aí que é do seu universo, da sua coisa, tendeu?",
Rico Dalasam conclui sua reflexão sobre a opressão enfrentada pela população
negra e os desafios de um relacionamento interracial. Entendendo esse universo
enquanto a branquitude hetero cis, correr com os caras do seu próprio universo
sinaliza a importância de cada um reconhecer e se responsabilizar por suas
próprias experiências e privilégios. Enfatizando a importância de uma postura
crítica e engajada frente às dinâmicas raciais presentes nas relações afetivas,
essa faixa pode ainda ser entendida como uma despedida, por parte do poeta,
desse amor.
A faixa Última vez37 (2021) que sucede o interlúdio Não é comigo (2021) se
inicia com o cantor abordando a unilateralidade presente em um relacionamento,
possivelmente o desfecho para a faixa anterior. "Marca um rolê e me chama / Me

37
Disponível para audição em: https://www.youtube.com/watch?v=O8G7brKoo5c
59

leva pro teu universo / Toda vez é na minha cama / Dá um jeito de ser o inverso",
descreve uma assimetria de poder e controle na dinâmica do relacionamento, o
que – nesse disco - é uma questão recorrente discutida e denunciada por Rico.
Esse amor negligenciado é discutido por bell hooks. “Abuso e negligência anulam
o amor. Cuidado e apoio, o oposto do abuso e da humilhação, são as bases do
amor” (hooks, 2021, p.64)
Nessa faixa, a pessoa mencionada é constantemente convidada a
participar da vida e dos espaços da outra pessoa, enquanto suas próprias
experiências e espaços são negligenciados. Essa dinâmica reforça a falta de
equilíbrio e de compartilhamento de poder na relação, colocando a pessoa
mencionada em uma posição de submissão e desvalorização. Essa abordagem
reforça a necessidade de reflexão e questionamento sobre as dinâmicas de poder
e controle presentes nos relacionamentos, especialmente no contexto de
desigualdades sociais e culturais.
No verso "Me conta tudo mas me esconde", Rico Dalasam expressa uma
ambiguidade na comunicação e na partilha de informações dentro de um
relacionamento. A frase sugere que, apesar de haver uma aparente disposição
para compartilhar detalhes e experiências, existe uma ocultação de algo
relevante, nesse caso – o próprio relacionamento, por parte da outra pessoa.
Estar solteiro, atualmente, pode significar não aceitar amores pela metade para
continuar sendo inteiro sozinho. É sobre entender ser digno de receber todo amor
que merece e afeto que necessita. A libertação ocorre quando o indivíduo não se
contenta com a margem, uma vez que merece o oceano inteiro (MUNDO
NEGRO, 2021).
Nos versos "Só chama pra ser seu PF / Diz que eu sou BFF / Quando 'cê
chega em casa de moto Eu penso: "tomara que me leve" / Me passa feito um
TikTok / Fudendo com meu tico е teco" Rico Dalasam aborda questões
relacionadas ao amor, afeto, resistência e relações casuais, considerando o
contexto de sua identidade como uma pessoa homossexual e negra. Ao explorar
uma possível relação interracial entre dois homens, a música oferece espaço para
discutir como os homens lidam com o amor e a resistência ao afeto,
particularmente dentro do recorte de gênero, já que historicamente, o estereótipo
da masculinidade tem sido associado à ideia de frieza emocional e resistência ao
60

envolvimento afetivo. A masculinidade normatizada (branca, heteronormativa e


cis) é capaz de influenciar o funcionamento social e conceder diversos privilégios
para os inclusos no padrão. Diante disso, muitos desses problematizam ações.
"Os efeitos tóxicos da masculinidade me atravessam de outro jeito, se
compararmos com homens brancos, porque mesmo que os homens brancos
sofram com a privação de sentimento, por exemplo, eles possuem muitos
privilégios que os negros não têm." (BRITO, 2020). Nunes (2020) acrescenta: “a
violência do homem é uma resposta ao tanto que ele mesmo se violenta para não
mostrar suas fragilidades e seus desejos que, muitas vezes, precisam ser
negados para ter reconhecimento social”.
Por outro lado, a facilidade com que os homens têm acesso a relações
casuais, especialmente por meio de aplicativos de encontros rápidos, também é
um aspecto abordado na música. Essas plataformas proporcionam uma forma
rápida e conveniente de encontrar parceiros, mas também podem levar a uma
desconexão emocional e superficialidade nas interações, já que muitas vezes se
baseiam principalmente em aparência física e satisfação imediata. Ideia que
ganha poder quando Rico canta "Quando a vida aperta, a mente chama quem?
Quando a noite acaba sem, tu chama quem?", nos versos seguintes. Retornando
a reflexão sobre o papel do desejo sexual e a busca por conexões efêmeras e
superficiais dentro do contexto do amor vazio e líquido, sugerindo que muitas
vezes se recorre ao sexo casual como uma forma de alívio. A faixa explicita como
o tesão e o impulso sexual podem impulsionar o homem a buscar encontros
passageiros, onde a conexão emocional e a intimidade são secundárias e
contrapõe com a figura romântica e afetiva do poeta, que nessa faixa se sente
subjugado e preterido, sendo levado por uma relação fugaz e descartável. Essa
associação entre o impulso sexual, o amor vazio e a superficialidade nas relações
amorosas nos convida a refletir sobre a importância de buscar conexões mais
profundas e significativas, que vão além do prazer momentâneo. O ideal de
masculinidade afeta homens pretos desde sua infância. “Ideal esse que não os
contempla, os afeta de tal forma que faz com que o ideal de construções afetivas
seja pautado no distanciamento, nas relações brutas” (CÂNDIDO, 2022).
61

Além disso, abre espaço para questionarmos como o desejo sexual pode
moldar as escolhas e ações dos homens, e como essas dinâmicas afetam a
construção de relacionamentos duradouros e satisfatórios. A expressão "Quer
meter, não quer manter" utilizada na música, confirma e reitera a dinâmica do
sexo sem compromisso, e ainda critica à cultura do sexo casual e à falta de
compromisso emocional nas relações modernas, onde o prazer físico pode se
sobrepor à busca por intimidade e comprometimento emocional. Retomo a
discussão sobre superficialmente de Cavalcanti (2017), destacada no tópico 6.3
deste trabalho.
No trecho "É indeciso e intenso tudo o que quer de mim / Pô, nem quem
tem um amor na cadeia é assim", Dalasam faz uma comparação entre a
intensidade e indecisão do relacionamento com a referência ao "amor de cadeia".
Essa expressão pode ser interpretada de forma metafórica, representando um
tipo de amor complexo e difícil, que enfrenta obstáculos e restrições externas. Ao
mencionar o "amor de cadeia", faz alusão aos desafios e limitações enfrentados
por pessoas que vivem relacionamentos afetivos com parceiros que estão
encarcerados. Através dessa comparação, Rico sugere que mesmo em
relacionamentos não sujeitos às restrições físicas e sociais presentes em um
relacionamento com alguém na prisão, o amor ainda pode ser “indeciso e
intenso”.

6.5 Declaro o enterro de um ex-amor que assustava-me

“Declaro agora o fim das tentativas. Pela situação em que estive e


melhorei, quando levei fé em algum canal. Por quando me curei sozinho por não
levar jeito pra ser neguinho cobaia", afirma o artista, no material de divulgação do
EP Fim das Tentativas38. Chegamos a 2022.

Na principal música de trabalho desse EP, Rico parece se despir do peso


de estar em uma relação onde ele sustentava um amor unilateral e assim

38
Disponível para audição em:
https://youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_n8iYoHNk6RHW-Dc5Dlohog7sU3-KKTKq0
62

usaremos Tarde D+39 (2022) como a última música analisada neste trabalho.
Se inicia de forma direta onde se pode interpretar e identificar rastros de
hiperssexualização ao corpo do homem preto, quando canta "Embala os beiço em
outro / Vinte centímetros de amor". Nesse sentido, a referência a "vinte
centímetros de amor" está relacionada à associação estereotipada do tamanho do
órgão masculino negro. Rico faz uso da associação, que está enraizada em
estereótipos raciais e na objetificação sexual do corpo do homem preto, para
trazer à tona a problemática da objetificação do corpo e a simplificação das
relações afetivas e sexuais a aspectos meramente físicos (FANON, 2008).
Na faixa, Rico comemora: "No compasso ágil se alguém me preterir / Hoje
já sei mais o jeito / E com todo respeito / Vou aonde sou aceito / A beleza chegou
pra mim", expressando uma valorização do seu próprio crescimento e consciência
de si mesmo. É o famigerado amor próprio que bell hooks apresenta, aparecendo
aqui. Rico ainda afirma que, se alguém o preterir ou o rejeitar com base em sua
identidade racial, sexual ou de gênero, ele tem a confiança para seguir em frente,
se mostrando mais maduro que em qualquer outra faixa. “A arte e a prática de
amar começa com nossa capacidade de reconhecer e afirmar a nós mesmos”
(hooks, 2014, p. 154).
A faixa desfecho para todas as dores que Dalasam cantou anteriormente
em outros projetos mostra como a consciência criada por ele no decorrer do
processo o permite rejeitar ambientes e relacionamentos que o colocam em uma
posição de marginalização ou preterimento. Essa atitude de autenticidade e busca
por espaços inclusivos reflete uma compreensão profunda de sua própria
identidade e uma rejeição à opressão e à marginalização. Declarando o enterro
de um ex-amor que o assustava, Rico descreve esse relacionamento passado
como um capítulo ridículo que estragou um vinho bom. “Declaro o enterro de um
ex-amor que assustava-me / Um capítulo ridículo, que estragou um vinho bom",
aponta para mais metáforas, dessa vez em paralelo às experiências negativas
que esse amor trouxe, e que de certa forma está deixando de existir. A ideia de
que ser maltratado, ofendido, menosprezado e ao mesmo tempo ser amado por
uma pessoa é normalizada, pois faz parte do amor romântico sofrer. Mulheres
negras tendem a sustentar relacionamentos interraciais regados de abusos, dos

39
Disponível para audição em: https://youtu.be/0XcvWf5GsuI
63

quais o racismo é a base.“Nós negros não podemos cair nessa fantasia de aceitar
o racismo vindo daqueles dizem nos amar” (RIBEIRO, 2019).
Podendo ainda ser interpretado como "ex-amor" não apenas um
relacionamento romântico específico, mas também todas as experiências e
vínculos tóxicos que causaram dor e sofrimento em sua vida. Ele reconhece que
esse capítulo foi ridículo, ou seja, não teve sentido ou valor verdadeiro em sua
vida, e lamenta o fato de ter estragado um "vinho bom", referindo-se a momentos
felizes ou oportunidades positivas que foram afetadas ou arruinadas por essa
situação. Curioso pensar que na primeira música, do primeiro EP de Dalasam,
Não posso esperar de 2015, que analisamos no tópico 6.1 deste trabalho ele cita
uma marca de vinhos que pode ser ligado diretamente a esse “vinho bom” que foi
estragado aqui.
No verso "Nesse flow KY, desliza forte em mim", Rico Dalasam faz uma
referência à marca de lubrificantes íntimos KY, que relacionado ao já citado verso
"Vinte centímetros de amor", é possível explorar uma perspectiva crítica sobre a
objetificação e hipersexualização do corpo masculino, especialmente o corpo do
homem negro. Ao mencionar o "flow KY" e a lubrificação, Rico Dalasam pode
estar utilizando uma linguagem provocativa para ressaltar a sexualidade e o
prazer. Em uma perspectiva crítica, Rico faz o uso de metáforas para questionar a
maneira como a sexualidade é explorada e se há uma ênfase excessiva na
dimensão física e na satisfação sexual em detrimento de outros aspectos do
amor, como a intimidade emocional e a conexão pessoal.
Acredito que a mais inteligente das hipóteses e teorias criadas em torno
das letras de Ricardo, é a possível interpretação dos versos "Só quero mais bolo
de chocolate, sem açúcar e leite" onde pode envolver uma possível leitura sobre
preferências e identificação cultural. Ao mencionar o "bolo de chocolate", Rico
Dalasam pode estar utilizando uma metáfora para expressar seu desejo por
relacionamentos ou conexões afrocentradas, onde o chocolate simboliza a
negritude. A afrocentricidade é uma discussão criticada por bell hooks:

"Ao falar sobre afrocentricidade bell hooks tece uma crítica ao modo como
nacionalistas negros estão tentando enfrentar a crise de
identidade/representação que negros estadunidenses sofrem, segundo a
autora esses grupos apostam numa representação unitária da negritude, a
universalização da experiência branca, o apagamento das formas
africanas de conhecer e construção de uma narrativa utópica e idealizada
64

de África. (...) A autora chega a concordar que muitas críticas


afrocentradas auxiliam na destruição do eurocentrismo, mas ela discorda
quando estas são feitas a partir de essencialismos" (ZACARIAS, 2021, p.
106-107).

Na música, a menção a "sem açúcar e leite" a partir desse novo momento


da vida, onde ele já apresentou durante toda a letra uma maturidade, pode ser
interpretada como uma forma de afirmar sua rejeição a relacionamentos ou
interações que sejam caracterizados por características ou influências que ele
não se identifica ou não deseja mais experimentar. Nesse contexto, pode-se
inferir uma perspectiva de afirmação da identidade e valorização de relações que
ressoem com sua própria experiência racial e cultural. Não necessariamente isso
pode falar de uma ideia de que a partir desse ponto, o autor não vai mais se
relacionar com pessoas brancas. Mas sim, de uma noção de maturidade ao se
relacionar com pessoas de outros meios sociais, levando em consideração as
análises apresentadas das músicas dos tópicos anteriores. Finalizo o capítulo
deixando explícito que me coloco enquanto refém dessa subjetividade para
pensar ponto de vista a partir da ótica de bell hooks. A partir de qual perspectiva
política sonhamos, observamos, criamos e agimos? Em qual contexto estamos
inseridos. Para aqueles que ousam desejar de maneira diferente, que buscam
desviar o olhar das formas convencionais de enxergar a negritude e nossas
identidades, a questão da raça e da representação vai além da mera crítica ao
status. Acreditar que o amor cura, como já foi reafirmado diversas vezes durante
a pesquisa em referência a bell hooks, trata-se também de transformar as
imagens, criar alternativas e questionar quais tipos de imagens devem ser
subvertidas, apresentando alternativas críticas e transformando nossas visões de
mundo, afastando-nos de pensamentos dualistas de bom e mau. É a maturidade
sendo adquirida com a vida. E se houve pouco progresso, é porque temos
transformado as imagens sem alterar os paradigmas, sem mudar perspectivas e
formas de ver (hooks, 2019, p. 36).

[...] a base de todo amor em nossa vida é a mesma. Não há amor especial
reservado exclusivamente para parceiros românticos. O amor verdadeiro
é a base de nosso envolvimento com nós mesmos, com a família, com os
amigos, com companheiros, com todos que escolhemos amar. Embora
necessariamente nos comportemos de forma diferente dependendo da
natureza da relação, ou tenhamos diferentes graus de compromisso, os
valores que orientam nosso comportamento, quando baseados numa
ética amorosa, são sempre os mesmos para cada interação. E um dos
65

relacionamentos românticos mais longos da minha vida, me comportei de


maneira mais tradicional, colocando-o acima de todas as outras
interações. Quando ele se tornou destrutivo, achei difícil ir embora. Eu me
vi aceitando comportamentos (abuso físico e verbal) que não toleraria em
uma amizade (hooks, 2021, p. 167- 168).
66

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho, exploramos as nuances das experiências vividas


por homens negros gays através das temáticas abordadas por Rico Dalasam
relacionadas à raça e sexualidade em sua produção. Buscamos responder a
perguntas sobre o seu impacto nas vivências afetivas de homens negros e
homossexuais, bem como nas discussões sobre identidade, diversidade e
representatividade refletindo sobre como suas composições expressam e
amplificam as questões sociais e culturais presentes na sociedade
contemporânea, sendo assim, diante das reflexões e análises, é possível concluir
que a obra de Rico se revela como um valioso instrumento para ampliar a
compreensão das experiências afetivas e violências vividas por bichas pretas,
assim como para questionar as dinâmicas sociais relacionadas às identidades
raciais e sexuais. Destaco o quão importante foi realizar uma revisão bibliográfica
sobre o movimento hip hop e suas interseções com as temáticas de sexualidade,
racismo e escravidão para entender, contextualizar e chegar ao objetivo proposto
do projeto da pesquisa.
Rico Dalasam, por meio das faixas selecionadas para a presente análise,
evoca um afeto historicizado ao abordar a formação colonial do Brasil e os
impactos do racismo na vida da comunidade negra, nos fazemos refletir sobre
relações e afetos, questionando junto com ele a posição de subalternidade que
lhe foi atribuída dentro de relacionamentos, que serviram como inspiração para a
composição e criação de sua arte. Impossível não estabelecer uma comparação
entre minhas experiências afetivas e as de Rico Dalasam, principalmente nesse
lugar de dor, solidão e silenciamento - para além do sentimento de
desumanização, a sensação de ser reduzido a um mero objeto físico, sexual. Em
entrevista ao canal Rap, Falando40, no Youtube em 2021, Rico disse: “Organizar
dores é uma tarefa muito difícil. Eu sou leonino. Eu preciso organizar isso. No
meu processo pessoal vai fazer sentido.” Como se não bastasse, eu também sou
leonino.

40
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ti370YTMKsc&t=2420s
67

Ter Tarde D+ (2022), como a minha música favorita de Rico, funciona como a
comemoração do fim desse amor ruim que estragou um vinho bom, como ele
mesmo compara para se referir a esse ciclo de violências. Como comemoração a
um amor próprio que chegou sabendo que podemos nos dar o amor incondicional
que é fundamento para a aceitação e a afirmação sustentadas. Quando nos
damos esse presente precioso, somos capazes de alcançar os outros a partir de
um lugar de satisfação, e não de falta (hooks, 2021, p. 106-107). Dalasam se
mostra um agente de mudanças e transformações ao decidir encerrar
relacionamentos abusivos e expor em uma canção empoderada que comemora o
aprendizado que veio com a dor. E se não tivesse doído tanto?
Dalasam explora suas emoções e expressa reclamações e denúncias,
utilizando a arte do rap como um veículo de revolução. Ao adotar uma abordagem
qualitativa, embasada na análise de discurso, foi possível desvelar os
mecanismos discursivos presentes nas músicas selecionadas, revelando as
formas de violência, exclusão, limitação e apropriação presentes na sociedade
racista que vivemos. Reconheço a importância de Rico, em desafiar estereótipos
de gênero e sexualidade, promovendo uma mensagem de fortalecimento que
impacta outros indivíduos que se identificam com vivências, como eu.
Mbembe (2001) me convence em pensar que além de uma caixa do que é o
“eu” preto enquanto identidade e herança africana, entendendo que “não é mais
suficiente afirmar que apenas um eu africano dotado de uma capacidade narrativa
de síntese (...) pode afirmar a discrepância e a multiplicidade de normas e regras
interligadas características de nossa época. E ainda flertando com a subjetividade
de Foucault (1996) Mbembe sugere “reconceitualizar a própria noção de tempo
em sua relação com a memória e a subjetividade” onde “o tempo em que vivemos
é fundamentalmente fraturado, o próprio projeto de um resgate essencialista ou
sacrificial do eu está, por definição, fadado ao fracasso.”
Sobre relações interraciais, Medrado (2022) diz que “Nesse vai e vem dos
afetos sociais, o amor que circula por aí é o amor branco, o amor permitido e
aclamado; o amor que pressupõe vida. E pessoas brancas “querem nos amar” e
“querem que lhes amemos” da mesma forma. Mas são linguagens diferentes. E
se elas não forem compatíveis, ou compatibilizadas, esse amor nunca será real.
Será indutivo, impositivo e autoritariamente hierarquizante.” Assim como Fanon
68

(2008) acredita que a sociedade colonial exige que os negros coloquem as


máscaras brancas para sua própria sobrevivência/existência e que o “amor
autêntico permanecerá impossível enquanto não eliminarmos este sentimento de
inferioridade" (FANON, 2008 p.54).
Me deparei várias vezes com a frase “o amor preto cura” e até pensei o amor
preto como um amor afrocentrado. Para bell hooks, a concepção de amor preto
evocada tem como objetivo curar as feridas pessoais causadas pelo racismo. No
entanto, além de mapear os impactos do racismo em nossas vidas, ainda é
necessário examinar outros traumas igualmente dolorosos, mas que possuem
pouca ou nenhuma relação com o racismo (hooks, 2019), com críticas ao
afrocentricidade sugere que o amor preto não necessariamente tenha que ser um
amor entre somente pessoas pretas.
Penso que ao encontrar no rap, na vivência de favela e na cultura hip hop um
lugar seguro estamos pensando em uma rede de apoio criada através de um
movimento que é plural, diverso, autêntico e acima disso, é estético. É uma cura
coletiva. De acordo com Rose (1997), a cultura marginal desempenha um papel
significativo na formação dessas redes comunitárias, que servem como base para
os novos movimentos sociais. Por sua vez, hooks (2012) destaca a necessidade
da vivência comunitária como uma resposta à crise cultural, argumentando que a
cura individual não ocorre de forma isolada. Através do engajamento com os
outros, a compaixão, o perdão, a escuta atenta, a inclusão e outros ingredientes
se unem para possibilitar a experiência da alegria da comunidade. Dessa forma,
ambos os autores ressaltam a importância da comunidade como um espaço de
transformação e cura coletiva.
Considero também dar destaque para como Rico reivindica e reinventa a
representação social do corpo do homem negro e traz o afeto nesse lugar de
desconstrução da hiperssexualização, além de construir performances que
desafiam estereótipos de binariedade e exalam autonomia, beleza e muito poder
sobre si.
Eu nunca disputei determinados lugares. As pessoas acham que o que
me difere dentro do rap é o fato de eu ser um rapper gay, antes fosse,
mas não é. É que eu não disputo determinados lugares, não é do meu
interesse. Porque disputar lugares está sendo disputado imaginários de
masculinidades. A maioria desses códigos não me interessam e é isso
que me difere. Disputar lugares que estão baseados em performance de
69

masculinidades. A curva é feita nesse instante, o som sai de outro jeito, a


foto, o clipe. (DALASAM, 2021, online)

Além de uma pesquisa acadêmica, usei o especialmente esse lugar para


realizar um desabafo por uma vivência afetiva autêntica, sem as amarras
impostas pelo amor branco. O amor branco que mesmo entre pessoas
racializadas, tem sido adotado como um modelo a ser seguido, e mesmo que seja
um modelo falho, ele se enraizou no solo fértil do racismo estrutural de nossa
sociedade. Pensando no afeto, uma das proposições mais significativas de bell
hooks que irei aplicar como lição de vida e carreira é que, se todas as políticas
públicas fossem criadas a partir da ética do amor, as injustiças sociais não seriam
uma preocupação (hooks, 2021).
Entendo essa pesquisa como contribuição importante para a ampliação do
conhecimento acadêmico acerca das relações entre afeto e raça, sexualidade e
identidade, evidenciando o poder da arte, da comunicação e da música como
ferramentas de expressão, resistência e transformação social. E acredito na
relevância de trazer à tona e abordar de significativa essa discussão no âmbito do
pensamento decolonial, uma vez que o afeto envolvendo pessoas pretas enfrenta
desafios significativos relacionados às premissas da colonialidade. Ainda
reafirmo a urgência na necessidade de construir formas de relacionamento,
sexualidade e afetividade que sejam genuínas para nós, bichas pretas.
70

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2022. 70p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo) –
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2022.

SOARES, Victor Hugo Leite de Aquino. MAR ABERTO: Diáspora Negra e(m)
Imagens no Audiovisual e no Teatro. Brasília. 2019. Trabalho de Conclusão de
Curso (PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS - PPG-CEN)
-Universidade de Brasília.

SOUSA, Bárbara Léia Lopes de. “A importância da representatividade para os


grupos minoritários: uma revolução na construção de identidades.”
Repositório Institucional da UFPB, 2 abril 2020,
https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/17617. Acesso em 20 maio
2023.
80

SOUSA, Maressa. “Vivendo de amor: sobre emoções e a afetividade negra


em bell hooks.” cacheia!, 19 outubro
2017,https://cacheia.com/2017/10/afetividade-negra-bell-hooks/. Acesso em 23
maio 2023.

SPINOZA, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica


Editora, 2010.

TUPAC e Madonna: paixão, prisão e questões raciais em um conto de fadas


gangsta. NOIZE. 2017. Disponível em:
https://noize.com.br/relacao-tupac-e-madonna-caso-carta-prisao-parceria-i-d-rathe
r-be-your-lover-bedtime-stories/#1. Acesso em: 21 jun. 2023.

VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
81

Anexo I: Letra da faixa Não posso esperar (2015)

One more night


One more night
One more night
One more night

Não posso esperar mais 10, 15 anos


pra dizer como eu amo.
Como é invisível esse elo!
E que amar sempre é um privilégio!

Eu fui vítima de um bem sincero


ao lado
querendo a folha de caderno.
Eu passo!

Senti na barriga:
é um inverno, um embalo
que me levou à força.
E eu me vi fraco.
Tomado de um medo indomado,
atuei, frio, em cenas tão longas...

Conheci a dor, que ela volta como as ondas.


E, sempre que houver uma razão, ela aponta.
Se tu deixar, ela apronta.

Cheguei!
Mc pra fã da Britney.
Às vezes, deprê.
Igual na morte da Whitney.
82

Ensino de um livro que aprendi sem ler.


A dança de um hit antes do hit ser.

Saio nas ruas, reparo nas dona:


gola rolê, saia godê.
Ao correr nas dunas que a perna afunda.
Mas hoje não passa, não posso perder!

One more night


One more night
One more night
One more night

Saí da farra da orla.


Entrei na mata
atrás de um amor
manauara moiado.

Fiquei dois anos bolado, ferido.


Demorou pra ser esquecido.
E o brilho do olhar de um catarino
fez meu verão, foi meu cassino.
Me vi mais homem que menino
na foto de volta pra Sampa sorrindo.

Sampa, cinza, rosa, onde


só alguns transam,
desses,
só alguns gozam.
Nela, minha vida é um táxi
na fuga do moço com um tênis da Traxx
No fundo da sala da oitava vi:
a lousa não me animava.
83

Eu fui melhor aluno do amor


e nunca secou na fonte que minava.

Amei sem posse.


Amo!
Chapei sem dose tanto
que qualquer copo de afeto e assobio
já era Dom Pérignon e piano.

Vale mais amar, seja como for.


Tortura é viver em falsos grilhões.
O medo é maior rival do amor.
O mundo é melhor vivido a dois.

Vale mais amar, seja como for.


Tortura é viver em falsos grilhões.
O medo é maior rival do amor.
O mundo é melhor vivido a dois.

Não posso esperar


Não posso esperar
Não posso esperar
Não posso esperar

One more night


One more night
One more night
One more night
84

Anexo II: Letra da faixa Honestamente (2016)

Quer cuidar de mim


Entra no meu ritmo
Divido meu intimo
Ti faço sorrir

Quer cuidar de mim então


Tem que ser legítimo
Se for só pra isso amor
Tem tantos por aí

Que manda mensagem sim


Pra hoje mais tarde ir
Dizendo bobagem ter
Dando a trair

Uns pela sacanagem


Outros pagando de louco
Até tem uns bonitinho
Mais eu
Não to afim

Ficar só é ruim
Quem tá sabe o quanto
Me adaptei no rolê de canto
Dancei só reparei os malandro
Parei de sair

Nem me perdendo nem me encontrando


Perdi um ouro por tá viajando
Tem três que flertam a mili ano
Cantei pra ver o amor surgir
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Pouso forçado querer ter


Eu inteiro do lado
Eu que tô no mundão
Vale aprender a dividir

Coração tem espaço


Quando é sem posse e sem prazo
E jaulas revelam que se não for isso
É viver infeliz

Estar ao alcance de todos


Eu que sou um
Pra lidar com tantos
Vale entender o jeito que eu amo
Ninho é poder voltar quando enquanto

Ficar frio
Sentir saudade do nosso canto
Pra cada ida já to voltando
Tenho quase tudo
Mas o que cê quer eu to sem

Sem regras pra o que virá


Não me peça
Não sei ter roteiro pra amar

Quer cuidar de mim


Entra no meu ritmo
Divido meu intimo
Ti faço sorrir
86

Quer cuidar de mim então


Tem que ser legitimo
Se for só pra isso amor
Tem tantos por aí
87

Anexo III: Letra da faixa Reflex (feat. Jup do Bairro) (2020)

[Interlúdio: Jup do Bairro]


Existem corpos que nunca viverão o amor de forma horizontal
Muito cruel, eu sei bem
Mas talvez esse sentimento criado por vocês não tenha sido para ser vivido em
plenitude por todos
O amor escolhe, prefere, exclui e cancela
Principalmente se é colocada expectativas de representação, onde quase nunca
se contempla, e se mentе é corpo, corpo é mente
As mudanças e еxplorações de si, pode ser um processo dolorido e, muitas
vezes, incompreendido
Mas pode ser a única forma de se sentir pertencente, pelo menos a você
Logo eu, Jup do Bairro, de 93, Janeiro dia 21, continuo minha busca de saber o
que é o amor, mesmo sem saber o que é amar
Mas e aí Dalaboy, e se não tivesse doido tanto?

[Verso: Jup do Bairro]


Tem dia que to com Buda
Tem dia que fico muda
Tem dia que só quero casa
Tem dia que to na rua
Tem dia que eu pego e sumo
Tem dia que eu tô pro mundo
Tem dia que só vaidade
Tem dia que eu nem me arrumo
Tem dia que to suave
Tem dia que é de maldade
Tem dia que tá foda e nem abro o WhatsApp
Tem dia que é mais Mariah
Tem dia que Martnalia
Tem dia com boy na cama
Tem dia que é só a toalha
88

Tem dia que não me abala


Tem dia que só desgraça
Tem dia que é flor do campo
Tem dia que é só granada
Tem dia, tem dia, todo dia é diferente
Vou pro banheiro, lavo o rosto, pego a pasta, escovo os dentes
Quem me dera se essa escova pudesse limpar os fluídos da mente
Um dia é hit do ano, no outro é cancelado
Faz tempo que o tribunal já tava todo armado
Era só escolher o lado
Mas lado preto é o que vai ser julgado
E todo dia, lembrar quem eu sou é aprendizado
Mas o vulgo a carrega toda a história num copilado
Disponho armas libertárias a sonhos antes mutilados
89

Anexo VI: Letra da faixa Não é comigo (2021)

Não dá, né, pai, não é comigo que você tem que ficar
Não é, você sabe que você não swinga, você não swinga no social da coisa
É, se tiver uma festa de fim de ano da sua empresa, do seu trabalho, que cada
um tem que levar seu companheira, sua companheiro, você vai segurar o reggae
de me levar? Não vai!
Vai querer em algum momento da sua vida, da sua vivência social, você vai dar
uma suavizada na minha presença?
E eu não tô aqui pra isso
Olha aí a beleza do que eu tô construindo
Todo ano eu tenho que cavar léguas e léguas para baixo, porque as águas que
vêm de baixo são as águas que eu consigo alcançar porque as águas que vem de
cima não estão disponíveis para mim
Para eu viver esse tipo de coisa? Para eu ser escondido?
E não adianta falar que ama, você vai peitar isso?
Você vai peitar 500 anos de uma parada, por causa de um amor?
De um suposto amor, você nem tem certeza. Não vai, pai!
Então não é comigo que você tem que ficar!
Você tem que correr com os caras aí que é seu universo, da sua coisa, entendeu?
Não é de agora, legal, bacana, mas pô!
Nessa hora não tem Nicki Minaj, não tem Mickey Minaj, nem Mick Minah, nem
Miney, não tem ninguém, não tem ninguém, papai!
90

Anexo V: Letra da faixa Última vez (2021)

Marca um rolê e me chama


Me leva pro teu universo
Toda vez é na minha cama
Dá um jeito de ser o inverso
Pega em meu moletom e vai tirano
Cara tirano bota, tirando e vapo
Me conta tudo, mas me esconde
Você argumenta, eu trago os fatos
Só chama pra ser seu PF
Diz que eu sou seu BFF
Quando cê chega em casa de moto
Eu penso: Tomara que me leve

Me passa feito um Tiktok


Fudendo com meu Tico e Teco
Você fala, еu te ignoro
Você me toca, eu tеnho um treco

Quando a vida aperta, a mente chama quem?


Quando a noite acaba sem, tu chama quem?
Ai, ai, ai, ai, ai
Acorda, me conta
Pô, você tem medo de que?
Eu digo não inflama
No meu portão, diz que quer subir

Quer meter, não quer manter


Dessa vez é last time
Quer meter, mas não quer manter
Dessa vez é last time
91

É indeciso e intenso tudo o que quer de mim


Pô, nem quem tem um amor na cadeia é assim
Se sou que chamo, não quer meter
Se quer meter, não quer manter
Se eu tô com outro, você estraga
Sabendo que eu gosto de você

Me passa feito um Tiktok


Fudendo com meu Tico e Teco
Você fala, eu te ignoro
Você me toca, eu tenho um treco
Me passa feito um Tiktok
Fudendo com meu Tico e Teco
Você fala, eu te ignoro
Você me passa, eu tenho um treco

O som do coração não é vapo-vapo


Deixo o como falar mais que o quanto
Deixa ser na rua o que a gente é no quarto
O som do coração não é vapo-vapo
Deixo o como falar mais que o quanto
Deixa ser na rua o que a gente é no quarto

Quando a vida aperta, a mente chama quem?


Quando a noite acaba sem, tu chama quem?
Ai, ai, ai, ai, ai
Acorda, me conta
Pô, você tem medo de que?
Eu digo não inflama
No meu portão, diz que quer subir

Quer meter, não quer manter


Dessa vez é last time
92

Quer meter, mas não quer manter


Dessa vez é last time
93

Anexo VI: Letra da faixa Tarde D+ (2022)

Demorou demais, por favor dá linha


Já tem outro rapaz
Me chamou prum bar, diz que tá na minha
Também tô, aliás!
Demorou demais, por favor dá linha
Já tem outro rapaz
Me chamou prum bar, diz que tá na minha

Embala os beiços em outros 20 centímetros de amor


E vive a relação nova sem pesar na anterior
Eu nunca desejei um rei
Só um zé em descompasso
Que acerte o meu delay
Acho que me reencontrei
Com coisas sobre mim que desde o colégio eu reajo
No compasso ágil se alguém me preterir
Hoje já sei mais o jeito
E com todo respeito
Vou aonde sou aceito
A beleza chegou pra mim

Não sei o quanto tudo é trauma


Me deu calma quando vi
O Sol refletir minhas marcas
Me vi ave rara em um céu aberto sem fim
Manhã bad de abril
Ostra feliz não faz pérola
Me vejo hoje ostra aberta que já fez pérolas mil

Demorou demais, por


Favor dá linha
94

Já tem outro rapaz


Me chamou prum bar, diz que tá na minha
Também tô, aliás!
Demorou demais, por favor dá linha
Já tem outro rapaz
Me chamou prum bar, diz que tá na minha

Yeah, yeah-yeah, ahn


Yeah, ahn-ahn-ahn
Yeah, yeah-yeah, ahn
Yeah, ahn-ahn-ahn

Dois coração cheio e o


Quinto copo no meio
Nosso elã vem sem receio
Que dure bastante assim
Um encontro sem carrego
Leve eu mesmo me carrego
E o que me ergue eu não nego
Que regue as plantinha em mim

Enquanto raspo o danonin


Reunindo o aterro
Declaro o enterro de um ex-amor que assustava-me
Um capítulo ridículo, que estragou um vinho bom
Mas nesse flow k-y
Tu desliza forte em mim

Só quero mais do bolo de chocolá, chocolá, chocolá


(Sem açúcar e leite)
Quero mais bolo de chocolá
Deixa eu colá
95

Te mostrar
Canções do Ilê

Só quero mais do bolo de chocolá, chocolá, chocolá


(Sem açúcar e leite)
Quero mais bolo de chocolá
Deixa eu colá
Te mostrar
Canções do Ilê

Demorou demais, por favor dá linha


Já tem outro rapaz
Me chamou prum bar, diz que tá na minha
Também tô, aliás!
Demorou demais, por favor dá linha
Já tem outro rapaz
Me chamou prum bar, diz que tá na minha
Também tô, aliás!

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