Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NITERÓI, RJ
2018
FRANCISCA DO R. ALEXANDRE DE AZEVEDO
Orientadora:
Profª. Drª. Fernanda Sánchez
NITERÓI, RJ
2018
AGRADECIMENTOS
It seeks to reflect on the senses of the narratives and languages of rap in order to
recognize the ideologies, social actors that coexist in the city and the forms of
opposition to the social exclusion of the peripheral spaces. As well as to understand
how disputes related to intervention processes in urban space, such as socio-
territorial control policies, work to maintain the physical and social immobility of the
peripheral subject in the city of São Paulo. And as rap, in addition to a musical style,
bearer of a communicational strand, is placed as a guiding system, narrative and
insurgent. For the development of the reflection, we performed discographic
research, analysis of the lyrics, interviews, testimonials, documentaries, observation
in shows and events about the universe of rap.
Apresentação….............................................................................................12
1. Introdução......................................................................................................14
1.1 Breves Notas Sobre Método............................................................................16
2. Sobre o Rap....................................................................................................18
4. Considerações finais.....................................................................................81
Referências....................................................................................................84
Anexos............................................................................................................90
12
APRESENTAÇÃO
1. Introdução
2. Sobre o Rap
Há pelo menos trinta anos o Rap vem ecoando, nos locais de moradias
periféricas, o cotidiano violento vivenciado nesses lugares. O Rap é música urbana e
tem a cidade como centro das suas observações, percepções, representações e,
portanto, construção de suas narrativas. Da cidade nascem as contradições que
19
inspiram os artistas na criação das letras e rimas, sempre muito ligadas às críticas
sociais, à polícia e à ácida interpelação das políticas do Estado e da classe
dominante. Sua expressão artística ultrapassa aparências e se atira sobre a
essência da cidade.
No primeiro capítulo é apresentado um breve panorama sobre a origem do
rap e sua difusão no Brasil, mostrando como o gênero ganhou espaço nas periferias
estadunidenses e, posteriormente, nas periferias dos estados brasileiros e a sua
consolidação mais efetiva na cidade de São Paulo.
Desde sua origem, nos bairros mais pobres de Nova York até sua
disseminação nas periferias dos estados brasileiros, o Rap é expressão artística
produzida pela população negra, pobre e periférica e consumida por essa mesma
população. Por isso, o Rap, de forma geral, tem uma inscrição social, territorial e
racial bem ―clara‖ (ou ―negra‖, entendendo que o emprego da palavra seja positivo
para essa e outras definições). E por esse aspecto, tão peculiar, até muito pouco
tempo foi marginalizado e retaliado pelas classes dominantes, meios de
comunicação de grande circulação e pelo Estado. Excluídos do sistema fonográfico
dominante, gravadoras não financiavam os artistas e tampouco estes se
apresentavam em espaços para além da periferia e com audiência mais central.
Marginalizados, artistas e suas músicas, não tinham qualquer espaço na cena
cultural de grande circulação. Os rappers não eram reconhecidos para além da
periferia e durante anos fortaleceram sua musculatura criativa e empoderadora
dentro das próprias comunidades onde eram nascidos e criados, estabelecendo uma
ruptura junto ao mercado hegemônico quando se afirmavam por meio de uma
produção alternativa1.
1
―Como prática cultural, a música é expressão de forças localizadas na estrutura social. Porém, ao
afirmarmos a filiação de um determinado gênero musical a um segmento social específico, não
estamos negando que o mesmo seja consumido como produto por outras parcelas da sociedade ou
que seja apropriado, produzido e redefinido em outros termos. A história do blues,do jazz, do samba
indica que esses gêneros foram relidos e reinterpretados por outros segmentos.‖ (SILVA, 1988, p. 19)
20
2
O Bronx é um bairro da cidade (região norte) de Nova Iorque que conta, nos dias atuais (2010), com
uma população de aproximadamente 1,5 milhões de pessoas e é uma das localidades mais
populosas dos Estados Unidos. Da população do Bronx, cerca de 50% dos seus habitantes são
latinos, 33% são negros e 14% são brancos. Os restantes são formados por asiáticos e de outras
etnias.
3
Nome artístico do estadunidense Kevin Donovan.
21
Desde que apareceu nas áreas empobrecidas de Nova York, o hip-hop tem
se caracterizado pela luta. Essas áreas enfrentavam diversos problemas sociais,
como pobreza, violência, racismo, tráfico de drogas, infraestrutura e educação
inadequadas.
Em seu Livro The Hip Hop Wars, a pesquisadora estadunidense Tricia Rose
associa o aparecimento dessas gangues com a reestruturação socioeconômica do
sistema capitalista e o aumento do desemprego estrutural na segunda metade do
século XX:
pelo DJ jamaicano Kool Herc4, que introduziu em Nova Iorque o toast – modo de
cantar caracterizado por frases longas e rimas – e a tradição dos sistemas de som
foram se aprimorando em técnica e tecnologia, se espalhando e popularizando entre
as classes mais pobres do Bronx. Nos Estados Unidos, a base do reggae, estilo
musical comum na Jamaica, foi substituída por uma batida tirada do funk e extraída
da utilização de dois discos idênticos dos quais era aproveitada apenas a parte
instrumental da música. Essas seriam as bases fundantes para o aparecimento do
MC/rapper e o seu estilo musical: o rap.5
Enquanto acontecia a febre nas pistas das discotecas, nas ruas do Bronx, o
gueto negro/caribenho localizado na parte norte da cidade de Nova York,
fora da ilha de Manhattan, já estava sendo arquitetada a próxima reação da
―autenticidade‖ black. No final dos anos 60, um disk-jockey chamado Kool
Herc trouxe da Jamaica para o Bronx a técnica dos famosos sound systems
de Kingston. (VIANNA, 1988., p. 20-21)
4
Nome artístico de Clive Campbell. Clive migrou da Jamaica para o Estados Unidos aos 12 anos de
idade.
5
Para alguns estudiosos, o surgimento do estilo musical rap estaria associado à matriz africana,
quando os gritos , canções de trabalho e hinos religiosos (spiritual) eram expressos entre os negros.
Por conseguinte, na década de sessenta, James Brown, principal represente do soul, cantava ―Say it
loud: Im black and proud!‖ (―Diga alto: sou negro e orgulhoso!‖), frase de Steve Biko, líder sul-
africano. Comumente, tudo que os negros estadunidenses passavam era expresso em suas canções.
E como esses estavam cada vez mais conscientes socialmente, devido a toda a luta política, cada
vez mais cantavam ideias de mudança de atitude, valorização da cultura negra, revolta contra os
opressores, ou seja, o questionamento do status quo (PIMENTEL, 1997)
6
Em tradução livre, Block Party significa Festa do Bloco. Na realidade, festa em que membros de um
bairro reúnem-se para observar um acontecimento de alguma importância ou simplesmente por
prazer mútuo. Normalmente, os agitadores culturais fechavam todo um quarteirão da cidade para o
tráfego de veículos e, nesse ambiente, transformavam as ruas em verdadeiras discotecas. Ver:
PIMENTEL, 1997
24
7
O Freestyle, nome em inglês que significa estilo livre, é um gênero musical nascido nos Estados
Unidos nos anos 1980. Se assemelha ao ―repente‖ nordestino. Exige destreza e rapidez para
formação das rimas. A fala cantada é feita por dois rappers de forma alternada de modo a
estabelecer um desafio rimado entre as partes.
8
Hip Hop Evolution é uma série documental dividida em quatro partes que procura explorar os
primeiros 20 anos da cultura hip hop. Criação: Darby Wheeler, Scot McFadyen, Sam Dunn.
25
―Para os negros dos EUA, os anos sessenta não eram de rock‗n‗roll: nos guetos, o
que se ouvia era o soul, naquele tempo importantíssimo para a consciência do povo
preto. ‖ (PIMENTEL, 1997, p. 4)
O DJ Kool Herc, desenvolveu o break-beat (quebrar a batida), que consiste
em uma batida em cima de composições já existentes, essa prática possibilitou que
os b.boys dançassem e os MC‗s cantassem.
Gêneros como rap, funk, soul, rock and roll não eram mais apenas
expressões de "outros", mas faziam parte da realidade local, quando independente
do idioma e da área geográfica, a música foi instrumentalizada como meio de
aproximar as experiências dos jovens de várias partes do mundo.
No final dos anos 70 o movimento hip hop já havia se consolidado no EUA.
Os primeiros discos de rap já tinham alcançado parcelas expressivas em todo o
mundo para além dos limites do gueto nova iorquino. Por meio da indústria
fonográfica, o movimento chegou ao Brasil através dos meios de comunicação de
massa, das importadoras de discos e das casas noturnas da periferia. (Vianna,
1988)
O som associado à imagem dos videoclipes possibilitou uma nova forma de
comunicação entre os jovens localizados em diferentes metrópoles mundiais. Mas
este processo não se refere apenas à dimensão simbólica. As práticas culturais
juvenis também orientam comportamentos, hábitos e atitudes face à realidade local.
O rap, originalmente produzido no Bronx, ao transformar-se em linguagem
internacionalizada, possibilita aos jovens de outros contextos questionar as formas
de opressão que os atingem (SILVA, 1988). Embora sejam expressões indicativas
de processos culturais globais, localizados nas metrópoles de diferentes países
industrializados, as manifestações juvenis adquirem contornos particulares. Por isso,
o rap interessa no seu caráter mais específico, isto é, a forma como os jovens
negros e pobres nos bairros periféricos apropriam-se dessa prática musical e
27
pelo Brasil, partindo de São Paulo, é claro: a mais opressiva das cidades
brasileiras.‖ (p.95).
Dentre os elementos do movimento hip-hop, o rap se consolidou como o mais
expressivo em São Paulo. Nas comunidades periféricas, o rap não era usado
apenas como um estilo e gênero musical, mas também como uma "autoconsciência"
do processo social em curso. Em um momento de rápidas mudanças refletidas na
divisão das instituições familiares, violência urbana, desemprego e crise do sistema
público de ensino, o rap se manifesta como forma de entretenimento e,
politicamente, se manifestou como sistema de orientação ao processo social por
meio do qual os jovens se orientavam.
Desde seu ―nascimento‖ na cidade de São Paulo o movimento hip-hop
atravessou diferentes momentos. Esses momentos possuem uma íntima relação
com os fenômenos e processos de segregação urbana desencadeados no final da
década de 1980 (SILVA, 2011).
Em meados da década de 1980, mais precisamente na hora do almoço, as
ruas do centro da cidade começavam a ser ocupadas pelos breakers. Eles vinham
de diferentes lugares da periferia de São Paulo. A maioria das pessoas usava o
tempo de descanso para dar vazão à expressão artística. Os sons que apareciam na
música daquele período expressavam a centralidade da vida pública na metrópole.
Entre outros recursos, os artistas costumavam usar latas de lixo para fazer sons, que
são facilmente eram descartados e desmobilizados quando a polícia chega.
No começo o conteúdo dos raps registra, especialmente, experiências
cotidianas familiares ao centro da cidade e seus personagens aparecem como
principal foco dos músicos. Tratava-se de um universo peculiar aos jovens que
trabalhavam como office-boys ou que pertenciam a uma gangue de break (SILVA,
2011). A letra Centro da Cidade é exemplar:
9
Antes de se aventurarem nos eventos públicos, os jovens apresentavam suas músicas no circuito intimista das
posses, ou seja, as veiculavam entre os “manos”. Exatamente por valorizar a filiação dos indivíduos ao grupo,
os pesquisadores do movimento hip-hop concluíram que as posses ou crews constituíram-se como respostas
aos processos sociais desagregadores, postos em prática pelas novas condições da vida urbana.
30
realidades colocadas pela metrópole nova-iorquina. Em São Paulo não foi diferente,
desde o disco Hip Hop Cultura de Rua (Eldorado, 1988) a vida na cidade foi
incorporada como um dos principais temas das músicas. Tratava-se inicialmente de
narrar experiências que estavam se desenvolvendo no centro urbano. A partir dos
anos 90, as coletâneas e os álbuns solos voltaram-se de forma direta para o
cotidiano dos bairros periféricos. Problemas relacionados à violência policial, às
drogas, ao preconceito racial passaram a ser tematizados e referenciados na
experiência direta dos rappers.
Apesar das infuências norte-americanas, o hip hop e o rap adquiriram
contornos locais face às transformações urbanas. A segregação socioespacial, o
desemprego, a violência policial, o preconceito e as diferentes formas de exclusão
que atingem os jovens paulistanos nesta década relacionam-se com aspectos
socioeconômicos mais amplos de reestruturação da metrópole paulistana. Neste
momento, o rap registra o apartheid social que acontecia na cidade. Através de
categorias próprias, as músicas têm se fixado em questões relativas à segregação
socioespacial. Registram inclusive as implicações territoriais da desigualdade social:
do processo de fortificação urbana que separa a elite em condomínios fechados e as
classes populares nas periferias carentes de infraestrutura. A exemplo:
atores sociais do rap, do grupo Racionais MC‘s, fazem o registro a partir da sua
perspectiva (de quem se encontra do lado de fora) desse momento em que os
muros dos condomínios das classes média e alta começam a subir como febre nas
áreas nobres, delimitando fronteiras físicas e sociais na cidade. É possível perceber
ainda a falta de perspectiva de quem mora na periferia e os problemas causados
pela apartação social e racial. O processo de erguimento de muros e a fortificação
da cidade resultaram, entre outras consequências, no esvaziamento da vida cultural
no centro urbano e no aprofundamento da vida cotidiana da periferia.
O desenvolvimento do rap apresenta íntimas relações com o surgimento
dessa nova modalidade de segregação urbana, desde sua emergência no centro
urbano, em meados dos anos 80, ainda muito voltado para expressão corporal do
break e sem todo seu potencial crítico e engajado desenvolvido, à sua inscrição na
periferia, em meados dos anos 90.
A explicação que se dá para o rap ter se desenvolvido mais expressivamente
nas periferias de São Paulo do que em qualquer outra periferia do país é dada pelo
pesquisador Rafael Lopes Sousa (2009):
Uma favela brasileira pode ser muito semelhante a um gueto negro norte-
americano quando comparamos as suas respectivas condições
sociodemográficas, pois ambos são territórios de concentração de camadas
pobres com forte presença de segmentos não-brancos, jovens e velhos, de
alta taxas de desemprego, especialmente entre os jovens, de família
chefiadas por mulheres etc. Quando comparamos, porém, os lugares
ocupados por uma e outro em seus respectivos espaços sociais,
verificamos a existência de fortes diferenças. Em primeiro lugar, o termo
"favela", embora pretenda descrever uma situação socialmente homogênea,
esconde fortes diferenças quanto ao papel dos territórios pobres na
economia e na sociedade das grandes cidades brasileiras. O vocabulário
favela e seus congêneres (vilas, palafitas etc.) nem sempre exprimem
posições sociais semelhantes na hierarquia socioespacial brasileira. As
favelas na cidade de São Paulo, por exemplo, constituem uma posição
hierarquicamente mais inferior do que no caso do Rio de Janeiro. (p.
15, grifos nossos)
Desse fato se pode entender que a exclusão social em São Paulo é mais
declarada, pois a diferenciação entre as classes no espaço também o é. Além da
hierarquia social, outra grande diferença colocada pelo autor é a relação dos
territórios da pobreza com o conjunto metropolitano. Trazendo essa reflexão para os
casos de São Paulo e Rio de Janeiro, as duas cidades de maior PIB do Brasil, os
"favelados" apresentam diferentes graus de isolamento social. Estão inseridos na
divisão social do trabalho, embora em posições marginais, mantendo relações de
troca com o mundo social exterior. No Rio de Janeiro a sua grande maioria trabalha
fora da favela e consome fora delas. Além disso, no caso da cidade do Rio de
Janeiro, as favelas se encontram localizadas muito próximas do tecido
metropolitano.
10
http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/mapa-da-desigualdade-2017.pdf
34
Oswaldo Faustino chama a atenção para o ―brado‖ que vem das periferias:
―Dos bairros periféricos norte-americanos às favelas brasileiras, foi ganhando forma
e conteúdo, com o ritmo e as sonoridades que emanam das pick-ups dos DJs e das
letras contundentes dos MCs‖. (FAUSTINO, 2001, p. 10)
11
A frase “apoiados por mais de 50 mil manos” citada em Sobrevivendo no inferno, no encarte do disco, refere-
se a essa dimensão política, menos visível. Nos shows, entre uma e outra música, Mano Brown se dirigia aos fãs
e elaborava um discurso improvisado, marcado por críticas ácidas ao sistema. A expressão autoconhecimento
que amiúde empregavam aparecia como síntese do saber nativo valorizado pelos integrantes do movimento
hip-hop. Foi neste contexto que proliferaram também as chamadas rádios comunitárias, comprometidas com a
veiculação da música, mas também de informações consideradas autênticas. Tais saberes produzidos
localmente ainda permanecem, segundo a visão dos jovens, em oposição às informações veiculadas pela
grande mídia, consideradas falsas.
39
Como vimos, o rap paulistano foi incorporado pelos jovens das periferias,
enquanto expressão das ruas e se apoiou na rede de vizinhança, grupos de amigos
e nas festas de rua. Encontrava-se imerso na experiência local e mesmo sendo
motivado numa escala global, assumiu contornos e características próprias,
reconfiguradas.
Com Rogério Haesbaert podemos pensar que o conceito de
desterritorialização da geografia pode ser mais bem compreendido como ―novas
territorialidades‖, pois ao invés de estas estarem desaparecendo, a geografia e seus
espaços – ou territórios – estão, na verdade emergindo sob novas formas e
40
“de baixo”, pondo em relevo o cotidiano dos pobres, das minorias, dos
excluídos, por meio da exaltação da vida de todos os dias. Se aqui os
instrumentos da cultura de massa são reutilizados, o conteúdo não é,
todavia, global, nem a incitação primeira é o chamado mercado ―global‖, já
que sua base se encontra no território e na cultura local e herdada.
(SANTOS, 2008, p. 144, grifos nossos)
No movimento hip hop, a rua foi apropriada como palco, um lugar chave, para
a expressão e produção dessa cultura. Este espaço, muitas vezes expõe a
segregação social e o medo da violência, tornando-se esvaziado pelo refúgio na vida
privada (SENNET, 1988), foi apropriado e ressignificado pelo movimento hip hop.
A partir da ação do movimento, as ruas, praças e os espaços criados pelos
viadutos passaram a ser apropriados de forma positiva e insurgente, já que estavam
subvertendo a lógica de sempre ocuparem espaços de forma insegura, seja por falta
de opção, seja por imposição dos gerenciadores urbanos.
O grafite trouxe a alegria das cores vivas para os espaços escuros e cinzas.
Serviu como lugar de produção e reinvenção da arte plástica. Os breakers se
utilizavam dos espaços para as performances acrobáticas da dança. A rua também
é a inspiração narrada nas letras de rap. Assim, o termo cultura de rua tornou-se
forte entre os adeptos das práticas hip hop no sentido de designar o próprio
movimento.
Reconhecer a experiência urbana por meio do rap é uma opção para alcançar
os valores e visões de mundo que orientam a ação. No rap, a experiência cotidiana
e a sonoridade das ruas são incorporadas ao texto musical. A música como arte, é
criação, representação e comunicação, e, por isso, pode revelar a cidade como lugar
da simultaneidade e do encontro (LEFEBVRE, 1999)
Em outras palavras, o rap mapeia o ―lado b‖12 da cidade, trazendo à luz
territórios opacos, e pouco luminosos (SANTOS, 1999). Nele a voz emudecida pela
hegemonia dos ouvidos ―educados e eruditos‖, acostumados a certa ordem sonora,
se faz ouvir subindo ao palco e, desse modo, podem ser captadas as relações entre
a música e a produção social do espaço (LEFEBVRE, 2013). Neste trabalho
entende-se o discurso musical do rap como expressão da ordem e das relações
sociais representadas no plano da arte.
A significância da teoria da produção do espaço de Lefebvre reside
especialmente no fato de que ela integra sistematicamente as categorias de cidade
e espaço em uma única e abrangente teoria social, permitindo a compreensão e a
análise dos processos espaciais em diferentes níveis.
Espaço (social) é um produto (social). Para entender esta tese, é necessário,
romper com a concepção generalizada de espaço, imaginado como uma realidade
material independente, que existe ―em si mesma‖. Contra tal visão, Lefebvre,
utilizando-se do conceito de produção do espaço, propõe uma teoria que entende o
espaço como fundamentalmente atado à realidade social - do que se conclui que o
espaço ―em si mesmo‖ jamais pode servir como um ponto de partida epistemológico.
O espaço não existe em ―si mesmo‖. Ele é produzido pela sociedade em movimento.
(SCHMID, 2012)
12
Faço menção aos discos de vinil utilizados pelos DJs na mixagem das músicas. As faixas do álbum são
divididas entre os lados A e B do disco. O “lado A” seria aquele contado pela discurso dominante, já o lado B
seria o cantado nas músicas que narram territórios não reconhecidos por esse discurso.
46
Cotidiano:
RAP fonte de COTIDIANO
- Indivíduo Social inspiração - Heller
para o rap
13
Entrevista concedida pelo grupo ao site/canal Rap Nacional, 02 janeiro de 2004, disponível em
http://www.rapnacional.com.br
48
Por intelectuais, deve-se entender [...] todo o estrato social que exerce
funções organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no
da cultura e no político-administrativo [...]. Para analisar a função político-
social dos intelectuais, é preciso investigar e examinar sua atitude
psicológica em relação às classes fundamentais que eles põem em contato
14
Gramsci explicita e aprofunda a inseparável relação dialética entre intelectual e mundo circunstante,
dotando os intelectuais orgânicos aos interesses das classes subalternas de uma função central nos processos e
lutas de formação de uma contra-hegemonia contrária aos interesses do capital e dos seus intelectuais
tradicionais. O que interessa ao sardo marxista na reflexão acerca da questão dos intelectuais é a ampliação da
formação e da ação dos intelectuais orgânicos das classes subalternas na construção de uma sociedade
regulada pelos interesses e necessidades do trabalho, que Marx nomeou de emancipação humana.
49
nos diversos campos: têm uma atitude ―paternalista‖ para com as classes
instrumentais ou se consideram uma expressão orgânica destas classes?
Têm uma atitude ―servil‖ para com as classes dirigentes ou se consideram,
eles próprios, dirigentes, parte integrante das classes dirigentes?
(GRAMSCI, 2000, p. 204)
15
Em se tratando de uma sociedade fortemente alienada, como é o caso da sociedade capitalista, essa
tendência ao pragmatismo pode exacerbar-se imensamente não só na vida cotidiana das pessoas como
também em todas as demais esferas das atividades sociais. Isso não ocorre por acaso, sendo uma conseqüência
necessária de uma dinâmica social toda ela voltada para a produção e o consumo de mercadorias.
16
Como Heller enfatiza, a superação da alienação exige a transformação da sociedade capitalista. Contudo,
essa transformação da sociedade tem como parte necessária e importante a luta pelo máximo
desenvolvimento da individualidade humana que for possível ainda no interior da sociedade capitalista.
50
17
Segundo Chaui (1999), sujeito é o indivíduo consciente de sua atividade sensível e intelectual, dotado do
poder de análise, síntese e representação, portanto, é o ser social em sua individualidade, que se reconhece
diferente dos objetos que o rodeiam, “cria e descobre significações, ideias, juízos e teorias”, ou seja, o mundo a
sua volta. “É dotado da capacidade de conhecer-se a si mesmo no ato do conhecimento, ou seja, é capaz de
reflexão. É saber de si e saber o mundo, manifestando-se como sujeito percebedor, imaginante, memorioso,
falante e pensante” (CHAUI, 1999, p. 118). Porém, essas capacidades ou potencialidades só se objetivam no
meio social. Assim, o sujeito se apresenta enquanto síntese de múltiplas determinações sociais, portanto, ele
só é sujeito porquê é um ser social (ou sujeito social).
51
Por sua vez, o jornalista Reinaldo Azevedo19 para a Revista Veja (2007)
associa o Rap ao banditismo e a exaltação do ―pobrismo‖:
Pela primeira vez desde o séc. XI, quando o monge Guido de Arezzo
inventou a escrita musical, é possível fazer música sem instrumentos, sem
nenhum conhecimento prévio do assunto até sem saber cantar. O rap
consiste numa letra falada - às vezes vociferada - sobre uma base rítmica.
O termo rap tanto pode ser a sigla rhythm and poetry - ritmo e poesia,
quanto pancada em inglês (item - Música, Revista Veja, 27/09/1990)
18
Barbara Gancia (São Paulo, 10 de outubro de 1957) é uma jornalista brasileira. Colunista do jornal Folha de S.
Paulo até 2016, foi uma das apresentadoras do programa Saia Justa, do canal GNT. A comunicadora também
foi colunista da BandNews FM e apresentadora do programa Invasões Bárbaras no canal de TV pago
Bandsports, porém, em abril de 2016 foi demitida.
19
José Reinaldo Azevedo e Silva (Dois Córregos, 19 de agosto de 1961) é um jornalista político brasileiro,
segundo ele próprio declara, inserido no campo da direita liberal e democrática. Atualmente, Reinaldo é
colunista no jornal Folha de S.Paulo e atua como comentarista do telejornal RedeTV! News, da RedeTV!, além
de apresentar o programa Pela Ordem nas plataformas digitais da emissora.
53
Os trechos citados acima mostram como o Rap é visto de forma negativa pelo
discurso dominante e expõem as tensões que constituem a sociedade evidenciando
também as lutas de representação das diferentes classes sociais.
Convém sublinhar novamente: quem são os autores e atores sociais que
produzem o rap? E a quem sua música se destina? Diferente dos jornalistas e
formadores de opinião citados acima, em sua grande maioria, não têm a pele
branca, não possuem formação escolar completa e não são oriundos da classe
média. É, portanto, compreensível que o tema e a estética sonora do rap reflitam
sobre os morros, favelas, periferias, sobre o cotidiano de violência, descaso e
desrespeito presente nesses territórios sob a perspectiva e lente dos citadinos que
vivenciam essa realidade.
Segundo Guareschi (2001), a estratégia para a criação e reprodução das
relações de exclusão é a legitimação de uma ideologia, na esfera da psicologia
social, por parte de um grupo, para manter hegemônica a assimetria das relações
sociais. Além disso, essas relações de exclusão substituem as antigas relações de
exploração, dominação e subjugação. Quando determinados setores sociais
desqualificam o Rap estão engrossando as fileiras de um discurso ideológico
dominante que pretende subordinar, marginalizar, ou ilegalizar práticas e grupos
sociais que poderiam constituir uma ameaça ao pensamento dominante e à ordem.
Nas palavras de Boaventura de Souza Santos, "há muitas formas de
conhecimento, tantas quantas as práticas sociais que as geram e as sustentam"
(1996, p.328). E logo segue: "Não reconhecer estas formas de conhecimento
(conhecimento alternativo, gerado por práticas sociais alternativas) implica
deslegitimar as práticas sociais que as sustentam e, nesse sentido, promover a
exclusão social‖.
20
Colunista Cultural da Revista Isto É e Jornal do Brasil.
54
21
Pierre Bourdieu, O Poder Simbólico (Rio de Janeiro, Bertrand Brasil/Difel, 1989), p;164
56
―o cotidiano, antes opaco espaço da repetição, passa a ser visto como lugar de luta,
onde se produz a resistência‖22 (CAMARGOS, 2015).
A música não será elaborada independentemente do segmento social de
quem a produz. Os indivíduos fazem música enquanto sujeitos históricos e no
processo de produção musical as condições de produção do discurso determinam o
seu sentido.
O discurso musical opera em negociação com a realidade. Entende-se aqui
que a música, enquanto ferramenta linguística, é também portadora e emissora de
ideologia quando, por meio dela é construído e emitido um discurso.
O rap brasileiro veio na contramão das construções narrativas e imagéticas
veiculadas na mídia dominante e pelo Estado que se esforçaram, em especial nas
duas últimas décadas, em mostrar um cenário de paisagens paradisíacas, de
cidades maravilhosas, turísticas, homogêneas e pacificadas. O rap desmonta no
imaginário social o retrato de um Brasil construído a partir de vários recursos
simbólicos canonizados nas músicas ufanistas, na publicidade e campanhas
publicitárias, no caso de São Paulo, para afirmar a imagem da cidade
empreendedora, dos negócios, do recomeço de vida. Esses forjaram e
escamotearam, deliberadamente, uma cidade repleta de tensões e conflitos vividos
no cotidiano da grande maioria dos brasileiros, fruto de desigualdades sociais e
econômicas acentuadas.
As ações que trabalham no sentido de construir imagens de cidade fortalecem
a lógica da competitividade e tendem a favorecer interesses de classe, das coalizões
que sustentam os projetos de cidade, em detrimento dos interesses coletivos.
Enfraquecem o diálogo entre grupos sociais e interferem no uso da cidade e em sua
apropriação espacial e simbólica. (RIBEIRO, 2006, pág. 45)
O rap nasce dentro do conflito das grandes cidades, permitindo repensar um
cenário de menos tensões e ideários vistos anteriormente na Música Popular
Brasileira, como por exemplo, na Bossa Nova, com as representações da juventude
dourada da Zona Sul carioca. Quando não idealiza a situação plural e fragmentária
22
Eder Sader e Marcia Célia Paoli, “Sobre “classes populares” no pensamento sociológico brasileiro”, cit., pág.
52-53
57
De fato, como disse Mano Brown, existe ―uma máscara que esconde tudo
isto‖, mas os rappers estavam empenhados em retirá-la. Este foi o momento em que
os jovens negros, que integravam o movimento hip hop, redescobriram-se a si
mesmos, e mostraram-se como o ―outro‖, com sua práxis nos processos de
construção de identidade.
Ao explicitarem os diferentes mecanismos casuais, as modalidades sociais e
as formas experimentais assumidas pelo banimento nas metrópoles, os rappers se
empenham em repensar a marginalidade a qual estão submetidos. No trecho
destacado da entrevista, Mano Brown sugere que se deve manter uma clara
distinção entre os conceitos folclóricos (WACQUANT, 2005) usados pelos
administradores públicos, pelas autoridades urbanas, pela mídia dominante e pelo
senso comum para designar zonas de exclusão e os conceitos que se devem
descontruir para fazer cair a ―máscara‖ que sustenta a estrutura social desigual e
racista.
58
Para Noam Chomsky23: ―Aquilo que a mídia produz é moldado para atender
às necessidades das instituições de poder e dominação nas quais ela se embute‖.
Tal conceito corrobora para a compreensão do fato do discurso midiático e
hegemônico tratar o rap de maneira pejorativa.
Chomsky fala sobre o poder de manipulação que a mídia exerce nos Estados
democráticos modernos, os quais procuram fazer que o povo seja impedido de
conduzir seus assuntos e que os canais de informação sejam estreita e rigidamente
controlados: ―Outra concepção de democracia é aquela que considera que o povo
deve ser impedido de conduzir seus assuntos pessoais e os canais de informação
devem ser estreita e rigidamente controlados‖. (CHOMSKY, 2013a, p. 10)
Chomsky destaca a importância da mídia para a criação de um consenso
político e ideológico para manter o controle de um sistema que se diz democrático 24,
(segundo a concepção citada acima). O discurso criado pelos meios de
comunicação, atrelados aos interesses do governo e a agentes privados de alto
poder econômico e político, levam um país a crer nas mesmas ideias, por meio de
estratégias de manipulação operacionalizadas pela mídia (a estratégia da distração,
da gradação, do deferido etc.).
No neoliberalismo, o controle é exercido por alguns grandes grupos
capitalistas aos quais o Estado se submete e seu único objetivo é satisfazer os
interesses dos (poucos) donos do capital. Nesse sentido, Chomsky esclarece qual o
papel ocupado pela mídia na política contemporânea, que de tão importante é
denominada de Quarto Poder. A expressão é utilizada para demonstrar que a Mídia
(meios de comunicação de massa) exerce tanto poder e influência em relação à
sociedade quanto os Três Poderes nomeados em nosso Estado Democrático
(Legislativo, Executivo e Judiciário).
Para Ribeiro (2005, p.14), a concepção moralista e moralizadora que hoje
organiza as formas pelas quais são enunciadas as ameaças representadas pelas
manifestas e crescentes distâncias sociais e culturais entre os deserdados e os
23
Noam Chomsky é linguista, filósofo e ativista político. Noam Chomsky é linguista, filósofo e ativista político.
Ele nasceu nos Estados Unidos em 1928 e é professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde
leciona desde 1955.
24
Em seu livro, Mídia: Propaganda Política E Manipulação, Chomsky discute sobre qual forma de democracia é
a que vivemos: a democracia com plena participação política de todos ou a controlada pelo governo, através da
mídia? Seus estudos afirmam que é a segunda.
59
Figura 6: Documentário TV Gazeta: A História do Rap Nacional – Episódio 04. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=hu40HEcQ2FQ. Acessado: 02/02/18
25
https://odia.ig.com.br/_conteudo/mundoeciencia/2017-09-26/estudo-aponta-o-rap-como-possivel-genero-
favorito-de-psicopatas.html
26
https://veja.abril.com.br/entretenimento/estudo-indica-que-rap-pode-ser-o-genero-favorito-de-psicopatas/
63
Com Chomsky entende-se que aquele que representa não está alheio ao que
é representado. Ou seja, quais as relações que mantêm os discursos e as práticas
sociais que o geram? E ainda, quem são os atores sociais que produzem o estudo e
quem são os que produzem a informação e a fazem circular? Um olhar mais atento
busca entender o sentido de toda essa operação.
A informação produzida pelo meio de comunicação e a pela própria
Universidade de Nova York revelam mecanismos que buscam classificar de maneira
novamente negativa os adeptos ao rap. Sabendo que a produção do rap possui
inscrição territorial e de classe bastante definidas, trabalham num sentido de
64
A letra do grupo paulista Facção Central foi construída por meio de uma
narrativa que forma imagens de situações vividas ou observadas diretamente. Os
episódios narrados ganham legitimidade na medida em que são afirmados pela
experiência vivida no cotidiano. Desse modo, a produção artística revela o drama da
realidade do pobre na cidade e, por meio dela, se tem o conhecimento do vivido pela
representação, reelaboração e ponto de vista dos rappers.
Em Fim de Semana no Parque, reflexões e denúncias são elaborados como
algo vivido. Os rappers falam com sujeitos inseridos na sociedade e se colocam na
contramão das posições hegemônicas, via de regra, encarando-as como uma
experiência social exclusivamente negativa:
27
Nazistas
73
Aí
Nessa equação, chata, policia mata? Plow!
Médico salva? Não! Por que? Cor de ladrão
Desacato invenção, maldosa intenção
Cabulosa inversão, jornal distorção
Meu sangue na mão dos radical cristão
Transcendental questão, não choca opinião
Silêncio e cara no chão, conhece?
Perseguição se esquece? Tanta agressão enlouquece
Vence o Datena, com luto e audiência
Cura baixa escolaridade com auto de resistência
Pois na era cyber, ceis vai ler
Os livro que roubou nosso passado igual alzheimer, e vai ver
Nóiz quer ser dono do circo
Cansamos da vida de palhaço
Aguarde cenas do próximo episódio
Cês diz que nosso pau é grande
Espera até ver nosso ódio
(Boa Esperança, Emicida, 2015)
Todos os anos milhares de jovens negros são mortos pela violência policial,
sendo as periferias as mais afetadas: “Médico salva? Não! Por quê? Cor de ladrão”.
Portanto, “Nessa equação, chata” os jovens negros são os subtraídos.
Em “Desacato invenção, maldosa intenção / Cabulosa inversão, jornal
distorção” os versos fazem referência ao abuso policial e de autoridade contra os
negros. E ainda às distorções operadas pela grande mídia quando associa
diretamente a imagem do negro à violência:
A prática musical integra uma experiência mais ampla que envolve a forma
como os artistas experimentam, interpretam e atuam no mundo. Portanto, o fazer
musical no rap não se reduz ao experimento artístico estrito. Os atos de composição
e execução musical mobilizam experiências sociais concretas. A apresentação de
uma música tem como finalidade instaurar redes de sociabilidades, reforçar
solidariedades, compartilhar significados relativos à experiência social e luta. É essa
dimensão ativa do rap.
28
Faranak Miraftab é PhD pela University of California, Berkeley, EUA; Docente do Departamento de
Planejamento Urbano e Regional na University of Illinois em Urbana-Champaign, EUA.
78
Faranak corrobora para o debate colocado no subitem 3.2 quando diz que as
instituições de poder, tais como a mídia dominante e o Estado, configuram os
espaços inventados tentando os criminalizar como espaços ―apropriados‖ para as
vozes e participação dos cidadãos fora de controle.
Quando o indivíduo consciente dotado de poder de análise e representação,
desafia o confinamento e a conformação das ações dos cidadãos às normas do
Estado democrático liberal e do aparato de mercado, por meio da expressão artística
81
4. Considerações finais
clivagem social que estabelece perfis para exclusão, nos quais indivíduos pobres e
negros são alvos, e hoje, automaticamente vistos como suspeitos.
No decorrer do presente trabalho, observamos que os mecanismos que
imobilizam o sujeito relacionando-o a uma classe social e território são a causa, não
o efeito, das políticas estatais. As políticas trabalham num sentido de garantir a
manutenção das desigualdades. Para a continuação da segregação urbana como
uma determinação histórica, prevê mecanismos de controle e dominação, como por
exemplo, a negativação da expressão cultural periférica.
A determinação histórica fica evidenciada quando a figura do pobre e a figura
do negro se confundem, normalmente, perfazendo uma só. Quanto à criminalização,
esta ocorre como mecanismo de domínio e controle para manutenção do sistema.
REFERÊNCIAS
CHAUI, M. Convite à filosofia. 12. ed.. ed. São Paulo: Ática, 1999.
EDUARDO, D. A Marcha Fúnebre Prossegue. São Paulo: Sky Blue Music, 2001.
PIMENTEL, S. K. O livro vermelho do Hip Hop. USP. São Paulo. 1997. Trabalho
de Conclusão de Curso.
ROCHA, J.; DOMENICH, M.; CASSEANO, P. Hip Hop: a periferia grita. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo , 2001.
ROSE, T. The HIP HOP Wars: What we talk about when we talk about hip-hop. New
York: Basic Books, 2008.
ZENI, B. O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva. Estudos
Avançados, São Paulo: USP, v. nº 50, Dossiê o negro no Brasil. , p. 230, 2004.
Entrevistas
REVISTA CAROS AMIGOS. Entrevista com Mano Brown, São Paulo, nº 03,
setembro de 1998, (Especial Movimento Hip Hop).
REVISTA CARTA CAPITAL. Brown, o mano Charada, São Paulo, 20 de setembro
de 2004, 11-17.
REVISTA FÓRUM. Entrevista com Mano Brown, nº 1, setembro de 2001.
REVISTA ROLLING STONE. Entrevista com Mano Brown, nº 39, dezembro de 2009.
REVISTA TEORIA E DEBATE. Entrevista com Mano Brown, nº 46, nov./dez. 2000 a
jan. 2001.
REVISTA TRIP. Entrevista com Mano Brown, setembro de 1999.
89
Músicas
Holocausto Urbano
"Beco Sem
Racionais Mc’s
Saída"
Albúm:
1990
"Hey Boy"
"Racistas
Otários"
"Tempos
Difíceis"
"Voz Ativa‖ 1992
Fim de Semana
Racionais Mc’s
No Parque
Raio X do
Albúm:
Brasil
Mano na Porta
1993
do Bar
Homem na
Estrada
Capítulo 4
Sobrevivendo no Inferno
Versículo 3
Diário de um
Racionais Mc’s
Detento
Albúm:
(1997)
Periferia É
Periferia
Qual Mentira Vou
Acreditar
Fórmula Mágica
da Paz
Negro Drama Nada Como um Dia Após o
Vida Loka
(Parte II)
Racionais Mc’s
Outro (2002)
Na Fé Firmão
Albúm:
A Vida É Desafio
Jesus Chorou
Cada vez mais DMN
preto (1993)
DMN
H. Aço
(1998)
Saída de DMN
Emergência (2001)
91
DMN
Essa é a cena
(2003)
A Blazer
O Trem
Uma Multidão
(2003)
RZO
Rumo à Solidão
Paz Interior
Rap é isso aí
Real Periferia
Rap é
Compromisso
Compromisso
Álbum: Rap é
Respeito É Pra
Sabotage
(2000)
Quem Tem
Canão Foi Tão
Bom
Na Zona Sul
A Marcha Facção
Fúnebre Central
Prossegue
Versos
Sangrentos
Isso Aqui é Uma
Guerra
Cê Lá Faz Idéia Emicida
Nóiz Emicida
Sistema
O Livro da Vida Negro
(2003)
Convoque seu Buda
Duas de Cinco
Criolo. Album:
( 2014)
Sucrilhos
Convoque seu
Buda
Cartão de Visita
Versos Inquérito
Vegetarianos 2014
Corpo e Alma
92
Escala de cinza gradua (de menor a maior) a presença de determinado eixo temático por
música.
[Refrão]
A paz tá morta, desfigurada no Iml, (pra,pra,puuum)
A marcha fúnebre prossegue.
Vendo a criança no norte comendo caquitos, gambé desovando mais um corpo no mato
93
[Refrão]
[Refrão]
94
Aí
O tempero do mar foi lágrima de preto
Papo reto, como esqueletos, de outro dialeto
Só desafeto, vida de inseto, imundo
Indenização? Fama de vagabundo
Nação sem teto, Angola, keto, congo, soweto
A cor de Eto'o, maioria nos gueto
Monstro sequestro, capta três, rapta
Violência se adapta, um dia ela volta pu cêis
Tipo campos de concentração, prantos em vão
Quis vida digna, estigma, indignação
O trabalho liberta, ou não
Com essa frase quase que os nazi, varre os judeu? extinção
Depressão no convés
Há quanto tempo nóiz se fode e tem que rir depois
Pique jack-ass, mistério tipo lago ness, sério és
Tema da faculdade em que não pode por os pés
Vocês sabem, eu sei
Que até bin laden é made in usa
Tempo doido onde a K K K, veste obey (é quente memo)
Pode olhar num falei?
Aí
Nessa equação, chata, policia mata? Plow!
Médico salva? Não! Por que? Cor de ladrão
Desacato invenção, maldosa intenção
Cabulosa inversão, jornal distorção
Meu sangue na mão dos radical cristão
Transcendental questão, não choca opinião
Silêncio e cara no chão, conhece?
Perseguição se esquece? Tanta agressão enlouquece
Vence o Datena, com luto e audiência
Cura baixa escolaridade com auto de resistência
Pois na era cyber, ceis vai ler
Os livro que roubou nosso passado igual alzheimer, e vai ver
Que eu faço igual burkina faso
Nóiz quer ser dono do circo
Cansamos da vida de palhaço
É tipo moisés e os hebreus, pés no breu
Onde o inimigo é quem decide quando ofendeu
(cê é loco meu)
No veneno igual água e sódio
Vai vendo sem custódio
Aguarde cenas do próximo episódio
Cês diz que nosso pau é grande
Espera até ver nosso ódio
Negreiros a retraficar
Favela ainda é senzala jão
Bomba relógio prestes a estourar
(Mano Brown)
Minha intenção é ruim... esvazia o lugar
Eu tô em cima, eu tô afim... um dois pra atirar
Eu sou bem pior do que você tá vendo
O preto aqui não tem dó... é 100 por cento veneno
A primeira faz bum, a segunda faz tá
Eu tenho uma missão e não vou parar
Meu estilo é pesado e faz tremer o chão
Minha palavra vale um tiro... eu tenho muita munição
Na queda ou na ascensão, minha atitude vai além
E tem disposição pro mal e pro bem
Talvez eu seja um sádico, um anjo, um mágico
Juiz ou réu, um bandido do céu
Malandro ou otário, quase sanguinário
Franco atirador se for necessário
Revolucionário, insano ou marginal
Antigo e moderno, imortal
Fronteira do céu com o inferno
Astral imprevisível, como um ataque cardíaco no verso
Violentamente pacífico, verídico
Vim pra sabotar seu raciocínio
Vim pra abalar seu sistema nervoso e sanguíneo
Pra mim ainda é pouco Brown cachorro louco
Numero um... dia terrorista da periferia
Uni-duni-tê, eu tenho pra você
Um rap venenoso ou uma rajada de Pt
E a profecia se fez como previsto
1997 depois de Cristo
A fúria negra ressuscita outra vez
Racionais capítulo 4 versículo 3
(Ponte)
Aleluia (x2)
Racionais no ar
98
Filha da puta, pá pá pá
(Ice Blue)
Faz frio em São Paulo... pra mim tá sempre bom
Eu tô na rua de bombeta e moletom
Dim dim dom, rap é o som que emana do Opala marrom
E aí, chama o Guilherme
Chama o Fader, chama o Dinho... e o Di
Marquinho, chama o Éder, vamo aí
Se os outros mano vem pela ordem tudo bem melhor
Quem é quem no bilhar, no dominó
(Mano Brown)
Colou dois mano, um acenou pra mim
De jaco de cetim, de tênis, calça jeans
(Ice Blue)
Ei Brown, sai fora, nem vai, nem cola
Não vale a pena dar idéia nesse tipo aí
Ontem à noite eu vi na beira do asfalto
Tragando a morte, soprando a vida pro alto
Ó os cara só o pó... pele e osso
No fundo do poço, mó flagrante no bolso
(Mano Brown)
Veja bem, ninguém é mais que ninguém
Veja bem, veja bem, e eles são nossos irmãos também
(Ice Blue)
Mar de cocaína e crack, uísque e conhaque
Os mano morre rapidinho sem lugar de destaque
(Mano Brown)
Mas quem sou eu pra falar de quem cheira ou quem fuma?
Nem dá... nunca te dei porra nenhuma
Você fuma o que vem... entope o nariz
Bebe tudo o que vê... faça o diabo feliz
Você vai terminar tipo o outro mano lá
Que era um preto tipo A... ninguém tava numa
Mó estilo de calça Calvin Klein, tênis Puma
Um jeito humilde de ser no trampo e no rolê
Curtia um funk, jogava uma bola
Buscava a preta dele no portão da escola
Exemplo pra nóis... mó moral, mó ibope
Mas começou a colar com os branquinho do shopping
Ai já era... Ih, mano, outra vida, outro pique
Só mina de elite, balada, vários drinques
Puta de butique, toda aquela porra
Sexo sem limite, Sodoma e Gomorra
Hãn, faz uns nove anos
Tem uns quinze dias atrás eu vi o mano
Cê tem que ver... pedindo cigarro pros tiozinho no ponto
99
(Ponte)
Aleluia (x2)
Racionais no ar
Filha da puta, pá pá pá
(Edi Rock)
Quatro minutos se passaram e ninguém viu
O monstro que nasceu em algum lugar do Brasil
Talvez o mano que trampa debaixo do carro sujo de óleo
Que enquadra o carro forte na febre com o sangue nos olhos
O mano que entrega envelope o dia inteiro no sol
Ou o que vende chocolate de farol em farol
Talvez o cara que defende o pobre no tribunal
Ou o que procura vida nova na condicional
Alguém no quarto de madeira, lendo à luz de vela
Ouvindo rádio velho, no fundo de uma cela
Ou o da família real de negro como eu sou
Um príncipe guerreiro que defende o gol
(Mano Brown)
E eu não mudo, mas eu não me iludo
Os mano cu de burro têm, eu sei de tudo
Em troca de dinheiro e um cargo bom
Tem mano que rebola e usa até batom
Vários patrícios falam merda pra todo mundo rir
Haha, pra ver branquinho aplaudir
É, na sua área tem fulano até pior
Cada um, cada um... você se sente só
Tem mano que te aponta uma pistola e fala sério
Explode sua cara por um toca-fita velho
100
Refrão:
Cê lá faz ideia do que é ver, vidro subir, alguém correr quando avistar você?
Não, cê não faz ideia, não faz ideia, não faz ideia.
Cê lá faz ideia do que é ver, vidro subir, alguém correr quando avistar você?
Não, cê não faz ideia, não faz ideia, não faz ideia.
Refrão.
(Ice Blue)
De verde florescente queimada sorridente
(Mano Brown)
A mesma vaca loura circulando como sempre
Roda a banca dos playboys do Guarujá
Muitos manos se esquecem mas na minha não cresce
sou assim e estou legal, até me leve a mal
malicioso e realista sou eu Mano Brown
Refrão:
(Edi Rock)
Olha só aquele clube que da hora.
Olha aquela quadra, olha aquele campo Olha,
Olha quanta gente
Tem sorveteria cinema piscina quente
Olha quanto boy, olha quanta mina
Afoga essa vaca dentro da piscina
Tem corrida de kart dá pra ver
é igualzinho o que eu ví ontem na Tv,
Olha só aquele clube que da hora,
Olha o pretinho vendo tudo do lado de fora
nem se lembra do dinheiro que tem que levar
Pro seu pai bem louco gritando dentro do bar
nem se lembra de ontem de onde o futuro
ele apenas sonha através do muro...
(assovios)
(Mano Brown)
Milhares de casas amontoadas ruas de terra
esse é o morro a minha área me espera
gritaria na feira (vamos chegando !)
Pode crer eu gosto disso mais calor humano
Na periferia a alegria é igual
é quase meio dia a euforia é geral
É lá que moram meus irmãos meus amigos
E a maioria por aqui se parece comigo
E eu também sou bam bam bam e o que manda O pessoal
desde às 10 da manhã está no samba Preste
atenção no repique atenção no acorde (Como é que é Mano Brown ?)
Pode crer pela ordem
A número número 1 em baixa-renda da cidade Comunidade Zona Sul é dignidade
Tem um corpo no escadão a tiazinha desse o morro
Polícia a morte, polícia socorro
Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo
Pra molecada frequentar nenhum incentivo
107
Refrão:
(Mano Brown)
Tô cansado dessa porra
de toda essa bobagem
Alcolismo,vingança treta malandragem
Mãe angustiada filho problemático
Famílias destruídas
fins de semana trágicos
O sistema quer isso
a molecada tem que aprender
Fim de semana no Parque Ipê
Refrão:
Isso Aqui é Uma Guerra, Facção Central, Álbum Versos Sangrentos, 2000
Dum Dum:
É uma guerra onde só sobrevive quem atira
Quem enquadra a mansão quem trafica
Infelizmente o livro não resolve
O Brasil só me respeita com um revólver, aí
O juiz ajoelha, o executivo chora
Pra não sentir o calibre da pistola
Se eu quero roupa, comida alguém tem que sangrar
Vou enquadrar uma burguesa e atirar pra matar
Vou fumar seus bens e ficar bem louco
Sequestrar alguém no caixa eletrônico
A minha quinta série só adianta
Se eu tiver um refém com meu cano na garganta
Ai não tem gambé pra negociar
Liberta a vítima, vamos conversar
Vai se ferrar, é hora de me vingar
A fome virou ódio e alguém tem que chorar
Não queria cela nem o seu dinheiro
Nem boy torturado no cativeiro
Não queira um futuro com conforto
Esfaqueando alguém pela corrente no pescoço
Mas 357 é o que o Brasil me dá
Sem emprego quando um prego de Audi passar
Aperta o enter cuzão e digita
Esvazia a conta, agiliza, não grita
Não tem Deus nem milagre, esquece o crucifixo
É só uma vadia chorando pelo marido
É o cofre versus a escola sem professor
Se for pra ser mendigo doutor
Eu prefiro uma glock com silenciador
Comer seu lixo não é comigo morô?
Desce do carro senão tá morto
Essa é a lei daqui, a lei do demônio
Isso aqui é uma guerra
Eduardo:
Não chora, vadia, que eu não tenho dó
Dá bolsa na moral não resiste o b.o.
109
Nóiz, Albúm O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui, Emicida, 2013
É nóiz por nóiz...
E se não for assim não funciona!
Eu já esquematizei tudo, sozinho, outra vez
Meu bando de neguinho pra ruir o império duceis
No sapatinho, devagar, devagarinho
Ó só, num tira não, aí jão, onde é que tá meu din?
A diferença é que eu vim pra sacar, não saquear
Pra num criar criaca e no fim meus plano miar
Vou ratear, distribuir pros remelento
E botar a cara de Zumbi em cada nota de duzentos
Se é pelo valor, senhor, nóiz tem os nosso
Mas do asfalto prá lá, tio, negócios são negócios
Minha palavra vale na rua, onde não existe contrato
Queijo é a ísca, porque eu vou lidar com vários rato
Me benze e traz arruda de guiné
Que pra tirar essa zica só pela fé
Sou homem desde muleque, honro o que tenho no peito
Minha mãe me deu caráter, meu caráter trouxe o meu respeito
110
Ei Brown
Você acha que o problema acabou?
Pelo contrário ele apenas começou
Não perceberam que agora se tornaram iguais
Se inverteram e também são marginais Mas...
Terão que ser perseguidos e esclarecidos
Tudo e todos até o último indivíduo
Porém se nos querermos que as coisas mudem
Ei Brown qual será a nossa atitude?
A mudança estará em nossa consciência
Praticando nossos atos com coêrencia
E a consequência será o fim do próprio medo
Pois quem gosta de nós somos nós mesmos
Te cuide porque ninguém cuidará de você
Não entre nessa a toa
Não de motivo pra morrer
Honestidade nunca será demais
Sua moral não se ganha, se faz
Não somos donos da verdade
Porém não mentimos
Sentimos a necessidade de uma melhoria
A nossa filosofia é sempre transmitir
A realidade em si
Racionais MC's
PAZ...
Pânico...
Tempos Difíceis, composta por Edi Rock e Kl Jay, Racionais Mc‘s e lançada em seu álbum
Holocausto Urbano, 1990.
Eu vou dizer porque o mundo é assim.
Poderia ser melhor mas ele é tão ruim.
Tempos difíceis, está difícil viver.
Procuramos um motivo vivo, mas ninguém sabe dizer.
Milhões de pessoas boas morrem de fome.
E o culpado, condenado disto é o próprio homem.
O domínio está em mão de poderosos, mentirosos.
Que não querem saber.
Porcos, nos querem todos mortos.
Pessoas trabalham o mês inteiro.
Se cansam, se esgotam, por pouco dinheiro.
Enquanto tantos outros nada trabalham.
Só atrapalham e ainda falam.
Que as coisas melhoraram.
Ao invés de fazerem algo necessário.
Ao contrário, iludem, enganam otários.
Prometem 100%, prometem mentindo, fingindo, traindo.
E na verdade, de nós estão rindo.
Vida Loka parte II, Álbum Nada Como um Dia Após o Outro, Racionais MC‗S. 2002
Firmeza total, mais um ano se passando
Graças a Deus a gente tá com saúde aí, morô?
Muita coletividade na quebrada, dinheiro no bolso
Sem miséria, e é nóis
Vamos brindar o dia de hoje
Que o amanhã só pertence a Deus, a vida é loka
De teto solar
O luar representa
Ouvindo Cassiano, há
Os gambé não guenta
Mas se não der, nêgo
O que é que tem
O importante é nós aqui
Junto ano que vem
O caminho
Da felicidade ainda existe
É uma trilha estreita
Em meio à selva triste
Quanto cê paga
118