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A PRAÇA É QUEER?
OCUPAÇÕES, SOCIABILIDADES E TERRITORIALIDADES DA
POPULAÇÃO LGBTQI+ NA ÁREA CENTRAL DE JOÃO PESSOA.
À minha querida amiga Fernanda Ferreira, pelo amor e carinho. Sou muito grato
por todos os bons momentos que passamos juntos e por todo apoio nas horas mais
difíceis.
resumo abstract
C ompreender as formas de ocupação nas cidades contemporâneas, incluindo
João Pessoa, exige um deslocamento do olhar para as forças que estruturam
a atual conjuntura social opressora e excludente, principalmente quando tratamos
U nderstanding the forms of occupation in contemporary cities, including João
Pessoa, requires a shift of attention to the forces that structure the current
oppressive and exclusionary social conjuncture, especially when dealing with sexual
das minorias sexuais e de gênero. Essa parcela da população constrói formas de and gender minorities. This part of the population builds forms of sociability and
sociabilidade e vivência de determinados fragmentos da cidade como espaços de experience of certain fragments of the city as spaces of safety and visibility, which have
segurança e visibilidade e que tem vindo a ser apropriados na forma de territórios. been appropriated in the form of territories. In this sense, the scope of this research is
Nesse sentido, o escopo da presente pesquisa é identificar, analisar e categorizar to identify, analyze and categorize the urban experiences of the LGBTQI + community
as experiências urbanas da comunidade LGBTQI+ na área central da referida capital. in the central area of the referred capital. As methodological procedures were used
Como procedimentos metodológicos foram utilizadas a observação de campo e a field observation and semi-structured interview - all these were added by data
entrevista semiestruturada – todas estas foram acrescentadas pelo mapeamento mapping, photographic survey and creation of explanatory conceptual illustrations.
de dados, levantamento fotográfico e criação de ilustrações conceituais explicativas. Thus, it is believed that this study questions issues such as the Right to the City and
Assim, acredita-se que esse estudo questiona temas como o Direito à Cidade how it reflects the apparent democratic character of public spaces and their potential
e como este reflete no aparente caráter democrático dos espaços públicos e a capacity to be points of appropriation that serves and has served specific social
sua potencial capacidade de serem pontos de uma apropriação que serve e tem groups. We seek here to contribute to research that seeks to better understand the
servido a grupos sociais específicos. Busca-se, aqui, contribuir com pesquisas urban environment in which we live, especially from the levels of appropriation that
que procuram entender melhor o ambiente urbano em que vivemos, sobretudo this environment receives periodically and how a particular social group gives utility to
a partir dos níveis de apropriação que esse ambiente recebe periodicamente the collective space. Thus, it was possible to analyze the sociability of the population
e como um determinado grupo social dá utilidade ao espaço coletivo. Dessa in question and see their relationship with the studied space, evidenced in the shared
forma, foi possível analisar as sociabilidades da população em questão e experiences that enabled the meeting of this community in these spaces.
enxergar a sua relação com o espaço estudado, evidenciadas nas experiências Keywords: urban experience; occupation; sociability, territoriality; queer space; right
compartilhadas que possibilitaram o encontro dessa comunidade nesses espaços. to the city; population LGBTQI+.
EGHO Encontro de Grupos Homossexuais Organizados; PETRIS Coletivo de Homens Trans do Estado da Paraíba;
26 86 176
RIO.
introdução capítulo 2 |
conceitos e teorias
sobre sociabilidade, territorialidade
e espaço queer
38
procedimentos metodológicos
106
capítulo 3 |
180
de pesquisa o largo são frei pedro gonçalves
e a praça antenor navarro
~
iNTRODUCAO
,
P
ara Walter Benjamin (1987, p.316), a cidade é composta por diversas
experiências - individuais e coletivas - que compõem a sociedade em que
vivemos. Assim, é possível identificar como certos grupos se apropriam
de um local e compreender suas percepções do ambiente urbano coletivo.
A relação entre pessoas e a formas de ocupar os espaços é o que define os
padrões de ocupação nas cidades. Esses padrões revelam modalidades de uso do
território nas cidades em diversos momentos históricos, tornando-as, nas palavras de
Milton Santos (1993, p.11) um “teatro de conflitos crescentes como o lugar geográfico
e político da possibilidade de soluções’’.
Esta pesquisa traz um panorama sobre as experiências urbanas da comunidade
LGBTQI+1 em João Pessoa/PB. Focaremos nossos esforços em três principais De acordo com as reflexões sobre os termos sociabilidade e territorialidade
aspectos dessas vivências: a ocupação desta população na cidade, as sociabilidades do sociólogo Nobert Elias (1998), pode-se afirmar que essas categorias não são
resultantes e as territorialidades construídas. concretas ou físicas, mas resultam em uma produção material do lugar. As formas
de ocupação da população LGBTQI+ estão intrinsecamente vinculadas ao tempo e
1 Sigla utilizada para designar Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, não são isoladas nem separadas de qualquer contextualização. Elias (1998) aponta
Queers e Intersexuais adentro do movimento social de defesa dos direitos destes grupos. Surge para a importância do meio social para a análise do espaço. Assim, essas categorias
na década de 1970 e passa por alterações a partir da necessidade do reconhecimento de toda
comunidade que inicialmente era representada apenas pelo movimento homossexual. Existem se fazem imprescindíveis para uma leitura urbana mais aprofundada, isto é, pensar o
múltiplas possibilidades de orientações sexuais e de gênero, por isso, atualmente, o + está presente urbano através do seu conteúdo social é pensar que a cidade não está estagnada,
na sigla para representar as pessoas não-cis que não se consideram transexuais, e por todas outras
orientações não heterossexuais.
sendo constantemente produzida e (re)produzida.
26 27
Nosso objeto de estudo será o centro da cidade, mais especificamente o Conforme o geógrafo David Harvey, a ideia do tipo de cidade que queremos
bairro do Varadouro, local que está no cerne da história e da cultura pessoense e que não pode estar alheia do tipo de pessoas que queremos ser, do estilo de vida que
continua se reinventando constantemente, (re)construindo o espaço e dando vida a pretendemos levar, dos tipos de relações sociais que procuramos, das ligações com
acontecimentos atuais. Portanto, é produto do meio em que está inserido e reprodutor a natureza que nos agradam mais, e dos nossos valores estéticos, etc. Portanto, o
dos aspectos cotidianos da área. direito à cidade:
[...] é muito mais do que um direito de acesso individual ou grupal
Os estudos sobre a população LGBTQI+ são diversos e possuem contribuições aos recursos que a cidade incorpora: é um direito de mudar e
de diferentes áreas do saber, como história, geografia, antropologia, serviço social reinventar a cidade mais de acordo com nossos mais profundos
desejos. Além disso, é um direito mais coletivo do que individual,
e direito. Aqui, iremos analisa-los através da visão da arquitetura e urbanismo. A uma vez que reinventar a cidade depende inevitavelmente do
aproximação com múltiplas áreas do conhecimento ressalta a importância de uma exercício de um poder coletivo sobre o processo de urbanização.
A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e as nossas cidades,
abordagem interdisciplinar para a comprensão de uma comunidade multifacetada como pretendo argumentar, é um dos nossos direitos humanos
existente na sociedade. mais preciosos, ainda que um dos mais menosprezados (2014, p.
28).
As autoras Andrea Lima da Silva e Maria de Morais dos Santos (2015) em seu
O conceito de Direito a Cidade também está presente na Carta Mundial do
artigo intitulado ‘’O sol não nasce para todos: uma análise do direito à cidade para
Direito à Cidade (2001)2, alegando que os habitantes da cidade, em especial os grupos
segmentos LGBTQI+’’, tratam sobre direito à cidade para a população LGBTQI+ no
vulneráveis e desfavorecidos, devem ter acesso fácil - dentro das concepções de
universo de luta de classes, apropriação de territórios e vivência das territorialidades.
sustentabilidade e da justiça social - aos espaços urbanos, para que assim possam
Defendem que a cidade é palco de grandes eventos históricos para o público em
obter um padrão de vida adequado. A carta afirma que o território das cidades é um
questão e afirmam que as identidades de classe, as manifestações em prol dos
espaço de prática e desempenho dos direitos coletivos a fim de garantir o desfrute
direitos e dos seus hábitos cotidianos se firmam nela.
igualitário, justo e democrático sem quaisquer discriminações de gênero, idade, raça,
Paralelo a isso, as autoras apontam que a cidade é produto de classes condições de saúde, renda, nacionalidade, etnia, condição migratória, orientação
dominantes e que através de um discurso conservador excluem a possibilidade de política, religiosa ou sexual.
acesso, de uma forma ampla, para a comunidade LGBTQI+. É nesse cenário que a
pauta do Diireito à Cidade entra, não só no âmbito acadêmico, mas também nas lutas
sociais e na agenda dos Direitos Humanos (DH). Mas o que seria o Direito à Cidade?
2 A Carta Mundial do Direito à Cidade é um documento produzido a partir do Fórum Social Mundial
Policêntrico em 2001, na cidade de Porto Alegre. O documento foi concebido por organizações não
28 governamentais, associações de profissionais, grupos de movimentos sociais, fóruns, redes nacionais 29
e internacionais da sociedade civil.
Logo, ao se tratar do público LGBTQI+, os temas relacionados ao direito à cidade Segundo Lefebvre (1991, p. 22) ‘’a vida urbana pressupõe encontros, confrontos
apresentados no documento são frequentes, pois, evidenciam uma incoerência entre das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto
o que deveria ser e a realidade vivida por esta população. Preconceito, homofobia e ideológico e político) dos modos de viver’’. Deste modo, as ideias e valores que
violência são comuns nos estudos e trabalhos realizados a respeito. O relatório anual permeiam as divergentes relações sociais dos indivíduos são frutos da relação do
do Grupo Gay da Bahia (GGB)3 é um dos mais completos e atuais levantementos trabalho e de suas transformações (CARVALHO; JÚNIOR, 2017).
estatísticos de homicídios da população LGBTQI+. A existência do documento é de
Logo, a cidade é predominantemente construída a partir dos interesses da
extrema importância, visto que, atualmente, é o único levantamento feito no Brasil.
classe dominante e pertence a quem possui poder econômico, político e social, se
Os dados publicados pelo relatório são alarmantes e tratam de violência moldando às normas postas por estes setores. De
contra a população LGBTQI+. Expõe que no Brasil, a cada vinte horas um LGBTQI+ é forma prática, a realidade nos evidencia a ausência de
''...a cidade é
predominantemente
brutalmente assassinado ou se suicida vítima da LGBTQI+fobia, o que coloca o país políticas públicas e afirmativas que visam à proteção construída a partir
em primeiro lugar no ranking mundial de crimes contra as minorias sexuais. Estes e os direitos básicos para a população LGBTQI+. dos interesses da
dados não são novidade quando observamos os números de crimes contra essa Consequentemente, a urbe se fecha em torno da classe dominante
e pertence a quem
população no decorrer de 18 anos no país: heterossexualidade, invisibilizando a comunidade possui poder
445
LGBTQI+ (CARVALHO; JÚNIOR, 2017). econômico, político e
420 social, se moldando
338 343 Portanto, para Silva e Santos, acessar a cidade às normas postas
314 329 319 por estes setores
em sua integridade e utilizá-la como espaço público
260 266 (CARVALHO; JÚNIOR,
representa ultrapassar uma postura particular para
187 199 gráfico 01 | Pessoas 2017).''
158
130 132 126 125 135
112
142 LGBTQI+ mortas no transforma-la em um ato político, coletivo e de
Brasil por ano.
fonte: Grupo Gay da resistência:
Bahia. Editado pelo
autor, 2019.
A visibilidade da diversidade sexual com manifestação pública de
00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 afetos acontece tanto pela necessidade subjetiva dos individuos,
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 no que diz respeito a expressão dos sentimentos, demanda de
quem se apaixona e vivencia relacionamentos afetivos-sexuais;
bem como por estrategia de enfrentamento da violencia e das
inumeras violações de direitos. A visibilidade afetivo-sexual
3 O grupo Gay da Bahia é uma associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no constitui-se uma necessidade subjetiva comum a todos (2005,
30 Brasil. Fundado em 1980 por Luiz Mott, o GGB atua na luta contra a homolesbotransfobia, na prevenção p.507). 31
do HIV e AIDS e na conscientização da comunidade acerca dos seus direitos como cidadãos.
A perspectiva de Carvalho e Júnior (2017, p.103) fortalece essa ideia ao Por consequência, a cidade é estabelecida como um cenário de preconceito e
reconhecer a cidade como ‘’um ambiente que mitiga subjetividades, rejeitando as violência contra a população LGBTQI+, enfraquecendo o discurso sobre a liberdade de
sexualidades e identidades de gênero desviantes da norma sexual posta’’. Assim, uma expressão, identidade de gênero e direto à cidade, uma vez que tentam estabelecer
outra cidade é construída com uma reação e como salvaguarda das ideologias e atividades “corretas” para serem realizadas na cidade, ou seja, vemos aparecendo
valores dominantes postos pela sociedade heteronormativa: espaços ditos “apropriados” (‘’lugar de respeito’’ ou ‘’lugar de família’’) que não estão
As ideias da classe dominante se constituem, sobretudo na abertos para a convivência com aqueles vistos como “inapropriados”:
cidade, como uma questão a ser analisada com bastante cautela, A cidade armário passa a ser confessionário das sexualidades,
uma vez que preenchem as visões como uma verdade universal mas apenas aquelas permitidas; os corpos adequados podem
a ser adotada. Para além disso: se sustentam através de sistemas transitar livremente pela cidade e acessar seus mais diversos
já arraigados na sociedade, impedindo a consciência de classe serviços, mas àqueles corpos não-dóceis, resta o medo da rua, o
e fortalecendo a exploração e aprofundando as desigualdades medo da cidade (CARVALHO; JÚNIOR, 2017, p.110).
sociais (CARVALHO; JÚNIOR, 2017, p.107).
Com base nos apontamentos explanados anteriormente, supomos que a
Os autores explicam o termo ‘’cidade-armário’’ a partir do entendimento de
conduta da classe dominante, o discurso religioso, a violência e o preconceito, são
que os espaços públicos e comuns, frequentemente utilizados pela comunidade
agentes motivadores da segregação espacial urbana. Essa segregação influenciada
LGBTQI+ são mostrados como ambientes de proteção e ocultação das sexualidades
também por questões identitárias e padrões comportamentais, molda os territórios,
não convencionais e heteronormativas4.
demarcando ou ‘’marginalizando’’ o espaço ocupado.
Entendemos que o convencional e a heteronormatividade são, segundo
João Pessoa não é exceção à regra. Aqui, podemos encontrar espaços que
Carvalho e Júnior (2017) efeitos causados pelo discurso religioso e moralizante,
estão fortemente ligados ao público LGBTQI+. Espaços, estes, perceptíveis como de
responsáveis por fortalecer a autoridade sobre os corpos que ocupam e transitam
apropriação e pertença por esta comunidade que não transpõe fronteiras na produção
na cidade. Esses discursos, que impõem formas autoritárias de apreensão do espaço
de seus corpos, identidades, práticas afetivas e redes de sociabilidade.
público, baseam-se em binarismos: homem e mulher, heterossexual e homossexual,
lícito e ilícito, etc., descartando as múltiplas identidades e sexualidades. O recorte espacial deste estudo abrange o bairro do Varadouro, mais
precisamente a Praça Antenor Navarro e o Largo São Frei Pedro Gonçalves, que
apresentam diversos estabelecimentos atrativos para diversos públicos. Logo,
4 O termo heteronormatividade surge na década de 1990 para compreender como a sociedade
lida com a sexualidade. É fruto do entendimento do humano a partir do ‘’corpo – gênero – sexualidade’’ como objetivo geral destre trabalho iremos identificar as experiências urbanas da
e dos gêneros masculino e feminino, e na relação entre estes. A estrutura social privilegia a
heterossexualidade como norma e/ou padrão, afetando a possibilidade de compreensão das demais
comunidade LGBTQI+, especificamente, nos propomos a identificar as suas formas
sexualidades não heterossexuais. Este fenômeno de modelo patriarcalista se torna também um padrão de ocupação existentes, as sociabilidades que são produzidas e as territorialidades
32 político e econômico a ser seguido. 33
construídas nesses dois espaços da cidade.
O trabalho se divide em quatro capítulos. O primeiro capítulo discorre sobre
as Políticas Públicas para a população LGBTQI+ iniciando com uma abordagem
histórica desde a década de 1960 até a contemporaneidade. Partiremos do início do
movimento LGBTQI+ até a sua propagação no Brasil e na Paraíba.
34 35
figura 03 | Vista
isométrica do
recorte espacial do
bairro Varadouro.
36 fonte: Ilustrado pelo 37
autor, 2019.
A
qui, serão expostas as etapas do desenvolvimento da pesquisa. As
perspectivas metodológicas serão explicadas, tal como o curso da
pesquisa em campo, com o propósito de oferecer embasamento das
informações coletadas e das reflexões que serão abordadas. A importância dessa
estruturação visa o desenvolvimento de um trabalho eficaz e de leitura acessível
para que assim contribua com a produção do conhecimento, especialmente quando
tratamos de um grupo que ainda sofre preconceito na sociedade.
procedimentos metodológicos forma, já foram analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de empresas,
tabelas estatísticas, dissertações, entre outros.
de pesquisa
Os debates relacionados ao tema da pesquisa estão presentes na graduação
de arquitetura e urbanismo, inclusive na disciplina de Teoria e História da Arquitetura
e Urbanismo VI que traz discussões acerca da pós-modernidade. Participar das
discussões propostas pela disciplina possibilitou a compreensão da sociedade
contemporânea nos âmbitos das relações sociais e nas novas formas de produção
38 de cidade. 39
É indispensavél reconhecer o relevante papel do movimento estudantil que TABELA 01: Pesquisa Bibliográfica
promoveu o amadurecimento educacional e político do pesquisador a partir dos Autor Publicação/Ano Tema
INTRODUÇÃO
Encontros Regionais de Estudantes de Arquitetura e Urbanisno – EREA’s. Os encontros CARVALHO, Claudio Oliveira. ‘’Isto é um lugar de Investiga a expansão da ‘’cidade
JÚNIOR, Gilson Santiago erespeito’’: A construção armário’’ nos espaços urbanos e
estudantis trouxeram discussões relacionadas à triade - ensino, pesquisa e extensão, Macedo. heteronormativa da como esse fenômeno é construído
bem como, ofereceram a troca de experiências, vivências, oficinas e debates sobre cidade-armário através da pela invisibilidade e violência que a
invisibilidade e violência no população LGBTQI+ sofre.
direito à cidade, diversidade sexual, gênero, negritude, etc. cotidiano urbano. 2017.
construção do referencial teórico conceitual ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. 1998. Expõe uma análise da dimensão
do tempo a partir da visão das
construções e relações sociais.
A parte inicial do trabalho traz aporte teórico fundamental para o seu
HARVEY, David. The right to the city. 2008. Analisa o conceito de direito a cidade
desenvolvimento. Se faz necessário entender os antecedentes históricos e a inserção a partir das concepções de Lefebvre
da população em questão na comunidade, bem como, a sua contextualização para avaliar o papel dos espaços
urbanos e suas novas concepções da
enquanto movimento social. Logo em seguida, foi abordado temas acerca de natureza política.
teorias urbanas elaboradas por autores de diferentes áreas do conhecimento, como
SILVA, Andréa Lima da. ‘’O sol não nasce para O artigo analisa o direito à cidade da
antropologia, sociologia e geografia. SANTOS, Maria de Morais todos’’: uma análise do população LGBTQI+ no cenário de lutas
dos. direito à cidade para de classes, apropriação de territórios e
Na tabela a seguir, podemos identificar as publicações que foram utilizadas segmentos LGBT. 2015. de vivência das territorialidades.
para a construção do referencial teórico da pesquisa: CALIXTO, Adeilton Alves; Rompendo o Silêncio: a O artigo aborda o Espaço LGBT e
CAPÍTULO 01
CÔRTES, Gisele Rocha; informação no Espaço LGBT analisa o perfil dos seus usuários entre
SOARES, Gilberta Santos. do estado da Paraíba. os anos de 2011 a 2014.
40 41
FRANCO, José Luiz de Memórias do Movimento Traz uma investigação da memória BECH, Henning. When men meet: O autor investiga a relação entre o
CAPÍTULO 02
Moraes. GONTIJO, Fabiano LGBT: da Sociedade e trajetória do movimento LGBTQI+ homosexuality and modernismo urbano e as experiências
Souza. Mattachine ao Estado do no estado do Pará. O artigo também modernity. 1997. homoafetivas.
Pará, a conquista de direitos aborda uma contextualização do
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade: a era O livro aborda a construção das
e suas demandas sociais. movimento em escala mundial.
da informação. 2018. identidades coletivas conforme se
2015. relacionam aos movimentos sociais e
GENTLE, Ivanilda Matias; Gênero, diversidade sexual O livro apresenta debates sobre as disputas de poder na sociedade.
ZENAIDE, Maria de Nazaré e educação: conceituação e gênero e diversidade sexual em âmbito DÍAZ-BENÍTEZ, Maria Elvira. Algunos comentarios sobre O artigo traz reflexões sobre a prática
Tavares; GUIMARÃES, Valéria práticas de direito e políticas acadêmico no estado da Paraíba. prácticas sexuales y sus etnográfica. A autora analisa diferentes
Maria Gomes. públicas. 2008. desafíos etnográficos. 2014. grupos da comunidade LGBTQI+ em
contextualizações diferentes.
GREEN, James N. Mais amor e mais tesão: Traz um apanhado do movimento
a construção de um LGBTQI+ da década de 1970 até os HAESBAERT, Rogério; O Território em tempos de Os autores trazem estudos e definições
movimento brasileiro de anos 2000 no Brasil. LIMONAD, Ester. globalização. 2007. de novos tipos de territorialidade no
gays, lésbicas e travestis. âmbito dos processos de globalização.
2000.
LOURO, Guacira Lopes. Teoria Queer – Uma política O artigo expõe reflexões acerca do
A luta pela igualdade: Explana a trajetória da relação do pós-identitária para a início das discussões sobre teoria
desejos, homossexualidade movimento LGBTQI+ e a esquerda educação. queer e suas reformas identitárias.
e a esquerda na América latino-americana.
OLIVEIRA, Thiago de Lima. Engenharia Erótica, A dissertação traz narrativas de
Latina. 2003.
Arquitetura dos Prazeres: experiências eróticas entre homens
QUINALHA, Renan. Os direitos LGBT sob o A matéria do jornal traz uma análise cartografias da pegação em na cidade de João Pessoa. Também
governo Bolsonaro. 2019. crítica do cenário político brasileiro sob João Pessoa, Paraíba. 2016. expõe os os principais lugares das
o governo Bolsonaro e os direitos da experiencias urbanas da comunidade
comunidade LGBTQI+. LGBTQI+.
REGO, Isa Sara. Estudos da expressão O artigo analisa a obra de Sally Banes PERLONGHER, Néstor O negócio do michê. O autor traz em sua dissertação uma
“corpo efervescente”: uma ‘’corpo efervescente’’ relacionando-a Osvaldo. Prostituição Viril em São análise da prostituição masculina
proposta de eventos históricos da década de 1960. Paulo. como resultado da sua pesquisa
de campo.Tamém expõe teorias e
Sally Banes. 2011. conceitos de possíveis guetos na
cidade de São Paulo.
RIBEIRO, Deco. Stonewall: 40 anos de luta O artigo traz discussões sobre a
pelo reconhecimento LGBT. repercussão do movimento LGBTQI+ SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria Em seu livro a autora aborda as
2011. no Brasil, após Stonewall. queer. discussões referentes a teoria queer da
filósofa Judith Butler.
RINSUM, Leila Van. Benefícios e custos da Investiga os custos e benefícios
TEIXEIRA, Marcelo Augusto ’Metronormatividades’’ O artigo apresenta estudos migratórios
homofobia. O frame da homofobia no cenário político e
de Almeida. nativas: migrações de homossexuais para os grandes
neoliberal e a luta por econômico.
homossexuais e espaços centros urbanos a partir do século XX
identidades. 2015.
urbanos no Brasil. 2015. no Brasil e no mundo.
RUA, Maria das Graças. Especialização em Gestão Traz conceitos básicos e dinâmicas das WACQUANT, Loïc. Que é gueto? Construindo O artigo traz conceitos de gueto
Municipal. Políticas Públicas. políticas públicas. um conceito sociológico. e expõe as caracteríticas que o
42 2014. 2003. fundamentam. 43
pesquisa documental Tabela 02: Pesquisa documental
Instituição Publicação/Ano Tema
Para Prodanov e Freitas (2013, p. 55) a pesquisa documental é aquela que
Grupo Gay da Bahia Relatório da população Dados estatísticos detalhados
consiste em materiais que ainda não passaram por uma análise crítica ou que podem LGBTQI+ morta no Brasil. da população LGBTQI+ morta
ser reestruturados a partir dos objetivos de cada pesquisa. São por exemplo: jornais, 2018. no Brasil. O documento também
traz discussões que permeiam
documentos, relatórios, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras as causas mortis.
matérias de divulgação.
Câmara dos Deputados PL 4931/2016 Projeto de Lei de reorientação
A maior parte da pesquisa documental ocorreu nas plataformas digitais. Foram sexual.
consultados dados estatísticos, mapas, tabelas e gráficos referentes a população PL 6583/2013 Projeto de Lei que reconhece
LGBTQI+ no Brasil, disponíveis online no site do Grupo Gay da Bahia - GGB. Também famíla apenas pela união
heterossexual.
foi consultado o mapa da cidade de João Pessoa, disponível no site da Prefeitura
Municipal de João Pessoa – PMJP.
Planalto Decreto Nº 9.759. 2019. Decreto que extingue e
estabelece diretrizes, regras e
No site da Câmara dos Deputados foi consultado o Projeto de Lei – PL 4931/2016 limitações para colegiados da
e o PL 6583/2013. Já no site do Planalto foi examinado o decreto de N° 9.759, de administração pública federal.
11 de Abril de 2019. Outros decretos, normas, leis e portarias referentes às Políticas
Biblioteca do Centro Estadual Gênero, diversidade sexual O livro apresenta debates sobre
Públicas foram, da mesma forma, analisados nos sites do poder público e nos Diários de Referência dos Direitos e educação: conceituação e gênero e diversidade sexual em
Oficiais da Paraíba. A coleta das manchetes dos jornais Lampião da Esquina e Notícias de LGBTQI+ e Enfrentamento práticas de direito e políticas âmbito acadêmico no estado da
a Homofobia na Paraíba públicas. 2008. Paraíba.
Populares ocorreu igualmente às buscas virtuais.
Grupo Dignidade Jornal Lampião da Esquina. Edições do jornal Lampião da
No Centro Estadual de Referência dos Direitos de LGBTQI+ e Enfrentamento a Edições: 04 de 1978; 08 de Esquina, que trazia discussões
Homofobia na Paraíba foram coletados arquivos referentes ao movimento LGBTQI+ 1979; 12 de 1979; 13 de 1979; a respeito da comunidade
16 de 1979; 36 de 1981. LGBTQI+ na época da ditadura
no estado da Paraíba. militar.
Na tabela 02, podemos analisar a sintetização dos materiais que foram Empoderadxs Manchetes do jornal Notícias Manchetes caluniosas a
Populares dos anos de 1980 respeito da comunidade
coletados: e 1983. LGBTQI+ na época da epidemia
do vírus HIV.
44 45
população e definição do grupo de participantes Além dos grupos que compõem a comunidade LGBTQI+, foi possivél identificar
no local de estudo a presença de heterossexuais, os quais também possuem várias
A comunidade LGBTQI+ é reconhecida pela reunião dos grupos que possuem
classificações. Porém, neste trabalho iremos focar apenas na população LGBTQI+.
orientações sexuais e identidades de gênero divergentes da heteronormatividade
e que no decorrer da história enfrenta a marginalização social. Neste trabalho, a técnicas de coletas de dados de fonte primária
definição dos grupos que compõem a comunidade LGBTQI+ partirá das concepções
presentes no Manual de Comunicação5 elaborado pela Aliança Nacional LGBTI, Grupo
observação de campo
Dignidade e a rede GayLatino. O manual foi produzido com o propósito de melhorar o Na primeira fase do trabalho de campo foi utilizada a observação de campo.
entendimento de termos que são recorrente entre a comunidade. Prodanov e Freitas (2013, p.59) pontuam que a pesquisa de campo é utilizada com o
objetivo de alcançar informações a respeito de uma problemática, de uma hipótese
É fundamental salientar que além das múltiplas caracterizações de orientação
que queremos confirmar ou, ainda, descobrir novos fenômenos e suas relações entre
sexual ou identidade de gênero dos grupos que compõem a comunidade, há outras
eles.
determinantes que devemos nos atentar, como por exemplo a classe social, raça/etnia
e faixa etária. Levar em consideração a interseccionalidade dessas especificidades é A observação proporcionou a reunião de uma parcela dos dados necessários
importante para sabermos que estas influenciam na maneira como as pessoas vivem para atingir os objetivos desta pesquisa. Possibilitou: 1) Confirmar a existência e
as suas práticas sociais, as suas afetividades, os seus desejos e como se comportam predominância da comunidade LGBTQI+ na Praça Antenor Navarro, no Largo São
nos espaços que concedem sentidos a isso. A sobreposição dessas características Frei Pedro Gonçalves e nos seus respectivos estabelecimentos; 2) Identificar espaços
produzem outras categorias do universo LGBTQI+ como: poc, urso, cafuçu, barbie, de maior concentração e mais utilizados pela população; 3) Conhecer os modos de
daddy, enfim, categorias que se firmam a partir dos interesses e da maneiras que as apreensão do espaço e as dinâmicas das atividades realizadas por essa população;
pessoas se expressam6. 4) Reconhecer os conflitos existentes entre os grupos no espaço.
definição do grupo de participantes Foram realizadas 14 visitas na área de estudo para a observação de campo.
Também foi efetuado junto a observação de campo os registros fotográficos. Na
Quanto a definição do grupo de participantes, a pesquisa de campo possibilitou
tabela 03 podemos identificar as datas e os turnos das idas à campo:
a identificação de diversos grupos presentes na área de estudo, foram eles: lésbicas,
gays, bissexuais, travestis, transexuais e drag queens. Ao final da pesquisa realizamos
um total de 57 pessoas que se declararam membros da comunidade LGBTQI+.
13 17.10.2019 Manhã As abordagens para a realização das entrevistas, na maior parte das vezes,
14 26.10.2019 Noite ocorreram espontaneamente no Largo, na Praça, nos bancos, nas ruas, nas calçadas
e até mesmo dentro dos estabelecimentos. Os entrevistados estavam sempre em
grupo, o que favoreceu para uma abordagem múltipla de participantes.
entrevista semiestruturada
As entrevistas foram gravadas, após o consentimento livre do participante,
Na segunta fase do trabalho de campo foi utilizada a entrevista semiestruturada.
para coleta de informações relevantes na interlocução. Para efetuar as entrevistas
Freitas e Prodanov (2013, p.106) defendem que a entrevista semiestruturada é aquela
semiestruturadas foram realizadas 02 idas à campo. Na tabela a seguir, podemos
que o entrevistador segue um roteiro já planejado. Ela acontece a partir de um
analisar os dias e os locais que foram feitas as entrevistas:
formulário criado antecipadamente. A concepção de um formulário padrão possibilita
comparar grupos de respostas.
48 49
TABELA 04: Cronograma das visitas em campo para as entrevistas 24 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Gorete Grapete
Nº Dia da semana Turno Local do início da entrevista Entrevistados 25 13.07.2019 Noite Vila do Porto Thamires Bione
01 27.04.2019 Noite Praça Antenor Navarro Fernando 26 13.07.2019 Noite Vila do Porto Anderson Guedes
PRÉ-TESTE
02 27.04.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Janobrat 27 13.07.2019 Noite Vila do Porto Thales Lima
03 27.04.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Arthur 28 13.07.2019 Noite Vila do Porto Kennely Santos
04 27.04.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Aléxia 29 13.07.2019 Noite Vila do Porto Jefferson Soares
05 27.04.2019 Noite Espaço Mundo Paula 30 13.07.2019 Noite Vila do Porto Beatriz Morais
06 27.04.2019 Noite Espaço Mundo Renata 31 13.07.2019 Noite Vila do Porto Bruna Martins
07 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Thalia Vieira 32 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Gabriel Guerreiro
ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
08 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves João Lucas 33 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Daniel Cavalero
09 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Márcio Coriolano 34 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Carlos Alves
10 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Clemer Ronald 35 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Amanda Araujo
11 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Rafael Guedes 36 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Pedro Ramon
12 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Pamela Maria 37 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves José Miguel
13 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Deyvison Souza 38 13.07.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves André Guedes
14 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Ariana Silva 39 04.08.2019 Noite Espaço Mundo Jamine Heloise
15 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Daniele 40 04.08.2019 Noite Espaço Mundo Ieda Oliveira
16 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Mateus Estefany 41 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Caio Alex
17 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Marilyn Barbosa 42 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Rocky Star
18 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Alba Almeida 43 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Arlinda Trindade
19 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Elena Valéria 44 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Paula Macedo
20 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Carry Alcântara 45 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Joao Vitor
21 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Edmilson Douglas 46 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Rafael Abreu
22 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Jonatas Alencar 47 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Yan Azevedo
23 13.07.2019 Noite Praça Antenor Navarro Eduardo 48 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Gabriel Urbano
50 51
49 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Brenda Grisi sistematização e análise dos dados
50 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Leonide Vasconcelos
Conforme Freitas e Prodanov (2013, p. 113), antes da conclusão se faz necessário
51 04.08.2019 Noite Praça Antenor Navarro Ray Jordão
agrupar os dados, sintetizando-os, para que sejam expostos de forma lúcida e,
52 04.08.2019 Noite Hera Bárbara Rosana Correia
assim, alcançar os objetivos do trabalho. Com uma análise crítica dos referenciais
53 04.08.2019 Noite Praça Antenor Navarro Francisco Fernandes
54 04.08.2019 Noite Praça Antenor Navarro Jonny Bandeira
teóricos, dados das observações de campo e das entrevistas semiestruturadas fez-
55 04.08.2019 Noite Praça Antenor Navarro Udson
se necessário organizar todas essas informações para analisa-las e por fim, chegar a
56 04.08.2019 Noite Praça Antenor Navarro Larissa Teixeira um produto final.
57 04.08.2019 Noite Largo São Frei Pedro Gonçalves Hugo Salvador sistematização dos dados observacionais e das entrevistas
dados observacionais
Também foi realizada uma entrevista com o professor de História da rede A sintetização desses dados transformou-se nos seguintes resultados: 1)
privada e vice coordenador do Movimento do Espírito Lilás – MEL, Fernando Luiz, sobre Identificação dos espaços mais frequentados pela comunidade LGBTQI+ no Largo
o movimento LGBTQI+ na Paraíba. A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice 02. São Frei Pedro Gonçalves e na Praça Antenor Navarro; 2) Detecção dos usos e
a) Roteiro da entrevista concentrações dos diversos grupos que frequentam o espaço; 3) Classificação
das atividades das pessoas; 4) Reconhecer as sociabilidades de todos os grupos
O questionário foi conduzido por um roteiro de questões dividido em duas partes,
e situações de consenso entre estes. A partir disso, reconhecemos que a melhor
totalizando 13 perguntas: 1) A primeira parte referiu-se à caracterização e identidade
maneira de representar essas análises se daria através de mapas conceituias, onde
do participante (idade, identidade de gênero, orientação sexual, identidade étnico-
seriam inseridas sobreposições dos dados mais inportantes analisados.
racial, cidade e bairro onde reside); 2) A segunda parte teve como propósito conhecer
as experiências urbanas dos membros da comunidade LGBTQI+ (frequência das entrevista semiestruturada
idas ao centro, espaços mais frequentados, o turno mais frequentado, liberdade de
Inicialmente realizou-se uma classificação das respostas obtidas frente às 13
expressão sexual e de gênero nos espaços, repressão em outros locais da cidade).
perguntas do roteiro de entrevista: 1) Identidade; 2) Experiência Urbana. Categorizadas
dessa maneira, a narrativa foi enriquecida através de mapeamentos, gráficos
estatísticos da população entrevistada e referenciais teóricos.
52 53
políticas públicas para a
A porta para o futuro foi escancarada
por experiências contínuas.
E quando todos os jovens estiverem velhos,
população lgbtqi+
e todas dores estiverem contidas,
S
estamos no futuro.
Estamos dando um rolê no futuro, obre as discussões de Políticas Públicas para a comunidade LGBTQI+, se
com aquilo que o homenino vai ver, faz necessário reconhecer a relação entre o movimento social em questão,
e trazer até nós. os marcos históricos, o Estado e a sociedade civil brasileira.
Trazer as cicatrizes
que caminharam até tão longe. Para Rua (2014, p.12), a sociedade é formada por um conjunto de indivíduos
Cicatrizes bola de cristal. compostos por diferentes interesses e recursos de poder, onde estes interagem
Com quantos olhos vamos nos desvigiar
entre si a fim de atender às suas necessidades. A autora evidencia que as principais
depois de abolido o sexo?
características da sociedade estão presentes nas diferenças de ideias, valores,
Pergunta o argonauta torto e envelhecido.
E só restará um símbolo interesses e aspirações, as quais trazem contribuições múltiplas para a vida coletiva.
que representará igualdade.
A partir disso, determinadas circunstâncias podem existir e se perpetuar por um
Paraíso! Paraíso!
E a heráldica da pobreza tempo, alcançando apenas uma parcela da população e assim gerando insatisfações.
terá sido varrida para baixo das ideias mesquinhas Quando essas insatisfações são transformadas em ações políticas, mobilizadas pela
das divisões comuns. ação coletiva, uma demanda passa a incluir-se na agenda governamental (RUA, 2014).
E aqui, no olho do futuro,
começa a nossa não-história. Assim, pensando nos LGBTQI+, é apenas a partir da sua organização política e sua
Aqui começamos a fazer a pintura rupestre de um inserção enquanto grupo de pressão nas estruturas sociais, que suas demandas e
novo tempo. a necessidade de políticas públicas começaram a ser discutidos como problemas
Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013). políticos. Porém, é preciso ressaltar que esse processo não se materializa sem
obstáculos e disputas. Diante disso, abordaremos no tópico a seguir, o movimento
LGBTQI+, a nível mundial e local, entendendo sua inserção na cidade e a construção
56 dos seus direitos básicos como cidadãos. 57
1.1 a diversidade sexual e o movimento LGBTQI+: da
década de 1960 à contemporaneidade.
Os movimentos e as lutas homossexuais tiveram a sua gênese nos Estados Unidos
na década de 1960. Nessa época, o bairro Greenwich Village7 era palco das grandes
manifestações artísticas e culturais (imagens 01, 02, 03 e 04). Segundo Capellari,
pautas como igualdade, liberdade e práticas artísticas com o corpo embasavam
a Contracultura8. Uma das manifestações mais perceptíveis da Contracultura é
fonte: www.squire.com
imagem 02 | Pessoas
MacDougal em 21 de
uma Farmácia na rua
e fazendo música no
destacada pelo autor: ‘’o hedonismo, caracterizado pela valorização do corpo e das
de jovens cantando
em pé na frente de
emoções, sendo as principais manifestações: a ‘’revolução sexual’’[...]’’ (CAPELLARI,
abril de 1996.
2007).
em 1968.
Tal movimento foi composto por diversos grupos que almejavam diferentes
interesses. Para Carlos Alberto Messeder (1986) de um lado havia o movimento da
imagem 01 | Pinturas
expostas na Washington
Square em outubro
de 1964. Arttistas
tradicionalmente exibiam
seus trabalhos nas ruas.
fonte: www.squire.com
imagem 03 | Um homem
caminhando pela
calçada frente a uma
parede de tijolos coberta
de graffiti em Greenwich
Village.
fonte: www.squire.com
juventude (hippies, rock, estudantil) que traziam ideias de contestação, insatisfação,
busca por outras realidades e modos de vida. E por outro lado, havia o movimento
com um conceito mais amplo e de carater problematizador à tradicional ordem
dominante. ‘’Uma contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos,
em diferentes épocas e situações, e costuma ter um papel fortemente revigorador da
crítica social’’. (PEREIRA, 1986, p. 20-1 apud CAPELLARI, 2007, p. 05).
figura 05 |
Manifestação de
jovens pelo fim da
ditadura militar. Na
faixa está escrito
trecho da música
imagem ''Apesar de você
07| Pessoas do artista Chico
62 protestando em Buarque.
fonte: www.
63
passeata com
cartazes. vermelho.org.br
fonte: www.
hypeness.com.br
Ideias revolucionárias começaram a renovar a temática social do Brasil, tendo
no conceito da Contracultura uma ideia de nacionalidade, estimulando e provocando a
crítica, o discurso teórico e a criação do movimento Tropicália9. Nessa época, o regime
político da ditadura, misturava-se com artistas (imagens 08, 09 e 10) e canções quase
sempre em oposição ao governo. “Domingo no Parque” de Gilberto Gil e “Alegria,
alegria” de Caetano Veloso embalaram a trilha sonora do surgimento do tropicalismo:
Por entre fotos e nomes, sem livros e sem fuzil. Sem fome,
sem telefone. No coração do Brasil. Ela nem sabe até pensei
em cantar na televisão. O sol é tão bonito, eu vou. Sem lenço,
sem documento, nada no bolso ou nas mãos. Eu quero seguir
vivendo, amor eu vou. Por que não? Por que não? Por que não,
por que não? (Trecho da música Alegria, alegria. Artista: Caetano
Veloso; Ano: 1967 Álbum: Caetano Veloso; Gênero: Tropicalismo)
68 69
Para Facchini (2005, p. 86), houve um declínio na quantidade de grupos, mas
isso não afetou o crescimento do movimento. A autora expõe que essa foi uma época 1.1.4 violência e aids no brasil
que trouxe novos questionamentos ao cenário, como a legalização do casamento O primeiro caso de AIDS no Brasil foi diagnosticado no ano de 1982. O cenário
gay, a inclusão da educação sexual nas grades curriculares das escolas e a luta por era de pânico devido a desinformação e homofobia existente. Intitulada como ‘’peste
uma abordagem positiva da mídia. gay’’ pela mídia sensacionalista, o crescimento do contágio pelo vírus HIV e a violência
Autores como MacRae (1985) defendem também que independentemente de contra gays, lésbicas e travestis, mostrou que o país se encontrava em um mar de
ter acontecido uma redução do movimento homossexual brasileiro, foram alcançadas ignorância e antidemocracia (GREEN, 2000, p.286).
várias conquistas, principalmente nas redes de sociabilidade e no âmbito da defesa
Além disso, a aparição da epidemia diluiu ainda mais o número de grupos
da homossexualidade como não sendo uma doença ou algo anormal (FACCHINI,
que compuseram o movimento e desarticulou as pautas de liberação sexual. Muitos
2002). Para Green, o fim da ditadura originou uma falsa ideia de que a democracia
militantes estavam representando a luta contra a AIDS e portando-se à sociedade
havia sido reparada e que novos caminhos estavam sendo trilhados para os direitos
para esclarecer e desmistificar preconceitos instaurados (FACCHINI, 2005 p.84).
da comunidade:
O crescente consumo gay, que incluía boates, saunas e bares, O grupo Outra Coisa: Ação Homossexualista foi o primeiro a tomar atitude
também sustentou uma ilusão de que a sociedade se tornava perante as circunstâncias do caos. ‘’Seus membros distribuíram um panfleto nos bares
cada vez mais livre e que a organização política de gays e lésbicas
não era mais necessária (BLANDER, 1983, p.76-77 apud GREEN,
gays e áreas de paquera em São Paulo, informando a “coletividade homossexual”
2000, p.284). como eles poderiam obter informações sobre a doença.’’ (GRUPO OUTRA COISA,
Em fins dos anos de 1980, a atuação de Luiz Mott, professor de antropologia e 1983, apud GREEN, 2000, p.286).
fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), foi muito significativa para o movimento que A violência contra gays, travestis e lésbicas era crescente nos anos 1980.
estava sem curso. Através de inúmeras campanhas, a primeira conquista do GGB foi o ‘’Luiz Mott documentou o assassinato de mais de 1.200 homossexuais masculinos e
reconhecimento jurídico do grupo. Em fevereiro de 1985, o GGB convence o Conselho femininos e de travestis no Brasil entre meados dos anos de 1980 e meados dos anos
Nacional de Saúde da retirada da homossexualidade como uma doença tratável de de 1990’’ (GREEN, 2000, p.286).
desvio sexual (GREEN, 2000, p.284).
Grande parte desses assassinatos eram cometidos por grupos ou pessoas não
identificadas, conhecidos popularmente como ‘’esquadrões da morte’’, resquícios da
época da ditadura militar. Esses indivíduos nunca foram devidamente punidos por
figura 07 | Grupo conta da Lei da Anistia de 1979, consequentemente, nunca houve uma discussão
Gay da Bahia em
70 protesto.
fonte: www.
acerca dessa forma de violência por parte do governo (GREEN, 2000, p.287). 71
grupogaydabahia.
com. Editado pelo
autor, 2019.
Facchini (2005, p. 88) disserta que na década de 1990 o movimento continuou a
1.1.5 a segunda onda do movimento no brasil crescer, refletindo assim no aumento dos grupos de articulação e na quantidade dos
encontros que aconteciam em todo o país. A autora defende que nesse período há
Segundo Green, em meados dos anos 1980, a quantidade dos grupos volta a
um deslocamento geográfico das iniciativas movimentalistas para o Nordeste e Rio
crescer atingindo regiões de todo país. A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e
de Janeiro.
Travestis (ABGLT) foi fundada em mais de 30 organizações no ano de 1985 durante
o VII Encontro Nacional de Gays e Lésbicas. A partir da implantação de um regime Após a ascensão da AIDS no Brasil, os grupos dos ativistas passam por um
democrático neste ano, surge novos caminhos para o ativismo gay e lésbico: processo de ‘’onguização’’ absolvido na urgência de legitimidade para o financiamento
Vários movimentos sociais e o Partido dos Trabalhadores de ações que prevenissem a doença. É nesse contexto que surge o movimento
começaram a questionar como democratizar a participação LGBTQI+ Paraibano: na luta pelas Políticas Públicas de saúde junto a diversos
numa sociedade civil. Ativistas do movimento feminista, grupos segmentos da sociedade.
de bairro e a esquerda argumentaram que uma verdadeira
74 75
É nesse cenário de lutas em diversos âmbitos sociais que começam a surgir
necessidades de ações afirmativas destinadas à população em questão. Segundo
Irineu (2014, p. 196), somente a partir do primeiro mandato do ex-presidente Lula é que
se inicia um diálogo frequente com o movimento. Em 2004, através da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República é lançado a primeira Política Pública
específica para a população LGBTQI+: o programa BSB (Brasil sem Homofobia). O
principal objetivo do BSB é a promoção e a consolidação de outras políticas públicas
em território nacional.
76 77
Somente a partir da implementação do Espaço LGBTQI+ é que se começou familiar e doméstica no auxílio nas DEAM (Delegacias Especializadas de Atendimento
a discutir as pautas de saúde e de proteção social para a população no estado. à Mulher) em especial, a aplicação Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha; 8) Lei dos
Entre 2011 e 2019, foram implementadas as seguintes Políticas Públicas na Paraíba: Cartazes - Lei Estadual N° 10.909/2017 que torna obrigação a fixação de cartazes
1) Decreto de Nome Social n.º 32.159/2011 - garante o tratamento nominal e a nos órgão públicos e estabelecimentos comerciais expondo que a Lei Estadual nº
inclusão e uso do nome social de transexuais e travestis nos registros estaduais 7.309/2003 proíbe e pune atos de quaisquer discriminação de orientação sexual; 9)
relativos a serviços públicos; 2) Comitê Estadual de Saúde Integral da População Disque 156 – canal para denúncias de violação de direitos da comunidade LGBTQI+,
LGBTQI+ - criado a partir das Portarias 567 e 568 em 2012, é uma implementação mulher, criança e adolescente, idoso, moradores de rua, entre outros. Foi criado pela
da Política Nacional de Saúde Integral da População de LGBT para a criação de secretaria do desenvolvimento social em 2019.
espaços de articulação referentes a questões de saúde; 3) Ambulatório de Saúde
Combater a discriminação e a exclusão social implica na promoção de cidades
para Travestis e Transexuais do Estado da Paraíba – localizado em João Pessoa
mais justas e democráticas, onde o movimento LGBTQI+ alcançou a visibilidade social
no Complexo Hospitalar Clementino Fraga, desde 2013 oferece apoio nas áreas
e promoveu o avanço nas mudanças da sociedade contemporânea. Como prova
da nutrição, psicologia, psiquiatria, fonoaudiologia, endocrinologia e ginecologia à
disso no dia 13 de junho de 2019, o STF aprovou a criminalização da discriminação
população T; 4) Celas para LGBTQI+ nos presídios da Paraíba – as celas nos presídios
por orientação sexual e identidade de gênero, o que é um grande marco para as
foram implementadas em 2013 pela Secretaria de Administração Penitenciária em
conquistas movimentalistas da comunidade.
três unidades do estado: em João Pessoa, nos dois presídios do Roger e em Campina
Grande, no Serrotão. O objetivo é evitar a violência moral e sexual que a população Porém, mesmo como os diversos avanços, ainda existe um extenso caminho a
carcerária estava submetida e garantir a livre manifestação das orientações sexuais ser trilhado para que as conquistas de visibilidade e cidadania sejam alcançadas, visto
e identidades de gênero; 5) Conselho Estadual dos Direitos de Lésbicas, Gays, que, o número de casos de violência contra a população ainda é muito frequente.
Bissexuais Travestis e Transexuais da Paraíba (CEDLGBT) – criado em 2014 por Segundo o GGB, no último ano, 2018, foram registradas 420 mortes de LGBTQI+
meio do decreto nº 35.004, o conselho é composto por entidades da Sociedade vítimas da homolesbotransfobia11, desses 320 foram homicídios (76%) e 100 foram
Civil da Capital e do interior do Estado e órgãos governamentais. Tem o propósito a suicídios (24%). A causa desses crimes estão ligados diretamente com a identidade de
discussão e a implementação de Políticas Públicas para a comunidade LGBTQI+; 6) gênero e/ou orientação sexual das vítimas.
Programa Transcidadania – com o apoio de 10 secretarias e empresas privadas, o
projeto foi criado em 2015 e oferece uma série de serviços, principalmente ofertas no
11 É a união dos termos homofobia, lesbofobia e transfobia que representam, respectivamente,
mercado de trabalho formal às travestis e transexuais; 7) Lei Maria da Penha para as a aversão aos homossexuais, lésbicas e transexuais. O termo surgiu na 18º Parada Gay de São Paulo,
mulheres travestis e transexuais – criado em 2017, o decreto nº 37.943 estabelece onde esta apresentava a temática: “País vencedor é país sem homolesbotransfobia: Chega de mortes!
78 Criminalização já! ”. O tema do evento foi escolhido pela Associação da Parada do Orgulho LGBTQI+ 79
diretrizes normativas para as mulheres travestis e transexuais que sofrem violência (APOLGBT) em parceria com a comunidade LGBTQI+ e a mobilização nas redes sociais.
O relatório identifica que há um predomínio das mortes de Gays (45%), seguido O mesmo relatório do GGB mostra que o Nordeste apresenta 2,57 mortes
respectivamete de Trans (39%), Lésbicas (12%), Bissexuais (2%) e Heterossexuais (1%). por milhão de habitantes, sendo maior 0,56 que a média nacional. Torna-se, assim, a
O aparecimento de heterossexuais nos dados justifica que estes foram assassinados terceira região brasileria com mais taxas de crimes contra a população LGBTQI+. No
por serem confundidos com gays, por se envolverem direto com a cena ou com gráfico a seguir, podemos analisar a porcentagem de mortes da população LGBTQI+
individuos LGBTQI+ quando executados. Com relação ao locus dos crimes, foram por estado no Nordeste. A Bahia aparece em primeiro lugar totalizando 35 mortes
registrados 179 (49,4%) em vias públicas, 155 (42,8%) em residências e 28 (7,7%) em (23,8%), seguido do Ceará com 23 (15,6%), Alagoas 20 (13,5%), Pernambuco 15 (10,2%),
estabelecimentos privados.12 Rio Grande do Norte 15 (10,2%), Paraíba 14 (9,5%), Maranhão 9 (6,1%), Piauí 9 (6,1%) e
Sergipe 6 (4,8%).
28
8BISSEXUAIS (7,7%)
52 5HETEROSSEXUAIS ESTABELECIMENTOS
NORDESTE
PRIVADOS
100 (24%) gráficos 02, 03 e
LÉSBICAS
SUICÍDIOS 04 | Gráfico geral, 23,8
por segmento
179 e de locus da 25,0
população
191 (49,4%) LGBTQI+ morta
GAYS
155 VIAS PÚBLICAS no Brasil. fonte:
(42,8%) Grupo Gay da
Bahia. Ilustrado 20,0
164
RESIDÊNCIAS
320 (76%)
TRANSEXUAIS
HOMICÍDIOS
pelo autor, 2019. 15,6
13,5
15,0 gráfico 05 |
Porcentagem
de mortes da
10,2 10,2 9,5 população
O advogado Eduardo Michels13, classifica os crimes de ódio em três categorias: LGBTQI+ no
10,0 Nordeste em
1) a homofobia individual, que é caracterizada pela sexualidade mal resolvida do 2018. fonte:
6,1 6,1
PORCETAGEM
Grupo Gay da
assassino que tem desejo reprimido; 2) a homofobia cultural, definida a partir da prática 4,8 Bahia. Ilustrado
do bullying e 3) homofobia institucional, que é marcada pelo descaso do governo 5,0 pelo autor, 2019.
Além dos dados aqui explanados, nos últimos anos há um aumento das
repressões à população LGBTQI+ através de projetos, medidas e dissipações de fake
news14 no âmbito administrativo público do Brasil. A ‘’Cura Gay’’, também conhecida
como Terapia de Conversão ou Terapia Reparativa, baseia-se no conjunto de técnicas
e metodologias, de ordem clínica ou religiosa, que tem o propósito de aniquilar a
homossexualidade de um indivíduo. Apresentado pelo deputado João Campos
(PSDB), da Igreja Assembléia de Deus em 2011, o PDC (Projeto de Decreto Legislativo)
propunha a suspensão da resolução do Conselho Nacional de Psicologia, que proíbe
quaisquer profissional de fazer terapias com o objetivo de ‘’mudar’’ a orientação sexual
de qualquer pessoa.15
Outro Projeto de Lei n° 4931, apresentado em 2016, pelo pastor e deputado federal
Ezequiel Teixeira (PTN-RJ) têm o objetivo de modificar a orientação homossexual para
heterossexual de um indivíduo através de uma série de terapias. Ambos os projetos
encontram-se arquivados, portanto a probabilidade de um novo projeto da ‘’Cura Gay’’
ainda permeia a câmara dos deputados e ameaça a comunidade LGBTQI+.
gráfico 06 | Índice (a cada 100 mil
habitantes) de assassinatos de
LGBTQI+ no Brasil em 2018.
fonte: Grupo Gay da Bahia.
Ilustrado pelo autor, 2019. 14 Notícias falsas publicadas em massa através de veículos de comunicação. Tais notícias
mostram o grau de intolerância que há no discurso da administração pública federal brasileira que se
82 enraíza por todos os outros setores. 83
15 Disponível em: <http://bit.ly/2KYATO8>. Acesso em: 08 de abril de 2019.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) em 1990 comprova que ‘’a O mesmo decreto ainda extigue o Conselho das Cidades (Decreto 5.790/2006),
homossexualidade pode ser definida como uma variação da sexualidade humana e colocando em risco todo o processo de democratização da Política Nacional de
não deve ser considerada como doença.’’ Desde a década de 1990, a OMS excluiu Desenvolvimento Urbano (PNDU), enfraquecendo as demandas no que tange o
qualquer possibilidade de que a homossexualidade fosse encarada como uma direito à cidade dos cidadãos. 19
patologia clínica. No Brasil ou no exterior, não há nenhuma prova científica que
Segundo Renan Quinalha20 (2019, p. 05), o governo Bolsonaro dependerá
defenda a utilização da terapia como alternativa de mudar as orientações sexuais.16
dessa postura pra sobreviver, visto que, este se construiu e se fortaleceu a partir do
Já no Projeto de Lei nº 6583, do Deputado Anderson Ferreira (PHS-PR) pânico moral que os setores conservadores vinham semeando contra as demandas
‘’considera-se “família” como sendo somente o núcleo formado a partir da união entre e avanços da comunidade LGBTQI+. Portanto, é provavél que a violência social contra
um homem e uma mulher. ’’ O projeto aprovado com 17 votos e 05 contra, invisibiliza esta população se agrave.
não só a comunidade LGBTQI+, como os inúmeros arranjos de família. 17
Também é bastante provavél que haja retrocessos nos setores em que o Poder
Além do discurso religioso e moralizante existente em diversas esferas Executivo tem maior papel e autonomia no que tange as demandas e implementações
políticas, o atual presidente da república, Jair Bolsonaro18 (PSL), através do Decreto das políticas públicas para a comunidade em questão. Quanto as conquistas já
de nº 9.759, retira a comunidade LGBTQI+ da lista de políticas e diretrizes destinadas alcançadas e reconhecidas pelo STF, a probabilidade é de que haja um alto nível
ao cumprimento dos seus Direitos Humanos (DH). O governo justifica esta ação de constrangimento institucional para qualquer agenda regressiva proposta pelo
defendendo a economia de gastos e redução burocrática, quando na verdade impede Executivo. Além disso, indubitavelmente haverá muita luta e resistência dos militantes
a participação social da população nas políticas públicas. e da comunidade LGBTQI+ às fututras tentativas de retirada de direitos (QUINHALHA,
2019, p. 05).
conceitos e teorias sobre na formação identitária desta população seria julgado criticamente sob o conceito
‘’metronormatividade’’: o urbano como referência absoluta para uma suposta vida
sociabilidade, territorialidade e de liberdade e satisfação sexual. Dessa forma, a busca por liberdade sexual foi um
estímulo das correntes migratórias para as grandes cidades.
espaço queer
88 89
Diversos autores como John D’Emilio (1983) e Robert Aldrich (2005, p. 167)
argumentam que isso só foi possível a partir da Revolução Industrial em conjunto ao
avanço das transformações capitalistas do meio urbano e das migrações em massa:
mulheres e homens começaram a migrar do campo – onde a intolerância sexual e o
conservadorismo eram constantes - para as cidades crescentes, as quais, por meio do
trabalho remunerado teriam maior liberdade e independência sobre os seus corpos
(TEIXEIRA, 2015 p.27).
Nas grandes cidades, as pessoas que desejavam exercer a sua real identidade
e ter práticas sexuais íntimas não teriam dificuldades para tais pretensões, pelo
contrário: o alto fluxo das pessoas, o anonimato, a oferta de corpos, a mobilidade
e os espaços que concentravam esses hábitos - como
parques públicos, banheiros, casas de banho, estação ''o alto fluxo das
pessoas, o anonimato,
de trens e galerias de teatro - facilitavam as experiências a oferta de corpos,
sexuais e de sociabilidade (BECH, 1997 p. 159). a mobilidade e
os espaços que
Teixeira (2015, p.28-30) aponta para uma nova onda
concentravam esses
de formação de territórios, ocupando regiões específicas hábitos facilitavam as
e especialmente segregadas nas grandes cidades experiências sexuais
norte-americanas e no mundo. Para Castells (2018, e de sociabilidade''
(BECH, 1997 p. 159).
p. 332-335), São Francisco foi um bom exemplo dessa imagem 18 |
Áreas residenciais
formação de território. O autor expõe que os limites territoriais dos lugares ocupados gays de São
fancisco entre os
pela população homossexual tornaram-se base para a criação e implementação de anos de 1950 e
1980.
fonte: Castells
instituições autônomas, como propriedades, bares, restaurantes, cinemas, centros (1983).
culturais, associações comunitárias e reuniões de rua.
Esse fenômeno teceu uma malha de vida social e gerou uma nova identidade
cultural. A imagem 18 mostra, com base na pesquisa de campo do autor, a expansão
90 91
das áreas residenciais ‘’gay’’ entre as décadas de 1950 e 1980.
Diante desse contexto, Teixeira (2015, p. 27) conclui que a migração da Não existe só uma comunidade homossexual, mas sim diversos
ambientes homossexuais com diferentes repertórios que se
população LGBTQI+ para uma área específica da cidade serviu como elemento para
distinguem a partir de características como estilo, aparência,
construção territórios e de uma identidade sexual múltipla. A oportunidade e/ou idade, classe, orientação de gênero e, de uma maneira menos
necessidade dos corpos se libertarem do meio intolerante e patriarcal; o capitalismo explícita, raça, que aparece geralmente incorporada ao fator
de classe (...). Nessas comunidades homossexuais há diversas
trouxe os meios necessários para que estes corpos escapassem da dependência
classificações dos indivíduos – classificações taxonômicas que
dos polos familiares, dando-lhes uma certa independência e autoridade sobre os cumprem a função de organizar a experiência, criar sujeitos
seus corpos; a urbanização proporcionou espaços e oferecer-lhes espaços específicos nas interações (DÍAZ-
''No Brasil, a BENÍTEZ: 2006, p. 01).
propícios às oportunidades de encontros íntimos e que migração para as
consequentemente ocasionou a formação de territórios grandes cidades Dessa maneira, não é possível identificar um padrão de comunidade LGBTQI+
identitários de sociabilidade. também foi nem um padrão de apropriação dos espaços. Como visto anteriormente, as formas de
fundamental na apreensão dos territórios variam de acordo com as características físicas, econômicas
No Brasil, a migração para as grandes cidades constituição de
também foi fundamental na constituição de uma uma comunidade e sociais de cada cidade.
comunidade e na formação de diferentes áreas de
e na formação de
sociabilidade homossexuais nas grandes metrópoles.
diferentes áreas
de sociabilidade 2.2 além das territorialidades: o espaço queer
Richard Parker (1999, p. 180-221) classifica as migrações homossexuais nas
grandes metrópoles'' Para adentrarmos aos debates sobre espaço queer, é necessário conhecer as
em diferentes escalas: ‘’da cidade pequena para o
Teixeira (2015, principais vertentes teóricas que antecederam e deram base a esse conceito. Saber
centro regional, desde para as metrópoles nacionais e
p.27) diferenciar expressão, identidade, orientação e sexo (Anexo 02) é o primeiro passo
destas para as globais’’. Parker aponta para a existência
para entender o que a teoria queer traz de contribuição para a compreensão das
de um circuito subcultural gay nas cidades, como bares, boates, saunas e grupos
políticas indentitárias. Mesmo que, nos últimos anos, a temática tenha sido abordada
de sociabilidade. Dessa forma, o autor evidencia que o deslocamento das pessoas,
pela mídia e por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, grande parcela da
seja em quaisquer escalas, foi fundamental para a formação de subculturas gays
população ainda não a conhece, ou não sabe distinguir os diversos termos referentes
metropolitanas e nacionais.
à pluralidade da sexualidade e da identidade.
Se é possível apontar que diferentes fenômenos influenciam na aglomeração
Segundo Louro (2001, p. 544), no Brasil, mais visivelmente na década de 1980, os
de sujeitos específicos na cidade, é necessário compreender que, a dinâmica de
primeiros estudos sobre uma identidade homossexual atingem o âmbito acadêmico
ocupação dos espaços pode variar no decorrer dos anos. Como afirma Maria Elvira
a partir de grupos que começaram a discuti-la com base nos princípios teóricos do
92 Diaz-Benitez: 93
filósofo Michel Foucault.
O historiador francês, sem romper com a política de identidade, coloca em Portanto, logo após, surgiram proposições e reformulações teóricas pós-
pauta a sua concepção como um fenômeno fixo, a partir de antecedentes históricos identitárias. É nesse cenário que se inicia as primeiras concepções da teoria queer,
e sociais. Segundo Louro (2011, p. 544), Foucault concentra em seus estudos apenas como uma necessidade de problematizar as noções básicas de sujeito, sexualidade
o homem homossexual, colocando em voga ‘’o estabelecimento de seus contornos, e identidade. As suas definições são bastantes fluidas e estão presentes em diversas
seus limites, suas possibilidades e restrições’’. Os estudiosos sobre a teoria queer áreas do estudo, portanto, procurou-se nas reflexões da filósofa Judith Butler –
colocam que além de ignorar a sexualidade feminina, tal visão conduz um efeito pioneira nessa linha de pesquisa – as ponderações necessárias para a compreensão
regulador e disciplinador, na medida em que, estabelece apenas a preferência do do sujeito que apreende e compõe o espaço queer.
objeto amoroso como requisito para a construção de uma identidade sexual. Portanto,
Butler está de acordo com Foucault ao declarar que a sexualidade é um tipo
essa concepção trouxe diversos questionamentos:
de experiência consequente de fatores históricos, sociais e culturais e que, dessa
Como a História da Sexualidade de Foucault havia mostrado, tal forma, não existem papéis sexuais naturais intrínsecos ao ser humano. A filósofa vai
escolha do objeto nem sempre tinha se constituído a base para
além ao expandir essa noção da construção social ligada ao gênero, colocando-o
uma identidade e, como muitas vozes discordantes sugeriam,
esse não era, inevitavelmente, o fator crucial na percepção de como protagonista na análise dos desejos e das relações sexuais. Para ela, não só a
toda e qualquer pessoa sobre sua sexualidade. Este modelo sexualidade, mas o gênero é também fator constituinte da identidade e devem ser
fazia, efetivamente, com que os bissexuais parecessem ter
uma identidade menos segura ou menos desenvolvida (assim
desnaturalizas do corpo (SALIH, 2018 p. 66-72).
como os modelos essencialistas de gênero fazem dos trans-
A partir do entendimento de que gênero e sexo compõem a identidade do
sexuais sujeitos incompletos), e excluía grupos que definiam sua
sexualidade através de atividades e prazeres mais do que através sujeito e de que essas especificidades não são adquiridas naturalmente, mas sim
das preferências de gênero, tais como os/as sadomasoquistas construídas a partir de diferentes contextos e atores o sujeito
(SPARGO, 1999, p. 34 apud LOURO, 2001, p. 544).
externos, podemos compreender que o sujeito é queer ''não está
consequência e não causa das instituições, discursos preocupado com a
As campanhas políticas de identidade, marcadas pelo protagonismo branco definição, fixidez ou
e de classe média, já não se sustentavam mais. Para as lésbicas, o movimento e experiências. Butler expõe que estas instituições e estabilidade, mas é
perpetuava o privilégio masculino, o que fazia com que suas exigências e suas a sociedade estabelecem normas a serem seguidas transitivo, múltiplo e
experiências ficassem a mercê dos homens gays. Essa política excludente também através de gestos, movimentos e estilos corporais avesso a assimilação''
(SALIH, 2018, p.19).
atingia os bissexuais, sadomasoquistas e transexuais (LOURO, 2001, p. 544). que concomitantemente fortalecem a construção da
binaridade de gênero: masculino e feminino. Esses atos e gestos performativos que
transpõem significados é o que Judith Butler vai denominar de performatividade
94 (SALIH, 2018, p. 89-92). 95
Na medida em que a linguagem se refere aos corpos ou ao sexo, não faz
apenas uma descrição desses corpos, mas também constrói, reconstrói e produz a 2.3 a territorialização da sociabilidade lgbtqi+ no centro de
identidade de gênero. Ao contrário do que a sociedade hegemônica impõe para a
joão pessoa: do fim da década de 1990 ao início dos anos 2000
aceitação e compreensão das orientações sexuais e de gênero, o sujeito queer ‘’não
está preocupado com a definição, fixidez ou estabilidade, mas é transitivo, múltiplo e Esta seção do capítulo traz um panorama de como se formaram as redes de
avesso à assimilação’’ (SALIH, 2018, p.19). sociabilidade em João Pessoa, e como elas se relacionam com os processos de
urbanização da cidade.
Segundo Cottrill (2006, p. 361), esses corpos opostos à heteronormatividade,
não satisfeitos com o ambiente familiar, começam a procurar espaços de liberdade. Thiago de Lima Oliveira, em sua dissertação de mestrado denominada
Estes espaços - denominados heterotopias pelo autor - estão mais próximos da ideia ‘’Engenharia Erótica, Arquitetura dos Prazeres: cartografias da pegação em João
do que seria um espaço queer: um espaço que critica as divisões de sexualidade, de Pessoa, Paraíba’’ do ano de 2016, aborda as experiências eróticas entre homens
gênero, de classe e de raça; um espaço que permita a convivência entre diversas homossexuais nos circuitos de sociabilidade que se distribuem entre as esferas do
identidades; um espaço que reivindique o território dentro das cidades. público, privado, comercial, virtual e doméstico na cidade de João Pessoa. Em um
dos capítulos de sua dissertação, o autor traz um panorama de como se formaram os
primeiros espaços protagonizados pela população LGBTQI+ na cidade.
mapa 01 | Manchas da
territorialidade LGBTQI+
100 no centro de João
N 101
Pessoa. 0 50 100 200
fonte: OLIVEIRA, 2016.
Editado pelo autor.
Partindo para a Praça Antenor Navarro e o Largo São Frei Pedro Gonçalves
2.4 territorialidade e sociabilidade: o atual cenário da sob esses critérios, podemos afirmar que algumas características estão presentes na
região. É possivel encontrar uma concentração de comércio e uma identidade cultural
territorialidade e sociabilidade do Varadouro
- como as linguagens, os trajes, as músicas e as danças. Contudo, a ausência de
Como podemos perceber, a partir da década de 1990, a área central de concentração residencial e institucional, além do mix de publicos e usos encontrados
João Pessoa concentrava uma considerável quantidade de espaços voltados à não configuram o local como gueto.
comunidade. Se olharmos para o nosso objeto de estudo – a Praça Antenor Navarro
Logo, optou-se neste trabalho por definir a
e o Largo São Frei Pedro Gonçalves – podemos perceber que as diversas formas
de apropriação e produção do espaço urbano no decorrer dos anos, bem como as
ocupação destes espaços pela população a partir dos ''...o território
conceitos de Rogério Haesbaert e Ester Limonad (2007, é sempre uma
pessoas que frequentam os espaços de sociabilidade, dão forma a um processo apropriação de um
p. 39-52) que trazem boas discussões no que tange as
contínuo de invenção e reinvenção da cidade. espaço socialmente
nossas reflexões sobre territorialidade. partilhado e
Para alguns segmentos da sociedade, as formas que os LGBTQI+ se apropriam construído, por
Os autores apontam que o território é sempre isso a noção de
desses espaços, assim como, as aglomerações criadas podem ser popularmente
taxadas como gueto. Mas, é cabível caracterizarmos essas especificidades como tal?
uma apropriação de um espaço socialmente partilhado território deve partir
e construído, por isso a noção de território deve partir do pressuposto
Segundo Wacquant (2004, p.155-161) a origem dos guetos refere-se aos bairros do pressuposto de que este é uma construção histórica
de que este é uma
construção histórica
e as áreas urbanas onde viviam os judeus na Europa, caracterizados pela segregação e social com base nas relações de poder (concreto e social com base nas
e pela resistência contra perseguições xenofóbicas. O termo passou a ser utilizado e simbólico) que envolvem a sociedade e o espaço relações de poder
em outros contextos para denominar espaços protagonizados por minorias étnicas e geográfico. Esses componentes do espaço geográfico (concreto e simbólico)
sexuais, como os negros e gays. que envolvem
que se torna território através das ocupações e da a sociedade e o
Néstor Osvaldo Perlongher (1986, p.70-86) aponta para definição mais dominação social possuem características próprias: espaço geográfico''
trechos de fronteiras demarcados conforme alternam (HAESBAERT;
específica de gueto através das concepções da Escola de Chicago. Para o autor, uma
os turnos do dia; uma historicidade própria; relações
LIMONAD, 2007 p. 42-
determinada região só é reconhecida como gueto se a mesma apresentar isolamento 44)
social, concentração de estabelecimentos institucionais, áreas culturais e residenciais. de identificação cultural; e um espaço imaginário na
produção de identidade (HAESBAERT; LIMONAD, 2007
p. 42-44).
102 103
Portanto, a definição de território será utilizada aqui como uma apropriação
afetiva e cultural de uma determinada parcela da população, ou até mesmo distintos
grupos sociais, gerando identidades territoriais, modificações na ordem espacial e
nas relações de sociabilidade.
Haesbart e Limonad (2007, p.45) abordam três vertentes distintas das formas
conceituais de território. A primeira vertente se define pelo seu atributo jurídico-
político no que concerne as relações de espaço e poder institucionalizado. Onde um
território é controlado e estabelecido um determinado tipo de poder, especialmente
relacionado ao Estado.
Por fim, será exposto a análise etnográfica dos grupos que utilizam o espaço
o largo são frei pedro gonçalves através de mapas temáticos e perspectivas isométricas.
quanto a localização
A pesquisa acontece no bairro Varadouro, localizado na área central da cidade
brasileira João Pessoa, entre os meses de março e outubro de 2019. Considerado berço
da cidade, o bairro é caracterizado pelo seu grande valor patrimonial, representado
pelo conjunto de edifícios históricos que narraram a identidade e os valores locais
aoe
largo e praça
através dos significados associados ao longo do tempo. Atualmente, a maior parte do
Varadouro está inserida no perímetro de tombamento a nível federal pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e a nível estadual pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba – IPHAEP.
bairro
respectivos lotes e possui acesso transversal através da Rua Padre Antônio Pereira à
Leste e termina no sentido Oeste através da Ladeira de São Pedro Gonçalves. Quanto varadouro diagrama 01 |
Localização do Largo São
Frei Pedro Gonçalves e
a Praça, as ruas que a delimitam são Rua João Suassuna, Rua Maciel Pinheiro e Rua da Praça Antenor Navarro.
fonte: Editado pelo autor,
Padre Antônio Pereira, fazendo desta última o meio de ligação entre a Praça e o Largo. 2019.
cidade
joão pessoa
110 111
largo
praça
112 113
quanto a lei de uso e ocupação do solo quanto à mobilidade
Segundo a lei de parcelamento do solo de João Pessoa (2007), a área objeto Por situar-se numa região central da cidade, o sistema viário possui uma
de estudo encontra-se em uma ZCT (Zona Comercial Terminal). Ainda é possível ampla rede de infraestrutura urbana. O fato de ser um ponto focal dos transportes
encontrarmos ZC (Zona Comercial Central), ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) e interurbanos, ferroviários e coletivos confere uma dinâmica de fluxo intensa. Em
ZR2 (Zona Residencial 2) dentro do raio de abrangencia do entorno. virtude desse cenário de embarque e desembarque, a área de estudo é bastante
frequentada pela população durante o dia. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos
quanto aos uso predominante do solo
(CBTU), o Terminal de Integração do Varadouro e o Terminal Rodoviário Severino
Esse entorno, de acordo com o levantamento de uso e ocupação do solo Carneiro são os principais pontos dessas atividades.
realizado em campo, há um predomínio de lotes comerciais (29%), concentrados
É possível notar a predominancia de vias locais - onde o fluxo é baixo -
sobretudo ao sentido sul do Largo e da Praça. Já no sentido Noroeste a prevalencia é
seguido das vias arteriais - onde o fluxo é alto - que interligam os bairros adjacentes.
do uso residencial (18%).
No período da manhã e da tarde, as periferias das vias locais são ocupadas por
É importante observarmos que há poucas quadras e poucos lotes em vacâncias automóveis da população que trabalha na área. No período da noite, o fluxo das
de funções. As atividades comerciais ocorrem majoritariamente no turno matutino e ruas que perpassam a Praça Antenor Navarro e o Largo São Frei Pedro Gonçalves é
vespertino. Já no turno noturno alguns edifícios se adaptam às funções de lazer e bastante intenso devido ao embarque/desembarque das pessoas que frequentam
entretenimento. os estabelecimentos. Quanto às paradas de transporte coletivo, é possível identificar
RELIGIOSO cinco delas na principal via que delimita a Praça, a Rua Candido Pessoa.
SEM 3
18 ZC OCUPAÇÕES 2 MISTO quanto aos equipamentos urbanos | cultura e comércio
1 ZR 4
7 29 O recorte analisado possui uma vasta quantidade de equipamentos urbanos
2 INSTITUCIONAL COMERCIAL culturais e comerciais. A grande diversidade de usos no térreo garante uma relação
ZEIS
mais harmônica entre o espaço público e o privado. Dos 17 estabelecimentos
gráfico 07 | gráfico 08 |
Porcentagem
da lei de uso e
15 Porcentagem
do uso
presentes, 07 são mais frequentados pela população LGBTQI+: Hotel Globo, Vila do
PRAÇAS
ocupação do solo
da área objeto de
predominante
do solo na área
Porto, Espaço Mundo, Galpão 39, Hera Bárbara, In Box JP e Mi Casa Su Casa. Mas
estudo. objeto de estudo. apenas um é voltado exclusivamente para essa população: o Hera Bárbara, que é um
fonte: Ilustrado 46 18 fonte: Ilustrado
pelo autor, 2019. ZCT RESIDENCIAL
pelo autor, 2019.
espaço de festas, entretenimento e atividades realizados nos finais de semana.
114 115
O Hotel Globo, que funciona hoje como um museu, abre principalmente nos
turnos da manhã e da tarde. Nele acontecem alguns shows (imagem 22), eventos
culturais, cinemas à céu aberto e até mesmo feiras artesanais. O Casarão 39, Hera
Bárbara, In Box JP e Mi Casa Su Casa são casas de festas onde é necessário a compra
de um ingresso para frequentá-los. Já o Espaço Mundo e a Vila do Porto em alguns
horários ou dias da semana é aberto ao público funcionando como bar/restaurante,
mas também sediam festas e eventos. Não só nos estabelecimentos privados, como
também nos espaços públicos ocorrem eventos culturais, a exempo do Festival Grito
João Pessoa (imagens 23 e 24).
mapa 02 | Lei de
uso e ocupação
do solo.
fonte: PMJP.
imagens 22, 23 e 24 | Shows Editado pelo
e festivais que ocorrem na autor, 2019.
área objeto de estudo.
116 fonte: Registrado pelo autor, 117
2019.
mapa 03 | Uso mapa 04 |
predominante do Hierarquia viária.
solo. fonte: PMJP.
fonte: PMJP. Editado pelo
Editado pelo autor, 2019.
autor, 2019.
118 119
mapa 05 | mapa 06 |
Pontos, estações Equipamentos
e terminais de urbanos: cultura e
transporte. comércio.
fonte: PMJP. fonte: PMJP.
Editado pelo Editado pelo
autor, 2019. autor, 2019.
120 121
mapa 07 | Planta
122 123
A C
imagem 25 | imagem 27
Vista Sudoeste | Vista Sul
do entorno do entorno
imediato. imediato..
fonte: fonte:
Registrado pelo Registrado pelo
autor, 2019. autor, 2019.
B D
imagem 26 imagem
| Vista Sul 28 | Vista
do entorno Sudoeste da
imediato. Praça Antenor
fonte: Navarro.
Registrado pelo fonte:
autor, 2019. Registrado pelo
124 autor, 2019. 125
E G
imagem 29 | imagem 31 |
Vista Sul da Vista Sul da
Rua da Areia. Praça Antenor
fonte: Navarro.
Registrado pelo fonte:
autor, 2019. Registrado pelo
autor, 2019.
F H
imagem 30 | imagem 32 |
Vista da Rua Vista Norte da
João Suassuna. Praça Antenor
fonte: Navarro.
Registrado pelo fonte:
autor, 2019. Registrado pelo
autor, 2019.
126 127
I K
imagem 33 | imagem 35 |
Vista Norte de Vista Nordeste
Praça Antenor da Rua Padre
Navarro. Antônio Pereira.
fonte: fonte:
Registrado pelo Registrado pelo
autor, 2019. autor, 2019.
J L
imagem 34 | imagem 36 |
Vista Norte da Vista Sul da
Praça Antenor Rua Padre
Navarro. Antônio Pereira.
fonte: fonte:
Registrado pelo Registrado pelo
autor, 2019. autor, 2019.
128 129
M O
imagem 37 imagem 39 |
| Vista Norte Vista Noroeste
do Largo São do Largo São
Frei Pedro Frei Pedro
Gonçalves. Gonçalves.
fonte: fonte:
Registrado pelo Registrado pelo
autor, 2019. autor, 2019.
N P
imagem 38 | imagem 40 |
Vista Noroeste Vista Noroeste
do Largo São do Largo São
Frei Pedro Frei Pedro
Gonçalves. Gonçalves.
fonte: fonte:
Registrado pelo Registrado pelo
130 autor, 2019. autor, 2019. 131
132 133
134 135
mapa 08 |
etnografia Concentração de
pessoas.
fonte: PMJP.
Editado pelo
autor, 2019.
136 137
quanto as atividades
Quanto as atividades no local, foi possível identificar:
- Maior dispersão de pessoas na praça, sobretudo em grupos, no sentido norte,
próximos aos vendedores ambulantes;
- Pessoas sentadas a frente de alguns edifícios socializando, bebendo e fumando;
- Pegação entre homens gays na Praça Antenor Navarro em frente a edifícios que
estavam fechados;
- Ambulantes vendendo bebidas e lanches ao redor da Praça e no Largo;
- Algumas pessoas em pé conversando;
- Grupos de dança que estavam com o som de um automóvel ligado, no trecho de
mapa 09 |
transição da Praça para o Largo e na escadaria da Igreja; Atividades.
fonte: PMJP.
- Uso de drogas ilícitas, sobretudo em locais mais reclusos; Editado pelo
autor, 2019.
- Travestis a procura e espera de clientes;
- Algumas pessoas em aplicativos de pegação;
- Consumo de bebidas alcoolicas e cigarro na maioria dos espaços;
- Algumas pessoas estavam sozinhas, sobretudo homens, caminhando entre a praça
e o largo.
138 139
quanto a concentração da população lgbtqi+ mapa 10 |
Concentração
da população
LGBTQI+ e
e principais deslocamentos principais
deslocamentos.
fonte: PMJP.
Verificou-se que há dois polos de maior concentração da comunidade LGBTQI+ Editado pelo
autor, 2019.
na área objeto de estudo: em frente à boate Hera Bárbara (A) e em frente à Vila do
Porto (B). Os deslocamentos eram feitos a partir dos interesses e necessidades dos
usuários: algumas pessoas se deslocavam para comprar bebida com os vendedores
ambulantes; outras procuravam ambientes mais reclusos para a compra e uso de
drogas ilícitas; drag queens estavam em duas ou mais festas simultaneamente; uns
bebiam em locais diferentes antes de entrar no show/festa; outros buscavam um
espaço para sociabilizar com os amigos; travestis e transexuais se deslocavam de
acordo com a mudança do cenário.
140 141
A C
imagem 41 | imagem 43 |
Concentração Concentração
da população da população
LGBTQI+ em LGBTQI+ em
frente ao Hera Espaço Mundo.
Bárbara. fonte:
fonte: Registrado pelo
Registrado pelo autor, 2019.
autor, 2019.
B D
imagem 42 | imagem 44 |
Concentração Concentração
da população da população
LGBTQI+ em LGBTQI+ em
frente à Vila do frente ao Mi
Porto. Casa Su Casa.
fonte: fonte:
142 Registrado pelo Registrado pelo 143
autor, 2019. autor, 2019.
mapa 11 |
quanto as sociabilidades dos grupos e consensos com a Sociabilidade
dos grupos e
comunidade lgbtqi+ consenso com
a comunidade
LGBTQI+.
fonte: PMJP.
A partir da análise de campo foi possível identificar a concentração dos Editado pelo
autor, 2019.
grupos (funkeiros, heterossexuais, alternativos e rockeiros) no espaço e como eles se
relacionam com a população LGBTQI+.
144 22 Geralmente, a parte superior do casarão é ocupada pelo Hera Bárbara e a inferior pelas festas 145
de rock.
grupo de lgbtqi+ grupo de alternativos figura 10 | Vista isométrica das
sociabilidades dos grupos e
grupo de funkeiros grupo de travestis consensos com a comunidade
LGBTQI+.
146 fonte: Ilustrado pelo autor, 2019. 147
grupo de heteros grupo de rockeiros
grupo de lgbtqi+ grupo de alternativos figura 11 | Vista isométrica das
sociabilidades dos grupos e
grupo de funkeiros grupo de travestis consensos com a comunidade
LGBTQI+.
148 fonte: Ilustrado pelo autor, 2019. 149
grupo de heteros grupo de rockeiros
grupo de lgbtqi+ grupo de alternativos figura 12 | Vista isométrica das
sociabilidades dos grupos e
grupo de funkeiros grupo de travestis consensos com a comunidade
LGBTQI+.
150 fonte: Ilustrado pelo autor, 2019. 151
grupo de heteros grupo de rockeiros
grupo de lgbtqi+ grupo de alternativos figura 13 | Vista isométrica das
sociabilidades dos grupos e
grupo de funkeiros grupo de travestis consensos com a comunidade
LGBTQI+.
152 grupo de heteros grupo de rockeiros fonte: Ilustrado pelo autor, 2019. 153
grupo de lgbtqi+ grupo de alternativos figura 14 | Vista isométrica das
sociabilidades dos grupos e
grupo de funkeiros grupo de travestis consensos com a comunidade
LGBTQI+.
154 fonte: Ilustrado pelo autor, 2019. 155
grupo de heteros grupo de rockeiros
grupo de lgbtqi+ grupo de alternativos figura 15 | Vista isométrica das
sociabilidades dos grupos e
grupo de funkeiros grupo de travestis consensos com a comunidade
LGBTQI+.
156 grupo de heteros grupo de rockeiros fonte: Ilustrado pelo autor, 2019. 157
grupo de lgbtqi+ grupo de alternativos figura 16 | Vista isométrica das
sociabilidades dos grupos e
grupo de funkeiros grupo de travestis consensos com a comunidade
LGBTQI+.
158 fonte: Ilustrado pelo autor, 2019. 159
grupo de heteros grupo de rockeiros
4
E
sse capítulo final é dedicado especialmente à análise da população
LGBTQI+ usuária do espaço aqui estudado. Tem como objetivo
compreender as motivações das dinâmicas de apropriação – abordadas
no capítulo anterior - e como elas ocorrem em outros locais da cidade.
abordagem investigativa
162 163
identidade | perfil dos entrevistados
Entre todas as especificidades que determinam o perfil dos entrevistados,
quatro foram mais significativas: o ano de nascimento; identidade de gênero; 1
gráfico 10 |
orientação sexual; identidade étnico-racial. Não se viu necessidade em fazer perguntas Quantitativo das
identidades de
referentes à renda familiar, estado civil e grau de formação, pois tais informações não gênero.
fonte: Criado pelo
se aglutinam à problemática aqui abordada. autor, 2019.
05 10 15 20 25 30
Quando tratamos da comunidade LGBTQI+, é imprescindível começarmos
TRAVESTI MULHER TRANS NÃO-BINÁRIO MULHER CIS HOMEM CIS
com a identificação das duas especificidades que dão significância à tal população,
que são a orientação sexual e a identidade de gênero. Reforçando que tais definições
Quanto a orientação sexual constatou-se a predominancia de gays 24 (47%),
estão apoiadas no Manual de Comunicação LGBTQI+, disponível no anexo 3.
seguidos de bissexuais 14 (27%), pansexuais 7 (14%), lésbicas 3 (6%) e heterossexuais 3
A seguir, podemos identificar os gráficos referentes a orientação sexual e (6%). Já a identidade de genero, prevalece homens cis 27 (53%), seguidos de mulheres
identidade de genero: cis 12 (24%), não-binários 8 (12%), mulheres trans 5 (10%) e travesti 1 (2%). O cruzamento
dessas informações gerou 11 possibilidades de intersecção:
05 10 15 20 25 30 05 10 15 20 25
164 165
Dando sequência ao traçado dos perfis, a juventude média (entre 19 e 26 anos) Dentro da parte da entrevista que englobava a identidade do indivíduo,
é a que mais se sobressai, conforme o gráfico abaixo. Existem também picos de perguntava-se sobre o seu local de moradia. Percebeu-se que os deslocamentos
pessoas na faixa etária adulta. O dado referente a identidade étnico racial possui uma dos usuários possuía, em sua maioria, viagens mais longas. Constatou-se também
predominancia de pessoas autodeclaradas brancas 25 (49%), seguido de negras 20 que a maior parte das pessoas residiam nos bairros da zona Sul da cidade.
(39%) e pardas 6 (12%).
Foi possível identificar usuários que moram em outras cidades próximas a João
9 Pessoa, como Intermares, Guarabira e Rio Tinto. Isso justifica o que Teixeira (2015, p.23)
traz em suas discussões acerca da metronormatividade: a vida urbana nas grandes
8
cidades como referência para a livre expressão da identidade de gênero e orientação
7
sexual.
6
4 mapa 14 |
Trajetórias dos
3 usuários de suas
moradias até o
centro.
2 fonte: PMJP.
Editado pelo
1 autor, 2019.
0
1980 1983 1984 1988 1990 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2003
gráfico 12 |
Quantitativo
6 dos anos de
nascimento.
PARDA fonte: Criado pelo
autor, 2019.
25
BRANCA gráfico 13 |
20 Porcentagem
étnico-racial.
NEGRA fonte: Criado pelo
166 autor, 2019. 167
experiência urbana Ao serem abordados pela pergunta ''Você se sente livre para expressar a sua
orientação sexual e identidade de gênero no centro?'' 47 (92%) responderam ''sim''. Isso
Partindo para a segunda parte da pesquisa, iniciamos perguntando quais
nos mostra que existe uma ligação entre a segurança de utilizar um espaço público e
espaços eram mais utilizados pelo entrevistado. Quatro espaços se destacaram: Vila
a livre manifestação do indivíduo.
do Porto, Hera Bárbara, Espaço Mundo e a Praça Antenor Navarro. Não nos surpreende
se olharmos para a análise etnografica quanto a concentração da comunidade Quanto ao turno mais frequentado, a maioria 31 (63%) demonstrou uma
LGBTQI+ e seus principais deslocamentos. Esses espaços, segundo a maioria dos predileção ao turno noturno. O entrevistado 20 comenta ''Isso é obviamente um
entrevistandos, são os mais afáveis para a livre expressão de gênero e orientação problema para nós LGBT's. Nós somos marginalizados no dia e vivemos na noite,
sexual. principalmente nos espaços públicos da cidade. Eu me sinto mais a vontade para
ser quem eu sou e socializar com meus amigos a noite do que de dia''. Esse dado
É importante apontarmos que alguns usuários preferiam utilizar apenas os
e narrativa reforça o estigma de que a noite é o horário de mais liberdade para as
espaços públicos para sociabilidade, a exemplo da Praça e do Largo. Para estes, o
sociabilidades e expressões avessas a heteronormatividade.
espaço público seria melhor para a realização de práticas sociais. A participante 39
expõe: ''Eu costumo visitar os bares daqui, mas o que me cativa mais é poder estar A respeito da frequência dos entrevistados na área objeto de estudo, destaca-
na Praça e nas calçadas andando de um lado para o outro. Quando vou para algum se uma periodicidade mensal 25 (49%). Alguns relataram que a distância e a ausência
estabelecimento, eu gosto de ficar aqui fora nas mesas do Espaço Mundo''. de transportes acessíveis/seguros são fatores cruciais para uma regularidade no
centro da cidade.
VILA SANHAUÁ
IN BOX JP 2
4 PRIMEIRA VEZ 2
IAB.PB PARCIALMENTE MANHÃ
QUINZENALMENTE
CASARÃO 39
8
LARGO SÃO FREI PEDRO GONÇALVES 16
MI CASA SU CASA TARDE
25
HOTEL GLOBO
MENSALMENTE
PRAÇA ANTENOR NAVARRO gráfico 14 |
ESPAÇO MUNDO
Quantitativo dos
estabelecimentos 16 31
mais SEMANALMENTE NOITE
HERA BÁRBARA frequêntados. 47
fonte: Criado pelo
VILA DO PORTO autor, 2019. SIM gráficos 15, 16 e 17 |
168 Liberdade no centro, 169
05 10 15 20 25 30 35 40 frequência e turno
mais frequentado,
respectivamente.
fonte: Criado pelo
autor, 2019.
espaços de liberdade | espaços de repressão mapa 13 |
Espaços de
maior liberdade
Quando questinamos a respeito da liberdade no Largo São Frei Pedro Gonçalves para exercer sua
orientação sexual
e identidade de
e na Praça Antenor Navarro , viu-se necessário perguntar também quais outros locais gênero.
fonte: PMJP.
são afáveis a tal população e, além destes, quais são os espaços de repressão na Editado pelo
autor, 2019.
cidade pessoense.
170 171
quanto aos espaços de repressão mapa 14 |
Espaços de
menor liberdade
Quanto aos espaços de repressão, os quais as pessoas não tem total liberdade para exercer sua
orientação sexual
e identidade de
para exercer a sua orientação sexual e identidade de gênero, estão representados gênero.
fonte: PMJP.
em sua maioria em espaços privados, institucionais e semi-públicos. Nesse ponto, Editado pelo
autor, 2019.
os entrevistados foram bastantes generalistas, a exemplo da fala do participante 13:
''Para mim, os locais que eu me sinto menos a vontade, são os shoppings centers. São
locais que tem muita gente e muita família.'' Não só o participante 13 carregava essa
opinião, como boa parte dos entrevistados também. Igrejas, escolas, comércios do
centro e restaurantes foram os locais que mais estavam nas falas dos entrevistados.
172 173
Ainda há espaços que se sobrepõem nas categorias dos dois últimos mapas
aqui apresentados. Alguns desses espaços é o Empório Café e a UFPB. Esta realidade
está bem representada na fala da entrevistada 15: ''Tem lugares que as vezes eu me
sinto livre e as vezes não. Na UFPB eu me sinto livre no bloco de arquitetura, já quando
eu vou em outros lugares do CT, eu já não me sinto a vontade. No Empório, é outra
realidade, mas mesmo assim me sinto reprimida. Mesmo com muitos gays e lésbicas,
o pessoal lá te olha da cabeça aos pés... não é a mesma ''vibe'' daqui.''
a prac, a é queer?
espaços públicos em geral e transportes públicos são espaços de mais repressão para
esse grupo. Quando olhamos para uma pessoa cisgenera homossexual que segue os
padrões heteronormativos estabelecidos pela sociedade, reconhecemos que suas
maiores questões a respeito da liberdade são trocas de afeto nos espaços da cidade.
Mas para a população T é um contexto bastante diferente e de uma exclusão social
muito maior, na medida em que, de imediato, o julgamento transfóbico é a sua própria
aparência física.
174 175
~
CONSIDERACOES
, finais
P
ara atingirmos o objetivo do trabalho, ou seja, identificar as experiências Portanto, retomando a hipótese inicial dessa pesquisa, concluímos que, assim
urbanas da comunidade LGBTQI+ no centro da cidade de João Pessoa, como nos grandes centros urbanos, em João Pessoa é possível serem observadas
procurou-se investigar suas formas de ocupação na área estudada, experiências urbanas que escapam da lógica patriarcal heteronormativa, isto é,
bem como, conhecer suas motivações e impressões para vivenciá-las. A partir disso, detectamos práticas de ocupações, sociabilidades e performatividades das múltiplas
intencionávamos problematizar se os LGBTQI+ têm apresentado resistência a outros orientações sexuais e identidades de gênero na área central da cidade.
espaços da cidade contemporânea, não só para fazer uma catalogação dos espaços Aqui, nesse trabalho, pode-se afirmar que os objetivos foram alcançados,
repressivos, mas também por esse sintoma representar e dar significância a um pois foi possível averiguar as especificidades de um grupo sob a ótica das questões
determinado tipo de uso e apropriação em outro fragmento da cidade. ligadas às ocupações, sociabilidades e territorialidades. Usuários e usuárias de
João Pessoa, assim como muitas outras cidades, enfrenta o problema da diferentes locais da cidade, sobretudo da zona sul, se deslocam de suas casas para a
segregação socioespacial urbana que evidencia uma sociedade intolerante a algo livre expressão das relações de sociabilidade, sexualidade e identidade, contribuindo
fora dos padrões heteronormativos, fazendo com que se crie espaços apropriados concomitantemente na formação de suas personalidades e na constituição de uma
ou não para a livre expressão das diferentes orientações sexuais e identidades de identidade coletiva.
gênero. O clamor da população LGBTQI+ por espaços de livre performatividade e
Observar e compreender a cidade envolve estudar o que é pré-estabelecido e sociabilidade provoca o debate acerca de temas como o espaço Queer. Como vimos
normatizado pela classe dominante (espaços de repressão) mas também abrange o no terceiro capítulo desse trabalho, a expressão que mais se aproxima do espaço
que foge à regra e se manifesta (espaços de livre expressão). Os estudos que explanam Queer são heterotopias, que conforme Cottrill (2006, p. 361), têm a capacidade de
essa problemática são importantes, pois nos ajudam a entender a pluralidade e as alterar as regras dominantes do cotidiano e de unir múltiplos espaços diferentes
176 novas formas de apreensão dos espaços na cidade contemporânea. entre si. Olhando para a Praça Antenor Navarro e o Largo São Frei Pedro Gonçalves 177
podemos inferir que o objeto de estudo seria uma heterotopia: de dia, comporta o uso
predominante comercial; de noite, o cenário da vida noturna da comunidade LGBTQI+
e de tantos outros grupos.
Mas, seria possível afirmar que apenas a existência de uma heterotopia
garante um pleno respaldo à espacialização Queer das sociabilidades avessas a
heteronormatividade na área central de João Pessoa? Como existência intrínseca,
sim; como situacionalidade contextualizada, talvez.
Pudemos identificar a presença de corpos Queer que dividem espaços com
figura 14 | Drag
vários outros grupos em uma área que tem suas dinâmicas cotidianas bastante queens no centro de
João Pessoa.
fluidas. Isso é uma característica do espaço Queer, porém, como Christopher Reed fonte: Afronte JP,
2019.
(COTTRILL, 2006, p. 362) argumenta, além do espaço Queer agir como uma crítica a
outros espaços, este deve ir além das territorializações, se reinvidicando/firmando
em outros locais da cidade e em outros turnos além do noturno, para que dessa
maneira, a população LGBTQI+ garanta seus direitos baseados nas concepções do
Direito a Cidade presentes na introdução deste trabalho.
Por fim, anseia-se que esse trabalho acadêmico, construído a partir das
experiências urbanas da comunidade LGBTQI+, venha provocar novas investigações
e abordagens no âmbito da arquitetura e urbanismo, principalmente em pesquisas
que incorpore em seus procedimentos metodológicos, novas maneiras de leitura
e representação da cidade contemporânea. Além disso, acredita-se que a própria
cidade pode se favorecida, visto que terá em mãos dados referentes a sua dinâmica
social e territorial, para que dessa forma sejam efetuadas futuras Políticas Públicas
destinadas à população aqui estudada.
178 179
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apêndices
homossexuais e espaços urbanos no Brasil. Áskesis v.4 n.1 janeiro/junho – 2015. 23 –
38. APÊNCIDE 01 – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso. Roteiro da entrevista semiestruturada
VIEIRA, Luciano Bezerra. O Movimento do Espírito Lilás na Paraíba: lutas e resistências. Parte 1 – Identidade
In: GENTLE, Ivanilda Matias; ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares; GUIMARÃES, Valéria
Maria Gomes. Gênero, diversidade sexual e educação: conceituação e práticas de 01. Qual o seu ano de nascimento?
direito e políticas públicas. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008 02. Como você se identifica enquanto gênero?
03. Qual a sua orientação sexual?
WACQUANT, LoÏc. Que é gueto? Construindo um conceito sociológico. Revista de 04. Qual a sua identidade étnico-racial?
Sociologia e Política 2004; 23:155-64. 05. Onde você mora?
06. Qual bairro?
Entrevistador: Qual a sua opinião sobre os espaços de sociabilidade do público Nós temos um evento municipal que é a parada LGBT, digamos assim, que é a marca
LGBTQI+? que congrega todos os LGBTS debaixo da mesma bandeira e a gente visibiliza todos,
mas fora isso, João Pessoa não é uma cidade, digamos assim, que olhe para o público
Fernando Luiz: A gente tinha espaços que antes era proibido, por exemplo, você tinha
LGBT como um público que consome, como um público que compra, como um
na lagoa nos anos 1990 o Bambuzau que era um ambiente no meio da rua, mas que
público trabalhador. Por muita gente, a gente estaria invisibilizado, trabalhando à noite
era para pegação LGBT, porque era escondido. Hoje a nova geração namora nos
nas calçadas, vendendo o corpo, porque eles não concordam que a gente esteja
parques, namora nas praças, namora nas calçadas porque construiu e constrói, dia a
entrando nas universidades, esteja entrando nos concursos públicos, esteja sendo
dia com a comunidade, apesar do conservadorismo, uma tentativa de desmistificar
professores diante de um alunado que tem que aprender a respeitar todo mundo.
que nós somos seres humanos e que podemos namorar e se relacionar onde a gente
Então é essa cidade e essa concepção de vida que o movimento vem empregando
queira.
nesses 27/28 anos de existência.
188 E o fato do centro histórico terminar sendo um espaço LGBT ou não, negros ou não, 189
Entrevistador: Atualmente, quais os grupos em funcionamento? contra as mulheres, sejam efetivadas as delegacias para a população LGBT. A gente
quando vai denunciar em uma delegacia comum, sofre homofobia do mesmo jeito.
Fernando Luiz: Tem o MEL, Grupo de Mulheres de Maria Quitéria, o Gayrreiros do vale
‘’Era onze horas da noite, era meia noite, estávamos numa praça, apanhava, quando
deixou de existir, MOVBI que é recente, PETRIS e ASTRAPA. Depois você vai ter no
chegava na delegacia, o delegado dizia: é mas se você não tivesse em casa dormindo
interior, em Campina Grande, mas depois vai desaparecer e depois estão tentando se
você não ia apanhar né viado?’’. Porque que a gente tem que ouvir isso? Então isso
organizar ainda. Sapé tem um que é o CORAL que vive altos e baixos, mas tem uma
tem que ser combatido e a partir do momento em que essa criminalização nos dá
frequência de reuniões.
direito e dá garantia de viver.
Existe uma coisa interessante, que se você pudesse abordar, que é uma coisa nova
que surgiu, uma ideia de ex-estudantes dessa casa, de moradores de castelo Branco
e do Bancários, de toda João Pessoa, que é um grupo de futebol chamado Dandara e
acho interessantíssimo. Porque é uma nova forma de olhar a cidade para a população
LGBT. Porque que o futebol da Praça da Paz é só era heteros? Porque que não pode
ter um time de futebol misto LGBT? Isso é muito importante para o próprio uso da
urbanidade, do espaço público ao nosso favor. A gente também não quer uma praça
para fazer só pegação. A gente quer existir e viver. Essa é a grande marca, o amor e a
sobrevivência. Porque vivemos num país que mais mata LGBT’s. O estado da Paraíba,
se não me engano, é o terceiro ou quarto mais violento do Brasil. Isso tem que ser
discutido a âmbito fora da academia, na academia, na câmara, na assembleia, porque
nós estamos no século XXI, não na idade média, em achar que o outro é errado por
ser diferente.
Fernando Luiz: Foi uma grande conquista. O que a gente espera é que a lei agora
ande, que agora a câmara paute isso e crie realmente medidas legislativas, porque o
STF reconheceu dentro da lei de racismo, que é uma grande conquista do movimento
190 LGBT, mas que precisa ser efetivado, como foram efetivadas as delegacias de violência 191
5. Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Os proce-
anexos dimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com Seres
Humanos conforme Resolução no. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos pro-
cedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.
ANEXO 01 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO
6. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são estritamente confiden-
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ciais. Somente o(a) pesquisador(a) terá conhecimento dos dados.
7. Benefícios: ao participar desta pesquisa não terá nenhum benefício direto. Entretanto, espe-
Título da Pesquisa: Ocupações, sociabilidades e territorialidades da população LGBTQI+ na ramos que este estudo leve informações importantes sobre o direito à cidade e a comunidade
área central de João Pessoa LGBTQI+.
Nome do Pesquisador Principal: Igor Vinicius Mendes de Araujo Neves 8. Pagamento: não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa, bem como
nada será pago por sua participação.
Nome da Orientadora: Marcela Dimenstein
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para partici-
Data da aplicação:
par desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem.
1. Natureza da pesquisa: o sr. está sendo convidada (o) a participar desta pesquisa que tem
como finalidade o estudo sobre (especificar seu estudo)
Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.
2. Participantes da pesquisa: comunidade acadêmica.
Consentimento Livre e Esclarecido
3. Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo o sr. permitirá que o (a) pesquisador (a)
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto
use das informações para fins acadêmicos. O SUJEITO DA PESQUISA (INFORMANTE), tem a
meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi cópia deste termo de consenti-
liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer mento, e autorizo a realização da pesquisa e a divulgação dos dados obtidos neste estudo.
fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo. Sempre que quiser poderá pedir mais informações
sobre a pesquisa através do telefone da pesquisadora.
Nome do Participante da Pesquisa:
4. Sobre as entrevistas: Será realizada entrevista semiestruturada com gravação para transcri-
ção e análise futura. Contatos:
192 193
Assinatura do Participante da Pesquisa: ANEXO 02 – MANUAL DE COMUNICAÇÃO LGBTQI+
Identidade e Expressão de Gênero
Assinatura do Pesquisador:
Assinatura da Orientadora:
E-mail: igorneves.vinicius@gmailcom
194 195
INTERSEXUALIDADE
ANEXO 03 - GRUPOS QUE COMPÕEM A COMUNIDADE LGBTQI+
É um termo guarda-chuva que descreve pessoas que nascem com anatomia
reprodutiva ou sexual e/ou um padrão de cromossomos que não podem ser
manual de classificados como sendo tipicamente masculinos ou femininos (GLAAD, 2016). Ainda
é comum a prescrição de terapia hormonal e a realização de cirurgia, destinadas a
comunicação
adequar aparência e funcionalidade da genitália, muitas vezes antes dos 24 meses de
idade. Contudo, algumas pessoas intersexuais submetidas a este processo relatam
que não se adaptaram e rejeitaram o sexo designado ao nascimento, respaldando
lgbtqi+ uma conduta terapêutica que defende o adiamento da intervenção até que a/o
jovem sujeito possa participar na tomada da decisão (SANTOS; ARAÚJO, 2004).
ORIENTAÇÃO SEXUAL
SEXUALIDADE ASSEXUAL
Refere-se às construções culturais sobre os prazeres e os intercâmbios sociais e É um indivíduo que não sente nenhuma atração sexual, seja pelo sexo/gênero oposto
corporais que compreendem desde o erotismo, o desejo e o afeto, até noções relativas ou pelo sexo/gênero igual (vide www.asexuality.org).
à saúde, à reprodução, ao uso de tecnologias e ao exercício do poder na sociedade.
As definições atuais da sexualidade abarcam, nas ciências sociais, significados, ideias, BISSEXUAL
desejos, sensações, emoções, experiências, condutas, proibições, modelos e fantasias É a pessoa que se relaciona afetiva e sexualmente com pessoas de ambos os
que são configurados de modos diversos em diferentes contextos sociais e períodos sexos/gêneros (GÊNERO, 2009). O termo “Bi” é o diminutivo para se referir a pessoas
históricos. Trata-se, portanto, de um conceito dinâmico que vai evolucionando e bissexuais.
que está sujeito a diversos usos, múltiplas e contraditórias interpretações e que se
encontra sujeito a debates e a disputas políticas (GÊNERO, 2009). GAY
GÊNERO Pessoa do gênero masculino (cis ou trans) que tem desejos, práticas sexuais e/
ou relacionamento afetivo-sexual com outras pessoas do gênero masculino. Não
Conceito formulado nos anos 1970 com profunda influência do movimento feminista. precisam ter tido, necessariamente, experiências sexuais com outras pessoas do
Foi criado para distinguir a dimensão biológica da dimensão social, baseando-se no gênero masculino para se identificarem como gays (GÊNERO, 2009). A palavra “gay”
raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie humana, levando em consideração, vem do inglês e naquele idioma antigamente significava “alegre”. A mudança do
no entanto, que a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. significado para homossexual “remonta aos anos 1930 (…) e se estabeleceu nos anos
Assim, gênero significa que homens e mulheres são produtos da realidade social e 1960 como o termo preferido por homossexuais para se autodescreverem. [A palavra]
não somente decorrência da anatomia de seus corpos (GÊNERO, 2009). Gay no sentido moderno se refere tipicamente a homens (enquanto que lésbica é
termo padrão para mulheres homossexuais)” (OXFORD DICTIONARIES, 2017, tradução
196 nossa). 197
HOMOSSEXUAL BINARISMO DE GÊNERO
É a pessoa que se sente atraída sexual, emocional ou afetivamente por pessoas do Ideia de que só existe macho|fêmea, masculino|feminino, homem|mulher, sendo
mesmo sexo/gênero (adaptado de GÊNERO, 2009). Assim, o termo homossexual considerada limitante para as pessoas não-binárias (CADERNO, 2017).
pode se referir a homossexuais femininas – lésbicas, ou homossexuais masculinos – CISGÊNERO
gays (vide as definições de lésbica e gay nesta seção).
Um termo utilizado por alguns para descrever pessoas que não são transgênero
PANSEXUALIDADE (mulheres trans, travestis e homens trans). “Cis-” é um prefixo em latim que significa
“no mesmo lado que” e, portanto, é oposto de “trans-” (GLAAD, 2016). Refere-se ao
Considera-se que a pansexualidade é uma orientação sexual, assim como a
indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o gênero atribuído ao nascer.
heterossexualidade ou a homossexualidade. O prefixo pan vem do grego e se traduz
como “tudo”. Significa que as pessoas pansexuais podem desenvolver atração física, GÊNERO FLÚIDO
amor e desejo sexual por outras pessoas, independente de sua identidade de gênero A pessoa que se identifica tanto com o sexo masculino ou feminino. Sente-se homem
ou sexo biológico. A pansexualidade é uma orientação que rejeita especificamente a em determinados dias e mulher em outros (adaptado de https://www.merriam-
noção de dois gêneros e até de orientação sexual específica (MARSHALL CAVENDISH webster.com/ dictionary/gender-fluid)
CORPORATION, 2010).
TRANSFORMISTA
LÉSBICA
Indivíduo que se veste com roupas do gênero oposto movido por questões artísticas
Mulher que é atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo/ gênero (ABGLT, 2010).
(cis ou trans). Não precisam ter tido, necessariamente, experiências sexuais com TRANSGÊNERO
outras mulheres para se identificarem como lésbicas (GÊNERO, 2009).
Terminologia utilizada para descrever pessoas que transitam entre os gêneros.
IDENTIDADE E EXPRESSÃO DE GÊNERO São pessoas cuja identidade de gênero transcende as definições convencionais de
sexualidade (ABGLT, 2010). Segundo Letícia Lanz (2015), não faz sentido escrever
AGÊNERO “travestis, transexuais e transgêneros”, ou usar TTT na sigla LGBTI+, uma vez que
Pessoa que não se identifica ou não se sente pertencente a nenhum gênero travestis e transexuais são transgênero por definição. Ou escreva-se travestis e
(CADERNO, 2017). transexuais, ou escreva-se transgêneros, ou, de preferência, pessoas trans.
ANDROGINIA TRANSEXUAL
Pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no
Termo genérico usado para descrever qualquer indivíduo que assuma postura social,
nascimento. As pessoas transexuais podem ser homens ou mulheres, que procuram
especialmente a relacionada à vestimenta, comum a ambos os gêneros (BRASIL,
se adequar à identidade de gênero. Algumas pessoas trans recorrem a tratamentos
2016a).
médicos, que vão da terapia hormonal à cirurgia de redesignação sexual. São usadas
as expressões homem trans e mulher trans (CADERNO, 2017).
198 199
TRAVESTI
É a pessoa que nasceu com determinado sexo, ao qual foi atribuído culturalmente o
gênero considerado correspondente pela sociedade, mas que passa a se identificar e
construir nela mesma o gênero oposto. No caso de pessoas travestis com identidade
de gênero feminina, muitas modificam seus corpos por meio de hormonioterapias,
aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém, vale ressaltar que isso
não é regra para todas. Atualmente, o termo travesti adquiriu um teor político de
ressignificação de termo historicamente tido como pejorativo. (adaptado de ABGLT,
2010; CADERNO, 2017).
MULHER TRANS
Mulher trans é a pessoa que se identifica como sendo do gênero feminino embora
tenha sido biologicamente designada como pertencente ao sexo/gênero masculino
ao nascer.
HOMEM TRANS
Homem trans é a pessoa que se identifica como sendo do gênero masculino embora
tenha sido biologicamente designada como pertencente ao sexo/gênero feminino
ao nascer.
QUEER
Um adjetivo utilizado por algumas pessoas, em especial pessoas mais jovens, cuja
orientação sexual não é exclusivamente heterossexual. De modo geral, para as
pessoas que se identificam como queer, os termos lésbica, gay, e bissexual são
percebidos como rótulos que restringem a amplitude e a vivência da sexualidade.
O termo queer também é utilizado por alguns para descrever sua identidade e/ ou
expressão de gênero. Quando a letra Q aparece ao final da sigla LGBTI+, geralmente
significa queer e, às vezes, questioning (questionamento de gêneros) (GLAAD, 2016).
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