Você está na página 1de 6

SOBRE AGENTES SOCWS, ESCALA

E PRODUÇÃO DO ESPAÇO: UM
TEXTO PARA DISCUSSÃO
Roberto Lobato Corrêa
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Este capítulo visa estabelecer algumas relações entre agentes sociais, escala e
produção do espaço. Subjacentes estão duas teses. A primeira considera a produção
do espaço como decorrente da ação de agentes sociais concretos, com papéis não
rigidamente definidos, portadores de interesses, contradições e práticas espaciais que
ora são próprios de cada um, ora são comuns. A segunda diz respeito à escala como
dimensão espacial na qual a ação humana, seja qual for, efetivamente se realiza.
O texto, de caráter exploratório e com vistas ao debate, divide-se em duas partes.
Na primeira, discute-se brevemente o sentido e a importância da escala, temática que
necessita de aprofundamento. Na segunda, estabelecem-se algumas conexões entre
agentes sociais, suas práticas - que incluem uma escalaridade -, e a produção do espaço.
Ao final, sugerem-se duas vias de investigação para a temática da produção do espaço.

Escala: alguns pontos


O conceito de escala envolve quatro acepções: escala enquanto tamanho (econo-
mias de escala); escala cartográfica (1:2.000, ou grande escala em mapa geográfico);
escala espacial, ou área de abrangência de um processo ou fenômeno (local, regional,
nacional, global); e escala conceitual, ou as relações entre um objeto de pesquisa, os
questionamentos e teorias pertinentes e sua representação cartográfica. Sobre este
polêmico tema consulte-se, entre outros, Castro (1995), Corrêa (2003), Sheppard e
McMaster (2004) e Paasi (2004). Aqui, consideraremos as escalas espacial e conceitual.
A escala espacial constitui traço fundamental da ação humana, relacionada a
práticas que se realizam em âmbitos espaciais mais limitados ou mais amplos, mas não
/\ P R () 11 U ç .À O D O E S P /\ ç O U IUl /\ N () SOB R E /\ G E N T E S S O C 1/\ I S. E S C /\ L /\ E I' RO D U ç.À O DOE S P /\ ç 0, 1'1r'
dissociados entre si. Envolvem distâncias e superfícies variáveis. Âmbitos ou escalas As mulrifuncionais e multilocalizadas corpo rações globais, que emergiram do
11..
espaciais, parafraseando Berque (I 998), são marcas e matrizes da ação do homem processo de concentração-centralização do capital, sobretudo após a Segunda Guerra i
inseridas em sua complexa espacialidade, que envolve distintos propósitos, meios e Mundial, atuam decisivamente na (relprodução e transformação do espaço, fazen-
sentidos. Pode-se falar em escalaridade, parte integrante da espacialidade humana, do isso em diversas escalas espaciais (local, regional, nacional, global). Mais ainda,
a qual, por outro lado, é dotada de uma temporalidade, no bojo da qual se definem articulam essas escalas, dando coerência ao seu "espaço de atuação" (activity space).
e se redefinem as escalas espaciais da ação humana. A globalização é, nesse sentido, Veja-se, entre outros, Corrêa (1997).
entendida como o estágio superior da escalaridade humana, criada por poderosas As duas escalas conceituais consideradas aqui são aquelas relativas à rede urbana
corporações multifuncionais e multilocalizadas, cujas ações levaram à compressão e ao espaço intraurbano. Reportam-se a fenômenos e processos, assim como a repre-
espaço-temporal em níveis impensáveis há 50 anos. sentações cartográficas diferentes, mas são interdependentes, pois as ações que ocorrem
O conceito de escala espacial emerge da consciência da dimensão variável, no em uma escala afetam a outra (CoRRÊA,2003). Mais recentemente, na reunião do
espaço, da ação humana, e é útil para compor a inteligibilidade dessa ação. Essa inte- Simpósio Nacional de Geografia Urbana (Simpurb) em Florianópolis, em 2007, Cor-
ligibilidade, contudo, está calcada na compreensão das seguintes assertivas, conforme rêa introduz a escala intermediária da megalópole e dos eixos urbanizados, na qual a
apontam, entre outros, Castro (1995), Corrêa (2003) e McMaster e Sheppard (2004): rede urbana metamorfoseia-se em espaço intraurbano, e este assume nitidamente
a) Os fenômenos, relações sociais e práticas espaciais mudam ao se alterar a a forma de segmento da rede urbana.
escala espacial da ação humana, assim como se altera sua representação carro- Apontemos, finalmente, que a despeito da importância dos conceitos de escala
gráfica. Uma implicação desta assertiva reside na necessidade de se construir espacial e escala conceitual para a Geografia, os geógrafos negligenciaram essa temática,
conceitos que possibilitem a incorporação da escala em sua construção. considerando-a como naturalmente dada e não problemática. A coletânea organi-
Seriam conceitos escalarmente definidos. A noção de falácia ecológica dos zada por Sheppard e McMaster (2004) revela essa negligência (com suas exceções) e
sociólogos urbanos americanos das décadas de 1950 e 1960 reporta-se à aponta a relevância dos conceitos para a compreensão das práticas espaciais visando
transposição de resultados obtidos em uma escala para outra. à produção do espaço e sua leitura. Consulte-se, adicionalmente, Marston (2000),
b) A base teórica que permite explicar ou compreender fenômenos, relações e Brenner (2000), Brenner (2001), Marston e Srnirh (2001), que debatem a temática
práticas é alterada quando se muda a escala espacial. Isso implica a necessi- da escala, evidenciando sua força e a necessidade de estudos empíricos e reflexões
dade de teorias com distintos níveis de abrangência espacial. Exemplifica-se teóricas. Se há muitas questões sem respostas, isso se transforma em convite para pes-
com as formulações de Todaro, de um lado, e Gaudemar, de outro, na expli- quisa. Creio ser o caso das relações entre agentes sociais, escala e produção do espaço.
cação das migrações em escala nacional ou internacional. Ambas as teorias
tornam-se pouco úteis quando se consideram as mudanças de domicílio no
espaço intraurbano (mobilidade residencial intraurbana). I
I
Agentes da produção do espaço
A produção do espaço, seja o da rede urbana, seja o intraurbano, não é o resultado
c) Não há uma escala que a p rio ri seja melhor que outra. Sua escolha, para efeito
de pesquisa, vincula-se aos propósitos do pesquisador, que constrói o seu
! da "mão invisível do mercado", nem de um Estado hegeliano, visto como entidade
objeto de investigação. Nessa construção, emerge a escala espacial apropriada, supraorgânica, ou de um capital abstrato que emerge de fora das relações sociais. É

I!
que ressaltará alguns pontos do real, minimizando ou eclipsando outros. O consequência da ação de agentes sociais concretos, históricos, dotados de interesses,
objeto construído é, em termos geográficos, escalarmente delineado. estratégias e práticas espaciais próprias, portadores de contradições e geradores de
A escala espacial, além de ser elemento fundamental para o geógrafo, constitui conflitos entre eles mesmos e com outros segmentos da sociedade.
parte integrante das práticas espaciais dos agentes sociais da produção do espaço. A As Ciências Sociais em geral, e a Geografia em específico, descobriram e tenta-
consciência de sua importância parece ser maior, à medida que se amplia a escala I ram sistematizar os agentes sociais da produção do espaço e suas práticas espaciais,
dimensional do agente social. Almeida (1982), ao estudar os promotores imobiliários a exemplo de Form (1971 [1954)), Capel (1972) e Bahiana (1978), este último,
na cidade do Rio de Janeiro, reporta-se à variável "escala de operações" - quantos entre os geógrafos brasileiros, sumariando a contribuição de inúmeros autores que
imóveis uma dada empresa imobiliária "incorporavà' simultaneamente - e à "escala abordaram essa temática.
espacial de atuação" - em quantos bairros uma dada empresa atuava simultaneamente. Os agentes sociais da produção do espaço estão inseridos na temporalidade
J
A relação entre ambas é direta e positiva. e espacialidade de cada formação socioespacial capitalista. Refletem, assim, neces-
~

1421 j 1431
j
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO SOBRE AGENTES SOCIAIS. ESCALA E PRODUÇÃO DO ESPAÇO

sidades e possibilidades sociais, criadas por processos e mecanismos que muitos Estratégias e práticas espaciais distintas e um único agente

deles criaram. E são os agentes que materializam os processos sociais na forma de A literatura aponta que um mesmo agente social, por exemplo, uma empresa
um ambiente construido, seja a rede urbana, seja o espaço intraurbano. Afirma-se industrial, pode criar subsidiárias e investir na produção de imóveis ou na criação
que processos sociais e agentes sociais são inseparáveis, elementos fundamentais da de loteamentos. A construção de bairros residenciais de expressivo status social e dis-
sociedade e de seu movimento. tantes do local onde a empresa industrial está instalada é prática bastante corrente,
Quem são os agentes sociais da produção do espaço? São ainda válidas as resultando na produção de espaços diferenciados na cidade.
tipologias elaboradas por Capel (1972), Bahiana (1978) e, mais tardiamente, por A terra urbana deixou de ser estranha ao capital industrial que, a princípio,
Corrêa (1989). Este questionamento se justifica dada a aparente dissolução de a considerava apenas como uma base necessária e insubstituível para a produção.
tipos que eram bem definidos em termos de suas ações (estratégicas e práticas). Segundo Mingione (1977), a terra urbana passou a interessar ao capital industrial,
Questiona-se se surgiram novos agentes sociais, com novas estratégias e práticas.
constituindo, assim como a produção imobiliária, alternativa para a acumulação,
Questionam-se ainda as escalas de ação dos agentes sociais e as configurações es-
deixando de ser meramente um investimento com vistas a amortecer crises cíclicas
paciais (rejcriadas por eles.
de acumulação. Consulte-se, entre outros, Strohacker (1995), que discute as estraté-
Vejamos alguns pontos sobre esses e outros questionamentos.
gias das empresas de loteamenro em Porto Alegre, no passado, visando valorizar suas
Os tipos ideais propriedades fundiárias. Consulte-se, a respeito, Silva (1993).
O primeiro ponto diz respeito aos tipos ideais de agentes sociais da produção do
Estratégias e práticas espaciais semelhantes e diferentes agentes
espaço. Considera-se como tipologia, ao menos como ponto de partida, a proposição
de Corrêa (1989), na qual os agentes sociais são quase sempre os mesmos de outras Inversamente, diferentes agentes sociais, cada um centrado principalmente em
proposições. São eles os proprietários dos meios de produção, os proprietários fun- estratégias e práticas espaciais pertinentes às atividades que os caracterizam, como
diários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos. A partir por exemplo, produção industrial ou promoção imobiliária, podem, sob certas
de sua ação, o espaço é produzido, impregnado de materialidades, como campos condições, desempenhar outras estratégias e práticas espaciais diferentes daquelas
cultivados, estradas, represas e centros urbanos com ruas, bairros, áreas comerciais e que os distinguem, mas que são semelhantes entre si. A terra urbana pode ser
fabris, mas também pleno de significados diversos, como aqueles associados a estética, objeto de interesse de promotores imobiliários, de empresas industriais, do Estado e
status, ernicidade e sacralidade. A exceção do Estado, esses agentes são encontrados em de outros agentes. Práticas espaciais como a esterilização da terra, fragmentação
sua forma pura ou quase pura. A literatura aponta para os proprietários de terras na e rernembramento, assim como loteamentos descontínuos na periferia, podem ser
periferia rural-urbana que esterilizam suas áreas agricultáveis à espera de valorização comuns a diferentes agentes sociais. O espaço produzido refletirá essas estratégias
para fins de loteamento. Assinala também o caso de empresas industriais que contro- e práticas espaciais. Veja-se, entre outros, Deler (1980), Durand-Lasserve (1980) e
lam certa gleba para fins ligados à produção, como áreas de mananciais de água ou Cardoso (1989), esta última abordando a produção do espaço no bairro do Grajaú,
para futuras instalações: essas empresas são, como outras, essencialmente industriais na cidade do Rio de Janeiro.
e sua relação com a terra é temporária. Há ainda empresas ligadas exclusivamente
à promoção imobiliária, seja como incorporadora, construtora ou ligada a vendas. Os múltiplos papéis do Estado
Essas empresas são, via de regra, pequenas e anônimas, como é o caso dos milhares de O Estado capitalista desempenha múltiplos papéis em relação à produção do
indivíduos que fazem parte dos grupos sociais excluídos e que produzem espaço social espaço. Essa multiplicidade decorre do fato de o Estado constituir uma arena na qual
em terras públicas e privadas. É o caso ainda de pequenos promotores imobiliários diferentes interesses e conflitos se enfrentam. Segundo Samson (1980), a atuação
que, na favela, produzem e vendem prédios de dois ou três andares. Consulte-se, do Estado insere-se no contexto econômico, político e social de cada momento da
entre outros, Corrêa (1989) e Ribeiro (1996).
dinâmica socioespacial da região em que se situa. Ainda de acordo com o autor, o
Qual a importância, no momento atual, desses agentes sociais na produção
leque de possibilidades de ação do Estado inclui, entre outras, as seguintes:
do espaço? Será a mesma nas diferentes áreas do espaço intraurbano e nas cidades
• estabelecer o marco jurídico (leis, regras, normas, posturas) de produção
de distintos tamanhos demográficos, atividades econômicas e localização no espaço
brasileiro? e uso do espaço;

1441 1451
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO
SOIlRE AGENTES SOCIAIS. ESCALA E PRODUÇÃO no ESI'Açn

taxar a propriedade fundiária, as edificações, o uso da terra e as atividades


do processo de produção do espaço envolve, por exemplo, negociações entre agentes
produtivas: diferenciais espaciais dessa taxação refletem e condicionam a sociais tão distintos quanto as ordens religiosas e as empresas do setor da promoção
diferenciação socioespacial no espaço urbano;
imobiliária (FRIDMAN, 1994).
produzir as condições de produção para outros agentes sociais, como vias Ressalta-se aqui a produção de um "espaço vernacular", efetivada por aqueles que
de tráfego, sistemas de energia, água e esgotamento sanitário, assim corno o invadem e ocupam terras públicas e privadas, produzindo favelas, ou por aqueles
próprio espaço físico da cidade, por meio de obras de drenagem, desmonte que, no sistema de mutirão, dão conteúdo aos loteamentos populares das periferias urba-
e aterrarnento: a cidade do Rio de Janeiro fornece exemplos contundentes nas. No processo de produção do "espaço vernacular", entram em cena novos agentes so-
dessa ação; ciais, corno aqueles ligados à criminalidade e ao setor informal de produção de imóveis.
controlar o mercado fundiário, tornando-se, sob certas condições, proprie- A terra urbana e a habitação são objetos de interesse generalizado, envolvendo
tário de glebas que poderão ser permutadas com outros agentes sociais; agentes sociais com ou sem capital, formal ou informalmente organizados. Estabelece-se
tornar-se promotor imobiliário, investindo na produção de imóveis resi- urna tensão, ora mais, ora menos intensa, porém permanente, em torno da terra urbana
denciais em determinados locais do espaço imraurbano para determinados e da habitação. Se isso não constitui a contradição básica, transforma-se, contudo,
grupos sociais - esta ação tende, via de regra, a reforçar a diferenciação em problema para urna enorme parcela da população.
interna da cidade no que diz respeito à segregação residencial; O estudo das estratégias e práticas espaciais vernaculares complernenta aqueles
tornar-se produtor industrial, interferindo assim na produção do espaço, voltados à ação de poderosos grupos capitalistas nesse vital processo de (rerprodução
por meio da implantação de unidades fabris, e dos impactos, em outras do espaço, a materialidade que é simultaneamente marca ematriz da humanidade.
áreas, próximas ou longínquas, de suas instalações industriais: conjuntos
habitacionais, loreamentos populares e favelas são criados, em parte, em
Agentes sociais e escala
decorrência das indústrias do Estado, cuja ação interfere na divisão econô-
mica do espaço e na divisão social do espaço da cidade. Inúmeros agentes sociais operam nas duas escalas conceituais aqui consideradas.
Essa multiplicidade de papéis também se efetiva na escala da rede urbana. Tan- Em outras palavras, uma rua, um bairro, uma cidade, uma rede urbana e seu conteú-
to nessa escala corno na do espaço intraurbano estabelecem-se relações com outros do agrário, um país ou o espaço global constituem campos de atuação de poderosas
agentes sociais, corno empresas industriais e de consultoria, bancos, empreiteiras, corpo rações, como, entre outros, aponta Corrêa (1997). A atuação dessas corporações
universidades e proprietários de terra. Nessas relações entram em jogo mecanismos é decisiva para a produção do espaço, contribuindo para:
de negociação, cooptação e clientelismo, aos quais a corrupção não é estranha. produzir ''company toums", bairros no interior de uma cidade, ou ainda
Dada a complexidade da ação do Estado, envolvendo múltiplos papéis, com pesos apropriar-se, de fato ou simbolicamente, de certos espaços públicos: algumas
distintos no tempo e espaço, torna-se necessário que novos estudos sejam realizados, cidades dependem de uma única empresa, que controla a maior parte dos
tanto nas esferas federal e estadual como na municipal. Estas esferas ou escalas espaciais empregos ali existentes, a exemplo de Turim (Fiar), Eindhoven (Philips) e
podem implicar diferentes ações que, no entanto, não devem estar desconectadas. Seatle (Boeing); .
dar continuidade ao processo de descentralização d~ atividades terciárias, seja
Novos e velhos agentes sociais pela realocação de unidades varejistas, seja pela criação de novas unidades
Bancos, companhias de seguros, empreiteiras, empresas ferroviárias e de bondes, fora do centro: desse modo participam do processo de perda econômica e
fábricas têxteis, firmas comerciais e de serviços, proprietários fundiários, grupos de simbólica do centro, contribuindo, assim, para a redivisão econômica do
previdência privada, grupos sociais excluídos, indivíduos com investimentos e ordens espaço;
religiosas participam, alguns há muito tempo, em maior ou menor intensidade, do alterar a funcionalidade dos centros da rede urbana, seja pela criação espa-
processo de produção do espaço. A ação desses agentes sociais - seja expressando tipos cialmente seletiva de especializações produtivas, seja pela redução de sua
ideais puros ou desdobramento funcional de longa ou curta duração - está inserida capacidade produtiva, ou, ainda, pela convergência de atividades, criando
no processo de produção, circulação e consumo de riquezas no interior de urna socie- economias de aglomeração e crescimento urbano;
dade que se caracteriza por ser social e espacialmente diferenciada. A complexidade criar uma nova divisão territorial do trabalho, por intermédio da difusão
de inovações, envolvendo novos produtos (trigo, leite, soja, café, laranja

1461 1471
i
A PRODUÇÃO J)O ESI'.ACO URBANO SOBRE .AGENTES SOCIAl';. ESCAl.A F. I'ROJ)UÇÃO DO ESPAÇO

etc.) é novos meios para a produção (rn.iquinas. depósitos, silos, usinas de Nessa perspectiva, consideram-se diversas manifestações de processos SOCIaIS
beneficiamemo c transformação erc.); mais amplos, da formação sucial da área em estudo, por intermédio de um ou mais
• através do Estado, impregnado de interesses seus, criar infraestrutura viá- agentes sociais em uma dada área. Na Geografia, isso corresponde metodologicamente
ria e energética que lhe é benéfica, ainda que possa servir a muitos outros ao método regional, não à proposição hartshorniana, mas àquela que, entre outros,
agentes sociais e indivíduos. foi apontada por Berry (1971), suficientemente aberta para incorporar processos e
Que peso tem corporações como Nestlé, Souza Cruz, Bunge, Ermírio de formas diversos.
Moraes, Vale, Brascan, Unilever e Mirsui na (re)configuração econômica do espaço b) A segunda proposta diz respeito ao estudo da ação (estratégias e práticas) de
nas duas escalas aqui consideradas? Consulte-se a respeito, entre outros, Corrêa (2006) um agente social em sua espacialidade multiescalar, pressupondo a constru-
e Silva (2003), que discutem, respectivamente, o papel da Souza Cruz e do grupo ção prévia, ou no decorrer da ação, de seu "activity space", Pensa-se e age-se
Maggi na produção do espaço. com investimentos em uma rua, um bairro, uma cidade, um território
nacional ou toda a superfície terrestre. Como variam as ações desse agente
Temas para pesquisa em cada área, em cada escala? Que conflitos e negociações foram efetivados
A despeito do relativamente amplo conhecimento elaborado sobre as relações para que determinados objetivos fossem alcançados? Que impactos sociais,
entre agentes sociais da produção do espaço, escala e conflitos (não considerados neste econômicos e políticos resultaram? Os impactos na (re)organização do espaço
texto), há lacunas, controvérsias e inconsistências em torno delas que são simulta- são, nesse sentido, particularmente relevantes. Na perspectiva do agente
neamente importantes em si e submetidas a um intenso e, por vezes, contraditório social em estudo, que relações existem entre as diversas escalas espaciais de
dinamismo. O que segue são duas propostas gerais para pesquisa sobre essas relações. sua atuação? Veja-se, a respeito, Silva (1995).
Ressalte-se que estas propostas não são excludentes e o que levará à escolha de uma ou Essa proposta se insere na tradição da pesquisa sistemática em Geografia, na
outra deriva da problemática que construirmos a respeito da realidade. Que proble- qual um tema ou agente é analisado em sua espacialidade. As descobertas e hipóte-
mas teóricos e empíricos estão suscitando esclarecimentos? Isso significa que a priori ses verificadas podem ser numerosas e contribuírem para a inteligibilidade da ação
não há proposta melhor que outra. A apresentada a seguir procura levar em conta a humana. Por outro lado, os resultados alimentam os estudos realizados segundo a
tradição da pesquisa geográfica, que está alicerçada em dois ângulos não dicotômicos proposição anteriormente discutida e vice-versa. Ressalta-se que, na perspectiva em
de se "olhar" a realidade. Acredita-se que esses dois ângulos, que se complementam, tela, não se produz, sem uma sólida teoria, um estudo de caso, mas estudos explora-
possam estar contidos nas pesquisas sobre agentes sociais, escala e conflitos.
tórios ou de verificação.
a) A primeira proposta está focada no estudo de uma dada área, seja ela uma Ao se comparar dois ou mais agentes sociais, introduz-se a premissa dos estudos
rua, um bairro, uma cidade ou o segmento de uma rede urbana. Esta dis-
comparativos (que também podem ser feitos considerando-se duas ou mais áreas),
tinção, no entanto, nos obriga a considerar a escala espacial adequada. A
assumindo também um caráter diacrônico. Mas tudo isso pressupõe outras proble-
produção dessa área resulta da ação de um ou de diversos agentes sociais,
máticas associadas ao método comparativo, fora das intenções deste trabalho.
cujas ações (estratégias e práticas) podem se superpor ou se justapor, sendo
marcadas por complementaridade ou antagonismo. As resultantes espaciais
podem ser numerosas, expressas na configuração espacial, no conteúdo Bibliografia
social e nas contradições e conflitos. O devir pode ser pensado, ao menos ALMEIDA, Roberto Schmidt de. Atuação recente da incorporação imobiliária no municipio do Rio de janeiro. 1982.
em relação a certo lapso de tempo, garantida a permanência das práticas Dissertação (Mestrado em Geografia) - Insriruro de Geociência.s, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro.
espaciais e da inércia espacial. Pense-se, por exemplo, na produção de uma
AzM.muJA, B. M. O desenvolvimenro urbano e a promoção fundiãria e imobiliária na cidade de Ijuí - RS. 1991.
"company toum", ou num bairro como o Grajaú, na cidade do Rio de Janeiro Dissertação (Mesrrado em Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
(CARDOSO,1989), ou na rede urbana e seu conteúdo agrário, do norte do Sanra Cararina, Florianópolis.
Paraná, ou ainda na cidade de Brasília (Plano Piloto e núcleos em torno BAHIANA, Luís C. C. Agentes modeladores e uso do solo urbano. AnaÍJ da Associação dos GeógrafosBrasileiros, Rio

do Distrito Federal e em Goiás). Consulte-se, adicionalmente, Azambuja de Janeiro, n. 18, 1978, p. ;;3-62.

(1991), que estudou a cidade gaúcha de Ijuí.

1481 1491
A i''' o J) U c: Ã o n o E S I' A co U" 13 .1\ N o
SOllRE AGENTES SOCIAIS, ESCALA E PRODUÇÃO [)O ESPAÇO ,"I
' "

Sl-lEPPAIU), Eric: McMASTER, Robcrr (org.). ,<·;(/11" flJld Cf{).'{/llphic(1! Inquhy: Nature, Socicry .md Mcrhodologv. I
B!;I~QUI-:, AIJ1f,u"rin. P~li<;agt'rn-Il1:lrcl, p:lis;'gt-l1l-m;lrri7: t'k111t.'1HO -, par:l uma problem.irica p:H:l u ma Ccogr,1n.1
Mrlden: Blackwell, 2004.
Cultural. ln: CORRÊA. Roberro l.ob.no: i{osFNOAI !L, 1.('11)' (org.). l'ni.rngrm, lempo e cnlnmt. Rio de jane-iro:
SlLVA, Ana Crisrina Lima Barreiros da. A produção do espaço em P01'WVelho - Rondõnin: o papel de um agenre múlri- :;~
EDUER), 1998.
pio - um esrudo de caso. 1993. Dissertação (Mestrado em Geografia) - lnsriruto de Geociências, Universidade
r
BERRY, Brian. Análise regional. Analise Espacial - Textos Básicos, n. 3, lPGH, 197J
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
IlRENNER, Neil. The Urban Quesrion as a Scale Quesrion: Rellecrions on Hcnri Lefebvre Urban Theory and Polirics
SlLVA,Carlos Alberro Franco da. Grupo Andre Maggi: corpo ração e rede em área de fronteira. Cuiabá: Entrelinhas, 2003.
of Scale. International [ournal Df Urban and Regional Research, v. 24, n. 2, 2000, p. 361-378.
SILVA,Joseli Maria. Vawrização fimdiáría e expansão urbana recente em Gunrapuaua-Pk. 1995. Dissertação (Mesrrado em
__ .__ . The Limirs ro Scale? Merhodological Reflecrions on Scalar Srrucrurarion Theory. Progress in Human
Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, F1orianópolis.
Geography, v. 25, n. 4, 2001, p. 591-614.
STROHACKER, Tânia Marques. O mercado de terras em Porro Alegre: atuação das companhias de lorearnento (1890-
CAl'J.:L, Horacio, Agentes y esrraregias cn Ia producción dei espacio urbano espariol. Revista Geográfica, n. 8, 1972,
1945). Revista Brasileira de GMgrafia, Rio de Janeiro, v. 57, n. 2, abr./jun. 1995, p. 101-123.
p.19-56.

CARDOSO, Elizaberh Dezouzarr. Capital imobiliário e a produção de espaços diferenciados no Rio de Janeiro: o
Grajaú. Rcuista Brasileira de GMgrofia, Rio de Janeiro, v. 51, n. I, jan.lmar. 1989, p. 89-102.

CASTRO, Iná Elias de. O problema da escala. In: CASTRO, lná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Cosra; CORRÊA,
Roberro Lobato (org.), Geografia: conceitos e remas. Rio de Janeiro: Berrrand Brasil, 1995, p. 117-140.

CORRtA, Roberro Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Arica, 1989.


____ o Corpo ração e espaço: uma nora. ln: o Trajeiôrias geográficas. Rio de Janeiro: Berrrand Brasil, 1997.
____ o Uma nora sobre o urbano e a escala. Território, Rio de Janeiro, ano 7, n. 11, 12 e 13, ser.lour. 2003, p. 11-13.

____ ' Corpo ração e organização espacial: um estudo de caso. ln: . Estudos sobre a rede urbana. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

DELER, [can- Paul. Promorion fonciêre et srrarification résidentielle à Ia périphérie des rnétropoles de l'AmériqueAndine
tropicale. In: DURAND-LASSERvE, Alain (org.), La croissancepéríphéri'fue des uilles du Tiers-Monde: le rôle de Ia
promorion fouciêre er imrnobiliere. Talenee: CEGET- Travaux er Documento de GéographieTropicale, 1980.

DURANO-LASSERVE, Alain. Évolurion de Ia promorion fonciere er irnrnobiliêrc à Bangkok (Tharlande), Kuala Lum-
pur (Malaisie) et Colombo (Sri Lanka): mécanismes et rendances. In: DURAND-USSERVE, Alain (org.). La
croissance peripbenque des uilles dx Tiers-Monde: le rôle de Ia prornorion fonciêre et immobiliere. Talence:
CEGET - Travaux ct Docurnenrs de Géographie Tropicale, 1980.

FORM, William. The Place ofSocial Srrucrure in rhe Determinarion ofLand Use: Some lmplicarions for a Theory of
Urban Ecology. In: BOURNE, Larry S. (org.). Interna] Struct,tI·' ofthe Cit)'. Oxford: Oxford Universiry Press,
1971. [Publicado originalmenre em Social Forces, v. 32, n. 4, 1954, p. 317-321.J

FRJDMAN, Fania. A propriedade santa: o património terrirorial da Ordem de São Bento na cidade do Rio de Janeiro.
Reuist» Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 56, n. 114, jan.ldez. 1994, p. 206-218.

MARSTON, Sallie, The Social Consrruetion ofScale. Progress in. Human Geography, v. 24, n. 2, 2000, p. 219-242.
MARSTON, Sallie, SMITH, Neil, Srares, Scales and Households: Limirs to Scale Thinking? A Response to Brenner.
Progress in HUII1f111Geogmphy, v. 25, n. 4, 2001, p. 615-619.
McMAsTER, Roberr; SHEPPARD, Erie. Inrroducrion: Scale and Geographie Inquiry. In: SHEPPARD, Eric; McMAsTER,
Robert (org.). Scale and Geographic [nquirv: Narure, Sociery and Merhodology. Malden: Blackwell, 2004.

MINGIONE, Enzo.Theorerical Elernenrs for a Marxisr Analysis ofUrban Developrncnr.ln: HARLOE, Michael (org.).
Captiue Cities: Political Economy of Ciries and Regions. Londres: John Wiley, 1977.

PAAS1,Anssi. Place and Regions: Looking Through rhe Prism of Seale. Progm, in Hnman Geogrdphy, v. 28, n. 4,
2004, p. 536-546.

RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Dos cortiços aos condomínios fichados: as formas de produção da moradia na cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996.

SAMSON. A. Le Rôle er les Instruments de Ia Planificarion Urbaine Face aux Mécanismes Fonciers er lmmobiliers
des Villes du Tiers-Monde. In: DURANO-LASSERVE, Alain (org.). La croissance périphérique dcs uilles du
Tiers-Mondc: le rôle de Ia prornorion fonciêre er immobiliere. Talence: CEGET - Travaux et Documenrs de
Géographie Tropicale, 1980.

1501 1511

Você também pode gostar