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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING − ESPM/RJ

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DA ECONOMIA CRIATIVA

VANESSA BARTOLO GUIMARÃES PEREIRA

PARA ALÉM DA ACESSIBILIDADE: Pensando o pertencimento e a participação dos sujei-


tos surdos no Museu de Arte do Rio.

Rio de Janeiro
2020
VANESSA BARTOLO GUIMARÃES PEREIRA

PARA ALÉM DA ACESSIBILIDADE: Pensando o pertencimento e a participação dos


sujeitos surdos no Museu de Arte do Rio.

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre em Gestão da
Economia Criativa pela Escola Superior de Pro-
paganda e Marketing – ESPM/RJ.

Orientador (a): Sílvia Borges Corrêa

Rio de Janeiro
2020
Pereira, Vanessa Bartolo Guimarães
Para além da acessibilidade: pensando o pertencimento e a participação
dos sujeitos surdos no Museu de Arte do Rio / Vanessa Bartolo Guimarães
Pereira.- Rio de Janeiro, 2020.
82 f. : il.

Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Propaganda e Marketing,


Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa, Rio de Janeiro, 2020.

Orientadora: Silvia Borges.

1. Cultura. 2. Pertencimento. 3. Participação. 4. Cidades Criativas.


5. Acessibilidade. 6. Cultura Surda. 7. Libras. I. Borges, Silvia. II. Es-
cola Superior de Propaganda e Marketing. III. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca ESPM/RJ


VANESSA BARTOLO GUIMARÃES PEREIRA

PARA ALÉM DA ACESSIBILIDADE: Pensando o pertencimento e a participação dos sujei-


tos surdos no Museu de Arte do Rio.

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre em Gestão da
Economia Criativa pela Escola Superior de Pro-
paganda e Marketing – ESPM.

Rio de Janeiro, 18 de Março de 2020.

__________________________________________
Prof. Sílvia Borges Corrêa
Orientador (a)

__________________________________________
Prof. Diego Santos Vieira de Jesus – ESPM/RJ
Avaliador 1

__________________________________________
Prof. Denise França Barros – UNIGRANRIO
Avaliador 2
Dedicatória

A todas as pessoas surdas desse Brasil que buscam seus espaços, lutam por uma sociedade
mais justa e são incansáveis na divulgação da cultura surda para que o respeito à diferença de
fato prevaleça nas relações sociais. É a determinação de vocês que me guia para um caminho
em prol de uma sociedade mais equânime.
AGRADECIMENTOS

A Deus, meu infinito particular.


Ao meu pai por toda sabedoria que me inspira diariamente, à minha mãe pela constante
retaguarda que me possibilita ser profissional, estudante, pesquisadora e mãe. Sem vocês seria
impossível conciliar maternidade com a vida acadêmica. É um privilégio poder cuidar de vocês
a cada dia.
Ao meu pequeno Joaquim, que me escolheu por sua mãe e faz com que a vida tenha
sentido, que a luta valha a pena, que me ensina tanto e me acolhe nos seus braços, onde acredita
ser acolhido, mas que na verdade é onde encontro um universo de conforto e alento.
Ao meu marido Julio Affonso, por ser a calmaria que necessito nos dias agitados, por
ser um companheiro que me permite voar, que acredita nos meus sonhos e que tanto admiro.
As minhas amadas sobrinhas e sobrinho, Marcos Felipe, Beatriz, Fernanda, Larissa, Lu-
ísa e Lara, muito antes de me tornar mãe, tornei-me a Dedê de vocês. Vivo, produzo e conquisto
por vocês e para vocês! Eu sou, porque nós somos!
Aos meus irmãos, Marco, Marcio e Simone, a minha cunhada Janaina e meu cunhado
Marcelo. Gratidão por me ouvirem, por me mimarem e serem a uma rede de apoio tão funda-
mental em minha vida.
A Carolina Alves, minha companheira de alma. Obrigada por me ouvir, por chorar co-
migo, por me compreender em cada desespero, pelas broncas quando eu queria desistir e por
me fazer acreditar em meu potencial!
Aos meus amados Luísa Viana, Alberto Cerqueira e Pedrinho, pela presença constante,
pelo amor compartilhado, pela vivência única que temos tido de caminhar sempre juntos.
A minha grande família Bartholo Eduardo, tias, primas e primos que me dão a oportu-
nidade de sempre olhar para nossa ancestralidade.
Ao Colégio Pedro II, sou grata pela oportunidade de ser servidora de uma escola de
referência, em especial à direção do campus São Cristóvão II, Adriane Farah, Bernardino Matos
e William Carvalho, que tanto admiro e me fazem acreditar e lutar sempre pela escola pública,
gratuita e de qualidade. Aos queridos companheiros de jornada do NAPNE de SCII pelo apren-
dizado constante ao lado dessa equipe incrível! Ao NAPNE Geral na pessoa de Cida Ivas pelo
estímulo, por acreditar em meu trabalho e compreender as demandas que precisei priorizar na
ocasião de realização deste mestrado.
A ESPM, escola que me permite ser aluna e professora, que me faz ter orgulho em
pertencer e em especial ao diretor geral da unidade do Rio de Janeiro, Eduardo Ariel, que acre-
ditou na proposta deste trabalho muito antes de mim.
As minhas amigas e amigos, que foram fundamentais nesse processo, que entenderam
minhas ausências, que me fortaleceram para continuar nessa jornada. Obrigada pelo apoio, pelo
carinho e pelos momentos de descontração em meio a tantas leituras, escrita e compromissos.
Aos meus colegas de turma do mestrado MPGEC, por toda troca e construção que vi-
vemos, aos professores por todo conhecimento compartilhado. A turma de 2018, estará pra
sempre em meu coração.
À minha orientadora Silvia Borges, pela constante orientação atenta e presente, que não
me permitiu desistir e nem desistiu de mim! É sem dúvidas um privilégio ter você nessa jornada.
A Banca Examinadora, Diego e Denise pelas ricas e generosas contribuições, todo meu
carinho e gratidão pela disponibilidade de vocês.
Ao querido José do Nascimento Júnior, que conheci pessoalmente na entrevista para
este trabalho e que tem sido incansável com suas contribuições, contar com a sua ajuda, conhe-
cimento e experiência tem sido enriquecedor.
Ao MAR, Museu de Arte de Rio, na pessoa do educador Thyago Corrêa que me recebeu
de forma tão gentil e acolhedora na realização deste trabalho. Estamos juntos na luta para ga-
rantir espaços públicos que reconheçam a riqueza de valorização das diferenças.
Aos companheiros Tradutores/Intérpretes de Libras (TILS), que aqui represento na pes-
soa de Thiago Carlos Silva, companheiro diário de labuta, sonhos e conquistas! Gratidão por
toca à troca, por todos os momentos de aprendizado e pela oportunidade de poder lutar para
garantia do direito linguístico de tantas pessoas surdas que cruzam nossos caminhos.
A todas as pessoas surdas que tive a oportunidade de conhecer em algum momento dessa
jornada da vida e que deixaram em mim tantos ensinamentos, tantas lembranças e sobretudo, a
vontade de sempre lutar por uma sociedade mais equânime!
[...]
Ser Surdo de Direito é ser “ouvido”...
é quando levanto a minha mão e
você me permite mostrar o melhor caminho
dentro de minhas necessidades.
Se você, Ouvinte, me representa,
leve os meus ensejos e as minhas solicitações
como eu almejo
e não como você pensa que deve ser.
No meu direito de escolha,
pulsa dentro de mim:
Vida, Língua, Educação, Cultura e um Direito de ser Surdo.
Entenda somente isso!
(VILHALVA, 2004, trecho do Poema: Lamento Oculto de um surdo).
RESUMO

Essa dissertação se propõe a investigar um museu brasileiro localizado na zona portuária da


cidade do Rio de Janeiro, o Museu de Arte do Rio (MAR), e analisar as ações deste museu que
promovam a participação e o pertencimento de pessoas surdas usuárias da Língua Brasileira de
Sinais (Libras). Trata-se de uma reflexão para além dos direitos garantidos por lei, mas, sobre-
tudo, acerca dos meios que garantem a participação plena e dão a esses sujeitos surdos o senti-
mento de pertencimento à cidade, levando em consideração a função social dos museus. Este
trabalho parte do princípio que é através da Língua Brasileira de Sinais que as pessoas surdas
podem se comunicar, podem participar da vida social e, por consequência, se sentirem perten-
centes à sociedade, efetivando assim o real processo de cidadania que está para além dos direitos
garantidos por lei. Em uma cidade criativa, o olhar multidisciplinar, integrado e de acesso uni-
versal passa a ser uma condição fundamental para seu desenvolvimento. O MAR destaca-se no
cenário de museus do Rio de Janeiro por consolidar ações na perspectiva de garantia do direito
linguístico das pessoas surdas através da Libras. A pesquisa tem como objetivo geral apresentar
um estudo de caso sobre o Museu de Arte do Rio (MAR) para compreender quais ações pro-
movidas pelo museu fomentam e possibilitam a participação e o pertencimento de surdos usu-
ários de Libras. A aplicabilidade desta dissertação pode ser pensada a partir do entendimento
das ações de acessibilidade e do processo de construção da participação dos surdos no MAR,
pois, assim, outros museus e centros culturais podem refletir sobre suas próprias ações e tam-
bém proporcionar a participação de pessoas surdas em seus espaços.

Palavras-chave: Cidadania. Pertencimento. Participação. Cidades Criativas. Acessibilidade.


Museus. Cultura Surda. Libras.
ABSTRACT

The purpose of this thesis is to investigate a Brazilian museum called Museu de Arte do Rio
(MAR), located in the harbor area of Rio de Janeiro City and its actions to promote belonging
and participation to deaf citizens through the use of Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), i.e.
the Brazilian official sign language. Not only is the thesis a study beyond those citizens rights
but also a way to promote the sense of belonging in the city, taking into account the social
function of museums. This work is based on the principle that it is through the Brazilian Sign
Language (Libras) that deaf people can communicate, can participate in social life and, conse-
quently, feel that they belong to society, thus realizing the real process of citizenship that lies
ahead in addition to the rights guaranteed by law. In a creative city, the multidisciplinary, inte-
grated and universally accessible view becomes a fundamental condition for its develop-
ment. MAR stands out in the Rio de Janeiro museum scene for consolidating actions in the
perspective of guaranteeing the linguistic right of deaf people through Libras. The research has
as general objective to present a case study about the Museum of Art of Rio (MAR) to under-
stand which actions promoted by the museum encourage and enable the participation and be-
longing of deaf users of Libras. The applicability of this dissertation can be thought from the
understanding of the accessibility actions and the process of building the participation of the
deaf in MAR, because, thus, other museums and cultural centers can reflect on their own actions
and also provide the participation of deaf people in your spaces.

Keywords: Citizenship. Belonging. Participation. Creative Cities. Accessibility. Museums.


Deaf Culture. Libras.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Inclusão x Integração................................................................................. 13
Figura 2 - Fachada do Museu de Arte do Rio............................................................. 17
Figura 3 - Conceitos de Acessibilidade em Museus................................................... 36
Figura 4 - Dia do Orgulho Surdo 2019: Ocupação do Pilotis do MAR...................... 42
Figura 5 - Enceramento das atividades do dia do Orgulho Surdo no MAR............... 42
Quadro 1 - Fontes de Evidência X Coletas Realizadas................................................ 44
Figura 6 - Exposição por Contato acontecendo no Pilotis do MAR........................... 47
Figura 7 - Cartaz da exposição Por Contato............................................................... 47
Visita Guiada por educadoras surdas com alunos da UFRJ do curso de
Figura 8 - 52
Letras/Libras 1ª obra..................................................................................
Visita Guiada por educadoras surdas com alunos da UFRJ do curso de
Figura 9 - 52
Letras/Libras 2ª obra..................................................................................
Ações realizadas pelo MAR frente aos conceitos de acessibilidade em
Quadro 2 - 55
Museus.......................................................................................................
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 10
2 (RE)CONHECENDO O MUSEU DE ARTE DO RIO (MAR)................... 17
3 REFERECIAL TEÓRICO.............................................................................. 21
3.1 CIDADE, PERTERNCIMENTO E PARTICIPAÇÃO..................................... 21
3.1.1 Cidades Criativas.............................................................................................. 22
3.1.2 Cidadania: pertencimento e participação...................................................... 25
3.1.3 Cultura Surda................................................................................................... 27
3.1.4 Língua Brasileira de Sinais (Libras)............................................................... 30
3.2 MUSEUS E ACESSIBILIDADE....................................................................... 31
3.2.1 A função social dos museus............................................................................. 32
3.2.2 Plano Muselógico.............................................................................................. 34
3.2.3 Acessibilidades em museus.............................................................................. 34
4 PERCUSSO METODOLÓGICO................................................................... 37
O MAR E AS POSSIBILIDADES REAIS DE PERTENCIMENTO E
5 44
PARTICIPAÇÃO DO POVO SURDO..........................................................
5.1 A CHEGADA DA COMUNIDADE SURDA NO MAR.................................. 44
5.2 A FUNÇÃO SOCIAL DO MUSEU NA REALIDADE DO MAR................... 50
AS AÇÕES DO MAR PARA PESSOAS SURDAS FRENTE AO CONCEITO
5.3 DE ACESSIBILIDADE EM MUSEUS NO CONTEXTO DE CIDADE CRI-
ATIVA................................................................................................................ 54
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 55
REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 59
APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista Semiestruturada com especialista em Mu-
62
seus....................................................................................................................................
APÊNDICE B – Quadro dos Museus do Rio de Janeiro............................................. 63
ANEXO A – Reportagem sobre a criação do sinal em Libras do MAR.................... 67
ANEXO B – Recomendações da UNESCO................................................................... 68
ANEXO C – Divulgação da Semana da Cultura Surda no MAR.............................. 75
ANEXO D – Programação do Curso “Cultura Surda, Arte e Mediação”................ 77
ANEXO E – Reportagens retiradas da internet sobre o período de crise vivenciado
pelo MAR......................................................................................................................... 78
10

1 INTRODUÇÃO

Pensar sobre a acessibilidade no Brasil é algo que precisará estar cada vez mais presente
nos contextos sociais, seja por uma legislação cada vez mais fiscalizada, seja pelo crescimento
dos movimentos sociais das pessoas com deficiência após a nova LBI (Lei Brasileira de Inclu-
são) de 2015, lutando por seus direitos, ou até mesmo pela sensibilização de alguns gestores de
setores estratégicos (educação, cultura, tecnologia,...) que começam a entender a importância
da diversidade e da inclusão nos espaços sociais.
Porém, em uma breve análise, até mesmo superficial, quando se pensa em acessibili-
dade, é o conceito de adequação física aquele que mais se percebe sendo colocado em prática
nos espaços públicos (rampas, elevadores,...) em seguida se percebem ações específicas para as
pessoas cegas. (áudio descrição, recursos de áudios,...). Na maioria das vezes, esses espaços
não garantem a participação das pessoas surdas e não se preocupam com a garantia de seu
direito linguístico, não reconhecem sua língua de sinais como forma de comunicação, não res-
peitam e não conhecem a sua cultura e consequentemente não possibilitam o acesso pleno a
esse público.
A realização deste trabalho sobre o pertencimento e a participação dos sujeitos surdos
em um equipamento cultural específico, se dá pelo desejo de pensar a pessoa surda e a analisar
a possibilidade dessas pessoas usufruírem de seu direito linguístico na vida social da cidade,
especificamente, no Museu de Arte do Rio de janeiro. Neste sentido, pretende-se refletir para
além dos direitos garantidos por lei, refletindo também sobre os meios que garantem a partici-
pação plena e dão a esses sujeitos o sentimento de pertencimento à cidade, levando em consi-
deração a função social dos museus.
Segundo Gomes (2011) a comunidade surda reivindica o reconhecimento de sua cultura;
a academia procura entendê-la e analisar suas produções; os espaços educativos são conclama-
dos a promovê-la; os gestores das políticas públicas questionam a sua existência. Assim, esta-
mos diante de um tema nada tranquilo, que provoca diferentes manifestações, entre as máximas
de exaltação e da negação.
Este trabalho parte do princípio que é através da Libras (Língua Brasileira de Sinais)
que as pessoas surdas podem se comunicar, podem participar da vida social e, por consequência,
se sentirem pertencentes à sociedade, efetivando assim o real processo de cidadania que está
para além dos direitos garantidos por lei. Em uma cidade criativa 1, o olhar multidisciplinar,

1
O conceito de cidade criativa será debatido ao longo desse trabalho.
11

integrado e de acesso universal passa a ser uma condição fundamental para seu desenvolvi-
mento.
Como autora deste trabalho, é importante deixar claro meu lugar de fala 2. É do lugar de
ouvinte 3 que penso as pessoas surdas e a surdez. É como tradutora/intérprete de Libras há mais
de 15 anos, assistente social e participante da comunidade surda que me predisponho a estudar
e refletir sobre as singularidades e particularidades das comunidades, sobretudo, nos espaços
coletivos que nos constituem como sujeitos sociais.
É a partir desse lugar de fala, que acredito que a não “escuta” dos surdos pelos ouvintes
que ocupam posições de definir políticas e administrar espaços públicos, tem acarretado preju-
ízos irreparáveis para as pessoas surdas. São essas pessoas que, em geral, a partir de seus lugares
de gestores pensam que a igualdade é o caminho pelo qual se efetivam políticas públicas de
acesso universal, sem levar em consideração a riqueza que se tem quando olhamos para as
diferenças. Predomina o pensamento de que os caminhos precisam ser percorridos por “qual-
quer um” e que a autonomia deve ser a conquista da vida financeira, autonomia essa em seu
sentido mais liberal. Para Lopes (2011) é a indisponibilidade ouvinte para “escutar” o surdo
que tem constituído alteridades deficientes e verdades sobre as pessoas surdas pelas lentes da
clínica, da deficiência não das potencialidades e da educação especial, onde os próprios surdos
se olham alienados.
Cabe ressaltar que, ao longo deste trabalho e de toda a pesquisa desenvolvida, a surdez
não é vista como doença/deficiência, mas como diferença. Essa perspectiva que olha a surdez
como diferença será detalhada no capítulo de referencial teórico desta dissertação. Ressalta-se
ainda que neste trabalho é utilizado o termo surdo e não deficiente auditivo, em virtude da

2
Sobre o conceito “lugar de fala”, recorre-se aqui a filósofa brasileira Djamila Ribeiro, que traz o termo para
debate no seu livro intitulado “Lugar de Fala”. Existe um cuidado da autora em deixar claro que não há uma
epistemologia determinada sobre o termo ou, ao menos, sua origem é imprecisa. “Acreditamos que este surge a
partir da tradição da discussão sobre feminist stand point – em uma tradução literal “ponto de vista feminista” –
diversidade, teoria radical crítica e pensamento decolonial” (RIBEIRO, 2019, p.57). De acordo com Ribeiro
(2019), não existe a pretensão de se impor uma epistemologia da verdade, sobre o termo “lugar de fala”, mas um
chamado à reflexão. Para isso, a autora faz uso de diversos autores e autoras que utilizam o termo e que corroboram
com seu pensamento, como exemplo de Rosana Borges que afirma: “Pensar lugar de fala é uma postura ética, pois
saber o lugar de onde falamos é fundamental para pensarmos as hierarquias, as questões de desigualdade, pobreza,
racismo e sexismo” (RIBEIRO, 2019, p.83). A autora também utiliza Foucault, que afirmava que “as massas po-
deriam falar por si, mas entendia que existia uma interdição para que as vozes pudessem ser ouvidas. O filósofo
francês acreditava que o papel do intelectual era analisar as relações de poder entendendo que seu papel não era
ser representante daqueles que lutavam”. (RIBEIRO, 2019, p.73) Em sua obra, a autora deixa explicito que a ênfase
não está na perspectiva individual de onde se fala, mas na ênfase que se precisa dar ao lugar social que as pessoas
ocupam a partir da matriz de dominação. “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse
lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas.” (RI-
BEIRO, 2019, p.69).
3
O termo ouvinte refere-se à cultura das pessoas que ouvem, normalmente diferenciando-a da cultura dos surdos.
12

pessoa com deficiência auditiva possuir necessidades e possibilidades de comunicação diferen-


ciadas do sujeito surdo, como por exemplo, usar amplificador de sons para compreender uma
comunicação em áudio (recurso impossível para o surdo), leitura labial com mais facilidade já
que ainda consegue perceber o som de alguma forma ou até pela facilidade do uso da memória
auditiva, elemento esse, que o surdo não possui.
Com dados de 2010, portanto, já com certa defasagem e que não fazem a diferenciação
entre surdos e deficientes auditivos, o Censo revela o número de 9,7 milhões de pessoas com
alguma deficiência auditiva no Brasil, isso significava, à época, 5,1% da população com algum
tipo de deficiência auditiva. Note-se que o IBGE não perguntou aos entrevistados se usavam
aparelho auditivo, se usavam Libras, se usavam implantes ou quantos decibéis ouviam. Trata-
se, portanto, de um número que carece de detalhamento caso realmente se queira entender as
especificidades desse contingente de pessoas com surdez e/ou deficiência auditiva no país.
A partir dessas análises, cabe refletir que somente quando o surdo puder se ver e ser
visto, puder encarar e ser encarado como sujeito com potencialidade de intervir em seu meio,
quando tiver a possibilidade de ser e vir a ser, é que ele poderá ter sua cidadania assegurada e
vivenciada.
Por todas essas questões apresentadas, torna-se relevante pensar na função social dos
museus, que trazem para o cenário atual a necessidade de aprofundarem as ações de comunica-
ção, de educação e de pesquisa, desenvolvendo ações de caráter inclusivo que levem em consi-
deração as características desses sujeitos sociais. Para Nascimento Júnior (2009, p.160) é ne-
cessário pensar o museu como “inventário da diversidade cultural”, onde se faz necessário pen-
sar ações que visem à valorização dos cidadãos de toda região por meio dos museus e compre-
ende-los como lugar de direito e cidadania, como lugar de inclusão cultural, de resistência e
combate aos preconceitos de toda ordem.
O presente trabalho se propõe a analisar como o Museu de Arte do Rio (MAR) tem
promovido o acesso e, consequentemente, o pertencimento e a participação da comunidade
surda nesse espaço. A escolha do MAR se deu em função do seu papel de destaque no cenário
de museus do Rio de Janeiro com uma gestão que consolida ações na perspectiva de garantia
do direito linguístico das pessoas surdas através da Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Para isso, cabe aqui compreender questões essenciais para o debate que se segue. É no
Século XX, a partir dos anos oitenta, que o termo inclusão começa a ser debatido e questionado
pela sociedade de forma mais ampla, em contraposição aos ideais de integração que vinham
sendo difundidas após a II Guerra Mundial (MARTINS, 2013). A inclusão tem como base o
modelo social da deficiência, que é entendida enquanto caraterística, em oposição ao modelo
13

médico da deficiência, entendida como doença e/ou déficit que precisa de tratamento. No mo-
delo da inclusão a sociedade que é responsabilizada por não permitir o desenvolvimento pleno
das capacidades e potencialidades de todos os sujeitos sociais. Nesse modelo, se uma pessoa
não consegue participar da sociedade o foco do problema não está nos sujeitos, a deficiência
está na sociedade que não lhes proporcionam os meios de poder participar da vida social da
cidade por exemplo.

Figura 1 – Inclusão X Integração

Fonte: UAlg/ESEC, 2019.

Este trabalho será apresentado a partir de uma perspectiva de cidade criativa, como po-
tencial lugar de alteridade, de valorização da diversidade, de respeito à equidade e às oportuni-
dades (VIVANT, 2012). Dentro desta perspectiva, porém, cabe ressaltar a importância da soci-
edade civil se apropriar do debate para o desenvolvimento de políticas publicas para essa cidade
criativa, onde a participação e a oportunidade de opinar são fundamentais para promoção do
acesso e do pertencimento a essa cidade (JESUS; KAMLOT, 2016).
Entretanto, faz-se necessário refletir e dedicar atenção ao conceito de alteridade. Apesar
de VIVANT (2012) não se aprofundar nesse conceito em sua obra, essa é uma definição que
precisa ser demarcada nesse trabalho, afinal, as particularidades desse termo podem nos levar
a conceitos que estão na contramão do que será abordado por aqui. Portanto, o conceito de
alteridade usado será aquele presente no campo da antropologia 4. Segundo PEIRANO (1999)
a alteridade é um elemento básico da antropologia, é, na verdade, um conceito fundante da área,
onde se reconhece o potencial dos sujeitos sociais, onde a diferença é entendida na sua dimensão
de riqueza. GOLDEMAN (2006) afirma que o direito à diferença e à alteridade está no centro
de movimentos sociais e indentitários na atualidade. Para o autor, “a antropologia sempre foi
capaz de valorizar essa diferença, sempre foi capaz de ao menos tentar apreendê-la sem suprimi-

4
Notadamente, não há por pretensão o aprofundamento de todas as definições do termo nesse complexo campo,
prioriza-se, contudo, a escolha que coaduna com a linha teórica deste trabalho.
14

la, pensá-la em si mesma, como ponto de apoio para impulsionar o pensamento, não como
objeto a ser simplesmente explicado”. (GOLDEMAN, 2006, p.164)
As formas como lidamos com a diferença são centrais, especialmente no mundo con-
temporâneo, pois é muito tênue a linha entre reconhecer as diferenças, valorizá-las e de fato
criar e garantir condições para que elas possam ser exercidas ou simplesmente tolerá-las.
Ainda a título de demarcações teóricas iniciais, apesar da referência ao trabalho de Flo-
rida (2011), cabe aqui salientar que o T de Tolerância apresentado pelo autor 5 vai na contramão
dos parâmetros de desenvolvimento deste trabalho. Ao explorar o significado de “tolerância”,
o aspecto que chama a atenção é a característica passiva e hegemônica dessa palavra. “Tolerar”
é um verbo que tem seu sentido essencialmente atrelado à ideia de suportar, aceitar, permitir ou
dar consentimento a uma determinada manifestação parcial ou totalmente contrária à norma
vigente. É na percepção da dimensão da riqueza da cultura surda e de valorização do direito
linguístico dessas pessoas que se faz importante compreender a cultura como campo de luta e
resistência em torno de seu significado social contra-hegemônico. A cultura surda deve ser en-
carada como contestação, constituição de identidades e diferenças que determinam a vida dos
sujeitos e da sociedade do qual participam.
Todas as questões e a problematização do tema agora apresentados, levam à justificativa
dessa pesquisa: a necessidade de investigação das estratégias de intervenção para acessibilidade
utilizadas pelo Museu de Arte do Rio, do real processo de inclusão baseado no pertencimento
e participação das pessoas surdas através da Língua Brasileira de Sinais, efetivando assim, o
concreto processo de cidadania.
A acessibilidade em museus implica a criação de programas, atividades e execução de
políticas que ofereçam a possibilidade das pessoas com deficiência participarem ativamente das
propostas oferecidas. Para Martins (2013), políticas de inclusão gerarão alterações no conceito
de acessibilidade, pois levará necessariamente à criação de novas relações entre museus e pú-
blicos que exigem diferentes formas de aproximação. Essas ações irão requerer o exercício de
novas práticas museais para responder aos desafios colocados pelo modelo inclusivo.
Compartilhando da análise de Rocha (2001), que afirma:
O tempo passa sem cerimônia e eles assistem impacientes a nossa incapacidade, de-
sembarcando nas políticas públicas como coitados, mudinhos, deficientes. Espectro
de cidadania é espectro de cidadão. O que temos oferecido a eles? (ROCHA, 2001,
p.36).

5
Florida (2011) descreve cidade criativa como aquela que tem a capacidade criativa concentrada em 3 Ts: Talento,
Tolerância e Tecnologia. O capítulo de referencial teórico explorará esse aspecto da obra do autor.
15

Em sua função social, conforme a recomendação da UNESCO (2015) referente à prote-


ção e promoção dos museus e coleções, sua diversidade e papel na sociedade, os museus têm
como premissa abordar o conjunto da sociedade para desempenhar um importante papel no
desenvolvimento de laços sociais e de coesão social, na construção da cidadania e na reflexão
sobre identidades coletivas. “Os museus devem ser lugares abertos a todos e comprometidos
com o acesso físico e o acesso à cultura para todos, incluindo grupos vulneráveis” (UNESCO,
2015). Portanto, esses espaços precisam ser pensados de forma equânime com ações que não
limitem, mas, ao contrário, promovam efetivamente o acesso para todos os públicos.
Os museus como agentes de desenvolvimento social têm o desafio de cativar visitantes
e desenvolver o pertencimento (SARRAF, 2008). Sendo assim, para conseguir resultados nes-
sas atribuições é preciso criar e fazer uso de propostas de mediação multissensoriais para esta-
belecer vínculos sensíveis e afirmar a sua validade da dinâmica social.
É preciso criar estratégias, pois não se pode simplesmente parar na análise e no reco-
nhecimento do acesso, enquanto milhares de surdos são ignorados e excluídos dos espaços pú-
blicos da cidade. É preciso pensar em ações para além do adestramento, com uma política capaz
de desenvolver a capacidade humana, na qual o surdo é visto com potencial de ser sujeito ativo
da sociedade, sujeito pleno de sua vida social.
Por todo exposto, percebe-se urgente a necessidade de mapeamento de ações e políticas
de gestão realizadas em museus brasileiro, que possibilitem a participação das pessoas surdas.
A possiblidade de participação desses sujeitos sociais é uma demanda importante para debate e
para pesquisas que serão determinantes para efetivar políticas de acesso universal, principal-
mente para a democratização de espaços museais das cidades brasileiras. Dada a amplitude do
tema, esta dissertação se propõe a investigar um museu brasileiro em particular, localizado na
zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, e parte do seguinte problema de pesquisa: Como o
Museu de Arte do Rio (MAR) tem promovido a participação e o pertencimento de sujeitos
surdos usuários de Libras?
A pesquisa tem como objetivo geral apresentar um estudo de caso sobre o Museu de
Arte do Rio (MAR) para compreender quais ações promovidas pelo museu fomentam e possi-
bilitam a participação e o pertencimento de surdos usuários de Libras. Pretende-se investigar
como acontece a recepção e a ocupação desses sujeitos nesse espaço público, bem como des-
crever as escolhas de gestão que afirmam o compromisso do MAR com a comunidade surda.
O Museu de Arte do Rio (MAR) desponta, no conjunto dos museus da cidade do Rio de Janeiro,
com ações específicas para a comunidade surda, promovendo efetivamente o pertencimento e
a participação dessas pessoas, enquanto a maioria dos museus da cidade do Rio de Janeiro não
16

leva em consideração as especificações do povo surdo, bem como a sua língua e sua cultura
(quando existem algumas ações específicas e pontuais, estas nem sempre são adequadas para
promoverem a cidadania dos surdos).
No capítulo 2 deste trabalho, o Museu de Arte do Rio é apresentado ao leitor. É uma
apresentação sobre a conjuntura em que foi criado e o território que ocupa na cidade do Rio de
Janeiro, além de contar um pouco sobre sua história e sobre seu plano museológico.
O capítulo 3 apresenta o referencial teórico que dá embasamento a esse estudo e as
terminologias específicas que são fundamentais para a compreensão das especificidades da pes-
quisa empírica realizada.
Já no capítulo 4, o percurso metodológico é apresentado. Estão descritas as etapas per-
corridas neste estudo, que possui caráter descritivo quanto aos objetivos, caracterizando-se
como pesquisa de campo de cunho qualitativo considerando-se as diversas estratégias utilizadas
para a coleta e a análise de dados.
Posteriormente, o capítulo 5, intitulado “O MAR e as possibilidades reais de pertenci-
mento e participação do povo surdo”, é dedicado às análises e desdobrados que foram realizados
através do estudo de caso do Museu de Arte do Rio e suas ações que garantem o acesso as
pessoas surdas.
Encerrando a dissertação encontra-se as considerações finais, as referências bibliográfi-
cas, apêndices e os anexos utilizados nesta pesquisa.
17

2 (RE)CONHECENDO O MUSEU DE ARTE DO RIO (MAR)

O Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) é um equipamento cultural pertencente à


Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, sendo esse o primeiro museu municipal com um modelo
de gestão administrado por uma Organização Social (OS). Mediante um contrato de gestão
junto a Secretaria Municipal de Cultura, desde o ano de inauguração do museu (2013) até a
presente data, é o Instituto Odeon quem vem gerindo o MAR. O museu foi idealizado e cons-
truído pela Prefeitura do Rio de Janeiro em parceria com a Fundação Roberto Marinho e busca,
dentre outras questões, promover a valorização da história da cidade.

Figura 2 – Fachada do Museu de Arte do Rio

Fonte: MAR, 2020.

Inaugurado em 1º de março de 2013, o MAR está localizado na região portuária da


cidade do Rio de Janeiro, precisamente na Praça Mauá, Nº 10. O museu integra um projeto de
remodelação da zona portuária intitulado “Porto Maravilha”. Esse plano de reordenamento ur-
banístico 6 é parte das ações que precedeu os megaeventos que ocorreram na cidade nos primei-
ros anos da década de 2010, como por exemplo: Rio+20 de 2012 (ano em que o Rio entrou

6
Instituído por meio da Lei Complementar 101/2009: Art. 1º: Esta Lei Complementar institui a Operação Urbana
Consorciada - OUC da região do Porto do Rio de Janeiro, na Área de Especial Interesse Urbanístico - AEIU criada
nesta Lei Complementar, que compreende um conjunto de intervenções coordenadas pelo Município e demais
entidades da Administração Pública Municipal, com a participação de proprietários, moradores, usuários e inves-
tidores, com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambi-
ental de parte das Regiões Administrativas I, II, III e VII, em consonância com os princípios e diretrizes da Lei
Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade e do Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de
Janeiro.
18

também no patrimônio da humanidade da UNESCO na categoria “Paisagem cultural”), Copa


das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014, Rio450 e as Olimpíadas de 2016.
O Museu de Arte do Rio é composto por duas grandes construções com estilos bem
heterogêneos. Os dois prédios, que hoje são interligados, já existiam na região. De acordo com
o Plano Museológico do MAR (2012), um dos prédios é o antigo “Palacete Dom João VI”, com
estilo eclético, que foi projetado em 1912 e concluído em 1916 quando tornou-se a sede da
Inspetoria de Portos, Rios e Canais do Ministério da Marinha. Dentre algumas empresas e au-
tarquias que também se instalaram no prédio destaca-se a Empresa Brasileira de Portos (Porto-
bras), gestora das regiões de portos do país até 1990, que foi sucedida pela Companhia DOCAS
do Rio de Janeiro. O outro prédio em estilo modernista data dos anos 1940, onde funcionou o
hospital da Polícia Civil e na sua marquise em anexo, o terminal rodoviário Mariano Procópio.
Hoje em dia, os prédios do Museu de Arte do Rio se interligam por uma praça que tem
uma passarela coberta que transforma os dois prédios em um conjunto harmônico, aspecto que
é destacado no seu Plano Museológico (2012):
Como marca do projeto, foi instalada na cobertura, uma estrutura fluida, extrema-
mente leve, simulando a ondulação da superfície da água, fazendo uma analogia ao
mar. Uma arquitetura de caráter poético e carregada de significado, simples e ao
mesmo tempo moderna na questão de cálculo estrutural. Esse elemento foi proposi-
talmente projetado para ser visto tanto de perto quanto de longe, tanto de baixo, para
quem está chegando a Praça Mauá, quanto de cima, para quem está no Morro da Con-
ceição. (PLANO MUSEOLÓGICO, 2012, p.16)

O projeto arquitetônico do MAR foi produzido pela empresa de arquitetura carioca Ber-
naedes+Jacobsen e organizado por seus principais arquitetos. O antigo Palacete de Dom João
VI abriga as salas de exposições que, com a estrutura livre de seus salões, recebe as mostras de
curta e longa duração. Já no prédio de estilo modernista funciona, além da administração e de
alguns departamentos, a Escola do Olhar.
A Escola do Olhar é definida na página oficial do Museu de Arte do Rio na internet,
como “um polo de pensamento e de formação permanentes, voltado especialmente para a prá-
tica e a reflexão a partir das relações entre educação e arte.” (MUSEU DE ARTE DO RIO,
2020). O MAR foi idealizado para ser um museu que tem uma escola e, ao mesmo tempo, uma
escola que tem um museu, onde a proposta museológica é “propiciar o desenvolvimento de um
programa educativo de referência para ações no Brasil e no exterior, conjugando arte e educação
a partir do programa curatorial que norteia a instituição” (MUSEU DE ARTE DO RIO, 2020).
O objetivo das atividades realizadas pela Escola do Olhar visa potencializar as capaci-
dades de cada ser humano, assim como as múltiplas formas de aprender, gerar e partilhar co-
nhecimento coletivamente (PLANO MUSEOLÓGICO, 2012). Ela se estrutura a partir de dois
19

núcleos de atuação: Participação, Acessibilidade e Rede e Formação, Pesquisa e Documentação


e assim:
A Escola do Olhar tem como missão difundir as manifestações culturais e artísticas
contemporâneas, sejam elas locais, tradicionais ou acadêmicas; promover o encontro
entre diferentes culturas, línguas e comunidades; possibilitar o acesso ao patrimônio
cultural público e desenvolver espaços de protagonismo para diferentes pessoas, ins-
tituições e grupos sociais. Tem como princípios norteadores o aprofundamento da di-
mensão pública da arte, o respeito aos valores democráticos, aos direitos humanos, à
diversidade, à igualdade e à acessibilidade. (MUSEU DE ARTE DO RIO, 2020).

No plano museológico do MAR (2012), a acessibilidade é um tema que não aparece


como um item específico, porém perpassa todo o plano como um tema transversal. É somente
em sua página oficial na internet que o museu apresenta especificamente as ações desenvolvidas
que “contemplam a implantação de grupos de pesquisas sobre a acessibilidade para o desenvol-
vimento de propostas de visitas, projetos de materiais educativos especiais, formação de edu-
cadores e promoção de ações integradas com as famílias.” (MUSEU DE ARTE DO RIO, 2020).
Essas ações buscam contemplar condições gerais de acessibilidade, no que tange às classifica-
ções de barreiras urbanísticas, nas edificações, transportes, comunicações e informações e são
acompanhadas em seu desenvolvimento pela Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência.
Conforme apontado na introdução desta dissertação, o Museu de Arte do Rio foi esco-
lhido como objeto de estudo por ter elementos diferenciais em suas ações e projetos específicos
para a comunidade surda 7, projetos esses que foram elaborados e construídos com a participa-
ção e parceria da própria comunidade surda que frequenta o espaço 8, enfatizando-se assim, a
missão do museu que valoriza e preconiza a arte-educação com foco nos saberes e fazeres. “O
intuito do MAR é ser um ambiente acessível no sentido pleno da palavra” (MUSEU DE ARTE
DO RIO, 2020).
As informações iniciais apresentadas sobre o MAR até aqui são relevantes para o con-
texto deste trabalho: a conjuntura em que foi criado, a sua inauguração (1º de Março é aniver-
sário da cidade do Rio de Janeiro) e o território que ocupa e no qual está inserido são elementos
que contribuem para a compreensão do objeto de estudo que se apresenta. O próximo capítulo
apresenta as linhas teóricas que dão embasamento a esse estudo e a terminologia específica que
precisa ser compreendida no contexto das especificidades da pesquisa empírica realizada.

7
No capítulo 3 que apresenta o referencial teórico, o termo “comunidade surda” será detalhado para o entendi-
mento de suas características.
8
Esses projetos específicos serão apresentados ao longo deste trabalho, e mais detalhadamente no capítulo 5. A
este capítulo de apresentação do MAR, confere-se somente situar o leitor sobre o contexto que o museu se in-
sere.
20

3 REFERENCIAL TEÓRICO

Este referencial teórico está estruturado em duas partes: na primeira parte serão aborda-
dos os temas de referência que abrangem questões que se entrelaçam relativas a cidades criati-
vas, cidadania e cultura surda. Na segunda parte, abordam-se questões museológicas, o universo
que se apresenta para a discussão da acessibilidade e da função do museu nos dias atuais.

3.1 Cidade, pertencimento e participação

É a partir do pensamento da cidade enquanto entidade emancipadora, a qual facilita a


expressão das singularidades, a reivindicação e a manifestação das diferenças e da diversidade,
e, portanto, como um espaço de alteridade (VIVANT,2012), que essa seção apresenta referên-
cias para a compreensão de teorias sobre cidade criativa, cidadania – a partir da ideia de per-
tencimento e participação, cultura contra-hegemônica e Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Conforme exposto na introdução, VIVANT (2012) não aprofunda o conceito de alteri-
dade que ela usa em sua tese, dando margens a interpretações que esse conceito de alteridade
por ela exposto, na verdade cria e reproduz hierarquias e mecanismos de exclusão do outro. É
importante ressaltar que o conceito de alteridade defendido na antropologia não tem intenção
de destruir ou diminuir a cultura do outro, mas observá-la para estabelecer construções sociais
em relação à cultura do outro.
FLEURI (2003) alerta para um ponto significativo sobre a alteridade: o perigo de uma
“política da diversidade”, onde se aceita somente pequenos fragmentos do outro. “Trata-se do
desafio de se respeitar as diferenças e de integrá-las em uma unidade que não as anule, mas que
ative o potencial criativo e vital da conexão entre diferentes agentes e entre seus respectivos
contextos”. (FLEURI, 2003, p. 497)
Sendo assim, é notório que o conceito de alteridade configura-se como um campo com-
plexo e híbrido em perspectivas e debates, onde não se deve cair nas armadilhas de elucidações
generalizantes, mas, pelo contrário, é necessário compreender como uma área de estudos e de
incessante interação entre visões distintas.

3.1.1 Cidades criativas

Charles Landry é considerado o primeiro autor a empregar o termo “cidade criativa”.


Para Landry (2013) cidade criativa é um lugar onde as pessoas podem se expressar e crescer, e
21

onde o poder de decisão e planejamento são compartilhados entre os cidadãos. Em sua visão, é
através do estímulo à curiosidade, à imaginação e à criatividade de seus cidadãos que se pode
solucionar a crise econômica, social e urbana nas cidades contemporâneas.

Cidades criativas são aquelas onde há senso de conforto e familiaridade, uma boa
mistura do velho com o novo, variedade de escolha e um equilíbrio entre o calmo e o
vivificante ou entre o risco e a cautela. (LANDRY, 2013, p. 45)

Segundo Landry (2013), a cidade criativa deve promover o potencial dos cidadãos para
a transformação do espaço urbano através da história e da cultura. É preciso que as pessoas
tenham oportunidades para expressarem seus talentos, para poderem aprender e desenvolver o
senso de participação necessária à vida urbana. Para o autor, cidade criativa é um lugar que
permite ao indivíduo a possibilidade de fazer parte da criação do ambiente em que vive de
encontrar soluções criativas e oportunidades interessantes para seus problemas.
Reis (2012) mostra, de forma aderente à obra de Landry (2013), algumas características
representativas das cidades criativas como: valorização dos recursos culturais (dentre os quais
a diversidade); correlação entre recursos cultural e potencial de desenvolvimento econômico;
políticas públicas transdisciplinares; além do foco de pesquisa desse trabalho, a participação
cidadã.
Na concepção de Reis (2012), a cidade criativa exige um novo olhar, multidisciplinar e
integrado, pois é uma cidade que permite muito mais inclusões e complementaridades, do que
a extremos, exclusões e antagonismos. A autora afirma que, pensar cidades criativas pressupõe
pensar em um novo olhar que leve em consideração novas soluções e oportunidades. Esse novo
olhar precisa ser integrado e principalmente multidisciplinar, inclusivo e participativo. Reis
(2012) diz que em cidades criativas,
é fundamental oferecer espaços de encontros, de trocas, de experiências, de expres-
sões. O papel dos espaços públicos é crucial - são palcos da conexão de diversidades,
ideias e atividades e do compartilhamento da própria cidade. É neles que a cidadania
de fato se exerce e por meio deles que os cidadãos se conectam à cidade. [...] a cidade
deve ser entendida de forma complexa, integrada e repleta de conexões – o que de-
manda, claramente, a inclusão de áreas e grupos marginalizados. (REIS, 2012, p. 36)

Portanto, para Reis (2012), cidades criativas deveriam ser, em sua essência, emancipa-
doras. Um espaço multidimensional de convívio no qual expressões de singularidade, manifes-
tações da diferença e da diversidade pudessem ser facilitadas por meio de políticas públicas
focadas na (re)valorização dos espaços urbanos e seus meios de acesso.
Florida (2011) descreve cidade criativa como aquela que tem a capacidade criativa con-
centrada em 3 Ts: Talento, Tolerância e Tecnologia.
22

O crescimento econômico regional é impulsionado por pessoas criativas, que prefe-


rem lugares diversificados, tolerantes e abertos a novas ideias. A diversidade aumenta
o potencial do lugar de atrair vários tipos de indivíduos criativos, com ideias e habili-
dades distintas. Lugares com misturas diversas de pessoas criativas são mais propen-
sos a gerar novas combinações. Sem falar que a união de diversidade e quantidade,
acelera o fluxo de conhecimento. Quanto maior e mais diversificada a concentração
de capital criativo, maior também a capacidade de inovar, de criar negócios de alta
tecnologia, de gerar empregos e de crescer economicamente. (FLORIDA, 2011,
p.249)

Para Florida (2011), a teoria do capital criativo afirma que o crescimento econômico
regional deriva dos 3 Ts. No entanto, presentes de forma isolada uma da outra, são incapazes
de gerar condições suficientes de desenvolvimento econômico, segundo ele, para prosperar no
sentido econômico, as regiões precisam oferecer os 3 Ts. Para o autor, a era criativa por si só
não resolverá nenhum problema, não acabará com as desigualdades e nem trará melhoria para
a sociedade. É importante que se tenha respostas públicas apropriadas e políticas que possam
compreender o todo. A tarefa é construir uma comunidade criativa, uma sociedade criativa e
não apenas uma economia criativa.
Entretanto, Vivant (2012) faz um contraponto ao pensamento de Florida e questiona o
cenário descrito por ele para uma cidade criativa. A autora argumenta que aparentemente os
índices utilizados por Florida para sua teoria dos 3 Ts e para a defesa da chamada classe criativa,
dão uma base aparentemente cientifica ao seu raciocínio, porém “basear toda uma teoria em
indicadores tão pouco discriminados parece provar pouca coisa” (VIVANT, 2012, p.17). Para
Vivant (2012) a correlação entre diferentes categorias de população, com o crescimento econô-
mico, não é demostrada por Flórida. Além disso, ela questiona o termo classe criativa, empre-
gado pelo autor.

O uso que Richard Florida faz da noção de classe é igualmente criticado por ser um
pouco simplista. A noção de classe social repousa sobre a ideia de um conjunto de
interesses e de valores compartilhados pelos indivíduos que dela são membros, assim
como sobre o estabelecimento de uma relação de força entre as diferentes classes.
Logo, a definição de classe criativa proposta por Florida negligencia os componentes
da noção de classe e se instala em um lugar nebuloso, que limita a pertinência da
análise. Nenhum estudo permite reunir a diversidade das categorias que compões a
classe criativa, seja ela sob o ângulo das trajetórias individuais, dos salários e das
posições sociais, seja sob o ângulo de uma consciência de pertencimento a uma enti-
dade social. (VIVANT, 2012, p. 17-18)

Vivant (2012) defende que sejam redescobertas as qualidades da cidade cosmopolita,


para ela, “as grandes cidades sempre foram espaços de manifestação da singularidade e da cri-
atividade” (VIVANT, 2012, p. 10). A autora pontua que se deve repensar a ideia de cidade
criativa com um mínimo de clareza, sendo o primeiro critério a atualização da ideia original da
cidade como entidade emancipadora, a qual facilita a expressão das singularidades, a
23

reinvindicação e a manifestação das diferenças e da diversidade. Segundo Vivant (2012), para


além do efeito de moda, a noção de cidade criativa deve ser pensada numa dimensão polissê-
mica, onde se preocupa redescobrir as qualidades da cidade cosmopolita e que ela define como:

Lugar de alteridade, de encontros imprevistos, de experiências inéditas, de anonimato,


de invenção de novas maneiras de ser e de fazer, de multidões e de diversidade de
recursos. Ela exorta a inventar uma alternativa urbana na qual o acaso, o movimento
e a criação estão a serviços dos habitantes e na qual modos de intervenção e de regu-
lamentação se inventam e reinventam. Ela convida o urbanista à modéstia e à humil-
dade, pois a criatividade não se planeja e nem se programa. Ela surge do imprevisto e
do inesperado; ela nasce ali onde não se espera. Seja ela artística, tecnológica, cienti-
fica ou urbana, a criatividade nasce do atrito entre alteridade e encontros imprevistos.
A fábrica da cidade criativa se realiza na capacidade dos atores de aceitar e tornar
possíveis iniciativas que os ultrapassam. (VIVANT, 2012, pg. 87)

Todavia, na obra de Jesus e Kamlot (2016), os autores jogam luz no caso brasileiro. Para
os autores, é imprescindível que ao pensar cidade criativa no Brasil seja necessário ter um olhar
crítico para um conceito que foi desenvolvido com base em experiências dos Estados Unidos,
da Europa e da Austrália. Os autores questionam se esse conceito cabe nas particularidades do
Brasil, se cabem serem aplicadas à nossa realidade.

As propostas para territórios criativos se adaptaram facilmente às políticas culturais e


de urbanismo existentes, sendo condizentes com as perspectivas do urbanismo neoli-
beral e do cosmopolitismo competitivo, que, na visão dos seus críticos, somente repa-
ginam o modelo empreendedor de governança urbana e desenvolvimento voltado para
atrair capitais altamente voláteis e elites profissionais. De acordo com tais críticos o
modelo de cidade criativa, por exemplo, baseia-se em uma falsa ideia de criatividade
e habitabilidade para todos, quando, na verdade, seu uso orienta-se para o desenvol-
vimento voltado para a propriedade e amenidades, de forma que a criatividade é apro-
priada exclusivamente como uma estratégia de desenvolvimento urbano e não como
um direito humano. (JESUS; KAMLOT, 2016, p.81)

Ainda segundo os autores, é a nossa realidade que deve dar os elementos para repensar
e redefinir conceitos sobre cidade criativa de acordo com o que é vivido de fato pela sua popu-
lação. São as características locais e o incentivo à participação popular que precisam ser prio-
rizados ou “podem-se exacerbar as desigualdades já existentes na cidade”. (JESUS; KAMLOT,
2016, p.84)

No Brasil, deve-se levar em conta que a apropriação do projeto pela sociedade civil é
fundamental e que permitir-lhe opinar e participar é a chave, desde a exibição de ma-
quetes físicas ou digitais em locais de grande afluência até a disponibilização do pro-
grama cultural para consulta pública. [...] os grandes projetos podem trazer oportuni-
dade para mapeamento das singularidades do território e o planejamento de indústrias
criativas específicas, o que contribui para a formulação de políticas públicas mais efi-
cientes e eficazes. (JESUS; KAMLOT, 2016, p.86 e 87)
24

É dentro dessa perspectiva que pensar a cidade e o lugar que as pessoas ocupam nela
torna-se uma questão pertinente à reflexão sobre cidadania, pois, para além dos direitos positi-
vados, ou seja, garantidos por legislação, são os meios de como pertencer a essa cidade que se
tornam relevantes e fundamentais para que de fato a participação de todos os sujeitos sociais
aconteça.

3.1.2 Cidadania: pertencimento e participação

Partindo do princípio norteador de pertencimento e participação que Abreu (2008) traz


em sua obra e, sobretudo, superando as ideologias liberais de direitos, é que se faz necessário
refletir sobre a importância de reconhecer e garantir todas as formas de expressão das diferen-
ças. Na obra de Abreu (2008), encontra-se a perspectiva de cidadania que supera a perspectiva
dos direitos e que fala dos meios dos sujeitos participarem e se sentirem pertencentes à vida
social, ou seja, a cidadania é pensada para além de ter direitos garantidos por lei, mas através
dos meios para que esses direitos possam ser acessados. Abreu (2008) defende ainda que, sem
meios para acessar esses direitos garantidos através de legislação, a cidadania vira abstração e
não cidadania de fato.
Nessa perspectiva, para Abreu (2008), a cidadania deve garantir todas as formas das
expressões das diferenças, entendendo que o discurso da igualdade não cabe dentro dessas di-
mensões da riqueza da diversidade e possibilidades das potencialidades humanas 9.
A teoria crítica sobre cidadania apresentada por Abreu (2008) defende a participação
dos indivíduos na sociedade a partir do sentimento de pertencimento desses sujeitos na vida
social. Ele afirma que:
“É necessário pensar a objetivação da cidadania como uma forma condicionada de
participação dos indivíduos, das classes e de outras identidades coletivas no ordena-
mento jurídico-político e cultural, e a própria cidadania objetivada como mediação
superestrutural de um ordenamento social dinâmico, como a moderna sociedade ca-
pitalista.” (ABREU, 2008, p.15)

Sendo assim, é preciso atentar em como se posicionar frente àquilo que parece diferente.
É preciso ter uma visão crítica da diversidade e, conforme afirma Skliar (1998), a diferença não
pode ser uma oposição à deficiência, ela é vista como uma característica. No modelo atual de
cidadania, portanto, a diferença parece perturbar a ordem “natural” das coisas.

9
Abreu (2008) apresenta a concepção de Marshall baseada no principio básico da igualdade, onde a cidadania é
apreendida a partir do reconhecimento jurídico, moral, simbólico e político da inserção do indivíduo na sociedade,
regulada por direitos e deveres instituídos.
25

Entre essas diferenças está a surdez que, como analisa Strobel (2007), no geral nada
mais é do que uma expressão da diversidade humana, mas ela torna-se preconceito, negligência
e “problema social” quando a sociedade não trata esses sujeitos com equidade, quando impõe
uma forma pré-estabelecida de se viver a esses sujeitos, quando não se respeita a diferença,
quando dificulta o acesso a serviços, quando permite que barreiras físicas sejam maiores do que
a potencialidade humana.
Nesse sentido, um conceito que vem sendo amplamente difundido para expressar esse
preconceito e a discriminação em relação à pessoa com deficiência é o de capacitismo. Segundo
Mello (2016) o termo capacitismo, vem do inglês, ableism, e se materializa através de atitudes
preconceituosas que hierarquizam sujeitos em função da adequação de seus corpos a um ideal
de beleza e capacidade funcional. Ainda segundo a autora:

Capacitismo é a discriminação ou violências praticadas contra as pessoas com defici-


ência. É a atitude preconceituosa que hierarquiza as pessoas em função da adequação
de seus corpos a um ideal de beleza e capacidade funcional. Com base no capacitismo,
discriminam-se pessoas com deficiência. Trata-se de uma categoria que define a
forma como pessoas com deficiência são tratadas como incapazes (incapazes de tra-
balhar, de frequentar uma escola de ensino regular, de cursar uma universidade, de
amar, de sentir desejo, de ter relações sexuais etc.). [...] O que se chama de concepção
capacitista está intimamente ligada à corponormatividade que considera determinados
corpos como inferiores, incompletos ou passíveis de reparação/reabilitação quando
situados em relação aos padrões corporais/funcionais hegemônicos. (MELLO, 2016,
www.inclusie.org.br/arquivos/29958)

Portanto, para a autora, é a capacidade de ser e fazer que é reiteradamente negada às


pessoas com deficiência em diversas esferas da vida social. Essa negação acaba com a possibi-
lidade de cidadania dessas pessoas, pois enfatiza-se somente a deficiência enquanto falta/au-
sência e não a pessoa humana.
Com relação às pessoas surdas, Quadros (1997) afirma que durante muito tempo foi
imposto a esses sujeitos a oralização, em uma tentativa de normatizá-los na cultura oralizante,
não respeitando seu processo outro de uma língua visual, sendo esses sujeitos dotados de uma
cultura constituída e pautada na língua de sinais que a todo o momento lhes é negada a possi-
bilidade de intervir na vida social de acordo com as suas potencialidades. Sendo assim, com-
preender sobre a cultura surda, suas características e se apropriar desse conteúdo, bem como
das especificidades da comunidade surda, torna-se fundamental para construção desse trabalho,
sobretudo pela urgente valorização e reconhecimento dessas pessoas enquanto sujeitos sociais
com suas potencialidades para a participação na vida social.
26

3.1.3 Cultura surda

Moura (2000) explica que o desconhecimento sobre determinadas discussões gera o pre-
conceito, a negligência e o convencionalismo. Não é difícil de encontrar ouvintes se referindo
às pessoas surdas como: mudinho, surdinho, surdo-mudo, deficientes auditivos, entre outros
chamamentos inadequados e até grosseiros. Surdinho e mudinho são formas pejorativas que
diminuem o sujeito. Surdo-mudo, uma forma errônea de conhecer tais sujeitos, já que grande
parte dos surdos não é muda, eles simplesmente não falam porque não escutam e a fala é a
representação da escuta. Assim, a forma de se referir é muito simples: surdo. Referência esta
que segundo Moura (2000) está diretamente ligada ao processo da construção da identidade
desses sujeitos.
A história de vida de um surdo representa a história de vida da maioria dos surdos no
mundo.

Nas suas semelhanças e desacertos, reprimidos na sua possibilidade de desenvolvi-


mento como indivíduos proprietários de si mesmos e construtores de sua identidade,
não tendo os mesmos direitos daqueles que nasceram com a audição intacta. É a his-
tória do domínio de um mundo “normal”, que quer impor sua “normalidade” àqueles
que têm uma característica que os diferencia de um dos aspectos desta normalidade:
a audição. (MOURA, 2000, p.9).

Para Moura (2000), a infância do sujeito surdo é marcada por incompreensões e repeti-
ções numa busca incessante da compreensão do mundo ao seu redor. Rostos que riem, conver-
sam, gesticulam de forma incompreensível, sempre que precisam chamá-lo nunca é pelo nome.
Aliás, não sabe qual é esse nome e nem o que é ter nome!
Strobel (2015) afirma que é muito comum surdos se expressarem afirmando que se sen-
tem como “estrangeiros dentro do próprio país”, tentam se comunicar de várias formas, mas
nem sempre obtém êxito. É complicado até mesmo conseguirem informações básicas. Ir a uma
consulta médica, por exemplo, só mesmo com a ajuda de um intérprete ou de alguém da própria
família, isso sem poder ter o mínimo de privacidade.
Segundo Skliar (1998) expõe em sua obra, a surdez é uma diferença na qual se percebe
o mundo pela via visual e por práticas sociais que se estabelecem pela sua forma de linguagem.
Os surdos conformam uma comunidade linguística minoritária, caracterizada por compartir o
uso de uma Língua de Sinais e valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios.
De acordo com Strobel (2015), que é surda e doutora em educação, as perspectivas apre-
sentadas sobre a surdez são excludentes, os sujeitos surdos vivem uma cultura diferente da cul-
tura hegemônica dos ouvintes, essas especificidades se dão principalmente nos aspectos
27

linguísticos, de comportamento, de valores e de atitudes. A autora salienta que a sociedade


ainda se espanta e não reconhece a cultura surda. Ainda é comum que ouvintes acreditem e
façam um discurso baseado na igualdade para garantir os direitos dos surdos, colocando-os
sempre numa posição de submissão numa sociedade dominante e que acredita numa discurso
que inferioriza o surdo a todo o momento. De um modo geral a sociedade ainda tem uma visão
muito equivocada dos sujeitos surdos.
Magnani (2007, p.10) argumenta que “o olhar não treinado não vai além do que o senso
comum registra.” Para o autor, os ouvintes ainda veem os surdos com curiosidade, por vezes
zombam das diferenças existentes, acreditam que os surdos vivem isolados e incomunicáveis.
Não valorizam a diferença existente que, por vezes, é entendida como desigualdade. O autor
faz um relato ao se deparar com sujeitos surdos em uma festa junina na comunidade surda:

Foi uma experiência diferente: entrei na festa e de repente me vi no meio de cerca de


dois mil surdos – eu nunca tinha visto tantos surdos juntos – e ali eu é que era o
estranho! Não falava com eles, não entendia o que diziam, sentia-me caminhando por
uma tribo cuja língua eu não conhecia, cujos costumes me eram alheios. Sequer sabia
qual era a etiqueta: como pedir desculpas na língua de sinais, quando a gente esbarra
em alguém? No início, essa dificuldade causou um certo constrangimento, mas logo
comecei a circular no meio deles e a apreciar outras formas de contato e sociabilidade
que, se eu não podia decodificar através daquela língua, porque eu não a dominava,
podiam ser entendidas por meio de outros códigos. (MAGNANI, 2017, p. 13-14)

Strobel (2015, p.35) apresenta a diferenciação “básica e de supraimportância entre a


comunidade surda e o povo surdo.” Segundo a construção de ideias da autora, o povo surdo é
formado por sujeitos surdos que usam a mesma língua, que têm costumes, história, tradições
comuns e interesses semelhantes. O povo surdo constrói a sua concepção de mundo através do
artefato cultural visual e podem se dividir em vários segmentos como: surdos das zonas rurais,
surdos das zonas urbanas, os surdos índios, as mulheres surdas, os surdos oralizados, os surdos
com implante coclear, e outros. Esses surdos também se identificam com o povo surdo já que
concepção de mundo acontece pelo artefato visual, isto é, os sujeitos surdos podem não habitar
no mesmo local, mas estão ligados por um código de formação visual independente do nível
linguístico.
Já sobre a comunidade surda, Strobel (2015) define como sendo formada não só por
sujeitos surdos; existem também os sujeitos ouvintes, membros da família, intérpretes, profes-
sores, amigos, ou seja, todos que compartilham interesses comuns em uma determinada locali-
zação como associações, federações, igrejas, dentre outros locais.
Em um exemplo para compreender a distinção entre povo e comunidade, Strobel (2015)
explica que o povo surdo queria a oficialização da língua de sinais e, para conseguir esta
28

oficialização, muitas comunidades surdas em todo Brasil reuniram-se e elaboraram uma lei que
beneficiou o povo surdo brasileiro.
De acordo com os estudos de Skliar (2013), as pessoas acreditam que para o sujeito
surdo se integrar na sociedade é preciso adquirir a cultura ouvinte, que os sujeitos surdos só
conseguiriam viver “normalmente” de acordo com a cultura dominante, onde é preciso ouvir e
falar. Na cultura ouvintista 10 prevalece o modelo clínico da surdez, onde o sujeito sem audição
precisa ser corrigido, é visto como defeito/doença que necessita de correção para que se possa
viver na sociedade com cultura hegemônica que privilegia a igualdade dentro de seus padrões
normativos.
O conceito de cultura surda é descrito por Strobel (2015, p.29) como o “jeito do surdo
entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável”, essa ação só será
possível se alinhadas as suas percepções visuais, que contribuem para a definição de identidades
surdas. Nesse processo se abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos das
pessoas surdas.

[...] os sujeitos ouvintes não conhecem ou não compreendem realmente a cultura surda
ou não aceitam a cultura surda? Na realidade, o problema não são os sujeitos surdos,
não são as identidades surdas, nem a língua de sinais e sim as representações estereo-
tipadas e hegemônicas sobre a cultura surda. (STROBEL, 2015, p. 107)

Analisando a obra de Strobel (2015), observa-se que a autora defende sempre uma pers-
pectiva de cultura que está na contramão da cultura hegemônica, sendo assim, entre muitas
concepções de cultura existentes, a partir da obra da autora, chega-se à concepção gramsciana.
A obra de Monasta (2010) traz a concepção de Gramsci sobre cultura, que é entendida
como substância e não apenas como forma de representação, ou seja, como um processo de
formação que corresponde a um modo de vida que tem a sua afirmação societária na luta entre
os diversos projetos políticos que visam à direção da sociedade. Para Gramsci (2002a), toda a
cultura supõe também um desenvolvimento linguístico que lhe dê expressão e forma articulada.
Isto significa dizer que sem uma linguagem comum que expresse os elementos intelectuais e
morais de convergência e de conflitualidade das relações dos homens entre si e com a totalidade
da vida social, não seria possível a constituição pelos homens das múltiplas identidades, dife-
renças e antagonismos sociais.

10
Ouvintista, segundo Skliar (1998, p.54), “é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o
surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”.
29

Se é verdade que toda linguagem contém os elementos de uma concepção do mundo


e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da linguagem de cada um, é
possível julgar a maior ou menor complexidade da sua concepção do mundo.
(GRAMSCI, 2002a, v.1, p.95)

Gramsci (2002b) defende uma ideia de cultura ampla, que se faz através do processo em
que se discutem e se investigam os problemas, onde se permitem a participação e a escuta de
todos, onde uma alternativa societária é gestada e assumida como projeto de uma coletividade.
Para o autor, a compreensão de cultura é entendida como elemento de crítica e de organização
para um novo modo de viver, de pensar e de agir. Ele procura mostrar a importância de construir
uma nova cultura que não seja privilégio de grupos intelectuais, mas criação comum, onde a
cultura se apresenta como saber que se reproduz na relação com a ação, o pensar que cria e tem
a possibilidade de transformar.
Gramsci demarca em toda a sua obra, a abordagem contra hegemônica dos estudos cul-
turais, para ele a cultura é vista a partir do popular e como resistência à cultura dominante, é
um caminho possível para a transformação social e mudanças de valores hegemônicos.
Em sua obra “Cadernos do Cárcere v.6”, Gramsci (2002b) fala do folclore como exem-
plo da cultura popular, ele é o viés de compreensão e concepção do mundo da classe subalterna.
Essa concepção do mundo se acha em contraposição às concepções de mundo oficiais difundido
pela classe hegemônica, ou seja, é na capacidade de materializar o modo de viver e de se ex-
pressar que as classes subalternas demostram capacidade de ação e resistência, ante a imposição
da classe dominante.
Portanto, o embasamento teórico de Gramsci é um importante complemento para pensar
a participação das pessoas surdas na sociedade. É através da sua compreensão de mundo pela
sua própria língua que esses sujeitos poderão sentir-se pertencentes e participantes da vida so-
cial. Gramsci (2002b, p.141) sobre seu conceito de cultura, afirma “[...] conhecer-te a ti mesmo
significa ser si mesmo”. Para o autor, portanto, cultura envolve a organização do próprio eu,
apropriação da própria personalidade e conquista da consciência superior, pois, somente dessa
maneira, o sujeito começa a compreender seu valor histórico, sua função na vida, seus meios
de possibilidade de participação e sentimento de pertencimento.

3.1.4 Língua Brasileira de Sinais (Libras)

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a “língua mãe” dos surdos brasileiros, é uma
língua de modalidade visual gestual, articulada através das mãos e das expressões faciais e cor-
porais. Composta, assim como as línguas orais, de elementos de níveis estruturais,
30

morfológicos, semânticos e sintáticos. Sendo assim, é reconhecida como língua e não como
linguagem. Esta oficialização da Libras enquanto língua ocorreu aqui no Brasil, em 2002, atra-
vés da Lei n° 10.436.
Segundo Moura (2000), a Libras é um instrumento decisivo na construção da consciên-
cia do surdo e suas formas de se apropriar do mundo e de suas próprias potencialidades. A
Libras permite tanto a auto identificação, quanto a identificação de seu pertencimento e parti-
cipação na vida social, sendo assim um instrumento concreto para a efetivação do real processo
de cidadania que vai muito além dos direitos garantidos por lei. O sinalizar das mãos, a cultura
e a educação específica são símbolos que contribuem em demasia para o sujeito possuidor de
uma identidade surda.
Rocha (2001) deixa claro que a simples aceitação, por órgãos oficiais ou por instituições,
de que a língua de sinais é importante para os surdos dificilmente gera consequências políticas,
reproduzindo muitas vezes apenas normas já postas, resultando numa espécie de normalização
dos sujeitos.
Cabe aqui refletir sobre a perspectiva da análise de Skliar (2013) de que a língua de
sinais mostra claramente o poder do ser humano de superação de obstáculos. A Libras supera o
obstáculo da surdez – o obstáculo natural, mas infelizmente não supera as barreiras sociais; ela
é condição necessária, mas não suficiente.
Deve-se deixar registrado que alguns estudiosos, como Skliar (1998), Moura (2001) e
Strobel (2015), realizam pesquisa sobre a língua de sinais afirmando que a mesma não significa
apenas uma forma de comunicação utilizada pelos surdos, mas é a construção do próprio mundo
do surdo. Moura (2000) afirma que a identidade vai se afirmando nas relações comunicativas
tanto entre o sujeito como na formação dos discursos únicos de cada um. A autora continua sua
análise afirmando que a Libras é uma forma de apreensão do mundo e suas contradições, que
através dessa língua é que existe a possibilidade do surdo assumir uma posição discursiva, que
não se reduz a simples reprodução, mas que permite interferir, modificar, produzir e criar o
novo e se enxergar como autônomo, capaz de agir e intervir na sociedade.

3.2 Museus e acessibilidade

Os museus são importantes equipamentos culturais das cidades e estão em constante


movimento. São espaços que “já não são casas que guardam marcas do passado, são territórios
muito mais complexos, são práticas sociais que se desenvolvem no presente e que estão
31

envolvidas com criação, comunicação, afirmação de identidades e manifestações culturais”


(NASCIMENTO JÚNIOR; CHAGAS, 2006, p.12). Sendo assim, percebe-se que os museus
estão ocupando um novo lugar na vida social brasileira, por conseguinte um novo lugar na
política cultural.

O conceito de inclusão, que passa a ser debatido a partir da década de oitenta do século
XX, trazendo uma nova perspectiva para se pensar a acessibilidade, é também um ponto de
atenção especial para o debate, uma vez que exigirá uma gestão museológica especifica de
aproximação e promoção de todo seu público.

3.2.1 A função social dos museus

Numa síntese breve sobre os museus, Almeida (2013, p.27) descreve que no fim da
década de 1940 vivia-se “o limiar de uma era iniciada ainda no Renascimento, com os Gabinetes
de Curiosidade”, onde os fatos eram abordados com seus personagens excepcionais. Existia
ainda a valorização dos critérios estéticos e de raridade na formação das coleções; predominava
a ideia de que os museus deveriam educar o povo para prepará-lo para o progresso; a história
era apresentada pela elite e pelo Estado. Já a década de 1970, foi marcada por uma renovação
ampla na atuação dos museus. Nessa perspectiva, os museus começavam a lidar com a totali-
dade dos problemas da sociedade e com a inclusão da diversidade e das expressões culturais,
perspectiva que seria ainda mais difundida com a Mesa Redonda de Santiago do Chile, em
1972. 11
Julião (2006) afirma que a realização da Mesa Redonda de Santiago do Chile foi funda-
mental para contribuir com novas práticas e orientações para as atuações dos museus.

Novas práticas e teorias sinalizam a função social do museu, se contrapondo a muse-


ologia tradicional que elege o acervo como um valor em si mesmo e administra o
patrimônio na perspectiva de uma conservação que se processa independente do seu
uso social. Tratava-se de redefinir o papel do museu tendo como objetivo maior o
público usuário, imprimindo-lhe uma função crítica e transformadora na sociedade.
(JULIÃO, 2006, p.25)

Segundo a autora, os museus passariam a se converter em espaços de reflexão e debate,


onde se ajustariam aos interesses e às demandas reais da comunidade e deixaria de ser um lugar
consagrado ao saber dogmático (JULIÃO, 2006).

11
Promovido pela UNESCO, o evento constituiu um marco histórico no processo de renovação da museologia.
32

Almeida (2013) argumenta que, na década seguinte, uma explosão de ideias deu início
ao que se chamou de Nova Museologia, na qual, de acordo com o autor, o museu rompia defi-
nitivamente “com a imagem de um local dedicado apenas ao abrigo e à conservação de cole-
ções” (ALMEIDA, 2013, p. 27). O museu começava então a extrapolar seus muros e a deslocar
seu interesse para o sujeito e a sociedade a qual ele pertence, iniciava-se o processo de valori-
zação da cultura não só como forma erudita, mas como forma de mostrar a trajetória humana e
a contínua transformação da realidade.
Para Julião (2006) é nesse cenário de adequação à realidade que os museus deveriam
desenvolver uma reflexão sobre a sua própria história, onde num mundo contemporâneo a me-
mória não é mera repetição ou conservação do passado, mas é aquela que se coloca a serviço
da transformação e da emancipação. A instituição museológica é um espaço que deve firmar o
compromisso com a ampliação da cidadania, não só entendida como direitos reconhecidos pelo
Estado, mas também como práticas sociais que dão sentido de pertencimento.
Nascimento Júnior (2009) afirma ser necessário compreender os museus “para além dos
seus aspectos institucionais” os museus devem estar disponíveis para todas as pessoas que quei-
ram se apropriar de uma construção social da memória de uma forma inclusiva. Para o autor,
os museus devem ser pensados como “inventário da diversidade cultural”. Os museus precisam
ser pensados como ferramenta, tecnologia social e instrumento a serviço da emancipação social,
pois, somente assim, serão capazes de uma “ruptura epistemológica e política com as práticas
e o imaginário sobre museus, até aqui hegemônico” (NASCIMENTO JÙNIOR, 2009, p.159).
Cabe salientar que, em 2015, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ci-
ência e a Cultura (UNESCO) lançou em Paris, a “Recomendação referente à proteção dos mu-
seus e coleções, sua diversidade e seu papel na sociedade”, documento no qual existe um tópico
que aborda especificamente sobre a função social dos museus em três itens. 12
Sobre a formulação de políticas nacionais ou regionais para museus, Nascimento Júnior
(2009) diz ser estratégico que se pense os museus como agentes de mudança social e desenvol-
vimento, são essas políticas que colocam os museus como difusores dos valores democráticos.
A participação não pode ser apenas uma defesa institucional, ela precisa ser a prática do cotidi-
ano, esse pode ser um sentido buscado na função social dos museus como uma forma de eman-
cipação social.
Os museus tradicionais têm, ao longo do tempo, utilizado o passado para legitimar
grupos sociais restritos, em que a maioria da população não se vê nesse tipo de museu.
O museu, instrumento de emancipação social, e cuja narrativa, discurso/escrita,

12
Em anexo o documento encontra-se na integra.
33

expressa-se na primeira pessoa, é uma instituição de alteridade, de reconhecimento e


de busca de visibilidade. (NASCIMENTO JÚNIOR, 2009, p.161)

Portanto, para Nascimento Júnior (2009), o desafio para os museus na contemporanei-


dade é pensá-los como lugar de direito e cidadania, como um lugar de inclusão cultural, de
resistência e como combate a todos os tipos de preconceitos, garantindo a expressão de dife-
rentes vozes. Para o autor, “o campo museal é campo de tensão, e, por isso mesmo, nele há
espaço para múltiplas e diferentes práticas, abordagens e enfoques” (NASCIMENTOJÚNIOR,
2009, p.162), o que faz refletir sobre a importância do plano museológico na gestão dos museus.

3.2.2 Plano museológico

Almeida (2013) descreve que o plano museológico foi um marco na gestão museal no
Brasil, ele surge a partir de uma determinação do Estatuto de Museus (Lei nº 11.904, de 14 de
janeiro de 2009). O artigo 44 explicita que os museus brasileiros elaborem e implementem um
plano museológico, que pode ser uma decorrência do plano diretor aplicado especificamente a
museus.
Como condição à implementação do plano museológico, Almeida (2013) afirma ser ne-
cessário um criterioso conhecimento da instituição para a qual se destina e expõe duas condi-
ções indispensáveis nessa análise: a definição da missão e um detalhado diagnóstico.

Planejar passou a ser, portanto, palavra-chave num ambiente onde essa tradição ainda
era bastante incipiente. Os gestores e demais responsáveis pela condução das ativida-
des de trabalho dos museus, de uma forma geral, pouca afinidade tinham com expres-
sões como metas estratégicas, indicadores de desempenho, diagnósticos de situação,
dentre outras. No entanto, a dimensão pública e social dos museus no século XXI,
além das determinações contidas no Estatuto de Museus, devem se impor sobre anti-
gas tradições administrativas e determinar uma transformação de comportamento dos
profissionais que atuam em museus. (ALMEIDA, 2013, p.32)

Assim é que se pode refletir sobre a importância de uma gestão que leve em considera-
ção a criação de um plano museológico que, como afirmam Nascimento Júnior e Chagas (2006,
p.14), compreendam o museu como “pontes de cultura, portas que se abrem e fecham para
diferentes mundos são espaços de convivência entre os diferentes”, justificando assim, a rele-
vância de se refletir sobre acessibilidade em museus.
34

3.2.3 Acessibilidades em museus

A acessibilidade aos museus é um tema de interesse para todos que compõem esse uni-
verso. Considerando o território nacional, a acessibilidade está prevista em legislações especí-
ficas, normas, declarações recomendações e tratados internacionais. Peça legislativa fundamen-
tal é o Estatuto de Museus, Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Porém, é necessário que se
entenda como se chegou até aquela lei.
Viveu-se na humanidade quatro períodos distintos na história da inserção social da pes-
soa com alguma deficiência: a separação, a proteção, a emancipação e a integração. Atualmente,
estamos no desenvolvimento de um quinto período chamado de inclusão. (MARTINS, 2013).
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), elevados números de pessoas retornaram
para suas vidas com alguma deficiência decorrente desse período. A partir dessa fase, a defici-
ência passou a ser uma realidade para a população europeia (SARRAF, 2008). Os soldados
adquiriam deficiências de todos os tipos: visuais, físicas, auditivas, doenças mentais, todas elas
como resultado dos confrontos estabelecidos. Foi nesse período que, segundo Serraf (2008),
surgem as primeiras manifestações sociais em defesa do direito desses indivíduos. A integração
social aparece como resultado dessa defesa e nesse movimento prevalece o modelo médico da
deficiência, onde as pessoas eram encaradas como doentes, incapazes e sem condições de exer-
cer tarefas sem ajuda de terceiros (MARTINS, 2013). Sendo assim, nesse modelo, era o indiví-
duo quem precisava se adaptar de modo a realizar as tarefas impostas pela sociedade.
Foi a partir dos anos 1980 que a inclusão substituiu a integração e prevalece até os dias
atuais. Segundo Sarraf (2008, p.13), “o movimento que continua militante na sociedade, de-
fende parâmetros de dignidade para pessoas com deficiência, lutando pela equiparação de opor-
tunidades.” Ainda de acordo com a autora, o movimento de inclusão social foi liderado por
pessoas com deficiência em várias partes do mundo e vem sendo considerado um dos mais
ativos e militantes. Foi graças a esse movimento que muitas conquistas políticas em relação aos
direitos das pessoas com deficiência foram alcançadas.
De acordo com Martins (2013), o movimento de inclusão traz luz para o debate do mo-
delo social da deficiência, onde em contraposição ao modelo médico, defende que não são as
condições físicas e mentais que incapacitam, mas as barreiras sociais impostas pelo sistema.
Sendo essas barreiras elementos “que previnem a participação igualitária na vida da comuni-
dade” (MARTINS, 2013, p.2).
Levando em consideração esses aspectos, Martins (2013) salienta que:
35

É a Declaração de Madrid intitulada “Não discriminação mais ação positiva igual a


inclusão social”, elaborada no Congresso Europeu sobre Deficiência em 2002, que
reconhece que a lei não é suficiente para alterar as atitudes em torno da pessoa com
deficiência, mas sim a ação de toda a população, e reconhece o envolvimento dos
representantes e associações de pessoas com deficiência e dos representantes locais
(entre os quais museus) como fundamentais ao processo de inclusão e no combate às
práticas discriminatórias. (MARTINS, 2013, p.3)

Sendo assim, ao abordar a deficiência a partir do modelo social, a definição de acessi-


bilidade também sofre impactos. A projeção da acessibilidade no ambiente dos museus depen-
derá diretamente dessa nova abordagem, pois segundo Martins, (2013, p.5) “políticas de inclu-
são irão gerar alterações ao conceito de acessibilidade”. A autora defende ainda que essa nova
definição levará à criação de novas relações entre museus e públicos que irão requerer novas
práticas museais com o objetivo de responder aos novos desafios.

Figura 2 - Conceito de Acessibilidade em Museus

Fonte: Martins, 2013.

Como pode-se perceber, dentro dessa perspectiva a acessibilidade também tem o poten-
cial de beneficiar todos os públicos que frequentam os museus, pois devem ser espaços que
respeitam a diversidade e proporcionam o acolhimento. De acordo com Sarraf (2008, p.15),
esses espaços “oferecem recursos para facilitar a permanência em suas dependências, que pro-
porcionam maneiras facilitadas de acessar a informação e conteúdos tornam-se mais atrativos
para todos os frequentadores.”. Sendo assim, uma instituição cultural que realmente tenha de-
sejo de ser acessível deve garantir a autonomia do indivíduo em todos os seus serviços.
36

No Brasil, uma importante conquista é o Estatuto de Museus, Lei nº 11.904, de 14 de


janeiro de 2009. O Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) é criado a partir desse momento
como uma autarquia do Ministério da Cultura. Sua criação constitui um importante marco para
atender à legislação vigente e consequentemente permitir a interação de todas as pessoas com
o meio físico dos museus. O IBRAM incluiu em seus Planos de Ação ações específicas à aces-
sibilidade e assumiu sua responsabilidade para a inclusão dos mais diferentes públicos. (NAS-
CIMENTO JÚNIOR, 2012)
Chalhub, Benchimol, Rocha (2015) afirmam que a criação do IBRAM levou ao estabe-
lecimento de diretrizes nacionais para a garantia de acessibilidade de diferentes grupos, através
de seu compromisso com a democratização da cultura. Os autores levantam ainda que somente
a partir de 2004 foi regulamentada a Lei nº 10.098, de 2000, sobre promoção de acessibilidade.
O decreto nº 5.296, de 2004 é um significativo avanço nas políticas de acessibilidade. Em seu
artigo 6º, parágrafo III, por exemplo, o referido decreto prevê:

Serviços de atendimento para pessoas com deficiência auditiva, prestado por intérpre-
tes ou pessoas capacitadas em Língua Brasileira de Sinais – Libras e no trato com
aquelas que não se comunicam em Libras, e para pessoas surdocegas, prestado por
guias intérpretes ou pessoas capacitadas neste tipo de atendimento.

Chalhub, Benchimol, Rocha (2015) acreditam que podemos compreender que no Brasil
muito já se avançou com relação à acessibilidade. Porém, defendem que a principal fragilidade
ainda resida na ausência de uma política interna integrativa das ações de acessibilidade e inclu-
são dos próprios museus.
37

4 PERCUSSO METODOLÓGICO

Este capítulo descreve os princípios metodológicos adotados para a realização deste tra-
balho, bem como os procedimentos escolhidos para a coleta e a análise dos dados. Um trajeto
foi sendo traçado com escolhas que culminaram na apresentação dos resultados que serão de-
mostrados através da estratégia de estudo de caso. O percurso metodológico foi sendo pensado
e repensado ao longo do processo, ajustado à medida que a pesquisa foi se desenvolvendo. A
partir realização da primeira entrevista, feita com um especialista brasileiro na área de museus,
percebeu-se que mais significativo do que pesquisar ausências de acessibilidade que impediam
o pertencimento e a participação de pessoas surdas em espaços públicos ligados à arte e à edu-
cação, como os museus da cidade do Rio de Janeiro, era estudar um museu em particular que,
descobriu-se nas pesquisas iniciais, realiza ações específicas para a comunidade surda, que par-
ticipa efetivamente das atividades desenvolvidas pelo Museu de Arte do Rio.
Primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica na qual foi levantado e analisado
material bibliográfico relativo aos temas cidade, cidadania, cultura surda, Libras, museus e
acessibilidade. Esses temas compõem o referencial teórico apresentado no capítulo 3 desta dis-
sertação.
Foi realizada também uma pesquisa documental para o mapeamento dos museus do Rio
de Janeiro. Os dados e as informações foram levantados no site do Instituto Brasileiro de Mu-
seus (IBRAM) e nas próprias páginas da internet de todos os museus listados. Chegou-se, assim,
ao número de 73 museus instalados na cidade do Rio de Janeiro. As informações foram orga-
nizadas em uma planilha de Excel e, a partir desta, foi construído um quadro que mostra várias
características desses museus, tais como: localização, temática, ano de abertura e acessibilidade.
Foi a partir da montagem e análise deste quadro que se descobriu que apenas 4 museus da
cidade apresentavam alguma acessibilidade para pessoas surdas. Porém, não eram descritas as
informações de quais ações especificamente eram realizadas nos museus e somente o Museu
de Arte do Rio apresentou um item que chamou a atenção: “educador com especificidade em
Libras”.
No modelo de pesquisa qualitativa 13 concretizado para esse trabalho, foi realizada uma
entrevista semiaberta, com uso de roteiro de questões semiestruturadas (DUARTE, 2006), com

13
“Quando a finalidade é explicar ou descrever um evento ou uma situação, a abordagem adotada deve ser a
qualitativa [...] O enfoque qualitativo apresenta as seguintes características: o pesquisador é o instrumento-chave,
o ambiente é a fonte direta de dados, não requer o uso de técnicas e métodos estatísticos, tem caráter descritivo, o
resultado não é o foco da abordagem, mas sim o processo e seu significado, ou seja, o principal objetivo é a
interpretação do fenômeno objeto de estudo.” (FREITAS, JABBOUR, 2011, p, 9)
38

o especialista na área de memória, museologia e patrimônio cultural, coordenador da Política


Nacional de Museus no período 2003-2013 e presidente do IBRAM no período 2009-2013.
José do Nascimento Júnior participou ativamente na construção da política museológica no
país. A entrevista com esse especialista foi de extrema contribuição para redefinir o trajeto deste
trabalho e para consolidar a escolha do Museu de Arte do Rio como foco principal das investi-
gações.
Durante o levantamento de dados e coleta de material para esse trabalho, o Museu de
Arte do Rio (MAR) foi identificado como o museu que apresentava variadas e significativas
ações específicas voltadas exclusivamente para o público de pessoas surdas e seu direito lin-
guístico. A primeira informação apareceu na tabela criada com os 73 museus do Rio e, em
seguida, na palestra intitulada “Panorama da acessibilidade em Libras nos museus do Rio de
Janeiro: a visão de um educador”, ministrada no II Fórum de Tradução e Interpretação de Libras
realizada na UFRJ, em maio de 2019. Thyago Corrêa, que ocupa a função de educador de pro-
jetos do MAR, apresentou as ações desenvolvidas pelo museu, especificamente para a comuni-
dade surda e para a garantia do direito linguístico do povo surdo. Na ocasião, a autora desta
dissertação teve a oportunidade de levantar algumas questões para o palestrante e perceber que
o trabalho desenvolvido pelo MAR apontava para uma direção de construção de pertencimento
e participação da comunidade surda bem mais completa que qualquer outro museu analisado
até aquele momento através da tabela e das pesquisas em sites dos museus.
Por essas questões, o Museu de Arte do Rio passou a ser o museu foco de análise e o
método de pesquisa escolhido foi o estudo de caso, a fim de analisar as atividades desenvolvidas
pelo MAR que poderiam gerar a participação e, consequente, o pertencimento da comunidade
surda nesse espaço público da cidade. Essa escolha diz respeito também a uma questão teórica
da pesquisa, uma vez que quando se tem em mente os conceitos de cidade criativa utilizados
no referencial teórico lembra-se da centralidade da ideia de uso dos espaços públicos da cidade
por parte da população. Assim, trata-se de poder pensar a cidade a partir da possibilidade de
inserção, do acesso e da participação da população em um equipamento cultural.
Sendo assim, o estudo de caso como estratégia para o desenvolvimento da pesquisa
junto ao MAR, foi escolhida para o desenvolvimento da investigação empírica. Freitas e Jabour
(2011) afirmam que o estudo de caso deve ser sustentado por um referencial teórico, que orienta
as questões e proposições do estudo, devem reunir uma gama de informações obtidas por evi-
dências e técnicas de levantamento de dados diversas.
Segundo Yin (2005), “Como estratégia de pesquisa, utiliza-se o estudo de caso em mui-
tas situações, para contribuir com o conhecimento que temos dos fenômenos individuais,
39

organizacionais, sociais, políticos e de grupo, além de outros fenômenos relacionados.” (YIN,


2005, p.20). Ainda para o autor, é do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos
que surge a necessidade dos estudos de casos.

Em outras palavras, o estudo de caso como estratégia de pesquisa compreende um


método que abrange tudo – tratando da lógica de planejamento, das técnicas de coleta
de dados e das abordagens específicas à análise dos mesmos. Nesse sentido, o estudo
de caso não é nem uma tática para a coleta de dados nem meramente uma caracterís-
tica do planejamento em si (Stoecker, 1991), mas uma estratégia de pesquisa abran-
gente. (YIN, 2005, p.33)

Portanto, para esse estudo de caso do MAR, foram utilizadas as evidências classificadas
por Yin (2005) em seis fontes distintas: documentos, registros em arquivos, entrevistas, obser-
vação direta, observação participante e artefatos físicos. Para o autor, quando incorporados es-
ses princípios, aumenta-se substancialmente a qualidade do estudo.
Sendo assim, foi realizada uma observação direta inicial do espaço, com anotações ge-
rais em um diário de campo, além de algumas abordagens (entrevistas informais) ao público
presente no local. Esses registros das duas primeiras visitas, sem que ainda tivesse me identifi-
cado como pesquisadora, ajudavam a construir a percepção do espaço e seu entorno.
Em uma conversa informal com o educador de projetos Thyago Corrêa, foi possível
definir um roteiro de visitas e entrevistas. Conversou-se sobre a possibilidade de acesso a ma-
terial e documentos, além de ter sido elaborado uma primeira versão de um roteiro do histórico
de participação dos surdos no MAR. Nessa conversa foi definido que Thyago seria a pessoa
mais indicada para a realização da entrevista, já que foi ele quem acompanhou desde o início,
em 2015, o processo da chegada da comunidade surda no MAR. Além disso, ele também havia
finalizado recentemente um artigo como requisito para sua formação de especialista em Aces-
sibilidade Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com o tema: “O MAR em Lín-
gua Brasileira de Sinais (Libras)”.
Foi realizada também uma observação direta de um grupo de pessoas surdas, estudantes
do curso de Letras/Libas da UFRJ, em uma visita guiada com a educadora surda do museu.
Ressalto aqui, que neste dia, estava fazendo uma observação pelo museu quando encontrei o
grupo já na visita sendo realizada. Não me identifiquei, apenas fiz registro no diário de campo
e tirei algumas fotos e fiz vídeos para documentar o momento.
Em setembro de 2019, aconteceu o IV Fórum Sobre Cultura Surda do MAR. Nesse dia,
realizei a observação participante e pude colher alguns registros com gravação de áudio e vídeo
e com fotografias, além de realizar algumas entrevistas informais com intérpretes de Libras
40

presentes no Fórum, além de surdos que vêm participando de todas as edições do Fórum e das
ações promovidas pelo museu.
Antes de prosseguir com a descrição do percurso metodológico e do trabalho de campo,
cabe aqui uma observação significativa. Como pesquisadora deste trabalho, conforme apresen-
tado na introdução, sou uma profissional Tradutora/Intérprete de Língua Brasileira de Sinais há
mais de 15 anos. Nesse período, venho me dedicando à área de tradução e interpretação, bem
como a pesquisas sobre o pertencimento e a participação dos sujeitos surdos na sociedade e a
valorização e divulgação da Libras, além de ministrar aulas sobre o tema. Durante todo o pro-
cesso da pesquisa, seja nas entrevistas informais realizadas, na observação direta, na observação
participante, na análise de vídeos em Libras, ou qualquer outro cenário que fosse preciso o
conhecimento prévio da Língua Brasileira de Sinais, não foi necessário a utilização de um pro-
fissional tradutor intérprete, já que tenho o domínio da Libras. Essa ressalva é pertinente, pois
a todo o momento pude estar atenta às informações coletadas sem intervenção de terceiros e até
mesmo sem que pudesse passar alguma informação relevante que não foi compreendida, já que
a proficiência da Libras era de meu domínio e abordar os usuários dessa língua podia acontecer
de forma imediata. Sem dúvidas, esse conhecimento prévio da Língua Brasileira de Sinais, foi
um diferencial que muito contribuiu para as análises realizadas.
Sendo assim, em um dia de visita ao Museu de Arte do Rio, também foi realizada uma
conversa informal com um professor surdo que estava no MAR para uma palestra na semana
do orgulho surdo em setembro de 2019. Neste dia, algumas ações aconteciam concomitante-
mente na cidade, já que era o Dia Nacional do Surdo (26 de setembro) e diversas associações,
inclusive o próprio Instituto Nacional de Surdos, também comemoravam a data.
No dia 29 de setembro de 2019, aconteceu o evento intitulado: “Dia do Orgulho Surdo
no MAR”, em comemoração ao Dia Nacional do Surdo. Nessa ocasião foi realizada uma ob-
servação participante, que incluiu conversa informal com participantes do evento, fossem eles
surdos ou ouvintes. Como parte das atividades planejadas para esse dia aconteceu a “Caminhada
do Orgulho Surdo”, percurso que aconteceu na área externa do MAR, no Boulevard Olímpico
do Porto Maravilha, com posterior ocupação do pilotis do museu para a continuação da progra-
mação, que contou ainda com uma visita educativa à exposição “Rio de Navegantes”, mediada
em Libras pela educadora surda e por uma estagiária também surda do MAR. Em seguida, de
volta ao pilotis, ocorreu uma programação elaborada pelo Centro de Integração de Artes e Cul-
tura Surda (CIACS) que contou com apresentação de poesias, piadas e teatro em Libras e uma
oficina de dança com professores surdos. A coleta de dados foi realizada por meio de fotos,
41

vídeos e, posteriormente, o relato do vivenciado naquele dia foi registrado no diário de campo
da pesquisadora.

Figura 3 – Dia do Orgulho Surdo 2019: Ocupação do Pilotis do MAR

Fonte: Registro fotográfico da autora

Figura 4 – Encerramento das atividades do Dia do Orgulho Surdo no MAR em Setembro de 2019

Fonte: Registro fotográfico da autora

Como já sinalizado, também foi realizada uma entrevista semiestruturada com o Thyago
Corrêa, educador de projetos do MAR. Essa entrevista foi muito significativa para entender
todo o processo histórico da chegada da comunidade surda no museu, em 2015, através da
exposição “Por Contato”, e os acontecimentos que se seguiram e que permitiram a participação
e o protagonismo dos sujeitos surdos nas ações desenvolvidas pelo MAR, assim como as de-
mandas que chegavam através do Fórum Sobre Cultura Surda do MAR. Todo esse processo
será relatado em detalhes no capítulo seguinte destinado as análises.
42

O levantamento de documentos e arquivos do museu, que pudesse contribuir para a aná-


lise dessa pesquisa, foi uma etapa que trouxe muitos elementos importantes. O Plano Museoló-
gico do MAR, por exemplo, não está público e esse documento é fundamental para a construção
da análise das diretrizes do museu. Também foram levantadas as atas dos três Fóruns de Cultura
Surda do Mar que ocorreram em 2016, 2017 e 2018, de onde saíram as propostas da própria
comunidade surda para as ações que aconteceriam no ano seguinte, além de realizar uma devo-
lutiva do que foi efetivamente realizado. Ou seja, esses documentos são a sistematização dos
debates, ideias e interesses mapeados nos Fóruns pela própria comunidade surda em conjunto
com a coordenação de projetos do MAR. Outro documento que pude ter acesso foi ao artigo
escrito pelo próprio Thyago Corrêa, realizado para a conclusão de sua especialização em Aces-
sibilidade Cultural, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse artigo faz um
levantamento histórico da chegada da comunidade surda ao Museu de Arte do Rio através da
exposição “Por Contato”, no ano de 2015, e as ações posteriores que foram geradas coletiva-
mente dando os sujeitos surdos o protagonismo das propostas das ações que seriam realizadas
no MAR.
Por fim, foi realizado um levantamento de matérias jornalísticas na internet que falavam
sobre a crise que o Museu de Arte do Rio enfrentou durante vários meses do ano de 2019. Crise
que envolveu a falta de repasses financeiros da Prefeitura do Rio de Janeiro para o Instituto
Odeon, OS gestora do MAR. A necessidade de realizar essa pesquisa aconteceu, pois durante
todo o período que o trabalho de campo desta pesquisa estava acontecendo, surgiam elementos
sobre o momento de crise enfrentado pelo MAR. Inclusive, impactando diretamente no crono-
grama inicial que tinha se estabelecido para o período de levantamento de dados dentro do
museu. Na entrevista realizada com o educador Thyago Corrêa, esse assunto também apareceu
e as incertezas do que aconteceria ao museu foi muito impactante. Cabe ressaltar que no dia
que a entrevista foi realizada, todos os funcionários do MAR estavam de aviso prévio. Convém
enfatizar aqui que o período de trabalho de campo no Museu de Arte do Rio para a coleta de
dados aqui apresentados ocorreu entre os meses de agosto a dezembro de 2019.
Sendo assim, a fim de garantir uma melhor visualização da utilização das seis fontes de
evidências citadas por Yin (2005) como princípios na investigação de um estudo de caso que
elevam substancialmente a qualidade desse estudo. Foi construído um quadro que demonstra
como elas foram utilizadas nesse estudo e apresentadas no decorrer deste capítulo de percurso
metodológico.
43

Quadro 1: Fontes de Evidências x Coletas realizadas

Fonte de Evidências Coletas realizadas neste estudo


Documentação • Pesquisa bibliográfica para o referencial teórico.
• Plano Museológico do MAR.
• Ata dos Fóruns Sobre Cultura Surda do MAR.
• Artigo “O MAR em língua brasileira de sinais (Libras)”.
Material do educador de projetos do MAR Thyago Cor-
rêa.

Registro em arquivos • Quadro desenvolvido pela pesquisadora deste trabalho


com os 73 museus da cidade do Rio de Janeiro com in-
formações sobre localização, temática, ano de abertura e
acessibilidade.
• Registros pessoais feitos com celular como fotografias,
vídeos, gravação das entrevistas.
• Diário de campo com as informações coletadas.
Entrevistas • Entrevistas semiestruturadas com o José do Nascimento
Júnior e Thyago Corrêa.
• Entrevistas informais utilizadas como registros de campo
com surdos e ouvintes que estiveram no MAR no período
de coleta de material in loco.
Observações diretas • Aos espaços do museu no período inicial do estudo.
• Em uma visita guiada com educadora surda do museu
com um grupo de surdos estudantes da UFRJ.
Observação participante • No “Dia do Orgulho Surdo no MAR” que contou também
com a “Caminhada do Orgulho Surdo” no entorno do mu-
seu.
• No IV Fórum Sobre Cultura Surda do MAR
Artefatos Físicos • Observou-se a existência, na área próximo a bilheteria, de
uma TV com informações sobre o MAR que são sinali-
zadas por uma surda.
• Foi percebido o uso de QR Code em algumas obras de
exposições com informações em libras.
• Existência de uma educadora e uma estagiária surda com
fluência em libras contratadas pelo MAR.
Fonte: Elaborado pela autora com base em YIN (2005), 2020.
44

5 O MAR E AS POSSIBILIDADES REAIS DE PERTENCIMENTO E PARTICIPA-


ÇÃO DO POVO SURDO

Este capítulo refere-se à análise dos dados coletados durante o processo de pesquisa
desta dissertação, com o intuído de compreender como os temas cidadania, cidade criativa e
acessibilidade se relacionam e, sobretudo, de demostrar como o Museu de Arte do Rio coloca
em prática ações que garantem a participação e, consequente, o pertencimento dos sujeitos sur-
dos em um espaço público da cidade, garantindo seu direito linguístico. Um espaço que de-
monstrou concretizar políticas de inclusão, onde a arte-educação se constitui de fato em um
meio de efetivação da cidadania em que o foco nos saberes e fazeres de forma coletiva é fun-
damental para consolidação desse processo.
O primeiro levantamento realizado gerou um mapeamento de todos os museus do Rio
de Janeiro. Os dados e as informações geradas foram retirados do site do Instituto Brasileiro de
Museus (IBRAM) e também do próprio site de cada um dos museus que foram listados, com a
finalidade de confirmar a atualizar os dados disponíveis no site do IBRAM. O Quadro Museus
do Rio de Janeiro, que encontra-se no Apêndice B, apresenta o total de 73 museus da cidade do
Rio de Janeiro e algumas relevantes informações para a análise como: localização, status do
museu, ano de abertura, acessibilidade e qual o tipo de acessibilidade é realizada. Nessa pes-
quisa evidenciou-se 4 museus que declararam acessibilidade para pessoas surdas e somente o
Museu de Arte do Rio apresentou a informação de possuir “Educador com especificidade em
Libras”. Sem dúvidas, essa informação única do MAR, que apareceu na coleta de dados para a
elaboração da planilha, foi um diferencial que chamou a atenção nessa fase inicial.
Após essa análise logo no começo do processo de pesquisa, iniciava-se o desejo de pro-
curar compreender o que de fato era realizado no Museu de Arte do Rio com relação a ações
especificas para os sujeitos surdos, uma vez que a descoberta de que existiam 73 museus e
somente um a relatar uma informação tão específica.

5.1 A chegada da comunidade surda no MAR

As informações aqui descritas e relacionadas4 tiveram como fonte de dados a entrevista


com o Thyago Corrêa, educador de projetos do MAR, e o artigo que o mesmo escreveu para a
conclusão de sua especialização em Acessibilidade Cultural pela UFRJ. As atas dos Fóruns
Sobre Cultura Surda do MAR e as minhas observações (direta e participativa) in loco no museu,
também foram utilizadas.
45

Em 2015, o MAR recebeu a exposição “Por Contato”, que não ocupa a galeria do museu,
mas sim o espaço de pilotis do museu. Essa exposição é a culminância de um projeto chamado
FotoLibras que reúne fotografias de artistas surdos de Recife, Cabo de Santo Agostinho e
Olinda. Esses artistas participaram de oficinas de fotografia que aconteceram em suas cidades
e a ideia era que após a conclusão das oficinas, uma exposição com as fotografias pudesse rodar
o Brasil, em situações nas quais, além da exposição, os alunos da oficina fossem multiplicadores
do projeto.

Em 2015 a exposição “Por Contato” chega ao Museu de Arte do Rio, com o então
diretor cultural Paulo Herkenhoff, por meio da gerente de conteúdo e museologia,
Clarissa Diniz. A mostra contou com uma instalação museográfica no pilotis de es-
truturas de madeira, em sua disposição vazadas que abrigam painéis retangulares de
madeira onde ficavam as fotos, os textos e aparelhos com telas exibindo vídeos.
(CORRÊA, 2019, p.10)

Junto com a exposição, o MAR recebeu também três fotógrafos surdos que fariam a
mediação da exposição e uma equipe de intérpretes que ficaria atuando no museu pelo tempo
da exposição em cartaz. Essa equipe chegou duas semanas antes da exposição iniciar para, entre
outros objetivos, realizar uma formação com a equipe de educadores do museu, já que a equipe
ainda não havia vivenciado uma exposição a partir da experiência de pessoas surdas e também
não tinha o domínio da Língua Brasileira de Sinais. O artista Márcio Santana Campelo, no
decorrer desse processo, fica como mediador na exposição e participa de um programa de ri-
dência no Museu de Arte do Rio, participando inclusive, dos grupos de trabalho existentes no
museu.
A presença de um educador residente surdo no grupo de trabalho Acessibilidade e nas
formações coletivas dos educadores mostrava à atenção para uma prática educativa
mais inclusiva. Questões que passavam despercebidos, eram expostas a reflexão e
sistematização das situ ações abordadas, pois não havia no grupo pessoas surdas até
a chegada do residente. (CORRÊA, 2019, p.11)

Segue o registro fotográfico da exposição “Por Contato” acontecendo no pilotis do


MAR e o cartaz de divulgação da exposição.
46

Figura 5 – Exposição Por Contato acontecendo no Pilotis do MAR

Fonte: Talles Leite

Figura 6 – Cartaz da Exposição Por Contato

Fonte: Museu de Arte do Rio

Durante a exposição e a permanência de Márcio Santana Campelo no MAR, foi levan-


tado pelo artista a necessidade de existência de um sinal para representar o Museu de Arte do
Rio, esse sinal é chamado na comunidade surda como um batismo. A proposta para convidar a
comunidade surda para a escolha do sinal foi feita à gerência de educação do museu e à então
gerente de educação, Janaína Melo e Glayce Kelly Heitor, coordenadora pedagógica. A pro-
posta foi aceita e foi o próprio artista Marcio quem fez o vídeo chamando a comunidade surda
47

para o encontro no MAR. No Anexo A, encontra-se uma matéria de divulgação convidando


para o evento do batismo do Museu.

O evento foi marcado para o dia 04 de Julho de 2015, às 15h, data final da exposição.
No dia estiveram presentes professoras e professores universitários, apresentadores da
TV INES, alunos do Instituto de Educação de Surdos (INES) e da Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro (UFRJ), representantes da Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (FENEIS/RJ), do Centro Integrado às Artes e Cultura Surda
(CIACS), e surdos de modo espontâneo compareceram ao evento. O encontro acon-
teceu em roda no pilotis do museu, apresentou-se a proposta do evento, pelo próprio
educador da exposição que seguiu na mediação com o grupo, pois era ele a pessoa que
nessa relação experienciou e conviveu com o museu e ocupava esse lugar de interlo-
cutor com a comunidade surda do Rio de Janeiro, sendo o sujeito identitário e refe-
rência no protagonismo da pessoa surda. (CORRÊA, 2019, p.12)

Ao final do evento, o grupo reunido sugeriu que outros encontros com a comunidade
surda deveriam acontecer no museu. Em resposta imediata a essa demanda, a gerencia de edu-
cação do MAR propôs uma visita inclusiva que contaria com intérpretes de Libras para a visita
guiada, nessa metodologia uma pessoa surda seria convidada para mediar um recorte de uma
exposição do museu. A proposta seria uma “Conversa de Galeria”, projeto já existente no mu-
seu, só que seriam mediadas por pessoas surdas escolhidas pela própria comunidade. Nascia
assim o projeto que posteriormente se chamaria “MAR em Libras”.

Na segunda visita mediada, que fora decidida coletivamente, gerou-se a questão, de


como chegar a esses convidados e quem decidiria isso junto ao MAR. A própria Cla-
rissa Guerretta articulou uma comissão voluntária para que se reunissem no museu e
deliberassem junto à gerência de educação quem viria mediar as próximas Conversas
de Galeria. A comissão foi composta por Clarissa Guerretta, Vanessa Pinheiro, Nelson
Pimenta, Ana Regina Campello, Urich Palhares, Ricardo Boaretto e Bruno Ramos.
Ao longo desses três anos outras pessoas surdas se juntaram a comissão. (CORRÊA,
2019, p.13)

Foi a partir da composição dessa comissão voluntária, através da escuta e troca coletiva
com educadores do MAR, que, segundo Corrêa (2019), surgiu a proposta do Fórum Sobre Cul-
tura Surda e Educação do MAR, que foi realizado e gerou um documento chamado “Políticas
Públicas”. Esse documento foi apresentado à diretoria do MAR e reconhecido como o conjunto
de propostas a serem seguidas pela instituição, entendidas como reflexos dos desejos da comu-
nidade surda em relação ao museu.
Em entrevista para esse trabalho, o educador Thyago Corrêa relata que desde então vá-
rias ações foram acontecendo a partir das demandas da comunidade surda, como por exemplo:
a Semana Sobre Cultura Surda e Educação no MAR, em 2016 (no Anexo C consta uma matéria
de divulgação e a programação da Semana), os Fóruns sobre Cultura Surda do MAR, a
48

formação com professores em Libras, o sarau de poesia em Libras, a residência artística e edu-
cativa de surdos no museu, o curso de Libras para funcionários, dente outras propostas.

Isso é extremamente importante porque eu não conheço nenhum outro museu que
tenha uma relação com um grupo identitário de Fórum que delibere sobre a prática do
museu. Isso instaura os processos. (Thyago Corrêa)

O Fórum Sobre Cultura Surda e Educação do MAR constituiu-se em um fórum delibe-


rativo com o objetivo de criar e por em prática as ações que seriam propostas nos eixos temáti-
cos e que seriam levantadas durante o Fórum. É a partir desse movimento que se cria um plano
de trabalho e que, após um ano, presta-se conta do que foi realizado a partir das demandas
colocadas. O primeiro Fórum aconteceu no mês de setembro de 2016.
Ainda na citada entrevista, Thyago ressalta que uma das demandas colocadas pela co-
missão voluntária 14 era de oficinas que acontecessem exclusivamente para o povo surdo, com
temáticas que eles solicitavam e que, segundo o entrevistado, “tudo bem atender, era uma de-
manda deles naquele momento”.
No ano de 2018, quando aconteceu o III Fórum sobre Cultura Surda do MAR, umas das
demandas do GT de Educação era a contratação de duas pessoas surdas que pudessem atuar
como educadoras no museu. É partir dessa demanda que chega ao MAR a surda Mariana Gon,
contratada para ser educadora em regime de CLT, e Juliana Pavan, com deficiência auditiva,
porém usuária de Libras, estagiária. As duas passam a atuar diretamente no projeto do “MAR
em Libras”.
Segundo o educador de projetos, em 2019 foi realizado um curso sequenciado e de longa
duração intitulado “Cultura Surda, Arte e Mediação”. Esse curso também foi uma demanda que
chegou pelo Fórum e trouxe os sujeitos surdos que participam ou participaram do “Mar em
Libras”. O curso acontece semanalmente por 3 meses, com aulas de 3 horas de duração, com
temáticas diversas relacionadas ao tema central. No Anexo D deste trabalho encontram-se a
explicação e a programação do curso.
Desde o ano de 2015, com a chegada da comunidade surda no MAR, é possível notar
que todas as ações que começam a surgir a partir da escuta dessas pessoas através de um Fórum
– que tem caráter deliberativo e reúne sujeitos surdos engajados em uma comissão voluntária –
geraram um sentimento de pertencimento desses sujeitos surdos nesse espaço. As pessoas

14
A comissão foi composta inicialmente por pessoas surdas, Clarissa Guerretta, Vanessa Pinheiro, Nelson Pi-
menta, Ana Regina Campello, Urich Palhares, Ricardo Boaretto e Bruno Ramos. Ao longo dos anos outras pes-
soas surdas se juntaram à comissão.
49

surdas de fato participam, exercem sua cidadania, ocupam um espaço público de grande impor-
tância no cenário carioca e assumem um protagonismo na escolha das ações. Quanto à gestão
desse museu, cabe buscar formas para a implementação dessas ações e percebeu-se nesse estudo
de caso, que de fato é uma escolha da gestão acolher essas demandas e pautar a acessibilidade
do museu para pessoas surdas a partir das demandas desses sujeitos. Existe por parte da gestão
desse museu, uma escolha pela valorização dessa participação ativa da comunidade surda junto
ao MAR. Em um momento da entrevista com o Thyago Corrêa, ele faz uma reflexão que segue
aqui descrita, onde observa-se a importância e o significado atribuído a essa participação e esse
sentimento de pertencer ao espaço que gerou elementos significativos para a análise desse tra-
balho:
A caminhada do orgulho surdo no Boulevard foi escolha deles. Antes era realizado
em Copacabana, após a caminhada eles fazem a visita com o MAR em Libras e ocu-
pam o pilotis. Eu acho que é simbólico, eles ocupam o pilotis, com as pautas deles,
mas do que pauta, é um dia de celebração e comemoração desse orgulho, que trazem
poesia, performance, piada, teatro, várias outras linguagens artística pra ocupar esse
lugar, eu acho muito simbólico que seja no pilotis e não seja em outro lugar, não pode
ser numa sala como já foi sugerido, porque senão isso não traz visibilidade pra ques-
tão, pra temática. Se a gente coloca todo mundo numa sala ou num auditório, acabou
a questão! Não tem visilidade, o importante é a interação, as pessoas passarem lá em
baixo e verem o grupo, o coletivo, sinalizando, se comunicando é uma euforia que
tem no silencio, nesse sentido o silêncio enquanto voz mas que há uma presença que
ocupa aquele lugar e um vigor naqueles corpos que estão lá, que são muito expressi-
vos, pela própria língua, pelo próprio modo que se conformam no mundo, isso não é
natural, é uma construção. (Thyago Corrêa)

Segundo o entrevistado, em 2019, por escolha da Isabela Pucu 15, o projeto do Mar em
Libras, deixa de ter convidados externos (que faziam a mediação de uma exposição específica
selecionada previamente) escolhidos pelos surdos que frequentam o MAR. Os encontros dei-
xam então de ser mensais e passam a acontecer na forma de visita guiada todos os domingos,
com horário estabelecido. O projeto Mar em Libras passa a ser um espaço de atuação das edu-
cadoras surdas do museu; são elas que todos os domingos ficam em um ponto de encontro ao
lado da bilheteria para receber as pessoas que queiram realizar a visita guiada em Libras. Na
ocasião da entrevista com o Thyago, questionado se o MAR teria o registro ou o quantitativo
de pessoas que utilizam esse serviço, ele afirmou não existir esse registro, que talvez fosse
interessante ter, mas que oferecer o serviço não pode estar condicionado a ter ou não pessoas
surdas todos os domingos. O serviço existe, e isso, por si só, é uma garantia ao direito linguístico
do povo surdo.

15
Coordenadora de Educação do MAR desde 2016 até a presente data.
50

5.2 A função social do museu na realidade do MAR

Em uma das observações diretas iniciais para este estudo, estava no pavilhão de expo-
sições quando um grupo de estudantes entrou no espaço com a educadora surda do MAR, nesse
momento foquei a atenção no grupo, observando que havia um intérprete junto com a educadora
passando para a versão voz em português o que ela sinalizava. Em um primeiro momento acre-
ditei ser um grupo composto somente por pessoas ouvintes, mas, de fato, soube mais adiante,
tratava-se de um grupo misto de uma turma do curso de Letras/Libras da UFRJ. Uma turma que
foi fazer um trabalho da faculdade sobre mediação. No momento em que compreendi a dinâ-
mica e como o grupo era formado, achei que não seria oportuno me identificar. Optei por con-
tinuar a observação direta daquela ocasião. Os olhos de todos estavam vidrados, participavam,
faziam perguntas, riam, interagiam com a educadora, com o intérprete, uns falavam, outros
sinalizavam. O direito linguístico de todos era preservado nesse processo. Tirei algumas fotos,
filmei algumas partes, estava finalizando a observação quando lembrei da entrevista com o
entrevistado José do Nascimento Júnior em que ele falava:

O museu tem que ter essa dinâmica provocadora, eu falo que são os museus vivos,
instituições que te proporcionam coisas. E... Tem instituições que te distanciam, pes-
soas que te distanciam também, porque os museus são representações das pessoas,
que nelas trabalham e que nelas simbolizam; sociedades, grupos sociais que teorica-
mente elas representam (José do Nascimento Júnior)

Eu acabava de presenciar e compreender na prática o que era esse museu vivo. Alguns
dias depois dessa observação, na entrevista com o Thyago Corrêa, ele também utiliza exata-
mente a mesma expressão quando disse: “O MAR é um museu vivo!”. Afirmou ainda: “a gente
precisa se colocar no lugar de escuta do outro, precisamos da abertura pro diálogo, escuta e
tempo para as coisas acontecerem nessa relação.”
Por todas as ações realizadas pelo MAR, pelos projetos realizados a partir da escuta do
povo surdo presente, por todas as observações que pude realizar, todas essas evidências apon-
tam na direção de que essa relação de fato acontece. É a relação com o espaço, a relação entre
surdos e ouvintes na dimensão da riqueza que existe na diversidade; é a relação de protagonismo
que esses sujeitos surdos vivenciam no MAR; é a relação de participar e pertencer em um es-
paço público que promove os meios de acesso para esse público poder exercer a sua cidadania.
51

Figura 7 – Visita guiada por educadoras surdas com alunos da UFRJ do curso de Letras/Libras – 1ª obra

Fonte: Registro fotográfico da autora

Figura 8 – Visita guiada por educadoras surdas com alunos da UFRJ do curso de Letras/Libras – 2ª obra

Fonte: Registro fotográfico da autora

Conforme abordado no capítulo de referencial teórico desta dissertação, a função social


do museu é descrita no documento da UNESCO (2015) 16 em três itens específicos que, em
síntese, afirmam o museu “como tendo um papel‐chave na sociedade e como fator de promoção
à integração e à coesão social” (UNESCO, 2015), sendo os museus definidos como espaços
públicos vitais que devem abordar o conjunto da sociedade e podem, portanto:

Desempenhar um importante papel no desenvolvimento de laços sociais e de coesão


social, na construção da cidadania e na reflexão sobre identidades coletivas. Os mu-
seus devem ser lugares abertos a todos e comprometidos com o acesso físico e o
acesso à cultura para todos, incluindo os grupos vulneráveis. Eles podem constituir

16
O documento “Recomendação referente à proteção e promoção dos museus e coleções, sua diversidade e seu
papel na sociedade”, encontra-se, na íntegra, no Anexo B deste trabalho.
52

espaços para a reflexão e o debate sobre temas históricos, sociais, culturais e científi-
cos. (UNESCO, 2015, p.5)

É essa função social que se percebe evidente nas ações que o MAR desenvolve especifica-
mente para o povo surdo e que permitem pensar para além da acessibilidade, pois trata-se de
pensar os meios para proporcionar a participação, desenvolvendo assim essa função na prática
com ações, tais como:
• Fóruns deliberativos, onde as pessoas surdas podem opinar sobre as ações que serão de-
senvolvidas e que promovam o acesso e a garantia de seu direito linguístico;
• Curso de Libras ministrado por professores surdos para os funcionários do museu e tam-
bém para a comunidade externa;
• Contratação de duas pessoas surdas, uma como educadora e outra como estagiária;
• Curso de extensão sobre Cultura Surda, Arte e Mediação, exclusivo para pessoas surdas
com professores surdos em parceria com a UFRJ;
• Promoção da Semana do Orgulho Surdo no MAR, com palestras, eventos artísticos, vi-
sita guiada;
• Projeto de visita guiada por pessoas surdas, o Mar em Libras;
• Contratação de dois estagiários tradutores/intérpretes de Libras;
• Parceria com o CIACS para apresentações e divulgação da cultura surda nos espaços do
MAR;
• Vídeo de apresentação do museu em Libras na entrada do MAR, garantido a autonomia
do visitante surdo;
• A ferramenta Lungo que faz a mediação dos textos das exposições em Libras, por meio
de um aparelho eletrônico disponibilizado na bilheteria do museu;
• Site do museu com as informações que podem ser acessadas em Libras através da tecno-
logia Hand Talk e vídeos em Libras dos principais conteúdos do site.

É interessante observar que o Plano Museológico do Museu de Arte do Rio é do ano de


2012, anterior ao documento da UNESCO de 2015, mas pode-se notar que esses elementos de
participação, cidadania, emancipação já estavam presentes e atravessam todas as condutas e
ações prevista, como por exemplo, a definição de sua missão que prevê: “Inscrever na esfera
social processos de articulação entre arte, sociedade e educação, como exercício da cidadania e
à emancipação cultural”. (PLANO MUSEOLÓGICO, 2012, p.31)
53

5.3 As ações do MAR para pessoas surdas frente ao conceito de acessibilidade em museus
no contexto de cidade criativa

Neste item, convém retomar algumas definições que foram apresentadas no referencial
teórico deste trabalho. Para isso, foi (re)criado um quadro com base no quadro apresentado
sobre o conceito de acessibilidade (descrito na Figura 2 - Conceito de Acessibilidade em Mu-
seus) a fim de mostrar que, através dos projetos realizados pelo MAR, esses conceitos viram
concretude e de fato o pertencimento e a participação desses sujeitos acontecem na cidade.
Porém, antes de apresentar o quadro, faz-se necessário refletir e ponderar em qual con-
texto esse trabalho situa-se. O MAR é criado dentro de uma proposta de revitalização da Zona
Portuária do Rio de Janeiro, em que o conceito de cidade criativa atribuído ao Rio de Janeiro,
é a todo instante percebido e acionado.
Cabe aqui, então, retomar algumas reflexões sobre cidades criativas, a fim de uma me-
lhor compreensão do cenário apresentado. Um elemento comum que abrange todos os teóricos
que discorrem sobre a cidade criativa (conforme apresentado no item 3.1.1 deste trabalho) é a
necessidade de se efetivar a participação de todas as pessoas na cidade. Os autores falam sobre
a importância dessa participação, porém é necessário questionar quais são os meios para efeti-
var essa participação de fato. Não existe uma receita pronta de como deve ser uma cidade cria-
tiva, pois é necessário se levar em consideração características particulares de cada cidade. Se-
gundo apontam Jesus e Kamlot (2016), as características que, de acordo com a literatura inter-
nacional, se impõem às cidades criativas não parecem apropriadas para cidades em desenvol-
vimento como as brasileiras, já que muitas delas não dispõem de serviços básicos de infraes-
trutura. É a nossa realidade que vai nos dar elementos para repensar e redefinir conceitos sobre
cidades criativas de acordo com a realidade que vivemos e não ao contrário, não cabe importar
conceitos estrangeiros que se enquadrem na nossa realidade. Não é função desse trabalho fazer
uma crítica sobre o tema neste momento, porém, é importante refletir criticamente sobre esses
elementos. Será que esses conceitos estabelecidos para cidades estrangeiras se encaixam nas
nossas características? No Rio de Janeiro, especificamente, temos muito heterogeneidade, tra-
ços de multiculturalismo, a informalidade atinge altos números de acordo com os últimos dados,
existe uma desigualdade social visivelmente perceptível, além da violência física e simbólica
contra as diferenças ser uma constante na realidade da cidade. Contudo, pensar cidades criativas
é sempre pensar em cidades que estão abertas para o convívio com as diferenças, para o conví-
vio com a diversidade e para compreender na diferença a sua dimensão de riqueza.
54

A abertura a outras culturas e a existência de expressões culturais diferentes favore-


cem uma visão cosmopolita que reforça a conexão entre local e global. Um sistema
cultural dotado de ampla variedade e de alto grau de participação real, acesso e con-
sumo oferecem mais condições para que a cidade mostre sua dimensão criativa. (JE-
SUS; KAMLOT, 2016, p.83).

Feita essa digressão, apresenta-se, a seguir o quadro que sintetiza os elementos de acessi-
bilidade presentes no MAR.

Quadro 2 – As ações realizadas pelo MAR frente aos conceitos de acessibilidade em museus

1.ACESSIBILIDADE DE ESPAÇO 2.ACESSIBILIDADE DE INFORMAÇÃO 3.ACESSIBILIDADE “ATITUDINAL”

2.1 Conteúdo da página da web do 3.1 Curso de Libras e sensibiliza-


1.1 MAR com Hand Talk e alguns ví- ção para funcionários
Existência de uma TV pró- deos em Libras
xima à bilheteria com infor-
mações sobre o museu em 3.2 Contratação de educadoras
Libras 2.2 Tabela de Exposições em Libras surdas e estagiários TILS

1.2 2.3 Ferramenta Lungo que faz a me- 3.3 Fórum deliberativo com prota-
Maquete do MAR com in- diação dos textos das exposições em gonismo das pessoas surdas
formações em Libras e Libras
Braille
3.4 Dia do Orgulho Surdo e ocu-
pação cultural do pilotis dos MAR
2.4 Acesso às peças da coleção

2.4.2 Parceria com o 2.4.3 Curso de extensão so-


2.4.1 Visitas guiadas em CIACS para apresenta- bre Cultura Surda, Arte e 2.4.4 Atividades específicas
Libras com educadoras ções e divulgação da Mediação realizadas na Semana do Or-
surdas e TILS gulho Surdo do MAR
cultura surda nos
d

Fonte: Elaborado pela autora


55

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

...temos o direito de ser iguais quando a nossa dife-


rença nos inferioriza; e temos o direito de ser dife-
rentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
as diferenças e de uma diferença que não produza,
alimente ou reproduza as desigualdades.
Boaventura de Sousa Santos

Este trabalho teve o intuito de analisar as ações realizadas pelo Museu de Arte do Rio
(MAR) que proporcionam o pertencimento e a participação dos sujeitos surdos usuários de Li-
bras em seu espaço institucional. Tem-se em consideração que o MAR está localizado na Zona
Portuária do Rio de Janeiro e, portanto, encontra-se inserindo em um espaço que recentemente
passou por um processo de revitalização urbana. A escolha pelo MAR aconteceu, conforme
apresentado, pela descoberta de ações realizadas pelo museu que o diferenciava de outros mu-
seus da cidade.
Resgatando o objetivo central desta pesquisa, realizada através de um estudo de caso
sobre o Museu de Arte do Rio (MAR), que foi o de compreender quais ações promovidas pelo
museu fomentam e possibilitam a participação e o pertencimento de surdos usuários de Libras,
foi possível constatar que:
• O Museu de Arte do Rio desponta entre outros museus da cidade com ações
específicas para pessoas surdas usuárias de Libras;
• As ações realizadas partem de um processo de escuta pelas demandas das pró-
prias pessoas surdas através de fóruns deliberativos que acontecem anualmente;
• Os sujeitos surdos participam ativamente das ações realizadas, o que gera nesses
sujeitos o sentimento de pertencimento, já que por escolha própria desse grupo,
ocupam o pilotis do museu como celebração de um evento sobre o orgulho de
ser um sujeito surdo;
• A escolha do MAR, pelos próprios surdos, e não por outro museu do entorno ou
até mesmo da cidade, sinaliza a importância e o sucesso das ações implementa-
das.

Portanto, foi possível compreender que o MAR não só acolhe esses sujeitos, como gera
a participação na construção coletiva e, consequentemente, o reconhecimento desse museu pela
comunidade surda como um espaço que gera o pertencimento.
56

Com o estudo de caso realizado, foi possível observar que, para além de cumprir leis
que obriguem o museu a realizações de ações, ou de produzir ações para colocar em prática
conceitos de acessibilidade específica, o MAR, através de sua gestão, opta por dar o protago-
nismo às pessoas surdas, opta por se colocar no papel de escutas das demandas desse povo
surdo. É o que se percebe na fala do educador do MAR, Thyago Corrêa:

Até quando vai permanecer o Fórum é uma demanda deles, isso pode se transformar.
O que podemos fazer juntos? Se colocar no lugar de escuta, as ações exclusivas para
os surdos por exemplo... É um processo! Se nesse momento a demanda é de exclusi-
vidade, então vamos escutar. (Thyago Corrêa)

As ações colocadas em prática pelo MAR cumprem a legislação vigente. Conforme vi-
mos no quadro sobre o conceito de acessibilidade em museus, as ações também estão de acordo
com o quadro de Martins (2013). Contudo, o que pode-se perceber é que tudo isso são conse-
quências de escolhas: escolha por escutar, escolha por compreender o museu para além dos seus
aspectos institucionais, por compreender que o museu deve estar disponível para todas as pes-
soas que queiram se apropriar de uma construção social da memória de uma forma inclusiva.
Os museus, na perspectiva da cidade criativa, devem atuar a fim de garantir a ocupação
de espaços públicos das cidades que comtemplem todas as pessoas, com respeito e valorização
de todas as formas de existir. O Museu de Arte do Rio promove, em suas ações para o público
de pessoas surdas, a emancipação social, rompe com a prática hegemônica de museu somente
como espaço de lembranças, mas sobretudo, como lugar de direito e cidadania, como um lugar
de inclusão cultural, de resistência e de combate a todos os tipos de preconceitos, garantindo a
expressão de diferentes vozes. É uma instituição cultural que realmente é acessível e garante a
autonomia dos sujeitos surdos em todos os seus serviços.
Durante as observações realizadas nesta pesquisa pude conversar de maneira informal
com algumas pessoas que fazem parte da comunidade surdas e registro aqui a unanimidade
dessas pessoas em afirmarem que somente o Museu de Arte do Rio promove tantas ações com
foco na participação das pessoas surdas. Algumas vezes o Museu do Amanhã, vizinho às ins-
talações do MAR, foi citado como exemplo de ações pontuais, tais como o fato de ter Tradutor/
Intérprete de Libras e um surdo que atua como mediador nas visitas agendadas em Libras, po-
rém, nessas conversas as pessoas diziam não existir tanto a participação dos surdos naquele
museu. A questão é que a comunidade surda escolhe o MAR. Poderia ser qualquer outro museu
do entorno ou da cidade, mas eles escolhem o MAR. É o sentido de pertencimento que guia
essa escolha.
57

Contudo, no decorrer do estudo realizado, um episódio muito significativo marcou todo


o processo de pesquisa aqui apresentado. Após a entrega dos documentos que formalizavam a
autorização para a pesquisa dentro do MAR, no mês de julho de 2019, fui informada por tele-
fone que o museu atravessava uma grave crise financeira e que a indefinição do que aconteceria
poderia atrasar o estudo proposto ou até mesmo impossibilitar o início do mesmo. Em agosto,
tive enfim, a autorização para iniciar a pesquisa, mas o clima era tenso quanto às expectativas
para o futuro do museu. No fim do mês de outubro de 2019, iniciam rumores de que o Museu
de Arte do Rio poderia fechar suas portas devido ao atraso no pagamento dos funcionários. No
processo de observação do museu, por algumas vezes pude presenciar alguns funcionários que
falavam sobre a incerteza do momento que viviam 17.
Em 02 de Novembro, o então diretor do MAR, Evandro Salles anunciou a sua saída,
após 3 anos de sua nomeação, com fortes críticas à Prefeitura do Rio. Em seguida, no dia 11 de
Novembro todos os funcionários do museu chegaram para trabalhar e foram informados de que
estavam de aviso prévio, no mesmo instante que a notícia era divulgada nas mídias. Nesse mo-
mento, o trabalho de campo da pesquisa estava em fase de finalização. A entrevista realizada
com educador Thyago Corrêa foi realizada neste cenário de incertezas e inseguranças sobre o
futuro do museu.

A indefinição do que vai acontecer também se reflete na prática. A crise instaura um


processo, mas existem outras questões também. A crise impacta porque a gente não
sabe como vai acontecer esse processo. Existe toda uma estrutura metodológica e a
gente não sabe o que vai acontecer na próxima gestão. Ou se o museu continuar aberto
como continua? O programa de acessibilidade pode ter outras escolhas. Como a gente
vai organizar no próximo ano, porque decisões também partem do financeiro, se a
gente não tem mais dinheiro por exemplo, pra pagar os bolsistas, como que mantem
a presença das educadoras aqui? Isso coloca em suspenso os projetos, vai impactar de
alguma forma. (Thyago Corrêa)

Diante de todos esses acontecimentos é pertinente pensarmos na aplicabilidade dessa


dissertação. Certamente a realidade vivida no Museu de Arte do Rio, a despeito do momento
de crise registrado no ano de 2019, não é a realidade de outros museus ou centros culturais da
cidade do Rio de Janeiro ou de outras cidades do país, porém a partir deste estudo de caso,
conjectura-se que outros equipamentos culturais, notadamente museus e centros culturais, pos-
sam pensar ou repensar suas próprias ações de acessibilidade.
Conforme pontuaram Chalhub, Benchimol, Rocha (2015), podemos compreender que
no Brasil muito já se avançou com relação à acessibilidade. Porém, os mesmos defendem que

17
No Anexo E encontram-se algumas reportagens desse período vivenciado pelo MAR.
58

a principal fragilidade ainda resida na ausência de uma política interna integrativa das ações de
acessibilidade e inclusão dos próprios museus.
Cabe, então, uma reflexão de encerramento: apesar das limitações da pesquisa e da cons-
ciência de que não foram esgotados todos os aspectos que o tema suscita, acredita-se que os
resultados aqui apresentados já permitem perceber as mudanças que precisam ser executadas
em outros museus e espaços culturais para que se efetive o real processo de cidadania das pes-
soas surdas usuárias de Libras.
59

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YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.
62

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista Semiestruturada com especialista em Museus.

• Como você entende a função precípua dos museus nos dias atuais para a sociedade?
• Como você vê, diante da atual conjuntura política do Brasil, os rumos para a Política Nacional
de Museus?
• Qual você acredita ser, hoje em dia, a maior dificuldade encontrada para a gestão de um mu-
seu?
• Como tem acontecido a implementação dos planos museológicos?
• Você acredita que hoje em dia os gestores dos museus estão procurando se adaptar à regula-
mentação da acessibilidade? Você acredita que essas adaptações acontecem pensando na de-
mocratização do acesso ou no cumprimento das normas vigentes?
• Você acredita que os museus recebem a orientação necessária para executar ações e projetos
que pensem na acessibilidade comunicacional?
• Você acredita que os gestores de museus entendem que a Libras é uma língua oficialmente re-
conhecida por lei e a importância dessa língua na sociedade?
63

APÊNDICE B – Quadro dos Museus do Rio de Janeiro.

Quadro: Museus do Rio de Janeiro


Continua
64
65
66

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBRAM, 2019.


67

ANEXO A
sábado, 4 de julho de 2015

Museu de Arte do Rio ganhará sinal em Libras a partir da


exposição do FotoLibras
Rampas e elevadores de acesso não são o bastante. Chamado de MARemLIBRAS, o batismo
em LIBRAS do Museu de Arte do Rio promove debate sobre a acessibilidade plena para espa-
ços culturais

O projeto pernambucano FOTOLIBRAS, que promove atividades educativas de fotografia participativa


com alunos surdos, segue com as atividades no Museu de Arte do Rio e convida o público em geral para
conferir a exposição fotográfica POR CONTATO, que vai até o dia 5 de julho com visitação de terça á do-
mingo de 9 ás 18 horas.
E no dia 4 de julho – sábado, a partir das 15h, o museu ganhará o seu próprio sinal em LIBRAS, através do
batismo realizado pelo público e fotógrafos surdos frequentadores da exposição. O convite para o evento
MARemLIBRAS é aberto para todas as pessoas e idades com entrada gratuita.
“Marcar a história do MAR com um batismo em LIBRAS e proporcionar o acesso de mais surdos a este mu-
seu é um grande passo para uma sociedade mais igualitária. Entender a função de um museu acessível e se
apropriar dele é nossa proposta aos surdos do Rio de Janeiro e aos visitantes em geral”, explica a produ-
tora executiva da exposição POR CONTATO, Gisele Silgom. “Este é um passo que deve ser difundido por
todos espaços culturais e instituições para torná-los acessíveis de fato e acabarmos com a ideia de que
rampa ou elevador já transformam o espaço em acessível. A acessibilidade é muito mais profunda do que
isso e o primeiro passo para esta ação acontecer é ter as portas abertas para trocar com este público e é
isso que propomos neste evento”, finaliza.
‘Há quase dez anos o FotoLibras busca diminuir a barreira entre surdos e ouvintes através de ações com
fotografia participativa. Este ato que o Museu de Arte do Rio (MAR) promove é um símbolo importante,
marca mais um passo que o museu dá no sentido de ampliar a integração entre essas duas culturas. Um
passo importante para por em contato o MAR e o público surdo, numa ação de mão dupla’, explica o arte-
educador Eduardo Queiroga, co-fundador do FotoLibras

SERVIÇO:
MARemLIBRAS – Batismo em LIBRAS para o Museu de Arte do Rio
Data: 4 de julho, sáb às 15h
Local: MAR – Museu de Arte do Rio (Praça Mauá, 5 – Centro – Rio de Janeiro)
Entrada Gratuita

Disponível em: http://www.surdosol.com.br/museu-de-arte-do-rio-ganhara-sinal-em-libras-a-partir-da-


exposicao-do-fotolibras/

Consultado em: 20/09/2019


68

ANEXO B

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.


RECOMENDAÇÃO REFERENTE À PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DOS MUSEUS E CO-
LEÇÕES, SUA DIVERSIDADE E SEU PAPEL NA SOCIEDADE

A Conferência Geral,

Considerando que os museus compartilham algumas das missões fundamentais da Organiza-


ção, conforme estipuladas em sua Constituição, incluindo a contribuição à ampla difusão da
cultura, à educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz, a fundamentação da
solidariedade intelectual e moral da humanidade, oportunidades plenas e iguais de educação
para todos, na busca irrestrita da verdade objetiva, e no livre intercâmbio de ideias e conheci-
mento,
Também considerando que uma das funções da Organização, conforme estabelecido em sua
Constituição, é dar novo impulso à educação popular e à disseminação da cultura: colaborando
com os membros, sob sua solicitação, no desenvolvimento de atividades educacionais; insti-
tuindo a colaboração entre países para avançar no ideal de igualdade de oportunidades educa-
cionais, independentemente de raça, gênero ou quaisquer distinções, econômicas ou sociais; e
mantendo, ampliando e disseminando o conhecimento,
Reconhecendo a importância da cultura em suas diversas formas no tempo e no espaço, o
benefício que povos e sociedades obtêm dessa diversidade, e a necessidade de incorporar estra-
tegicamente a cultura, em sua diversidade, nas políticas nacionais e internacionais de desenvol-
vimento, em benefício das comunidades, povos e países,
Afirmando que a preservação, o estudo e a transmissão do patrimônio cultural e natural, tan-
gível e intangível, em condições móveis e imóveis, são de grande importância para as socieda-
des, para o diálogo intercultural entre os povos, para a coesão social, e para o desenvolvimento
sustentável,
Reafirmando que museus podem contribuir efetivamente para o cumprimento dessas tarefas,
conforme estipulado pela Recomendação sobre os Meios Mais Efetivos de Tornar os Museus
Acessíveis a Todos, de 1960, que foi adotada pela Conferência Geral da UNESCO em sua 11ª
sessão (Paris, 14 de dezembro de 1960),
Afirmando ainda que museus e coleções contribuem ao aprimoramento dos direitos humanos,
conforme definidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em particular no seu Ar-
tigo 27, e no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em particular
em seus Artigos 13 e 15,
Considerando o valor intrínseco dos museus como zeladores do patrimônio, e o seu papel
crescente no estímulo à criatividade, na geração de oportunidades para indústrias criativas e
culturais, e no entretenimento, contribuindo, portanto, ao bem‐estar material e espiritual de ci-
dadãos em todo o mundo,
Considerando que é responsabilidade de cada Estado‐membro proteger o patrimônio cultural
e natural, tangível e intangível, móvel e imóvel, no território sob sua jurisdição, em todas as
circunstâncias, e apoiar as ações de museus e o papel das coleções para esse fim,
Tomando nota de que existe um corpo de instrumentos normativos internacionais sobre o tema
dos museus e coleções – adotados pela UNESCO e outras instâncias – incluindo convenções,
recomendações e declarações, todos os quais permanecem válidos,
Tomando em consideração a magnitude das mudanças socioeconômicas e políticas que afe-
taram o papel e a diversidade dos museus desde a adoção da Recomendação sobre os Meios
Mais Efetivos de Tornar os Museus Acessíveis a Todos, de 1960,
69

Desejando reforçar a proteção oferecida pelos padrões e princípios referentes ao papel dos mu-
seus e das coleções em favor do patrimônio cultural e natural, em suas formas tangíveis e in-
tangíveis, e em papéis e responsabilidades relacionados,
Tendo considerado propostas sobre a Recomendação referente à Proteção e Promoção dos
Museus e Coleções, sua Diversidade e seu Papel na Sociedade,
Recordando que uma Recomendação da UNESCO é um instrumento não vinculante que esta-
belece princípios e diretrizes de política voltados a diferentes atores,
Adota esta Recomendação em 17 de novembro de 2015.
A Conferência Geral recomenda que os Estados‐membros apliquem as seguintes disposições,
tomando quaisquer medidas legislativas ou outras que possam ser necessárias para implemen-
tar, dentro dos respectivos territórios sob sua jurisdição, os princípios e as normas estabelecidos
nesta Recomendação.

INTRODUÇÃO
1. A proteção e a promoção da diversidade cultural e natural são desafios centrais do século
XXI. Nesse sentido, museus e coleções constituem meios primários pelos quais testemunhos
tangíveis e intangíveis da natureza e da cultura humanas são salvaguardados.
2. Museus, como espaços para a transmissão cultural, o diálogo intercultural, o aprendizado, a
discussão e o treinamento, também desempenham um importante papel na educação (formal,
informal e continuada), na promoção da coesão social e do desenvolvimento sustentável. Os
museus têm grande potencial para sensibilizar a opinião pública sobre o valor do patrimônio
cultural e natural, e sobre a responsabilidade de todos os cidadãos para contribuir com sua
guarda e transmissão. Os museus também apoiam o desenvolvimento econômico, notadamente
por meio das indústrias culturais e criativas e do turismo.
3. Esta Recomendação chama a atenção dos Estados‐membros para a importância da proteção
e da promoção dos museus e coleções, de modo a serem parceiros no desenvolvimento susten-
tável, por meio da preservação e da proteção do patrimônio, da proteção e da promoção da
diversidade cultural, da transmissão do conhecimento científico, do desenvolvimento de políti-
cas educacionais, educação continuada e coesão social, e do desenvolvimento das indústrias
criativas e da economia do turismo.
I. DEFINIÇÃO E DIVERSIDADE DOS MUSEUS
4. Nesta Recomendação, o termo museu é definido como uma “instituição permanente, sem
fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire,
conserva, pesquisa, comunica e exibe o patrimônio material e imaterial da humanidade e de seu
ambiente para os propósitos de educação, estudo e entretenimento”.ii Como tal, museus são
instituições que buscam representar a diversidade cultural e natural da humanidade, assumindo
um papel essencial na proteção, na preservação e na transmissão do patrimônio.
5. Na presente Recomendação, o termo coleção é definido como “um conjunto de propriedades
culturais e naturais, tangíveis e intangíveis, passadas e presentes”.iii Cada Estado‐ membro deve
definir o escopo do que entende por coleção nos termos de seu próprio quadro normativo, para
os propósitos desta Recomendação.
6. Na presente Recomendação, o termo patrimônio é definidoiv como um conjunto de valores
tangíveis e intangíveis, e expressões que pessoas selecionam e identificam, independentemente
do direito de propriedade, como reflexo e expressão de suas identidades, crenças, conhecimento
e tradições, e ambientes que demandem proteção e melhoramento pelas gerações contemporâ-
neas e transmissão para as gerações futuras. O termo patrimônio também se refere às definições
de patrimônio cultural e natural, tangível e intangível, bens culturais e objetos culturais, con-
forme incluídos nas Convenções de Cultura da UNESCO.
II. FUNÇÕES PRIMÁRIAS DOS MUSEUS
Preservação
70

7. A preservação do patrimônio abrange atividades relacionadas à aquisição e à gestão de cole-


ções, incluindo a análise de risco e o desenvolvimento de capacidades de prevenção e de planos
de emergência, além de segurança, conservação preventiva e curativa, e a restauração de objetos
musealizados, garantindo a integridade das coleções quando usadas e armazenadas. 8. Compo-
nentes‐chave da gestão de coleções em museus são a criação e a manutenção de um inventário
profissional e o controle regular das coleções. Um inventário é uma ferramenta essencial para
proteger os museus, prevenir e combater o tráfico ilícito, e para ajudá‐los a cumprir seu papel
na sociedade. Ele também facilita a gestão apropriada da mobilidade dos acervos.
Pesquisa
9. A pesquisa, incluindo o estudo das coleções, é outra função primária dos museus. A pesquisa
pode ser conduzida por museus em colaboração com outros. Apenas por meio do conhecimento
obtido de tais pesquisas, o completo potencial dos museus pode ser alcançado e oferecido ao
público. A pesquisa é de extrema importância para os museus, para que se ofereçam oportuni-
dades de reflexão sobre a história em um contexto contemporâneo, assim como para a interpre-
tação, a representação e a apresentação de coleções.
Comunicação
10. A comunicação é outra função primária dos museus. Estados‐membros devem encorajar
museus a interpretar e disseminar ativamente o conhecimento sobre coleções, monumentos e
sítios dentro de suas áreas específicas de expertise e a organizar exposições, conforme apropri-
ado. Ademais, os museus devem ser encorajados a utilizar todos os meios de comunicação para
desempenhar um papel ativo na sociedade, por exemplo, organizando eventos públicos, to-
mando parte em atividades culturais relevantes e em outras interações com o público, tanto em
formatos físicos quanto digitais.
11. Políticas de comunicação devem levar em consideração a integração, o acesso e a inclusão
social, e devem ser conduzidas em colaboração com o público, incluindo grupos que normal-
mente não visitam museus. Ações de museus também deveriam ser fortalecidas pelas ações do
público e das comunidades em favor dos museus.
Educação
12. A educação é outra função primária dos museus. Os museus atuam na educação formal e
informal e na aprendizagem ao longo da vida, por meio do desenvolvimento e da transmissão
do conhecimento, programas educacionais e pedagógicos, em parceria com outras instituições,
especialmente escolas. Programas educacionais em museus contribuem primariamente para
educar diversos públicos acerca dos tópicos de suas coleções e sobre a vida cívica, bem como
ajudam a desenvolver consciência sobre a importância de se preservar o patrimônio e impulsi-
onam a criatividade. Os museus podem ainda promover conhecimento e experiências que con-
tribuem à compreensão de temas sociais relacionados.
III. QUESTÕES PARA OS MUSEUS EM SOCIEDADE
Globalização
13. A globalização permitiu a maior mobilidade de coleções, profissionais, visitantes e ideias,
com resultados que trouxeram impactos tanto positivos quanto negativos para os museus, refle-
tidos em maiores acessibilidade e homogeneização. Os Estados‐membros devem promover a
salvaguarda da diversidade e da identidade que caracterizam os museus e as coleções, sem re-
duzir o papel dos museus no mundo globalizado.
Relações dos museus com a economia e a qualidade de vida
14. Os Estados‐membros devem reconhecer que os museus podem ser atores econômicos na
sociedade e contribuir para atividades geradoras de renda. Ademais, eles participam da econo-
mia do turismo e de projetos produtivos que contribuem para a qualidade de vida das comuni-
dades e das regiões onde se localizam. De modo mais amplo, eles também podem ampliar a
inclusão social de populações vulneráveis.
71

15. De modo a diversificar suas fontes de renda e aumentar sua autossustentabilidade, muitos
museus têm ampliado, por escolha ou necessidade, suas atividades geradoras de renda. Os Es-
tados‐membros não devem conferir prioridade elevada à geração de receita em detrimento das
funções primárias dos museus. Os Estados‐membros devem reconhecer que suas funções pri-
márias, por serem de extrema importância para a sociedade, não podem ser expressas em termos
puramente financeiros.
Função social
16. Os Estados‐membros são encorajados a apoiar a função social dos museus, conforme des-
tacado pela Declaração de Santiago do Chile de 1972. Os museus são cada vez mais vistos, em
todos os países, como tendo um papel‐chave na sociedade e como fator de promoção à integra-
ção e à coesão social. Nesse sentido, podem ajudar as comunidades a enfrentar mudanças pro-
fundas na sociedade, incluindo aquelas que levam ao crescimento da desigualdade e à quebra
de laços sociais.
17. Museus são espaços públicos vitais que devem abordar o conjunto da sociedade e podem,
portanto, desempenhar um importante papel no desenvolvimento de laços sociais e de coesão
social, na construção da cidadania e na reflexão sobre identidades coletivas. Os museus devem
ser lugares abertos a todos e comprometidos com o acesso físico e o acesso à cultura para todos,
incluindo os grupos vulneráveis. Eles podem constituir espaços para a reflexão e o debate sobre
temas históricos, sociais, culturais e científicos. Os museus também devem promover o respeito
aos direitos humanos e à igualdade de gênero. Os Estados‐membros devem encorajar os museus
a cumprir todos esses papéis.
18. Nos casos em que o patrimônio cultural de povos indígenas esteja representado em coleções
de museus, os Estados‐membros devem tomar as medidas apropriadas para encorajar e facilitar
o diálogo e o estabelecimento de relações construtivas entre esses museus e os povos indígenas
com respeito à gestão dessas coleções e, onde for apropriado, ao retorno ou à restituição de
acordo com as leis e as políticas aplicáveis.
Museus e tecnologias da informação e comunicação (TICs)
19. As mudanças trazidas pela ascensão das tecnologias da informação e comunicação (TIC)
oferecem oportunidades para os museus em termos de preservação, estudo, criação e transmis-
são do patrimônio e do conhecimento relacionado. Os Estados‐membros devem apoiar os mu-
seus a compartilhar e disseminar o conhecimento, de modo a garantir que os museus tenham os
meios para acessar essas tecnologias, quando consideradas necessárias para aprimorar suas fun-
ções primárias.
IV. POLÍTICAS
Políticas gerais
20. Instrumentos internacionais existentes relativos ao patrimônio cultural e natural reconhecem
a importância e a função social dos museus na sua proteção e promoção, e na acessibilidade
desse patrimônio ao público. Nesse sentido, os Estados‐membros devem tomar medidas apro-
priadas, de maneira que os museus e as coleções nos territórios sob sua jurisdição ou controle
se beneficiem das medidas protetivas e promocionais garantidas por esses instrumentos. Os
Estados‐membros devem ainda tomar as medidas apropriadas para fortalecer as capacidades
dos museus, para sua proteção em todas as circunstâncias.
21. Os Estados‐membros devem assegurar que os museus implementem os princípios dos ins-
trumentos internacionais aplicáveis. Os museus estão comprometidos a observar os princípios
dos instrumentos internacionais para a proteção e a promoção do patrimônio cultural e natural,
tanto tangível quanto intangível. Eles também devem aderir aos princípios dos instrumentos
internacionais para o combate ao tráfico ilícito de bens culturais e devem coordenar seus esfor-
ços nessa matéria. Os museus também devem considerar os padrões éticos e profissionais esta-
belecidos pela comunidade de profissionais de museus. Os Estados‐ membros devem garantir
72

que o papel dos museus na sociedade seja exercido de acordo com padrões legais e profissionais
nos territórios sob sua jurisdição.
22. Os Estados‐membros devem adotar políticas e tomar as medidas apropriadas para garantir
a proteção e a promoção dos museus localizados nos territórios sob sua jurisdição ou controle,
apoiando e desenvolvendo essas instituições de acordo com suas funções primárias e, nesse
sentido, desenvolvendo os recursos humanos, físicos e financeiros necessários para o seu fun-
cionamento apropriado.
23. A diversidade dos museus e do patrimônio do qual são guardiões constitui o seu maior valor.
Solicita‐se que os Estados‐membros protejam e promovam essa diversidade e, ao mesmo
tempo, encorajem os museus a se basear nos critérios de excelência definidos e promovidos
pelas comunidades de museus nacionais e internacionais.
Políticas funcionais
24. Os Estados‐membros são convidados a apoiar políticas ativas de preservação, pesquisa,
educação e comunicação, adaptadas aos contextos sociais e culturais locais, para permitir que
os museus protejam e transmitam o patrimônio às gerações futuras. Nessa perspectiva, esforços
colaborativos e participativos entre museus, comunidades, sociedade civil e o público devem
ser fortemente encorajados.
25. Os Estados‐membros devem tomar medidas apropriadas para garantir que a compilação de
inventários com base nos padrões internacionais seja uma prioridade nos museus estabelecidos
sob sua jurisdição. A digitalização de coleções de museus é altamente importante nesse sentido,
mas não deve ser considerada como um substituto para a conservação de coleções.
26. Boas práticas para o funcionamento, a proteção e a promoção dos museus e de sua diversi-
dade e seu papel na sociedade foram reconhecidas por redes nacionais e internacionais de mu-
seus. Essas boas práticas são continuamente atualizadas para refletir inovações no campo. A
esse respeito, o Código de Ética para Museus adotado pelo Conselho Internacional de Museus
(ICOM) constitui a referência mais amplamente compartilhada. Os Estados‐ membros são en-
corajados a promover a adoção e a disseminação deste e de outros códigos de ética e boas
práticas, e a usá‐los para subsidiar o desenvolvimento de padrões, de políticas de museus e da
legislação nacional.
27. Os Estados‐membros devem tomar as medidas apropriadas para facilitar o emprego de pes-
soal qualificado por museus nos territórios sob sua jurisdição com a expertise necessária. De-
vem ser oferecidas oportunidades adequadas para a educação continuada e o desenvolvimento
profissional de todos os trabalhadores de museus, para manter uma força de trabalho efetiva.
28. O funcionamento efetivo dos museus é diretamente influenciado pelo financiamento pú-
blico e privado, bem como por parcerias adequadas. Os Estados‐membros devem empenhar‐se
para garantir uma visão clara, planejamento e financiamento adequados para os museus, e um
equilíbrio harmonioso entre os diferentes mecanismos de financiamento, para permitir‐lhes re-
alizar suas missões em benefício da sociedade, respeitando inteiramente suas funções primárias.
29. As funções dos museus são também influenciadas pelas novas tecnologias e por seu cres-
cente papel na vida cotidiana. Essas tecnologias têm grande potencial para promover os museus
por todo o mundo, mas também constituem barreiras potenciais para pessoas e museus que não
têm acesso a elas, ou o conhecimento e as habilidades para usá‐las de forma efetiva. Os Estados‐
membros devem se esforçar para fornecer acesso a essas tecnologias para os museus nos terri-
tórios sob sua jurisdição ou controle.
30. A função social dos museus, juntamente com a preservação do patrimônio, constitui seu
propósito fundamental. O espírito da Recomendação sobre os Meios Mais Efetivos de Tornar
os Museus Acessíveis a Todos, de 1960, permanece importante na criação de uma posição du-
radoura para os museus na sociedade. Os Estados‐membros devem se empenhar para incluir
esses princípios nas leis concernentes aos museus estabelecidos nos territórios sob sua jurisdi-
ção.
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31. A cooperação dentro dos setores de museus e instituições responsáveis por cultura, patri-
mônio e educação, é uma das formas mais efetivas e sustentáveis de proteger e promover os
museus, sua diversidade e seu papel na sociedade. Os Estados‐membros devem, portanto, en-
corajar a cooperação e as parcerias entre museus e instituições culturais e científicas em todos
os níveis, incluindo sua participação em redes profissionais e associações que promovem tal
cooperação e exposições internacionais, intercâmbios e a mobilidade de coleções.
32. As coleções definidas no Parágrafo 5, quando abrigadas em instituições que não são museus,
devem ser protegidas e promovidas, a fim de preservar a coerência e melhor representar a di-
versidade cultural do patrimônio daqueles países. Os Estados‐membros são convidados a coo-
perar na proteção, na pesquisa e na promoção dessas coleções, assim como na promoção do
acesso a elas.
33. Os Estados‐membros devem tomar medidas legais, técnicas e financeiras apropriadas, a fim
de elaborar planos e políticas públicas que permitam o desenvolvimento e a implementação
dessas recomendações em museus situados nos territórios sob sua jurisdição.
34. A fim de contribuir ao melhoramento das atividades e dos serviços dos museus, os Estados‐
membros são encorajados a apoiar a criação de políticas inclusivas para o desenvolvimento de
públicos.
35. Os Estados‐membros devem promover a cooperação internacional em capacitação e treina-
mento profissional, por meio de mecanismos bilaterais e multilaterais, inclusive por meio da
UNESCO, a fim de melhor implementar essas recomendações e, especialmente, para beneficiar
os museus e as coleções dos países em desenvolvimento.
______________________________________
i Lista dos instrumentos internacionais direta e indiretamente relacionados a museus e coleções:
• Convenção para a Proteção dos Bens Culturais em caso de Conflito Armado (1954) e seus dois Protocolos (1954
e 1999);
• Convenção sobre as Medidas a Serem Adotadas para Proibir e Impedir a Importação, Exportação e Transferência
de Propriedade Ilícitas dos Bens Culturais (1970);
• Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (1972);
• Convenção sobre Diversidade Biológica (1992);
• Convenção da UNIDROIT sobre Bens Culturais Furtados ou Ilicitamente Exportados (1995);
• Convenção para a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático (2001);
• Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003);
• Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005);
• Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966);
• Recomendação sobre os Princípios Internacionais Aplicáveis a Escavações Arqueológicas (UNESCO, 1956);
• Recomendação sobre os Meios Mais Efetivos de Tornar os Museus Acessíveis a Todos (UNESCO, 1960);
• Recomendação sobre as Medidas a Serem Adotadas para Proibir e Impedir a Importação, Exportação e Transfe-
rência de Propriedade Ilícitas dos Bens Culturais (UNESCO, 1964);
• Recomendação sobre a Proteção, no Plano Nacional, do Patrimônio Cultural e Natural (UNESCO, 1972);
• Recomendação relativa ao Intercâmbio Internacional de Bens Culturais (UNESCO, 1976);
• Recomendação para a Proteção dos Bens Culturais Móveis (UNESCO, 1978);
• Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (UNESCO, 1989);
• Declaração Universal dos Direitos Humanos (1949);
• Declaração dos Princípios de Cooperação Cultural Internacional (UNESCO, 1966);
• Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (UNESCO, 2001);
• Declaração sobre a Destruição Intencional de Patrimônio Cultural (UNESCO, 2003);
• Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007).
ii Esta definição é fornecida pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), que reúne, em âmbito internacional,
o fenômeno dos museus em toda a sua diversidade e transformações ao longo do tempo e do espaço. Esta definição
descreve um museu como uma agência ou instituição pública ou privada sem fins lucrativos.
iii Esta definição reflete parcialmente aquela fornecida pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM).
iv Esta definição reflete parcialmente aquela fornecida pela Convenção‐quadro do Conselho da Europa sobre o
Valor do Patrimônio Cultural para a Sociedade.
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ANEXO C
Divulgação da Semana da Cultura Surda no MAR

Museu de Arte do Rio promove a Semana da Cultura Surda


Publicado em 19/09/2016

O Museu de Arte do Rio – MAR, sob gestão do Instituto Odeon, por meio da Escola do
Olhar em parceria com a comunidade surda do Rio de Janeiro, promove pela primeira vez a
Semana da Cultura Surda, entre os dias 20 e 25 de setembro. O evento é resultado de um diálogo
continuado com a comunidade que teve início com uma série de atividades voltadas a esse
público: batismo do museu em Libras, Conversa de Galeria, sarau, formação com professores
em Libras, além do 1º Fórum de Cultura de Surda – encontro realizado em junho deste ano.
A Semana acontece durante o mês de setembro, conhecido pela comunidade surda como
Setembro Azul – marcado por duas datas importantes: Dia do Surdo (26/9) e Dia Internacional
dos surdos (30/9) –, e vem coroar o histórico de conquistas dessa comunidade, com uma extensa
programação cultural e a publicação de documento gerado durante o Fórum de Cultura Surda,
que aborda os debates realizados, ideias e interesses mapeados no encontro. Para celebrar a
ocasião, o Museu ficará com suas luzes de fachada azuis, durante todo o mês.
No dia 20, terça-feira, uma roda de conversa sobre Cultura Surda e Educação abre a programa-
ção da Semana, às 14h. Clarissa Guerretta, pós-graduada em Ensino, Tradução e Interpretação
da Libras pela Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ); Heloise Gripp, mestre em Lin-
güística pela Universidade Federal de Santa Catarina e graduada em Letras -Libras pela Uni-
versidade Federal de Santa Catarina; Ulrich Palhares, pedagogo e assessor da diretoria da Fe-
deração Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS); e Wagner Cabral, coorde-
nador da FENEIS, são os convidados do bate-papo que vai abordar diferentes temas sobre o
assunto: formação de professores, inclusão da Libras em na sala de aula e política sociocultural
e educação para a comunidade surda.
Ainda como parte da programação, entre os dias 21 e 23, Rosana Grasse, professora
pós-graduada no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), ministrará o Curso Poesia
em Libras, exclusivo para pessoas surdas, de 14h às 17h. Já no dia 24, o MAR convida profes-
sores e educadores para o encontro “A cor como questão”, como parte das ações da exposição
“A cor do Brasil”. A atividade, que contará com intérprete de Português para Libras, busca
investigar como o tema da cor se faz presente na História da Arte Brasileira – no passado e no
76

presente. Haverá ainda intérprete de Português para Libras no Espaço da Criança, onde ocorre
a intervenção Splashcletas, do artista Guilherme Teixeira, de 15h às 17h, nos pilotis do Museu.
A comemoração continua no dia 25, domingo, com uma caminhada em homenagem ao
Setembro Azul e ao Orgulho Surdo, às 13h, no Boulevard Olímpico do Porto Maravilha – Praça
Mauá, organizada pelo Centro de Integração de Artes e Cultura dos Surdos (CIACS). Na se-
quência, às 14h, acontece o MAR em Libras, como parte da programação mensal do Museu de
Arte do Rio. Nesta edição, o público surdo poderá conferir a exposição “Leopoldina, princesa
da Independência, das artes e das ciências”, com visita mediada em Língua Brasileira de Sinais
pela arquiteta e professora do Instituto Nacional de Educação de Surdos, Vanessa Miro Pi-
nheiro.
Após o percurso na mostra, ainda no domingo, os visitantes seguem para Praça Mauá
para um encontro, às 16h, com informes, Piadas e apresentação da história do Movimento Or-
gulho Surdo. Para encerrar o dia, a cobertura fluida do MAR ficará azul, às 18h, em homenagem
ao Movimento Orgulho Surdo.

Divulgação da Semana da Cultura Surda no MAR.


Disponível em: http://ipol.org.br/museu-de-arte-do-rio-promove-a-semana-da-cultura-surda/.
Acesso em 11 de Março. 2020.
77

Anexo D
Programação do Curso “Cultura Surda, Arte e Mediação”.

Terças–feiras
Até 30/07
17h
Formação inédita desenhada em colaboração com o Conselho Voluntário de Pessoas
Surdas do MAR, e com professores da UFRJ do curso de Letras-Libras. O curso tem como
objetivo investigar e disseminar a cultura surda, assim como promover trocas de conheci-
mento e relação entre pessoas surdas e ouvintes. Conta com encontros semanais em que ar-
tista, pesquisadores e professores surdos apresentam seu trabalho e participam de debates com
o público. Como resultado do curso, será desenvolvido um librário com sinais específicos
para discutir as questões da arte e da cultura, que será publicado como ferramenta para apoiar
a mediação em Libras nos espaços culturais.

Programação
28/05 – O que é cultura surda?
04/06 – Condição do ouvinte na comunidade surda
11/06 – Corpo e Performance
18/06 – Cena e Movimento
25/06 – Poesia, Gesto e Performatividade
02/07 – Mídias digitais e redes sociais
09/07 – Narrativas Surdas e Literatura
16/07 – Movimento negro surdo
23/07 – Feminismos surdos
30/07 – Cultura Surda e mediação cultural

Programação do Curso “Cultura Surda, Arte e Mediação”. Museu de Arte do Rio. Disponível
em: http://museudeartedorio.org.br/programacao/cultura-surda-arte-e-meditacao/. Acesso em
11 de dezembro. 2019.
78

Anexo E
Reportagens retiradas da internet sobre o período de crise vivenciado pelo MAR

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/11/diretor-do-museu-de-arte-do-rio-deixa-posto-


com-criticas-a-prefeitura.shtml
Consultado em: 12/12/19

Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-11/museu-de-arte-do-rio-esta-em-desmobili-


zacao-por-falta-de-verba
Consultado em: 12/12/19
79

Disponível em: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/bbc/2019/12/11/vivemos-com-agua-no-pescoco-mu-


seu-simbolo-da-revitalizacao-do-rio-de-janeiro-corre-risco-de-fechar-as-portas.htm
Consultado em: 12/12/19

Disponível em: https://www.artequeacontece.com.br/museu-de-arte-do-rio-corre-risco-de-fechar/


Consultado em: 12/12/19

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