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CAROLINA GUIDA CARDOSO DO CARMO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO


INSTITUTO DAS CIDADES
ESPECIALIZAÇÃO EM CIDADES, PLANEJAMENTO URBANO E PARTICIPAÇÃO POPULAR

2019
CAROLINA GUIDA CARDOSO DO CARMO

Insurgência, sobrevivência, permanência:


Mulheres em Movimentos de Moradia em São
Paulo

Monografia de Especialização apresentada ao Instituto


das Cidades da Universidade Federal de São Paulo, como
requisito para obtenção do título de Especialista em
Cidade, Planejamento Urbano e Participação Popular.

Orientadora: Joana da Silva Barros

SÃO PAULO
2019
AGRADECIMENTOS

Nada acontece de maneira isolada; nada conseguimos sozinhos e sozinhas. Nesse


trabalho, muitas pessoas foram importantes para sua elaboração, mas visto que aqui meu foco
é nas mulheres e nas suas lutas, vale a pena dar ênfase a algumas delas, explicitamente.
Minha mãe, Silvana Maria Guida, o meu maior exemplo de mulher e, mesmo com
todas suas contradições, de feminista, mesmo sem o assumir declaradamente.
Minha orientadora, Joana da Silva Barros, que me abriu sua casa, seu sorriso, seu
abraço e me doou seu carinho, seu ombro, seu conhecimento e sua paciência para me guiar, da
melhor maneira possível, em um caminho que me é novo.
Vocês, mulheres nas quais me inspirei durante o curso e que, de maneira direta ou
indireta, me fizeram repensar comportamentos, pensamentos e ações: Ana Carolina Zumas,
Helena Rizzo, Maria da Penha, Suelen Yoshinaga, Mariangela Souza, Nathalia Batista,
Maria Fernanda Willy, Tatiana Ashino.
As incríveis professoras desse curso que doaram seu tempo e se dedicaram a me ensinar,
sábado após sábado, um pouco mais sobre a importância de pensar e produzir ciência:
Giovanna Milano, Magaly Pulhez, Silvia Lopes Raimundo.
Todas as mulheres que lutam cotidianamente pela consolidação de seus direitos. Muitas
delas sobrevivem e revolucionam o mundo sem ter ser papel valorizado, visto que são milhões
Brasil afora, mas espero que possa simbolizar todas através do agradecimento especial à
Claudia Garcez, mulher, mãe, militante e insurgente.
Vocês, mulheres que conquistaram meu coração nesse curso e que independente dos
caminhos futuros, se manterão aqui dentro eternamente, com a maior gratidão que posso sentir
por qualquer pessoa: Carla Saraiva, Francisca Viana, Lualinda Silva, Luzinete Borges e
Mônica Rosa.
Por fim, quebrando um pouco o padrão, agradeço ao coordenador do curso, Ricardo
Barbosa da Silva, por ter sido um porto seguro para qualquer problema que tenha encontrado
nesses últimos dezoito meses, mas também pelos abraços calorosos e conversas inspiradoras e
motivadoras a cada encontro.
Da maneira mais sincera possível, amo vocês todas, cada uma a sua (e minha)
maneira e, sem vocês, nada disso seria possível. Obrigada!

iii
“[...] Aquelas mulheres que não sabem ler,
que tem uma vida desgraçada, que nem
sempre se denominam feministas, são um
grupo poderoso para constituir um feminismo
popular que represente um verdadeiro
comum.”

Helena Silvestre – Militante do movimento Luta


Popular e editora da Revista Amazonas

(adaptação de fala no evento Café Periférico com


Silvia Federici na Unifesp Campus Zona Leste, no
dia 26 de setembro de 2019)

iv
RESUMO

Esse trabalho de conclusão de curso se propõe a refletir sobre a correlação da luta das
mulheres dentro dos movimentos de moradia, utilizando como campo de observação, a
Ocupação Tereza de Benguela, localizada na zona leste de São Paulo e vinculada ao Movimento
dos Trabalhadores sem Teto (MTST). Utilizando como embasamento para o trabalho a fala de
liderança da ocupação, assim como entrevista com pesquisadora do movimento, resultamos em
uma discussão que intersecciona a luta da ocupação com especificidades vivenciadas pelas
mulheres e que observa pontos comuns de experiência que proporcionam uma significativa
forma de fazer política dentro da luta, não só por moradia, mas pela resistência e sobrevivência
urbana.

v
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Localização do Distrito de José Bonifácio ................................................................ 4


Figura 2 - Localização da Ocupação Tereza de Benguela.......................................................... 5
Figura 3 - Mutirão de Limpeza na ocupação do Edifício ......................................................... 27
Figura 4 - Mutirão de Limpeza na ocupação do Edifício ......................................................... 27
Figura 5 - Oficina de Mandalas organizada na Ocupação (2017) ............................................ 28
Figura 6 - 2a Roda de Conversa na Ocupação (2017) .............................................................. 28
Figura 7 - Caminhão com a mudança para o espaço ................................................................ 30
Figura 8 - Mutirão de limpeza na retomada do Edificio........................................................... 30

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Evolução da taxa de homicídios de mulheres (a cada 100mil) entre 1980 e 201322
Gráfico 2 - Evolução das taxas de homicídio de mulheres brancas e negras (a cada 100mil),
entre 2003 e 2013 ..................................................................................................................... 24

vi
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................... pg. 02

2. MOVIMENTOS SOCIAIS E A PRESENÇA DAS MULHERES............... pg. 07

3. “A NOSSA LUTA É TRANSVERSAL”: OCUPAÇÃO TEREZA DE BENGUELA


E A PRÁTICA DA DISCUSSÃO..................................................... pg. 13

3.1 “A LUTA ANTICAPITALISTA ARTICULA TUDO ISSO”: A INSURGÊNCIA ORGÂNICA........... pg. 13

3.2 O MATRIARCADO DA MISÉRIA: A INTERSECCIONALIDADE ENTRE GÊNERO E RAÇA..... pg. 17

3.3 “A GENTE NÃO QUER SÓ ENTREGAR MORADIA, NÓS QUEREMOS QUE AS MULHERES NÃO
SEJAM MAIS AGREDIDAS”: A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER............................................. pg. 21

3.4 “ELA PODE TOMAR AS RÉDEAS DA PROPRIA VIDA”: TRABALHO, RENDA E INDEPENDÊNCIA
FINANCEIRA................................................................................................................... pg. 27

3.5 “QUE NOSSO POVO TENHA ESPAÇO E QUE SE TORNEM PROTAGONISTAS NESSA LUTA”:
FEMINISMO POPULAR E O FAZER POLÍTICA...................................................................... pg. 31

4. EMPODERAR É PRECISO: CONSIDERAÇÕES FINAIS.................... pg. 35

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................... pg. 38

vii
1. INTRODUÇÃO

Esse trabalho de conclusão de curso, referente à especialização “Cidades, Planejamento


Urbano e Participação Popular”, é resultado de uma combinação de fatores, sentimentos e
habilidades desenvolvidas dentro da universidade que podem ser entendidos como formadores
da pessoa que sou hoje. Acredito valer a pena abordar sinteticamente minha trajetória enquanto
profissional e estudante, como forma de contextualizar essas transformações que vivi nesses
últimos dois anos.

Profissionalmente, me formei bacharel de Arquitetura e Urbanismo e, até 2015, me


dediquei ao trabalho mercadológico da arquitetura, atuando, entre outros, em escritórios de
interiores, reformas residenciais, etc. Esse cenário veio a ser modificado diretamente com meu
ingresso, em 2016, no mestrado no programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Tecnologia e
Cidade, na UNICAMP. Minha trajetória acadêmica, assim, se iniciou no mestrado, analisando
a qualidade dos espaços públicos produzidos através do parcelamento do solo nas cidades
grandes, utilizando como recorte geográfico, o município de Campinas.

Durante esse processo de pesquisa e imersão na vida acadêmica – através da


participação em grupos de pesquisa, seminários e congressos, apresentação de trabalhos
autorais e estágios docentes relacionados à temática do urbano, desenvolvi um interesse de
trabalho e militância junto às ocupações e aos movimentos organizados por luta de moradia na
região de Campinas, despertando, assim, um novo olhar para possibilidade de atuação
profissional e formação pessoal que pode ser estruturada no diálogo coletivo e na construção
integrada dos processos de luta e reconhecimento desses grupos sociais na esfera urbana.

Em paralelo a esses descobrimentos profissionais, também passei a vivenciar de maneira


mais intensa a força, potência e resiliência da mulher, principalmente graças às trocas,
orientações, conversas e amizades que fiz durante essa especialização, abrindo minha
perspectiva para enxergar além dos papéis socialmente naturalizados, complexificando cada
vez mais minha compreensão de mundo. Diante dessas experiências pessoais, meu trabalho da
especialização não sairia ileso à essas transformações entendidas e internalizadas, assim como
a sensibilização para um olhar que passei a ter em relação aos sujeitos que produzem e
reproduzem as forças capazes de manter em pé uma sociedade inteira sujeita à
contemporaneidade complexa e desigual na qual vivemos: as mulheres.

2
Essa luta das mulheres, entretanto, não pode ser completamente apresentada, debatida e
reconstruída em um trabalho como esse, por todas as questões que a condicionam, tanto pela
complexidade desse debate, como também pelas limitações de tempo existentes na rotina de
vida de todos os sujeitos responsáveis por esse trabalho. Com inquantificáveis privilégios, não
posso esperar as mesmas condições de dedicação dessas mulheres que, diariamente,
sobrevivem às mazelas que não me são impostas exclusivamente por onde me insiro nessa
discussão e que me passam constantemente desapercebidas.

Esse trabalho, portanto, é uma tentativa de apresentar o que acredito e entendo como
significante e essencial no exercício da minha profissão e cidadania: a valorização da mulher e
suas ações enquanto sujeito de vivência e transformação do território e dos modos de vida,
graças não só às experiências que tive o privilégio de ter, assim como das pessoas que tive o
prazer de ter em meu caminho e que me auxiliaram no meu processo de crescimento pessoal e
conscientização política.

Como cerne principal da questão, aqui buscamos identificar intersecções possíveis nas lutas
de mulheres em movimentos de moradia de São Paulo. Entretanto, antes de chegarmos a esse
recorte, inclusive definindo o campo de pesquisa, muito foi ponderado e aprimorado, desde o
início de 2019, começo do desenvolvimento e da orientação desse trabalho, até o presente
momento. Entendemos como importante, então, retomar os percursos percorridos, que
delinearam o objetivo de trabalho, a metodologia utilizada e todos as discussões possíveis em
que chegamos – contudo, tudo será apresentado a seu tempo.

Dialogando com meus anseios de pesquisar as relações e atuações possíveis das mulheres
nas cidades, o primeiro tema de pesquisa por mim delineado fora o mapeamento de coletivos
artísticos de mulheres em São Paulo. A partir de alguns casos pretendia discutir e refletir a
respeito das localizações geográficas desses coletivos e a maneira como a pauta das
intervenções propostas dialogavam com possíveis mudanças no território. Esses debates se
enquadrariam no meu entendimento, até então, como insurgência urbana e de mulheres – essa
questão também permeava um possível projeto de doutorado1 que eu viria a cursar na
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

1
Esse projeto de doutorado foi aprovado, no início de 2019, na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e
Urbanismo (FEC) da UNICAMP, sob orientação do Professor Doutor Sidney Piochi Bernardini. O mesmo sofreu
consideráveis mudanças – que, acredito, se desdobrarão em mudanças mais, mas que, a partir de sua última revisão,
se intitula “Planejamento Territorial em Assentamentos Informais a partir da Perspectiva de Gênero” e tem como
objetivo principal entender as influências possíveis das mulheres na estruturação e organização territorial dos
assentamentos informais.

3
Algumas questões se colocaram para este projeto: i) o tempo de execução, ii) metodologia
de seleção dos casos que seriam abordados, assim como iii) distanciamento prático com o que
buscávamos junto à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) na zona leste, que seria
pleitear maior diálogo territorial com a região. Buscando alcançar não só uma maior
consonância com a região em que o campus está inserido, mas também estreitar maiores laços
com os movimentos que foram majoritariamente responsáveis, após décadas de luta, pela sua
implantação, optamos por dialogarmos mais com as questões que partiam da área de atuação
de minha formação (arquitetura e urbanismo), inserirmos a perspectiva de gênero nessa
discussão – que eu tanto desejava, assim como trabalharmos com ocupações vinculadas à
movimentos de moradia da zona leste.

Optamos por fazer um estudo exploratório na Ocupação Tereza de Benguela. A Ocupação


Tereza de Benguela, vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) nasceu em
2017 e está localizada na COHAB José Bonifácio, na região de Itaquera.

Figura 1 - Localização do Distrito de José Bonifácio

Elaboração própria, 2019

4
Figura 2 - Localização da Ocupação Tereza de Benguela

Elaboração própria, 2019

Entre os meses de junho a agosto de 2019, busquei contato com uma das coordenadoras de
mulheres do MTST no estado de São Paulo, Claudia Garcez mas que, por inúmeras razões de
seu papel exercido dentro, não só do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) mas
também da própria ocupação Tereza de Benguela, não conseguimos marcar uma conversa
presencial em que várias das questões2 que norteavam a pesquisa, poderiam ser respondidas.
Diante desses desdobramentos do campo, a pesquisa se (re)estruturou da maneira que é
apresentada nas próximas páginas, como resultado das adaptações possíveis e necessárias que
fazem parte do processo de pesquisa, inerente a qualquer pesquisador.

2
Um resumo da pesquisa foi apresentado no “V CONGRESSO ACADÊMICO UNIFESP- UNIFESP 25 ANOS:
UNIVERSIDADE PÚBLICA, CONHECIMENTO PÚBLICO”, em junho de 2019, sob o título “Insurgência,
sobrevivência, permanência: Mulheres em Ocupações na Zona Leste de São Paulo”, onde a metodologia que seria
utilizada, a principio, seria a etnografia e as questões norteadoras do trabalho eram:
i) Quais as razões e enfrentamentos pessoais que as levam a buscar a ocupação Tereza de Benguela?
ii) Quais são os serviços/atividades/apoios oferecidos pela ocupação à essas mulheres?
iii) As características (como gênero, raça, classe social, entre outros) das ocupantes interferem diretamente
nos conflitos vivenciados e nos modos de enfrenta-los?
iv) Quais as dificuldades encontradas para a permanência da ocupação no território?

5
Estas primeiras incursões para montagem de campo e seus desdobramentos configuraram
não somente o campo de pesquisa, mas também condicionaram a perspectiva de análise do
trabalho a partir da necessidade de compreender como se interseccionam as questões do
feminismo e articulação de mulheres dentro dos movimentos de moradia, a partir da experiência
da Ocupação Tereza de Benguela.

Foi utilizado como principal elemento norteador da discussão informações obtidas no


depoimento dado por Claudia Garcez, coordenadora estadual do MTST e coordenadora da
ocupação Tereza de Benguela. O depoimento foi feito no seminário “Cidade, Gênero e
Interseccionalidade”, realizado pelo LabCidade (FAU/USP) em parceria com o Centro de
Pesquisa e Formação do SESC, em janeiro de 2019. O depoimento completo está disponível
através do podcast “PELA CIDADE #especial Cidade, Gênero e Interseccionalidade”3,
organizado pelos pesquisadores do LabCidade. Também foi realizada entrevista com a
antropóloga Alana Moraes que, mesmo não sendo uma representação do movimento social de
maneira direta (por não estar inserida no mesmo como moradora ou liderança) atuou junto ao
MTST por alguns anos como pesquisadora e, portanto, entendemos como relevante suas
contribuições e percepções sobre as mulheres dentro do movimento.

3
Todas as informações nesse trabalho referenciadas como de Claudia Garcez, são informações adquiridas em
palestra dada pela mesma no seminário “Cidade, Gênero e Interseccionalidade”. Disponível em:
http://www.labcidade.fau.usp.br/pela-cidade-especial-cidade-genero-e-interseccionalidade-11-claudia-garcez/
Acesso em: 17 jun 2019.

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2. MOVIMENTOS SOCIAIS E A PRESENÇA DAS
MULHERES

No Brasil, o cenário de manifestações públicas teve uma significativa ampliação de


popularidade em 2013, quando milhares de pessoas foram às ruas das cidades do país em
protesto diversos, iniciados por questões ligadas aos abusos gerados pela mobilidade mas que
se concretizaram como um movimento não homogêneo – onde “trata-se de um concerto
dissonante, múltiplo, com elementos progressistas e de liberdade, mas também de
conservadorismo e brutalidade.” (ROLNIK, 2013, pg. 12) Essa dissonância pôde ser vista nesse
movimento, mas, até culminar nesse formato que pudemos presenciar, passaram-se décadas de
mudanças e transformações nas articulações populares em prol de um (ou vários) temas. Assim,
para iniciarmos qualquer discussão sobre a pauta da mobilização popular e sua busca seja por
representatividade, atuação política e/ou poder de atuação no território, é importante retomar
os processos de formação dos movimentos sociais enquanto ferramenta de luta em um contexto
histórico.

De maneira geral, os movimentos sempre existiram e sempre existirão pois representam


forças organizadas em busca de experimentação social que é recriada diariamente a partir das
adversidades das situações enfrentadas, resultando em inovações socioculturais (GOHN, 2011).
De acordo com a autora, os movimentos “constroem ações coletivas que agem como resistência
à exclusão e lutam pela inclusão social [...] desenvolvem o chamado empowerment de atores da
sociedade civil” (pg. 336)

O que os movimentos sociais são, e tem sido, está na descoberta que fazem de
si mesmos como atores políticos, ou seja, na ideia e no exercício de uma
participação equivalente, diferenciada e coletiva na condução dos assuntos
públicos que lhes dizem respeito – por mais localizados que sejam. A sua
importância não está no localismo e no comunitarismo de sua mobilização
coletiva, mas no alcance que há, em cada uma destas mobilizações e ações,
em sua enunciação como sujeitos coletivos de direitos. (PAOLI, 1991, pg.
121)
Essas formas de interações sociais e acesso às diversas esferas de serviços e instituições
é um trabalho que não pode ser ignorado na busca por um contínuo entendimento sobre as
mudanças e reais características de uma cidade. Quando dizemos reais, entendemos como todo
um cenário urbano ampla e diversificado, incluindo os setores marginalizados, junto com suas

7
práticas culturais e sociais, que nem sempre são tidos como uma parcela formal e, portanto,
evidentes aos olhos das práticas de planejamento.

Após os anos 1960 teria se configurado um novo padrão de sociedade [...] Os


conflitos do trabalho teriam se diluído, processados pelas instituições
democráticas, como expansão de direitos, e pelas instituições capitalistas,
como aumento de salários. A dominação teria se tornado eminentemente
cultural, feita por meio do controle da informação por uma tecnocracia. [...]
As novas mobilizações não teriam uma base social demarcada. Seus atores
não se definiriam mais por uma atividade, o trabalho, mas por formas de vida.
Os “novos sujeitos” não seriam, então, classes, mas grupos marginais em
relação aos padrões de normalidade sociocultural. [...] Esses “novos
movimentos sociais” não se organizariam em combate ao Estado, nem com a
finalidade de conquistá-lo. Recorrendo a formas de ação direta, “no nível dos
próprios problemas sociais”, seriam agentes de pressão social, voltados para
persuadir a sociedade civil. (ALONSO, 2009)
A recessão econômica que o Brasil enfrentou na década de 80, fez com que uma grande
parte da população migrasse para atividades e território urbano e unindo esse fato ao
empobrecimento das camadas trabalhadoras, reforçando a desigualdade urbana4. As políticas
que incidiram no Brasil desde esse período, de caráter neoliberais, agravaram a crise urbana e,
na ausência de políticas que viessem a subsidiar uma grande parte da população, a mesma se
viu obrigada a ocupar áreas inadequadas para fins de habitação (FERREIRA, 2012), uma vez
que essas áreas não estão inseridas nas disputas do mercado imobiliário e do capital, como é o
caso de áreas de preservação ambiental, margens de córregos e com declividades acentuadas.
Essa falta de moradia, de fato, se coloca como um dos fatores (porém, não o único) que excluem
essa população de acessar diversos serviços que a “cidade legal” tem a oferecer, assim como se
integrar às perspectivas de ascensão social, como oportunidades de empregos formais.

De acordo com Gohn (2011), os movimentos sociais populares latinos tiveram maior
visibilidade, a partir das décadas de 1970 e 1980 por se posicionarem contra os regimes
militares, período esse onde houve uma tentativa completa de silenciamento e participação
popular nas discussões e representações sociais – movimentos esses que contribuíram
decisivamente para a conquista de vários direitos sociais posteriores, como a Constituição

4
O urbano, na visão de Francisco de Oliveira, passa a ser compreendido, diante de um processo histórico de
industrialização incentivado, principalmente, pela entrada de capital estrangeiro, a partir do atendimento do Estado
aos interesses da classe média formada pelas pessoas dotadas de poder econômico e político, em detrimento das
classes populares desprovidas do poder de reivindicação. Para mais, ver: OLIVEIRA, F. O Estado e o urbano
no Brasil. In: BARROS, J.; SILVIA, E.; DUARTE, L. (Orgs). Caderno de Debates 2. Cidades e conflito: o
urbano na produção do Brasil contemporâneo. FASE: Rio de Janeiro/RJ – 2013. Disponível em:
https://fase.org.br/wp-content/uploads/2013/09/Caderno_de_Debates_2.pdf

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Federal de 1988. Essas articulações se fortaleceram a partir de diversas pautas, como a falta de
políticas públicas para equalizar as desigualdades urbanas, sendo que a temática da moradia,
não só enquanto edificação, mas também enquanto localização urbana (HELENE, 2019),
permeou diversos desses grupos.

Paoli (1990) afirma que a gênese da luta dos movimentos sociais na América Latina é
normalmente ligada às experiências de repressão e privatização da vida social, originando lutas
contra a exclusão e, de fato, tendo as mulheres como protagonistas de algumas dessas lutas.
Entretanto, a participação das mulheres nessas lutas foi lida como a extensão de seus
tradicionais papeis femininos, conferindo à essa luta uma abrangência que não se aplicava na
participação institucionalizada na esfera política e social. Atuações políticas importantes das
mulheres na década de 1970, por exemplo, foram nas disputas por políticas públicas
relacionadas à implantação de equipamentos públicos e investimento em saúde.

A década era 1970. [...] A mortalidade infantil, por exemplo, era de 120 óbitos
para cada mil nascimentos. A saúde, um direito básico, pouco acessível para
a massa da população. O SUS ainda não existia. O atendimento gratuito só
estava assegurado para aqueles e aquelas que tinham carteira assinada e
contribuíam com a Previdência Social. A parcela que não se enquadrava neste
perfil tinha que recorrer a consultas pagas ou aos poucos equipamentos de
saúde municipais e estaduais, nos quais apenas mulheres e crianças pequenas
tinham atendimento garantido. Em São Paulo, a situação chamou a atenção
dos moradores da zona Leste, em especial das donas de casa. [...] “Juntou dez
donas de casa daqui do Jardim Nordeste. Nós começamos a pensar e chorar,
porque não sabíamos que jeito dar naquilo. Todo dia, sentávamos as dez donas
de casa para discutir o problema da saúde pública, o que podia fazer. [...]
Poucos meses depois da primeira reunião, as donas de casa conheceram outro
grupo que viria a contribuir para a luta por mais equipamentos públicos na
região, formado por médicos e jovens estudantes de medicina. [...] A união
das donas de casa e dos jovens médicos possibilitou a descoberta de uma
brecha na legislação. A lei do estado de São Paulo assegurava a existência de
conselhos de saúde para fiscalizar a atuação do poder público. A população,
que utilizava os serviços, estava, no entanto, excluída desses espaços. Só
faziam parte figuras como delegados, padres e freiras. [...] Iniciava-se ali uma
luta para que o povo pudesse estar representado nos conselhos de Saúde. [...]
Oito anos depois, com a restauração da democracia, a Constituição brasileira
de 1988 tomaria como base as demandas dos movimentos regionais para
estabelecer o Sistema Único de Saúde (SUS), universal e gratuito. (PAIXÃO,
2019)
Posteriormente, a visibilidade das mulheres no debate político veio exatamente dessa
presença diversificada em espaços múltiplos, como interlocutoras formais e informais na

9
elaboração de políticas públicas, na luta pelo direito das mulheres no mercado de trabalho, na
cultura e em diversas esferas (PAOLI, 1991).

Essa atuação histórica institucionalizada, entretanto, está baseada na divisão sexual do


trabalho, conceito adaptado historicamente a cada sociedade, mas que, prioritariamente,
designou os espaços da esfera produtiva aos homens, reforçando a atuação dos mesmos junto
às funções de forte valor social agregado e relegando às mulheres, a esfera reprodutiva
(KERGOAT, 2009). Para Scott (1995), o conceito de gênero acentua e explica as desigualdades
pautadas entre feminino e masculino, e a autora rejeita o determinismo biológico do sexo e
considera os sujeitos como resultado de construções sociais – parte do pressuposto de que os
gêneros (masculino e feminino) percebem e vivenciam o mundo de maneira diferente,
resultando em atuações diferentes e, portanto, influenciando na construção das relações de
poder.

[...] O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas


diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma primária de dar
significado às relações de poder. As mudanças na organização das relações
sociais correspondem sempre a mudanças nas representações do poder, mas a
mudança não é unidirecional. (SCOTT, 1995, pg 86)
Entretanto, Kergoat (2009) coloca que a divisão sexual do trabalho não é um dado
imutável, sendo que essas concepções variam fortemente no espaço e no tempo, sendo possível
admitir, portanto, que as alterações presentes nas articulações e atuações das mulheres dentro
dos movimentos sociais podem originar, no processo de construção da história, mudanças
substanciais a respeito da participação política das mesmas.

Problematizar em termos de divisão sexual do trabalho não remete a um


pensamento determinista; ao contrário, trata-se de pensar a dialética entre
invariantes e variações, pois, se supõe trazer à tona os fenômenos da
reprodução social, esse raciocínio implica estudar ao mesmo tempo seus
deslocamentos e rupturas, bem como a emergência de novas configurações
que tendem a questionar a própria existência dessa divisão. (KERGOAT,
2009, pg. 68)
Assim, a inserção das mulheres nesses espaços de luta pelo direito à moradia e à cidade,
nos leva a refletir sobre a possibilidade de descontruir a naturalização dos papeis pré-definidos
socialmente, compreendendo a dinamicidade dos acontecimentos que constroem a realidade da
vida imediata. (SILVA; GOMES; LOPES, 2014)

Caminhando para um diálogo entre os territórios informais e a necessidade de se


questionar o papel da mulher nesses cenários, Helene (2019) afirma que ainda são considerados

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escassos dados efetivos que comprovem a participação majoritária das mulheres dentro dos
assentamentos informais. Mas a autora afirma a presença das mulheres massiva e constante a
partir de entrevistas que experimentou durante suas pesquisas e militâncias.

Dentro do nosso grupo, do nosso movimento, a maioria é mulher. [...]


Antigamente [fundação do grupo em 2001] era só mulher. Eram quinze
mulheres na coordenação. [...] E hoje tem alguns homens envolvidos. (Ivanete
de Araújo, coordenadora-geral do Movimento Sem-Teto do Centro – MSTC,
2011apud HELENE, 2019, pg. 963)
Souza (2013) se propôs a entender razões desta presença da mulher – seja na
organização, seja na participação, ser muito grande nos movimentos de moradia.

Ao buscar os porquês daquelas mulheres perderem horas de trabalho e


deixarem outras responsabilidades de lado para estarem em uma reunião,
comecei pelo único caminho que certamente me daria as respostas: pelas
experiências dessas mulheres. [...] A casa, para a grande maioria das mulheres,
é um bem de primeira necessidade. Não é apenas um local que lhes
proporciona segurança e privacidade, mas é também – e sobretudo – onde elas
exercem muitas das tarefas que socialmente lhes foram impostas, além de ser
onde elas historicamente se reservam. [...] Ora, se o trabalho doméstico e de
cuidados [ainda] é reservado prioritariamente à mulher e as condições de
moradia são determinantes na realização desses trabalhos, é possível
entendermos porque a moradia reveste-se como um bem de primeira
necessidade para as mulheres em geral, tanto na esfera reprodutiva quanto
produtiva. (SOUZA, 2013, pg. 02-05)
Helene (2019) também coloca que um dos fatores que podemos associar a uma
participação massiva de mulheres em movimentos de moradia é a feminização da pobreza5.
tendo por indicador principal o fato do rendimento médio mensal de todos os homens com mais
de 15 anos ser consideravelmente maior que o das mulheres. De acordo com a autora, com
bases no Pnad/IBGE (2015), o rendimento médio mensal de todos os trabalhos dos homens
com mais 15 anos de idade foi de R$2.058 e de R$2.509, no caso dos homens brancos, e o das
mulheres, de R$1.567 e de R$1.027, no caso de mulheres negras. Assim, é perceptível como o
mercado de trabalho não é acessado de forma igualitária entre os gêneros (e também entre as
raças), visto que as mulheres negras recebem menos da metade do valor do salário dos homens
brancos.

5
“A feminização da pobreza é uma mudança nos níveis de pobreza partindo de um viés desfavorável às mulheres
ou aos domicílios chefiados por mulheres” (MEDEIROS; COSTA, 2008)

11
Esse fator, para citar apenas a questão da trabalhista, pode embasar a discussão sobre as
mudanças nas formas de participação das mulheres nos movimentos sociais, assim como a
mobilização para lutarem por maior independência e tomarem o espaço público e,
historicamente político, enquanto cenário das lutas que perpassam a realidade condicionada
socialmente e toda sua complexidade contemporânea.

12
3. “A NOSSA LUTA É TRANSVERSAL”6:
OCUPAÇÃO TEREZA DE BENGUELA E A PRÁTICA DA
DISCUSSÃO

Utilizando como embasamento as afirmativas de Paoli (1990), os estudos dos


movimentos sociais reconhecem seu universo de reivindicações díspares que, por sua vez,
geram pesquisas regionalizadas e específicas, sendo capazes de revelar vários outros universos
de significados que excedem o interesse pelas lutas entre movimentos e estado, por exemplo.
Assim, há a necessidade do olhar contextualizado de pesquisas, para construir caminhos e
abordagens situadas dentro de suas esferas específicas.

Uma vez que buscamos identificar como se interseccionam as questões do feminismo e


articulação de mulheres dentro dos movimentos de moradia, a partir da experiência da
Ocupação Tereza de Benguela, buscamos nos ater em quatro pontos que entendemos como
principais, por sobressaírem, tanto nas falas obtidas - fundamentação do trabalho, como também
em uma discussão mais intrínseca originada pelos autores utilizados como referência: i) a
questão da interseccionalidade entre gênero e raça dentro da ocupação, ii) a violência
contra a mulher, iii) a busca das participantes pela independência financeira e iv) a
discussão sobre a categoria de feminismo popular. A pesquisa se justifica partindo da
necessidade, “[...] de tornar visíveis práticas femininas que outrora estiveram silenciadas pelos
mecanismos de exclusão configurados nas narrativas masculinistas” (ALMEIDA, 2018, pg. 46)

3.1 “A LUTA ANTICAPITALISTA ARTICULA TUDO ISSO”7:


A INSURGÊNCIA ORGÂNICA

O MTST surgiu com uma perspectiva de organizar os trabalhadores em meio urbano,


almejando uma mudança em relação a seus direitos que são constantemente negados, como a
questão da moradia (e todos seus imbricamentos com saúde, trabalho, educação) e

6
Fala de Claudia Garcez.
7
Fala de Claudia Garcez.

13
estabelecendo pontos de contato com as lutas do MST, entretanto, da perspectiva urbana,
buscando estabelecer novas formas de políticas para desembocar nessa lógica de reforma
urbana (CASSAB, 2004). Para Miagusko (2012) os militantes que deram origem ao MTST
eram militantes liberados pelo MST para atuar no espaço urbano, no final da década de 1990,
a partir de uma percepção da importância de buscar apoio nos meios urbanos, originada nas
discussões ocorridas na Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça, em 19978.

[...] em 1993 nós fizemos uma das maiores ocupações do estado de São Paulo,
que foi a na região de Getulina. A gente começa a perceber que começa a
mudar o perfil das ocupações de terra no estado de São Paulo, não tem mais
só camponês [...] então a gente começa a perceber que são famílias que
queriam lutar, mas não queriam sair da cidade. E precisavam também de
alguma forma de luta para que pudesse sobreviver na cidade; que não iam para
o campo por ter vivido algum tempo na vida urbana e se readaptar a rural de
novo é difícil. Então a gente começa a ter a ideia de liberar militantes do MST
para trabalhar a questão urbana (CASSAB, 2004, pg. 110).
Entretanto, transpor automaticamente as práticas do MST para o espaço urbano, sem
nenhum tipo de reflexão a respeito do contexto em que se inserira, foi um problema observado
pelos próprios militantes, fazendo com que a autonomia inicial gerasse o afastamento (e
posterior desmembramento) entre os dois movimentos:

Quer dizer, uma base social completamente diferente, um espaço


completamente diferente, [...] tem concentração de poder político e
econômico. [...] As pretensões têm que ser outras, as formas de organização
têm que ser outras e a forma de militância tem que ser outra. (Virgílio,
10/12/2005, apud MIAGUSKO, 2012, pg. 258)
A partir dos anos 2000, o MTST já tinha uma base social estabelecida e muito clara,
baseada em uma população periférica das grandes e médias cidades, com baixo poder
aquisitivo, reivindicando por moradia, sendo que as ocupações se concentravam na Região
Metropolitana de São Paulo, com frente de ação também na região de Campinas (GOULART,
2011). De acordo com a autora, essa localização estratégica se deu justamente porque, nessas
regiões, havia uma possibilidade de diálogo e ganho tanto para os movimentos, visto que alguns
tinham conexões diretas com a estrutura política do município, como também para a estrutura
legislativa da época. “De um lado, o movimento viu-se fortalecido, porque havia a “conquista”
de uma demanda. Por outro lado, a prefeitura e/ou os vereadores envolvidos apareciam como
agentes diretos da concessão de um direito, neste caso, a moradia (GOULART, 2011).

8
Para saber mais, ver Miagusko (2012).

14
A partir das grandes diferenças percebidas entre os MTST e o MST, mas também por
conta do esforço de se estabelecer enquanto um movimento diferenciado dos outros
movimentos de moradia, o MTST não se define como um movimento delimitado
exclusivamente pela luta da moradia, mas como um movimento popular urbano, que busca
mobilizar e reivindicar as diversas frentes que permeiam a realidade desses moradores.

[...] Existe uma comunidade em Guarulhos – num primeiro momento nós


entramos lá através da moradia [...] e agora estamos construindo o barracão
para fazer oficinas, cinemas, atividades culturais. [...]” (Virgílio, 10/12/2005,
apud MIAGUSKO, 2012, pg. 259)
Dessa forma, é possível perceber nesses relatos que faz parte da frente de luta do MTST
não só a moradia, mas também outras necessidades que conformam a existência das pessoas
nesses espaços urbanos, não minimizando a moradia como um fator secundário de luta, mas
equalizando outras questões como fatores essenciais para a sobrevivência e qualificação da vida
– diversificando suas ações nas cidades.

A partir dos relatos da Ocupação Chico Mendes9, Miagusko (2012) mostra duas
perspectivas internas ao movimento que são importantes sobre o MTST, sendo elas:

i) A consideração do movimento como um estrangeiro em qualquer lugar que se


insira, visto que tem uma lógica que não se assemelha aos demais movimentos
urbanos que tem caráter de atuação baseado na formação da sua base em
determinado município, ganhando espaço na política institucionalizada e
dialogando institucionalmente com a gestão existente – o MTST estabelece
forças na formação de sua base nas periferias, para organizar a população e
construir um poder denominado popular;
ii) Uma experiência desterritorializada a partir da união de mundos, originalmente,
categorizados, mas que se alteraram a partir das variáveis do mundo
contemporâneo onde “representações não se encaixam mais nas dimensões da
representação política e dos interesses representados, resultado da aceleração
temporal da economia e da ciencia [...] que destitui sentidos explicativos para
cateogiras anteriores, como trabalho sem carteira, com carteira [...]”
(MIAGUSKO, 2012, pg. 290), fazendo com que haja a convergência desses

9
Segundo o autor, a ocupação aconteceu em Taboão da Serra, no Jardim Helena, em outubro de 2005 e durou até
junho de 2006.

15
sujeitos que atuam em busca de um encontro entre classes sociais, originalmente
tão demarcadas, mas que passam a ter pontos de contato mais eclipsados.

Em conversa, Alana colocou que o diferencial do MTST, atualmente, é a tecnologia que


existe nas ocupações, sendo essa, o acúmulo de conhecimento dos últimos 20 anos de
existência, sobre como é a melhor forma de fazer ocupação – na construção durante o período
da madrugada, por exemplo. Esse conhecimento é extremamente relevante porque há muita
ocupação que acontece nas periferias, mas muitas não conseguem permanecer e o MTST
consegue se estabelecer por, pelo menos, algum tempo no território, alimentando o movimento
e principalmente, angariando novos militantes, diálogo e trabalho esse que também é um ponto
forte do movimento, de acordo com Miagusko (2012).

Essa perspectiva de estabelecer laços entre os movimentos sociais e a luta das classes
desemboca em uma perspectiva que, segundo, Calió (s.d.) muitos estudiosos que abordam
conceitos como segregação e direito à vida urbana fazem considerando-os baseadas nas classes
sociais, entretanto, dificilmente incorporam as questões de gênero nessas análises – mesmo que
isso determine situações dos indivíduos dentro das relações urbanas. Entretanto, essa análise
não basta quando falamos de gênero pois nem sempre reconhece às questões cotidianas
presentes na cidade, que continuam oprimindo as mulheres.

Na fala de Claudia Garcez, ela afirma que aproximadamente 60% da coordenação do


movimento é composto por mulheres e que, de uma maneira contrário ao estabelecimento social
do papel do homem e da mulher, onde existe um local de fala política para cada gênero, na
ocupação não acontece dessa maneira.

Nós também temos um regimento interno que diz que todas as pessoas serão
tratadas com igualdade, não é aceito qualquer discriminação, nem de raça,
nem de credo, nem de nada, então as mulheres tem esse amparo, que diz que
ela pode ocupar o lugar que a gente quiser, inclusive são as mulheres que
fazem a segurança dos acampamentos. Quando pisamos na ocupação, a
gente vê a inversão dos valores, tanto que as mulheres, por sermos maioria,
a gente acha tempo na nossa dupla e tripla jornada e aceita a tarefa dentro
do movimento, então a gente vê um número maior de mulheres atuando. Então
agora é invertido, a mulher vai coordenar homens e mulheres e a cozinha
ganha um outro papel na ocupação. (CLAUDIA GARCEZ, Palestra. Podcast
Pela Cidade: Especial Cidade, Gênero e Interseccionalidade, 2019)
Para Rosa (2007), há um crescimento significativo das mulheres nas disputas do
território, ora impondo sua presença, ora rompendo barreiras e preconceitos que questionavam
sua capacidade de se posicionar na sociedade. As grandes desigualdades pautadas pelo gênero,

16
entretanto, são construções sociais que desequilibram valores e intensificam poderes e
hierarquias existentes entre os sexos, refletindo, ainda, em diferenciações sociais entre homens
e mulheres. Silva, Gomes e Lopes (2014) colocam que é importante reconhecer a liderança das
mulheres nas ocupações urbanas como prova da possibilidade de constituírem como sujeitos
políticos, mas que é importante observar que nem sempre estão isentas da dupla jornada de
trabalho impostas pelos valores patriarcais, visto que a indicação para os espaços de
coordenação podem ser feitas justamente pelas tidas “aptidões femininas” para administrar e
cuidar de um lar que serve à coletividade.

A fala da Claudia, entretanto, é importante pois preconiza e apresenta uma forma distinta
de articulação dos trabalhos e papeis socialmente construídos, onde coloca a importância de se
pensar um papel de cuidado com a coletividade de maneira equalizada entre todos os sujeitos,
dividindo as responsabilidades da administração e do cuidado também com os homens, sujeitos
que, historicamente, não são responsáveis pelas forças reprodutivas do trabalho. Em sua fala,
Claudia também aponto que ainda há muita resistência dos homens dentro do MTST, visto que
o machismo é estrutural e perpassa a sociedade como um todo, principalmente por conta da
criação desses espaços mais igualitários em relação às funções desempenhadas, mas que existe
um esforço coletivo, amparado no regimento interno do movimento, para que esses processos
sejam diminuídos continuamente e que seus integrantes sejam constantemente sensibilizados e
estimulados à refletir sobre a importância dos espaços e ações comunitárias.

3.2 O MATRIARCADO DA MISÉRIA10:


A INTERSECCIONALIDADE ENTRE GÊNERO E RAÇA
Almeida (2018) ressalta que esses movimentos que se originam entre os anos 1980 e
1990 vão dar destaque para as questões da perspectiva feminina na chamada terceira onda do
feminismo, que irá questionar as experiências das mulheres a partir de uma perspectiva branca
e de classe média, que ainda era muito presente nas abordagens feministas marxistas e
socialistas. Para Federici (2019), “fica explícito que qualquer projeto feminista exclusivamente

10
A expressão “matriarcado da miséria” foi cunhada pelo poeta negro e nordestino Arnaldo Xavier para mostrar
como as mulheres negras brasileiras tiveram suas experiências históricas marcadas pela exclusão, pela
discriminação e pela rejeição social, e revelar, a despeito dessas condições, o seu papel de resistência e liderança
em suas comunidades miseráveis em todo o país. (CARNEIRO, 2011, pg. 130)

17
implicado com a discriminação sexual, sem situar a “feminização da pobreza” no contexto do
avanço das relações capitalistas, estará condenado à irrelevância e à cooptação.”(pg. 151)

Essa interseccionalidade entre gênero e raça, mesmo não sendo fortemente pontuada na
fala recuperada da Claudia Garcez, entendemos que perpassa a luta dessas mulheres e
condiciona diretamente os enfrentamentos das que vivenciam a ocupação, sendo explicitada
também na escolha do nome, em referência à própria Tereza de Benguela11.

Para Rosa (2007), a partir da década de 1960, o movimento feminista mobilizou a


atenção de diversos países para as desigualdades de gênero, promovendo discussões e
pleiteando acordos políticos, visto que, concomitante à esse movimento ou até como reflexo
dele, a discriminação e exploração das mulheres passou a ser um incomodo para governantes e
gestores para além do território brasileiro, que passaram a dar mais atenção à situação da
mulher.

A autora apresenta uma perspectiva histórica das políticas públicas voltadas para as
mulheres de uma maneira generalizada, mas que nos permite entender a compreensão
massificada dos gestores referentes às lutas e demandas das mulheres.

• 1950 – 1970: abordagem do bem-estar social – concepção que toma a maternidade como
principal função da mulher, dessa forma seus programas relacionam-se particularmente com
auxílio e orientação nutricional e planejamento familiar.

• 1975 – 1985: abordagem da equidade- defende a participação das mulheres no


planejamento de políticas públicas, centrando a redução da desigualdade entre homens e
mulheres nas diversas esferas sociais.

• A partir de 1970: abordagem para diminuição da pobreza - ligada à noção de


redistribuição como garantia para o aumento da produtividade das mulheres pobres, sendo que
a desigualdade entre homens e mulheres é centrada na desigualdade de renda.

• Após a década de 1980: abordagem da eficiência - relacionada com o aumento da


participação econômica das mulheres.

A partir dessas políticas apresentadas por Rosa (2007), não observamos uma
perspectiva, na compreensão estatal, que interseccione raça e gênero como uma condicionante

11
Claudia Garcez diz que a data em que a ocupação aconteceu é conhecida popularmente ou como a data de
nascimento ou de falecimento de Tereza, que fora líder quilombola do século XVIII e que foi referência no
enfrentando da escravidão na região do atual estado do Mato Grosso.

18
de experiências, cindindo a perspectiva de que todas as mulheres vivenciam a cidade de maneira
igualitária.

Quando empregamos o termo gênero, ou relações de gênero, estamos tratando


das relações de poder entre homens e mulheres. [...] As diferenças de gênero
são constituídas hierarquicamente: a construção social do ser homem tem um
maior status que a construção social do ser mulher. O gênero é um termo
relacional, que nomeia a interação entre o masculino e o feminino; portanto,
o estudo de um é coadjuvante do estudo do outro. O conceito de gênero é uma
categoria de análise de grande poder para explicar as desigualdades entre as
pessoas. Não obstante, é apenas parte de uma construção social complexa de
identidade, hierarquia e diferença. A raça, a etnia, a classe são outras
categorias socialmente construídas que se intersectam com o gênero para
determinar a localização social dos indivíduos. (SOARES, 2004, p.113-114)
Corroborando com essa afirmativa, observamos que o espaço urbano é radicalmente
caracterizado pelas relações desiguais entre ricos e pobres, mas também é importante colocar
as contradições dentro das desigualdades sociais de sexo e gênero nas faixas mais pobres da
sociedade porque ainda há processos que integram estruturam as questões étnico-raciais.

Tavares (2015; 2017) utiliza do exemplo dos trabalhos de Maxine Molyneux,


pesquisadora paquistanesa que apresenta o interesse das mulheres na Nicarágua nos anos 1980,
para demonstrar como somos afetados diferentemente por nosso contexto de acordo com nossas
subjetividades. A partir de seus resultados, a autora afirma que

Para as feministas [...] os interesses estratégicos das mulheres são avaliados


como os verdadeiros interesses das mulheres, visto que são formulados a partir
do que seria uma consciência de luta por emancipação feminina, ou seja,
segundo formulações feministas. Um exemplo são as medidas que buscam
garantir o controle da fertilidade e da proteção contra a violência masculina.
O problema para a socióloga é que condicionar as mulheres a uma unidade de
luta implica em solucionar os conflitos de classe. Apesar das mulheres
sofrerem discriminação de gênero e estejam cientes disso, sofremos
diferentemente conforme nossa classe social e raça e etnia, afetando nossas
atitudes frente à luta emancipatória. Com isso, mesmo que tenhamos uma
agenda em comum, o processo para a conquista desses interesses pode se
diferenciar. (TAVARES, 2017, pg. 5)
Diante dessas interseccionalidades, algumas autoras construíram sua trajetória
acadêmica evidenciando a luta da mulher negra dentro de uma sociedade androcêntrica, que
também ignora os processos de disparidades históricas na luta do gênero pautadas na
etnia.Assim, importa entender a intersecção das lutas urbanas com a questão étnico-racial da
mulher que ocupa na perspectiva da pesquisa.

19
Angela Davis (2016), a partir de uma perspectiva americana que pode ser aplicada, de
maneira contextualizada, aos países que se estruturam no processo escravagista dos negros e
negras, fornece um rico material de reflexão para o entendimento de um projeto amplo e
comprometido que lute por uma total ausência de opressão. De maneira histórica, a autora
explora como essas opressões estruturantes ainda atravessam nossas relações modernas e ainda
suportam ideologias vinculadas à dominação de determinados grupos.

Sob o olhar do gênero, a autora demonstra que a ideia de mulher veiculada na lógica da
feminilidade do século XIX, não incluía a mulher negra e escravizada, vista apenas como
mercadoria, sendo a imagem da feminilidade reflexo apenas da mulher branca e dona de casa.

Proporcionalmente, as mulheres negras sempre trabalharam mais fora de casa


do que suas irmãs brancas. O enorme espaço que o trabalho ocupa hoje na
vida das mulheres negras reproduz um padrão estabelecido durante os
primeiros anos da escravidão. Como escravas, essas mulheres tinham todos os
outros aspectos de sua existência ofuscados pelo trabalho compulsório. [...] O
sistema escravista definia o povo negro como propriedade. Já que as mulheres
eram vistas, não menos do que os homens, como unidades de trabalho
lucrativas, para os proprietários de escravos elas poderiam ser desprovidas de
gênero. Nas palavras de um acadêmico, “a mulher escrava era, antes de tudo,
uma trabalhadora em tempo integral para seu proprietário, e apenas
ocasionalmente esposa, mãe e dona de casa”. A julgar pela crescente ideologia
da feminilidade do século XIX, que enfatizava o papel das mulheres como
mães protetoras, parceiras e donas de casa amáveis para seus maridos, as
mulheres negras eram praticamente anomalias. (DAVIS, 2016, pg. 17)
Sueli Carneiro (2011) também aborda, de maneira dialogada e contundente, como o
racismo e o sexismo, já no Brasil, estruturou e ainda perpetua as relações sociais e políticas
brasileiras, pautadas na desigualdade. Para a autora, as mulheres negras assistiram, em diversos
momentos, a mulher negra ter suas questões secundarizadas em uma luta – supostamente - mais
ampla e universal pela igualdade de gênero, “[...] ou seja, o movimento feminista brasileiro se
recusava a reconhecer que há uma dimensão racial na temática de gênero que estabelece
privilégios e desvantagens entre as mulheres” (CARNEIRO, 2011, pg. 121) endossando, de
maneira direta ou indireta, o matriarcado da miséria.

A lógica da incorporação da perspectiva de gênero, ou seja, focalizar a


diferença em nome de uma maior inclusão, aplica-se tanto às diferenças entre
as mulheres como às diferenças entre mulheres e homens. Há um
reconhecimento crescente de que o tratamento simultâneo das várias
diferenças que caracterizam os problemas e dificuldades de diferentes grupos
de mulheres pode operar no sentido de obscurecer ou de negar a proteção aos
direitos humanos que todas as mulheres deveriam ter. Assim como é
verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao

20
peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores
relacionados a suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor,
etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, são diferenças que fazem
diferença. na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a
discriminação. Tais elementos diferenciais podem criar problemas e
vulnerabilidades exclusivos de subgrupos específicos de mulheres, ou que
afetem desproporcionalmente apenas algumas mulheres (CRENSHAW, 2002,
pg. 173)
É importante ressaltar, portanto que, dentro dos cenários de informalidade territorial e
marginalidade socioeconômica, as mulheres mais afetadas estão ligadas à uma identidade racial
específica, não podendo, assim, esse fator ser desconsiderado no momento da reconstrução do
processo de luta e resistência da mulher que ocupa o território e que resiste na sua permanência.

3.3 ”A GENTE NÃO QUER SÓ ENTREGAR MORADIA, NÓS QUEREMOS QUE AS


MULHERES NÃO SEJAM MAIS AGREDIDAS”12:
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A violência contra a mulher não é um fato novo e pertencente exclusivamente à


sociedade contemporânea, mas, de acordo com Waiselfisz (2015), o que é novo e recente é uma
preocupação institucionalizada a respeito dela.

Em uma perspectiva internacional, podemos expor a violência contra a mulher negra a


partir dos registros analíticos de Davis (2016). A autora aborda que, a partir de uma construção
social do papel da mulher negra, originado no período da escravidão e perpetuado até o
momento das pesquisas da autora (década de 1980), as mulheres negras sofreram violências das
mais diversas características, ao longo da história (violência sexual, por exemplo) e
permanecem nessa condição pelas consequências de um racismo estrutural, que perdura na
sociedade contemporânea e ainda molda nossas relações.

Desde a Reconstrução até o presente, as mulheres negras empregadas em


funções domésticas consideraram o abuso sexual cometido pelo “homem da
casa” como um dos maiores riscos de sua profissão. Por inúmeras vezes,
foram vítimas de extorsão no trabalho, sendo obrigadas a escolher entre a
submissão sexual e a pobreza absoluta para si mesmas e para sua família.
(DAVIS, 2016, pg. 99)
No Brasil, mais novo ainda, é a judicialização do problema, criminalizando essas
práticas – em 2015, a Lei do Feminicídio (13.104/2015), passou a classificar como crime

12
Fala de Claudia Garcez no seminário “Cidade, Gênero e Interseccionalidade”.

21
hediondo e com agravantes, em situações específicas consideradas como mais vulneráveis
(gravidez, menor de idade, presença de filhos, entre outros). Para Marques (2017), essa
presença da violência como fator constante na sociedade é um reflexo das práticas normativas
hegemônicas que constituem nossas relações sociais.

A violência contra a mulher é uma expressão da sociedade machista em que


vivemos e que impede que as mulheres exerçam seus direitos humanos mais
básicos, como o direito à vida e o direito de ir e vir. As cidades, por sua vez,
ao serem produtos históricos da construção humana refletem o opressão pela
qual a sociedade se estrutura e, nesse sentido, é perceptível, no ambiente
urbano, diversos traços de machismo em sua construção e vivência.
(MARQUES, 2017)
Nos estudos de Waiselfisz (2015), é possível obter dados que constroem uma cronologia
histórica a respeito da violência contra a mulher e podemos observar que, mesmo estando em
uma sociedade que é capaz de reconstruir continuamente a compreensão da multiplicidade de
problemas que enfrentamos e a intersecção dos mesmos, percebemos um crescimento
considerável nos casos de homicídio de mulheres, entre os anos de 1980 e 2013, enfatizando
que essa realidade ainda é extremamente marcante e determinante das relações e papeis sociais.

Gráfico 1 - Evolução da taxa de homicídios de mulheres (a cada 100mil) entre 1980 e 2013

Fonte: Waiselfisz, 2015

Partindo desses dados, vemos como os mesmos dialogam diretamente com a situação
das mulheres participantes do MTST pois, de acordo com a fala recuperada, fora exatamente

22
pela vivência de diversas situações de violência das mulheres de diversos acampamentos da
cidade de São Paulo, que se originou a ideia da ocupação Teresa de Benguela.

Claudia explica que uma das situações que começou a explicitar a importância de
abordar a violência contra as mulheres dentro do movimento, se passou em 2016 - aconteceram
algumas agressões na ocupação Esperança Vermelha, sendo que uma mulher foi agredida pelo
companheiro e foi exposta na frente de todos da ocupação, onde o companheiro buscava
justificar o ato através da declaração de que ela o estava traindo. A organização da Esperança
Vermelha ficou indignada e afirmou que, independente de traição ou qualquer outro ato, nada
justificava àquela agressão, entretanto, muitas pessoas assistiram a cena, de acordo com
Claudia, com muita desafetação, onde percebemos uma naturalização da violência contra a
mulher. A partir dessa experiência, a liderança enxergou a importância de criar espaços onde
pudessem acontecer rodas de conversa e conscientização coletiva para diminuir os casos de
violência e, juntamente a isso, a compreensão de que essa violência seria justificada por alguma
razão. Em uma primeira conversa, o espaço foi aberto apenas para as mulheres poderem
desabafar e estabelecer laços de confiança.

Na segunda roda de conversa, as mulheres deixaram muito claro que tinham


dificuldade de conversar com os homens dentro de casa e apontaram essa
necessidade de conversar com os homens. Assim, foram feitas três rodas de
conversa com homens também, e no final, eles admitiam algumas questões
que antes eles não admitiam. (GARCEZ, 2019)
As falas acima trazidas pela Claudia apresentam situações que são presentes no
movimento mas que também o constitui como um produto estruturado pela sociedade patriarcal
e machista em que vivemos, já que os índices de violência cometida dentro de casa, no Brasil,
ainda são muito altos, perpassando o movimento e nele refletindo diretamente.

Dentre as variadas formas de agressão, a expressão mais extrema é o


homicídio. De acordo com o Mapa da Violência 2015, aproximadamente 7
mulheres são assassinadas por dia, tendo como homicida, um familiar. Esse
número representa a totalidade de mortes, ou seja, contempla todos os casos
de homicídio (morte no trânsito, por tráfico de drogas etc.). Destacamos. [...]
o homicídio praticado por (ex)parceiro/marido/namorado, uma vez que se
maximiza a crueldade da violência, na medida em que além de acontecer no
âmbito da residência da vítima, é praticada por alguém que deveria contri-
buir para a qualidade de vida e segurança desta mulher. Nestes casos, também
de acordo com o Mapa da Violência 2015, a média é de 4 feminicídios por
dia. (WAISELFISZ, 2015 apud BERTOLIN; ANDRADE, 2017)
No cruzamento do depoimento com os dados obtidos, percebemos como a violência não
se expressa da mesma forma entre homens e mulheres, constituindo um cenário de risco muito

23
mais constante para as mulheres, diante das várias formas de violência que cerceiam sua
existência. É importante entender que essa expressão de violência se dá de maneira diferente
entre homens e mulheres mas, também, se expressa distintamente entreas mulheres, visto que
as mulheres negras estão mais suscetíveis a sofrerem violência do que as brancas, violência
essa vinculada a opressão dupla, do machismo e do racismo, como atestam os dados do Mapa
da Violência de 2015, citado por Waiselfisz, “as taxas de homicídio de mulheres brancas caíram
11,9%: de 3,6 por 100 mil brancas, em 2003, para 3,2 em 2013; [...] taxas das mulheres negras
cresceram 19,5%, passando, nesse mesmo período, de 4,5 para 5,4 por 100
mil.”(WAISELFISZ, 2015, pg. 31) No gráfico elaborado pelo autor, é possível perceber,
visualmente, a evolução das taxas de homicídio de mulheres brancas e negras nesse período,
reforçando como a raça condiciona os corpos à uma violência distinta.

Gráfico 2 - Evolução das taxas de homicídio de mulheres brancas e negras (a cada 100mil), entre 2003 e 2013

Fonte: Waiselfisz, 2015

Para o autor, portanto, é possível concluir que:

• Com poucas exceções geográficas, a população negra é vítima prioritária da violência


homicida no Brasil;
• As taxas de homicídio da população branca tendem, historicamente, a cair, enquanto
aumentam as taxas de mortalidade entre os negros13;

13
Nota do autor: Recém em 1996, o MS introduz nas Declarações de Óbito o quesito raça/cor, com enorme
subnotificação até fins do século. Por esse motivo, começamos a trabalhar o tema a partir do ano 2000. O MS
utiliza as mesmas 5 categorias que o IBGE, considerando a população, por autodeclaração, branca, preta, amarela,

24
• Por esse motivo, nos últimos anos, o índice de vitimização da população negra cresceu
de forma drástica.

Corroborando com esses dados, observamos o Mapa da Violência de Gênero14, que é


construído a partir do apoio da Alianza Latinoamericana para la Tecnología Cívica (Altec),
sendo uma plataforma interativa que disponibiliza séries históricas do Sistema de Informação
sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), de
2014 a 201715. Nessa plataforma, também é possível obter algumas relações sobre os dados de
violência que vão de encontro à temática e condição aqui apresentada.

Entre as vítimas de agressão física no ano de 2017, as mulheres em todo o país foram 67%
dos casos presentes no SINAN, totalizando 209.580 mulheres, sendo que em casos específicos,
como no Distrito Federal, esse índice chegou a 75% dos casos. Em relação aos assassinatos no
Brasil, 30% das mulheres assassinadas foram mortas em casa; no caso dos homens, 11% deles
foram mortos em casa, demonstrando uma violência doméstica mais alarmante para elas.
Nesses estudos estatísticos, a perspectiva da raça também se apresenta como determinante para
os casos de violência, sendo que os homens negros foram 68% do total de pessoas assinadas no
Brasil; no caso das mulheres assassinadas, 64% delas eram negras.

Os dados acima também reforçam a discussão sobre a interseccionalidade presente nas lutas
históricas das mulheres negras narradas por Davis (2016), que buscavam se estabelecer não só
enquanto mulheres de direitos, mas também se empreendiam nas disputas sociais vinculadas
aos direitos do povo negro.

Mais do que quaisquer outras mulheres envolvidas na campanha contra a


escravidão, as irmãs Grimké instavam a constante inclusão do tema dos
direitos das mulheres. Ao mesmo tempo, argumentavam que as mulheres
nunca alcançariam sua liberdade independentemente do povo negro. “Quero
ser igualada ao negro”, disse Angelina em uma reunião de mulheres patriotas
que apoiavam a Guerra Civil, em 1863. “Enquanto ele não tiver seus direitos,
nós não teremos os nossos.” (DAVIS, 2016, pg. 59)

parda e indígena. Nos Mapas da Violência, utilizamos duas categorias: branca e negra, sendo esta última resultante
da somatória de pretos e pardos.” (WAISELFISZ, 2015, pg. 29)

14
https://mapadaviolenciadegenero.com.br/
15
A notificação de violência doméstica, sexual e/ou outras violências foi implantada no Sinan em 2009, devendo
ser realizada de forma universal, contínua e compulsória diante da suspeita ou confirmação de violências dirigidas
a crianças, adolescentes, mulheres e idosos, atendendo às Leis 8.069 (Estatuto da Criança e Adolescente), 10.741
(Estatuto do Idoso) e 10.778 (notificação compulsória da violência contra a mulher) – essa notificação é realizada
pelo gestor de saúde do SUS, mediante o preenchimento de uma ficha específica. (WAISELFISZ, 2015)

25
Claudia afirma também que a Tereza de Benguela foi motivada em sua existência a partir
de um conhecimento em macroescala da situação das ocupações do MTST, ampliando a
perspectiva e importância de criar espaços de apoio dentro do movimento.

Em 2017, a gente fez uma ocupação na Paulista para cobrar o governo na


verba que estavam paradas para a moradia – nossos projetos foram
parando/emperrando. Ocupamos durante 22 dias a Paulista e no intervalo,
enquanto a gente esperava, a gente propôs muita atividade de formação
política também com as mulheres de outros coletivos que foram feitas naquele
momento. Juntando essas experiências, nós entendemos que não tinha mais
como ficar sem um lugar que fosse só nosso, porque ela [a violência] vinha
de fora, mas estava dentro também da militância. Esse era o exato momento
para construir o espaço. Outro fator que fortaleceu isso foi que uma pesquisa
socioeconômica na ocupação Copa do Povo, dizia que 70% das mulheres
tinham sido vítimas ou testemunhas de violência contra mulher. (GARCEZ,
2019)
Foi, então, a partir dessa perspectiva de entendimento sobre a situação das mulheres
dentro do movimento, que a coordenação estadual aprovou o processo de apoiar as mulheres
nessa luta e no dia 25 de novembro de 2017, aconteceu a ocupação na COHAB José Bonifácio16.

Anteriormente, o edifício, de propriedade da Companhia Metropolitana de Habitação


de São Paulo (COHAB) se encontrava abandonado e era utilizado como depósito de lixo e como
ponto de tráfico e consumo de drogas, sendo que a ocupação passa a dar uma função social ao
espaço, assim como estabelece atividades práticas que respondam a necessidades reais das
mulheres do movimento. A partir da oferta de apoio para mulheres que sofreram agressões ou
maus tratos, compreendemos o argumento abordado por Miagusko (2012) de que o MTST não
sanciona ações vinculadas exclusivamente à moradia, mas também às várias frentes que se
articulam para permanência urbana, como a segurança das mulheres do MTST.

16
A princípio, de acordo com Claudia, haveria duas ocupações nesse mesmo dia, uma na zona leste e uma na zona
sul, mas essa segunda não de certo e as mulheres que iam ocupar lá, foram fortalecer a ocupação do edifício da
COHAB.

26
Figura 3 - Mutirão de Limpeza na ocupação do Edifício

Figura 4 - Mutirão de Limpeza na ocupação do Edifício

Disponível em: https://mtst.org/mtst/espaco-de-acolhimento-das-mulheres-ocupacao-tereza-de-benguela-e-


retomada-pelo-mtst-em-sp/

3.4 “ELA PODE TOMAR AS RÉDEAS DA PROPRIA VIDA”17:


TRABALHO, RENDA E INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA
A princípio, pela fala da Claudia, entendemos que a ocupação Tereza de Benguela se
reformulou em relação a seus objetivos, deixando de ser, como imaginado originalmente, uma
casa de acolhimento (que funcionaria como uma casa-abrigo)18, para ser um centro de
convivência, por conta de todos os riscos que as mulheres sofreriam se buscassem uma
permanência efetiva no local. Entretanto, enquanto centro de convivência, as mulheres ainda
precisavam voltar para suas casas e, com isso, poderia ser novamente vítimas da violência que
faziam com que buscassem o local. Por conta disso, um dos enfoques que é percebido na fala
de Claudia à respeito das atividades da Tereza de Benguela são atividades que dão atenção não
só à violência que as mulheres sofrem mas também é perceptível um trabalho coletivo à respeito
da formação e geração de renda para essas mulheres, para que sejam capazes de buscar
autonomia financeira e conseguirem emancipação.

Começamos a desenvolver as atividades com as mulheres; a principio,


queríamos que fosse uma casa de acolhimento, mas com o passar dos dias,
com o acolhimento que fornecíamos, a gente descobriu que tanto nós quanto
elas estávamos desprotegidas, porque o agressor podia chegar lá e cometer

17
Fala de Claudia Garcez no seminário “Cidade, Gênero e Interseccionalidade”.

18
As Casas-Abrigo são locais seguros que oferecem moradia protegida e atendimento integral a mulheres em risco
de morte iminente em razão da violência doméstica. É um serviço de caráter sigiloso e temporário, no qual as
usuárias permanecem por um período determinado, durante o qual deverão reunir condições necessárias para
retomar o curso de suas vidas. Informações retiradas do Observatório da Mulher Contra a Violência, disponível
em: https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/acoes-contra-violencia/servicos-especializados-de-
atendimento-a-mulher

27
qualquer coisa com ela, matar elas ou nós mesmo. Então nós decidimos que
seria só um centro de convivência/centro de referência. A gente fez muita
atividade nessa casa e logo no primeiro dia, após a limpeza, fizemos uma roda
de conversa, sobre nosso corpo e sobre a violência que sofríamos. Então,
nesses primeiros cinco meses antes de sermos reintegradas, propomos
atividades em três eixo: saúde, geração de renda e formação política e
cultural para as mulheres. Abríamos as terças, quintas e sábados. Fizemos
muitas atividades, não da nem para falar todas, mas essas sobre geração de
renda é que faz com que a mulher perceba que tem valor, que ela pode tomar
as rédeas da própria vida, podendo mudar a situação através da geração de
renda e independência financeira. (GARCEZ, 2019)

Figura 5 - Oficina de Mandalas organizada na Ocupação (2017)

Figura 6 - 2a Roda de Conversa na Ocupação (2017)

Disponível em: https://www.facebook.com/OcupacaoTerezaDeBenguela/. Acesso em 02/09/2019

Silvia Federici (2019) discute a perspectiva de que, após a implicação do capitalismo


como condicionante de algumas sociedades19, a mulher passa a ter sua força de trabalho,
anteriormente produtivo, para servir ao capital com o trabalho reprodutivo – o trabalho de
manutenção da casa, da família e do homem, esse ainda com sua força de trabalho (produtivo)
valorizada. Diante disso, no livro “O Ponto Zero da Revolução”, ela abordará, a partir de
diversos textos escritos, a importância do reconhecimento do trabalho doméstico, assim como
essas possíveis transformações e relações entre trabalho produtivo e reprodutivo, como forma
de alterar as sujeições e apropriações vivenciadas pelas mulheres por parte do patriarcado.

Está claro que a recusa das mulheres em ser trabalhadoras não remuneradas
dentro de casa [na perspectiva norte americana da década de 1970] provocou
mudanças importantes na organização da reprodução e nas condições do
trabalho feminino. O que estamos testemunhando é a crise da tradicional

19
Para mais sobre essa discussão, ver: FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: Mulheres, corpo e acumulação
Primitiva. São Paulo: Editora Elefante. 2017

28
divisão sexual do trabalho, que confinava as mulheres ao trabalho reprodutivo
(não assalariado) e os homens à produção (assalariada) de mercadorias. Todas
as relações de poder entre homens e mulheres foram construídas nessa
“diferença”, já que a maioria das mulheres não teve alternativa a não ser
depender de homens para sua sobrevivência econômica e se submeter à
disciplina que vem com essa dependência. (FEDERICI, 2019, pg. 109)
A luta pela formação e capacitação das mulheres da Tereza de Benguela é uma estratégia
extremamente relevante como forma de estabelecer uma luta das mulheres relacionada à uma
independência financeira e, consequentemente, a uma possibilidade de se emancipar de
situações que as sujeitam, por conta da dependência financeira e/ou familiar que cerceiam suas
decisões. A afirmativa de Silvia Federici corrobora os relatos da entrevista feita com Alana e
sua percepção sobresua atuação junto ao MTST: muitas mulheres não saiam de casamentos
tidos como insatisfatórios exatamente pelo estabelecimento de uma dependência organizacional
e que, por conta das várias limitações – incluindo a de capacitação técnica para exercer um
trabalho externo ao doméstico, essas mulheres permaneciam nessas relações.

Dialogando com essa perspectiva do trabalho, Kergoat (2009) afirma que a divisão
sexual do trabalho, baseada no capitalismo, estabelece funções destinadas às mulheres
categorizadas como inferiores e não entendidas como trabalho – sem valor econômico, sendo
que essa divisão seguia o principio das atividades ditas como masculinas e femininas, sendo
que, dentre essas atividades femininas, se estabelece o trabalho do cuidado interno à casa, sendo
esse invisibilizado, articulado como parte da “essência feminina” e também sem remuneração.
“A noção de gênero nos permite melhor compreender que a divisão sexual do trabalho nada
mais é que uma construção social desigual de valor e de poder que confirma a existência de
uma hierarquia entre os sexos”. (ROSA, 2007)

Assim, a divisão sexual do trabalho e a opressão de gênero são questões indissociáveis


na formação do capitalismo e, portanto, da sociedade na qual nos inserimos. Partindo também
do diálogo com a remuneração das mulheres, já abordada e constatada que é consideravelmente
menor que a dos homens, seu trabalho produtivo é completamente desvalorizado e, portanto,
suas condições de permanência e desenvolvimento na carreira são impedidas também pelo
trabalho reprodutivo determinado a elas. (HELENE, 2019) Essa falta de remuneração, portanto,
passa a ser uma condicionante para as decisões de emancipação possíveis dessas mulheres,
emancipação que as atividades da Tereza de Benguela buscam alcançar.

29
Quando a ocupação sofreu a reintegração de posse20, em abril de 2018, houve uma
organização coletiva de todo o MTST mas, principalmente, das mulheres vinculadas ao
movimento, buscando reviver o espaço que estava sendo estabelecido como ponto de apoio
coletivo às mulheres do movimento.

Ficamos de abril até julho [de 2018] peregrinando lá [na COHAB], toda
semana íamos ver algum imóvel que eles mostravam pra gente [para instalar
a ocupação em outro local], mas ou estava muito deteriorado, ou tinham
moradores de rua. [...] Dia 20 de julho, fomos para nossa última tentativa.
Chegamos lá e eles nos disseram que estávamos rodando em círculos, mas na
verdade, quem estava nos enrolando, eram eles. A partir daquele momento,
nós ocupamos a COHAB, colando bandeiras do MTST e da ocupação Tereza
de Benguela]; eles ficaram olhando um para o outro sem reação. [...] Um
senhor que era importante na COHAB pediu 5 minutos para negociar e
enquanto ele saiu da sala, propomos que nos devolvessem nosso antigo
endereço, porque estava parado, lá tínhamos condição de continuar os
projetos – já que havíamos ajeitado o espaço, e nos tiraram de lá sendo que
fazíamos um trabalho muito importante. Demos a palavra que assim que fosse
encontrado um local definitivo, sairíamos do espaço. Pediram 24 horas para
poder negociar com o jurídico e deu tudo certo. Em agosto de 2018, voltamos
para o local. (GARCEZ, 2019)

Figura 7 - Caminhão com a mudança para o espaço

Figura 8 - Mutirão de limpeza na retomada do Edificio

Disponível em: https://www.facebook.com/OcupacaoTerezaDeBenguela/. Acesso em 02/09/2019

Após cinco meses da reintegração de posse, em setembro de 2018, a Ocupação Tereza


de Benguela retornou ao espaço onde estavam anteriormente, antes de sofrerem o processo da

20
De acordo com a fala da Claudia, a ocupação sofreu reintegração de posse, a pedido da COHAB, dona do espaço
onde se localizava a mesma. O mandado foi obtido em processo de 2006, muito antes da existência da ocupação,
contra um antigo inquilino, fazendo com que a reintegração seja entendida como uma violação dos direitos das
ocupantes e beneficiadas do apoio oferecido, uma vez que a ocupação estava em processo de regularização e a
COHAB havia garantido às ocupantes a possibilidade de permanecer com as atividades de acolhimento.

30
reintegração, retomando a luta de garantia de oferta de amparo e dignidade da vida das
mulheres. A possibilidade de manutenção do espaço de formação e capacitação
profissionalizante possibilitou a retomada das atividades e ações em busca da independência
financeira dessas mulheres.

É importante reforçar, não como forma de deslegitimar as atividades já oferecidas na


ocupação, mas como maneira de instigar novas práticas e estratégias de formação das mulheres,
que muitas vezes, as políticas de auxílio às mulheres centram suas estratégias na família e não
possuem uma abordagem diversificada, enfatizando demais atividades das mulheres. De acordo
com Novellino,“[...]treinamento para cabeleireira ou costureira são os cursos mais comuns para
as mulheres de baixa renda. Por que não se implementa treinamentos em atividades
tradicionalmente conhecidas como masculinas?” (2004, pg. 11). Olhar para outros aspectos da
força de trabalho feminina amplia não só as oportunidades de emprego, mas também a
possibilidade de quebrar com uma segregação ocupacional no mercado de trabalho.

3.5 “QUE NOSSO POVO TENHA ESPAÇO E QUE SE TORNEM


PROTAGONISTAS NESSA LUTA”21:
FEMINISMO POPULAR E O FAZER POLÍTICA
O Brasil moderno e o cidadão nele definido se instituíram às custas de uma
dissolução das referencias últimas da ação e participação coletivas que
constroem um horizonte democrático. [...] É isto o que constitui o significado
primeiro dos movimentos sociais: ao proporem a autonomia da ação coletiva,
eles trabalham também para a valorização de uma sociedade finalmente
política e aberta aos conflitos através de uma referência democrática: nem
mais párias à política, nem mais súditos do Estado, mas cidadãos. (PAOLI,
1991, pg. 126)
A autonomia coletiva almejada pelos movimentos, de acordo com a autora, dialoga
diretamente com as estratégias de ação e formação política do MTST pois, de acordo com Alana
Moraes, o movimento se constitui de diversas camadas e que, partindo das camadas mais
exteriorizadas (as que estamos mais acostumados a ver e relacionadas com uma luta coesa por
moradia) até as camadas mais internas (que podem ser entendidas nas pequenas interações
coletivas que acontecem no movimento e que, a principio, não são a grande “máquina” de fazer
política mas que também produzem uma política própria), o MTST busca por essa sociedade
democrática.

21
Fala de Claudia Garcez no seminário “Cidade, Gênero e Interseccionalidade”.

31
Em relação às lutas femininas, na fala de Claudia, é perceptível que as mulheres dentro
da ocupação buscam lutar por um feminismo que leva em consideração as reinvindicações e
realidade social das mulheres negras da periferia, que lutam diretamente pela moradia, porque
são essas mulheres que sofrem majoritariamente pela falta de política publica de saúde, de
transporte, de educação e moradia. Por essa razão, Claudia compreende que a luta das mulheres
que estão dentro do movimento e que também usufruem da Tereza de Benguela, é uma luta
transversal. “Nós somos territorialistas, então toda vez que fazemos uma ocupação, nos
também vamos lutar por aquele bairro, por transporte, por creche, por escola, por parques,
então esse é nosso espaço, para que a gente pertença à cidade“. (GARCEZ, 2019)

O fazer política dentro do MTST é percebido, a partir das falas tidas como essenciais
para o trabalho, como uma prática corriqueira e completamente ramificada em relação às várias
atividades que permeiam as ações do movimento. Miagusko (2012) coloca que o processo de
ocupar é extremamente formativo e que perpassa toda a existência do MTST, sendo que os
trabalhos de base para a formação de um acampamento, assim como a mobilização interna, a
vivência nas atividades, as necessidades e similaridades enfrentadas (seja pelos acampados ou
por futuros militantes do movimento) é de uma força imprescindível para a formação dos
militantes. Esses processos formativos, informativos e coletivos vão se apresentando, na fala
da Claudia, como espaços passíveis de serem repensados a partir de uma perspectiva que busque
maior igualdade e equidade nas relações de gênero dentro do movimento.

Para gente, é importante porque os espaços marcados pelo patriarcado


sofrem uma mudança de valor muito grande e assim a gente consegue
continuar nossa luta, reconstruindo nossas relações humanas. Nós temos essa
prática de se o homem fala, a mulher também tem que falar; se a mulher
organiza o espaço, o homem também tem que organizar. Então, dentro de um
microcosmo que é uma ocupação, a gente está tentando viver de uma maneira
que a gente almeja, mais justa e mais igualitária e que seja um processo de
transformação. (GARCEZ, 2019)
Na conversa da Alana, é perceptível a concordância com esse processo formativo do
MTST como forma de estabelecer laços internos e externos ao movimento e sua contribuição é
interessante, principalmente, pois seu olhar é focado em uma esfera menos tradicional no
entendimento do “fazer política”, que são os espaços da cozinha do acampamento, onde, na sua
opinião, também podem ser vistos como um verdadeiro espaço de produção crítica e criação de
identificações coletivas.

Dentro do próprio MTST, a cozinha, espaço tido historicamente como subjugado e


determinante para a atuação da mulher, é de extrema relevância tanto para o funcionamento

32
concreto do acampamento (na produção de alimento) mas também no funcionamento intangível
e cíclico do movimento. De acordo com Alana,

é a primeira coisa a ser construída em um acampamento (até pelo ponto de


vista judicial). Então sem cozinha, não tem ocupação, desde a primeira noite
até no dia a dia. E essa cozinha produz política – não é só um espaço onde
ficam fazendo comida – ela tem uma concepção relacional muito forte.
Essa concepção relacional não é tida como exclusiva para dentro do movimento, visto
que, na fala da Alana, é perceptível que quem está na cozinha acaba conhecendo as necessidades
e especificidades dos acampados, mas também é importante para além do acampamento, pois
é a partir desse espaço tido como virtuoso e de produção alimentar, que se estabelecem laços
mais próximos com o entorno do acampamento. Alana afirma que:

Quando acontece um acampamento um terreno, tem a expectativa que as


pessoas do entorno se integrem, mas não é tão simples, porque mesmo na
periferia, as pessoas ainda acham isso perigoso. Então é um trabalho muito
meticuloso de se abrir para que os vizinhos entrem na ocupação e vejam que
ali está tudo bem e a cozinha, é o lugar ideal para esse contato com o exterior
– pois a relação de se alimentar é muito simétrica (todos comem, não há
hierarquia). A partir disso, abre-se conversas.
Alana esclarece então que, sem a cozinha, o acampamento não aconteceria, não só pelos
papeis de produção dela, mas também pois ela é o espaço de abertura para qualquer forma de
interação, seja dos acampados, seja dos moradores do entorno. Ela afirma que “na cozinha as
atividades são mais organizadas e são muito cheias e é exatamente isso que sustenta o
funcionamento da ocupação. [...] Tudo que acontece na cozinha é bonito e é forte exatamente
pela imprevisibilidade.” É na cozinha que as experiências das mulheres (sofrimentos pessoais,
casos de violência, problemas gerais) aparecem com frequência, portanto, não há pudor em
relação aos relatos e isso forma uma produção compartilhada das vivencias - para a entrevistada,
é uma forma mais orgânica de política, menos pautada nos discursos tradicionais do movimento
e mais próximas das experiências vivenciadas e identificações estabelecidas.

Essa relação de troca e de reflexão coletiva que acontece nos espaços internos à
ocupação é de extrema relevância pois é a partir dessa relação que, de acordo com Silva (2016a)
estabelece-se identificações com a prática da luta em prol das mulheres.

Uma pessoa pode se identificar como mulher a partir de ideias não feministas,
ou seja, compreender sua existência dentro do padrão social mulher,
reforçando-o na sua pratica cotidiana. Entretanto, esta possibilidade
dificilmente se dá a partir de uma reflexão, de um exercício de pensamento
sobre a realidade, tenderá a ser uma vivência no interior do senso comum.
Perceber-se como mulher, a partir de uma perspectiva crítica, é, portanto, parte

33
do processo de identificação feminista. Isto corre com muitas mulheres em
diferentes tempos de sua existência. Algumas de revoltam com a educação
diferenciada entre os sexos nas suas famílias desde a infância ou com o
preconceito racial que, como negras, vivem nas escolas. (SILVA, 2016a)
Esse debate pode ser assentado com as questões apresentadas por Rancière (1996):a
potência humana é a chave para o conflito e é nesse conflito que se estabelece o “fazer política”.
Para o autor, fazer política não está vinculada a produção e compreensão de mundo originada
no Estado, mas sim, no processo de contestar a ordem naturalizada, ou seja, sua base está
exatamente na existência da reinvindicação. Devemos, nessa lógica analítica, “considerar as
identidades individuais ou coletivas como formações indivisíveis que, ao se conflitarem com
outras identidades, demandarão um reordenamento dos processos identificatórios particulares
e do ordenamento social como um todo.” (MACHADO, 2013, pg. 266)

A emancipação não [é] simplesmente um grande movimento coletivo com


objetivos precisos, mas, sobretudo, a série de transformações mediante as
quais os indivíduos começam a transformar suas vidas e se tornam capazes de
fazer coisas que pensavam que não poderiam fazer. (RANCIÈRE, 2018)
Dessa maneira, entendemos que tais identificações, que partem de uma formação de
comunidade política a partir das percepções individuais dos sujeitos, está vinculada a uma
lógica do comum; a uma lógica do compartilhamento de identidade e de questões comuns que,
não necessariamente, estão circundadas pelas categorias que tendemos a considerar como
definidoras dos campos de trabalho.

Essa questão analítica pode ser entendida também como forma de pensarmos o
feminismo enquanto produção de política a partir de, não necessariamente, uma categoria
previamente estabelecida (mulheres), mas uma junção de vivências, experimentações de mundo
e ações que corroboram para uma articulação em torno de um interesse comum.

Silva (2016a) coloca que na experiência brasileira, o feminismo hegemônico não pode
ser considerado apenas como um feminismo de mulheres brancas, intelectuais e de classe média
e sim, que deve ser pautado fundamentalmente em um tipo de representação e luta que se
identifica nas bases das mulheres de classes populares, vistas enquanto sujeitos políticos e que
atua e luta pela integração das mulheres na ordem originalmente dominante.

Essa compreensão, portanto, pode ser entendida como base para um feminismo popular,
que não necessariamente está vinculado à categorização de uma luta revolucionária, mas sim,
nas bases de identificação coletiva e compartilhada de valores e ideais comuns, observados nas
práticas na ocupação Tereza de Benguela.

34
4. EMPODERAR22 É PRECISO: CONSIDERAÇÕES FINAIS

De forma inicial, esse trabalho pondera sobre a correlação entre a organização feminina
dentro de um movimento social urbano em prol de um fortalecimento coletivo para mulheres,
assim como pela oferta de serviços estruturalmente negados a elas. Entre algumas questões
presentes na discussão apresentada, sobressaem alguns pontos importantes e que valem a pena
serem reforçados.

A formação do sujeito político e seu empoderamento é reforçado a partir da participação


nos movimentos sociais – questão quer permeia e transpassa a discussão de gênero. Aas
mulheres militantes ou participantes de movimentos passam a lutar, de acordo com Helene
(2019), contra uma segregação socioespacial generificada, marcada pelo capitalismo, mas
também pelas questões de gênero e raça.

A questão da mulher trabalhadora, de classe popular, nem sempre é vista como uma
atuação feminista pois, de acordo com Silva (2016b), a visão predominante de feminismo exige
uma identificação proclamada, onde a mulher individualmente se declare como tal. Essa visão
só é aceitável, para a autora, quando observamos o indivíduo enquanto sujeito sozinho na luta
e que, portanto, precisa levantar uma bandeira para poder se inserir na discussão. Na ocupação
Tereza de Benguela isto não se observa, visto que aquilo aproxima as mulheres não está no seu
posicionamento verbalizado, mas nas experiências vivenciadas de maneira coletiva. Portanto,
a questão da articulação feminista pode ir muito além de uma declaração ou adesão formalizada
ao movimento, podendo se dar a partir de uma identificação coletiva e uma compreensão de
que as reflexões que são estabelecidas por um sujeito podem ser, muitas vezes, compartilhadas
e, portanto, podem alcançar de maneira mais significativa mudanças concretas de realidades
específicas.

O elemento/a experiência que permeia as falas das nossas interlocutoras e que dialoga
com a realidade observada nas incursões de campo, e disparador ou motivo mesmo para o

22
“Para nós, feministas, o empoderamento de mulheres, é o processo da conquista da autonomia, da auto-
determinanação. E trata-se, para nós, ao mesmo tempo, de um instrumento/meio e um fim em si próprio. O
empoderamento das mulheres implica, para nós, na libertação das mulheres das amarras da opressão de gênero, da
opressão patriarcal.” (SARDENBERG, 2006, pg. 02)

35
surgimento da ocupação é a violência que acomete as mulheres ligadas ao MTST. Essa
violência perpassa e estrutura a sociedade como um todo, incluindo as formas de organização
popular, nos permitindo refletir sobre a motivação da existência da ocupação Tereza de
Benguela. A estruturação desta ocupação responde menos diretamente ao modus operandi do
movimento – que não é um movimento originalmente formado a partir da pauta feminista –
mas como forma de estabelecer um espaço seguro às mulheres, fortemente atrelada à uma
estratégia de sobrevivência desses militantes.

Essas motivações de busca pelos direitos das mulheres e combate à opressão de gênero,
em suas diversas formas e materializações, também pode ser vista na organização do Primeiro
Encontro Estadual das Mulheres Trabalhadoras Sem Teto, realizado em outubro de 2019, pelas
mulheres do MTST. Mesmo se considerarmos que o movimento existe há mais de 20 anos e
esse evento acontece pela primeira vez em 2019, entender as perspectivas de sensibilização
dessas mulheres, assim como a compreensão de uma realidade cada vez mais complexa e
dinâmica, interferindo e/ou condicionando a vida das mesmas, é um processo que pode ser
visto, em um primeiro momento, como lento, mas concretiza um avanço significativo, não só
nas discussões e pautas do movimento, mas essencialmente na formação pessoal e coletiva
dessas integrantes. Essas possibilidades dialogam quando Souza (2013) coloca que, se em um
primeiro momento, as mulheres dos movimentos de moradia em geral podem se engajar nas
lutas por conta, principalmente, das contradições de gênero baseadas na divisão do trabalho. O
engajamento a um movimento social e as consquista de moradia e outros dirietos
sociaisproporcionam maior seguridade para o trabalho reprodutivo construído socialmente
como de sua responsabilidade, é possível que “na medida em que participam ativamente deles,
se empoderem para reivindicarem mudanças na produção do espaço que possam mitigar
aquelas mesmas contradições.” (SOUZA, 2013, pg. 9).

Também podemos reforçar como uma ocupação protagonizada por mulheres e para
mulheres possibilita questionamentos às situações críticas vividas a partir de uma sociedade
androcêntrica e sublinha seu caráter coletivo “para todas” na medida em que as mulheres que
constituem a ocupação Tereza de Benguela lutam para defender os direitos das mulheres,
independente das situações de vulnerabilidade vividas. Situações que, normalmente, são
vividas pelos corpos entendidos como femininos, são mais fáceis e frequentemente mais bem
compreendidas por outros corpos que assim se classificam.

Por fim, entendemos como é essencial o papel que a Ocupação Tereza de Benguela tem,
não só na vida das mulheres que podem e buscam auxilio para fugir da violência sofrida, mas

36
também para (re)construir uma independência social, emocional e, muitas vezes, financeira,
construindo a importância de um lugar de respeito e união coletiva.

37
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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