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São Paulo, 03 de julho de 2023.

Ao Grupo de Estudos sobre a Racialização da Luta por Moradia com a População em


Situação de Rua no Brasil.
Às pessoas integrantes do Grupo.

Que coisa estranha escrever uma carta para pessoas que não conheço
pessoalmente, mas que conheço apenas naquilo que o modelo de conexão virtual
possibilitou conhecer, e um pouco daquilo que, alguns, foram compartilhando ao longo
dos encontros. Mas eu gosto de cartas, elas carregam algo de especial, possuem certo
mistério e, o mais importante, são capazes de transmitir afetações. Acho que é válido me
apresentar, ainda que brevemente, pois não o fiz em momentos anteriores. Pois é, ao longo
dos encontros, optei por apenas ouvir e refletir sobre práticas, histórias e experiências de
vocês. Mas estava lá, atento, ouvindo e refletindo sobre o que diziam.
Me chamo Nilson Júnior, sou psicólogo de formação, norte mineiro, mas que está
residindo há um ano em São Paulo, onde curso o mestrado em Psicologia Social pela
Universidade de São Paulo (USP). Aqui no mestrado, desenvolvo a pesquisa de mestrado
junto com pessoas em situação de rua da capital paulista, discutindo o que temos nomeado
de dialética das ruas, na qual nosso foco se volta para os fatores de opressão e libertação
presentes nas ruas, que, na linguagem teórica não academicista, abarcam as categorias de
humilhação social, vergonha e os processos de conscientização.
A minha aproximação inicial com a população em situação de rua foi por
intermédio da pesquisa, e hoje me reconheço como um apoiador do Movimento Nacional
da População de Rua de São Paulo, atuando como voluntário no Cisarte – Centro de
Integração Social pela Arte, Trabalho e Educação. Ao longo de mais de 1 ano de
caminhada, muitos foram os aprendizados, conceitos e paradigmas quebrados, que tem
contribuído para a compreensão sobre como somar a esta luta.
Mas o foco dessa carta não é sobre mim, é, antes de tudo, sobre o final de uma
caminhada junto ao Grupo de Estudos sobre a Racialização da Luta por Moradia com a
População em Situação de Rua no Brasil. Algumas palavras merecem ser sublinhadas
nesse nome: a) racialização; b) luta por moradia; c) população em situação de rua e d)
Brasil. Essas palavras estão ligadas, ao meu ver, por um continuum, se retroalimentam de
modo constante e não podem ser lidas isoladamente, visto que podem levar a
insuficiências na compreensão do fenômeno da população em situação de rua no Brasil.
No que concerne a esse quesito, as discussões do grupo de estudos contribuíram,
penso eu, sobremaneira para, num exercício de olhar para o passado para entender o
presente e projetar o futuro, compreender como a estrutura sob a qual nosso país se funda
reflete na vida desta população. Está explícito nos censeamentos realizados Brasil a fora,
e nos salta aos olhos, basta um simples caminhar pelas ruas das grandes cidades e centros
urbanos (não se limitando apenas a estas, é sabido), como o recorte racial necessita ser
reivindicado em nossas análises sobre tal fenômeno.
Como foi muito bem exposto ao longo dos encontros, no Brasil, o recorte racial
nos convoca a analisar como o racismo estrutural sob o qual o país se edificou, compõem
um emaranhado de intersecções que sustentam práticas culturais, históricas, interpessoais,
e, é evidente, institucionais. Sob a influência desse marcador, a população em situação de
rua depara com inúmeros obstáculos para acessar e efetivar seus direitos e a sua condição
de sujeito de direitos, e de ter a sua dignidade reconhecida.
Racializar o debate, como entendo que o grupo se propôs, nos impele a considerar,
em nossas práticas profissionais e acadêmicas, como esse marcador social aprofunda a
exclusão social das pessoas em situação de rua e distancia a efetivação do direito à
moradia. De igual maneira, racializar o debate é chamar o Estado a se responsabilizar
quanto à sua dívida histórica e, assim, promover reparação social.
Essas discussões foram muito importantes pois, sob o crivo psicossocial, o direito
à moradia esta intimamente relacionado com a saúde mental e a dignidade humana. É,
pois, a partir da moradia que demais direitos podem se efetivar.
Por aqui eu me despeço e levo comigo muito aprendizado. Agradeço à
organização do grupo de estudos pelos debates realizados e a todos os participantes que
contribuíram sobremaneira para tornar este um espaço enriquecedor.
Respeitosamente,

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Nilson de Jesus Oliveira Leite Júnior

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