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by Editora Escuta para a edição

em lingua portuguesa
1 edição: outubro de 2013

CAPA
partir de extrato de Donna in blu (1912). de
Ana Maria Rios Magalhães, a

Fernand Léger

PRODUÇÃO EDITORIAL

Araide Sanches

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S685r Soler, Collete


analítica/ Colette Soler;
A repetição na experiência revisão da tradução Dominique Fingerman, Cicero
tradução de Elisabeth Saporiti ;
Oliveira. São Paulo : Escuta, 2013.
-

168 p. ; 14x21 cm

ISBN 978-85-7137-341-9

Elisabeth.
Repetição (Psicanálise). I. Saporiti,
1. Psicanálise. 2.
Titulo.
II. Fingermann, Dominique. III. Oliveira, Cícero. IV.

CDU 159,964.2
CDD 616.8917

Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo - CRB 10/1507

Editora Escuta Ltda.


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www.editoraescuta.com.br
Portanto, concluO: o conceito data de 1964, não antes, e não é
nor acaso que Lacan começa seu seminario XI pelo par inconsciente/
repeticão como distintos. E que ele precise, desde a entrada, aguilo
que a repetição não e. "Wiederholen não éReproduziereni (p. 52), e
não é Wiederkehr (p. 51).
Começo pelo segundo ponto. Ao falar da função do recorte na
decifracão do inconseiente, Lacan acrescenta, ao falar da função da
reprodução:°Esta função, em todo caso0, nada tema ver como caráter
abertoou fechado dos cireuitos que chamei há pouco Wiederkeh
(p. 51). Essa é uma maneira de dizer: a repetição não é aquilo que eu
havia dito em *A carta roubada". Eu acrescento: também näo é aquilo
que ele havia dito em "Função e campo da fala e da linguagem".
Olhem a página 50 (seminário XI) sobre a rememoração da qual ele
diz que vem das "necessidades da estrutura", *"de toda turba falante
que nos precede, da estrutura significante" etc.
Quanto ao Wiederkehr, não se trata exatamente de rememo-
ração, mas do retornó dos signos, apesar do desconhecimento do
próprio sujeito. E nos cortes que permitem que decifremos o incons-
ciente que "... a função do retorno, do Wiederkehr, é essencial. Não
e apenas do Wiederkehr no sentido do que foi recalcado - a consti1

tuição mesma do campo do inconsciente se garante pelo Wiederkehr


32 Colette Soler N D
(seminário 11, p. 50). A repetição não é um retorno, seja ele eterno ou
não. Evidentemente não existe o retorno da necessidade que ".. visa
o consumo posto a serviço do apetite" (p. 62). O apetite que renasce
de suas cinzas como a fênix, não constitui a repetição. Também não
se trata do retorno da verdade recalcada que volta na rememoração
ou no agir. Nem o retorno dos significantes da rede do saber incons-
ciente. Eis a tese principal que faz passar o corte da lâmina entreo
inconsciente e a repetição. E nossa tarefa precisar como o incons-
ciente implica a repetição.

d
2
2 DE DEZEMBRO DE 2009

Comecei situando a repetição entre os três termos: Wiederholen


e Wiedekehr: para a rede inconsciente da qual já falei, e Reproduzieren, pReynrduu
p. 50-52 do seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicand-
lise, que introduzo agora. Entrarei nos detalhes e não irei diretamente
à síntese, algo que, no entanto, gosto de fazer.

Reproduzieren
A reprodução é uma dimensão muito presente na clínica e, de
forma mais geral, na vida, mas é bem oposta à repetição. O que é ela
senão a reiteração? Um bom número de experiências se reproduzem
e podemos enumerá-las: filhos, maridos, profissões, amantes etc. Na
psicanálise temos a reprodução dos enunciados:_eu digo sempre
a mesma coisa!", "quantas vezes eu já disse isso!?". E, também,
a reprodução dos traços simbólicos ou imaginários, tomados de
empréstimo a alguns outros e que são constituintes do eu ideal ou

do ideal do eu. Temos igualmente a reprodução cotidiana dos gestos


da qual o trabalho na linha de montagem nosdáuma boa ideia , a
reproduço das condutas, das reações, dos pensamentos. Seria neces
sário falar, aqui, de hábitos, efoc, e não de ética, ethos. Em grego,
hábito e ética são homófonos, mas apesar disso, antinômicos. Retomo
uma distinção apresentada na página 536 de "Televisão".' Aquilo

2003.
LACAN, Jacques (1973). Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar,
34 Colette Soler

função está no nível da gestão


que se reproduzsão os habitus.je sua
dos corpos. Eles aprisionam e canalizam a libido nas vias estáveis,
as inércias libidinais.
sempre as mesmas,que fabricam, no fundo,
a idade, os indivíduos estão
Constata-se, aliás, que com o temp0,
cada vez mais cativos dessas inércias. Eles são programados pelos
discursos e estão muito presentes em toda instituiçao, a começar pela

instituição familiar, pela casa", como diz Lacan na


"economia da
essas são inércias
página 536 de "Televisão". Para falar a verdade,
são constituintes dos
cultivadas, que tëm uma função positiva, pois
laços sociais. Vejam debate atual sobre a identidade nacional. que
o

na medida em que é individual, não é


constituida apenas por convic-
toda uma gestuali-
ções poliíticas, religiosas, ela sempre comporta cultivam
dade. E fato é que a maior parte das instituições políticas
rituaise comemorações visando homogeneizar
as emoções coletivas.
de uma série
Nós saimos, neste mês de novembro de 2009,
mesmos
de 1914. Não
de comemorações: queda do muro de Berlim, guerra
valor; convido-os apenas a
discuto sua utilidade, oportunidade ou

soma de pensamentos obscuros, e sobretudo sub-reptí-


mensurar a

Cios, que a menor comemoração implica.


Por isso, Reproduzieren é um dos maiores problemas e insufi
cientemente percebido instituiçðes analíticas. Por que? Porque se
nas
contra o choque
o hábito é regulador das condutas, se ele se impõe
das singularidades, também mata o pensamento. Ele próprio é aquilo
assimilado
que chamarei de pensamento impensado, corporalmente
e

colocado em ato. Freud tinha percebido muito bem que tudo aquilo
que ia no sentido da coesão da massa, 1a contra o pensamento, pois
um dos traços com os quais ele caracteriza o homem na massa é que

elenão pensa, que seu julgamento próprio está inibido. "Psicologia


das massas e análise do eu" foi, em 1920, um texto precursor dos
desastres do século passado, e, infelizmente, permanece sendo hoje,

para a de uma atualidade assustadora, já que uma de


psicanálise,
suas associações se empenha metodicamente em fabricar a massa, se
orgulha disso e faz disso a medida de seu sucesso, sendo grave e preo-

cupante para a psicanálise que ela consiga isso. Aliás, isso deveria
nos

tornar prudentes cada vez que nos indignamos a propósito daqueles


não souberam resistir às seduções totalitárias do
nazismo e do
que
estalinismo. O próprio da bela alma é a indignação, na mesma medida
em que ela se dispensa
de toda confrontação com a realidade. Esses
2 de dezembro de 2009 35

dois sitemas, "não eram analisados e é preciso dizer que os meios de


persuasão deles eram incomparavelmente diferentes dos de qualquer
associação psicanalitica. O politicamente correto do qual se fala, com
seu vocabulário correto, é sempre feito de um pensar correto equiva-
lente ao não pensado.
Tudo isso para dizer que a reprodução está em toda parte, e que
um bom número de reproduções não são repetições. A razão disso
é de estrutura. Qque se reproduz, pode estar, e está muitas vezes, a
serviço do principio do prazer, isto é, da regulação, da mínima tensão,
das homeostases, como diz Lacan. Os discursos, enquanto disposi-
tivos de regulação, trabalham a serviço dele e só deixam lugar para a

repetiçã0, medida em que essa


na regulação é não toda e que ela, ao

menos parcialmente, fracassa.

Wiederholen TETICLS

A nova definição da repetição é conhecida: encontro falho


(reencontre manquée). A questãoque se impõe imediatamente éa de
se saber: com o que? Antes mesmo de introduzir a expressão encontro

falho,Lacan já havia dado a resposta. Na página 42 do seminário


XI, ele fala da repetição "como repetição de decepção" e diz "que
Freud coordena a experiëncia, enquanto decepcionante, com um real
que será daí por diante, no campo da ciência, situado como aquilo
essa falta mesmo
que o sujeito está condenado a ter em falta, mas que
revela". Na página 51, ele retorna à mesma formulação lembrando
como Freud introduziu a palavra em 1914, e dando-se conta de que
a

rememoração, Erinnerung, sófunciona até certo limite.)que se chama


o fear. Lacan coBoea os pingos nos is e trata de definir o ternmo. "Um
pensamento adequado enquanto pensamento... evita sempre... a mesma
coisa. O real é aqui o que retorna sempre ao mesmo lugar-a esse lugar
cogitans, näo o
onde o sujeito, na medida em que ele cogita, onde a res

encontra" (p. 51 e 52).

2. LACAN, Jacques (1964-1965). Oseminário. Livro 11. Os quatro conceitos fiumdamentais


dapsicandálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

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