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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Adriana Recher de Freitas

REDES SOCIAIS DIGITAIS E PROCESSOS DE


EMANCIPAÇÃO - significações de
jovens universitários

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

São Paulo
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP

Adriana Recher de Freitas

REDES SOCIAIS DIGITAIS E PROCESSOS DE


EMANCIPAÇÃO - significações de
jovens universitários

Dissertação apresentada à banca examinadora do


Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia
Social, como exigência parcial na obtenção do título
de Mestre em Psicologia Social sob a orientação da
Professora Doutora Maria da Graça Marchina
Gonçalves.

São Paulo
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP

Banca Examinadora

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________
AGRADECIMENTOS

Este é o momento de reunir em palavras o que em dois anos venho experimentando


em termos de gratidão. Sinto-me privilegiada por ter pessoas tão especiais ao meu lado que,
ao seu modo, contribuíram para que este trabalho fosse construído. Claro, houve desde apoio
direto, até indireto, cada qual com seu grau de importância, sem exceção.
Reconheço o apoio e confiança que recebi de minha orientadora Graça, que em todos
os momentos me motivou a continuar, me orientando sabiamente, favorecendo meu processo
de desenvolvimento enquanto mestrandra, na área da Psicologia Sócio-Histórica. Inclusive, já
no fim quando achei que não mais conseguiria dar conta de finalizar, suas palavras me deram
coragem de continuar e ultrapassar meus limites.
Também agradeço muito aos meus pais, pelo apoio, incentivo e força que me
proporcionaram em todo esse período. Ao meu pai que me acompanhou de perto nos
primeiros três semestres em São Paulo, enquanto lá trabalhei, gerenciando tempo entre o
laboro e os estudos. Era reconfortante para mim, após ler textos e estar cansada, já à noite, ser
chamada para comer a salada que ele especialmente fazia. Quanto à minha mãe, agradeço
pelo carinho, pela preocupação e acolhimento, incluindo seus abraços reconfortantes.
Agradeço ao César, pela paciência que teve nos fins de semana que não pude vê-lo,
pois tinha trabalho para fazer. Também, pelas dicas que me deu. Assim como pelo carinho e
momentos de descontração, que me renovaram as forças para retornar ao foco.
Ao André e a Nágela, que foram peças-chave para a concretização deste trabalho,
quando me ajudaram a levar documentações para a PUC, em horários conflitantes com meu
trabalho, logo no início da pós-graduação. Também pela inspiração do foco nos estudos.
À minha avó, que rezou por mim para completar este trabalho e que teve paciência de
esperar ele terminar, para que então possamos ficar mais tempo juntas.
A Ana também me auxiliou, logo nos primeiros semestres, quando intermediou o
contato com sua amiga Natalia, que participou de entrevista comigo para trabalho de
mestrado. Aliás, a conversa com ela muito me inspirou a seguir alguns dos rumos que se
configuraram sobre as redes sociais digitais.
Também a Michelle foi importante, pelas conversas ao telefone e risadas, também por
ideias que já trocamos sobre meu tema de pesquisa.
Agradeço também à minha chefe do meu atual trabalho, Ana, assim como à minha
dupla social Carminha e estagiária Larissa. Vocês tiveram paciência comigo nos dias que eu
estava exaurida pelo cansaço, devido às noites sem dormir.
Ao Márcio, também estudante de mestrado, ótima pessoa, que muito me ajudou para o
encontro e convite dos participantes. Sua contribuição foi essencial.
Também a Beth, chefe do meu antigo emprego. Foi compreensiva e apoiou minha
decisão de fazer o mestrado, dando dicas valiosas, pois já é doutora.
Assim como a cada participante que investiu um pouco de seu tempo para este
trabalho. Só tenho a agradecer!
Agradeço também à CAPES, pelo investimento em minha formação. Foi de muita
valia e importância.
Por fim, a Deus, que me fez encontrar forças que eu nem sabia que existiam.
RESUMO

Na dinâmica contemporânea a vida cotidiana está atravessada tecnologicamente pela


esfera digital. Os smartphones, fusão entre telefonia celular, internet e diversas mídias como,
por exemplo, câmera fotográfica e gravador, estão potencializando transformações em termos
de borramento entre espaços, sendo que cada vez mais é difícil delimitar os âmbitos público e
privado, real e virtual. As redes sociais digitais também estão sendo favorecidas por essa
tecnologia, que potencializa suas funções e intensifica possibilidades interativas.
Paradoxalmente ao aumento populacional, através dessas ferramentas mediadoras o mundo
parece menor e a percepção de tempo e espaço se transforma.
A proposta desta pesquisa é identificar a relação do sujeito com essas tecnologias
mediadoras. Para tanto, nos baseamos na perspectiva sócio-histórica de compreensão da
realidade, fundamentada no materialismo histórico e dialético, que apreende produções
construídas sócio-historicamente com base na materialidade concreta, assim como a
compreensão da vida como contraditória e em constante movimento, o que possibilita
percepção complexa da realidade, mutuamente constituída pelo indivíduo e sociedade.
Nessa perspectiva a técnica de grupo focal foi utilizada para o levantamento de
discursos dos sujeitos frente a situações que envolvem o uso das redes sociais digitais. Houve
a aplicação do procedimento a seis grupos, totalizando vinte e oito participantes, todos
estudantes de graduação da PUC-SP de diferentes cursos. Como estímulos disparadores do
diálogo foram apresentados slides com imagens referentes ao assunto.
As verbalizações foram gravadas e transcritas para identificação dos núcleos de
significação, analisados e discutidos. Verificaram-se nos núcleos potencialidades de
fragmentos emancipatórios, assim como armadilhas e riscos nesse processo.

Palavras-chave: redes sociais digitais, núcleos de significação, smartphones, materialismo


histórico e dialético, identidade, fragmentos de emancipação
ABSTRACT

In the contemporary dynamic, everyday life is technologically crossed by the digital


sphere. Smartphones, a fusion of mobile telephony, the internet and various media, such as a
camera and recorder, are boosting transformations in terms of blurring the boundaries, and it
is increasingly difficult to delimit public and private, real and virtual environments. Digital
social networks are also being favored by this technology, which enhances their functions and
intensifies interactive possibilities. Paradoxically to the population increase, through these
mediating tools the world seems smaller and the perception of time and space is transformed.
The purpose of this research is to identify the relation of the subject with these
mediating technologies. In order to do so, we are based on the socio-historical perspective of
understanding of reality, based on historical and dialectical materialism, which grasps
productions built socio-historically based on concrete materiality, as well as the understanding
of life as a contradictory and constant movement, Complex perception of reality, while
mutually constituted by the individual and society.
In this perspective the focal group technique was used to survey the subjects' speeches.
A pilot group was carried out to test the proposed method and, after the necessary
adjustments, there was a definitive application with six groups, totaling twenty-eight
participants, all PUC-SP undergraduate students from different courses. As a trigger for the
dialogue, slides were presented with images related to the subject.
The verbalizations were recorded and transcribed to identify the meaning core, which
were analyzed and discussed. In the meaning core potential emancipatory fragments as well
as traps and risks in this process were verified.

Keywords: Digital social networks, focus group, meaning core, smartphones, critical social
psychology, potential emancipatory fragments
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8
Cap. 1 – SOCIEDADE TECNOLÓGICA E MÍDIA ................................................. 12
Cap. 2 – A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA .................................................... 24
2.1 – Concepção de homem, história, sociedade ......................................................... 24
2.2 – A perspectiva Sócio-Histórica e a mídia ............................................................. 34
Cap. 3 – MÉTODO ........................................................................................................ 37
3.1 - Materialismo Histórico e Dialético ...................................................................... 37
3.2 - Grupo Focal ........................................................................................................... 41
3.3 – Sujeitos da Pesquisa .............................................................................................. 43
3.4 - Procedimentos de Coleta ....................................................................................... 45
3.5 - Procedimentos de Análise ..................................................................................... 49
Cap. 4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................... 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 143
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 146
ANEXOS ....................................................................................................................... 149
ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................... 149
ANEXO B – Perfil dos participantes .......................................................................... 150
ANEXO C – Roteiro para Grupo Focal ..................................................................... 151
8

INTRODUÇÃO

Antes de mais nada, vamos imaginar uma situação: é terça-feira, acordamos com o
despertador do celular para irmos trabalhar, conforme fazemos todos os dias úteis.
Demoramos mais do que o tempo esperado no banho e, quando percebemos, estamos
atrasados para o laboro. Pegamos então nosso celular e mandamos mensagem instantânea para
nosso chefe, avisando-o sobre o imprevisto. Dirigimo-nos ao trabalho de metrô e
aproveitamos aquele tempo ocioso do caminho para olhar o celular. Logo de pronto vemos
notificação sobre a resposta de nosso chefe, referente ao nosso atraso, assim como de
chamada perdida do nosso namorado, o bom dia da mãe, e informação de que há atualizações
de contatos em nossa rede social.
Vamos visualizando e respondendo a esses estímulos e interações de nossos
aplicativos, sendo interrompidos, às vezes, pelo empurrão da moça apressada que cochilou e
quase perdeu o ponto, assim como pelo ambulante que oferta três chocolates ao preço de dois.
Pela rede social, aceitamos solicitação de amizade, daquela amiga que não vemos há muitos
anos... Ela logo envia mensagem inbox pelo próprio aplicativo, parece que está online no
mesmo horário que a gente. Após os cumprimentos, conta-nos sobre as atualizações de sua
vida. Sua avó Clotilde faleceu há dois anos, fazendo-a sofrer profundamente. Mesmo não
conseguindo relembrar do rosto dela, para não parecermos indelicados, acessamos seu perfil
em busca de pistas. Na sessão de fotos, localizamos, dentre tantas outras existentes, uma
descrita #luto, com a imagem de uma idosa. Então remotamente surge na memória o ambiente
de uma cozinha. Acho que fomos apenas uma vez, mas nos lembramos perfeitamente dos
bolinhos de chuva mais divinos que comemos. Sim, foi essa avó da amiga quem fez.
Retornamos então ao inbox da rede social e rememoramos nossa camarada de tempos
atrás sobre o dia em que comemos bolinhos de chuva na casa de sua avó. Ficamos tão
entretidos que não percebemos que o ponto passou, e muito! Olhamos ao redor em busca de
alguém que possa nos orientar sobre linhas alternativas de retorno, mas a moça a à nossa
direita está falando ao telefone, o rapaz da frente escreve freneticamente mensagens de texto
enquanto sorri e do outro lado uma mãe tira fotos de sua filha, estimulando-a a sorrir enquanto
fala “vamos enviar ao papai! Ele disse que está com saudades.”.
Introduzimos esta pesquisa com a colocação de situação hipotética, visando ilustrar a
realidade que vivenciamos e de que não podemos mais fugir. A tecnologia veio para ficar e
atravessa nosso cotidiano em casa, no trabalho e no caminho para a padaria. Principalmente
os smartphones tornaram a vivência mais complexa, assim como a internet móvel e pública.
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Com a portabilidade desse aparelho multifuncional, interações podem ocorrer instantânea e


ininterruptamente (PELLANDA, 2009).
Nossas relações intersubjetivas se transformaram. Aonde quer que formos, estaremos
potencialmente conectáveis e abertos ao diálogo. Mudanças na percepção de tempo e espaço,
novas experiências subjetivas e intersubjetivas vão se configurando, assim como facilidades
para o agrupamento de pessoas, para o compartilhamento de informações e tantas outras
possibilidades. Dessa forma, podemos dizer que, na contemporaneidade convivemos com o
atravessamento tecnológico que transforma experiências e vivências, tornando-as mais
complexas, principalmente no que se refere às relações sociais cotidianas.
A Psicologia Sócio-Histórica, com base epistemológica no materialismo histórico e
dialético, vai além da percepção do imediato, da situação tal como se configura à primeira
vista, procurando identificar o movimento da realidade e seu processo constante de
transformação. É com base nessa proposta de leitura da realidade que pretendemos estudar a
relação dos sujeitos com a tecnologia das redes sociais digitais. Estas agregaram novos
elementos à vida cotidiana, principalmente, em termos relacionais e intersubjetivos. Com a
criação dos smartphones tiveram suas funcionalidades potencializadas. Tirar uma foto e
mandar para o amigo passou a ser ação imediata e rotineira. Não há mais a necessidade de
chegar em casa, pegar a máquina fotográfica, o cabo para conectar no computador, fazer a
transferência de arquivos, para só então postar nessas plataformas interativas. A eficiência,
assim, parece fazer parte do cotidiano contemporâneo. O que isso representa?
Com esta pesquisa, pretendemos verificar com os sujeitos que utilizam esses meios
digitais para interação quais suas experiências, como eles as avaliam, o que destacam nessa
vivência, no sentido de considerar como os recursos tecnológicos incidem, como mediações,
na constituição da subjetividade. Trabalhamos com as significações expressas nas falas dos
participantes, a fim de refletir: a relação com a tecnologia traz mais possibilidades ou
impedimentos?
Conforme referimos, a base epistemológica adotada permitiu que não nos ativéssemos
ao fenômeno tal qual se apresenta, mas que pudéssemos identificar mediações, para
compreendermos o processo intricado de relações envolvidas na constituição da realidade
concreta, destacando, especificamente, aspectos referentes ao uso de tecnologias de
comunicação e à relação com os diversos dispositivos existentes para esse fim.
Considerando esses aspectos, o objetivo deste trabalho foi analisar a relação do sujeito
com a tecnologia como experiência contemporânea, com enfoque no uso das redes sociais
digitais, a partir das significações produzidas pelos usuários sobre internet, suas
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características, recursos e lugar social.Com base nesse conteúdo, procuramos identificar como
essas experiências impactam a constituição da subjetividade, apontando possibilidades de se
conquistar fragmentos emancipatórios e aspectos que apontam para a estagnação dos
sujeitos.
O trabalho realizado está apresentado nos capítulos descritos a seguir. O primeiro
capítulo discute aspectos da sociedade contemporânea relativos às tecnologias de
comunicação e seu impacto das relações sociais. São apresentados, brevemente, alguns
marcos históricos que representam a evolução tecnológica e suas implicações para a
comunicação social, como o desenvolvimento da internet, dos celulares e dos smartphones.
Também serão apontadas características dos dispositivos de comunicação desenvolvidos, que
levaram às formas atuais das redes sociais digitais, especialmente o Facebook. São
considerados também os usos sociais e culturais dessas tecnologias, no âmbito da divulgação
de conhecimentos, das interações que possibilitam, das práticas de consumo associadas, das
formas de controle que permitem.
Já o capítulo 2 compreende dois principais pontos referentes à abordagem teórica que
orienta a pesquisa, a perspectiva sócio-histórica: sua concepção de homem, história e
sociedade; e elementos da perspectiva sócio-histórica na análise da mídia. No primeiro,
trabalhamos conceitos como o trabalho e a linguagem, ambos importantes para o processo de
construção humana enquanto ser intersubjetivo e histórico. Explicamos significações,
significados e sentidos, que embasa o uso dos núcleos de significação enquanto procedimento
de análise das falas dos participantes, levantadas através de grupo focal. Buscamos também
apontar para contradições do modelo atual de sociedade, bem como indicar as categorias de
análise da Psicologia Sócio-Histórica, com destaque à identidade, aos conceitos de fragmentos
de emancipação e identidade política, categorias que permitem uma análise da constituição da
subjetividade. Já no outro item sobre a perspectiva sócio-histórica e a mídia, articulamos
conceitos da abordagem aos aspectos levantados no primeiro capítulo.
No capítulo 3 apresentamos o método. Em primeiro lugar, os fundamentos do
materialismo histórico e dialético que, como mencionamos, é a base epistemológica deste
trabalho, que embasa a leitura da realidade, em sua complexidade, como processo de
constituição dialética entre indivíduo e sociedade. Em seguida fundamentamos teoricamente a
técnica de grupo focal, utilizada para a coleta de informações, explicando o papel do
investigador. As informações sobre procedimentos de coleta e análise de dados também se
encontram nesse capítulo.
11

O capítulo 4 traz os resultados, apresentando os núcleos de significação identificados


nas falas dos participantes dos grupos. O trabalho com os núcleos de significação procurou
analisar as significações, produzidas pelos sujeitos, de várias maneiras: apontando
articulações entre as falas de vários sujeitos e referentes às várias situações exploradas nos
grupos focais; apontando implicações dos aspectos identificados para o uso e a relação com a
tecnologia e para as relações cotidianas; apontando articulações com outras pesquisas e
reflexões teóricas a respeito do tema.
Por fim, no capítulo 5, realizamos as considerações finais, identificando a partir da
análise e discussão dos núcleos de significação a respeito das redes sociais digitais, quais
relações com a tecnologia levam a aprisionamentos, à libertação e como se configuram novas
contradições.
12

Cap. 1 - SOCIEDADE TECNOLÓGICA E MÍDIA

Para compreendermos, no contexto contemporâneo, as práticas sociais e culturais


atravessadas pela esfera digital, contextualizaremos pontualmente marcos históricos
representativos da evolução tecnológica, recapitulando o desenvolvimento da internet, assim
como identificando modificações sociais, subjetivas e de conceitos decorrentes dessas
transformações. Também focaremos nos usos sociais e culturais dessas tecnologias,
principalmente no que concerne à troca e, compartilhamento de conhecimentos; aspectos
relativos à sociabilidade que propiciam; sistemas de controle que engendram; práticas de
consumo que induzem, e mídias digitais, dando destaque às redes sociais digitais, com
enfoque, especialmente, no Facebook.
Nicolaci-da-Costa (2004) ressalta dois saltos tecnológicos na modernidade, o da
revolução industrial e o do desenvolvimento das tecnologias da informação e
telecomunicações. Segundo essa autora, ambos os períodos marcaram mudanças sociais e de
organização psíquica, sendo o intervalo entre ambos caracterizado por período de relativa
estabilidade.
Da primeira mudança, resultado da industrialização, pode-se destacar como aspectos
significativos de alteração da vida social migrações da área rural para as cidades, anonimato,
ascendência do individualismo em contrapartida à comunidade, entre outros aspectos. Já a
segunda grande alteração foi marcada por instabilidade, imprevisibilidade, ou seja, processo
de constante mudança, o que requer acompanhamento e estudo de pesquisadores para
compreender as organizações e transformações subjetivas decorrentes desse processo.
Nicolaci-da-Costa (2005) identifica, em outro texto, que os conceitos de tempo e
espaço, para serem compreendidos, devem ser contextualizados em termos de período
histórico e social, pois essas concepções mudaram com o decorrer do tempo e com os avanços
alcançados historicamente pelo ser humano. Se antes essas instâncias eram percebidas
proporcionalmente conectadas, com a revolução industrial e a e a mecanização começou a
haver a aceleração do tempo em comparação ao espaço, tanto em termos de produção,
agilizando o desenvolvimento do que antes era artesanalmente criado, como da comunicação,
pelo desenvolvimento do telégrafo e do telefone, assim como em termos de transporte.
De acordo com a autora, para os seguidores da corrente pós–moderna, o
desenvolvimento das tecnologias da telecomunicação e a decorrente conexão multinacional,
por sua vez, representaram marcos significativos de mudança para o capitalismo, acelerando o
tempo de modo a possibilitar a vivência do agora em múltiplos e fragmentados espaços,
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viabilizando a conexão social em rede, com potencial vínculo entre todos. Isso poderia ser
denominado de uma pós-modernidade, significando alterações em relação às concepções da
modernidade concretizadas com a revolução industrial. 1
Essa alteração produzida pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação é
potencializada com o desenvolvimento da internet, também identificada por ciberespaço, que
viabiliza o acesso ao espaço extraterritorial e imaterial, formado por bites e bytes,
possibilitando a instantaneidade de navegação pela rede, por intermédio das plataformas de
acesso, ou seja, de computadores e derivados, assim como celulares, mais recentemente.
Dentre as mudanças que esse espaço extraterritorial trouxe, consta a possibilidade de troca de
bens imateriais e informações, assim como novas formas de controle, vigilância, poder,
demonstração de solidariedade, resistência, convivência social, etc. A autora coloca que esse
espaço é cenário de novas configurações de atividades da esfera cotidiana, tais como namoro,
bate-papo, trabalho, lazer, informação e educação (NICOLACI-DA-COSTA, 2005).
Antes de explorarmos a internet tal a qual conhecemos hoje, de uso acessível e
facilitado a pessoas comuns, faremos sua contextualização histórica. Para tanto, nos
basearemos em Castells (2003), o qual apresenta o processo de desenvolvimento da internet
de forma complexa. De modo geral, o panorama de desenvolvimento da internet pode ser
compreendido entre as décadas de 1960 e 1990. A Arpanet representa o ícone central de sua
origem. Foi desenvolvida no ano de 1969 em um departamento da agência americana ARPA
(Advanced Research Projects Agency). Esta tinha por objetivo produzir tecnologia militar
avançada, superior à da União Soviética, através da mobilização de recursos científicos do
âmbito universitário.
Podemos interpretar através da leitura de Castells (2013) que o projeto Arpanet não
era dos mais relevantes da agência, descrito como um “pequeno programa”. Apesar da
tecnologia empregada de comutação por pacote ser revolucionária, garantir rede de
comunicação militar descentralizada e adaptável que poderia sobreviver a um ataque nuclear,
o principal objetivo da Arpanet era estimular a pesquisa de forma interativa através do
computador de modo que o tempo online fosse compartilhado.

1
Para a Psicologia Sócio-Histórica, visão teórico-metodológica em que nos basearemos para este estudo
e que será explicada mais detidamente no próximo capítulo, a utilização do termo pós-moderno não é o mais
adequado, havendo preferência ao contemporâneo. Apesar de concordar que estão havendo mudanças históricas,
sociais e culturais, decorrentes da evolução tecnológica e da comunicação, há críticas ao emprego desse termo
para ilustrar o momento histórico em que vivemos, principalmente pela errônea pressuposição de que o modelo
existente no período moderno, o capitalista, foi superado. Pelo contrário, ele permanece vigente, mantendo ou
mesmo aprofundando desigualdades (GONÇALVES, 2003; MAIA E OLIVEIRA, 2011).
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Através da contextualização histórica que o autor desenvolve, notamos como o


Information Processing Techniques Office (IPTO), ou seja, o departamento da ARPA que
criou o Arpanet, buscava recursos de pesquisas universitárias e de auxílio de organizações
integradas por cientistas e engenheiros de faculdades reconhecidas cientificamente na busca
de aprimoramento tecnológico, mostrando que a origem da internet não se circunscreveu em
âmbito militar. Por exemplo, em 1971 a maioria dos nós de rede desenvolvidos foi
concentrada em centros universitários e a implementação da Arpanet ocorreu por uma firma
de engenharia fundada por professores da MIT (Massachusetts Institute of Technology) e
composta por estudantes dessa universidade e de Harvard.
A conexão entre redes foi o passo seguinte para a aproximação com o conceito de
internet, a qual seria viabilizada através de protocolos de comunicação padronizados. Foi
conseguida de forma parcial em 1973 e completa em 1978, quando o TCP (Transmission
Control Protocol) foi dividido em dois, sendo acrescido de protocolo intrarrede (IP),
formando o protocolo TCP/IP tal qual opera a internet hoje.
Até 1990 a Arpanet ficou administrativamente circunscrita ao ambiente militar. A
partir de então, quando já era considerada obsoleta por essa instância, foi transferida para a
Nacional Science Fundation. Logo rumou para a privatização, circunstância favorecida pela
iniciativa prévia do Departamento de Defesa na década de 1980, de comercializar o uso de
protocolo TCP/IP em computadores. A propagação dessa tecnologia da internet contribuiu
para a interconexão de redes e a execução privada da internet.
Indispensável assinalarmos que, além da Arpanet, desde a década de 1970 outras
fontes contribuíram para o formato atual de internet, em configuração global de redes de
computadores. Estudantes, programadores e hackers foram essenciais para descobertas e
desenvolvimentos em paralelo, tais como a criação dos bulletin board systems (BBS) e seus
derivados, o sistema operacional UNIX seguido do LINUX, o processo de abertura ao acesso
de fonte dos sistemas de software, a distribuição gratuita de software sob a condição de
aperfeiçoamento constante. Esse aprimoramento passou a ser exercido não só por hackers,
como também por usuários, a partir do momento em que o dispositivo foi se tornando mais
acessível a essa camada. Castells (2003) explica o que são e a importância de cada uma dessas
inovações, porém não focaremos nesses aprofundamentos técnicos.
Destacamos como ícone do processo de conexão mundial da internet o
desenvolvimento do sistema de hipertexto world wide web (www), ao final de 1990, pelo
programador Tim Berners-Lee. Ele materializou as visões de estudiosos anteriores na criação
desse programa navegador e editor, inspirando hackers e mesmo a Microsoft no
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desenvolvimento de outros navegadores para acesso à internet, outras versões da www,


culminando em níveis comerciais. Nesse processo a interface foi desenvolvida importando
linguagens da multimídia, viabilizando a captação e distribuição de imagens (CASTELLS,
2003).
Notamos através de Castells (2003) como a internet foi criada por meio de
conhecimentos acumulados por décadas. Visionários sem apoio material contribuíram com
teorias e hipóteses. Implementadores se serviram destas para a execução e criação. Diversos
foram os autores envolvidos, não circunscritos à ARPA. Além de pesquisadores renomados,
estudantes, empresários e até hackers contribuíram no processo, inclusive cidadãos comuns ao
terem à disposição interfaces com linguagens acessíveis a seu nível de conhecimento. De
ideia embrionária e considerada secundária dentro da estratégia militar, a internet se expandiu
com potencial de conexão surpreendente, atingindo nível de potência e importância antes não
imaginadas. O ano de 1995 foi o marco de sua visibilidade na sociedade em geral,
ultrapassando o acesso antes circunscrito àqueles com conhecimento técnico.
Como vimos a internet surgiu como produto interacional de diversas instâncias, a
princípio afastada da condição mercadológica. Grande parte de seu desenvolvimento e
inovação ocorreu pelo desejo da descoberta e aperfeiçoamento, principalmente nos campus
universitários. Essas condições favoreceram a filosofia de troca constante e aberta de
informações para aperfeiçoamento técnico, ligada à ética hacker da cultura da liberdade, a
qual engloba conceitos tais como copyleft e open source. O primeiro se refere ao princípio de
aperfeiçoamento de softwares gratuitos seguido do compartilhamento de seus códigos. Open
source remete a código aberto, que significa a viabilização de código-fonte de software para
alteração. O ideal hacker visa o trabalho pelo interesse público (CASTELLS, 2003).
Importante destacar os três princípios no qual a internet opera até hoje e que se
perpetuam desde sua origem. É a estrutura descentralizada de rede (flexibilidade), o
empoderamento computacional distribuídos pelos nós (descentralização) e as funções
redundantes para diminuir a possibilidade de desconexão (autonomia de cada nó)
(CASTELLS, 2003).
Toda essa potencialidade da internet como nova tecnologia de comunicação, alterando
a dinâmica espaço-temporal, aumentando e tornando mais complexa a interação e a
conectividade entre usuários impactam na sociedade como um todo, em termos econômicos,
culturais, mercadológicos e políticos, pois ela passa a ser a base de toda construção social.
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Esse desenvolvimento da internet deve ser considerado junto ao desenvolvimento


tecnológico das plataformas de acesso, cada uma delas trazendo possibilidades diferenciadas
e, consequentemente, implicações específicas em relação a seu uso.
Nesse sentido, os smartphones são reconhecidos como fundamentais no processo de
transformação que está acontecendo atualmente. Temos que considerar que, antes de seu
aperfeiçoamento enquanto ferramenta que converge diversas funcionalidades em um único
aparelho e que tem conexão com a internet, já possibilitava algumas mudanças. Conforme
Nicolaci-da-Costa (2005), a função principal do celular era a comunicação telefônica e a troca
de mensagens, mas como elas tinham alto preço na época em que surgiram, o seu uso era
pontual. Porém, o celular já viabilizava o contato potencialmente perpétuo,
independentemente do espaço físico e em tempo real, facilitando as relações em termos de
fluidez no convívio. Marcar encontros e combinar horários poderia ser feito em qualquer
espaço e momento do dia.
Outra função importante do celular, também destacada por Nicolaci-da-Costa (2005),
foi o armazenamento de dados, que antes de seu aperfeiçoamento tecnológico se referia
especificamente à agenda telefônica, memorizando números dos contatos adicionados.
Percebemos que a mobilidade é característica do celular desde sua origem assim como a
portabilidade de informações, a princípio em nível de contatos telefônicos (NICOLACI-DA-
COSTA, 2005).
Com a convergência entre computação, microeletrônica, radiodifusão,
telecomunicações e optoeletrônica, houve sua potencialização. A internet e o celular,
isoladamente, causam impactos diferentes, mas unidos, possibilitam o acesso a novos
espaços, atuando de modo revolucionário em termos sociais e subjetivos (NICOLACI-DA-
COSTA, 2004).
Essa união resultou nos celulares inteligentes, mais conhecidos como smartphones,
sendo considerados praticamente como microcomputadores pessoais. Aquele início de
armazenamento de contatos telefônicos, referido na origem de seu desenvolvimento, agora se
estendeu para o download de aplicativos, possibilitando outras experiências, facilidades e
formas de interação (FEIJÓ, GONÇALVES E GOMES, 2013).
Os aplicativos, que hoje podem ser adquiridos nas App Stores, antecedem a
comunicação móvel e foram adaptados a esses dispositivos, facilitando tarefas do usuário,
possibilitando entretenimento e acesso à informação. Além deles, diversas funcionalidades
convergiram no aprimoramento do dispositivo celular tais como fotografia, filmagem,
gravador de som, assim como também a tecnologia GPS (Global Positioning System), que
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envolve a geolocalização via satélite, dentre outros (FEIJÓ, GONÇALVES E GOMES,


2013).
Com a convergência de funções nos smartphones, as pessoas passaram a poder
compartilhar mensagens, fotos e vídeos para múltiplas pessoas de forma instantânea, captando
situações cotidianas de forma imediata, com custo financeiro acessível. Pellanda (2009)
também ressalta as mudanças viabilizadas pela união entre tecnologia de localização física e
internet móvel, que possibilita, dentre outros aspectos, o direcionamento de informações ao
usuário de acordo com a localização identificada no aparelho, a informação de proximidade
de amigos e conhecidos que estejam cadastrados em determinado serviço de software,
viabilizando potencial encontro presencial.
A cidade, portanto, nesse grau tecnológico, faz parte da experiência social, diferente
da configuração anterior da internet, em que a localização geográfica não estava inclusa. Essa
integração do espaço físico à internet, através da tecnologia GPS, assim como a viabilização
da conexão constante, traz novas configurações em termos de relacionamento, informação e
meio físico, decorrentes das relações e convergência das mídias (PELLANDA, 2009).
Percebemos então, o crescente borramento de fronteiras entre real e virtual, público e privado.
Com a expansão das redes wi-fi em espaços públicos, tais como restaurantes, bares,
shoppings e etc., assim como o desenvolvimento da internet móvel, cujo acesso é viabilizado
através de contratos com operadoras de telefonia celular, que prometem conexão à internet
por parte dos usuários de onde quer que estejam, houve a intensificação das possibilidades dos
smartphones. Qualquer lugar passou a ser potencialmente acessível à internet e
consequentemente à interação, ao conhecimento, havendo a desterritorialização e
descentralização de informações, não mais sendo necessária a correlação entre espaço e
atividade, impactando no vínculo cultural entre o saber e o meio físico.
Essas características proporcionam ao sujeito a sensação de onipresença, ou seja, de
poder acessar simultaneamente diferentes espaços físicos com o mínimo deslocamento
territorial (PELLANDA 2009). Também já não há mais a necessidade de sincronia temporal
para ocorrer a comunicação, de modo que mensagens trocadas entre internautas podem ser
respondidas em outro momento, favorecendo a construção da aparência que o interlocutor
deseja passar com a mensagem que produz (GALLARDO, 2014).
Ainda em termos subjetivos, a privacidade aliada à possibilidade de contato frequente,
pode incrementar a intimidade entre esses sujeitos. A sensação de conexão viabilizada pela
portabilidade do celular traz segurança e decorrente autonomia e liberdade de ação, havendo
dificuldade, portanto, dos portadores dessa tecnologia se apartarem desse dispositivo que
18

proporciona o acesso a mundo fluido e nômade, em constante e imediato contato com a rede
social. O desenvolvimento tecnológico contribui não só em termos de transformações
internas, como as mencionadas, mas também de significados, em termos de reconfiguração da
compreensão de antigos sentimentos, a exemplo da solidão. A mudança, o movimento e a
fluidez é o que rege essa sociedade e marca a subjetividade em constante transformação
(NICOLACI-DA-COSTA, 2004).
Em termos de linguagem, temos que considerar que, no meio online, das redes, são
utilizados diferentes recursos comunicativos, se comparados àqueles empregados nas relações
presenciais, pois o corpo físico está ausente na interação. O contato com o outro acontece pela
mediação de dispositivos tecnológicos e não de forma direta, o que desafia os interlocutores a
usarem recursos linguísticos e semióticos próprios desse meio para se compreenderem e
passarem a mensagem que desejam (GALLARDO, 2014).
Outros aspectos em relação ao desenvolvimento da internet devem ser considerados.
Apesar da sua origem não mercadológica, em Jenkins (2006) notamos o processo de
adaptação de empresas e organizações à nova dinâmica de conexão. Se a princípio elas não
vislumbravam retorno financeiro, com a identificação do uso cada vez mais constante pela
população e a convergência entre telecomunicações e computador ligados à internet a
aproximação vai se tornando imperativa para sobrevivência no mercado competitivo
capitalista.
Não nos aprofundaremos nas questões econômicas, porém é importante sinalizar a
dinâmica que atraiu a atenção das empresas para o contexto digital. Sem focarmos no
vocabulário mercadológico de Jenkins (2006), que tende a identificar o usuário como
consumidor, destacaremos a ascensão da população quanto à diversidade de atividades e
maior poder interativo e atuante que se dá por meio da apropriação de mídias, internet,
computador e dispositivos móveis (smartphones).
O autor considera que, com o acesso público à internet, as pessoas adquiriram maior
autonomia, postura ativa e participativa frente às mídias e instituições de poder, alterando a
condição anterior de receptividade e passividade. Aumentou a possibilidade de produção de
conhecimentos e de disseminação de informações. O público ganhou voz, o que inclusive
potencializou ações coletivas. A internet, principalmente as redes sociais digitais, ampliou a
possibilidade de acesso a outros com ideias comuns, inclusive diálogos e combinados que
podem ultrapassar a tela e serem colocados em prática na realidade cotidiana (JENKINS,
2006).
19

Jenkins (2006) chama de cultura participativa essa mudança de perspectiva do usuário


como ser passivo e espectador para ativo e interacional. Essa condição favorece e é decorrente
da cultura da convergência, na qual ocorre o estreitamento de lacunas, a aproximação de
opostos. Nesse processo, produtores de mídia e usuários passam a interagir. Estes, com maior
ferramental, acesso e possibilidade de manipulação de mídias no meio digital, ascendem em
termos participativos, o que exige reformulação das organizações nas estratégias e contato
com o público. Além disso, a internet e plataformas viabilizam conexões e interações cada
vez mais complexas e os conteúdos produzidos passam a ter potencial de circulação mundial.
Importante salientar que, segundo Jenkins (2006) a convergência ocorre também no cérebro
dos usuários, que transformam as informações fragmentadas da rede em recursos para a
compreensão da vida cotidiana.
Na internet os conteúdos ficam disponíveis para a visualização de outros com
potencial de alcance inimaginável. Outras informações podem ser acrescidas por internautas,
agregando outro sentido ao conteúdo original, contribuindo para construção intra e inter-
relacional. Essa situação pode ser relacionada com o termo inteligência coletiva, cunhado por
Pierre Lévy, utilizado por Jenkins (2006) em sua obra, que se refere à potencialidade de
construção de conhecimento coletivo a partir dos recursos e habilidades individuais de cada
um. Cada informação acrescida incrementa a anterior. E a narrativa é compreendida pelo
cérebro dos usuários, que transformam, então, as informações fragmentadas da rede em
recursos para a compreensão da vida cotidiana.
Especificamente em relação às redes sociais digitais, Reguillo (2012) contribui para a
compreensão do seu potencial interativo e da complexidade das leituras dos conteúdos
postados. Em pesquisa realizada com jovens, identifica como informações descritivas
acrescentadas pelos usuários a vídeos de música em redes sociais transformam e incrementam
o significado original. Novas formas de leitura são realizadas pelos interlocutores. Nesse
sentido, o conteúdo em si não é considerado completo, servindo como estímulo disparador
para conversações que podem rumar para outras temáticas. Os discursos atrelados aos
conteúdos são variados e extensos, viabilizando diversas possibilidades de leitura. E nessa
interação, através de narrativas autobiográficas dispostas de forma fragmentada, os sujeitos se
recriam e se reconfiguram.
Há o estímulo para a divulgação de conteúdos, os quais podem ser de âmbito público e
privado, pelas ferramentas e layout das redes sociais digitais (GALLARDO, 2014).
Kirkpatrick (2010) coloca que a proposta do Facebook é a interação, sendo essa uma
20

ferramenta de autoexpressão que possibilita o contato com diversas pessoas de forma


simultânea, com o mínimo de esforço.
É importante ressaltarmos que o lançamento dessa rede social digital foi beneficiado
pelo desenvolvimento das câmeras digitais e pelo aumento da velocidade da internet. Com a
criação dos smartphones, então, tornou-se maior ainda a potencialidade interativa dessas
plataformas, pois, através das câmeras embutidas, foram possibilitados registros rápidos de
atividades cotidianas que instantaneamente poderiam ser colocadas na rede para
compartilhamento com outros (KIRKPATRICK, 2010).
Através desse meio digital é possível acompanhar o que os outros estão fazendo,
pensando e onde estão, reavivando a dinâmica das cidades pequenas, em que todos sabiam o
que cada um fazia. Além disso, as informações dos sujeitos ficam concentradas nessa
plataforma, de modo portátil. Há estímulo para a bisbilhotice e o acompanhamento dos
conteúdos acontece como em um estado de transe (KIRKPATRICK, 2010).
Nessa plataforma é estimulada a coerência do sujeito com sua realidade presencial,
através de nome e foto, que atrai outras pessoas também reais que, reciprocamente, se validam
em termos de veracidade das informações (KIRKPATRICK, 2010). Essa experiência é
diferente da que regia a internet, a do anonimato. Na interação com outros, principalmente
nas salas de bate-papo, os sujeitos podiam criar características independentes da realidade
física e cotidiana, mostrando-se do modo como se viam e se sentiam. As formas de
manifestação do eu eram mais libertas, como em um laboratório de experiências (BESERRA,
2012).
Nas redes sociais contemporâneas, o sujeito cria e constrói uma imagem de si, que
também pode envolver criatividade e modo de auto expressão, mas há maior responsabilidade
sobre os conteúdos postados, pois é uma representação digital do sujeito, enquanto identidade.
O perfil é pessoal, de modo que a incoerência em termos de ações presenciais e espaço digital
podem causar diversas complicações e conflitos.
Zuckerberg, através do Facebook, acreditava que, no nível tecnológico de
transparência contemporâneo, o sujeito tem que buscar a identidade holística, não sendo mais
sustentável a separação, por exemplo, de questões de trabalho e pessoais. Na plataforma
desenvolvida por ele há dificuldade de projetar imagem contraditória, sustentar identidade
fictícia, devido à visibilidade das informações, que proliferam na internet e em outros lugares.
Essa plataforma, portanto, demanda comportamento congruente (KIRKPATRICK, 2010).
Mas há de se considerar que o Facebook estimula a exposição através de recursos e,
paralelamente, cria ferramentas de privacidade (KIRKPATRICK, 2010). Entretanto, não
21

sabemos até que ponto essa privacidade não é só garantida para nossos contatos, visto que,
conforme dito acima, as informações das pessoas estão sujeitas à proliferação da internet e
outros espaços.
Quanto a isso, temos que considerar que a plataforma em si consiste em um banco de
dados imenso, pois através de seus algoritmos, mapeia informações sobre os indivíduos, que
podem ser usadas para diversos fins, desde a organização e triagem dos conteúdos que serão
expostos no feed de notícias, o mais congruentes possível com seus usos, assim como para
disponibilização para empresas, para a propaganda personalizada em que assuntos são
direcionados conforme ações do sujeito; ou ainda, para o compartilhamento do que as pessoas
fazem em sites parceiros através do Connect. Essa concentração de dados em uma única
plataforma pode levantar questões quanto à privacidade. Será que uma empresa deveria ter
tantas informações agregadas e controladas por ela? Como poderão ser usados no futuro? Será
que esse manejo deveria ser feito pelo governo? São questões, então, que podem envolver
políticas públicas. (KIRKPATRICK, 2010).
Também ressaltamos que, segundo Kirkpatrick (2010), os pressupostos intrínsecos que
regem o Facebook têm base na liberdade do discurso americano. Esse valor pode ser
compreendido como transparência e liberdade de expressão, o que envolve a exposição do
sujeito. Porém, segundo o autor, a liberdade não é total, visto que a própria plataforma pode
retirar conteúdos que façam apologia ao ódio, à violência ou que representem infração de lei
(KIRKPATRICK, 2010).
Outra questão importante de destacarmos em relação ao Facebook é que, o sistema do
feed de notícias, baseado em cálculos de software, tem a capacidade de agrupar conteúdos
sobre o interesse do sujeito. Através dessa funcionalidade, grupos de manifestação são
rapidamente montados, apesar dessa não ter sido a proposta original da ferramenta. É
conveniente participar de manifestações através da rede social digital, pois o sujeito, no
conforto de sua casa, pode contribuir com posicionamentos, mas o autor identifica que essa
ação envolve compromisso público, visto que o perfil do sujeito representa sua identidade
digital, o que poderia ser comparado a assinar petição com nome e endereço
(KIRKPATRICK, 2010).
Já quanto à mídia tradicional, como por exemplo, televisão, o que se percebe é uma
crescente busca de atualização e acesso ao meio digital, através da criação de páginas na
plataforma. Essa adaptação é importante para se manter no meio competitivo capitalista, visto
que o Facebook é um dos maiores geradores de tráfego (KIRKPATRICK, 2010).
22

Considerando que as identidades são relacionais e, portanto, se formam e transformam


na interação com os outros, e que a diluição das fronteiras expande o contato com diferentes
culturas, vozes e modos de ver o mundo, é inegável que essa ampliação no contato social
potencializa mudanças, não só no indivíduo em termos identitários, conforme menciona
Gallardo (2014), e em termos psicológicos, segundo Nicolaci-da-Costa (2004), mas também
na cultura e sociedade em geral, como consequência das mudanças.
As tecnologias da informação, tais como redes sociais, a exemplo do Facebook,
possibilitam a troca de informações de forma simultânea com diversas pessoas. Além dessa
colocação, Ramirez Colina (2013) cita que os membros dessas redes têm a impressão
ficcional de privacidade, anonimato e, portanto, tendem a publicar informações na mesma
velocidade com que escrevem. Mas em seu estudo, trabalha o conflito entre empregados que
têm o direito à liberdade de expressão e empregadores que também possuem direitos, que
nessa plataforma se confrontam, devido aos intercruzamentos comunicacionais que são
favorecidos e viabilizados nela, podendo resultar inclusive em processos jurídicos.
Esses conflitos, trabalhados pelo autor em termos de papel social entre empregados e
empregadores, possibilitam a reflexão de que possam existir conflitos em outros níveis de
papéis sociais no cotidiano dos indivíduos, tais como entre pais e filhos, amigos e família,
trabalho e vida privada, entre outros. Esse aspecto, portanto, é importante de ser investigado
para atingirmos o objetivo proposto, de análise das implicações do uso das redes sociais na
constituição da subjetividade.
Concordamos que atualmente ainda existe o uso para interação com estranhos, porém,
cada vez mais, as plataformas forçam para que o usuário utilize dados os mais próximos
possíveis à sua realidade física, como por exemplo, nome e sobrenome, fotos que o ilustrem,
assim como geolocalização, Esse uso possibilita que pessoas conhecidas ao internauta o
adicionem ao seu perfil como “amigo”, concordando que aquela é a identidade do sujeito. O
uso da rede, portanto, passa a ser mais estreitamente relacionado à realidade física e cotidiana,
o que desestimula a criação de perfis falsos, apesar de não impedir. Observamos então que no
Facebook, assim como em outras redes sociais digitais contemporâneas, o sujeito não tem a
mesma liberdade identitária de criar características para si como ocorria nas salas de bate-
papo.
Paradoxalmente a esse maior poder interativo e atuante do internauta existem também
os riscos e ameaças. Essa afirmação coincide com a concepção de Marcuse (1999) a respeito
da tecnologia, de que ela por si só é neutra, sendo seu uso o aspecto definidor. Assange (2013)
destaca a internet como importante ferramenta de emancipação, porém estimula reflexões a
23

respeito da não neutralidade da rede. Apesar da aparente imparcialidade há controle velado


através de algoritmos manipulados em plataformas, como, por exemplo, em redes sociais
digitais. Há censura sobre o que é visto, além do sumiço de informações. O acesso
indiscriminado a todo tipo de informação é ilusório.
Além da identificação da liberdade parcial na internet, Assange (2013) alerta para a
quantidade de dados pessoais que colocamos diariamente à disposição na rede.
Principalmente em plataformas centralizadas, esse acúmulo pode ser utilizado tanto para
maior controle quanto para a alimentação do mercado através do direcionamento mais
específico de publicidade.
Pelo que vimos, a origem da internet foi marcada por contexto de tensão e
investimento em tecnologia. Começou como pequeno projeto que visava o compartilhamento
temporal de pesquisa em rede e evoluiu para condição de infraestrutura na sociedade.
Envolveu a participação de diversos personagens, não só restritos ao contexto militar, mas
também hackers, pesquisadores renomados e estudantes. Os princípios de flexibilidade,
descentralização e autonomia de cada nó, além da cultura hacker que a fomentou,
viabilizaram sua expansividade e dinâmica do compartilhamento, troca e aperfeiçoamento
progressivo.
Com a apropriação da internet e computador pela população, notamos mudanças nas
estruturas sociais e culturais, maior conectividade e complexidade nas relações. Os usuários
passaram a ter maior possibilidade interacional e de atuação, trazendo à tona conflitos de
poder e pressionando para atitudes de reconfiguração. O modo de vida cotidiano passou a ser
permeado pelas tecnologias, principalmente com o desenvolvimento dos dispositivos móveis
de celular e internet, que viabilizaram diversas hibridizações tais como entre âmbito online e
offline, público e privado.
Através da internet notamos o favorecimento do ato de compartilhamento e das trocas,
que potencializam incidência de conflitos interpessoais, principalmente em redes sociais
digitais onde há a maior concentração de expressões e impressões de cada sujeito. Em
contrapartida, essas plataformas podem viabilizar o encontro de pessoas com pensamentos
parecidos, favorecendo reivindicações políticas e sociais no âmbito cotidiano, tanto dentro
como fora da rede. Nesse contexto de visibilidade e concentração de dados sobre si mesmo,
apesar da aparente neutralidade, há sistemas de controle e de levantamento de informações.
As práticas de consumo também se adequam à nova lógica conectiva, em que empresas
aderem ao modelo participativo e podem melhor direcionar seus conteúdos a partir das
características dos usuários.
24

Frente a toda essa realidade que se configura através da mediação tecnológica, a


proposta desta pesquisa parece-nos relevante, na medida em que nos propomos a investigar a
relação do sujeito contemporâneo com as redes sociais digitais. Desse conteúdo, pretendemos
fechar a pesquisa com reflexões e identificações sobre a relação do sujeito com a tecnologia:
Essa ferramenta trouxe novas contradições? Formas de aprisionamento? De superação? As
reflexões desenvolvidas levam a sentidos mais emancipatórios ou não? Mas antes disso, há
todo um processo para percorrermos. Vamos então seguir com a apresentação da
compreensão epistemológica em que esta pesquisa se baseia.

Cap. 2 – A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA

2.1 – Concepção de homem, história, sociedade

De acordo com Lima (2011) a Psicologia Sócio-Histórica se fundamenta na proposta


epistemológica do materialismo histórico-dialético de Marx e Engels e na Psicologia
Histórico Cultural de Vigotski, Leontiev e Luria. Esse é o método e teoria que orientam esta
pesquisa.
A ideia central do referencial marxista incide sobre a transformação da natureza pelo
ser humano, através do trabalho, visando sua subsistência, processo no qual a sociedade se
constitui, assim como reciprocamente o próprio humano e sua psique, histórica e
dialeticamente (LIMA, 2011). Nesse sentido, o ser humano, assim como o animal, faz parte
da natureza, mas diferentemente do último, age de forma intencional e planejada (ENGELS,
1976).
A distância entre animais e pessoas foi viabilizada pela atividade laboral, que consiste
na base organizativa da sociedade (LEONTIEV, 1978). Foi através da articulação entre
instrumentos, em nível de trabalho, e signos, em nível psicológico que o ser humano
desenvolveu suas funções psicológicas superiores no decorrer da história, transcendendo o
imediato. Pela internalização de atividades sociais e historicamente construídas, que consiste
em reconstrução interna da realidade externa, foi possível esse salto qualitativo de
diferenciação (VIGOTSKI, 1994). Através do trabalho, portanto, o ser humano se afastou da
determinação de leis estritamente biológicas e se passou a ter seu processo de
desenvolvimento determinado por leis sócio-históricas (LEONTIEV, 1978).
25

É importante compreender que a atividade laboral consiste na atuação do ser humano


sobre a realidade, transformando-a. Essa concepção não se limita ao conceito puramente
econômico difundido pelo senso comum, ou mesmo de tarefa ou ocupação. Transcende a
aspectos culturais e filosóficos, conforme compreende o autor alemão Marx (PIRES, 1997).
O trabalho, sob esse ponto de vista, é apreendido em sua forma mais ampla, como
categoria central da relação com o outro e com a natureza, por intermédio de instrumentos.
Em seu desenvolvimento, amplia as possibilidades humanas e passa a incluir toda espécie de
produção que se dá na vida social, como por exemplo, objetos, ideias, tecnologias,
conhecimentos, entre outros, visando historicamente à garantia de sua sobrevivência (VALE,
GONÇALVES E LOPES JUNIOR, 2009; PIRES, 1997). E é nesse processo de intervenção
sobre a natureza e interação com o outro que o ser humano se humaniza (Engels, 1976).
Considerando, como já mencionado, que o trabalho ocorre de forma interativa, o
desenvolvimento da linguagem foi peça-chave para seu aprimoramento e maior
complexidade, visto que a articulação entre fala e atividade laboral proporcionou o
desenvolvimento do cérebro e dos órgãos dos sentidos (ENGELS, 1976). A linguagem tem
analogia com o instrumento, na medida em que permite o diálogo, desenvolvido em nível
psicológico, composto por signos. Mas, tem também um papel diferenciado, pois incide sobre
o comportamento e permite a atividade psicológica. Nesse sentido, o signo e o pensamento,
medeiam o processo de comunicação (VIGOTSKI, 1998).
Temos que destacar o signo enquanto melhor representante da síntese entre
subjetividade e objetividade, pois ele concentra as características da construção social para a
caracterização da objetividade, o compartilhamento intersubjetivo pela atribuição de
significados, e a estruturação subjetiva individual através da apropriação do significado social
e sua articulação com a produção de sentidos pessoais. Nessa perspectiva, a constituição da
subjetividade ocorre através das mediações sociais, no plano intersubjetivo (GONÇALVES,
2007).
Desse modo, compreendemos que o processo de subjetivar-se envolve o contato do
sujeito com o significado, que é social e objetivo, e sua construção intra-subjetiva através da
atividade (trabalho) na relação intersubjetiva, envolvendo a produção de sentidos pessoais, o
que vai caracterizar a subjetividade como única para cada sujeito, em que pese a base material
objetiva comum a partir da qual se constitui (GONÇALVES, 2007).
Notamos, portanto, quão relevante é o papel da linguagem no desenvolvimento
humano, que contribuiu tanto para o aprimoramento do trabalho em termos de complexidade,
como também do próprio ser humano, viabilizando saltos qualitativos de desenvolvimento.
26

As transformações em nível de comunicação sempre ocorreram. Mas na


contemporaneidade, cada vez mais as possibilidades interativas estão sendo potencializadas,
ultrapassando barreiras da natureza, tais como tempo e espaço, e viabilizando novas
experiências sociais e subjetivas, conforme exposto no capítulo anterior. Esse assunto é,
portanto, de extrema relevância para a Psicologia Sócio-Histórica e destacamos que o
conceito de trabalho, que é importante para o desenvolvimento das pessoas, pode ser utilizado
para entender a configuração de atividades presentes na sociedade contemporânea, dentre elas
aquelas relativas à comunicação social e ao uso da internet.
Nesse sentido, devemos analisar a tecnologia e seus usos em atividades de interação e
comunicação à luz da organização social do trabalho, reconhecendo tais atividades como
delimitadas pela forma como a sociedade contemporânea, capitalista, organiza o trabalho de
produção e reprodução da vida.
De acordo com a teoria sócio-histórica, baseada no materialismo histórico e dialético,
a vida é constante transformação e movimento, permeada de contradições (AGUIAR e
MACHADO, 2016). Conhecer a realidade e articulá-la com a teoria viabiliza compreendê-la
em sua complexidade, além de ser importante na elaboração de estratégias para intervenção,
visando, por exemplo, a (tentativa de) superação da exploração fortemente presente nas
dinâmicas sociais e econômicas determinadas pelo modo de produção capitalista. Conforme
Alves (2010) para o postulado marxista é fundamental a práxis, ou seja, a atuação do ser
humano como transformador da história e não simplesmente como ser passivo e determinado
por ela.
Sob a perspectiva anteriormente mencionada, é importante destacarmos algumas
questões básicas que constituem a sociedade em termos históricos. A organização social da
humanidade se desenrolou, a partir de determinado momento histórico, na divisão de classes,
decorrente da divisão social do trabalho e do estabelecimento da propriedade privada dos
meios de produção. No modo de produção capitalista, tais características concretizam-se por
meio do desenvolvimento da mercadoria. Esses elementos são geradores de diferenças
econômicas, sociais e culturais entre grupos humanos, envolvendo relações de poder e
dominação. Geram, portanto, desigualdade. É nos desdobramentos dessa dinâmica,
especificamente com no modo de produção capitalista, que se institui a noção de indivíduo,
expressão da experiência histórica possibilitada ao ser humano nesse contexto (FURTADO,
2009).
O ápice do individualismo e do racionalismo se deu na modernidade, sob a égide do
capitalismo e do liberalismo, com o respaldo da ciência moderna. Essas noções ganharam
27

status naturalizante, despindo-se, portanto, da historicidade e dos processos sociais que as


fundam. O humano percebeu-se como soberano frente à natureza, podendo produzir e
consumir sem as amarras, antes tão fortes, da religião. Nesse contexto, a ideia de liberdade
também ganhou força, mas concretizou-se, no âmbito do mercado, por meio da venda da força
de trabalho e do consumo (GONÇALVES, 2003).
Entretanto, toda essa fundamentação das concepções de indivíduo, razão e sociedade,
alimentada pelo capitalismo e por sua principal ideologia, o liberalismo, foram sendo ruídas
pela identificação de contradições que fragilizaram sua soberania. Por exemplo, até que ponto
o sujeito é livre se está submetido ao capital e às leis de mercado? Como a razão é soberana e
natural se não consegue abarcar a realidade em toda sua totalidade? Até que ponto o indivíduo
é livre se é disciplinado para o trabalho e o consumo? (GONÇALVES, 2003).
Tais questões permanecem, de maneira atualizada, até a contemporaneidade, uma vez
que o modo de produção capitalista é o que rege a vida e as relações sociais. Podemos dizer
que além da liberdade (entendida de forma hegemônica nos moldes do liberalismo), a
felicidade é um dos mitos altamente estimulados e ventilados hoje em dia pela mídia,
frequentemente presente nas produções que permeiam a cultura de massa.
A representação de seu alcance através do consumo é altamente incentivada com base
em uma ideologia hedonista, que também sustenta o capitalismo. Outros exemplos de
aspectos estimulados são a jovialidade, o sucesso e a beleza, cuja ideia de acesso geralmente é
atrelada ao capital. (GONTIJO, 2009).
Na publicidade, a felicidade é representada de modo associado ao consumo. São
colocadas fórmulas para atingi-la, assim como respectivos modelos de vida, comportamento,
amor, mas, todas são ilusões criadas para alimentar o sistema capitalista, que o sujeito
repetidamente tenta alcançar, mas que não passa de mito, que se auto-alimenta
infindavelmente. O trabalho excessivo para o alcance de aumento econômico é arduamente
realizado, numa busca infinita e inalcançável. O dinheiro ganho é investido em produtos e
aperfeiçoamentos para atingir os padrões colocados pela mídia, cuja promessa é ser feliz.
Percebemos então o consumo, principalmente atrelado à busca de prazeres e não à
sobrevivência, como já o foi (GONTIJO, 2009). Entretanto, mesmo aquelas pessoas que
atingem o patamar de fortuna e beleza pregadas, podem perceber que não alcançaram aquela
felicidade prometida, podendo tornar-se depressivas ou adquirir outras doenças da atualidade
(GONTIJO, 2009).
Através da leitura de Habermas (1997) identificamos também esse movimento de
sociedades complexas atrelarem a razão à felicidade, à autonomia e liberdade, estas
28

respectivamente entendidas em perspectivas individualistas, morais e privadas. Nesse


processo, a ordem sistêmica aumenta forças de pressão e exploração, pela colonização da vida
e pela colocação de uma ideologia que se afirma ter sentido, mas que não tem, e cuja
dificuldade de alcance é justificada pela falta de esforço.
Percebemos então que ambos os autores citados acima posicionam essa
retroalimentação ideológica infinita, inalcançável e exploratória como características da
sociedade capitalista contemporânea. Conforme Habermas (1977), a maneira de superar esse
modo de exploração pode ser conseguida por meio da razão comunicativa, relacionando
direito e democracia.
No período histórico em que estamos com alta tecnologia que viabiliza trocas
constantes entre os sujeitos e atravessa a sociedade como um todo, notamos paralelamente o
aumento de depressão e doenças similares como ansiedade e compulsão alimentar, por
exemplo, conforme pode ser identificado em notícias midiáticas. Essas doenças não abarcam
só a população menos favorecida, como seria de se esperar segundo a lógica que permeia o
mito da felicidade atrelado ao consumo, mas também a população abastada. Teng, Humes e
Demetrio (2005) corroboram essa afirmativa com a informação de que ela acomete
considerável parcela da população em geral. Como não está limitada apenas às classes
exploradas, podemos supor que a riqueza não é garantia de felicidade e equilíbrio, apesar de
facilitar acesso a recursos de recuperação. Mas o bem-estar depende também de outras
instâncias. A depressão é caracterizada com base biopsicossocial. Dentre os fatores citados
como os que podem desencadear, constam traumas psicológicos e luto, por exemplo.
Mesmo a liberdade, em termos de ser vivenciada por aqueles que são abastados
economicamente, pode ser questionada. Até que ponto os sujeitos considerados ricos
usufruem dela? Na perspectiva liberal clássica, conforme Bottomore (2012), a liberdade
remete à inexistência de coerção e interferências, sem impedimento de terceiros. Mas essa
visão desconsidera totalmente as conexões humanas existentes na sociedade, assim como as
diversas mediações que as permeiam. Além de que, até que ponto esses sujeitos conseguem
superar o capital e as leis do mercado e a disciplina do consumo?
O redimensionamento de conceitos, concepções, caminhos é necessário e
indispensável, caso consideremos a mobilidade da existência, como a própria perspectiva
sócio-histórica concebe. Todavia, percebemos a manutenção de ideologias cujas fragilidades
já foram identificadas visando à manutenção de relações de exploração. Ou seja, as mudanças
decorrentes do desenvolvimento do capitalismo trazem, aparentemente, outras contradições.
Entretanto, a contradição de base é a mesma, a que se pauta na contradição de classes e nas
29

relações de dominação. As repercussões disso na ideologia trazem, da mesma forma,


alterações na aparência, não na essência.
Ao que parece, esse foi o rumo adotado na adaptação dos conceitos da Modernidade,
cujas contradições foram identificadas, porque o remanejamento visou à manutenção do
capitalismo e do liberalismo com o aparato de outras vestes. Nesse sentido, a pós-
modernidade e o neoliberalismo, apesar de reconhecerem limitações na forma de
compreensão da realidade adotadas no modelo anterior, também carregam concepções
ideológicas por negarem a historicidade, de modo que a Psicologia Sócio-Histórica prefere
reconhecer o período atual como contemporâneo e não pós-moderno, por não concordar com
a terminologia de ruptura que esse conceito prega.
Com essas ressalvas e referências, retomamos as noções de felicidade e liberdade que
são importantes como parte da ideologia contemporânea. Plenitude se refere à ideia de
completo, cheio, pleno. A realidade concreta, compreendida pela relação dialética entre as
partes, ou seja, particular e universal, e atravessada por diversas mediações é complexa. Desse
modo, a plenitude, com esse sentido de completude, é de difícil alcance, visto que na teia
intrincada de relações pode haver desejos e objetivos de indivíduos que convergem e, com a
limitada disponibilidade no contexto, o resultado é a satisfação de alguns em detrimento de
outros.
A plenitude, portanto, em sua concepção pura, não é passível de ser vivenciada por
todos. O usufruto dela, por uma parcela da população, necessariamente vai envolver o
sacrifício de outra parte. Sartre (1999), filósofo, justamente trabalha a ideia de relação entre o
eu e o outro, destacando a dependência entre as partes, simultaneamente permeada de
conflitos. Eis a contradição: ao mesmo tempo em que o contato com o outro viabiliza o
desenvolvimento de minha consciência, também limita a concretização de meus desejos e
minhas ações. Por conseguinte, minha existência estabelece limite à liberdade do outro.
Poderíamos então pensar que a tolerância seria a solução, porém, para esse autor, esse
posicionamento priva o sujeito de resistir, se afirmar e perseverar, questões possíveis em um
mundo de intolerância.
Portanto, independentemente da decisão escolhida, o sujeito sempre se tolhe de
alguma forma no contexto, sendo ilusória a ideia de plenitude. Poderíamos então refletir quais
seriam as possibilidades de emancipação do ser humano. Esse termo, emancipação, pode ser
compreendido, de forma geral, como independência, ato de se tornar livre; como autonomia.
Entendemos, entretanto, que devemos trabalhar com essa noção tendo em conta a
historicidade e as contradições da sociedade. Assim, vamos entender a emancipação em
30

termos de um posicionamento diante das relações de opressão e dominação próprias da


sociedade contemporânea, onde as relações balizadas pelos interesses do mercado são as que
contam.
Conforme Bottomore (2012), a liberdade, em termos marxistas, é compreendida como
eliminação de obstáculos, como por exemplo, as condições do trabalho assalariado, visando à
emancipação humana, ou seja, o desenvolvimento de associação apropriada à condição do ser
humano e de suas múltiplas possibilidades. A superação se daria por meio de ação coletiva, na
substituição do modo de produção capitalista por outro de controle coletivo, que viabilizaria
o desenvolvimento das várias individualidades e a liberdade do sujeito. Ainda conforme esse
autor, não foi descrita como seria essa forma de associação, mas os teóricos críticos tendem a
utilizá-la como meio de crítica às sociedades existentes e não emancipáveis.
Já na concepção de Ciampa (1987), baseada na perspectiva do sintagma identidade-
metamorfose-emancipação, a emancipação é o fim almejado pelo sujeito em termos
identitários, em seus diversos processos de metamorfose, mas que não necessariamente será
alcançada por todos. Em sua perspectiva, a identidade se constrói processual e dialeticamente,
através da ação do ser humano no mundo, num constante “fazer-se”. A identidade é
compreendida como constante metamorfose, em um processo que, entretanto, pode ou não
resultar em emancipação.
Segundo esse autor, há preferência pela utilização do termo fragmentos de
emancipação, pois a conjuntura capitalista impede as pessoas de serem realmente sujeitos,
coisificando-as e colocando-as a serviço do capital, impedindo, portanto, que se emancipem
em sua plenitude. Dantas e Ciampa (2014) indicam que o alcance desses fragmentos
emancipatórios pode ser viabilizado através de projeto de vida autônomo e de identidade
política. Posteriormente trabalharemos estas questões. De qualquer modo, os fragmentos de
emancipação podem ser compreendidos como próximos à ideia de “vida boa”, conforme
Habermas (1987), que envolvem escolhas de vida, mais autônomas, que ultrapassam
processos coercitivos.
A perspectiva sócio-histórica visa mapear intercorrências sociais, interferências e
outras questões além do fenômeno. Busca a identificação de mediações no processo sócio-
histórico para entender a complexidade das relações intersubjetivas e da constituição da
subjetividade, no contexto em que se localiza o sujeito, em determinado período sócio-
histórico. Realiza críticas e pode levar a reformulação de perguntas diante do fenômeno.
Como essa teoria, na qual estamos nos embasando, preconiza a práxis para além das ideias,
assim como enfatiza o movimento de constante mudança que compõe a historicidade, é
31

importante refletirmos sobre os meios que viabilizam a concretização de mudanças e que


possibilitam reflexão e análise sobre sue significado.
Seguiremos, nesse sentido, passando pelo conceito de ideologia. Lane (1989)
menciona que dentre a função mediadora da linguagem, repleta de significados, valores e
representações, há a presença da ideologia, elaborada pelos sujeitos que detém o poder e
desejam manter o status quo conforme seus interesses. Para tanto, exaltam verdades parciais e
não discutíveis, sob status de naturais ou universais, de modo que as mediações carregadas de
contradições ficam esquecidas. A linguagem, então, pode ser ideológica. Vamos compreender
um pouco mais sobre essa função mediadora tão importante, agora em relação a sentidos,
significados e significações.
Os sentidos podem ser compreendidos enquanto unificações entre objetividade e
subjetividade, pois sintetizam o significado social construído intersubjetivamente e a atividade
do sujeito sobre o objeto (GONÇALVES, 2007). A linguagem tem papel central na
constituição da dialética entre objetividade e subjetividade, pois através de sua articulação
dialética com o pensamento, medeia a relação do indivíduo com a realidade social e objetiva.
(GONÇALVES E FURTADO, 2016).
A linguagem pode ser representada enquanto processo de atribuir significação,
historicamente desenvolvida no decurso em que a vida social foi constituída. Podemos
compreender significações enquanto conexões entre significados e sentidos, produzidas pelos
sujeitos sociais. A partir das significações, a princípio, é possível identificar os significados,
que ficam mais explícitos em termos imediatos na apresentação social que é compartilhada.
Para atingir zonas mais amplas do significado, focando mais o sujeito em sua singularidade, a
partir das suas vivências, devemos buscar a dimensão dos sentidos, ou pelo menos elementos
deles (GONÇALVES E FURTADO, 2016).
Com essa base teórica do que representam os significados e os sentidos, trabalhamos
nesta pesquisa para identificar, nas falas dos participantes, significações a respeito de sua
vivência no uso das tecnologias de comunicação e das redes sociais digitais. Nessa direção, o
trabalho com os núcleos de significação permite buscar a apropriação das construções do
sujeito, em sua vivência e realidade, cujos elementos determinantes não estão acessíveis de
modo imediato, mas através da análise das mediações sociais e históricas, configuradas no par
dialético da fala e do pensamento, como uma unidade de contrários. Para acessá-los, é
necessário analisar e interpretar as falas dos sujeitos (AGUIAR, SOARES E MACHADO,
2015).
32

Antes de identificar os núcleos de significação, Aguiar, Soares e Machado (2015)


colocam ser necessário analisar e sintetizar os elementos abstraídos da análise, para então
levantar pré-indicadores, sistematizar indicadores e em seguida os núcleos de significação.
Para o levantamento de pré-indicadores devemos nos focar em palavras articuladas que
compõem um significado, que aponta indícios da atividade do sujeito, enquanto ser histórico,
que se apropriou de aspectos de sua cultura e as transformou em funções psicológicas. Para a
etapa de sistematização de indicadores, devemos articular os pré-indicadores considerando
questões como similaridades, complementaridades e contraposições entre eles.
Por fim, para a sistematização dos núcleos de significação, devemos articular os
indicadores, para compreendermos mais profundamente a realidade estudada. Este último
processo é o mais significativo em termos de proximidade com a realidade concreta, ou seja,
com os sentidos constituídos pelo sujeito no meio em que atua. Temos que considerar, nesse
processe de sistematização dos núcleos, que ele é dialético e o pesquisador tem que estar
atento para o princípio da totalidade, referente aos elementos subjetivos e objetivos que
compõem as significações, assim como às contradições na relação da parte com o todo. Deve
ser considerado ainda que essas significações se transformam durante a atividade como
sujeito, por isso, ao acessar as significações, temos condições de conhecer, ao menos em
parte, o processo em curso (AGUIAR, SOARES E MACHADO, 2015).
Considerando que vivemos em sistema que alimenta ideologias para sua manutenção,
contribuindo para desigualdades e exploração, de que modo a Psicologia Sócio-Histórica
poderia contribuir em termos de uma prática social, que, epistemologicamente embasada no
materialismo histórico e dialético, se articula como práxis? Entendemos que, com essa base
crítico-teórica, poderia favorecer reflexões e ações, o encontro entre sujeitos que, na relação e
ação, poderiam se transformar, o que inclui o próprio mediador da ação, no caso, o sujeito que
adquiriu conhecimentos a respeito dessa teoria.
Isso pode ser aplicado a um debate sobre as tecnologias de comunicação, Podemos
considerar, por exemplo, que, com a internet, o poder de influência e conexão individual se
expandiu, aumentando também o alcance de interações e consequentemente
responsabilidades, direitos e deveres, questões que, portanto, devem ser pensadas.
A vida social envolve complexa teia de relações entre o âmbito objetivo e subjetivo. A
subjetividade se constitui de modo ativo na relação do sujeito com a realidade objetiva, por
meio da atividade. Esse processo histórico de relação entre objetividade e subjetividade é
compreendido dialeticamente na perspectiva sócio-histórica, em processo que transforma e
constitui a ambos De modo geral, podemos conceber que a subjetividade é constituída pelo
33

processo de consciência, atividade, afetividade e identidade. A dimensão simbólica desse


processo é a linguagem, que medeia a relação do sujeito com a realidade social e objetiva.
(GONÇALVES E FURTADO, 2016).
A categoria identidade pode ser compreendida na perspectiva da dialética e como
categoria síntese das outras anteriormente citadas. Enquanto sintagma identidade-
metamorfose-emancipação é apreendido como processo, ou seja, como construção do sujeito
através de sua ação no mundo e das relações sociais com os outros. A perspectiva é, portanto,
histórica e de constante transformação e compreendida de modo dialético. Esse processo de
mudança ininterrupta é denominado por Ciampa (1987) como metamorfose. Nessa
concepção, a aparência de permanência da realidade se dá através do esforço em sua
manutenção, reiterando a ação constante do homem no mundo, inclusive para conservar a
organização da realidade, esta compreendida como mesmice. Então, mesmo na aparência de
estagnação há metamorfose.
A alteridade seria a expressão de um outro-outro que é a própria pessoa, através da
superação do emprego de personagens repostas que servem como mecanismo para
manutenção da mesmice, possibilitando ao indivíduo concretizar projetos de vida, com
conteúdos que não estejam determinados e pré-definidos por autoridades, mas sim produzidos
de forma autônoma e consciente. Esse tipo de metamorfose pode levar o sujeito a alcançar
fragmentos emancipatórios, considerando que haja um projeto de vida autônomo e uma
identidade política (CIAMPA, 1987; DANTAS E CIAMPA, 2014). Por isso afirmamos
anteriormente que nem todos os sujeitos alcançam os fragmentos emancipatórios, pois há
diversas questões envolvidas nesse processo, que não permitem afirmar categoricamente que
toda mesmidade, ou seja, todo processo de superação da mesmice seja emancipador.
As identidades políticas envolvem a associação de sujeitos a grupos que atuam
coletivamente em busca de emancipação, revelando opressões antigas ou novas. Esses
espaços devem sustentá-lo, viabilizando o exercício de sua autonomia pela individuação, sem
aprisioná-lo com políticas de identidade, que no caso se referem a formas de agir inautênticas,
conforme estigmatizações impostas (DANTAS E CIAMPA, 2014).
Identidade é, portanto, metamorfose, independentemente do quanto o ser humano, em
constante movimento, tenha consciência ou não desse processo. De acordo com Ciampa
(1987), a identidade se forma pela ação que é ocultada por predicações. Uma delas são os
papeis. O papel caracteriza uma atividade institucionalizada que designa uma personagem, a
qual representa a forma como o sujeito atua em determinado papel já aceito e caracterizado
socialmente. Por exemplo, o papel pode ser caracterizado como de professor. A forma como o
34

indivíduo o representa é a personagem. Cada identidade inclui a representação de diversas


personagens que se transformam durante o desempenho dos papeis pelo contato com outros
atores que representam personagens complementares uns aos outros. Nessa relação existe a
identificação pressuposta, em que personagens correlatas se pressupõem, como por exemplo,
o filho que pressupõe o pai e vice-e-versa.
Ciampa (1987) compreende o ser humano como uma totalidade. Porém, a partir das
múltiplas determinações do ambiente no qual as pessoas estão inseridas, uma parte delas é
manifesta. Por exemplo, diante do aluno um sujeito é professor e vice-e-versa. Importante
salientar que aqueles que rodeiam o indivíduo têm ciência sobre a multiplicidade de papeis
que ele possui assim como o contrário é verdadeiro. Mas durante o contato há a representação
de uma personagem, ou seja, uma totalidade parcial.
A partir desses aspectos da teoria de Ciampa, baseados no sintagma identidade-
metamorfose-emancipação, podemos considerar a questão das identidades políticas.
Compreendemos que, ao invés de serem regulatórias, elas envolvem o movimento de luta pela
emancipação, favorecendo a consciência e a produção de outras respostas para o ambiente.
Nesse processo pode estar envolvida a ressignificação do desempenho dos papeis sociais, ou
pelo menos sua tentativa, de um modo diferente daquilo que é imposto, que é hegemônico.
Nesse sentido, o singular destoa do normativo, do sempre igual, podendo ser olhado enquanto
fragmento emancipatório.
Nossa questão agora é compreender de que forma essas noções permitem avaliar as
possibilidades e limites que estão presentes nas experiências contemporâneas que envolvem o
uso de tecnologias de comunicação e mídias digitais. São espaços de vivências contraditórias,
é o que podemos dizer a partir das referências que adotamos. Que contradições, entretanto,
são essas? O que revelam como potencialidades?
Alguns aspectos serão discutidos no próximo item, quando faremos uma releitura da
questão da mídia com vase nas categorias da Psicologia Sócio-Histórica. Outros aspectos
serão debatidos frente aos dados da pesquisa.

2.2 – A perspectiva Sócio Histórica e a mídia

A dinâmica contemporânea é atravessada pelo meio digital. Este consiste em


construção humana através do trabalho, que dialeticamente transforma tanto as próprias
pessoas em termos sociais, culturais, econômicos e subjetivos, como também essas
tecnologias e conjunturas são transformadas pelas atuações humanas.
35

Mais especificamente os smartphones, a internet, as plataformas de redes sociais


digitais, sob a perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, podem ser compreendidos como
mediadores de atividade, contribuindo tanto para mudanças no funcionamento cognitivo do
ser humano, como do próprio artefato e do meio. De acordo com Vigotski (1994), a mediação
por instrumento visa o controle da natureza, tendo, portanto, orientação externa. Já a
mediação por signos é voltada para o controle do próprio sujeito, de ordem interna, portanto.
Se refletirmos a respeito do tipo de atividade mediadora dessas tecnologias, podemos
chegar à conclusão que têm função mista, pois possuem pseudo-concreticidade, ou seja, seus
conteúdos são manipuláveis através de tela (celular, desktop), porém não em nível concreto,
mas de signos, por vezes ultrapassando o meio digital e interferindo na realidade cotidiana.
Colocamos como exemplo o sujeito que vê propaganda de pizza no Facebook, acessa
aplicativo do smartphone para solicitar tal produto que é entregue via delivery, o que pode
apontar também para o borramento de fronteiras entre os conceitos de mediação por
instrumento e signos, assim como essas tecnologias estão viabilizando espaços híbridos em
âmbitos público e privado, online e offline, real e virtual.
Aliás, esses âmbitos imediatamente citados, compreendidos a princípio como esferas
dicotômicas, estão pronunciando sua superação dialética através dos desenvolvimentos
tecnológicos que mencionamos, principalmente representados pelos smartphones,
dispositivos que convergem diversas funcionalidades e mídias, integrando espaço físico e
virtual através da tecnologia de GPS, assim como funcionalidades de fotografia, vídeo, áudio,
dentre outros.
Observamos na atualidade o boom interativo que os meios digitais estão viabilizando,
como por exemplo, proporcionando acesso a informações e comunicação potencialmente
constante, independentemente do meio físico; acesso simultâneo a diversos espaços virtuais;
a expansão das possibilidades de contato com pessoas, assim como novas formas de interação,
de trocas e de configurações das atividades cotidianas. Nesse sentido, é importante investigar
a nova dinâmica estabelecida, visando a constante atualização e compreensão do ser humano
dentro da realidade concreta.
Em termos identitários, podemos colocar algumas reflexões a respeito da tecnologia
sob a perspectiva da visão sócio-histórica. Conforme mencionado por Ciampa (1987), a
identidade é metamorfose, porém geralmente concebida como estática. No contexto
contemporâneo, caracterizado por cenário de mudança e imprevisibilidade, o processo de se
modificar é quase exigido. Se antes havia maior estabilidade e possibilidade de camuflar a
metamorfose inevitável das coisas, hoje ela é visível.
36

Então, hoje, a identidade tem mais um adicional de complexidade em seu processo de


metamorfose, visto que, agora, neste contexto histórico, fazer-se sujeito através da atividade e
da relação com o outro, em um processo permeado de contradições, acontece dialogicamente
com uma identidade digital. Conforme vimos no capítulo 1, o atravessamento tecnológico
pode ser que contribua com a construção da identidade e seu processo de transformação, pois
suas ferramentas favorecem a auto-expressão e o contato com outros.
Além disso, nas redes sociais digitais parece haver mecanismos que ampliam e
favorecem diferentes possibilidades de atividades, Por exemplo, a montagem de grupos de
manifestação é uma delas. Esse pode ser recurso para a luta emancipatória, que como já
vimos, fica melhor denominada, no contexto atual, como fragmentos de emancipação. Isso
porque, como um de seus desdobramentos, a conjuntura capitalista e neoliberal em que
estamos, baseada em mitos ligados ao consumo, insistentemente mantém o sujeito
contribuindo com o sistema e buscando algo inalcançável. Se as associações de sujeitos que
atuam coletivamente visarem à emancipação, sinalizando opressões antigas e novas,
sustentando o sujeito e estimulando sua autonomia e individuação, então teremos identidades
políticas, que poderão contribuir para fragmentos emancipatórios.
Será que esse contexto permeado pela ânsia e urgência ao novo, em que
relacionamentos e vínculos empregatícios tendem a durar pouco, em que é viabilizado ao
humano se perceber como movimento, garante que ele atinja esses fragmentos de
emancipação? Ou será que a mudança constante pode possibilitar outro tipo de mesmice,
aquela em que urge a novidade de forma aleatória sem alinhamento com um projeto de vida?
A expansão das possibilidades de contato facilita acesso a grupos que favorecem o
desenvolvimento de identidade política? São questões que fazem parte do contexto desses
usuários contemporâneos de redes sociais e que podem influenciar no leque de possibilidades
para o alcance de sua emancipação.
Outra questão que também podemos pensar, é que nas redes sociais digitais, como é o
caso do Facebook, é comum a adição de contatos de diferentes círculos sociais do cotidiano
tais como familiares (mãe, pai, irmãos, primos) colegas de trabalho (chefe, pares,
subordinados), amigos, colegas de hobby, etc. Fica clara então a convergência de papeis
sociais e respectivos personagens nessa plataforma. No contato presencial, há momentos em
que personagens de diferentes contextos se entrecruzam, como quando um amigo é levado
para casa e há convergência desse papel com o de filho e irmão por exemplo. Porém, na rede
social digital essa convergência é potencializada. Todas as formas de interação realizadas
através das ferramentas, se não devidamente filtradas por comandos de privacidade, podem
37

ficar expostas aos olhares e considerações dos diversos sujeitos sociais. Como será que os
usuários lidam com essas novas configurações?
Na concepção de Ciampa (1987) em que identidade é compreendida como
metamorfose, os sujeitos desempenham papeis a partir de personagens institucionalizados que
são aceitos e caracterizados socialmente. Cada personagem é desempenhado em determinado
contexto, bastando ao sujeito identificá-lo para agir de modo congruente. Nas redes sociais
digitais essa configuração muda, considerando que uma única pessoa terá adicionadas muitas
pessoas de seu mundo social, que vão ser representantes de determinados contextos que
exigem desempenhos específicos de personagens.

Consideramos que, além desses apresentados acima, convergem importantes aspectos


para reflexão, a partir da abordagem sócio-histórica, a respeito da mídia. Então, na medida do
possível, tentaremos trabalha-los na discussão dos resultados.

Cap. 3 – MÉTODO

3.1 – Materialismo Histórico e Dialético

O materialismo histórico abarca as produções humanas e sociais construídas no


decorrer do tempo com alicerce na materialidade concreta. Já a dialética pressupõe a
compreensão da realidade como contraditória, móvel e em contínua transformação,
envolvendo não só a apreensão desse movimento, mas também a sua explicitação. A dialética
e a historicidade, em conjunto, permitem a leitura da realidade em sua complexidade, em
movimento de constituição mútua entre indivíduo e sociedade (LIMA, 2011).
Lima (2011) indica três características da dialética, dentre elas a acumulação de
mudanças quantitativas, que se dão paulatinamente, as quais podem resultar em salto
qualitativo que altera a realidade em termos significativos; a compreensão de que os
elementos dispostos na realidade estão conectados entre si e compõem totalidade; assim como
a existência de opostos que se constituem como unidade ao serem identificados em sua
síntese, negando a negação de coexistência entre ambos, superando contradições e trazendo
outras à tona. Essas noções são importantes para embasar a leitura que desejamos fazer de
nosso objeto de estudo.
Martins (2015) trabalha a aplicação do materialismo histórico-dialético para análise
conforme a proposta de seus criadores e aponta quais ponderações são necessárias na relação
38

de método qualitativo com o materialismo dialético. Com o conhecimento do primeiro ponto


melhor poderemos alinhar a proposta de pesquisa a essa lógica. Referente ao segundo item,
considerando que o grupo focal é método qualitativo e eleito para integrar o método de
pesquisa deste estudo, os posicionamentos da autora sobre os cuidados nessa conexão são
importantes.
Para Martins (2015) a pesquisa qualitativa não é sinônimo e nem se confunde com o
materialismo histórico e dialético pelos motivos que serão mencionados a seguir. A pesquisa
qualitativa ganhou notoriedade com a promessa de superação do método positivista que não
bastava para a compreensão da totalidade das ciências, como por exemplo, as humanas. Nessa
proposta mencionada, poderia haver a superação aparente do método positivista, por exemplo,
através da afirmação tanto da impossibilidade de separar sujeito e objeto, quanto da
neutralidade na produção do conhecimento.
Em outras palavras, a pesquisa qualitativa reconhece limitações da visão positivista e
as identifica, porém não as supera, apenas as contesta, recaindo em nova parcialidade do todo
sem a superação de dicotomias, sem o reconhecimento de um como interior ao outro,
conforme concebe a lógica dialética da epistemologia marxiana.
Outra ponderação da autora recai sobre a ênfase que a pesquisa qualitativa dá ao
empírico, desprezando o fetiche existente nessa prática dentro da sociedade capitalista. Essa
postura desconsidera a importância das metanarrativas, valendo-se da abstração para se
aproximar do entendimento essencial do que fundamenta a realidade humana. A análise com
enfoque no imediato pretere a relação com a totalidade social, levando a uma visão alienada
do fenômeno. No materialismo histórico dialético, a essência do próprio fenômeno não pode
ser acessada simplesmente pelo contato com o que é imediato à percepção e em suas
expressões exteriores. É através da identificação de mediações e das contradições internas que
é possível se aproximar da essência (MARTINS, 2015).
Considerando o exposto, o emprego do grupo focal será para termos acesso às
verbalizações e posicionamentos dos membros e do grupo, ou seja, ao imediato. Mas não nos
limitaremos ao que esse método qualitativo proporciona, de modo que a análise dos dados
ocorrerá com base no materialismo histórico e dialético, que permite a identificação de
contradições e a discussão da possibilidade de superações; assim como a identificação de
mediações e contradições conforme mencionado, visando acessar a essência do fenômeno, de
modo que levaremos em consideração metanarrativas, ou seja, abstrações que transcendem o
empírico e apontam para o movimento de transformação constante da realidade.
39

Nesse sentido, para construir o conhecimento, não basta acessarmos a superfície do


fenômeno, mas temos que buscar atingir seu conteúdo, com mediações históricas que não são
acessíveis pela aparência, mas pela abstração do pensamento e teoria. A aparência é
importante para a compreensão do fenômeno em sua totalidade, mas não pode ser exaltada a
ponto de representa-lo como um todo, visto que o materialismo histórico dialético salienta a
importância de identificar tensões no processo de interligação entre forma e conteúdo, e é a
identificação e a reflexão sobre eles que permite captar o processo em suas contradições.
Temos que salientar que o conhecimento da realidade, para Marx, envolve a assimilação e
respectiva reprodução racional, que não modificam a materialidade do fenômeno. Em outras
palavras, a realidade em si não é alterada pela teoria, mas pode ser pela orientação guiada por
esta, concretizada através de ações (MARTINS, 2015).
Nesse sentido, para aplicarmos o método materialista histórico dialético em sua
essência, temos também que refletir sobre ações que impactem no meio, conforme
identifiquemos necessidades nesse sentido, visando à modificação da realidade.
Quando Martins (2015) se refere à epistemologia do materialismo histórico dialético,
ressalta a essencialidade de contemplar a dialética entre singular, particular e universal para
compreender o fenômeno da realidade em termos de processo e totalidade. O singular é
apreendido na expressão do fenômeno para o exterior, no imediato. Já o universal abrange
complexidades, conexões, processos em constante mutação e abrangência em termos
históricos e sociais. No processo de tensão entre singularidade e universalidade, como opostas
que são, se expressa a particularidade do fenômeno.
Na particularidade temos acesso ao fenômeno singular tecido em contexto
determinado, que carrega potencial de mudança. É nela que podemos identificar mediações
entre universal e singular que, se compreendidos de modo cindido, não representam a
realidade em sua essência. E é justamente essa visão dicotômica e polarizada que as ciências
humanas devem evitar, buscando se focar na relação entre singular-particular-universal para
compreender os fenômenos em suas complexidades relacionais, abrangendo desse modo a
perspectiva de que na potencialidade de mudança da singularidade se concretiza o universal,
que ao invés de dicotômicos devem ser compreendidos na mediação pela particularidade.
(MARTINS, 2015).
Considerando essa linha de raciocínio, Martins (2015) salienta a impossibilidade de
acessar o conhecimento objetivo em sua essência, que é o movimento contraditório,
considerando só as polaridades, ou seja, o indivíduo ou o social. É no encontro entre as partes,
na identificação das mediações, ou seja, no reconhecimento da particularidade e no
40

movimento dialético entre singular e universal do fenômeno que o acesso ao concreto é


viabilizado.
Além da diferença anteriormente identificada entre abordagem qualitativa e
epistemologia materialista histórico dialética, Martins (2015) aponta para a divergência de
concepção de história. Na epistemologia marxiana a categoria ontológica trabalho tem grande
destaque visto considerar que é através da produção material que as relações humanas foram
concebidas. O fundamento ontológico-histórico do materialismo histórico recai sobre a busca
de mudar condições e instituições que contribuem para a alienação do trabalho e trabalhador,
ou seja, ação política de transformação da realidade. Nessa concepção, a organização social
capitalista aliena o homem ao separá-lo de seu objeto produzido, que representa a
exteriorização de suas forças internas. Com essa divisão, no capitalismo, o homem se
subordina ao produto, resultando em processo de alienação. Esse é o fundamento ontológico-
histórico do marxismo que difere da abordagem qualitativa que, segundo a autora, foca na
dimensão da realidade exterior, podendo acessar somente a pseudoconcreticidade, que gerará
pseudoconhecimento, facilmente absorvido por ideologias dominantes que com isso mantém
relações de alienação. A ontologia de Marx pretende não só captar as múltiplas determinações
da realidade, identificando seu movimento contraditório, mas promover e implementar ações
ético-políticas.
De modo geral, no método materialista histórico dialético, parte-se do objeto expresso,
para a identificação de mediações através da abstração, seguido de retorno ao concreto,
percurso que viabilizará acesso à complexidade do real. O principal objetivo da epistemologia
de Marx na construção do conhecimento é a prática social. (MARTINS, 2015).
Considerando os apontamentos da autora, notamos a importância de termos cautela ao
assumirmos o uso do método materialista dialético em conjunto com o método qualitativo no
que tange às justificativas dessa conexão, se quisermos nos aproximar dos fundamentos dessa
proposta. Nesse sentido, propomos, com o emprego do grupo focal, viabilizar o acesso a
conteúdos subjetivos do tema redes sociais digitais em tempos de mobilidade, que conforme
Martins (2015), equivale ao singular, ao manifesto, ao imediato. Quanto mais dados e
informações entre singular e universal forem coletados para compreendermos o particular e as
mediações entre esses polos, mais completa será a análise.
Para a presente pesquisa o grupo focal será fonte do singular. Obras e literaturas de
autores serão base para compreendermos o universal. O intelecto, a razão, serão necessários
para compreendermos as mediações e tensões entre esses extremos e viabilizar o acesso à
essência do fenômeno que é o movimento contraditório de que faz parte, efetivando o contato
41

com o objeto expresso, seguido de abstração e identificação de mediações para retornar ao


concreto. Devemos também considerar a perspectiva de relações humanas concebidas pela
produção material e a categoria ontológica trabalho, visando possibilitar mudança de
condições e instituições que favorecem a alienação do trabalho e trabalhador, de modo a agir
politicamente sobre a realidade, evitando assim que o conhecimento seja absorvido por
ideologias dominantes, tais como do neoliberalismo e da pós-modernidade.

3.2 – Grupo Focal

O grupo focal é uma técnica qualitativa de pesquisa que visa, segundo Carlini-Cotrim
(1996), compreender a construção de percepções e atitudes referentes a determinado tema,
prática, produto ou serviço. Para tanto o pesquisador coloca em pauta ao grupo os assuntos
dos quais pretende colher dados, apoiando-se na interação entre os membros, considerando
que seres humanos tendem a formar opiniões e atitudes a partir das trocas comunicativas. É na
interação e contato com outras opiniões que formam as próprias, podendo mudar de posição
ou mesmo melhor fundamentar os próprios pontos de vista.
De acordo com Gondim (2002), além dos pontos citados, essa técnica possibilita
investigar crenças, opiniões, valores, influências entre os participantes, suas representações
sociais, assim como viabiliza o desenvolvimento de hipóteses, teorias e instrumentos. Então,
diferentemente da entrevista individual, o grupo focal viabiliza acessar aspectos do contato
entre os membros, o que inclui percepção de diferenças e similaridades.
Em termos de condução do grupo focal, Gondim (2002) posiciona o papel do
pesquisador como mediador, ou seja, facilitador no processo de discussão, responsável pelo
estímulo ao diálogo entre os membros, assim como no disparo de tópicos. Cabe a ele
estimular a livre expressão dos elementos do grupo, intervindo em momentos em que deseje
aprofundar alguma questão ou introduzir novo assunto. Para tanto, deve propiciar ambiente
acolhedor a diferentes tipos de manifestação e pontos de vista, visando à troca de experiências
e perspectivas (CARLINI-COTRIM, 1996). Também é papel dele prestar atenção aos
processos psicológicos e sociais emergentes, no movimento de influências mútuas entre os
presentes durante a elaboração de opiniões e pontos de vista a respeito dos temas tratados.
Gondim (2002) cita que convencionalmente em grupos focais há variação de quatro a
dez participantes. Já Carlini-Cotrim (1996) refere como típica a composição entre seis e dez
participantes. Se compararmos a percepção de ambos os autores, notamos que o primeiro
sugere menor número de membros para composição mínima do grupo. Ele justifica ser
42

preferível grupos menores para viabilizar a expressão de todos, ainda mais que, quanto maior
a familiaridade que o sujeito tem com o assunto, maior a tendência de se interessar e expressar
as próprias opiniões. Por outro lado, Ressel et al (2008) aponta variabilidade de participantes
entre seis e quinze pessoas, citando que, caso o intuito da pesquisa seja coletar o máximo de
ideias possíveis sobre determinado tema, grupos maiores são recomendados. Já se o objetivo é
aprofundar determinado assunto, é preferível organizar grupos menores.
Quanto ao período de duração do grupo focal, Carlini-Cotrim (1996) menciona como
típico uma hora e meia. Para a escolha dos membros, menciona que devem possuir
características comuns, assim como terem familiaridade com o assunto da pesquisa.
Quanto ao funcionamento do grupo focal, há alguns pontos a serem levados em
consideração, tais como a ética quanto ao sigilo do nome dos participantes, a opção por reunir
membros conhecidos ou desconhecidos, o desenvolvimento de roteiro de acordo com o nível
de estruturação que se deseja empregar no grupo, ponderando entre diretividade e
flexibilidade. Também se considera o período de duração, assim como alguns pontos a serem
observados nos participantes para o melhor desenvolvimento do grupo (CARLINI-COTRIM,
1996; GONDIM, 2002).
De acordo com Gondim (2002), ao optar pela reunião de membros que se conhecem,
ainda mais em contextos formais, deve-se levar em consideração a reprodução de acordos
implícitos do que deve ou não ser dito. Carlini-Cotrim (1996) menciona ser típica a não
familiarização entre os membros e até preferível que não se conheçam, pois há a perspectiva
de que desconhecidos se manifestam de modo mais franco e profundo. A autora também
menciona a importância de os membros reunirem características associadas ao tema de
pesquisa trabalhado.
Já quanto à diretividade do grupo, Gondim (2002) refere que quanto mais estruturado,
maior tendência de manter o foco no tema. Quanto mais flexível, maior possibilidade de o
mediador interagir com os grupos a partir de suas diferenças, porém com maior possibilidade
de afastamento do assunto visado. Gondim (2002) coloca que, quando os assuntos tratados em
diferentes grupos passam a se repetir, há indicação que o tema foi mapeado.
Para a análise do grupo focal devemos considerar as opiniões esboçadas como
totalidades, ou seja, mesmo que não representem a opinião de todos os membros, elas
representam a concretização prevalente, pois a análise ocorre em nível de grupo e não de
indivíduo (GONDIM, 2002).
Com a condução do grupo focal, o mediador obtém material a ser transcrito e
analisado (CARLINI-COTRIM, 1996), que pode contribuir para diferentes objetivos, como,
43

por exemplo, na tomada de decisões, na exploração de tema pouco investigado, no


delineamento de futuras pesquisas ou mesmo para o favorecimento da auto-reflexão e,
consequentemente, para a transformação social (GONDIM, 2002).
A partir dessas referências, a coleta de informações para a presente pesquisa foi
planejada de forma a produzir uma discussão em grupos sobre o tema das tecnologias de
comunicação e redes sociais digitais, conforme será descrito adiante.

3.3 – Sujeitos da Pesquisa

Para alcançarmos o objetivo proposto nos fundamentamos na Psicologia Sócio-


Histórica com base no materialismo histórico e dialético em que aspectos objetivos e
subjetivos são compreendidos como conectados e inseparáveis. Nesse prisma a unidade ilustra
o todo, contendo as determinações da totalidade, representando-a de forma singular. Então, o
público alvo poderia se limitar a um único sujeito, porém para acessarmos aspectos interativos
que não são viabilizados através de entrevistas individuais, utilizamos o grupo focal, técnica
qualitativa que possibilita a percepção de diferenças e similaridades entre os participantes
(GONDIM, 2002).
No total houve a realização de seis grupos focais. O número mínimo de participantes
foi dois e o máximo oito. Cabe esclarecer que o grupo com dois participantes foi inicialmente
planejado para ter oito participantes; entretanto, seis não compareceram à sessão marcada e os
dois que vieram mostraram-se interessados em contribuir, por isso o procedimento foi
aplicado, em respeito aos que se prontificaram a participar. Posteriormente, considerou-se que
o conteúdo das discussões dos dois sujeitos fora interessante e condizente com os objetivos,
motivo pelo qual o grupo, mesmo com esse número, foi mantido. De certa forma, as mesmas
razões justificam a realização da coleta e a utilização das informações obtidas nos demais
grupos, esclarecendo-se, dessa forma, a variação no número de participantes.
A escolha de universitários como sujeitos da pesquisa deveu-se às seguintes razões:
acesso a um público mais jovem e, supostamente, com mais acesso a informação,
considerando que poderiam trazer mais elementos para análise na direção dos objetivos da
pesquisa; possibilidade, ao mesmo tempo, de terem alguma diversidade de experiências, em
função de serem provenientes de diferentes cursos; maior facilidade de contato e de conseguir
adesão para participação em uma atividade (grupo focal) que, por suas características
(duração, utilização de computador, necessidade de gravar) deveria ocorrer no âmbito da
instituição em que a pesquisadora estuda e realiza a pesquisa.
44

Assim, os participantes são estudantes universitários de diferentes cursos de graduação


da mesma universidade em que a pesquisadora estuda. Inclui alunos de diferentes anos do
curso, bem como alunos bolsistas PROUNI. Consideramos, dessa forma, que houve uma
diversidade entre os participantes, dentro da população escolhida, em relação a vários
aspectos, o que possibilitou uma amplitude maior de experiências a serem relatadas e
refletidas nos grupos.
A idade mínima foi de 18 anos e a máxima de 37. Os estudantes estavam se graduando
em Letras – Tradução, Serviço Social, Relações Internacionais, Jornalismo, Psicologia,
Comunicação e Multimeios. A identificação dos participantes ocorreu pelo preenchimento do
Perfil dos participantes (ANEXO B). Os quadros abaixo trazem o perfil dos sujeitos:

TOTAL DE PARTICIPANTES
DISTRIBUÍDOS PELOS GRUPOS
Grupo 1 2
Grupo 2 3
Grupo 3 6
Grupo 4 8
Grupo 5 4
Grupo 6 6
Total 28

CURSANDO SEXO
Graduação 28 Feminino 23
Pós-graduação 0 Masculino 5
Total 28 Total 28

REDES SOCIAIS QUE


UTILIZA
Facebook 27
Instagram 23
Twitter 10
LinkedIn 4
Outras: Snapchat, Tumblr, Whatsapp, Apps de mensagem instantânea, Youtube, Google+,
Pinterest
45

EQUIPAMENTOS DE
ACESSO
Computador 27
Celular 28
Lan House 0
Outros: Tablet

3.4 – Procedimentos de Coleta

Para a coleta dos dados utilizamos a técnica de grupo focal, cujo estímulo disparador
foram slides contendo charges e imagens baseadas em eixos de análise, sem os títulos abaixo
dispostos, triadas a partir dos assuntos que pretendíamos abordar, conforme segue:

Imagem 1 – Tempo de uso do Facebook

Fonte: CHARGES DO DENNY, 2014.

Imagem 2 – Expressões na rede

Fonte: CAIXA DO REMEDIOS, 2015.


46

Imagem 3 – Convergência de papeis

Fonte: Elaborado pela autora

Imagem 4 – Monitoramento

Fonte: SILVA, 2014.


47

Imagem 5 – Proximidade versus distanciamento

Fonte: ITURRUSGARAI, 2014.

Imagem 6 – Interferência da Plataforma

Fonte: JUNIÃO, 2013.

Imagem 7 – Manifestações

Fonte: BOSCO, 2013.


48

Imagem 8 – Conexão

Fonte: PIVA, 2015.

A ordem dos slides não foi estruturada, de modo que as imagens foram apresentadas
conforme a lógica do fluxo de assuntos emergentes nos grupos, ou para estimular a
verbalização de questões ainda não abordadas. Quando notávamos que algum assunto já
estava sendo abordado, tínhamos a opção de omitir um slide ou passa-lo, caso sentíssemos
necessidade, sem interromper o diálogo e as manifestações. Esse funcionamento foi explicado
aos membros do grupo na introdução. Além dos slides, nos baseamos em questões abertas e
semiestruturadas conforme Roteiro para Grupo Focal (ANEXO C).
Visamos com essa atividade levantar discursos e experiências quanto à percepção do
uso das redes sociais digitais e do contexto que o permeia. Para tanto, os participantes foram
convidados e informados sobre o objetivo e o caráter voluntário do processo. Com o aceite,
cada integrante recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO A) para
assinatura, ficando com uma cópia. Também recebeu formulário para mapeamento do Perfil
(ANEXO B), para identificação das características dos participantes.
A condição básica de participação da pesquisa foi o hábito de acessar plataformas
virtuais de redes sociais tais como Facebook através de dispositivo móvel e ser maior de 18
anos. Utilizamos como recurso gravador de áudio e vídeo para armazenamento das falas
durante o grupo focal, para posterior transcrição dos conteúdos. Como acolhimento aos
participantes, deixamos à disposição dos grupos garrafa de água, copos descartáveis e
bolachas.
49

Antes da aplicação definitiva do grupo focal, realizamos grupo piloto para testar o
método proposto. A atividade foi composta de três etapas:
- Falar sobre os usos das redes sociais com base nos slides projetados, conforme já
referido;
- Acessar a rede social através do próprio smartphone, observar os conteúdos e
relacioná-los com a discussão realizada até o momento;
- Falar sobre o significado do uso das redes sociais para a vida, considerando os
aspectos apontados na discussão.

Participaram desse pré-grupo quatro estudantes de pós-graduação da PUC-SP, sendo


três do programa de Psicologia Social e um de Ciências Sociais. A partir dessa experiência
identificamos a necessidade de aprimorar o procedimento, alterando as duas últimas etapas.
Suprimimos a observação e manipulação da própria rede e trocamos a última proposta para a
verbalização, por cada participante, de três palavras que resumissem tudo o que foi
conversado a respeito do uso das redes sociais digitais.
Um dos motivos da alteração do procedimento foi que o tempo estipulado e
considerado razoável para os participantes foi ultrapassado, sem o esgotamento de todas as
etapas. Outra questão foi a percepção de que a totalidade dos participantes não aderiu à
requisição de manejar a própria rede social para articular as observações com a discussão,
demonstrando preferirem a recordação e verbalização de exemplos cotidianos, sem a
observação direta simultânea. Também avaliamos que as menções a exemplos de seu próprio
uso, pelos participantes, eram detalhadas e pareciam suficientes para os propósitos da análise
pretendida.
A aplicação definitiva do grupo focal ocorreu em salas de aula reservadas na PUC-SP
- Campus Monte Alegre – Perdizes, com seis grupos, quantidade considerada suficiente pela
identificação do esgotamento de assuntos trazidos durante a atividade pelos participantes.

3.5 – Procedimentos de Análise

Para a análise dos resultados transcrevemos as verbalizações levantadas através do


grupo focal. Visando a garantia do sigilo dos participantes, colocamos nomes fictícios. Em
seguida, após várias leituras, selecionamos as falas representativas e levantamos os pré-
indicadores, em seguida sistematizamos os indicadores, para então identificar os núcleos de
significação sobre as redes sociais digitais. Os fundamentos desse procedimento, bem como a
50

diferença entre pré-indicadores, indicadores e núcleos de significação foram apresentados no


capítulo 2.
Nesse processo, identificamos que os participantes caracterizaram suas formas de uso
em termos de dispositivo de acesso, internet e redes sociais digitais, de modo que, antes de
tratarmos dos núcleos de significação especificamente, dispusemos esses dados para abertura
da análise. No total encontramos sete núcleos de significação, sendo eles:

- Núcleo 1 – “...depende de como as pessoas usam - tem muito proveito, mas pode ser muito
prejudicial.”;
- Núcleo 2 – “Sobre o cotidiano – passar o tempo, ver o mundo...”;
- Núcleo 3 – “Você se organiza, melhora a questão da distância” – sobre relações;
- Núcleo 4 – “Pra mostrar uma realidade que não existe... Olha mundo, eu sou pessoa...”;
- Núcleo 5 – “Pela internet você encontra outras pessoas”... sobre encontros e desencontros;
- Núcleo 6 – “O legal dessas redes é que elas são muito mais completas...” – sobre mídias
tradicionais e contemporâneas;
- Núcleo 7 – “Então vai filtrando também, querendo ou não... tem pessoas que têm
consciência disso e tem pessoas que não têm consciência disso.”;

Após identificarmos os núcleos de significação realizamos a discussão teórica. Nesse


processo, buscamos identificar, a partir das reflexões dos participantes, as propostas com o
uso, as interferências e novas contradições que a ferramenta trouxe, assim como novos
aprisionamentos e buscas por superação. Esses resultados serão apresentados a seguir, no
capítulo 4.

Cap. 4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentaremos previamente aos núcleos de significação, as formas de uso que os


participantes verbalizaram em termos de dispositivo de acesso, internet e redes sociais
digitais:

“Caracterização da forma de uso”


51

São vários os modos de uso da internet e, mais especificamente, das redes sociais
digitais. O meio de acesso à esfera online é um dos aspectos que contribuem nesse sentido:

[...] porque necessariamente eu acho que a internet de casa deve ser muito
mais rápida do que a do celular [...]. (Bruno, Grupo 2).

Eu acho super prático o computador. Pelo menos aqui, boa parte dos nossos
trabalhos que eu lembro a gente faz, tipo, tudo pela internet mesmo ou no
grupo ou no Skype e meu... Super dá certo! (Júlia, Grupo 5)

O computador é mais pra digitar. Eu me sinto mais confortável digitando


porque no celular eu acho que demora mais. (Ana Grupo 5).

Eu tenho muito a questão com o computador, tipo, agora eu tenho WhatsApp


para o PC e, para mim, isso é muito melhor. Porque tipo, meu celular é
muito ruim, então eu acabo usando ele mais no PC. (Fabiane, Grupo3).

Notamos a presença principalmente de dois dispositivos de acesso, o computador e o


celular, que parecem satisfazer diferentes propostas de uso. O computador é identificado pelo
melhor desempenho da internet e pela facilidade na realização de trabalhos. Quando o celular
não cumpre sua proposta, por não ser suficientemente avançado, as funções do computador
podem cobri-lo.
Temos que considerar que não necessariamente a rede domiciliar, geralmente a wi-fi,
continua sendo mais veloz do que a internet móvel, pois os avanços tecnológicos são rápidos,
havendo como exemplo a tecnologia 4G que, segundo Vaccari (2015), pode ultrapassar a
velocidade da outra em determinados casos. Mas há de convir que ainda não a superou em
termos de conveniência financeira, pois a rede móvel possui limite de franquia, podendo ser
mais vantajoso ao usuário acessar a internet em sua própria residência ou em espaços públicos
que ofereçam acesso à rede gratuito.
Especificamente para a realização de trabalhos, os computadores podem ser preferidos
devido ao layout, mais confortável para tarefas em longo prazo, e pela maior memória de
armazenamento de arquivos
Apesar de haver vantagens no uso do computador, majoritariamente houve
manifestações valorizando os smartphones, das quais destacamos:
52

É... Eu uso bastante o celular. Eu uso mais o celular do que o computador, às


vezes. (Maria Eduarda, Grupo 1)

Eu mesma acho que eu não mexo mais. Quando é pra eu mexer no


Facebook, raramente eu mexo pelo computador, eu acho que é mais pelo
celular. (Larissa, Grupo 5)

Quem tem, por exemplo, o Instagram não usa muito no computador, né, é
bem mais celular. (Amanda, Grupo 6).

Ah, é muito mais prático né. Eu acho que é mais fácil porque, tipo, sei lá,
pelo menos no meu computador você tem que chegar, você tem que ligar,
esperar carregar e o celular já tá aqui, sabe, e você pode levar pra onde você
quiser, não é pesado, cabe no bolso. (Júlia, Grupo 5)

Notamos principalmente o uso dos celulares inteligentes para acesso a redes sociais
digitais tais como Facebook e Instagram, pois suas funções enquanto plataformas são
potencializadas pela portabilidade dos smartphones, que são compactos, assim como pela
combinação de funções nesse dispositivo, tais como câmera de áudio e vídeo e o acesso à
internet. Essa união contribui para a interação constante, de modo fácil e prático.
Em termos de plataformas de comunicação utilizadas:

Eu particularmente uso mais no WhatsApp mesmo. (Rebeca, Grupo 6).


(completar)

O tempo todo. (Helena, Grupo 6)

O dia inteiro. (Ricardo, Grupo 6)

Usar o Facebook para conversa né é bem raro. Tem o Messenger lá que é do


Facebook, mas o aplicativo é bem mais pesado do que do WhatsApp
também. [...] “WhatsApp é tão rápido, né. Vai lá manda áudio, manda tudo."
(Amanda, Grupo 6).

É, que nem... Eu uso mais o Twitter. Então depende muito de pessoa pra
pessoa. (Marcelo, Grupo 5)

Eu acho... A minha rede social favorita é, tipo, o Twitter. E o Twitter é mais,


tipo, um blog. Então pra mim é isso, eu chego lá e falo muitas coisas e tals,
sigo o pessoal, leio tweet. Tipo, eu gosto de futebol. Então na hora do jogo tá
53

todo mundo na minha timeline falando de futebol. Aí se eu perdi alguma


coisa, eu olho lá e vejo “Ah, aconteceu tal coisa, em tal jogo” e tudo mais.
Mas o Facebook pra mim tipo... Eu podia excluir muito fácil. Eu só tenho ele
realmente praquele negócio de marcar tal pessoa, pra tal pessoa ler
tal comentário... É real. (Helena, Grupo 6)

Percebemos a preferência por determinadas plataformas, justificada pelas


funcionalidades, características e propostas de cada uma. Umas mais dinâmicas em termos
interativos e comunicacionais diretos, outras mais expansivas para o público em geral, há
também as que exigem maior uso de memória. Cada qual, a sua maneira, transformando a
comunicação, a interação e a socialização.
Com esta contextualização geral dos meios de acesso à rede e as plataformas de
comunicação utilizadas pelos participantes, podemos partir para os núcleos de significação,
como instrumento de apreensão dos sentidos e significados concebidos pelos participantes em
sua realidade cotidiana.

4.1 – Significações dos grupos com análises reflexivas e teóricas

Núcleo 1 – “...depende de como as pessoas usam - tem muito proveito, mas pode ser muito
prejudicial.”

Assim como há especificidades dos meios de acesso à internet e das plataformas de


redes sociais digitais, que possibilitará ao sujeito escolhê-las para o uso conforme seus
objetivos, cada um possui preferências de uso, das quais destacamos:

[...] eu não gosto de ver coisa de política. Política, coisas, fotos, é... Eu não
gosto. Eu uso meu... A minha rede para me comunicar, para ver coisas
legais. As pessoas acabam saindo um pouco disso, eu não gosto. (Maria
Eduarda, Grupo 1)

[...] Então para mim eu não tenho interesse em saber o que tá acontecendo,
se você terminou com seu namorado faz um mês, se você tá com outro
namorado agora. Eu sou uma pessoa mais reservada, então no meu ponto de
vista, às vezes, eu acho um pouco desnecessário. (Maria Eduarda, Grupo 1)
54

Mas também tem gente que conta a vida inteira no Facebook, né, e isso é
extremamente desagradável assim, tipo. Sei lá, pra mim eu... Eu gosto de
usar mais, tipo, comentando sobre assuntos, assim, da atualidade, assim,
nada muito meu, assim, pessoal, não gosto. Quando eu tenho alguma coisa
minha, através de música assim, mas ninguém vai saber também né, porque
é só linguagem simbólica assim, mas... (Nicole, Grupo 4)

Por exemplo, tem uma página que eu gosto muito e curto muito é a
quebrando tabu. Eu compartilho muita coisa da quebrando tabu porque eu
me identifico. Coisa de grupo, coisa de série às vezes eu posto, tipo, foto
minha, foto dos meus amigos, fotos do meu cachorro, muitas fotos do meu
cachorro. Compartilho muita besteira e muita coisa legal, meio misturado,
assim. (Cíntia, Grupo 4)

Notamos diferenças nos modos de uso, havendo pessoas que atuam mais
contemplativamente, outros que se expressam, mas de modo ameno, em sentido mais
simbólico, e aqueles que ativamente se posicionam na rede. Maria Eduarda e Nicole
ressaltaram as formas de expressão que as incomodam, mas não referiram como lidam com
esses conteúdos na rede ao se depararem com eles, se utilizam recursos para evita-los, se os
toleram, ou se ficam irritadas e não tomam iniciativa. São reflexões que poderiam ser feitas a
respeito do uso
As preferências nos usos, como mencionado, podem estar atreladas a objetivo
especifico pré-determinado pelo sujeito, ou seja, de acordo com os conteúdos que preferem ter
contato, como por exemplo humor, música, conteúdos pessoas, etc.
Enquanto possibilidades de uso, identificamos:

É como se você tivesse fazendo um álbum de recordações. (Ricardo, Grupo


6).

Até porque, hoje em dia, dificilmente você tira foto com o filme e vai revelar
pra ter isso guardado com você, então... (Ricardo, Grupo 6).

Percebemos que a relação da plataforma enquanto álbum de fotografia demonstra a


atualização desse conceito para concepção contemporânea, em que a formalização de
momentos cotidianos deixa de ocorrer através do arquivamento material e passa a acontecer
pela formalização na internet. Conforme podemos verificar na fala de Ricardo, essa mudança
55

parece ter ocorrido devido à facilidade de disparar o conteúdo na rede em detrimento de


passar por todas as etapas de revelação da imagem, que envolve custo, além de deslocamento
físico até o espaço responsável por essa efetuação. Além disso, ao serem colocadas em álbum
particular, tendem a ficar arquivadas em determinado espaço, só sendo visualizadas por
aqueles dos quais o sujeito emprega trabalho para a divulgação, este compreendido na
concepção de Marx, enquanto ação de transformação do mundo mediada por instrumentos,
para a divulgação (LIMA, 2011).
Pensando ainda no conceito de trabalho na concepção de Marx, percebemos o quanto
ocorre economia no emprego de energia em ações realizadas pela internet se comparadas
àquelas de cunho material. Todo o tempo envolvido no processo de revelação da foto é
suprimido pela internet, havendo maior efetividade nesse espaço, de modo que muito mais
fotos passam a ser tiradas e divulgadas em curtos espaços de tempo pelas redes sociais,
processo cada vez mais facilitado pelas tecnologias dos smartphones que convergem diversas
funcionalidades em um único aparelho. O preço investido também é suprimido. Todos
aqueles que possuem esse dispositivo inteligente passam a ter acesso facilitado a diversos
aplicativos que viabilizam não só a efetuação da foto, como também filtros para a melhoria de
seu aspecto e a divulgação.
Mas temos que considerar que, além das facilidades e da economia de tempo e
dinheiro que permeiam esse processo e não se configuram claramente à percepção do sujeito,
que tende a visualizar o evento tal qual se apresenta sem refletir sobre os atravessamentos
envolvidos, outras questões mediadoras também podem não ser identificadas pelo sujeito. Por
exemplo, a dimensão de alcance das imagens, as potenciais consequências de sua divulgação
irrefletida, a característica de formalização de conteúdos da rede, dentre outros aspectos a esse
respeito.
Já em termos de desenvolvimento de trabalho acadêmico, não só as redes sociais em
si, mas a tecnologia favorece a efetividade das atividades:

Um professor tava falando, meu, “Na minha época tinha que ir, tinha que ver
enciclopédia, tinha que pesquisar pra caramba, tinha que me juntar com a
galera. Hoje em dia vocês fazem um trabalho que a gente faria em uma
semana, em um dia, em uma hora.” (Júlia, Grupo 5).

Mas na internet tem tudo hoje em dia, sabe, a gente não precisa mais do
físico, na internet a gente encontra os livros, a gente encontra as apostilas,
não precisa mais... (Ana, Grupo 5)
56

Percebemos que as redes sociais digitais podem servir para agilizar a realização de
tarefas, como por exemplo, tarefas acadêmicas, considerando a fartura de conteúdos
disponíveis e as viabilidades de interação a longa distância em termos de trabalho em grupo.
Por outro lado, essa abundância de conteúdos não é simplesmente considerada
enquanto proveito, mas também refletida em seus riscos e possíveis prejuízos:

Eu acho que essa facilidade também às vezes tem que tomar um cuidado
redobrado por causa que... Às vezes... O livro você ainda tem a fonte, tipo,
para estar ali ele teve que ser aprovado por não sei quantas pessoas,
nãnãnãnãnãnã. Então aquele conteúdo que tá ali é mais... Tem crédito. Na
internet você tem que pesquisar três vezes mais pra poder achar uma coisa
que seja verídica, né. (Larissa, Grupo 5)

Você fica assustado como cada vez mais cedo tem crianças, tipo, com perfis
em redes sociais. Isso é muito perigoso também porque, querendo ou não,
ali, se não tiver a orientação dos pais, ela vai tipo... Ter contato com muita
coisa, e tipo, ver muita coisa. Não sei se isso chega a ser bom, sabe?
(Larissa, Grupo 5)

E a maioria das informações são coisas que tipo... Vem e vai na mesma hora,
sabe. Nem fica para você e você tá passando horas ali com informações que
nem vai... Ou sei lá, 95% pelo menos do que a gente vê no Facebook hoje,
vai embora no mesmo dia. Tipo, a gente nem vai lembrar amanhã, sabe.
Nem é importante tudo, mas a gente gasta muito tempo nisso. (Isabel, Grupo
4)

Quantidade não é sinônimo de qualidade, parece ser essa a leitura que Larissa
realizou sobre a infinidade de informações dispostas na internet. O sujeito deve analisar os
conteúdos, criticá-los, não aceita-los irrefletidamente, sem filtros. Através da rede, foi
facilitado o processo do sujeito se colocar e posicionar, com diversos recursos a seu alcance.
Mas, se por um lado houve essa democratização de meios de expressão, por outro, diminuiu a
análise da veracidade e confiabilidade do que fica disposto, conforme comumente realizado
em recursos tradicionais.
Qualquer um com acesso à internet e com conhecimento básico de manipulação de
suas ferramentas pode criar conteúdos de difícil verificação do sujeito comum em termos de
veracidade, como, por exemplo, de questões gerais sobre a sociedade, distantes da percepção
imediata do sujeito, que envolvem mais a confiança deles nos emissores do que a verificação
empírica propriamente dita.
57

Além do mais, a variabilidade de informações, por vezes, é aproveitada


superficialmente conforme já comentado por Cibele e ratificado por Isabel. Em sua
percepção, é ínfima a quantidade de conteúdos absorvida pelo sujeito, assim como parece
duvidosa sua importância, pelo sentido de superficialidade atrelado. Ela critica, portanto o
investimento de tempo em coisas efêmeras.
Merece cuidado especial o impacto da diversidade de informações em relação a
crianças que, cada vez mais cedo, estão acessando e criando perfis nas redes sociais digitais.
Elas, em função de características do nível de desenvolvimento em que estão, talvez não
tenham maturidade suficiente para manejarem a própria plataforma, sem supervisão. Os riscos
podem vir desde pessoas com quem potencialmente têm chance de interagir, até dos
conteúdos que estão disponíveis, ou exposições que são viáveis de serem realizadas nesse
meio, etc. A questão da infância na rede, portanto, é algo que foi dimensionado pelos
participantes enquanto ponto de atenção.
Na mesma linha do uso das redes sociais como álbum de recordações, o uso para a
coleção de conteúdos digitais também pode ocorrer. Porém, não necessariamente o uso e a
divulgação de conteúdos podem estar atrelados só ao desejo de mostrar e se exibir puramente,
conforme consta em:

Eu acho que, assim, eu acho, né... Não sei se eu tô sendo muito ingênua [...]
É, como se fosse o modo de exaltar uma amizade, por exemplo, sabe, sei lá.
Que faz uma declaração, alguma coisa assim, mas não com o intuito dos
outros, mas talvez com o intuito pra qual pessoa ela tá se declarando, uma
amiga, alguma coisa assim sabe. Sei lá, uma foto, tipo, que você tire com a
sua amiga e você acha postar, mas não pelos outros, mas mais pelo momento
com ela, sabe, sei lá. [...] Mostrar que aquele momento foi importante pra
você e você tá registrando de alguma forma, sabe. (Rebeca, Grupo 6)

Volta novamente a questão do registro, não material, mas eletrônico. Além dessa
questão, Rebeca valorizou a possibilidade de homenagear pessoas queridas através desse
meio, independentemente da repercussão que tal expressão possa causar, pois a demonstração
de afeto visa o alcance de determinado indivíduo. Porém, como contraponto:

Tem gente que coleciona, por exemplo, negócio de coisa de aniversário,


coleciona os textinhos de aniversário que mandam pra ela, sabe, com textos
loooongos e fica mostrando. Eu quando quero mandar pra amigo eu mando
por inbox, eu não posto nada. (Amanda, Grupo 6)
58

Amanda compreende que, se há a divulgação do conteúdo na rede digital, de modo


aberto, necessariamente há algum desejo do sujeito de aparecer, de se divulgar. Para ela, o
afeto não precisa ser demonstrado publicamente. Caso o desejo seja somente para valorização
do outro, por que fazê-lo publicamente?
Em termos de usos, houve quem referiu a importância do cuidado com conteúdos
polêmicos, considerando que esse meio não é o mais adequado para discussões:

Quem está vendo as minhas publicações, né, eu acho que às vezes, você
tomar um posicionamento politico muito acirrado ou às vezes você
compartilhar coisas que diferem muito da opinião de todos pode acabar
criando conflitos no Facebook. E eu acho que o Facebook não é... As redes
sociais no geral não são os melhores lugares pra se discutir assim, sabe.
(Ronaldo, Grupo 2)

Esse cuidado remete à ponderação e reflexão do que é colocado, o contrário de


atitudes impulsivas. Envolve o reconhecimento dos sujeitos que possuem como contato na
rede de amigos, a consciência de quais assuntos podem divergir da maioria e gerar mal-estar.
Em termos de a rede social digital não ser considerada espaço adequado para discussão,
podemos refletir que é meio onde há a formalização de conteúdos colocados, que
permanecem nesse espaço para posterior visualização daqueles que possuem acesso. Os
conflitos no Facebook podem se estender para a as relações presenciais, visto que as
dimensões online e offline estão cada vez mais híbridas, com a convergência de sujeitos
conhecidos cotidianamente nesses dois espaços.
A seguir Rebeca coloca sobre a dificuldade de especificar o que seria adequado ou não
postar, que isso varia de sujeito para sujeito:

Mas é que é difícil você traçar um limite, assim... É muito... Muda de pessoa
pra pessoa o que você se sente confortável postando ou não e como as outras
pessoas vão enxergar o que você tá postando. (Rebeca, Grupo 6).

Existe infinidade de pessoas, gostos e personalidades, desenvolvidos histórico e


socialmente, representando parte do todo, contribuindo para o desenvolvimento e
reconhecimento de outros enquanto diferentes partes e concomitantemente ao todo, em
processo dialético de transformação. Desse modo, a identificação do que é adequado ou não
vai ocorrer no contato com o outro, nos impactos gerados em termos mútuos e de sistema
através das relações sociais e expressões na rede. As subjetividades sócio-historicamente
59

construídas reagirão de determinada forma frente a certo estímulo, assim como interpretarão
os conteúdos por outros colocados conforme sua parcela de dimensão representativa do todo,
favorecendo construções e conflitos.
A seguir os participantes comentaram sobre a importância da ponderação no uso e a
responsabilidade de cada um sobre a utilização da plataforma, pois ela em si é uma ferramenta
com diversas possibilidades, mas o emprego e o direcionamento dado a ela que poderá ser
benéfico ou prejudicial:

Eu acredito que o meio-termo, assim, porque depende muito de como as


pessoas usam, né, a rede social. Irá passar coisas boas ou passar coisas
negativas. Mas aí eu acho que vai do pessoal de cada um, de ver de como
você vai usar. É a sua rede social, você usa da forma que você achar
conveniente para você. (Maria Eduarda, Grupo 1)

Os meios de comunicação, a tecnologia ela pode influir, tanto positivamente


como negativamente. Mas quem define isso é o sujeito que tá utilizando. Ele
pode usar para o bem como ele pode usar para o mal. (Sabrina, Grupo 3)

[...] mas depende de algumas pessoas também. Como que ela usa essa
ferramenta. (Bruno, Grupo2)

Ela (a rede social) tem bastante proveito, mas se você desviar esse caminho,
ela pode ser muito prejudicial a você. (Bruno, Grupo 2).

Considerando as diversas possibilidades de significado e sentido para o uso das redes


sociais digitais, há aqueles que utilizam como forma de distração, lazer:

Às vezes você quer meio que esfriar a cabeça, com tanta coisa fazendo e
você “Ah, deixa eu dar uma olhadinha para parar de pensar um pouco.”
(Ricardo, Grupo 6).

Acho que na correria do dia a dia a gente usa para se distrair um pouco, né.
A gente não quer... Às vezes a gente não quer ver coisas muito importantes,
coisa que vai mudar o mundo, a gente só quer distrair um pouco, sair um
pouco da realidade do dia a dia, da correria e se distrair um pouco. Ver
coisas legais, coisas divertidas, vídeo de gatinhos... É legal a gente ver de
vez em quando, sair um pouco da pressão do dia a dia e se divertir um
pouco, se comunicar com pessoas... As pessoas... Ver o que as pessoas
curtem e ver o que vocês têm em comum. Não só no dia-a-dia mas também...
O que só tem na in... na rede social, ver o que as pessoas curtem, o que você
curte. Acho que é isso, se distrair um pouco do dia a dia pesado e relaxar um
60

pouco, dez, quinze minutinhos, ver umas coisas legais, divertidas. (Maria
Eduarda, Grupo 1)

É e você acaba tipo... Só passando assim para distrair a mente e... enfim.
(Marta, Grupo 3)

Com o cotidiano envolto em tarefas, obrigações, estresse, a internet e mesmo as redes


sociais são compreendidas, por alguns, como refúgio, como meio de distração, de ver
conteúdos sem proposição ou objetivo algum.
Há também emprego da tecnologia como forma de distração daqueles que
potencialmente podem incomodar e requerer atenção, como é o caso das crianças:

[...] as mães dão celular para criança para distrair a criança, prender a criança
ali, para criança ficar presa em frente à tela do celular, para criança se
distrair e ficar ali. (Maria Eduarda, Grupo 1).

Essa atitude pode economizar estresse e contribuir para o bem-estar dos pais, para a
hedonia, mas que tipo de pessoas serão formadas com esse modo de educar? Com esse
distanciamento de contato, diluição do trabalho empregado para o desenvolvimento infantil,
tão importante para a formação dos adultos? São reflexões que levantamos e que são
importantes de serem pensadas e até refletidas em pesquisas futuras. De qualquer modo, é
inegável que mudanças estão ocorrendo no âmbito da educação e desenvolvimento infantil. O
contato precoce com as tecnologias, principalmente as touch, contribui, no mínimo, para o
desenvolvimento motor fino das crianças, quiçá em termos psicológicos, interativos, sociais e
culturais.
Por outro lado, há o uso voltado para o aprimoramento de conhecimento do sujeito:

Que tem muitas pessoas que utilizam o Facebook como não só ferramenta de
ficar olhando curiosidades por sei lá, é... O dia inteiro. Mas tem pessoas,
muitas pessoas que utilizam como meio de informação o Facebook também.
Não só pra ficar, sei lá, olhando a foto do que o outro postou e curtindo,
enfim. E comentando o que que ele achou da foto. [...] mas depende de
algumas pessoas também. Como que ela usa essa ferramenta. (Bruno, Grupo
2)

Bruno parece compreender o uso das redes sociais digitais para lazer e contato com
amenidades, voltado a conteúdos que não agregam informações apuradas, como inferior.
61

Nessa fala, a observação de fotos e a interação através de curtidas e comentários são


desvalorizadas em termos de emprego de tempo. Mas será que o investimento nas relações
também não pode ser agregador?
Outra possibilidade de uso colocada, sobre as redes sociais, foi voltada a intuito
altruísta:

[...] eu tenho uma amiga no Facebook que ela só posta os animais que ela
resgata, porque ela é protetora. Ela só faz post pedindo coisas pra adoção,
pedindo pra dinheiro. Ela nunca posta nada dela. (Amanda, Grupo 6).

Notamos nessa fala posicionamento de atuação na rede, mas não para falar de si, de
questões cotidianas ou de notícias, mas visando melhorias para a sociedade, mais
especificamente, para animais, incluindo a arrecadação de dinheiro para investimento neles.
Esse é um potencial uso.
Houve a crítica aos conteúdos egóicos e de reclamação encontrados na rede:

Eu acho que isso é o que acontece muito, né. As pessoas exaltarem o ego,
reclamam muito. Eu acho que a rede social não foi criada com esse sentido,
com esse objetivo. A rede social é para se comunicar com as pessoas que
estão longe, para postar coisas legais, o que tá acontecendo na sua vida.
Foi... Mas às vezes as pessoas deturpam um pouco esse objetivo, né. A rede
social, o principal objetivo dela é a comunicação, apesar de as pessoas
deturparem um pouco esse objetivo né. (Maria Eduarda, Grupo 1)

Maria Eduarda compreende que houve objetivo original na rede social que foi
desviado pelo uso cotidiano dos sujeitos. O sentido que ela emprega a essa mudança é
negativo, porém temos que considerar que, na concepção do materialismo histórico e
dialético, necessariamente há transformações decorrentes das relações humanas. A partir do
momento que pessoas utilizam plataformas criadas por determinado sujeito, transformam-se a
si mesmas como também o objeto em si, podendo inclusive gerar novos sentidos a
significados previamente projetados. Por isso a percepção do desenvolvedor é importante para
a atração dos usuários e permanência deles, de modo que a captação de sentido e a elaboração
de conteúdos adaptados é base para a continuidade de acompanhamento e uso pelos sujeitos.
Já Isabel constata que a noção sobre o objetivo que o sujeito tem ao ingressar nesse
espaço e criar perfil pessoal é de extrema importância, conforme segue:
62

Acho que a gente tem que saber também qual que é a finalidade do nosso
Facebook né. Tipo, se eu tenho só para falar com os meus amigos, se eu
tenho por questões de trabalho, entendeu? Tipo, isso filtra bastante também
quem a gente tem ou quem a gente exclui. (Isabel, Grupo 4).

A participante referiu sobre a importância de identificar esse objetivo para alinhar as


ações na rede, com enfoque nos tipos de sujeito adicionados, possivelmente vislumbrando
conflitos que podem ocorrer com a reunião de diferentes papeis sociais nesse meio. Desse
modo, quanto mais o sujeito conseguir aproximar esses dois âmbitos, de expectativas e
efetivação de uso, mais a experiência tenderá a ser interpretada quanto proveitosa.
Compreendemos, a partir da perspectiva dos participantes, que as redes sociais digitais
são meios que viabilizam a ressignificação de usos e formas de se expressar, como, por
exemplo, para álbum de foto, para o registro de conteúdos afáveis, para o reconhecimento ou
homenagem ao outro, para o aprimoramento de conhecimentos e desenvolvimento de tarefas
acadêmicas, para o lazer, para ações de auxílio ao próximo. Cada uma dessas ações, nesse
meio, está potencialmente aberta a visualizações e à expansão, além de que, ficam registradas,
questões estas, centrais para essa nova configuração de base interacional.
Pela expansão do conteúdo, os sujeitos estão expostos ao monitoramento e ao
julgamento, por seus pares e até pelo próprio sistema da rede social digital. Através dos
recursos de privacidade é possível evitar que haja a visualização geral de determinadas ações,
mas isso não impede que conste no banco de dados das redes sociais digitais, pois, conforme
referido por Assange (2013) e por Kirkpatrick (2010), essas plataformas têm recursos para o
acúmulo de volumosas informações a respeito do sujeito, cujos fins podem ser diversos.
Notamos indícios de consciência, por alguns dos participantes, de que as ações nesse
meio são públicas e que, por ser espaço interacional, podem ser fonte de conflitos. Mas
identificamos que, independente dessa consciência, há a percepção de que existem variações
nas formas de expressão na rede, umas através de publicações claras e diretas, outras com
colocações simbólicas, assim como aquelas que evitam qualquer forma de posicionamento e
que isso não é um problema, desde que o sujeito se sinta à vontade de agir dessa forma.
Uma coisa é o sujeito não se manifestar, pois se sente confortável assim. Outra, é ele
evitar fazê-lo para não se sentir monitorado. Em termos de relações próximas, esse tipo de
atitude cumpre seu objetivo. Mas quanto à plataforma, há outros modos de captar ações do
sujeito, pois, inclusive, há sites parceiros de redes sociais digitais como, por exemplo,
Facebook que, através da função Connect, têm acesso às ações do sujeito externas. Dar likes,
por exemplo, pode parecer uma ação inocente, mas também viabiliza dados para a empresa de
63

rede social digital (KIRKPATRICK, 2010). Só o clicar em conteúdos já pode se configurar


em fonte de dados, dependendo do grau de tecnologia de monitoramento que esteja sendo
utilizada.
Por outro lado, por mais que o sujeito se sinta confortável no modo como está se
colocando e usando a rede social digital, isso não elimina todos os riscos, como também não
garante vantagens. Assim como colocado por Marcuse (1999), a tecnologia em si é neutra, o
uso é que dará o tom definidor. Claro que a espontaneidade vai possibilitar ao sujeito ser mais
congruente e isso pode fazê-lo se sentir melhor, mas os atravessamentos das redes sociais
digitais são diversos e, mesmo assim, ainda podem se configurar nessas duas potencialidades,
de vantagem ou prejuízo, pois o sujeito, na vida, está em constante interação, não dependendo
só dele a configuração de suas ações enquanto prejuízo ou benefício. Tal como coloca
Reguillo (2012), nas redes sociais digitais os conteúdos colocados não estão acabados em si,
ao serem publicados, mas estão abertos a incrementações significativas de acordo com as
interações.
Ainda com relação às possibilidades de uso, refletindo em termos de proveito e
prejuízo, essa é uma questão que vai envolver substancialmente a crítica do sujeito. Como
exemplo, nas redes sociais digitais há infinidade de conteúdos, porém não há garantia da
qualidade ou de proveito em termos de experiência. Se por um lado houve, conforme Jenkins
(2006), a democratização dos recursos digitais, assim como da internet, que resultaram em
maior ação e participação das pessoas em geral, por outro, com o aumento de circulação de
conteúdos produzidos, há menor garantia de confiabilidade destes, que passam a ser criados a
bel prazer. Ainda nesse sentido, tem-se que ponderar a entrada de crianças no meio digital,
frente a essa imensidade de conteúdos disponíveis.
Mas parece que, quanto mais as pessoas têm consciência de seus objetivos, formas de
uso e expressão na rede, mais chances têm de alinhá-las para garantir experiência proveitosa.

Núcleo 2 – “Sobre o cotidiano – passar o tempo, ver o mundo...”

É inegável que a intermediação tecnológica está contribuindo para transformações


sociais, culturais, econômicas e políticas em nível de sistema, assim como em relação ao
sujeito, compreendido como ser social e historicamente construído, conforme o contexto no
qual está inserido. Cada pessoa, em sua esfera de atuação, concomitantemente contribui para
transformações, inclusive dessas próprias tecnologias intermediadoras. Muitas das
64

significações presentes nas falas dos sujeitos revelam a maneira como percebem essa
mediação da tecnologia na vida cotidiana e aspectos dessa presença, tanto positivos, como
negativos; ou, ainda, novos e diferentes aspectos, difíceis de avaliar.

Eu acho que a nossa percepção de aproveitar o mundo tá mudando, né. Eu


acho que a nossa percepção de ver o aproveitamento do dia também. (Maria
Eduarda, Grupo 1)

Interessante observar que a participante se refere não só ao aproveitamento do dia,


mas também “do mundo”, podendo significar uma referência à totalidade.

Às vezes você espera tanto o final de semana. Você pensa “não, vou sair
fazer alguma coisa”. Daí você acaba ficando em casa e tipo, fazendo “nac”
[...] (Francisca, Grupo 2)

Francisca não especifica o que é feito em substituição aos planos de passear, mas
dentro do contexto da fala do grupo focal, pudemos compreender que se refere ao uso das
redes sociais digitais, que atraem e prendem. Nessa fala percebemos um sentido negativo a
esse investimento de tempo na rede, como se nada fosse feito. É como se o tempo investido
fosse perdido. Essa mudança, portanto, não é compreendida como favorável e agregadora ao
sujeito, mas como outra forma qualquer de perda de tempo.

Então tem meio aquela ideia de que quem fica muito no Facebook não sai
muito e não tem vida social, [...] Ao invés de tá fazendo outras coisas que,
teoricamente seriam mais produtivas do que entrar no próprio Facebook.
(Micaela, Grupo 4).

O uso do Facebook aqui também é percebido negativo, como aprisionamento.


Interessante refletir que o Facebook é uma rede social digital, então, remete à ideia de
interação, porém o sujeito se refere a ela como um meio onde há isolamento, ao dizer “não sai
muito e não tem vida social”.

Mas eu acho que, tipo, esse negócio da futilidade é muito doido né, porque
eu faço coisa fútil e sempre fora do Facebook. Então, tipo, eu sento na
prainha aqui, eu fico uma hora e meia, fuman... Só isso e, tipo, não tô
fazendo nada, não tô lendo, só tô batendo um papo, uns papo idiota assim,
tipo, conversando com um amigo, [...] (Fábio, Grupo 4)
65

Fábio problematiza a percepção do emprego útil do tempo, justificando que não


necessariamente a vivência presencial garante seu proveito, mas sim é a forma como o tempo
é gerenciado que vai viabilizar proveitos, aprisionamentos ou seus derivados.
De qualquer modo, independentemente da conotação do uso, há mudanças e
transformações que já estão sendo identificadas pelos próprios sujeitos na relação
intermediada pela plataforma, como por exemplo, na percepção do entorno:

Então... Eu achei muito engraçado isso porque eu reparo, quando eu tô


andando na rua e às vezes eu tô mexendo no celular olhando Facebook, eu
não presto atenção na rua. Então, às vezes, abre uma loja eu nem vejo, tipo,
eu não presto atenção no meu entorno. Isso é muito engraçado porque as
coisas vão mudando e você só tá focado ali no seu Facebook, na sua... Tipo,
o seu mundinho ali. Então sei lá, é bem engraçado isso, como as coisas vão
acontecendo e você nem percebe. Você se desliga muito do que... Ao mesmo
tempo que você tá recebendo muita informação de outros lugares, você nem
se foca no lugar que você tá. (Sofia, Grupo 4)

Sofia percebe que há movimentação tanto na plataforma, de acordo com diversas


interações que ocorrem, assim como no entorno presencial. Ambas as esferas se atravessam e
enfoque acaba sendo mais diretamente direcionado a uma em detrimento da outra. Nessa
dinâmica, aquele contexto preterido à observação será realmente menos percebido, o que é
criticado pela participante no sentido de que, considerando o predomínio de atenção na esfera
digital, o que está perto deixa de ser acompanhado em detrimento do que está longe.
Conforme expressão empregada por ela, é como se o meio do Facebook fosse o “mundinho”
particular do sujeito, como se houvesse isolamento do contexto.
Pode ser que em alguns aspectos essa visão proceda, mas não em sua totalidade. Se
por um lado nesse meio há filtros e interferências da plataforma que direcionam assuntos afins
aos participantes, diminuindo a possibilidade de abrangência do mundo e limitando sua visão,
a plataforma não é totalmente só do sujeito, pois é construída socialmente.
Os participantes também percebem mudanças na percepção do tempo pela
intermediação da tecnologia e das plataformas de redes sociais digitais:

Às vezes eu tô andando na rua também, com o celular, sei lá, mexendo no


WhatsApp, às vezes no Facebook, parece que o caminho fica mais curto.
Você não precisa pensar onde que você tava andando, tipo, na hora que você
chegou você vai falar “Ué, eu tava ali, tipo, que aconteceu?” (Cíntia, Grupo
4)
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Há a percepção de que o tempo passa mais rápido do que quando o sujeito não está
utilizando esse dispositivo. Assim como referido por Sofia, o trajeto passa despercebido. O
sujeito liga o “piloto automático” do percurso cotidiano e se foca na rede social digital. Isso
permite, por exemplo, aproveitar aquele tempo que poderia ser potencialmente inutilizado, em
interações com pessoas que estão distantes fisicamente. Nesse sentido, podemos pensar que,
na contemporaneidade, o sujeito diminuiu seu tempo ocioso e contemplativo. Sempre há algo
a fazer, alguém para conversar, algum ponto para direcionar o foco.
Podemos pensar também que, nesse trajeto, caso não houvesse o dispositivo
intermediador, o sujeito não necessariamente prestaria atenção no entorno. Poderia também
vaguear em pensamentos introspectivos, sem focar no que o tange, mas também, poderia
interagir com alguém que está próximo. O que se pode dizer é que, com os dispositivos
móveis, não se limita ao que o contexto oferece naquele exato momento, mas pode
transcender para outros espaços e interações, talvez mais atrativos, pois é essa a escolha que
acaba fazendo, ou seja, o sujeito tende a se atrair pelo que lhe dá prazer.

Você perde um pouco a noção de tempo, que você fica assim... Você fala
“Nossa, deixa dar só uma olhada e tal”, mas você tá... Às vezes você vai
fuçar uma coisa e você vai parar em outra e você vai parar em outra. Você
não tem... Você vai ver, você passou a tarde né fazendo isso assim. Você tá
muito superficialmente, uma coisa atrás da outra, sabe, aí... e o tempo vai
passando de um jeito que você não percebe, assim, muito rápido. (Cibele,
Grupo 3)

Ainda ontem eu tava estudando e eu deixei o celular de lado. Mas aí eu dei


um intervalo e, quando eu fui pegar o celular de novo, era só pra ficar 5
minutos. E quando eu fui ver passou uma hora e eu pensei “Nossa”. (Laura,
Grupo 3)

Tem aquele comentário que todo mundo fala que... Se ficar na frente do
computador perde muito tempo. (Fabrícia, Grupo1).

Sendo do celular ou no computador você pega para dar uma olhada e isso
fica ali passando o tempo e você nem percebe... (Rebeca, Grupo 6)

É, isso, aconteceu mesmo comigo. Eu almocei hoje, falei “Vou estudar para
prova”. Tinha cinco textos para ler. Aí falei “Mas para começar a estudar eu
preciso estar tranquila, saber que não tem nenhuma notificação importante.”
Aí entrei no celular às 14:00. Saí das redes entre WhatsApp, Twitter e
Facebook. Ainda você compartilha uma coisa, só para “Ai, isso eu tenho que
compartilhar”. Aí os colegas começam a comentar e você tem que responder
os comentários. É uma onda, é uma bola de neve. Aí eu terminei de ver
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rapidinho as minhas notificações, agora, às 16:45. Aí “Poxa, eu tenho


compromisso às 17:00 e eu li um texto, saldo negativo”. (Sandra, Grupo 3)

Às vezes você pode passar dez minutos estudando e parece que você passou
uma eternidade. Aí você fala “Meu Deus, não, deixa dar uma pausa aqui”.
Mas você vai ver, passaram dez minutos. Aí no Facebook não, assim, no
Facebook você viu tudo lá e você falou “Ah, dez minutinhos e eu já chequei
assim”. Daí você vai ver passou meia hora. Você fica num tempo, parece
hipnose, sabe, você fica, eita... (Cibele, Grupo 3)

Às vezes você tá lendo, estudando, você sabe que você tem que fazer
trabalhos e você não consegue. Pega o bendito celular, quando você vê já
passou meia hora, uma hora ali. Você “Gente não produzi nada, tô aqui
nessa rede social, tenho que sair disso, me libertar”. Então vira um hábito um
vício né, como diz. (Sabrina, Grupo 3)

Essas falas reiteram a ideia da diferente percepção de tempo experimentada no uso das
redes sociais digitais, como se transcorresse em velocidade maior do que o sujeito imagina
estar vivenciando. Aqui se encontram também referências à diversidade de conteúdos
disponíveis e à migração constante entre eles no meio digital, aspectos que também
caracterizam a relação com esses meios de comunicação e informação. Merece destaque a
colocação de que os conteúdos disponíveis são superficiais, feita por uma participante. Esse
aspecto será retomado adiante.
Houve a comparação da percepção de tempo entre o uso da rede social digital e a
leitura de um texto, havendo clara identificação de que a segunda atividade é mais morosa do
que a primeira. Podemos refletir que essa diferença pode estar relacionada ao interesse do
sujeito pelo conteúdo em questão, assim como às propostas de cada um:

[...] eu acho que ler um texto exige muito mais concentração do que as
informações que a gente recebe do Facebook. [...] a timeline ela é corrida
então você vai passando tudo rapidinho e o texto não, ele tá parado, não é
nada dinâmico. (Fábio, Grupo 4)

A leitura de texto poderia ocorrer por um dispositivo tecnológico como smartphone ou


computador, sendo inclusive acessado pela internet. Mas esse não é o cerne da diferença da
experiência, mas sim a comparação da dinâmica da rede social com a do texto. A disposição
de ambos é diferente em si, assim como as funções requeridas para a realização de cada um.
Na rede social o sujeito tende a estar relaxado, não sendo exigido foco algum, podendo alterar
o acesso a conteúdos conforme se dispõem na rede. Já no texto, há uma proposta de apreensão
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do que se trata ali, de forma mais específica. Há uma linha de raciocínio definida a ser
seguida. Essa disposição em si já pode interferir na experiência do sujeito em cada um desses
âmbitos, assim como em sua percepção de tempo e espaço. Talvez por isso possa haver a
propensão de ele acessar esse meio durante as atividades a que se propõe:

E aí eu entro no computador, e aí eu preciso de internet para mandar e-mail


para faculdade, nã, nã, nã... Eu tenho que ficar no computador. Só que aí eu
fico, tipo, no Facebook, não mandando e-mail, não lendo o texto, isso causa
muito também... (Fabiane, Grupo 3).

Eu tenho costume de abrir várias abas, né. Então eu entro com foco e perco
totalmente, né. Por exemplo, né, para entrar para estudar. Eu entro para
estudar, mas já abre o F... Várias abas que não... Não se relacionam com o
meu assunto principal, meu foco. Acontece muito comigo isso, esse desfoco
né, de você entrar com um objetivo e acabar se desviando. (Maria Eduarda,
Grupo 1)

Essa incongruência entre objetivo colocado e efetivação da atividade pode inclusive


gerar frustração no sujeito, percepção esta em termos de aproveitamento do cotidiano.
Também podemos pensar que a diversidade de conteúdos à disposição e a
possibilidade de acesso simultâneo a diversos espaços, pode influenciar na vivência do
sujeito, que cada vez mais pode ser atravessada por outras esferas de tempo e espaço, não
necessariamente exigindo cronologia de experiências. Na verdade, pode-se dizer que se trata
de uma experiência de tempo diversa de uma noção sequencial, cronológica, mais tradicional.
Também a noção de espaço se altera, pela possibilidade de se vivenciar situações
presencialmente e à distância, simultaneamente ou não. Essas características, aqui e lá,
antes/depois e agora, não são mais mutuamente exclusivas (uma ou outra), podem se dar
simultaneamente.
Outra questão, ainda referente a essas experiências, é a retroalimentação das interações
realizadas nas redes sociais digitais, que tendem a manter o sujeito online. Por exemplo, uma
postagem pode desencadear ações em outros usuários, que respectivamente gerarão tensão no
sujeito para respondê-las, fazendo com que permaneça mais tempo nesse meio.
Percebemos, então, que essas redes sociais digitais reúnem grande quantidade de
funcionalidades atrativas para o sujeito, tanto que há a percepção de estar como que em estado
hipnótico durante seu uso, como se fosse um vício. E outros motivos propulsores desse
interesse e fascínio pela rede são refletidos:
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Você tem uma esperança que a próxima coisa que vai vim, tipo, vai ser legal,
entendeu? Então tipo... Essa esperança que faz você, tipo, ficar horas ali e
não perceber sabe? Tipo, ai, será que a próxima coisa... E se eu parar aqui? E
se a coisa que tiver em baixo me interessar, sabe? No texto não tem isso.
Tipo, a gente já sabe qual que é o assunto e a gente só vai tá concentrado
lendo aquilo e, tipo, aprofundando. Já o Facebook não, tipo, você vai
passando e se não me interessa tomara que a próxima me interesse,
entendeu? (Isabel, Grupo 4)

Percebemos uma expectativa de experiência de prazer com conteúdos que possam ser
atrativos. Esse é um dos pontos que podem manter o sujeito horas nessa plataforma, sem que
perceba. Além disso, a renovação de conteúdos é constante, diferente da proposta do texto,
que já é formatado enquanto tal, em configuração estática, segundo a percepção dos sujeitos.
Na rede social digital há movimento, o que inclusive pode ser motivo de ansiedade para saber
o que está sendo atualizado.
Outro elemento de atratividade levantado, para a permanência no uso das redes sociais
digitais, foi a busca de contato, a fuga da solidão:

A pessoa ela tem que, ela sente essa necessidade de ficar em uma rede
social, é... Especificamente o Facebook, porque muitas pessoas elas sentem
um vazio existencial assim. Meio que fala “Meu, que que eu vou fazer
agora?” e então, é... Se eu não tiver, sei lá, interagindo com as outras
pessoas, eu vou estar solitário, então não vou estar fazendo parte desse meio.
[...] Isso também auxilia as pessoas a ficarem com uma certa... Com um
certo tempo a mais no Facebook. (Bruno, Grupo 2)

Aqui aparece a menção a uma possível dificuldade de lidar com a solidão, consigo
mesmo, urgindo a ânsia pela interação, pelo reconhecimento, por relações. Mas, o quanto
seriam efetivas, é difícil avaliar. O participante parece estar se referindo a dificuldades em
estar consigo mesmo, talvez até a uma falta de sentido para a vida quando fora de situações de
interação.
Percebemos que, pela visão dos participantes, está havendo mudança na percepção do
mundo, assim como do dia, no que se refere ao tempo e espaço. Em termos do último, o
acesso às plataformas via smartphones possibilita a mobilidade de acesso à internet e redes
sociais, atravessando âmbitos antes definidamente separados, de modo que a atenção ao meio
presencial ou digital pode envolver preterir um ao outro, caso seja prolongada. Já em termos
da mudança na percepção do tempo, também pelo acesso intermediado por esses dispositivos
70

móveis, foi identificada que os participantes reconhecem que sua percepção de tempo se
alterou e que ela parece fluir mais rapidamente quando estão conectados.
No trabalho de Martins e Jesuina (2005) consta a descrição de sensação de ritmo de
tempo desigual por estudantes, ou seja, no que se refere a passagem mais rápida ou lenta.
Geralmente a primeira está relacionada a atividades prazerosas e interessantes e a segunda a
chatas ou de espera. Compreensão similar podemos ter quanto a essa diferente percepção no
uso dos dispositivos celulares durante acesso à rede, pois agora constantemente as pessoas
possuem à sua disposição infinidade de conteúdos e conhecimentos, que podem ser facilmente
selecionados conforme interesses do sujeito, tornando a experiência prazerosa, transcendendo
para outros espaços.
Além disso, cabe dizer que Zuckerberg aplicou essa lógica na rede social Facebook,
pois através dos algoritmos que compõem sua estrutura, mapeia as ações dos indivíduos na
rede, direcionando, dentre outros fins, conteúdos congruentes ao perfil de uso do indivíduo,
aumentando as chances de atração dele e permanência, estimulando o uso como num estado
de transe. (KIRKPATRICK, 2010).
Consta nas verbalizações que há uma espécie de atratividade e expectativa para as
próximas atualizações da rede. Além de que, outra questão atrativa referida foi a
retroalimentação de interações, em que o sujeito fica alerta para respondê-las, mas que
possuem potencialidade de contínua renovação, pois cada interação pode gerar a tensão de
resposta. Sentimentos de solidão e a fuga de situações adversas no contexto presencial,
também podem se configurar como estímulos para seu acesso de modo mais intenso.
Os participantes referiram-se também a recursos da tecnologia criados para atrair e
manter a atenção dos usuários das redes, como as notificações, que podem interferir na
vivência cotidiana do uso da internet no geral e das redes sociais, produzindo desfoque:

É igual, eu tô trabalhando no computador, eu sempre do nada paro e quando


eu vejo já abri uma aba do Facebook para checar notificação. Não é nem no
meu celular. Ai eu fico “Mas porque que eu tô fazendo isso?”. Vira uma
coisa que eu realmente... Se você for parar pra pensar, você fala “Quando é
que eu comecei a sentir essa necessidade, assim, de saber o que tá
acontecendo?” (Natacha, Grupo 3)

[...] não é que ela fica ligada o tempo todo no Facebook, mas, pelo... É
principalmente pelo smartphone, quando chega uma notificação, alguma
coisa assim, sei lá, “Ah fulano tá interessado em algum evento”. Cê vai lá e
cê ve. Aí cê fala “Meu”, aí depois você pensa “Que que eu tô vendo que o
cara tá interessado em tal evento” sabe, isso às vezes me importa, mas às
71

vezes não me interessa muito sabe, então às vezes você tá mais prendido a
isso porque meio que o seu smartphone avisou. Então você tem que conferir
pra você não deixar pendente essa, essa, essa notificação. (Bruno, Grupo 2)

Às vezes um grupo ele tinha lá uma função, mas enfim, ele acaba, tipo, se
dispersando e daí você fica, sabe, “Não, sabe, num vou ver...”, mas aí você
acaba vendo. (Francisca, Grupo 2).

Você vai na sua página inicial, tem três, quatro novas notificações, que eu
acho também que é muita informação ao mesmo tempo também pra uma
pessoa só. (Ronaldo, Grupo 2)

É que no caso, mesmo, tipo... A tarefa importante é estudar, é fazer o


trabalho, é fazer qualquer coisa X. Mas você não consegue fazer isso sem
antes ter passado pelas redes ter checado o WhatsApp para ver se não tem
nada para responder, checado notificações do Facebook para ver se ninguém
te perguntou, te marcou em nada. Aí quando você passa por tudo e fala
“Agora tá limpo, agora tô livre para poder começar a estudar”. (Sandra,
Grupo 3)

Notamos que as notificações são recursos importantes para o retorno frequente do


sujeito à rede, tanto que, inclusive, os participantes mencionaram que entram mesmo sem
identificarem real necessidade de fazê-lo ou compreenderem o motivo que os leva a tal. É
como se houvesse a necessidade do sujeito acessar a rede e checar mudanças, como forma de
aliviar a tensão gerada. Esse acesso constante, conforme identificado nas falas, transparece
como aprisionamento. Do que decorreria essa urgência de acesso? Da necessidade de estar
atualizado quanto aos acontecimentos que não param de se transformar?

Eu recebo muito e-mail. Muito. E às vezes eu não consigo ver porque muita
gente me carrega. Aí eu vejo notificação, eu só passo do lado, ignoro e só
vou ver bem depois. Porque cansa. Cansa, é muita informação, é muita coisa.
E às vezes não é algo necessário sabe, pro momento. (Francisca, Grupo 2)

Mas também tem hora que você fala “Meu, eu não quero mais ver
notificação! Chega sabe, tô cansado disso. Tô cansado de ser tipo, meio que
um escravo do meu celular.” [...] Pelo menos uma parte do meu dia eu tento,
assim, não ficar tão na neura de ficar olhando as notificações. Eu meio que
desligo o meu pacote de dados, desligo o wi-fi e deixo lá. Só quando que eu
ligo de novo eu vou e olho o que que tá acontecendo. Mais pra num ter essa
escravização do smartphone sabe. Então eu tento me fazer isso pra eu não
ficar tão complexado assim. (Bruno, Grupo 2)
72

[...] eu não tenho o aplicativo do Facebook baixado no celular. Então eu não


vejo as notificações. Então pra mim.... Mas é muito mais as questões das
mensagens que eu acho que isso que torna mais importante o uso [...].
(Francisca, Grupo 2).

Dentre as reações frente às notificações e ao próprio uso dos smartphones que reúnem
diversas funcionalidades, mencionaram a atitude de ignorar temporariamente o alerta de
novidade, o que envolve a consciência do que é prioridade para o momento, além de empenho
no foco do que deseja ter priorizado. Outra forma citada de evitar essa escravização é desligar
qualquer acesso à internet, inclusive pacote de dados, seguindo a lógica de que “o que os
olhos não veem, o coração não sente”. Também houve menção de excluir ou nem fazer o
download de aplicativos, assim como utilizar outros recursos que não o celular para a
realização de tarefas, como formas de evitar as notificações e consequentemente distração,
assim como para a superação da necessidade de usar a todo o momento esses dispositivos:

Então, o que eu falo é, às vezes se eu vou estudar, se eu sei que eu preciso


me concentrar, eu nem pego meu celular para ver a hora. Na verdade eu
ponho um relógio. Se eu tiver, eu tenho que pegar uma calculadora que não é
a calculadora do meu celular. (Natacha, Grupo 3)

Eu acho que dá para perceber como a gente é suscetível a isso, porque, por
exemplo, quando eu preciso fazer alguma coisa muito importante eu tenho
que desligar as coisas e às vezes eu acabo excluindo aplicativo do meu
celular para que, tipo, eu consiga fazer sem interrupção, sabe. Porque se
você abre o negócio, você passa tipo, minutos ali. Você fala “Ah, só vou ver
isso”, mas não é só isso que você vai ver. Isso sempre acontece. (Isabel,
Grupo 4)

Para mim, né, que eu acho que tem algumas pessoas que conseguem separar
as redes sociais e coisas que não são das redes sociais, tipo, ler livro, jornal,
revista, essas coisas. Tem gente que consegue fazer e também... Também
conseguem usar a rede social, mais ou menos controlar o que você quer fazer
com a rede social e fora da rede social.[...] Quando eu quero fazer outra
coisa que não seja na rede social, ou seja, fora da frente do computador, às
vezes eu consigo pegar um livro e ler, quando eu tô no metrô, no ônibus, eu
consigo fazer isso.. (Fabrícia, Grupo 1)

Como já referimos, as mudanças em termos de percepção e aproveitamento do


cotidiano atravessado pela tecnologia, podem estar diretamente atreladas à atratividade do
meio digital. A partir das verbalizações, compreendemos que a vivência contemporânea do
73

tempo e espaço está transformada. O sujeito cada vez mais, também, está sendo chamado a
acessar a rede, em função das notificações. Esse é um recurso de atratividade adaptativo,
desenvolvido pelas plataformas, e que tendem a estimular a conexão constante do sujeito.
Além disso, conforme verificamos, a retroalimentação de conteúdos postados, ou seja, as
interações decorrentes de manifestações nas plataformas, é outro aspecto atrativo, assim como
a diversidade de conteúdos. Experiências que, na verdade, já começaram com os
computadores, quando permitiram o acesso à internet e se potencializaram com os
dispositivos móveis.

Mas antigamente era bastante assim, né, eu lembro que é... Quando não era
esses celulares assim de smartphone, nossa! Era o dia inteiro grudado no
computador assim, qualquer momentinho que você passasse por um
computador que tivesse internet você parava por um momentinho. (Rebeca,
Grupo 6)

O acesso ao computador já era atrativo. Essa não é, portanto, uma vivência particular
do desenvolvimento dos smartphones. Provavelmente estes tornaram mais complexas essas
experiências, mas, como vimos, o nível de envolvimento não é homogêneo.
Na fala de Rebeca, percebemos o uso contínuo e prolongado, ao se referir ao acesso ao
computador. Ronaldo critica a visão de permanência longa nesse meio, apesar de concordar
com o poder de captura e atração das redes sociais digitais:

Eu não acredito que uma pessoa passaria o feriado inteiro, três dias por
exemplo, conectado no Facebook, [...] Por ser uma ferramenta que tenha
notícias, vídeos né, muita informação e são informações aleatórias, uma hora
você tá vendo uma coisa interessante, outra hora você vê, pode ver outra
coisa interessante. Eu acho que o Facebook tem essa capacidade de prender,
mas não por tanto tempo [...] (Ronaldo, Grupo 2)

O participante não se referiu aos smartphones, mas podemos refletir que esses
dispositivos contribuíram para uma nova forma de uso. A atratividade já existia no manejo do
computador, conforme mencionado por Rebeca. Com os celulares inteligentes, está se
adaptando e reconfigurando, tornando-se mais complexa. O tempo dispendido no aparelho
deixa de ser longo e ininterrupto, e passa a ser persistente, porém fragmentado, em constante
interlocução entre meio presencial e digital, de modo híbrido.
74

Temos que levar em consideração então, que os smartphones estão contribuindo para
novas formas de percepção e aproveitamento do cotidiano, as quais, principalmente, podem
estar atreladas à concentração de recursos nesses dispositivos:

E o celular [...] tem relógio, a gente tem o nosso telefone, a gente tem...
praticamente tudo o que a gente precisa durante o dia, a gente tem em um
aparelho só. (Natacha, Grupo 3).

[...]celular já tá aqui, sabe, e você pode levar pra onde você quiser, não é
pesado, cabe no bolso. (Júlia, Grupo 5)

O celular é uma ferramenta, né, tipo do bolso. [...] o smartphone é uma


extensão tecnológica do nosso corpo. [...] como se, é... Tudo que acontecesse
no smartphone fizesse parte da nossa vida mesmo. Assim ,da nossa vida
presencial. Então não só as pessoas estão presas dentro de casa, mas ela
também fora da casa dela, em todos os lugares. Com o celular na mão ela vai
estar nas redes sociais o tempo inteiro. (Ronaldo, Grupo 2)

E agora tem essa praticidade que, aonde você vai, você tá ali, ó, conectado
24 horas. (Sabrina, Grupo 3)

[...] “Você fica parado”, mas é como se ao mesmo tempo que você tá parado,
vem um monte de coisa para você, porque no Facebook aparece notícia,
vídeo de gatinho, que eu acho que todo mundo é ligado... (Micaela, Grupo 4)

Nesse meio há relógio e há celular; fotografia, vídeo, voz, aplicativos, assim como o
acesso à internet; em um diminuto aparelho que pode ser carregado no bolso e transportado
para onde o sujeito vai, como um mini computador.
A disponibilidade de wi-fi para além do meio residencial, através da expansão da
internet pública e redes móveis, também amplia a mobilidade dos recursos do celular em
termos de comunicação e interatividade. O sujeito cada vez mais está livre das amarras do
tempo e espaço, podendo interagir, se comunicar, realizar trocas quando bem quiser, desde
que possua os recursos de acesso.
Se olharmos em perspectiva, percebemos evolução constante da tecnologia, tornando-
se mais complexa em grau de atratividade e experiência. Do computador para os smartphones,
identificamos a mudança de uso em termos de tempo e espaço, um fixo, outro móvel.
Conforme colocado por Jenkins (2006), o atravessamento cada vez mais constante com o
meio digital vai sendo configurado como importante mercado competitivo pelas empresas,
75

que vislumbram nesse acesso de maior interatividade com os internautas, fonte competitiva
em termos mercadológicos.
Por outro lado, as pessoas estão crescentemente com maior acesso à informação, com
mais recursos de posicionamento e interação, o que se configura como desafios às empresas,
demandando atualizações complexas de atração. Então, se adaptam e investem em recursos de
atratividade e interação específicas, das quais destacamos, conforme levantado pelos
participantes, as notificações, como convite ao acesso constante.
Quando da utilização do smartphone pelo sujeito, ele pode não perceber essas
mediações de interesses mercadológicos permeando as funcionalidades desse dispositivo, que
cada vez se tornam mais complexas. Mas de qualquer modo, é uma adaptação que, se
administrada pelo sujeito de forma consciente e crítica, pode favorecê-lo em termos de
atualizações informativas e interacionais, ou prejudica-lo tornando-o escravo dos afetos
intencionalmente incitados de atração.
Temos que considerar que, nessa dinâmica de interconexão digital e presencial,
viabilizada principalmente pelos smartphones, a possibilidade de movimento é tanto física
quanto de investimento mental. No uso do celular pode transparecer que o sujeito está
estanque, inerte, quando na verdade está em constante movimento ao navegar na rede ou
utilizar seus dispositivos; mas agora não mais como ocorria com o computador, em um único
espaço, mas em qualquer meio em que o sujeito se locomova.

No caso do Facebook, tipo, redes sociais em geral, não fica restrito a, tipo,
um ambiente, tipo, minha casa, meu quarto. Acho que você tá num lugar
assim socializando com os amigos, mas ao mesmo tempo conectado muitas
vezes. (Larissa, Grupo 5).

O espaço da rede social digital, mediado pelos smartphones, é alheio e indiferente ao


espaço em que o sujeito está. Não importa onde se localiza fisicamente, pois naquele meio há
a conexão com outros espaços. A interação presencial é atravessada pela digital e ocorrem
simultaneamente. Ronaldo também deixa transparecer em sua fala a percepção de que esse
dispositivo representa extensão do próprio corpo do sujeito, o que pode ser melhor entendido
com a colocação:

[...] porque antes os celulares tinham menos design, menos cor, eram muito
grandes. E aí ele falava que o ser humano tinha que se interessar pelo que
tava ali. Então todas as transformações que ele fez no Iphone, no celular,
eram pra que ficassem mais a cara do ser humano. “Ah vou mudar o papel
76

de parede, deixar minha foto, deixar o que eu gosto.” Assim, pra deixar cada
vez o celular mais característico da pessoa. (Ronaldo, Grupo 2)

A capacidade de personalização desse dispositivo parece ter sido um ponto importante


para a identificação humana com essa pequena máquina. Cada um pode adaptá-la a seus
próprios gostos e individualidades, ao personalizar a cor, a foto da imagem de tela, ao ter
aplicativos que coincidem com os objetivos e interesses do sujeito. Representa, então, um tipo
de individualização que, paradoxalmente todos podem fazer e ter. Essa possibilidade de
adaptação, única para cada sujeito, é disponível a todos que possuem esse dispositivo, sendo o
processo de particularização algo compartilhado.
Essa mesma personalização é possível nas redes sociais digitais:

É duas coisas. Uma delas é: as redes sociais estão com um caráter muito
personalizado, você consegue agregar todos os seus interesses. Por exemplo,
no Facebook você curte as coisas que você quer ver, as notícias que você
quer ver, então é natural que a hora que você vai abrir, não é um site
qualquer, não é uma página qualquer, é uma coisa que você foi construindo
ali para você. Então é interesse atrás de interesse. Então você tá ali vendo
tudo que você gosta, lendo sobre o que você gosta, vendo só o que você quer
e aí realmente a gente tem essa tendência maior ainda de procrastinar, de
nem pensar em alguma coisa melhor pra gente fazer. (Natacha, Grupo 3)

Quando o sujeito cria perfil em redes sociais, como por exemplo, Facebook, faz a
personalização colocando fotos, informações pessoais, dentre outros. Mas não é só a esse tipo
de customização que Natacha se refere. Segundo ela, cada interação na rede vai contribuir
para o sujeito ter acesso a mais do mesmo, com pequenas variações. Por exemplo, ao seguir
uma página, a pessoa receberá conteúdos daquele assunto específico, que foi conscientemente
escolhido. Ela refere também que as curtidas contribuem para a apresentação de determinados
conteúdos, o que já envolve a interferência da plataforma em sugerir conteúdos similares,
assunto este de que trataremos mais detidamente mais adiante. Esse contexto digital, então,
não é aleatório, mas permite a construção do que é interessante para aquele sujeito.
Por outro lado, essa convergência de conteúdos ao gosto do sujeito que o acessa, pode
também ser limitante, conforme crítica de Cibele:

Eu li um texto que, assim, depois que o Dória foi eleito, assim, no primeiro
turno, isso foi um marco. Tipo, aí eu fiquei postando no Facebook que tava
triste né, falei que eu tava desolada, postando meme “São Paulo em
Chamas”. E aí, tipo, eu li um texto de uma amiga do Direito da São
77

Francisco que falava assim “Gente, a gente tá aqui no Facebook reclamando


não sei o quê, indignado e tal. É um espaço que a gente pode fazer isso? É.
Mas a gente tem que sair um pouco disso porque a nossa rede é muito
selecionada, assim.”. E eu fui perceber, é real isso. Que eu tava vendo os
posts dos meus amigos de esquerda assim, era minha timeline assim, que eu
sabia que as pessoas estavam concordando comigo. Tanto que tava tendo
curtida e eu falei “Ah, tá muito unilateral” sabe, não é esse Brasil que existe.
Esse é o... O Brasil do meu Facebook. A São Paulo, né, do meu Facebook.”.
E aí eu tava pensando “Nossa, é muito real. Porque se eu curti a página do,
sei lá, do Bolsonaro, eu acho que eu ia ficar bem chateada assim de ler várias
coisas assim que devem ser postadas lá, opiniões reais assim (...) (Cibele,
Grupo 3)

A experiência de ter acesso a conteúdos da afinidade do sujeito é agradável e atrativa,


gerando experiência prazerosa de pertencimento, de afinidade; mas, por outro lado, pode ser
prejudicial, se considerada somente como se apresenta, pois não representa a totalidade de
existências, podendo limitar o sujeito a uma visão restrita e ilusória de realidade.
O contato com ideias semelhantes é prazeroso, porém, paradoxalmente, pode ser
prejudicial ao sujeito. O capitalismo trabalha bastante com a questão do hedonismo, pois o
sujeito tem tendência à busca do prazer, da felicidade, da vida, mas nesse processo de busca,
pode ser presa fácil para a adesão de ideias fragmentadas e ilusórias, que não condizem com a
realidade que envolve a dialética entre prazer e dor, faces interconectadas e dinamicamente
entrelaçadas da realidade.
O sistema capitalista se aproveita dessa ilusória busca cindida pelo prazer. Claro que
isso não acontece só no âmbito da internet e das redes sociais, mas pode ser potencializado
com essa tecnologia, que, pelas diversas mediações que abarca, favorecem o distanciamento
do concreto.
A dor faz parte do processo humano de desenvolvimento e amadurecimento assim
como o prazer, seu par dialético. A busca cindida a uma única interface, não interromperá a
presença da outra, porém, fará com que o sujeito busque incansavelmente por uma felicidade
ideológica.
Nesse processo de mobilidade, atratividade e diversidade de informações viabilizadas
pelas tecnologias contemporâneas, o sujeito que reflete, pode perceber o quanto, na ideia de
liberdade e desenvolvimento de potencialidades, também está dialeticamente sendo
aprisionado:

Se você não desligar esse negócio aqui você não consegue se desconectar,
você fica 24 horas lá, olhando. [...] Sempre vai ter alguém, sempre vai ter
78

uma interação. Não é que você vai, assim, “Ah se eu mexer vai estar o
marasmo aqui”. Não! Vai ter gente, tipo, mexendo também. E se você não
mexe, parece que você não acompanha. Se você fica, sei lá, você vai viajar,
você vai ficar três dias e você fala “Ah não vou usar o Facebook...”, você
volta, assim “pá”, várias coisas que você perdeu. Você fala “Meu...”
(Sabrina, Grupo 3)

Tem uma sensação de exclusão, às vezes. Quando... é, no ano passado, meu


celular quebrou, assim, e eu não ia conseguir um muito cedo, assim, e eu
fiquei uma semana sem celular. Mais de uma semana acho que eu fiquei, sei
lá, umas quatro semanas, um mês sem celular. E aí eu não conseguia ver o
grupo da sala, ou seja, eu ficava “Meu Deus, o que que tem?”. Qualquer
mudança, qualquer combinado, eu ficava sem saber. Sabe, um pass...,
passeio... Um rolê assim que você ía marcar e tals. Então você fala “Meu
Deus, que horas que é? Onde vai ser? Se a galera miar... Se a galera não
fizer...” Você fica bobo, sem saber o que tá acontecendo. Assim, você tem
que ficar correndo atrás, assim... Às vezes eu ia pro computador, assim, mas
eu não fico muito em casa, tipo, tô sempre na PUC. Psico aqui é integral.
Então eu fico o dia inteiro aqui, nem sempre você tem computador. Então foi
o mês que eu fiquei mais dias, sabe, tipo... Ficar dependendo dos amigos.
Você gruda em alguém e aí você fala “O que que tá rolando aí nos grupos?”.
Aí é isso... (Cibele, Grupo 3)

A tecnologia da mobilidade e interação parece estar tão intrinsecamente enraizada no


cotidiano do sujeito que ele sente como penosa a desconexão. É um meio percebido como em
constante atualização, sem interrupções vinte e quatro horas por dia, independentemente de
questões de temporalidade tais como dia ou noite. Não acessar a rede significa, conforme as
verbalizações, não estar ciente das mudanças mais recentes. Causa insegurança, pois, a todo o
momento, trocas e interações estão acontecendo e, sem o acesso a esse meio digital, o sujeito
fica potencialmente desatualizado, parecendo representar risco de exclusão.

A gente tem um professor que ele fala assim, essas empresas como Google,
Omelete, que você tem pipoqueira dentro da empresa, você pode terminar o
trabalho em casa, ele fala “Foge, foge, porque eu tenho amigos que passam
final do ano na praia e não passam final do ano na praia, eles estão
trabalhando.” Porque é maravilhoso você ter a possibilidade de trabalhar a
partir do celular em qualquer lugar do mundo. Para mim que tô fazendo
jornalismo, jornalista faz muito freelancer, então eu posso realmente estar no
churrasco, mas estar trabalhando lá através... E eu acho que o smartphone
ele possibilita isso. No caso, eu tenho o Windows Phone, então tem toda
uma ferramenta de edição de trabalho que eu posso tá fazendo matérias, ou
seja, eu posso estar no evento de família, como já aconteceu, editando um
trabalho de faculdade. Posso estar nas minhas férias e, ao invés de estar
79

curtindo o sol e o calor, eu estou ali preso nas redes sociais fazendo um
trabalho via smartphone. Então, ao mesmo tempo que liberta, porque você tá
na rua, você tá longe da sua família e você consegue falar com ela. Mas
também aprisiona, porque você perde a noção do que é trabalho, do que é
hora de estudar. Você mistura com a sua hora de lazer, você perde não só a
noção de tempo, mas a noção do que fazer em determinado tempo e espaço.
(Sandra, Grupo 3)

A superação de limites espaço-temporais é reconhecida como liberdade e


aprisionamento, conforme já mencionado. Mais especificamente em termos profissionais, a
mediação tecnológica móvel somada a ferramental avançado proporcionou a possibilidade de
trabalhar para além de espaço e tempo circunscritos, em constante movimento, além de
aproximar pessoas distantes. Por outro lado, dificulta-se a noção de limite laboral, estando o
sujeito constantemente em potencial ação.
Segue outra percepção de benefício da plataforma:

Porque a gente sabe que o Facebook é uma plataforma muito, é... Com muito
acesso. Então as pessoas estão meio que se desdobrando para entrar nessa
plataforma, né. Então é tanto um padre, quanto o dentista, quanto um
psicólogo, não sei. Então tá todo mundo querendo entrar sim cara, “Vamos
tentar puxar gente, clientes de lá”. Então, talvez essa imagem possa remeter
a isso, como as pessoas tão entrando de cabeça no Facebook porque é onde
tem gente né, é onde tá todo mundo 24 horas do dia praticamente.(Luciana,
Grupo 4)

A partir do momento em que a tecnologia móvel estendeu seu uso à população,


transformou relações e concepções, levando o sujeito não só a se perceber como ser que
usufrui dessa tecnologia, mas que contribui com o aprimoramento e continuidade dela, assim
como depende dela para diversas tarefas cotidianas. Sua percepção e aproveitamento da vida
diária foram impactados, e ele se percebeu como dependente do que antes parecia ser
controlador. Então, por mais que perceba riscos e questões prejudiciais do uso, sua adaptação
e adesão também vão trazer ganhos, tanto que inclusive profissões estão percebendo formas
de benefícios nesse ingresso, cuja exclusão pode significar estar atrasado e desadaptado,
coincidindo com afetos anteriormente mencionados quanto ao não acompanhamento da
atividade tecnológica.
Conforme podemos identificar, uma grande sacada da indústria tecnológica para a
atratividade de seus novos recursos foi a capacidade de personalização, estendida para os
80

smartphones e para as redes sociais digitais, conforme identificado nas falas dos participantes.
Interessante percebermos a dialética entre a sensação de individualidade gerada, para funções
que são coletivas.
A apropriação de recursos e mídias pelos sujeitos, concentrados nos smartphones,
favorece, ainda, essa personalização do próprio dispositivo. Também as redes sociais são
favorecidas em termos de manifestações diretas dos sujeitos, mas temos que estar cientes de
que a diferenciação vai além, pois os algoritmos que regem o sistema identificam ações nesse
meio e encaminham conteúdos de provável interesse do internauta (KIRKPATRIK, 2010;
ASSANGE, 2013).
Referente a essa concentração de estímulos condizentes com os gostos dos sujeitos,
houve percepção de que pode favorecê-lo ou prejudica-lo. Por um lado, contribui para a
sensação de prazer, pois o sujeito se percebe rodeado de estímulos agradáveis e pessoas com
interesses comuns, contribuindo inclusive para a sensação de pertencimento. Por outro, cria
realidade ilusória, por não abranger outros pontos de vista.
Podemos aqui refletir a respeito do mito de felicidade colocado por Gontijo (2009) e
toda a ideologia construída para que os sujeitos continuem contribuindo para a manutenção do
consumo desenfreado que alimenta o capitalismo. Pensando na busca do prazer imediato, de
modo irrefletido, é confortável ao sujeito só se ver rodeado de informações que o agradam,
mas isso realmente pode limitá-lo se não usado de modo refletido. Pode acabar passando
tempo em demasia nesse espaço, assim como ficar com visão mais restrita de mundo,
facilitando manobras.
A esse respeito, temos que considerar que as transformações tecnológicas que
propiciam mobilidade, são atrativas e são compostas por gama farta de conteúdos, têm
também seu par dialético de aprisionamento. Ter a consciência crítica disso é perceber os
ganhos, as potencialidades desse uso, mas também outras questões que paradoxalmente
podem proporcionar a dependência e consequente poder de dominação do que na verdade
deveria ser utilizado enquanto instrumento.
Foi comentada a angústia, sensação de desadaptação e atraso gerados pela
impossibilidade de uso desse aparato tecnológico, correspondendo a estar desatualizado de
suas constantes mudanças, como se estivesse excluído. É como se além de sua rotina
cotidiana, o sujeito tivesse que estar a par de todas as transformações que constantemente
ocorrem no meio digital.
Outros ganhos e perdas identificados quanto à superação espaço-temporal referem-se
ao trabalho, mais especificamente quanto à liberdade de poder trabalhar independentemente
81

do espaço físico, visto que seu ferramental é móvel e a internet garante o contato necessário;
mas, por outro lado, ter que estar sempre potencialmente disposto a tal, pode criar situações
em que vivências presenciais podem não estar sendo aproveitadas, pelo atravessamento de
atividades de outros âmbitos.
Temos que considerar, entretanto, que os sujeitos são seres ativos, com poder de
transformação do que é previamente projetado, podendo promovê-lo ou redirecioná-lo, o que
vai gerar tensão da outra parte de também agir de forma a manter o que foi transformado ou
de realizar nova manobra.
Temos que considerar que, até o desenvolvimento da tecnologia móvel, era
reconhecidamente clara a divisão entre meios online e offline. Conforme já mencionado, com
o computador, o uso da rede ocorria em determinado espaço, estanque e delimitado, e a
interação com outros poderia envolver aspectos imaginários e criativos, sem necessariamente
condizer com a realidade presencial, visto haver poucos recursos de interconexão entre esses
meios e ferramentas, de checagem da veracidade das falas dos sujeitos.
Porém hoje, com as diversas funcionalidades convergentes nos aparelhos móveis,
aspectos cotidianos são facilmente colocados na rede, tais como imagem, voz, vídeo, etc. A
rede social se aprimorou com esse desenvolvimento, agilizando a troca de conteúdos
interativos nessa plataforma. Mudou então a forma de encarar a rede, agora mais fluida e com
interatividade que exige maior representatividade do sujeito em termos de realidade
presencial. Mas como será que os sujeitos percebem a relação entre esferas digital e
presencial? A seguir colocamos algumas significações encontradas, que analisaremos sob esse
olhar:

Porque todo mundo acha que a rede social é, tipo, uma vida real, né. (Luana,
Grupo 6).

Luana por exemplo compreende a rede social digital como instância separada da vida
presencial cotidiana. Sua percepção parece ser de que essa esfera não deve ser tão levada a
sério, generalizando que essa é a visão de todos, mas problematizando que não é tão
representativa quanto as ações presenciais.

A gente vê também pessoas que se libertam pela internet, pela rede social
[...] É diferente, vai de caso para caso, de pessoa para pessoa. [...] Assim, a
gente vê pessoas que sofrem bullying na vida real e só conseguem conforto
ali na vida virtual, né, conseguem com força sair... Que nem eu falei, sair do
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pesado do dia a dia, do sofrimento do dia a dia para se libertar na internet né.
Conseguir se distrair, conseguir... Uma forma de distração, libertação pra
algumas pessoas. (Maria Eduarda, Grupo 1)

Podem ter pessoas que tenham mais dificuldade sim de se associar no meio
social, de ter amigos, que precisam ficar mais tempo no Facebook porque
talvez seus amigos estejam mais lá do que na vida real por exemplo.
(Ronaldo, Grupo 2).

Maria Eduarda e Ronaldo compartilham a ideia de outra instância, mas no sentido de


superação, como se fosse um meio onde o sujeito pode se refugiar e se libertar de dificuldades
cotidianas e arrumar amigos. Mas se formos refletir, ainda hoje, o sujeito pode criar perfil em
rede social ou mesmo acessar a internet como meio paralelo, de fuga, apesar de cada vez mais
recursos dificultarem essa forma de uso. Podemos reparar que essa participante relaciona ao
termo virtual afetos de leveza, tranquilidade, conforto e liberdade enquanto à vida presencial
afetos de sofrimento.

É muitas vezes essa questão de [...] você se manter no mundo virtual tá tão
presente em você, porque a pessoa tá do seu lado e você tá conversando com
ela no celular. Então... E você não tem a capacidade de olhar na cara da
pessoa e falar com ela pessoalmente. Então... Mas isso tá se tornando cada
vez mais comum. (Bruno, Grupo 2)

Eu acho que a gente também tem que saber dosar, né? A gente tem que
dosar o tempo que a gente... Às vezes a gente passa muito tempo na frente da
tela do computador, na tela do celular. Saber dosar essa... Limitar um pouco
também, porque tem outras formas de se comunicar, de se... De ver o que tá
acontecendo no mundo. A gente também pode abrir a janela, ver o que tá
passando na rua, ver o que tá acontecendo ao nosso redor também. Que tem
ao nosso redor, não só em frente à tela. (Maria Eduarda, Grupo 1)

Já nessas falas, aparece a importância de dosar o foco e o tempo investidos em


interações presenciais e mediadas tecnologicamente. As verbalizações ressaltam dicotomias
entre esses espaços, de modo que temos que considerar que cada um possui suas
particularidades, e a informação e a comunicação não estão só na internet, mas no âmbito
presencial e próximo do sujeito também.
Em contrapartida, Maria Eduarda critica a valorização que é feita ao que é presencial
em detrimento da esfera digital:
83

Eu vejo como desvalorização das redes soc... Da tecnologia, que é “Ah, sai
do Face, vai ler um livro, vai fazer outra...”. Eu acho que eu vejo como uma
desvalorização, como se tudo que as pessoas vissem ali no computador fosse
inútil e só aquilo que tá no papel fosse mais importante, valesse mais, fizesse
a pessoa mais intelectual. Eu vejo assim, como uma desvalorização da
tecnologia, colocar como se fosse mais importante ler um livro. Eu vejo
assim. (Maria Eduarda, Grupo 1)

Cada meio carrega proveitos e prejuízos e a participante critica a valorização de um


em detrimento de outro, mais especificamente, do meio presencial ao digital. Compreende que
essa visão dicotômica é um engodo, uma generalização de senso comum que não abarca a
potencialidade desse meio.
Ainda em termos de análise de cada esfera, os participantes colocaram:

É justamente por a gente num tá falando com outras pessoas, tá só ali em


uma tela de computador, isso também minimiza um pouco da humanidade,
né. (Ronaldo, Grupo 2)

Muitas vezes você perde essa habilidade de lidar com a pessoa. Você... Tem
um momento em que você tá tão focado no mundo virtual que você fala “Ah,
vou ter que falar com determinada pessoa, nossa, como que eu vou agir?”
Você perde essa habilidade de saber como agir e saber como o que falar, [...]
(Bruno, Grupo 2)

Eu acho que o contato e o apoio e o acolhimento é muito menor pela rede


social do que um acolhimento que eu poderia fazer com você, tipo, aqui
fisicamente, né. (Nicole, Grupo 4)

A experiência no meio digital, mediada tecnologicamente, muda a relação humana


pela distância interativa. Esse afastamento favorece a sensação de proteção, assim como
diminui a sensibilidade humana em termos de acolhimento e apoio, na percepção de Nicole.
Ainda, Bruno refere que, a fixação no âmbito online pode prejudicar interações face-a-face,
pela inabilidade do sujeito de lidar com o outro presencialmente. Mas temos que refletir que,
essa separação extrema não é comum. A não ser que o sujeito se tranque em um aposento e se
isole, a interação entre os meios digital e presencial ocorre simultaneamente. Difícil conceber
relações ocorrendo unilateralmente, em uma única esfera.
Ainda em termos de afeto quanto ao uso da rede, Francisca colocou:
84

É chegar ao ponto de representar tanto a pessoa que tipo... É... Representa


sabe, internamente ela, não fisicamente. Então ela não vai sofrer aquelas
consequências. [...] Como se fosse uma outra imagem. (Francisca, Grupo 2)

Podemos refletir que a distância proporcionada pela mediação traz outra sensação ao
sujeito, outro nível de percepção representativa, correndo o risco de se esquecer de que aquele
meio é interface da realidade cotidiana e presencial. Por mais que possibilite outro nível de
experiência, ainda assim está conectada a essa esfera.
Referente ao distanciamento e de consequente sensação de proteção viabilizada pela
intermediação tecnológica, foi apontada percepções quanto ao aumento de coragem nas
interações realizadas nesse espaço:

Uma coisa que a gente ouve muito, né, porque na internet as pessoas se
sentem mais corajosas para falar as coisas, mas na vida real não falam. [...] O
contato pessoal é diferente do que o contato na rede social. [...]
Principalmente para criticar, né, as pessoas se sentem mais confortáveis para
criticar na internet do que pessoalmente. (Maria Eduarda, Grupo 1)

[...] por exemplo, se você pensa que a pessoa vai discordar de você, eu acho
que ela não vai falar isso na sua cara. Ela vai postar no Facebook, ela vai
falar isso pela internet. Né, eu acho que não é só pessoalmente, mas as
pessoas também estão evitando conversar ao telefone. As pessoas estão...
Preferem conversar por mensagem do que conversar por telefone ou até
pessoalmente. Isso vai desde casos sei lá... De términos de namoro por redes
sociais, até casos de discussão, de briga. Né, então eu acho que tá
acontecendo isso, talvez uma desumanização das relações, assim, de reação
né. De discordância de, me sentar e conversar. Preferem ser virtualmente.
(Ronaldo, Grupo 2)

Sim, muitas vezes essa questão de coragem, por exemplo, uma pessoa ela é
tímida ou na realidade, na vida real mesmo ela não... Ela não interage com as
pessoas, [...] Só que é... Na internet ela fala tudo. Então é uma ferramenta
pra ela se expressar melhor. Porque na vida real ela sente medo. Então é esse
paradoxo da... atrás da internet você é corajoso e na vida real é o extremo
medo. Então fica meio que nessa dualidade eu acho. (Bruno, Grupo 2)

Pode servir como uma coisa no sentido de a pessoa não consegue apresentar
o trabalho, não consegue ir lá na frente e assumir uma posição. Mas pela
internet sei lá ela escreve texto, então tem esse lado positivo, querendo ou
não. (Francisca, Grupo 2)
85

Dessas falas percebemos maior facilidade de expressão e posicionamento dos próprios


pontos de vista através da mediação tecnológica, principalmente no que se refere à realização
de críticas aos outros. Há a concepção de que o contato presencial e mediado
tecnologicamente é diferente, sendo que a tomada de posicionamentos e a realização de
críticas aos outros são percebidos como mais fáceis de serem realizados através da
intermediação, principalmente através de recursos de texto, assim como a expressão de modo
geral, como mencionado por Francisca no exemplo da dificuldade de apresentar trabalho
presencialmente, mas poder concretizar de modo indireto potencialidades que o sujeito tem
dificuldade de transmitir de forma direta.
Por outro lado, a comunicação direta facilita a resolução de mal-entendidos que
porventura possam ocorrer durante o diálogo, visto haver vários recursos visuais de apoio
para a interpretação do que o sujeito quer transmitir (expressões não-verbais), como a
possibilidade de feedback instantâneo do que está sendo apreendido.

Tipo, me posiciono aqui pessoalmente, roda de conversa, que eu consigo...


Você, tipo, ouvir o que a pessoa tá falando e consigo ser interpretada menos
erroneamente do que se eu fosse escrever um texto que depende da leitura da
outra pessoa. Então, tipo, pra me posicionar sou muito mais com pessoas que
eu converso e com tato-a-tato do que... (Larissa, Grupo 5)

Já a escrita não abarca a comunicação não-verbal, tais como expressões faciais, tom de
voz, etc. Caso o sujeito queira demonstrar seu afeto, pode utilizar emoticons ou mesmo
descrevê-lo, o que ocorre de forma intermediada, de outra forma representativa que não a
direta.

Você olhar e realmente saber conversar com a pessoa e meio que sentir o
que a pessoa tá sentindo na sua fala. Então tem muito essa questão também
de “Ah, vou falar no celular porque eu vou estar mandando uma mensagem e
eu não vou estar...” A pessoa não vai tá expressando o sentimento dela. [...]
Sei lá. Eu acho que pra mim é uma forma mais fácil, então, é uma forma
bem mais fácil de lidar com a pessoa falando no celular, porque você não
precisa expressar sua entonação em voz, é tudo uma mesmice. Então fica
nessa. (Bruno, Grupo2)

Pensando nesse sentido, em termos de expressão, a tecnologia pode favorecer relações


mais congruentes com as percepções do próprio indivíduo, visto que facilita posicionamentos
em função do afastamento físico do outro. Também fica mais fácil a manipulação da conversa
através de texto, visto que o sentimento não fica expresso e nem claro de forma direta.
86

Por outro lado, assim como mencionado por Ronaldo, as pessoas podem evitar o
contato presencial para conversarem sobre assuntos sérios e conflituosos, preferindo o meio
digital, visando o afastamento da dor e do contato com o sentimento do outro, como em casos
de término de namoro e discussão. Busca a resolução rápida, sem grandes mobilizações.

É que falando por celular você evita de ter que lidar com a pessoa. Vai,
igual, você, sei lá, vai terminar o namoro. Você termina pelo celular, daí
você vê que a pessoa vai reagir, você só bloqueia ela e acabou. Você não vai
ter que lidar com esse problema. É aquilo e ponto. Você não vai ter que
conversar ou explicar pra pessoa, sei lá, ter o trabalho de esboçar alguma
coisa, se a pessoa vai te julgar errado por um gesto ou uma coisa assim. É
aquilo e acabou sabe. Você não vai ter que lidar com o resto. (Francisca,
Grupo 2)

Na fala de Francisca, percebemos a relação com a internet como meio de resolução


mágica de situações embaraçosas e difíceis. Não há necessidade de dar explicações, de
conversar. Por outro lado, ela não refere como fica a comunicação com esse sujeito,
considerando a interface entre meios digitais e presenciais, pois caso conviva com ele, há altas
chances de vê-lo presencialmente em algum momento e tê-lo que encarar.
Ainda refletindo em termos de percepção nos âmbitos digital e presencial, no contato
intermediado, devido à distância entre os interlocutores e impossibilidade de apreender seus
sentimentos de modo direto, diminui a empatia e consequentemente a influência interpessoal e
nos modos de expressão:

[...] pessoalmente você vai ter muito mais influência, as duas pessoas vão
ter. E por mensagem, não necessariamente. (Francisca, Grupo 2).

Tipo, eu tinha um amigo que ele era muito suave assim. Ele era muito
tranquilo e tal. A gente ia nas festas, tinha aula com ele e assim... Na rede
social ele era muito monstro, assim. Eu falava “Meu, que que aconteceu né
velho... Que que tá falando?”. Tipo, quem é essa pessoa que solta essas
coisas que a gente não sabia, assim, tipo... Num grupo que tem...A gente
tinha amigos que tipo, a gente tinha um casal gay no nosso grupo assim, dois
caras. E aí ele soltava umas coisas homofóbicas que tipo... “Oh meu, por que
você não fala isso na frente do [Miguel] então que tipo... Que é um dos
caras, sabe?”. Porque é seu amigo tipo. E a gente não entendia muito bem
isso. E tipo, essa coisa de estar distanciado também às vezes é bom, porque a
pessoa se sente um pouco mais confortável, um pouco menos, sabe... Aquela
coisa do grupo, aquela pressão. Às vezes você consegue fazer a denúncia
que você precisava fazer e tudo mais. Ou às vezes você tipo... Vira um
monstro, tipo um monstro. Você mostra sua face que a gente fala... “Não faz
87

sentido nenhum você estar fazendo isso sabe”. Tipo, que identidade é essa?
(Cibele, Grupo 3)

Na fala de Cibele notamos a polarização de expressão entre os meios digital e


presencial em termos de posicionamento, mais cordial no contato direto com outros, porém
irrefletido, impulsivo e inclusive ofensivo pela intermediação tecnológica. Essa forma de agir
dicotômica parece não transparecer consciência da conectividade entre os espaços, assim
como das consequências que podem decorrer das expressões na rede.
Mas a questão que se coloca é como os sujeitos lidam com a conexão entre os espaços
digital e presencial, que na contemporaneidade estão cada vez mais híbridos, visto terem
características diferentes e viabilizarem outras percepções?
Até o momento notamos que há pessoas que possuem mais ou menos consciência
desses atravessamentos. Em termos de elaborações sobre esse assunto, foram colocadas:

Eu sinto que tipo, o mundo virtual não deixa de ser uma ramificação. Tipo,
ele continua sendo vida real, então, tipo, se uma pessoa curte uma página
homofóbica, por exemplo, no Facebook, tipo, eu não vou querer um contato
com ela. Tipo, na real, porque eu sinto que a internet e a vida real, tipo, são a
mesma coisa. Porque a internet é a vida real. E eu sinto que a gente tem
muito essa ideia de que online as coisas que a gente faz é uma outra
realidade e tipo... Não é, é a mesma realidade. Tudo o que você vai fazer
online tem consequências na vida offline, porque tipo... Tudo isso é vida real
e tipo, tudo o que você faz é você fazendo.(Fabiane, Grupo 3)

Tem que ter esse cuidado com o que você faz ali na rede. Tem gente que não
pensa que é uma continuação da sua vida, embora digital, mas é uma vida
real. E as pessoas às vezes confundem e acha que ali vive um personagem às
vezes, entendeu, se confunde muito. (Sabrina, Grupo 3)

Eu lembrei de um fato da onde a minha irmã trabalhava, uma colega dela


faltou, não estava afim de trabalhar, faltou. Foi no médico e tudo, mas aí
depois, logo em seguida, ela postou uma foto no Shopping, lá no
McDonald's. Aí o que acontece, a empresa ela controla, e aí a chefia viu e
falou “Ué, você tá doente e tá no shopping, não tô entendendo”. E aí ela foi
mandada embora. (Sabrina, Grupo 3)

Tanto Sabrina quanto Fabiane compreendem que a representação na rede é real, traz
consequências para o cotidiano e as relações presenciais, pois os espaços se ramificam. Então
o sujeito deve ter cuidado sim com o que coloca, pois inclusive relações de amizade podem se
88

basear no tipo de conteúdos postados, assim como relações de trabalho podem se tornar
desastrosas, conforme exemplo colocado por Sabrina.
Quanto a proveitos da interface entre meio presencial e digital, foi colocado que:

Ao invés de você apresentar um trabalho presencialmente, você faz um


vídeo e apresenta pra sala, por exemplo. (Ronaldo, Grupo 2)

Se o sujeito percebe que tem dificuldade de se expressar, pode reunir recursos de


mídia para favorecê-lo em sua experiência cotidiana e não se concentrar em um único espaço.
A tecnologia também pode servir para a fuga de situações cotidianas enfadonhas:

E é meio que uma forma de você fugir às vezes, sabe, por exemplo, uma aula
chata que que você vai fazer? Você vai mexer no celular. (Ana. Grupo 5).

Também podemos refletir que o acesso à rede pode viabilizar o desvio de situações
embaraçosas ou mesmo de insegurança, em que, por exemplo, o sujeito não conheça ninguém,
alterando a forma de vivência dessas situações.
O aproveitamento cotidiano pode estar relacionado ao sujeito juntar-se a outros para
reivindicações, o que é potencializado por recursos tecnológicos contemporâneos:

Eu faço parte de um coletivo e... Um coletivo feminista. E às vezes a gente


promove umas ações e a gente joga essas ações no Facebook mesmo. Então
pra quem quiser ir, fica sabendo por lá. Na verdade eu acho que é o único
meio que a gente usa assim ou WhatsApp, então muito dos encontros que a
gente já fez, tipo roda de conversa, essas coisas, elas começaram lá e elas
foram pra a prática por causa de lá. (Ana, Grupo 5).

É... Não, eu acho que o Facebook é uma ferramenta boa tanto pra você se
manifestar, por lá mesmo, mas também pra você mobilizar a galera e, tipo, ir
pra rua. Pelo menos nas últimas manifestações eu acho que foram
movimentos que começaram na internet, né. Não sei se é tão fácil de levantar
tanta gente assim... Fora assim né. (Marcelo, Grupo 5)

A divulgação de ideias e o encontro de grupos são potencializados na interface entre


meio digital e presencial, complementando-se para a concretização de ações, transformando
essa experiência em termos de aproveitamento do dia.
Percebemos que há participantes que percebem o atravessamento entre as esferas
digital e presencial e outros não. Quanto àqueles que têm uma perspectiva dicotômica, o meio
89

digital é atrelado à ideia de leveza, de tranquilidade, de fuga do sofrimento. Houve a


justificativa de que a configuração dessa tecnologia favorece esse tipo de percepção, pois a
mediação possibilitada pelo instrumento muda a configuração de contato, que envolve
distanciamento, favorecendo a sensação de proteção e, paralelamente diminuindo a empatia e
ações de acolhimento.
Apesar de a esfera digital proporcionar outro nível de experiência em termos de
representação, através de suas diversas funcionalidades, está inevitavelmente conectada ao
mundo presencial, havendo constantes transposições de um sobre o outro. O sujeito já está
vivendo a articulação entre essas esferas, com a segurança de se locomover e a potencialidade
de onipresença, com a possibilidade de acessar diferentes espaços independentemente do
âmbito territorial em que esteja, em que a sincronia temporal também não é necessária. Essa
sensação de conexão fluida e nômade pode estar clara para alguns e não para outros, assim
como as consequências e responsabilizações de ações nesse meio. Mas, independentemente
disso, ela existe, e impacta em toda uma configuração sócio-histórica-econômica existente.
Os participantes fizeram colocações sobre as potencialidades e prejuízos de cada
esfera, a partir das quais podemos refletir. Por um lado, quanto ao meio digital, é mencionada
a sensação de proteção proporcionada, que facilita a expressão de posicionamentos e críticas,
assim como a demonstração de potencialidades para aqueles mais tímidos, pela própria
configuração que diminui a empatia e influência pessoal. Foi referida a facilidade de
comunicar assuntos delicados e sérios pela intermediação, principalmente de meios textuais,
para evitar o contato com a dor do outro e reações desagradáveis. Percebemos nesse último
exemplo a tecnologia sendo usada como fuga da dor, do que incomoda, o que pode
representar tanto a assimilação da ideologia hedônica quantos seu fomento.
Por outro lado, apontam que nada substitui o contato presencial para a compreensão
mais exata do outro, visto que o contato direto viabiliza apreender estímulos não-verbais
como aparência, voz, expressão facial e corporal (GROSS, 2013), assim como o retorno
instantâneo do interlocutor quanto ao que está compreendendo do diálogo, evitando mal-
entendidos.
Houve também posicionamentos demonstrando a consciência das ramificações
tecnológicas no cotidiano. Consciência de que o posicionamento na rede pode interferir nas
relações de trabalho, assim como ideias e reivindicações podem ser divulgadas e
potencializadas no meio digital, sendo assim concretizadas e transformando a realidade como
um todo.
90

Temos que considerar que o uso da rede social para esse fim, de agrupamento de
pessoas para a defesa de ideias, segundo Kirkpatrick (2010), não foi projetado pelo
idealizador da plataforma Facebook, mas foi uma potencialidade percebida pelos internautas
durante o uso do feed de notícias, dando novo sentido à ferramenta. Percebemos nesse
exemplo uma possibilidade de atuação social pela apropriação das mídias, desafiando os
especialistas da comunicação.
Então, com a evolução tecnológica, fica mais desafiador também a manutenção de
configurações sociais e de ideologias, assim como a atração do público que, com o acesso a
vários serviços, ganhou voz e aumentou sua potencialidade em ações coletivas. Configura-se
diariamente, então, uma tensão entre a manutenção do status quo e novas reações da
sociedade, que se apropria dos recursos da mídia para transformá-la.
De modo geral, identificamos transformações na percepção do mundo e do dia,
decorrentes dos atravessamentos tecnológicos. Com a mobilidade e borramento de fronteiras
possibilitados pelo uso dos smartphones, mudam-se as noções de tempo e espaço. Há aqueles
que têm mais consciência sobre essas transformações e outros menos, de acordo com as
vivências de cada um e dos impactos vislumbrados.
Aquele tempo ocioso do caminho, já é investido em ações na rede, que, por sua
característica de infinidade e realimentação de conteúdos, assim como de reunião de assuntos
atrativos ao sujeito, de forma personalizada, o prendem, quase que de forma hipnótica,
garantindo a sensação de fluidez do tempo, sem que perceba, transcorrendo de modo
frenético.
As tarefas cotidianas, dentre as quais trabalho e estudos, continuam, e as tecnologias
contribuem em sua complexidade, mas também desafiam o sujeito a lidar com os
atravessamentos interacionais do meio digital, constantes e em crescente transformação,
quando em atividades que exigem sua atenção.
A tentação de acessar a rede é frequente. Está nas notificações, que chamam para o
dispositivo, nas atualizações, que são incessantes, gerando para aqueles que não podem
acessá-la, angústia e sensação de exclusão. Seu trabalho agora, em termos de dispensa de
energia, é constante, pois no movimento de deslocamento também está sendo demandado para
a atuação digital.
São geradas diversas percepções paradoxais: mergulhar no prazer das ideias afins
reunidas nas plataformas das redes sociais digitais ou entrar em contato com a realidade, que
inclui posicionamentos contrários? Deleitar-se com o prazer imediato, ou fazê-lo de modo
refletido e consciente das possíveis consequências? Aceitar a díade liberdade e
91

aprisionamento? Manter o status-quo ou se impor dando novos usos à ferramenta? Aproveitar


a sensação de proteção para se posicionar ou para resolver conflitos de modo a evitar a dor do
outro?

Núcleo 3 – “Você se organiza, melhora a questão da distância – sobre relações”

A interação remete a diálogo, contato entre pessoas que se influenciam mutuamente.


Na contemporaneidade, como viemos discutindo, os dispositivos de mediação tecnológica,
com destaque aos smartphones, que convergem diversas mídias e recursos em um único
dispositivo, são mediações importantes na interação. Em termos de relações sociais, existem
as redes sociais digitais, que concentram diversas formas de interação e são potencializadas
pelos recursos concentrados nos celulares móveis. Posto isto, um dos aspectos que
observamos nas falas dos participantes foram as significações a respeito dos recursos
interativos das redes sociais digitais e a forma como se apropriam deles.

Ai eu curto só, tipo, muito evento, porque parece que agora você só sai de
casa, tipo, porque tem evento no Facebook. Porque não dá para você
descobrir nada, tipo, festa, tipo, evento cultural essas coisas. Tá tudo lá.
Então tipo... É meio assustador assim. [...] Mas eu entro basicamente por
causa de evento, porque parece que todos os eventos estão lá e é muito fácil
porque tem o horário, tem tudo. Você se organiza muito por lá. Eu acho isso
ótimo, eu acho muito bom. (Fábio, Grupo 4)

Por exemplo, eu acho que é muito difícil, sei lá, você ficar sabendo das
coisas, sei lá, show, manifestação, qualquer coisa que não fosse por evento
de lá. Eu acho que isso até chega a ser ruim um pouco. (Larissa, Grupo 5)

Você consegue ver quem vai no evento. Se é uma festa, por exemplo, você
não quer ir numa festa que vai um pessoal nada a ver com você né. Então...
E outra coisa também é que eles colocam o lugar e o lugar, se você clicar, já
coloca no seu GPS. Então, tipo assim, não sei como é que faz para chegar lá.
Em vez de, sei lá, pesquisar, não, você só clica lá que ele já te coloca no GPS
e ele vai embora. É mais fácil. (Luciana, Grupo 4)

O legal de evento também é que tipo, uma pessoa confirma,


automaticamente os amigos dela já vem e aí tipo... E aí dá uma... Expande
né, expande a visualização sobre isso. (Larissa, Grupo 5).
92

Eu acho que eu tô no Facebook assim, só por esse motivo que ele falou,
sério, porque eu não tinha Facebook até pouco tempo. Eu era a única pessoa
do mundo que não tinha Facebook, assim, e aí eu acabei criando por isso
assim. Primeiro porque eu esquecia aniversário, então o Facebook ajuda
nisso, e por que as pessoas convidam tipo pra evento, pra festas, tipo, coisas
que vai ter só pelo Facebook assim. (Sofia, Grupo 4)

Às vezes você confirma no evento e já tem um relacionado. Então se você


gosta de uma coisa você já tem, tipo, pelo menos mais três que são parecidos
e que você pode gostar também. Então é boa essa troca, tipo, eu acho
maravilhoso, eu não posso reclamar. (Fabio, Grupo 4)

Dentre os recursos existentes no Facebook, houve destaque para os eventos, que


demonstram facilitar a participação dos sujeitos, porque reúnem todas as informações
necessárias para a sua organização, tais como local, horário, pessoas que irão comparecer, o
trajeto a ser seguido para chegar ao destino pelo intermédio de tecnologia GPS. Além disso, a
própria plataforma sugere eventos afins, recurso que parece ser apreciado. É inegável a
facilidade e a comodidade que a convergência dessas informações em um único espaço
proporciona, além de eficiência, pois antes do desenvolvimento desses recursos, cada etapa
exigia tempo para execução, como por exemplo, divulgar o evento através de outros meios de
comunicação mais lentos, confirmar em outro momento a presença, o endereço trajeto teria
que ser procurado à parte, etc.
Por um lado há essa facilidade de reunião e organização. Por outro, isso parece
preocupar alguns, pois a plataforma acaba concentrando toda essa funcionalidade e, para o
sujeito estar ciente e incluso sobre eventos, tem que necessariamente ter um perfil na rede
social, o que ocorreu com Sofia, que só se inscreveu nessa plataforma por esse motivo.
Outro recurso interativo são as marcações:

Não, marcar em comentários pra pessoa ver aquela notícia ou aquela


imagem daquele vídeo... (Ricardo, Grupo 6).

A marcação não tem jeito... É o único motivo de eu ter Facebook, é isso, é


pra eu poder marcar, tipo, a minha prima em tudo. (Helena, Grupo 6).

É, muita notícia você vê que tem 1.000 comentários. Você vai lá nos
comentários, é tudo nome de alguém que a pessoa marcou a pessoa pra ela
ver a notícia no comentário da notícia. Isso enche o saco, eu quero ler
comentário da notícia, só tem nome de pessoa. (Luana, Grupo 6).
93

Marcar alguém significa escrever o nome da pessoa nos comentários de determinada


publicação que deseja que ela olhe, para ela ser notificada a respeito e acessá-la. É um recurso
que torna mais rápida a visualização de conteúdos sugeridos. Pela fala de Helena e Luana,
parece ser mecanismo bastante utilizado, pois, por vezes, domina o espaço de comentários.
Foi citado também o check-in:

Tenho um exemplo que alguém da minha família sempre faz check-in em


todo lugar que vai, sei lá “Tô viajando pra tal lugar hoje, fiz check-in, tô
numa padaria fiz check-in, tô indo pra não sei aonde” faz check-in. É, tipo,
desnecessário, muito, e até perigoso. (Ricardo, Grupo 6)

O cara vai lá, monitora a sua rede social e sabe aonde você tá exatamente.
(Amanda, Grupo 6).

Essa ferramenta do Facebook envolve a publicação da localização presencial do


sujeito, através de tecnologia GPS, para a rede de contatos. Na fala de Ricardo, a utilização
desse recurso é percebida como desnecessária e de exposição desnecessária.
Complementando, Amanda, referiu o receio de monitoramento por terceiros, que pode ser um
risco.
Por outro lado, consideram que a plataforma, através de seus diversos recursos,
proporciona e facilita a aproximação de pessoas distantes fisicamente:

Eu não usava, eu comecei a usar. Eu não tinha aparelho celular. Ninguém


acreditava em mim, eu não tinha mesmo, porque eu não queria.[...] Só que...
Porque meu filho tá longe, não tá morando aqui em São Paulo, nem meu
marido. Então tô aqui e eles ficavam reclamando da comunicação, que era
difícil, porque eu não tinha celular. E eu não queria ter mesmo. Aí o meu
esposo falou “Não, vou te dar um celular”. Ele que comprou e me deu, falou
assim “Não, pra gente se comunicar”. Por que eles estão lá em Foz do
Iguaçu, então, a gente se comunica muito por vídeo. Isso, assim, melhora a
questão da distância, do sofrimento. Porque antes eu estava entrando em
depressão, já pensando em desistir de ficar aqui, voltar. E aí a gente começa
a se comunicar todo dia pelo WhatsApp, por vídeo, isso ajuda. Só por isso.
Mas só que eu também ando me pegando... Já ficando viciada nesse negócio.
Porque antes eu falava para minha irmã “Nossa, você só fica nesse negócio
aí dessas redes, abandona isso daí” e agora quando eu vejo ela fala assim
“Nossa, você só fica nessas redes, abandona isso daí”. (Sabrina, Grupo 3)
94

Eu acho que eu tenho, tipo, parente que mora longe e, tipo, minha avó,
minhas tias, todas usam Facebook e elas trocam, tipo, muito contato assim
com a galera que tipo, mora sei lá, em BH. Então é... Tipo, eu acho isso uma
coisa boa, uma troca positiva né, porque a minha vó fica, tipo, horrorizada
assim, ela acha o máximo ver, tipo, a menininha que tá crescendo, tipo
mudando assim a cada ano, crescendo mais, tipo. (Fábio, Grupo 4)

Dá que o Facebook também, não sei, é aquele contato com as pessoas que
você nunca mais vai ver na vida ou dificilmente vai ver. Como quando acaba
a escola. Dificilmente você vai ver aquelas pessoas de novo na mesma rotina
que você via antes, eu acho, eu não sei. No tempo dos meus pais, perderia o
contato totalmente assim... Mesmo tendo o telefone, você não taria sabendo
simultaneamente assim o que tá acontecendo na vida dela. Só se você ligasse
pra ela. Agora no Facebook não, acho que ainda mantém esse laço fininho,
assim, de... De você saber como que a pessoa tá, mas por questões da vida se
afasta assim. (Larissa, Grupo 5)

Conforme podemos ver, o acesso às redes sociais digitais via smartphone transformou
algumas experiências dos sujeitos, das quais destacamos as organizações de eventos, passeios
e encontros, as marcações de pessoas para que visualizem determinadas publicações, o check-
in que identifica a localização das pessoas e a proximidade de amigos, além da possibilidade
de manter contato com aqueles que estão distantes fisicamente. Assim como colocado por
Pellanda (2009), com essa configuração, fica clara a experiência social da cidade mediada
pelo uso tecnológico.
Toda essa complexidade das interações atravessadas tecnologicamente é
compreendida de diferentes formas pelos participantes:

Porque, tipo, quando a gente não tá no Facebook a gente pode assumir os


nossos papéis bem tranquilos. Porque eu sei agora que eu tô com vocês, eu
tô assumindo um papel. Tô na aula e tal... Mas o Facebook assim é o mesmo
papel, para todo mundo, então fica uma coisa assim “Meu Deus”. De você
der aquela deslizada, tipo, seu ex chama você para conversar. (Cibele, Grupo
3)

Percebemos nessa fala uma visão de que a esfera presencial e a digital, através das
redes sociais digitais, possibilitam diferentes formas de relação, principalmente devido à
questão de papeis sociais. As plataformas de redes sociais digitais favorecem, por sua
configuração, a convergência de papeis, diferentemente do meio presencial, onde eles são
mais definidos. Essa concentração de familiares, amigos, colegas de trabalho, de faculdade,
95

entre outros, em um único espaço, facilita interferências e reações não desejadas ou esperadas
entre usuários.
Temos que considerar que o Facebook foi desenvolvido em 2004 (KIRKPATRICK,
2010), então tem treze anos. Houve outras plataformas anteriores, mas esta é uma das
pioneiras em termos de compartilhamento de conteúdo, com recursos de linha do tempo
individual e feed de notícias. No primeiro constam as publicações do sujeito e as marcações
realizadas por outros em seu perfil, organizadas cronologicamente e no segundo há os
conteúdos colocados pelos contatos adicionados e pelas páginas seguidas, sugeridas ou de
publicidade. Apresenta, dessa forma, novas possibilidades para interações. Os participantes
parecem perceber isso, e elaboram o significado da vivência digital e presencial, suas
diferenças e aproximações. Conforme colocado por Cibele, por exemplo, há a consciência de
que dispor conteúdos na rede social digital é diferente do meio presencial, no que se refere ao
âmbito de papeis.

Você tá falando com o seu ex-namorado, né, e ele vê que você arranjou um
novo namorado e aí ele fica bravo porque, né... Quer tentar de novo. E aí
começa aquele conflito entre casal. (Fabrícia, Grupo 1)

Nossa, quando eu vejo meu irmão eu fico, tipo... “Mas vive no mesmo teto
que eu, sangue do meu sangue... por quê?” (Laura, Grupo 3)

Eu acho super legal. Me ajuda a pensar que o meu professor é gente como a
gente assim. (Júlia, Grupo 5)

Quebra a imagem de seriedade. (Júlia, Grupo 5)

Por exemplo, tem professores, aqui da PUC. Aí esses dias uma amiga postou
um meme de uma mulher que tava com uma arma e falando para a
professora “Vai dar sete, vai aumentar a minha nota ou não vai?”. Aí a
minha amiga “Joga na roda, joga na roda”. “Você tá louca? As notas ainda
não fecharam... Não joga na roda não!” (Sandra, Grupo 3)

“Então, é engraçado sabe. Às vezes a pessoa acaba postando uma coisa que é
para ser engraçada, mas ela esquece que ela tem chefe, que ela tem o pai,
uma mãe, uma tia, avó, ou que... Aí posta.” (Sandra, Grupo 3).
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Identificamos nessas falas conflitos efetivados ou potenciais com pessoas que fazem
parte da teia de contatos digitais do sujeito. Desde figuras que já foram significativas e, ao
terem contato com novidades da vida da pessoa, querem retornar relações; até a indignação
decorrente da visualização de postagens de familiares, que divulgam gostos e
posicionamentos que não se conhecia, causando decepção. Pela convergência de papeis nesse
espaço, podemos ter contato com outros papeis do sujeito, que comumente não temos na
perspectiva presencial. Por um lado, isso pode gerar desapontamento, conforme mencionado,
ou mesmo quebrar a imagem criada; mas também pode servir para conceber o outro enquanto
humano em sua globalidade.
Dentre as possibilidades interacionais nas redes sociais digitais, foram destacados
conflitos e dificuldades nas interações:

Eu trabalhei num lugar que assim, a ideologia que eu tinha não batia, assim,
com praticamente ninguém do local. E eu sempre pensava nisso. A partir do
momento que eu tivesse as pessoas e publicar as coisas que eu publico, as
coisas que eu defendo iria ter um atrito, então a minha relação com eles no
trabalho iria modificar totalmente, poderia me prejudicar, poderia criar um
ambiente meio chato. (Rebeca, Grupo 6)

É interessante a gente ver a implicação de tudo isso na nossa rede de amigos


e da seleção que cada um faz para adicionar ou não adicionar ou tirar alguém
do Facebook. Eu acho que se tem reverberações na nossa vida real, digamos
assim, e eu já me peguei pensando sobre isso várias vezes, é... Do como, por
exemplo, uma pessoa fica preocupada, quer postar uma foto, porque todos
sabem que todos os amigos vão gostar da foto, mas não quer que a família
veja. Ou quer postar uma coisa que é meio privativo da família, mas não
quer que os amigos vejam... Não quer que alguém, o ex-namorado, veja.
Então, assim, existe um drama na vida real de quem vai ver o que, de quem
não vai ver o que. (Natacha, Grupo 3)

Isso ainda na época do Orkut que a minha prima postou uma foto. Sabe
aquele filme Labirinto do Fauno? Não sei se vocês assistiram, tipo, tá o
fauno abraçando a menininha e a minha prima imprimiu e postou. E tipo,
imprimiu e colocou na mão da minha tia “Sua filha está fazendo apologia ao
satanismo. [...] Você tá fazendo apologia... Tipo, meu... Uma foto que a
menina postou no Orkut, a minha tia imprimiu e tipo, sabe, acabou com o
laço de família ali. Desde que... Faz muito tempo, por uma coisa besta. E
minha tia interpretou errado e tipo, meu, sabe? Por isso que tipo, eu tenho
minhas tias no Facebook, aí fica aquele negócio, pra não ser deserdada. Mas
sabe aquele negócio de tipo, não deixar a pessoa ver, acho isso super legal.
Facebook tem várias ferramentas assim que dá pra você... (Júlia, Grupo
5)
97

Essas situações levam a reflexões sobre a amplitude das interações que as redes sociais
digitais permitem; exemplificam conflitos de papeis que podem ser desencadeados; assim
como a necessidade de alguns cuidados e de mecanismos de privacidade.
Participantes do grupo 5 relacionaram a potencialidade de conflitos na rede social
Facebook devido a abarcar diferentes faixas etárias, com destaque aos mais velhos:

Tem os caras de quarentão. [...] Mas acho que também não chegou tanto no
Twitter ainda pra terceira idade. (Larissa, Grupo 5)

Porque parece que o Facebook é muito mais sério, sabe, tipo... Se a sua tia
pega e manda parabéns para você e você não responde, você é deserdado da
sua família. Agora no Twitter, tipo, eu não vejo as pessoas mais sérias.
(Júlia, Grupo 5).

Eu acho que o público do Twitter e do Facebook é bem diferente. Não que


seja melhor, mas diferente, sabe, porque... Enquanto no Facebook eu acho
que é uma coisa muito mais churumoza assim, sabe. [...]Sei lá... É que pelo
menos no meu círculo assim, o pessoal usa mais Facebook, tipo, o pessoal
posta mais, sabe. (Marcelo, Grupo 5).

É, mas sei lá, no Facebook, principalmente quando essas pessoas aí mais


velhas que elas usam, parece que é um negócio super sério “Meu, você viu o
que tal moça postou no Facebook? Que absurdo!”. (Júlia, Grupo 5).

Diferentemente do Twitter, segundo os participantes, o Facebook possui um público


vasto que, como já referido, abrange diferentes faixas etárias. Portanto, há mais interações,
mais movimentações, o que potencializa conflitos. Além do mais, na percepção de Júlia, a
relação que o público mais velho tem com a plataforma é diferente, refere que eles “levam
mais a sério”, julgam mais, talvez coloquem mais peso representativo nas postagens
realizadas.

Eu acho que em relação a postar para um postar ou postar para outro ver eu
acho que acontece muito em relação à família, né. Por exemplo, um paquera
a gente não quer que os pais saibam, a gente posta só pro paquera. (Maria
Eduarda, Grupo 1)
98

Professora também, como tem várias páginas... Aquelas escolas da depressão


também. No caso, se a gente tem professor, a gente não marca, direciona só
para as pessoas que estão relacionadas. (Maria Eduarda, Grupo 1)

É, isso fica pra você. Talvez não seja uma coisa muito relevante pra todas as
pessoas que são seus amigos verem. E ultimamente tô fazendo muito isso.
Em vez de compartilhar alguma coisa, eu simplesmente guardo pra mim e eu
não sei... Talvez isso... Eu não sei se é um problema, porque a questão né,
questão, tipo, do medo de todo mundo ver aquilo ou sei lá, talvez a gente
fala... Os contatinhos né – risos – a gente quer compartilhar alguma coisa de
amor, aí todo mundo já “Ah, tá apaixonado”, ah, não sei o que, sabe. Então
assim, eu tenho essa de prestar atenção no que eu tô compartilhando mesmo.
Mas muitas pessoas, assim, são sem filtro, assim. Tudo que veem já vai
compartilhando. (Ronaldo, Grupo 2)

Como formas de driblar os riscos de conflitos derivados das convergências de papeis,


citaram o direcionamento do conteúdo ao público desejado, através de recursos de
privacidade, assim como o recurso de salvar conteúdo para si, sem a necessidade de
compartilhá-lo como forma de tê-lo acessível, como ocorria antes do desenvolvimento dessa
ferramenta.
Quanto às formas de se posicionar na rede, considerando a convergência de papeis:

É que eu sou uma pessoa muito pública, no sentido de tipo... Eu não ligo
muito das pessoas saberem, tipo, as coisas. Eu não ligo mesmo. E até coisas
que, tipo, minha família não sabe eu posto. E tipo... E vai descobrir pelo
Facebook mesmo. E é isso aí, porque são coisas que eu acho que são
importantes. Tipo, eu tenho um canal no YouTube. Então eu não posso
muito... Tipo, eu não tenho muito filtro. Que eu tenho já é permeado, tipo,
por todas as questões nas quais eu me envolvo. Então tipo, como eu tenho
um canal no YouTube, eu já sou tipo... Não uma figura pública, porque eu
tenho tipo, duas pessoas que me assistem, minha mãe e uma amiga minha.
Mas no sentido de tipo... A minha vida tá muito mais aberta. Então sempre
que eu posto as coisas eu sei que vai ter muita repercussão. Então tipo, eu
sempre escolho o que eu vou postar e eu posto coisas que eu acho que eu
tenho que postar e tipo, que são importantes. E se as pessoas olharem e
falarem “Nossa isso é idiota, eu não quero falar com essa pessoa” tipo... Tá
tudo bem para mim. Porque eu não quero, tá. Eu sou muito das causas
sociais né, então, tipo... Eu não quero tá perto das pessoas que, tipo, vão
contra as coisas que eu acredito. E sei lá, eu sou muito de eu comprar a briga
e eu compro as consequências. Eu acho que tem coisas que têm que ser
faladas e eu falo elas. (Fabiane, Grupo 3)
99

Fabiane demonstra ter consciência da convergência de papeis e mesmo assim faz


postagens e se expõe, aceita as consequências, não se intimida por aqueles que possam julgá-
la ou excluí-la por isso. Ela parece ter claro o que ela gosta de colocar, por exemplo, sobre
assuntos a favor de causas sociais. Acredita que aqueles que deixam de acompanhá-la pelos
posicionamentos que realiza, na verdade não combinavam com ela, não tinham afinidade com
as mesmas coisas, não representavam relações significativas. Essa é outra forma de lidar com
as redes sociais digitais, de modo espontâneo e assumindo riscos de perdas e vislumbrando
ganhos com as próprias ações no meio digital.

Tipo eu não me posiciono, eu... [...] Eu uso bastante, mas eu quase não faço
nada, tipo, não posto, não comento e tal. E também porque não sei, pelo
menos no meu Facebook tem um movimento separado, entendeu, então
dependendo do que eu posto, do que eu comento a outra parte vai ver e
sabe... Pode dar esses conflitos assim então... Mas sei lá, nem esquento, tipo,
eu gosto de ver... (Júlia, Grupo 5)

Eu pessoalmente procuro não colocar coisas... Vai, igual, meu


posicionamento político não tem no Facebook. Muito difícil, eu evito tornar
aquilo muito pessoal, muito direto.” (Maria Eduarda, Grupo 1).

Temos dois exemplos de participantes que preferem não se posicionar, uma por receio
de que aqueles com ideias diferentes tenham acesso a seus conteúdos devido à expansividade
da rede, e a outra buscando deixar seu perfil com aspecto neutro, com conteúdos mais gerais,
sem posicionamentos acirrados, evitando potenciais conflitos.

[...] Tipo, dá uma clicada no dedão positivo, eu acho que muitas vezes não é
muito bom. [...] porque vai que tem alguém que você não conhece e clica ali.
[...] Aí a pessoa fica muito assustada assim, tipo... Não sei. (Fabrícia, Grupo
1).

Fabrícia, nessa fala, demonstra perceber a expansividade dos conteúdos das redes
sociais digitais para além de sua rede de amigos, pois identifica que pessoas além daquelas
que possui adicionadas podem interagir com postagens dela, apesar de não deixar tão claro se
está se referindo a si mesma, mas é essa ideia que parece passar. Essa dimensão aparenta
assustá-la.
Ainda essa mesma participante coloca como riscos das interações da rede social, as
ameaças, conforme segue:
100

[...] o namorado sabe e pode postar o que ex-namorada fez com ele e
tals. Tem essas coisas, né, em repostagens, e que falam muito dessas
ameaças em redes sociais. Ameaçar, né. Às vezes amigos ou gente que você
tem no Facebook, [...] e começa te ameaçar porque sabe o que você faz, o
que você fazia ou... Essas coisas. (Fabrícia, Grupo 1)

Compreendemos que o termo “repostagens” utilizados por ela se refere ao


compartilhamento de conteúdos na rede. Então o sujeito ameaça a vítima para que ela
corresponda a sua chantagem e, assim, ele não divulgue o conteúdo. Em termos de redes
sociais, caso não seja utilizado o recurso de impedir a visualização de quem são seus amigos,
fica mais fácil ainda ao chantageador saber para quem compartilhar o conteúdo.
Sabrina ressalta a importância de ponderar o uso das redes sociais digitais, pois
percebe nela potencialidades, mas também riscos, inclusive podendo facilitar crimes, pois é
meio que reúne muitos dados pessoais.

Então a gente tem que ter esse cuidado sempre, porque a rede social ela é
facilitadora muitas vezes, mas também ela é uma armadilha, ela é perigosa
no sentido das relações. E você vê que acontece muitas coisas sim, que
muitas pessoas mal intencionadas que utilizam pra cometer crimes, por
exemplo. (Sabrina, Grupo 3).

Voltando à questão central da convergência de papeis, a relação com empresas nas


redes sociais parece ser de relevante preocupação para os participantes, visto a quantidade de
comentários a esse respeito:

Aí a empresa vasculha realmente entendeu. [...] Imagina por uma foto, por
uma publicação que você fez, você não vai ser contratado na empresa. Então
isso é uma coisa muito... Muito preocupante. Então por isso tem que tomar
muito cuidado com o que você posta e com o que você deixa de postar.
(Bruno, Grupo 2).

As empresas usam. Entram no seu perfil. Às vezes no processo de seleção.


Sabe, é... a sua vida pessoal é diferente, é diferente da sua vida profissional.
Mas hoje, ultimamente, tá tudo se aliando, se formando uma coisa só, sabe.
Como se tudo dependesse daquilo. Tipo, todas as suas informações vão
passar a depender do que você posta. (Francisca, Grupo 2)
101

Hoje as empresas elas buscam muito no seu perfil o que você tá postando, o
que você tá defendendo, se é mais brincalhão, “É perfil da nossa empresa?”.
Outro dia conversando com amigo ele falou que fez numa entrevista de
emprego no Citibank e não passou. O amigo dele trabalhava lá dentro falou
“Ai amigo, é que você defende posicionamentos políticos que não condiz
com a empresa. Provavelmente buscaram no seu Facebook porque eles
fazem isso e viram lá os seus posts.” E aí ele brincou comigo “Eu vou fazer
um fake, eu vou fazer um fake...” [...] Vou ter um perfil fake, deixar bem
neutro para minha família, para as empresas e vou por um apelido, assim, só
para os amigos. (Sandra, Grupo 3)

Um dos grandes receios da exposição espontânea nas redes sociais é de que as


empresas se baseiem em seus dados e publicações para seleção, independentemente do
contato formal, em que o sujeito está preparado para desempenhar seu papel enquanto tal.
Como reação o sujeito planeja o desenvolvimento do perfil fake, que nada mais é do
que um perfil com informações falsas, que não correspondem à realidade concreta do sujeito.

Eu tenho amigos que tem tipo, o perfil deles, que é tipo, com o nome inteiro,
e o perfil que, tipo, ele só adiciona os amigos, tipo... E é o perfil que eles de
fato usam. (Fabiane, Grupo 3).

No exemplo acima referido por Fabiane, há pessoas que criam mais de um perfil para
lidar com a convergência de papeis na rede, tendo aquele específico e mais controlado para a
criação de imagem que transmite, supostamente, seriedade, e outros em que adiciona amigos e
age espontaneamente.
Sabrina fundamenta através de exemplo consequências que postagens colocadas
impulsivamente podem gerar.

Eu lembrei de um fato da onde a minha irmã trabalhava, uma colega dela


faltou, não estava afim de trabalhar, faltou. Foi no médico e tudo, mas aí
depois, logo em seguida, ela postou uma foto no Shopping, lá no
McDonald's. Aí o que acontece, a empresa ela controla, e aí a chefia viu e
falou “Ué, você tá doente e tá no shopping, não tô entendendo”. E aí ela foi
mandada embora. (Sabrina, Grupo 3)

Analisamos a questão dos papeis e sua convergência nas redes sociais digitais em
termos de complexidade das interações. Há ainda outras questões que configuram essa
complexidade de relacionamentos possibilitada pela tecnologia. O modo de seleção de
contatos nesse espaço é uma delas.
102

Compreendemos que, através da mediação tecnológica e a consequente hibridização


das fronteiras, as redes sociais digitais também estão proporcionando o borramento entre
papeis do sujeito, pois nessa plataforma eles convergem, pela adição de várias pessoas de
diversos âmbitos do cotidiano e de várias idades, proporcionando contato com aspectos pouco
acessíveis presencialmente, o que pode ser fonte de conflitos, assim como de contato com
sujeitos mais completos e reais. Esse receio da convergência aparece principalmente nas
diferenças de representação enquanto pessoa e enquanto profissional.
A esse respeito, Kirkpatrick (2010) posiciona que o uso da rede social digital estimula
a coerência do sujeito, pois, caso aja de forma dissonante, poderá ser denunciado pelos
próprios recursos dessa rede, como linha do tempo, por exemplo. As ações nessa plataforma
são compreendidas como representações do sujeito, podendo sim gerar complicações, o que
requer a noção de responsabilidade daqueles que a utilizam.
Percebemos que, apesar da ideia de transparência estimulada pela empresa Facebook,
a maioria dos sujeitos ainda não está preparada para lidar com tanta coerência, preferindo
fazer perfis falsos ou mesmo dois diferentes para expressão espontânea. Além disso, o receio
de colocar o cotidiano de forma completa pode derivar dos riscos de pessoas utilizarem dados
para cometerem crimes, assim como ameaçarem e chantagearem.
Referente ao gerenciamento dos contatos, quem é deletado, quem é adicionado, quem
deve ser mantido ou não na lista, veremos como os participantes lidam com isso, começando
com a perspectiva da seleção daqueles que são deletados:

É que às vezes a gente faz isso porque, também prezando mais a saúde
mental né, porque... Antes eu tive que fazer uma limpa no Facebook, assim,
excluir umas pessoas que sim, eu conhecia a pessoa. Mas por exemplo... Mas
a pessoa postava umas coisas que você abria aquilo todo dia e você ficava
“meu Deus” sabe, não faz bem para você. Então você não é obrigado a ver.
Então você acaba, tipo, tirando a pessoa. Porque tem umas pessoas que elas
pensam diferente, realmente elas mostram assim, sei lá... Elas têm uma certa
formação sabe, é a visão delas, mas você vê que não, realmente, a pessoa tá
falando umas coisas que são sérias. Mas tem umas pessoas que elas
reproduzem muito o que elas pegaram por aí e elas não... (Laura, Grupo 3)

Mas não, aí eu falei “Ah, às vezes a pessoa tem o pensamento diferente, mas
ela é tem fundamento?” Se ela tem fundamento elas ficam sabe, é outra
visão. Agora se a pessoa só tá falando de senso comum, de achismo, falando
de feminoódio, então vamos tirar, excluir mesmo aí... que ele vai lá falar em
outro Feed de Notícias. (Nicole, Grupo 4)
103

Aí, quando eu não falo mais, tipo, já faz dois anos que eu não vejo a pessoa,
eu não tenho porque ter ela na minha rede social, tipo... Não faz sentido para
mim. Eu uso as redes sociais mais tipo... Para me comunicar com as pessoas
que eu quero me comunicar e tal. Eu acho o Facebook um ambiente muito
tóxico muitas vezes. Então, tipo, eu prefiro deixar ele o menos tóxico
possível, então eu tipo vou tirando pessoas e não aceito ninguém. (Fabiane,
Grupo 3)

Todo final de ano [...] é dia de limpeza “Vamos excluir aquele pessoal que
você não vai conversar nunca mais, fechou o ciclo, não vai mais tipo...
Acabou.” É porque, por exemplo, você está na faculdade todo mundo da sala
te adiciona. Aí acabou, você não vê mais aquele povo de novo, todo mundo.
Você talvez nem... Tem gente que eu tenho no meu que não fala comigo oi
aqui, tipo, eu fico muito p*** com isso, tipo... Não, ela não fala oi
pessoalmente, tipo. Aí eu fico assim... Tá, acabou, eu sei que eu vou excluir
porque a pessoa não fala nem oi comigo no dia a dia, mas tem lá, pareço que
só mais um números, sabe. (Larissa, Grupo 5)

[...] eu vou periodicamente fazendo a limpa. Então, tipo, eu sempre tento ter
o menos gente possível. Só as pessoas que eu realmente falo ou que tipo, eu
realmente gosto. [...] Então tipo, eu tenho muita notificação de gente que me
adicionou que era do meu colégio e que, tipo, eu me formei, eu tirei todo
mundo. Porque não era mais uma obrigação social ter eles. Então, tipo, eu
tirei todo mundo menos as pessoas com quem eu falava. E aí essas pessoas
notam e elas adicionam de novo. Só que tipo... “Eu tirei você, eu não vou te
aceitar de novo”. (Fabiane, Grupo 3)

Como razões fundamentadas para deletar, identificamos o desinteresse de ter pessoas


com posicionamentos ou exposições que o sujeito percebe como pesadas, tais como
conteúdos ofensivos, assim como superficiais e sem fundamento, que claramente demonstram
reprodução de conteúdos massificados. Outra é não ter mais sentido manter determinado
sujeito como contato, visto que o ciclo de contato presencial com ele terminou e a tendência é
se afastarem.
Interessante notarmos que, para alguns participantes, a rede de contatos serve para
manter conexões que o sujeito perderia ao longo tempo, mantendo linha tênue de
proximidade. Já para outros, os contatos devem coincidir com o momento de vida atual do
sujeito, deletando aqueles com que já não convive diariamente:

Eu vejo assim que tem tanto lado positivo quanto negativo. Porque pode ser
que você deixe de falar com alguém, mas é bom você ter o contato de uma
pessoa que fez parte em algum momento... (Rebeca, Grupo 6).
104

Já em termos de adição de pessoas, foram colocadas as seguintes percepções:

Eu tento ver também pela quantidade de amigos em comum que tem,


porque, por exemplo... Tem umas pessoas que vem adicionar e tem 140
amigos em comum. Provavelmente eu já, sei lá, conheci. Eu já vi aquela
pessoa, mas eu não lembrava mais dela sabe. (Laura, Grupo 3)

Ou às vezes é aquela coisa que a pessoa [...] é colega do seu colega de


faculdade. Tipo, você conversou, cumprimentou, mandou convite, ah, você
aceita, porque você conhece a pessoa de vista, mas no fim acaba não te
importando muito, sabe. Ah, questão de publicações, às vezes você acaba
nem lendo sabe, porque a pessoa num liga, sabe, se tem relevância. Quer
dizer, tem relevância pra mim, mas diretamente pra você é aquilo... Fica
aquele, muito, sabe, superficial. (Francisca, Grupo 2)

Ai, eu sou muito chata com isso. Tipo, eu não aceito... Eu sou muito chata.
Tipo, eu não aceito ninguém no Facebook. Eu não adiciono ninguém no
Facebook. Tipo, as pessoas que eu tenho são majoritariamente do meu
colégio antigo e aí tem, tipo, pessoas da faculdade que estão na minha sala.
Sandra, Grupo 3)

Não necessariamente o sujeito precisa ser alguém conhecido, na percepção de


Francisca e Laura, desde que apresente amigos em comum, recurso disponível no Facebook
que sinaliza quais amigos são partilhados. Mas vale ressaltar que, na percepção de Francisca,
as publicações de pessoas mais próximas em termos de convivência tendem a ser mais
valorizadas. Já Sandra demonstra rigidez e limitação para aqueles que adiciona, de acordo
com seus critérios.
Há pessoas que são adicionadas pela obrigação social implícita, o que inclui família,
parentes, pessoas da faculdade que estudam na mesma sala ou são do trabalho. Percebemos
que todas fazem parte do ciclo social direto do sujeito em termos presenciais, sendo que a
exclusão geraria mal estar e conflitos.

Tem alguns primos que a gente não gosta e, para manter aquele clima,
manter o clima amigável, a gente se obriga a conviver para manter esse
clima mais agradável. (Maria Eduarda, Grupo 1).

Na verdade muita gente e não só família você tem porque se você excluir vai
vim perguntar. (Helena, Grupo 6).
105

A mesma coisa que primo né, o pai e a mãe também são uma obrigação
porque, né? São seus pais [...] (Fabrícia, Grupo 1).

[...] pessoas da faculdade que estão na minha sala. Então, é meio que eu me
sinto obrigada socialmente a aceitar aquelas pessoas. Então tipo, família eu
me sinto, tipo, obrigada socialmente a ter a minha família no Facebook. Por
mais que, tipo, a nossa relação seja uma bosta. (Fabiane, Grupo 3)

[...] ou senão “Ai do meu trabalho... se eu deleto aí vai causar uma coisa
meio chata dentro do trabalho” sabe... (Luciana, Grupo 4).

E aí você fala “Nossa, mas você tá online, você não precisa ser tão formal
assim, você não precisa fingir amizades.”. Mas quer ou não, sim, você
precisa, porque a gente usa sempre o tempo inteiro. Eu no meu trabalho
preciso de Facebook. Então eu não posso descartar todo mundo porque
realmente, em algum momento, eles podem me adicionar alguma coisa.
Então acho que todo mundo tem que pensar o seguinte: se você tá dentro do
Facebook, todo mundo dalí é contato. Querendo ou não a pessoa pode te
agregar alguma coisa. Mas aí... Você precisa entrar mais na conversa,
conversar mais e etc. Mas todo mundo lá dentro vai oferecer alguma coisa,
você só precisa identificar o que e se você realmente quer isso ou não. Então
acho que é legal ter as pessoas chatas, ter as pessoas legais, porque todos são
contatos. Essa é a conclusão do Facebook. (Luciana, Grupo 4)

Luciana ressalta a representatividade do sujeito na interlocução entre esferas digital e


presencial. Compreende ambas com estreita conexão, sendo sua representatividade como
pessoa, única independentemente da esfera. Ela não descarta a importância de nenhum
contato, compreendendo que cada qual pode auxiliar de determinada forma, sem exceção.
Outra opção de manejo de contatos na esfera digital é o “deixar de seguir” e o colocar
na lista de restritos:

É você pode deixar de seguir a pessoa e não aparece mais né também.


(Fábio, Grupo 4)

É, a pessoa não sabe. Então tem como você parar de seguir. Mas tem gente
que, por causa disso, diferenças ideológicas de... E tal, você para de seguir
que é esse, um recurso pra você não ficar vendo mas... Excluir é um negócio
que parece que pega pesado sabe, eu não sei por que exatamente, qual o
motivo. (Helena, Grupo 6)

É, tipo, essa coisa da colega chata. Tipo, se ela é chata, você não gosta dela,
por que você adicionou? Aí às vezes... Eu por exemplo, fiz isso com várias
106

pessoas, tipo, eu adicionei e coloquei na lista de restritos para as pessoas não


verem nada do que eu posto e tal. Porque, tipo, teve uma vez que uma pessoa
mandou um convite, eu não aceitei, aí ela excluiu, mandou de novo, excluiu,
mandou de novo, aí eu acabei colocando na lista de restritos. (Micaela,
Grupo 4)

Na compreensão dos participantes, são ações menos extremas, mas que distanciam o
sujeito indesejado de visualizar seus conteúdos e atualizações, porém de modo que não saiba
que assim está identificado. Não percebe, portanto, a rejeição, como ocorreria quando
identifica que não é aceito.
Conforme verificamos nas falas dos participantes, o gerenciamento dos contatos vai
depender bastante da relação que se tem com eles, além dos conteúdos que colocam. Há maior
facilidade de deletar e gerenciar aqueles que não são tão conhecidos do que aqueles da esfera
social cotidiana. Apagar alguém da família ou da própria faculdade pode ser desastroso, sendo
preferível gerenciá-los enquanto obrigações sociais. Apesar de essa ser a visão predominante,
houve também a percepção de rede enquanto meio onde se faz contatos, aos quais se pode
recorrer em momentos de necessidade, sendo ressaltada a importância de cada um,
independentemente do afeto envolvido, diferentemente da forma anterior de manejo.
Em termos da qualidade das relações mediadas tecnologicamente, foram mencionadas
relações de afinidades e de aproximação, assim como percepções diferentes, fundamentando
com argumentos ou reproduzindo falas prontas, e de haters, que correspondem a pessoas que
interagem de modo grosseiro, chulo e depreciativo, com expressões de ódio.

Não, a briga tem que ser boa. É porque tem muitas pessoas que, não... Tem
muitas pessoas que você olha e pensa “Realmente tem uns argumentos,
vamos debater!”. Mas tem umas pessoas que você olhe e fala “Ah, não vou
nem... Deixa quieto.” (Laura, Grupo 3).

Conforme compreendemos na fala de Laura, a tolerância em relação a comentários de


teor diferente às concepções do sujeito vai depender da argumentação que os fundamenta:

Dá para perceber pelo o que elas argumentam que não pesquisam nada sobre
o assunto, não leu além de comentários de notícias da Veja ou sei lá, tipo,
você... Dá para entender pelo que a pessoa usa como argumento se ela leu
fontes ou não, tipo, você cita quando você fala sem propriedade sobre o
assunto, não quando você fala superficial, e eu acho que tá tendo muito esse
movimento de você comentar sobre tudo, ter opinião sobre tudo, mas não...
Não se aprofundar sobre o assunto, sabe, só fala sobre o superficial só pra
dizer que você falou sobre. (Larissa, Grupo 5)
107

Larissa percebe a vulgarização de comentários, sem fundamentos, argumentos e


reflexões.

Porque agrega, né, você saber a opinião do outro. Por mais que você vê
diferente, você consegue ver o outro lado. (Ana, Grupo 5).

Já Ana ressalta a importância de contato com outros pontos de vista, compreendendo


que outras percepções agregam.

Mas uma coisa é você ouvir uma pessoa que tem uma opinião diferente,
outra coisa é você ficar ouvindo uma pessoa, tipo, te xingando, te ofendendo.
E tipo... É crime de ódio, tipo, não é uma opinião diferente, é crime de ódio.
Tipo, então são questões diferentes. E eu acho que tipo tem como a gente
ouvir a oposição, ouvir gente que pensa diferente e ainda se manter na
socialidade. (Fabiane, Grupo 3)

Eu acho que quando a pessoa pelo menos ela apresenta um argumento


plausível, assim, apesar do... Aí até vai, porque... Se for uma discussão que
dê pra [...] discutir é uma coisa, agora... Agora o que a gente vê muito, é
mais discurso de ódio mesmo que não é uma coisa de “Vamos discutir sobre
o assunto”. É só “Você é um idiota, babaca” e não tem argumentos além
disso, sabe. E aí acaba virando mais... (Rebeca, Grupo 6)

Por outro lado, há aqueles que se posicionam em linguagem de ódio, os haters. A


tolerância pode existir perante oposição e ideia diferente, mantendo clima saudável, mas há
aqueles que ofendem.

Muita gente faz fake porque quer ofender, mas sabe que pra preservar a
integridade faz um fake para tipo... Vomitar tudo o que tá sentindo e que
pensa e sabe que é errado e faz. (Júlia, Grupo 5)

“Tem gente que dá a cara a tapa, mas eu vejo muito fake, eu vejo... Você vê
o perfil não tem foto, o perfil é, tipo, nome nada a ver, é o fake. Fake vai lá
só pra postar “Vocês são burros e ignorantes”. Ele não tem coragem de botar
a carinha dele lá e ele causa espanto, dele, verdadeiro.” (Amanda, Grupo 6).

Por vezes os haters criam perfis falsos, ou seja, fakes, para despejarem todos seus
pensamentos sem filtro, sem limites, sem cuidados com os sentimentos do outro.
108

[...] por exemplo, uma página de feminismo e a pessoa é machista, [...] ela é
contra aquilo. Por que que ela curte a página? Só para ela poder receber as
notificações e ela ir lá e comentar algum comentário contra aquilo. Por
exemplo, podia ser um post sobre a favor da legalização do aborto. Ela é
contra. Ela vai lá e comenta, faz um textão falando sobre contra, mas ela
sabe que todo mundo que curte aquela página, pelo menos... Não se for a
favor, mas pelo menos, sabe, pensa naquilo e tudo mais e já é uma página
direcionada pra isso. Por que? É só para causar conflito mesmo. É só ser
hater, é só para ser hater. (Helena, Grupo 6)

Helena percebe também pessoas que acompanham páginas contrárias à própria


convicção, só para argumentar contra as ideias colocadas. Essa é uma outra forma de relação
intermediada pela esfera digital.
Em contrapartida às relações de conflito, com fundamentação argumentativa ou com
interações de ódio, há aquelas de aproximação e afinidade, em que a rede se apresenta como
meio que favorece o encontro de pessoas que podem contribuir para a vida do sujeito:

E quando eu fui levar minha cachorra para castrar, por exemplo, eu consegui
ter tipo contato com uma menina que eu não via há muito tempo. E o lugar
onde minha cachorra ia castrar era muito longe e precisava ir de carro, só
que ninguém da minha família aqui no Brasil tem carro. Então eu entrei em
contato com essa menina e ela se ofereceu. Tipo a menina vai até lá então,
você vê que sei lá... Sempre que acontece alguma coisa, a fulana de tal tá
perdida no lugar tal aí aparece uma pessoa e tipo... “Ah, eu posso ir lá
ajudar”, sabe. Claro que depende muito da pessoa que vai... Como é que ela
tá intencionada, né. (Laura, Grupo 3)

Laura pondera que a rede não é totalmente segura e há a necessidade de ter cuidado
com as relações estabelecidas, porém, percebe como meio potencial de oportunidades e
superação de dificuldades.
Pela facilidade de auto-expressão na internet, todos que possuem dispositivos
mediadores podem fazê-lo. Por mais que haja mecanismos na estrutura do Facebook que
direcionem conteúdos afins aos sujeitos, em comentários de reportagens, por exemplo, ele
pode se deparar com o diferente e com grande diversidade de posicionamentos. Parece haver
menor tolerância por posicionamentos considerados não fundamentados, assim como há
pessoas que têm dificuldade de entrar em contato com outros pontos de vista.
Por outro lado, foi mencionado também apreço pelo contato com o diferente, que
favorece outros pontos de vista. Já os haters, com perfil fake ou não, parecem “vomitar”
109

conteúdos reprimidos nesse espaço. Aqueles que escondem a própria identidade, parecem ter
consciência dos riscos ao fazer manifestações desse tipo. Já os outros, demonstram não ter a
mínima noção da representatividade e da interconectividade da esfera digital ou, talvez,
assumam abertamente esses pontos de vista ofensivos, mas que podem gerar consequências.
Em contrapartida, a rede social digital pode facilitar contato com pessoas potencialmente
apoiadoras, contribuindo em atividades cotidianas.
Identificamos diversas transformações viabilizadas pelo uso das redes sociais digitais,
pelo acesso via smartphone, que claramente potencializam e modificam as relações. A
organização da agenda das pessoas, em termos de passeios, parece estar bastante atrelada aos
eventos do Facebook. Com as diversas facilidades que são oferecidas, a efetividade dos
planejamentos é mais garantida.
Por outro lado, como o Facebook é uma plataforma com grande adesão de público,
promoveu o encontro entre papeis sociais diferentes, gerando inseguranças quanto a
expressões e manifestações de modo espontâneo, assim como ponderações na forma de lidar
com aqueles da convivência cotidiana.
De acordo com Ciampa (1987), os papeis sociais são definidos de conforme atividades
institucionalizadas. O indivíduo é uma totalidade, enquanto sujeito, porém, em cada ambiente
desempenhará determinado personagem de acordo com as determinações do ambiente. Nesse
sentido, percebemos que antes do desenvolvimento dessas tecnologias móveis com acesso à
internet, atreladas às redes sociais digitais, era claro e definido ao sujeito como deveria atuar,
conforme o contexto em que se apresentasse. Na contemporaneidade, com esses borramentos
entre espaços e convergências de papeis, parece que perdeu aquela antiga referência,
deparando-se com a necessidade de se adaptar à nova situação. Talvez ele nunca tenha sido
tão exigido em termos de coerência entre papeis, assim quanto a desenvolver uma identidade
holística.
Pode ser que, por isso, vários sujeitos manifestaram a preferência por postagens
genéricas ou mesmo pela omissão, sendo que a única participante que mencionou se
posicionar de forma livre, ressaltou que assume as consequências, coincidindo com a
colocação de Kirkpatrick (2010) de que a expressão nesse espaço exige responsabilidade.
Essas convergências também vão impactar no modo de gerenciamento dos contatos do
sujeito nas redes sociais digitais. Percebemos tendência à compreensão e ações menos
drásticas em relação àqueles com quem convivem cotidianamente.
Além disso, vivemos em sociedade com índices de violência que podem ser fruto das
desigualdades sociais, permeadas pelo desejo do consumo, estimulado pelo mito da felicidade
110

que rege a sociedade capitalista. Nesse contexto, a colocação de dados verossímeis, de modo
irrefletido, pode ser perigoso para o sujeito, expondo-o.
Há de se considerar também, que nesse meio digital, que amplia interações, o sujeito
vai se deparar com diversas expressões e posicionamentos. O contato com o diferente acaba
sendo inevitável, havendo desde colocações que demonstram fundamentação e pensamento
crítico e reflexivo, até reproduções ideológicas e mesmo colocações de ódio. Mas também
essa plataforma pode favorecer o encontro de pessoas que podem se auxiliar mutuamente, o
que pode ser bastante saudável e agregador.

Núcleo 4 - “Pra mostrar uma realidade que não existe... Olha mundo, eu sou pessoa...”

A intermediação tecnológica, na contemporaneidade, proporciona novos recursos de


comunicação, interação, trocas de conteúdos e divulgação, além de hibridizações entre
espaços público e privado, presencial e digital, contribuindo para a transformação e
complexidade de como o sujeito constrói sua própria imagem.

[...] a sua capa é pública, a sua foto de perfil é publica, o seu estado de
relacionamento é público [...] as informações básicas que são públicas e,
tipo, qualquer um pode ver. Então isso é meio exposição assim, se você for
pensar. Mas se você se sujeita a isso, tipo, ok. (Cíntia, Grupo 4)

As redes sociais digitais são importantes plataformas em termos de construção da


imagem do sujeito. Nela, há a possibilidade de criar perfil pessoal, onde constam as
informações básicas do sujeito e que ficam públicas.

[...] as pessoas não querem se expor tanto, mesmo assim, sabendo que elas
estão se expondo demais além do social. (Fabrícia, Grupo 1)

Nessas plataformas interativas, a exposição é inevitável, independentemente do


interesse do sujeito. Há recursos de privacidade, mas que não são percebidas como totalmente
confiáveis e seguras:

É que podem dar print, tipo, nada... Tudo que você posta já está no Google.
Querendo ou não, que você... que o outro veja ou não... Já tá tipo... Já é de
todos. (Cibele, Grupo 3).
111

É por isso que tem o anônimo inclusive, porque aí não tem como saber
quem é que mandou aquilo. Mas às vezes a pessoa vai lá e posta “Olha,
aconteceu tal coisa”. Aí tiram... “Ah aconteceu tal coisa com meu pai”, aí
tiram um print e aí adicionam o pai da menina, sei lá, manda por mensagem
para o pai da menina “Olha o que sua filha tá falando”, sabe. Nossa, já deu
muitas confusões lá. Eu tava lá há pouco tempo e eu via muitas confusões e
eu pensava “Ai meu Deus”. Era um grupo de 20 mil pessoas e era fechado,
assim, para 20 mil mulheres. Era para ser um grupo assim... Mais focado
para as mulheres, assim e... Sei lá... Você posta uma coisa, às vezes o
namorado da menina... Era para ser confidencial né, para nenhum homem
estar sabendo daquilo. Mas às vezes o namorado da menina tem acesso ao
Facebook dela, então muitos caras... (Laura, Grupo 3)

Tipo aquele Share your PPK... Não sei se vocês conhecem, tem várias coisas
assim, tipo, desabafo, umas coisas pesadas assim, vários relatos. E a galera
dá print, tipo, um relato de uma menina que tá reclamando de um abuso de
um namorado assim... Ela vai lá, sei lá, pedir ajuda, e não vai no anônimo e
tipo... Tira um print e dão pra pessoa. (Cibele, Grupo 3)

Há formas de driblar os recursos de segurança das redes sociais digitais. Ainda, a ideia
de privacidade pode ser ilusória, visto que há a percepção de que as plataformas se
interconectam e os dados não ficam isolados em um único meio, mas são compartilhados.

Então, eu não sei, mas, assim... É uma coisa que a gente perde o controle
mesmo. Você não sabe quem vai estar postando foto sua ou não, mesmo que
você não tenha o Facebook, alguém pode tirar uma foto com você e colocar.
Você não vai ficar sabendo, talvez. (Cibele, Grupo 3)

É difícil fugir da inserção de informações no meio digital, mesmo que o sujeito não
faça perfil em rede social, pois terceiros podem postar fotos e conteúdos independentemente
de seu consentimento. Há insegurança nesse sentido.

Sabe o que que dá ruim nesse negócio? É que [...] Ele (Facebook) pergunta
para saber se ele pode postar aquela foto no seu perfil também, para quando
qualquer pessoa apertar, tá lá fulano de tal, aí tá lá fotos que te marcaram.
Mas... As outras pessoas elas conseguem ver a partir do momento que você é
marcada, porque um dia me marcaram numa foto e eu não tinha autorizado,
mas assim... Meu pai já tava sabendo. E eu não tinha autorizado ainda. Meu
pai vai ver minha roupa e vai falar “É ela!”. (Laura, Grupo 3)
112

Na rede social é difícil a garantia de sigilo de informação. Podemos evitar que


conteúdos colocados por terceiros apareçam na nossa página, pois há recursos de filtro nesse
sentido, mas não conseguimos controlar ou impedir que vá para o feed de notícias.

[...] por causa das redes sociais você perdeu um pouco o controle [...] Da
divulgação dos acontecimentos da sua vida, porque não necessariamente eu
tô, eu... É... Se resume a eu escolher ou não postar um assunto, mas você tem
pessoas envolvidas no processo. Um caso: Uma vez teve um problema na
família, para mim é particular. Eu não ia postar isso nunca na internet. Aí
uma envolvida... Nem foi de má-fé... Ela pediu uma oração “Vamos orar
pelo casal, aconteceu isso, isso.”. Eu sou... Estávamos em Sorocaba. Eu sou
de Sorocaba. Estávamos em Sorocaba na noite. E aí aconteceu “Por favor
gente, vamos orar para Deus”. Aí eu tô passando e falei “Porque que foi
postar isso?” Tipo... Era particular, era familiar, ela não tinha o direito. Aí
falei... Aí falei com a minha mãe. Daí ela falou “Ela tá postando porque ela
também estava presente. Ela não tá falando da sua vida, mas quando ela fala
da vida dela você tá envolvida no acontecimento, aí passa a fazer parte disso
também.”. Ou então você tá numa festa, aí quando você chega você tá
marcado em 2000 fotos. Nossa... Me marcaram na foto, não queria que me
marcassem , não é para saber que eu tava aí. Então você perde o controle.
Não é só “Eu decido se eu vou postar ou não”, mas você perde o controle
através das outras pessoas também. (Sandra, Grupo 3)

Como nossa vida é interacional, nossas experiências são compartilhadas, não sendo
possível definir divisões a esse respeito. Por isso o risco constante de termos questões de
nossas vidas compartilhadas por outros que também são co-participantes. Esse pode ser um
dos motivos da dificuldade de controlar o que vai para a rede, pois o que podemos não querer
colocar sobre a nossa vida, outro que conviveu pode querer fazê-lo. A sensação que fica,
então, é a de perda de controle sobre a divulgação da própria imagem. Ainda referente a esse
assunto:

Quanto é assustador, por exemplo, sei lá... A mulher ficou grávida, ela
publica o ultrassom da criança na rede social. Tipo, isso me assusta porque a
criança nem nasceu, não tem nenhum poder de escolha, tipo, se eu quero
participar disso ou não, sabe, já tem os dados dela aí exposto. (Larissa,
Grupo 5)

Isso ocorre também em termos de crianças e recém nascidos, representados por seus
pais ou responsáveis legais. É outro tipo de exposição de dados e informações independente
do interesse e aval do sujeito.
113

Mas por outro lado:

Até porque, mandar na timeline, dependendo, ninguém nem vê. Às vezes a


pessoa nem lê, tipo, a minha prima ela tem uma fixação em texto de
aniversário. Ela tem que fazer um texto. Aí tipo, foi o aniversário de um tio
nosso esses dias e todo mundo mandou parabéns, tipo, no WhatsApp sabe,
parabéns, felicidades. Ela não, ela fez um textão e não é pra aparecer, não é
para dizer que ela é melhor que os outros, sabe. Ela só gosta mesmo. Ela faz
texto pra tudo e até a gente até zoa, virou zueira na família, tals, que ela
consegue fazer textos, tipo, sobre a água “Vamos fazer um textão sobre a
água”, e é tipo... Mas não é pra aparecer, tanto que ela nem recebe tipo... É
porque ela gosta mesmo de tipo, acho que até pra demonstrar carinho sabe,
ela gosta de postar fotinha com parabéns bonitinho e tals... E não é pra...
Pelo menos é o que a gente percebe, que não é pra ibope da família ou pra
ser diferente dos outros, é só pra mostrar aquela demonstração de carinho
mesmo. (Helena, Grupo 6)

Apesar da potencialidade de exposição e visualização, nem todos conteúdos são vistos


e percebidos. E o retorno interativo, através de likes e comentários, não necessariamente são
indispensáveis para a manutenção de posicionamentos e colocações nas redes sociais digitais,
dependendo da pessoa que o faz e das razões dela.
Identificamos que os sujeitos, no que se refere à criação da própria imagem digital,
sentem descontrole, pois percebem não ser um produto só deles. As informações básicas
dependem da própria ação, mas há diversos conteúdos colocados por terceiros, referentes a
ele, que também vão somar em sua composição. As informações colocadas por outros podem
não ser aceitas para exposição na página da própria pessoa, mas isso não impedirá que circule
pelo feed de notícias.
Há recursos de privacidade, mas que não são percebidos como totalmente seguros.
Além de que, os participantes identificam que, em termos de plataforma como um todo, não
há sigilo de dados, pois ela tem acesso a eles, de modo que esse controle de certo modo é
ilusório. Essa ideia confere com Kirkpatrick (2010), onde consta que as informações na
internet têm visibilidade, proliferando não só nela própria, mas em outros lugares.
Os participantes também percebem que nem todos os dados são vistos e expandidos,
mas têm potencialidade para tal. E nesse meio, nem as crianças ficam a salvo, pois há pais que
divulgam suas imagens, que ficarão registradas.
Aprofundando a questão de construção da imagem nas redes sociais digitais:
114

E a imagem é a sua imagem né, que você tá na internet a todo momento, por
mais que você não necessariamente tenha uma foto sua. Mas, que você tá
traçando caminhos de acordo com o seu perfil. (Bruno, Grupo 2).

[...] é tipo sua imagem que tá no Facebook. (Francisca, Grupo2).

Há uma imagem de sujeito sendo criada na rede, constantemente a partir de todas as


manifestações colocadas, assim como percursos e interações realizadas. Caminhos são
traçados não só pelo próprio indivíduo, mas por terceiros que compartilham vivências e
interagem pela plataforma. Esse processo pode ser consciente ou não:

As publicações tornam tudo muito mais pessoal e personalizado. Igual, agora


você tem que pensar o que a pessoa vai pensar, sabe, tipo, você tem que
elevar a outro nível do pensamento da pessoa, que você nem conhece às
vezes: “O que ela vai achar de você”. (Francisca, Grupo 2).

Então eu acho que a gente tem que tomar cuidado com o que a gente coloca
na nossa página justamente pelo número de pessoas tanto conhecidas quanto
desconhecidas que vão... (Ronaldo, Grupo 2).

Por isso que [...] você publicar, [...] você tem que pensar [...] a maneira certa
de escrever no Facebook. (Bruno, Grupo 2).

E muitas publicações facilitam muito mais o julgamento. Deixa a sua


imagem escancarada e muito pessoal, que não é assim sabe. (Francisca,
Grupo 2).

Com a consciência desse processo de criação de imagem, o sujeito pode ficar inseguro
quanto às consequências de sua expressão na rede e das possíveis interpretações que pode
gerar. Publicações, ao invés de serem compreendidas enquanto partes, podem ser percebidas
enquanto totalidades, exagerando sua dimensionalidade:

E às vezes você acaba por julgar uma pessoa pelas publicações dela, sendo
que pessoalmente ela é outra coisa, sabe. Não, quer dizer, as pessoas
entendem necessariamente que você partilha o que você é, só que nem
sempre é assim. Às vezes é um ponto de vista diferente ou algo que te chama
a atenção. (Francisca, Grupo 2)

Por outro lado:


115

Eu sinto que tipo, o mundo virtual não deixa de ser uma ramificação. Tipo,
ele continua sendo vida real, então, tipo, se uma pessoa curte uma página
homofóbica, por exemplo, no Facebook, tipo, eu não vou querer um contato
com ela. Tipo, na real, porque eu sinto que a internet e a vida real, tipo, são a
mesma coisa. Porque a internet é a vida real. E eu sinto que a gente tem
muito essa ideia de que online as coisas que a gente faz é uma outra
realidade e tipo... Não é, é a mesma realidade. Tudo o que você vai fazer
online tem consequências na vida offline, porque tipo... Tudo isso é vida real
e tipo, tudo o que você faz é você fazendo.(Fabiane, Grupo 3)

Com as novas tecnologias, os âmbitos presencial e digital cada vez mais se


confundem, de modo que, é fato a representação do sujeito em ações na rede social digital.
Mas, não necessariamente equivalem ao seu estado de humor e momento:

Às vezes você tá, sei lá, estudando pra caramba, meio cansado não sei o que
e você posta o meme engraçado, sabe, tipo. Nossa, e as pessoas vão rir e tal,
mas as pessoas não sabem muito bem que você tá lá acabado, que você
queria estar de férias, mas você não tá, sabe. E aí... (Cibele, Grupo 3)

Pode haver o desejo de estimular determinado afeto nos outros, ou representar


determinado momento.

Que a pessoa faz um vídeo, que ela posta uma foto, não necessariamente ela
tá naquele estado. [...] Pode contar as vezes que, enfim no... Instagram, no
Facebook que você vai publicar uma foto “Nossa, eu tô morrendo, nossa eu
tô mal, nossa eu tô um lixo hoje.” Você não tem foto assim. A maioria que
você tem “Ah... que que é, tô na praia. Nossa tô numa festa. Nossa aqui eu tô
esbanjando com o meu carro.” Então é isso, “Tô sorrindo”. Mas na verdade
você não tá sorrindo. Você só tá sorrindo praquela determinada foto, pra
outras pessoas verem que você tá feliz, no caso. Mas não necessariamente
aquilo que tá acontecendo com você. (Bruno, Grupo 2)

Teve um caso daquela flogueira sei lá, australiana, que ela expos a vida. Ela
falou “Ah, essa roupa aqui me pagaram pra usar e eu nem saí como ela.
Botei, tirei a foto pro Instagram, já tirei a roupa e fiquei de pijama vendo
TV”. E assim... Você se arruma toda, tira fotinho “Eu saí à noite gente”, mas
não, Netflix... (Amanda, Grupo 6)

A transmissão da imagem pode, portanto, não corresponder à realidade vivida e


cotidiana, mas a uma imagem construída, inclusive a nível utópico, geralmente representada
por uma fração de segundo que fica formalizada. É comum a prevalência de conteúdos felizes
em detrimento de informações negativas.
116

[...] eu tenho uma amiga minha que ela briga com o namorado dela todos os
dias, mas todos os dias tem uma foto deles dois abraçadinhos sendo um casal
feliz. Quem vê de fora acha que tá lindo, maravilhoso, mas quem conhece
ela sabe que eles brigam todo dia, entendeu? Todo dia eles tão brigando e
todo dia tem uma foto linda, maravilhosa. Então é uma realidade utópica que
não existe. (Helena, Grupo 6)

A temporalidade das imagens também não precisa corresponder ao período real, pois
há possibilidade da postagem ocorrer depois dos acontecimentos:

Às vezes, eu tenho amigos meus que postam uma foto, tipo, saiu no dia 24
de agosto, no dia 24 de novembro ela posta uma foto e aí você fica “Mas ela
tava comigo hoje o dia inteiro, como que ela saiu?”. Não, a foto é, tipo, de
outro dia, sabe? Só que quem vê de fora não conhece, não convive né... “Ah!
Nossa, fulano sai muito hein!”. (Helena, Grupo 6)

A postagem pode também ser simbólica, não necessariamente representar a situação


tal como se apresenta:

Um caso estranho é que a minha amiga, a minha melhor amiga, ela sabia
quando eu tava triste porque eu postava foto minha quando eu tava triste,
com filtro, cabelo... A pessoa deve achar que eu tô feliz postando, mas não,
eu tava triste, eu queria likes, eu queria que falassem “Ah, você tá tão
bonita.”. (Amanda, Grupo 6)

Sobre essa questão da representação não corresponder à realidade concreta, podendo


ser manipulada de acordo com o afeto que o sujeito deseja estimular no outro, os participantes
colocaram:

Que é criar uma realidade que não existe, tipo... É utópico. Você posta um
negócio que... Justamente esse pessoal que costuma postar muito a vida,
sabe, postar no dia-a-dia, tipo, não é assim, sabe. Não é daquele jeito.
Costuma não ser pelo menos, mas o pessoal publica. (Helena, Grupo 6).

Ele não tá se divertindo, ele não... Ele só tá postando para ganhar like ou
pra... Pra mostrar uma realidade que não existe, alguma coisa assim...
(Helena, Grupo 6).
117

Mas tem muita gente até que... Sei lá, meio que mostra uma realidade que a
pessoa não vive, sabe, só para... Por exemplo, eu vejo muitos blogueiros que
[...] Para tirar uma foto boa, a pessoa tá na lua de mel. Poderia estar curtindo
a lua de mel, mas a cada cinco minutos está atualizando alguma coisa para
mostrar “Olha o que eu estou fazendo”, sabe. Muitas vezes a vida da pessoa
nem é aquilo, mas... Sabe, para mostrar, para passar uma imagem de que tá
tudo ótimo, de que “Olha, seja assim”, sabe, “Olha só o que fazem”, então...
Isso acontece muito nas rede sociais sabe, tipo muito mesmo. Às vezes a
pessoa posta uma foto, você pensa que ela tá bem e na verdade ela não deve
tá bem sabe. (Laura, Grupo 3)

Nessas falas há a percepção de ilusão nos conteúdos das redes sociais digitais, pois
não necessariamente correspondem à realidade cotidiana. Os sujeitos podem investir tanto
tempo e expectativa nas imagens que desejam transmitir, na construção delas, que não curtem
a experiência do momento ou, pelo menos, não a vivenciam de modo tão atrativo quanto
fazem transparecer.
Houve também, pelos participantes, a percepção de transmissão de imagem para
ostentar e obter atenção:

Às vezes eu acho que a galera usa muito o Facebook pra tipo... Se


exibir sobre qualquer fato, tipo... Ganhei uma medalha “Ah, nossa, parabéns
por mais uma medalha pra mim”, sabe, tipo... Ganhei tal coisa, não sei o que.
(Júlia, Grupo 5).

Também tem muito daquela questão de que tipo, você posta as coisas da sua
vida meio que para ter atenção sabe. Tipo... Ah eu vou postar isso aqui,
quantas curtidas eu vou ter ? É aquela questão de, tipo, precisar de atenção
em alguns casos. (Micaela, Grupo 4).

Nas redes sociais digitais, as pessoas podem competir em termos de quem recebe mais
curtidas e comentários, por exemplo. Há formas de aumentar esses números, conforme
colocaram os participantes a seguir:

Ah sim... E sempre isso pra ganhar número de curtidas e comentários. E


sempre tem aquela pessoa também que não tá satisfeita com o número de
curtidas, aí vai lá e fica comentando na própria foto pra subir a foto na
timeline para ver se as pessoas curtem mais ainda. (Ricardo, Grupo 6)

E aí tem as pessoas que entram naqueles programas de ganhar seguidores ou


ganhar likes. (Luana, Grupo 6)
118

Notamos nessas falas, mas principalmente na colocação de Luana, a predominância do


parecer em detrimento do ser. O sujeito busca transparecer prestígio, independentemente de
sua base concreta. A imagem é o que importa.
Nesse sentido, como imagem construída na rede, os sujeitos percebem
predominantemente a transmissão de felicidade:

Muitas vezes é pra mostrar nossa imagem né. Porque se você mostrar que
você é uma pessoa triste, aí sei lá, uma pessoa infeliz, aí você pensa “O que
que as pessoas vão pensar de mim?” [...] A rede social [...] serve como uma
ferramenta de estudo e tal. Mas também ela serve pra você mostrar, pra você
se... falar assim “Olha mundo, outros indivíduos, eu sou essa pessoa.” [...]
Por isso que a maioria das vezes você vai compartilhar alguma coisa que
você tá feliz [...]
Mas eu tô falando, não necessariamente só esse aspecto das curtidas mas, é...
esse aspecto de que você tá vendendo a sua imagem pra população. Você..
tá fazendo “Olha, eu sou esse cara”, então eu entendo assim, “Eu sou uma
pessoa legal. E feliz.” A maioria, pelo menos eu acho, a maioria dos
indivíduos tentam passar essa imagem. (Bruno, Grupo 2)

Na experiência de uso, manifestações de felicidade parecem ser mais reconhecidas


pelos outros usuários e gerarem mais interação. Mas, independentemente disso, Bruno
compreende que as expressões na rede constituem a formação da imagem de quem é aquele
sujeito, independentemente dele próprio perceber isso. O indivíduo está se expondo, está se
apresentando, então por isso haveria a tendência e preferência de colocar conteúdos positivos
em vez de conflitivos e de insegurança:

É então, puxando a questão, né, que a tela do computador faz com que nós
sejamos mais corajosos, é... eu acho que... se torna mais corajoso quando
você tem um algo pra falar pra alguém. Mas agora quando é algo pessoal,
quando é algo que trata só de você mesmo, uma coisa triste ou um conflito
interno que você tá passando na sua vida, aí as pessoas têm consciência que
isso não é tão legal assim de colocar nas redes sociais. E isso acontece na
vida real também. Às vezes tá acontecendo um conflito enorme na sua vida
e... Mas você tá com um sorriso no rosto, olhando pras pessoas, tentando
disfarçar o máximo que você está mal. É uma questão de, sei lá, de ascensão
social mesmo assim. Né, de a pessoa parecer o tempo todo bem, tanto na
vida real quanto pela internet. (Ronaldo, Grupo 2)

E aí existe uma vulnerabilidade também da pessoa compartilhar coisas


assim, sentimentos tristes, né, um pouco. Né, a questão da tela do
119

computador ajuda, mas nessa questão de compartilhar sentimentos ruins da


pessoa eu acho que não ajuda tanto assim. (Ronaldo, Grupo 2)

Muitas vezes essa tristeza, a tristeza ela é mais contagiante do que a alegria.
[...] por isso que muitas vezes as pessoas tentam disfarçar essa tristeza.
(Bruno, Grupo 2)

E às vezes se você ficar triste e pensar isso, você vai acabar sendo de certa
forma isolado e isso acaba te deixando ainda mais triste. (Francisca, Grupo
2).

Ronaldo percebe que o investimento na imagem não é exclusivo às redes sociais


digitais. Existia antes delas e se estende para a vida presencial. Nas relações cotidianas os
sujeitos não saem divulgando e transmitindo suas questões internas a todos, o que acaba
também não ocorrendo na rede social, que é um tipo de extensão da vida do próprio sujeito. E
não é que o sujeito não expresse suas fragilidades por vergonha ou acanhamento, porque a
rede social favorece manifestações por propiciar sensação de proteção. Por um lado, é por
questão de status social, mesma razão que motiva o indivíduo a “comprar” likes e seguidores,
conforme mencionado em fala anterior. Por outro, pela sensação de vulnerabilidade que a
expressão das próprias dificuldades e fraquezas podem gerar no sujeito.
Pela colocação de Francisca, parece que próprios internautas não esperam encontrar
conteúdos tristes no meio digital e, quando se deparam com um, subestimam o conteúdo:

E se tem postagens, vai, sei lá, com coisas tristes, às vezes nem liga, acha
que é drama, acha que “Ah, nossa, porque que a pessoa vai fazer isso e
colocar no Facebook que ela tá triste”, sabe. Se tá triste de verdade, sabe,
ninguém faria isso [...]. (Francisca, Grupo 2)

Por outro lado, notícias de acontecimentos tristes, quando colocadas pela mídia,
trazem repercussão:

Agora assim... Esses casos de... Tipo... Do menino sírio que apareceu lá na
praia, é... [...] uma situação de tragédia e teve, tipo, muito compartilhamento
e muito, tipo, muita repercussão né. Então eu não sei se... É uma coisa ruim,
mas ao mesmo tempo é um espetáculo, né, eu não sei aonde que fica, tipo
[...] E aquela imagem ali causa, tipo, comoção mas ao mesmo tempo, tipo,
você tá passando a timeline ainda. Então acho que é meio complexo isso,
porque quando você tá no individual eu acho que é mais fácil você lidar com
120

a situação. Então, tipo, ela tem uma amiga e a nega tá passando por um
problema, você pode curtir, você pode conversar e não sei o quê. Agora
quando é uma dimensão maior assim, eu acho que o Facebook até atrapalha,
nesse sentido, porque a imagem eu acho que fica... Começa a
ficar banalizada assim, não sei... (Fábio, Grupo 4)

Vemos aqui que o participante problematiza a veiculação desse tipo de acontecimento,


pois, ao mesmo tempo que produz uma comoção, pode levar à banalização de fatos trágicos.
Além disso, aponta uma diferença entre conversar, estabelecer uma interação e ver um
espetáculo, que seriam formas diferentes de relações e posturas possibilitadas pelas redes.
O processo de construção da imagem digital do sujeito ocorre constantemente, estando
ele ciente disso ou não. Percebemos o receio de julgamentos quanto aos conteúdos colocados,
que lá ficam formalizados. Mas percebemos retórica a esse tipo de visão, pelo posicionamento
de que somos seres em movimento, que nos transformamos frente a novas experiências,
espaços e fases de vida, não sendo plausível o julgamento de postagens antigas em outros
momentos, idade e maturidade.
Essa ideia corresponde à percepção do materialismo histórico e dialético de que a vida
é constante transformação e movimento, permeada de contradições (AGUIAR e MACHADO,
2016). Nesse mesmo sentido, segundo Ciampa (1987), a identidade é compreendida enquanto
processo, em que o sujeito se constrói através de ações no mundo e em suas relações sociais.
Então como limitá-lo, em sua compreensão enquanto sujeito, a postagens realizadas em
determinados momentos?
Por outro lado, é fato que a imagem digital do sujeito tem peso de representação na
contemporaneidade, como identidade, tanto que, Kirkpatrick (2010) salienta a
responsabilidade da pessoa sobre suas ações nesse meio. Porém, os participantes destacaram
que os conteúdos colocados nesse meio não podem ser simplesmente interpretados de modo
literal, pois projeções em postagens não necessariamente vão corresponder ao que o sujeito
está sentindo naquele momento, podendo ser mais um meio de estímulo de afeto no outro do
que propriamente sua representação fiel. Também não necessariamente o conteúdo colocado
vai corresponder ao período temporal do acontecimento, assim como o conteúdo pode ser
simbólico.
Foi mencionada também a colocação de imagens utópicas, que não correspondem ao
cotidiano do sujeito. Podemos refletir que seja uma imagem, construída, que na rede é
potencializada por “eternizar” um momento enquanto registro. Houve a menção de que
principalmente são imagens de felicidade que são veiculadas nesse caso.
121

A esse respeito, identificamos que o sujeito possa estar aderindo e contribuindo ao mito da
felicidade associada ao consumo, dependendo do conteúdo que esteja veiculando e
relacionando à felicidade. São bens materiais? São produtos? Há de se considerar também que
a sociedade do consumo visa a beleza, a alegria, o sucesso a jovialidade. Mesmo que não seja
humanamente possível atingir tal felicidade apregoada, por que não construir a imagem de
que a está vivenciando? Além do mais, as redes sociais podem ser a oportunidade de o sujeito
divulgar e mostrar aos outros todos os investimentos de capital que está fazendo em si
mesmo, para atingir os padrões ideais colocados pela mídia, de roupas a vestir, pessoas a
amar, como viver, etc. É um modo de conseguir reconhecimento e de mostrar que está tendo
sucesso na vida e está sendo feliz, talvez sendo um modo de consolação por não ser bem
assim. (GONTIJO, 2009)
É como se a rede social também pudesse representar um mercado competitivo, mais
especificamente de likes e comentários. O sujeito, nessa dinâmica, acaba por se tornar produto
também.
Quanto à imagem de tristeza, ela não aparenta ser comum nesse meio. E o sujeito
parece recear ter sua imagem relacionada a tal sentimento e expor as próprias fragilidades,
pois a exposição nesse meio significa registro de um momento. Não costuma trazer status, não
é um fim perseguido assim como a felicidade e, por ir contra a ideologia hedonista do prazer
imediato, pode afastar os outros.
Já notícias de catástrofes tendem a gerar repercussão, segundo os participantes, mas
aparentemente só em termos de comoção momentânea e sem possibilidade de interferência.
Por outro lado, compreendem que solicitações de ajuda de pessoas mais próximas tendem a
gerar resultados mais concretos de auxilio, para além do simples espetáculo.
Outro fenômeno presente nas formas de interação possibilitadas pelas redes é o
stalkear, um tipo de “perseguição” daquele de quem se deseja saber mais a respeito.
Considerando que nas redes sociais digitais a imagem das pessoas está exposta, é
facilitado o processo de coletar informações e dados de quem se deseja:

É muito mais rápido porque stalkear a pessoa agora é em 2 segundos assim.


[...] você sabe bem mais rápido e com mais detalhe, tal. [...] Tem registro das
coisas que a pessoa fez, entendeu. (Cibele, Grupo 3).

E como a curiosidade é inerente ao ser humano faz sucesso. E é por isso que
as redes sociais estão aí. (Sabrina, Grupo 3)
122

Consigo muita informação de quem é a tal pessoa, nã, nã, nã, que aconteceu
antes com ela e é isso. Porque o Facebook ela é uma grande fonte de
informação da pessoa, mesmo que a pessoa nunca tenha falado com você,
você consegue saber bastante coisas em geral, onde ela mora, com que ela tá,
quem é a mãe dela, sabe. Você vê quem... Ah, tipo, a mulher velha que
comentou na foto dela. [...]Tipo, o quê que ela estuda, onde ela estudou.
Você consegue muita coisa, sabe, chega até assustar, né. (Júlia, Grupo 5)

E uma mínima informação que você coloca no Facebook dá pra pessoa saber
sobre muita coisa sobre você, assim. Eu tenho um exemplo de uma amiga
que ela começou a gostar de um cara e em uma semana assim stalkeando ele
de entrar no perfil dele, aí encontrar o perfil da mãe, encontrar o perfil do
pai, encontrava o perfil da vó, e ela descobriu aonde os pais dele
trabalhavam, onde ele morava, ela descobriu que ele iria passar as férias no
lugar x. E ele nem postava muita coisa. [...] Dá para saber... Mesmo se você
não quiser mostrar muito sobre você, sempre tem alguém que tem mais
informações sobre você e assim... É uma porta de entrada para muita coisa.
(Laura, Grupo 3)

Compreendemos, através das falas, que o conhecimento de pessoas de forma indireta é


muito mais rápido hoje em dia, visto que nas redes sociais digitais ficam formalizados
diversos registros a respeito delas. E essas informações vão além de postagens do próprio
sujeito, sendo possível captar diversos dados dele através da visualização de interações,
identificação de laços familiares, cada qual contribuindo para a formação da ideia sobre quem
ele é.

E essa história de stalkear, de você ir atrás da pessoa, descobrir informações


sobre a vida dela antes de adicionar ou... Isso faz com que você olhe para
pessoa de uma maneira diferente, sendo que, por exemplo, alguém que você
gostava e você foi lá, descobriu que ela curte alguma coisa que você
abomina, por exemplo. Aí você passa de uma pessoa que você gostava de
uma grande diferente, baseada em alguma coisa que ela fez na internet.
Então eu acho que assim, a gente precisa tomar muito cuidado com essa
relação e as nossas prioridades virtuais e o como isso vai ou não afetar o
nosso relacionamento real, assim, de carne e osso sabe. (Natacha, Grupo 3)

Nessa fala aparece preocupação que já surgiu no núcleo 3, que é a de supervalorizar


ações da rede, como se representassem a totalidade do sujeito, quando na verdade
correspondem a parte dele. Além disso, a metamorfose existe e, ações passadas, podem não
mais representar a pessoa, apesar de lá estarem formalizadas, conforme fala que segue:
123

Também tem muito aquela coisa... Quem tem Facebook há muito


tempo, tipo, fez lá em 2010/2011, meio que quando começou... Meu, quatro
anos, cinco anos a gente muda, tipo... (Cíntia, Grupo 4)

Tipo, tem uma página no Facebook que eles pegam os tweets do Neymar lá
de 1900 e tralalá e aí eles ficam colocando na internet. Eu acho
engraçado, mas tipo... É isso que ela falou que tipo, as pessoas mudam. E
tipo, são os tweets, tipo, muito tipo nada a ver, tipo, que eu acredito que não
tenha muito mais a ver com ele agora. (Micaela, Grupo 4)

A vida se transforma e está em constante movimento. As pessoas também se


metamorfoseiam, através de suas vivências e relações. Elas não são, portanto, estagnadas, de
modo que as manifestações na rede devem ser compreendidas de modo contextualizado,
considerando o período da vida do sujeito e, dentro do possível, atravessamentos do contexto
sócio-histórico.
Por outro lado, é inegável que as expressões nesse espaço representam de alguma
forma aquele que as faz, nem que seja para determinada construção de imagem que não
corresponda à realidade cotidiana e presencial. Também, é inegável que empresas e pessoas
comuns estão recorrendo a perfis de redes sociais digitais, com destaque ao Facebook, para
conhecimento e identificação de públicos.
Esse stalkear pode ocorrer para o conhecimento de alguém desconhecido, como
mencionado, mas também de acompanhamento daquele que já se conhece, como é o caso de
ex-namorado(a):

Você pode nunca mais falar com cara, mas você vai stalkear ele, alguma
hora você vai stalkear ele. E aí a gente não exclui, ou exclui porque...
(Cíntia, Grupo 4)

Percebemos, nesse sentido de stalkear, o interesse em saber como o sujeito está, em


termos de averiguação de imagem. Em contrapartida, transparece também o desejo de ser
stalkeado, para mostrar que está em melhor de vida.

Às vezes é uma cilada né, você monitorar. Porque parece que o outro tá
muito melhor do que você e aí você começa a ficar “meu Deus, tipo... Olha
quanta coisa essa pessoa tá fazendo e eu tô aqui... Nã, nã, nã. (Cibele, Grupo
3)
124

E nesse processo de observar como estão os contatos, caso sejam feitas comparações
com a vida do outro, pode gerar baixa auto estima.
Como as redes sociais, com destaque ao Facebook, são ferramentas de
acompanhamento do que os outros estão fazendo, é um “prato cheio” para bisbilhotices
(KIRKPATRICK, 2010). Podemos refletir a esse respeito quanto ao processo de stalkear o
outro. Como as imagens são construídas nesse meio, não só pelo sujeito de forma direta como
indireta por outros, diversas são as formas de obtenção de dados, até porque, mesmo com a
utilização de recursos de privacidade, sempre há informações que não são contempladas por
tal função.
Nem mesmo é preciso conhecer o sujeito de forma direta, desde que se consiga o
nome e sobrenome dele. Com esse contato prévio, já é possível vislumbrar imagem sobre o
sujeito, apesar de haver receio de que seja feita de modo a superestimar os conteúdos
dispostos, podendo incorrer em erro ao julgá-lo.
Já quanto ao acompanhamento de conhecidos, pode trazer frustração pois, conforme
verificamos, há valorização da felicidade nesse meio e, a comparação com a imagem
projetada pelo sujeito, geralmente de felicidade e sucesso, pode provocar mal estar.
A imagem do sujeito, além de ser formada pelas publicações e interações que realiza
na plataforma, também é pela quantidade de amigos que possui na rede:

[...] as pessoas levam muito a sério a quantidade de amigos. (Maria


Eduarda, Grupo 1).

Aí tanto é que falam né, é tipo muito clichê isso, mas isso é uma coisa
verídica. Que fala assim, meu, eu tenho dois mil amigos no Facebook, mas
quantas pessoas são amigos seus de verdade, que você pode contar, sei lá,
dez. É, isso é uma triste realidade, mas é o que realmente acontece. [...] Mas
enfim, tá lá amigo, então é seu amigo, então você vai relevando, você vai
excluindo e vai falando “Ah tudo bem”. Eu aceito isso, mesmo sabendo que
a realidade é outra. (Bruno, Grupo 2)

E sei lá... Eu tenho a sensação que esses números assim de amigos é mais
um número de depósito entre aspas. Tem um monte de gente que você pode
até ter falado por muito tempo e tal, mas que hoje em dia você nem sabe
como a pessoa tá, onde ela tá, mas ela tá ali marcando mais um desse
numerozinhos. (Rebeca, Grupo 6)
125

“Tipo, de falar assim eu não falo nem com 10% das pessoas que eu tenho no
Facebook.” (Larissa, Grupo 5).

“Tenho mais de 2.000 eu acho. [...] Nossa, eu falo com uma, só falo com
uma, só falo com uma pessoa.” (Ana, Grupo 5).

Porém notamos que, apesar da grande quantidade de amigos ser um objetivo visado,
ser motivo de status, é questionado o quanto realmente esses amigos contribuem para o
sujeito ou são significativos para ele. O termo amigo em si é questionado enquanto conceito,
visto que seu significado difere da proposta de adição de contatos das redes sociais digitais,
que por vez são comparadas a depósito, demonstrando que nem todos que ali estão são
relevantes. O próprio contato com essas pessoas adicionadas é reconhecidamente limitado.
Percebemos que a construção da imagem do sujeito, é resultado não só de ações do
próprio, como de seus pares, podendo gerar, portanto, sensação de descontrole do que fica
formalizado nesse meio, pois não depende dele unicamente. Como essa imagem digital é
construída por conteúdos que ficam registrados, há o receio de julgamento sobre eles, de
modo descontextualizado, desconsiderando o momento específico da vivência do sujeito. Ao
mesmo tempo, não deixa de ter o peso como representatividade da identidade do sujeito, e por
isso a responsabilidade dele na postagem de conteúdos.
Imagens colocadas podem não corresponder à mesma temporalidade do
acontecimento, assim como ao sentimento dele, podendo inclusive representa-lo
simbolicamente. Elas também podem ser usadas para estimular afetos no outro, assim como
para alimentar o mito da felicidade ligado ao consumo, permeando ideais de beleza, modos de
vida, etc., onde os sujeitos acabam por se tornar produtos para a obtenção de likes e interações
de reconhecimento. A quantidade de amigos também pode representar índice de sucesso,
independentemente do contato efetivo com ele. Quanto a tristezas e fragilidades, há
preferência por escondê-las. Os espetáculos de tragédia tendem a gerar comoção, mas sem
tanta possibilidade de intervenção direta quanto o pedido de ajuda de um colega próximo
poderia possibilitar.
E por fim, com essa disponibilidade de dados referente aos sujeitos nas plataformas de
redes sociais digitais, representando imagem digital, fica muito mais fácil encontrar
desconhecidos e acompanhar conhecidos.

Núcleo 5 – “Pela internet você encontra outras pessoas”... sobre encontros e desencontros
126

As redes sociais digitais, com seus vários recursos, além de possibilitarem contato e
interações com pessoas do cotidiano, também viabilizam o encontro de outros com ideias
afins, principalmente através dos grupos e páginas, conforme falas dos participantes.

Tipo, eu não sei se todo mundo aqui se identifica como mulher, mas tipo,
como mulher o Facebook e a internet no geral, me deu ferramenta de, tipo,
aceitação, e de tipo... Eu combater várias visões machistas que, tipo, eram
internalizados em mim. Tipo coisas que eu falava que, tipo, é e que eu fui
percebendo por causa da internet, por causa do contato que eu tive com
pessoas que, tipo, pensavam diferente, tipo, mulheres que eram feministas e
eu tive contato com isso por causa da internet. Então, tipo... Facebook
também tem esse lado que é muito positivo. Não só Facebook né, todas as
redes sociais. (Fabiane, Grupo 3)

É e tipo, você se sente tão sozinha e aí do nada você olha e fala tipo “Nossa,
tem pessoas que passam por isso também” tipo... E tem um motivo pelo
qual a gente tá passando por isso. Tem, tipo, todo um contexto e faz muito
sentido, a gente não tá sozinha. (Fabiane, Grupo 3).

Ou tipo, por grupo mesmo de faculdade, de curso, ou você tem algum


interesse e você entra no grupo e tem várias informações, as pessoas
conversando sobre aquele mesmo assunto que você quer saber. Tipo, eu uso
mais para essas coisas mesmo. (Isabel, Grupo 4)

Os grupos no Facebook viabilizam contato com pessoas que possuem ideias comuns
ao sujeito, e que no cotidiano, aleatoriamente, seria muito mais difícil de identificar. Para
tanto, basta dispositivo de acesso e internet, não havendo necessidade de se locomover, nem
pagar, podendo a todo o momento interagir e se deparar com pessoas que querem conversar e
tratar sobre o mesmo assunto. Essas trocas viabilizam inclusive contato com outras
experiências de vida, assim como o acesso a outros pontos de vista, que aumentam o escopo
de conhecimento do sujeito, podendo contribuir para o processo de mudança de paradigmas,
de combate de estigmas, tais como ideias machistas, conforme comentado por Fabiane. Toda
essa intensificação de trocas de conhecimentos, experiências e interações, potencializam
mudanças de percepções e reflexões do próprio sujeito, que antes poderiam demorar muito
mais tempo para acontecer.
127

Tem coisas que são muito pesadas e que, sei lá, é melhor você não postar.
Mas tem situações em que a pessoa, por exemplo, não tem ninguém que
você, sei lá, confie muito para falar sobre certos assuntos ao seu redor,
assim. Então pela internet você pode encontrar outras pessoas que talvez
você se sinta mais segura para falar aquilo, sabe. Foi inclusive assim que eu
encontrei minha psicóloga, sabe. [...]
Então às vezes ajuda, sabe. Às vezes você quer falar certas coisas com
pessoas que você não conhece, porque você sabe “Essa pessoa não vai me
queimar tanto” sabe. E já tem pessoas que você conhece que se você contar
aí ela pode fazer um estrago ainda maior sabe. (Laura, Grupo 3)

A rede social digital pode ser recurso para encontrar ajuda externa, e, em certo sentido,
de uma maneira mais protegida. Segundo os participantes, apresenta potencialidades também
em relação a articulação em torno de ações, campanhas; para oferecer ajuda; enfim,
possibilidades de contato diversas.

Até mesmo grupo do Face, eu já vi muito caso de tipo... A minha amiga


desapareceu na cervejada, e aí o pessoal fica lá compartilhando foto da
menina, “Ah já encontraram”, sabe, é bem assim mesmo. (Laura, Grupo 3).

[...] tem o projeto cão feliz [...] Os projetos de arrecadação para ajudar a
comprar ração essas coisas é tudo divulgada pela internet. Eles conseguiram
arrecadar, conseguiram vender as camisetas, conseguiram mais roupa de
venda. Inclusive o número de adoções aumentou bastante. Eu tenho vários
amigos lá que fazem parte dessas ONGs, assim. E o número de adoção
aumenta muito com o alcance que tem a rede social. (Natacha, Grupo 3)

A intermediação tecnológica facilitou a associação de pessoas com ideais afins,


visando reivindicações, independentemente da distância física do sujeito. A transcendência do
encontro presencial está contribuindo para a luta por direitos. Mas há paradoxos que devem
ser considerados. Se por um lado a população está conseguindo se organizar e reivindicar de
modo mais equânime com relação ao Estado, por outro lado, pode estar sendo mais
monitorada, pois a internet facilita esse acompanhamento, visto que os conteúdos ficam
registrados. Se também é mais fácil combinar ações, ao mesmo tempo não se elimina o risco
da adesão fácil e descomprometida, que termina por resultar em fracasso da ação combinada.

Porque a gente tem um Estado aparelhado, tem uma polícia que tá


aparelhada e... Cada vez... Principalmente o jovem usa o Facebook como
aparelhamento também. Então tem o lado positivo que... É... Eu tava lendo
livro sobre a ditadura que tava falando o rolê que você tinha de programar
128

uma reunião para ir lá fazer assembleia, debater. Hoje não precisa mais
disso. É muito legal, você tem uma assembleia na Prainha. Mas você pode
debater suas ideias num grupo de Facebook. Claro, é fácil também pro
Estado, o aparelhamento, tá te monitorando, mas é...
(Sandra, Grupo 3)

[...] a força de alguns movimentos parece que vai ser gigante, todo mundo
marca presença no Facebook, assim, vamos, aí chega lá e não tem ninguém.
(Amanda, Grupo 6).

Porque as pessoas se escondem atrás das redes sociais, né. [...] Então elas
jogam tudo o que pensam nas redes sociais, mas na hora de ir, de agir, elas
se escondem. (Ricardo, Grupo 6).

Consideram que, apesar da potencialidade de articulação na rede, nem sempre os


planos realizados nela transcendem para o espaço presencial.

E eu acho que a rede social funciona como um ouvido para uma queixa.
Você ganha expressão dentro da rede social, que você não teria talvez
coragem antes disso. (Sandra, Grupo 3).

A colocação de conteúdos na rede social em si é um modo de expressão, de


posicionamento perante o mundo e de reivindicação, podendo trazer resultados ao sujeito, e
onde ele se sente protegido.

Teve uma questão aqui na PUC, que já foi resolvida, mas... De eu sofrer um
assédio de um professor. E eu postei sobre isso no Facebook, porque é algo
que eu acredito que tem que ser divulgado, que as pessoas têm que saber. Eu
postei no Twitter, eu posto mais no Twitter. (Fabiane, Grupo 3)

Pode ser inclusive meio para a realização de denúncias, tanto em nível do núcleo
cotidiano do sujeito, como em termos de sociedade.

Então, hoje, eu posso falar mal do Estado, eu posso pôr o meu pensamento
ali na rede social. É diferente de eu ir na frente da prefeitura causar,
protestar, que eu sei que vai ter... Vai chegar polícia, vai me tirar, eu vou
sofrer agressão. (Sandra, Grupo 3).

[...] às vezes eu não vou ter coragem de chegar, ir falar, denunciar uma ação
da polícia que eu vi, mas eu posso de repente ter filmado e postar isso. Dá
129

repercussão, não só na internet, mas na própria televisão. E a gente já tem


vários fatos que realmente, positivamente nesse lado, a internet é positiva.
(Sabrina, Grupo 3)

Que antes das redes sociais nem todo mundo tinha coragem de falar de um
problema. Medo de retaliação física, moral. (Sandra, Grupo 3).

Pela ação mediada, as pessoas não percebem risco físico imediato, o que facilita o
posicionamento e colocação de ideias a respeito do que não concordam, o que justifica a
sensação de proteção. Os recursos de mídia, tais como foto e vídeo, podem chamar a atenção
e fundamentar a gravidade do assunto em questão, contribuindo para maiores resultados.

E dá muita voz também né. No caso eu vejo a questão dos imigrantes. Tem
imigrante que chega aqui e ele não pode sair na rua e começar a falar o tipo
de violência que ele sofre. Mas pela internet, se ele grava um vídeo, se ele
faz um texto, é... Vai atingir muito mais gente sabe.[...] É... Pessoas que
sofrem abuso e que não têm coragem de falar aquilo, elas pedem ajuda pela
internet sabe. (Laura, Grupo 3)

É... Porque assim normalmente, eu falo principalmente desses estrangeiros,


porque houve outro dia no Brás um haitiano apanhando da polícia e ninguém
tava fazendo nada sabe. Se alguém filma aquilo e posta na internet, nossa...
[...] Vai ter uma repercussão e vai ter gente que vai sim querer que tipo... sei
lá, que alguma coisa seja feita com relação a isso. As denúncias são as... A
pessoa não tem coragem de, por exemplo, chegar na polícia e falar tal coisa.
Aí eu já vi vários casos de denúncias que eram assim, de mulher que...
(Laura, Grupo 3)

A população menos representada também pode recorrer à tecnologia das redes sociais,
assim como das ferramentas de áudio e vídeo dos smartphones, para denunciar abusos e
reivindicar direitos. Não necessariamente ela precisa ter essas tecnologias, visto que não são
acessíveis a todos em termos financeiros, mas transeuntes que as possuam podem flagrar
injustiças, irregularidades e dispará-las na rede, disseminando-as, podendo atingir
representantes que a defendam.

Porque por exemplo, um caso de questão indígena... Tem um quilombo perto


de Sorocaba que tava com problema, que uma empresa grande, imensa, tava
querendo desapropriar. Esse quilombo não era reconhecido, tava na internet
pedindo ajuda, contando a história do quilombo, que ele foi reativado há
pouco tempo, mas ele é de décadas atrás, séculos até. Então você vê que
130

força tem aquela comunidade cara a cara com essa empresa imensa
entendeu? Não tem nenhuma força. Eles podem parar a estrada, ficar com
umas plaquinhas lá, vai comover quem está passando ou não, mas qual que é
a expressão, a força? Até onde vai essa força? Eu acho que dentro das redes
sociais o positivo é que ela da voz e dá força, não é só dar voz. Você pode
sair na rua e na ir na Sé protestar. Só que qual que é a extensão daquilo?
Qual é o tamanho que vai tomar aquele fato? Já a rede social ela amplia isso
e é benéfico para algumas minorias. (Sandra, Grupo 3)

Na relação presencial pode haver a comparação entre a quantidade de pessoas que está
reivindicando, ou mesmo a roupa e o modo de se portar podem ser pontos de observação e
consideração na escuta das partes. Já nas redes sociais digitais há outra configuração
relacional, outras formas de representação, com base nas linguagens de imagem, áudio e
vídeo. Pode-se discutir em que medida tais recursos possibilitam um enfrentamento que
questione as bases de poder de um grupo sobre outro. Ou em que medida potencializam as
ações e reivindicações das minorias. De qualquer forma, os participantes apontam que as
redes sociais representam possibilidades nessa direção.

E outra coisa, assim também é que a força tá se mostrando tanto nesse


aspecto, tanto que tem muitos políticos que estão realmente se sentindo
super atacados por posts, tanto em Facebook quanto em Twitter. Já tá
rolando processo [de políticos contra internautas que fizeram postagens
sobre eles] (...) Então, de uma forma ou de outra, é um meio que está sendo
usado pra isso também de uma forma eficiente nesse aspecto, assim.
(Rebeca, Grupo 6)

Ações circunscritas na rede impactam, incomodam, mesmo que, por vezes, essa
potencialidade seja superestimada.

Não, eu acho que esse ponto é inegável, né. Tem muita gente que discursa
bastante no Facebook, mas é... Não tá disposto a agir de fato, né. [...] Tem os
dois lados, né. Um do que é o Facebook, que realmente, querendo ou não,
por mais que tenha muita gente que não vá, virou um ponto. Virou um ponto
agora de organização e que tem dado muito resultado.(...) Mas também tem
esse outro lado da questão das pessoas que só estão ali falando, falando,
falando, mas também não estão dispostas a agir. Então eu acho que me vem
essas duas interpretações assim. (Rebeca, Grupo 6)

Então, temos que considerar que há diferentes usos e diferentes impactos provenientes
desses usos das redes sociais digitais. Há aqueles que se posicionam, colocam as próprias
131

ideias nesse meio que faz uma intermediação nas relações sociais, a partir de uma sensação de
proteção que eles provocariam; mas há também aqueles que, presencialmente, não agem de
modo coerente ou mesmo se omitem. Por outro lado, há pessoas totalmente congruentes
nesses dois espaços, em termos de expressão e ação. De qualquer modo, como já verificamos
em falas anteriores, a expressão em si na rede é potencialmente geradora de impactos, não
sendo obrigatória a ação presencial para efetivação.

Acho que eu falei, né, que as pessoas usam a rede social para falar sobre
assuntos sociais, assuntos políticos e usam isso como ferramenta para
discutir isso também, enfrentar os problemas sociais, políticos, mas que
muitas vezes não resolvem. (Maria Eduarda, Grupo1)

Mas apesar da potencialidade de resolução, não é garantido que sempre se efetue.


Nesse sentido, as redes sociais digitais seriam mais um recurso de manifestação e
posicionamento, com um potencial não garantido de resolução.
Outro porém é que, apesar da sensação de proteção viabilizada pela mediação
tecnológica durante o acesso à internet e às redes sociais digitais, não há total garantia de que
o sujeito esteja imune a consequências:

Sem falar que o meu pai ele sempre pega muito no meu pé porque eu posto
coisas tipo “A polícia militar tá fazendo tal coisa...” e ele fala “Você não
sabe o que eles podem fazer, você não sabe do que eles são capazes”, sabe. E
eu acho que entra um pouco nessa parte de até que ponto a sua segurança ela
tá... Ela tá garantida por meio das coisas que você fala e da forma de você se
impor, porque infelizmente a gente vive num país, num mundo totalmente
violento, né. As pessoas acreditam que tudo se resolve, sei lá, com armas e
enfim... Então eu acho que entra muito nessa parte de não querer se
posicionar pra algumas coisas, pra algo... (Ana, Grupo 5)

Notamos através da fala, receio de retaliação quanto a posicionamentos colocados na


rede.
Percebemos então, dentre as potencialidades das redes sociais digitais, que elas
facilitam o encontro entre pessoas que possuem ideias afins, através de grupos e páginas,
podendo favorecer mudanças e possibilitar encontros de mútua ajuda. Também são
importantes ferramentas para o desenvolvimento de campanhas, para a associação de pessoas
que visam reivindicação, assim como para a realização de denúncias.
132

A respeito desse processo de maior representatividade do sujeito, Jenkins (2006) o


denomina de cultura participativa, que compreende a apropriação pelas pessoas dos meios de
comunicação, da internet e de seus dispositivos de acesso, propiciando maior atividade e
participação frente às mídias e instituições, de modo mais paritário, demandando a
reformulação organizativa e de estratégias dessas instâncias para esse contato com o público.
Com posse desse ferramental e manipulação da mídia digital, as pessoas ganharam voz,
passaram a produzir e disseminar conteúdos. E as redes sociais digitais representam mídia
importante que facilita diálogos, combinados e contatos com pessoas que compartilham ideias
comuns, ideia similar ao que foi mencionado neste núcleo.
Apesar da potencialidade de articulação nas redes sociais digitais, não significa que
transcendem para o espaço presencial, mas não necessariamente esse movimento é essencial
para a efetivação de reivindicações, visto que a expressão digital em si pode gerar resultados.
Houve menção de que pelo espaço digital o sujeito se sente mais protegido, o que pode
favorecer assumir posicionamentos. Por outro lado, houve dúvidas quanto à real proteção
frente a conteúdos colocados. De qualquer modo, há uma potencial geração de impactos nas
ações realizadas nessa plataforma.
Kirkpatrck (2010), a respeito de manifestações na rede social digital, coloca que
realizar reivindicação através dela é similar a assinar petição com nome e endereço. Então,
percebemos a representatividade e responsabilidade envolta nessa ação, não sendo tão simples
quanto a percepção de alguns leva a crer.

Núcleo 6 - “O legal dessas redes é que elas são muito mais completas...” – sobre mídias
tradicionais e contemporâneas

Os participantes apresentaram também falas em que comparam os meios de


comunicação tradicionais com as redes sociais digitais, apontando vantagens em seu uso.
A televisão, por exemplo, é uma mídia tradicional, que em determinado período foi
inovadora e revolucionária, mas que agora já é percebida por alguns como obsoleta.

[...] Eu não assisto jornal, não vejo televisão, [...] eu me conecto com o
mundo e eu fico sabendo das notícias por lá. (Ana, Grupo 5).

Por exemplo, não tem como eu acompanhar uma grade de uma emissora.
(Larissa, Grupo 5).
133

E o legal dessas redes é que eu acho que elas são muito mais completas que
o jornal por exemplo. Porque o jornal, querendo ou não, ele vai ter é... A
maior parte deles, eles tem um viés político, sabe. Eles vão estar postando
aquilo que, tipo eles... sei lá, que tipo eles têm que postar sabe, do lado
político deles. Já o Facebook não. [...] Eu tava seguindo a página do Mães de
Maio e elas estavam postando aquilo. Era um vídeo de sete pessoas negras
na periferia. Coisa que você não vai ver no jornal, porque envolve um tipo...
Envolve a política de uma forma muito forte, entendeu. [...]
Então você acaba vendo formas de repressão, assim, coisas que estão
acontecendo na sociedade, que tão acontecendo bem do seu lado e que,
querendo ou não, quando você pega o jornal eles não querem te mostrar
aquilo, sabe. Mas tem outras pessoas que não, elas querem que você veja.
Então é uma forma muito mais acessível, muito mais completa de receber
notícias também. (Laura, Grupo 3)

Você consegue ver aquilo por várias perspectivas, de vários jornalistas


diferentes, páginas diferentes ou jornais diferentes e consegue ali, não sei,
filtrar o que você vai ter de opinião sobre o assunto ou não. Então eu acho
que nesse sentido também ajuda bastante. (Larissa, Grupo 5)

Como vemos, foram identificadas diferenças entre as redes sociais digitais, em termos
de veiculação de notícias, e as mídias tradicionais como televisão e jornal. Há a percepção de
que nas plataformas digitais de interação não há tanta influência de interesses políticos na
veiculação de notícias quanto acontece nos outros meios de comunicação referidos,
propiciando o contato com variados vieses, além de que a oferta de conteúdos é muito maior,
possibilitando que o sujeito filtre as notícias de seu interesse.

Que é super fake ou tem aquelas notícias super sensacionalistas de... (Júlia,
Grupo 5)

E asneira não só povão, tipo, asneira tipo, é... Jornalista, é... Tipo, tem
credibilidade, como pessoas que são formadores de opinião no país às vezes
falando muita m****, né. (Larissa, Grupo 5).

Por outro lado, há a consciência de que os assuntos tratados, em ambas as mídias,


podem ser exagerados, tanto em termos de profissionais que tratam do assunto, quanto de
pessoas que, supostamente, podem ter menos interesses por trás da veiculação de notícias.
Mas, será que as postagens dos sujeitos, de forma geral, são tão afastadas de
influências? Devemos considerar que há aqueles que buscam status, reconhecimento, e, nesse
sentido, podem reproduzir mais do mesmo que percebem ser valorizado através de curtidas,
134

comentários e seguidores, pois há influências sociais na interação. Estariam, dessa forma,


também esses apenas reproduzindo valores hegemônicos.
Notamos que, apesar de em algumas falas haver percepção de que mídias tradicionais
estão ultrapassadas, sendo substituídas pelas contemporâneas, identificamos em outras que
está havendo a adaptação e a transformação decorrente das conexões entre meios de
comunicação. A televisão veicula seus conteúdos também em sites, que abrem espaços para
comentários e consequente interação com o público. Cada vez mais as tecnologias estão
convergindo, e não se limitando enquanto esferas separadas. De certa maneira, os próprios
participantes apontam essa convergência:

Tem uma modalidade dentro do jornalismo [...] que é media resourcing. Que
é uma pessoa que dentro da redação, que a função dela é rede social... [...]
Então uma denúncia. Eu já vi vários... [...] “Gente tá acontecendo isso no
meu bairro, vai fazer dois dias que tá jorrando água que a Sabesp não vem”.
Então tem uma pessoa dentro da redação que ela quer achar exatamente esse
tipo de denúncia, porque ela vai montar reportagem lá. A reportagem vai até
o local, faz a matéria, aí depois disso o órgão público, a empresa, a Sabesp, o
envolvido vai “Ah, porque agora tá na mídia!”. Então muitas pessoas usam
para denúncia, para pedir ajuda da mídia e a mídia fica sabendo através da
rede social principalmente Facebook. (Sandra, Grupo 3)

E a própria mídia mantém essas pessoas também. “Incêndio no centro do


prédio X, mande suas fotos se souberem informações, entre em contato com
a gente”. [...] Antigamente, pensando na questão capitalista, quanto custa
mandar um jornalista no local, fazer apuração, quantos dias ele vai levar para
falar com todas as pessoas envolvidas para descobrir qual é o fato para
preparar uma matéria. É muito mais fácil, por ele ser mídia, tá lá dentro e
receber online, colher do Facebook. As pessoas estão hoje com celular...
Falando do smartphone... Você tá no local, teve acidente, milhares...
(Sandra, Grupo 3)

É... Tipo... Você abre comentário do G1, do Uol, do Terra... (Helena, Grupo
6).

Para além da mídia jornalística, essa linha de pensamento, da convergência, vai


culminar na internet das coisas, em que se vislumbra a conexão entre os objetos cotidianos e o
meio digital:
135

Eu acho que isso é uma característica da integração, né, das redes sociais.
Cada vez mais a gente tá vendo menos por onde fugir. Tipo, algumas marcas
estão lançando relógio digital, então você consegue acessar a rede social,
integrar o seu relógio com o seu celular, com seu computador, daqui a pouco
com a sua geladeira, com não sei o que... Então você vai ficando cada vez
menos... Com um local para você poder se desintoxicar, digamos assim.
(Natacha, Grupo 3)

Isto posto, compreendemos que as mídias estão se transformando, se conectando, e


nesse processo de convergência, tornando-se mais complexas e potencializando suas funções,
algo que mais recentemente se aprofundou e ampliou com o desenvolvimento dos
smartphones. Percebemos, em termos de veiculação de notícias, que as redes sociais
ampliaram a comunicação com e pelo público, assim como viabilizaram a disseminação de
outros tipos de notícias, menos comerciais, mas que podem também não estar totalmente
alheias a interesses e influências. A possibilidade de acesso a outros vieses e os filtros para a
identificação de assuntos de interesse também são outras características estimadas. A
tendência é a convergência cada vez maior entre ferramentas e mídias.
Mas apesar dessa tendência, não é necessariamente essa a visão que rege entre os
participantes. Há aqueles que, ao compararem mídias contemporâneas e tradicionais,
descrevem superação das últimas pelas primeiras, percebendo-as mais como desconectadas do
que unidas.

Núcleo 7 – “Então vai filtrando também, querendo ou não... tem pessoas que têm consciência
disso e tem pessoas que não têm consciência disso.”

Porque a princípio o Facebook passa pra gente uma ideia de rede social, de
dividir dados com amigos, de conversa com amigos, de entretenimento.
(Ronaldo, Grupo 2).

É porque pra fazer publicação o Facebook já é sugestivo. Ele já tá lá tipo “O


que você está pensando? (Micaela, Grupo 4)

Aí, tipo, eu sou corinthiana, eu curti a pagina do Corinthians. Daí o


Corinthians tá jogando, “O Corinthians tá jogando com tal, comente”, sabe.
(Nicole, Grupo 4).
136

O Facebook, enquanto rede social digital, é plataforma que aparenta neutralidade. Suas
interfaces possibilitam ações como adicionar amigos, colocar postagens, criar e seguir
páginas, dentre outras funções, ficando aberto às pessoas interagirem e atuarem dentro dessas
possibilidades. Ele inclusive estimula interações, com sugestões e ações na rede.

E aí eu não sei, mas agora o Facebook tá naquela de que ele vai filtrando as
coisas, mesmo que você não peça, de acordo com que você curte, com as
coisas que você clica pra ver. Então, querendo ou não, a gente fala dessa
liberdade que você tem no Facebook de ver várias perspectivas
diferentes, mas ao mesmo tempo ele tá começando a filtrar agora, tipo, você
não vê tudo de todo mundo, você vai ver só das pessoas que você conversa
mais, das páginas que você acessa mais. Então vai tipo filtrando também,
querendo ou não. (Larissa, Grupo 5)

De acordo com o que você publica, o Facebook ele sabe o que você tá
publicando [...] Então, de acordo com a sua atividade, ele vai sugerir
algumas coisas pra você. Por exemplo, algumas páginas, alguns produtos,
algum comércio... [...] Então, de acordo com a sua atividade, aí [...] você fala
“Nossa que coincidência”. Não... não é coincidência. O Facebook já tá ali
monitorando você. (Bruno, Grupo 2)

Mas a plataforma não atua só no direcionamento de interações sugeridas na interface.


Nos bastidores, são desenvolvidos sistemas de aprimoramento da experiência dos usuários,
conforme as possibilidades de aperfeiçoamento constantemente monitoradas e identificadas,
aliadas a interesses principalmente econômicos, ou seja, de publicidade e propaganda.

Também tem aquela questão de restringir informação, pra mais uma


população política, e restringe certas coisas que não podem ter e dá uma
ideia de que vai manipular a base, sabe. (Francisca, Grupo 2).

[...] que fala que havia manipulação, igual, vai, nesses regimes socialistas,
nazistas que eles usavam de ferramentas para induzir as massas. Daí se torna
muito paranoico aquilo e, querendo ou não, como sempre vai ter uma câmera
te observando e vai ter... Vai, se você fizer uma coisa errado... Se você
pretender ir contra o mundo, você vai sofrer coerção. (Francisca, Grupo 2)

Há a percepção de que a plataforma não é tão neutra quanto transparece, e o receio de


que a influência e articulação, em nível de mediações e não diretamente expresso, aconteça
para a manipulação dos sujeitos. Esse direcionamento ocorreria pela triagem dos conteúdos a
137

serem mais ou menos expostos, conforme interesses. É um tipo de manipulação com nível
mais difícil de identificação, pois envolve o manejo de dados e de recursos da plataforma.
Ainda em termos de manipulação de dados, a identificação de usuários que realizam
determinadas postagens é facilitada, de modo que paradoxalmente ao aumento de
possibilidades de ação dos sujeitos, ele passa a ter suas atividades monitoradas.

[...] a gente pode partir do princípio que existem vários perfis de pessoas
diferentes usando as redes sociais, né. Existem pessoas conscientes da
questão se é monitorado ou não né, existem as pessoas que “ah, não, falam
mesmo”, existem as pessoas que interagem mais, existem as pessoas que
interagem menos, então tipo eu acho bacana a gente observar como cada
pessoa reage diferente nas redes sociais. (Ronaldo, Grupo 2)

Tipo, o Facebook é uma rede social enorme. [...] tem acesso às nossas
preferências, tem acesso às coisas que a gente vai comprar, às coisas que a
gente tá fazendo, porque todo mundo já deve saber que quando você tá no
Facebook, no Google, fica toda informação. Então você imagina se alguém
meio que hackeia o seu Facebook, quanto conteúdo ele não tem acesso com
relação a você, sabe. É um negócio que... (Cíntia, Grupo 4)

[...] também posta no Instagram e é compartilhado diretamente no Facebook.


(Fábio, Grupo 4).

O monitoramento e o acúmulo de dados, nas redes sociais digitais, é uma realidade,


agora o quanto as pessoas têm consciência disso e como lidam a esse respeito é variável.
Além de que, outro ponto a ser considerado, é que as plataformas estão se interconectando,
tornando mais complexas as identificações de ações e as respectivas utilizações dos dados
identificados.

[...] eu acredito que existem pessoas que sabem que o Facebook é um lugar
em que pode existir uma coerção... Em que pode existir empresas que vão no
seu perfil olhar o que você publica e que também existe a parte em que
pessoas acreditam que o Facebook é só uma rede de comunicação e que não
existe monitoramento e que elas podem postar qualquer coisa porque vão
estar... Porque não estão olhando no olho da pessoa, falando isso diretamente
para alguém. Elas só estão falando isso virtualmente e não vai existir
nenhuma coerção, né. Eu acho que existem as pessoas que tem consciência
disso e as pessoas que acabam não tendo consciência disso. (Ronaldo,
Grupo 2)
138

E às vezes, por um momento, você esquece sabe. (Francisca, Grupo 2).

Na internet você tá escondido, principalmente no Facebook, né, assim... Que


você pode publicar, você pode falar o que você quiser, que você vai estar
atrás de um smartphone ou você vai estar atrás de um computador. Então, é
pra você uma maneira mais fácil de lidar com isso.
[...] Então, acha que vai tá tudo tranquilo se ela fizer ali no canto que ela tá,
então, que não vai ter nenhuma punição. E não é exatamente isso que
acontece né. É essa dualidade do meio. (Bruno, Grupo 2)

A mediação tecnológica viabiliza a sensação de proteção, como se as ações desse meio


não trouxessem consequências, ou como se esse meio fosse imparcial, sem interesses e
interferências em seus bastidores, porém, não é bem assim. A própria plataforma, pessoas e
instituições podem utilizar seus dados, podendo ocorrer consequências a respeito do que foi
colocado.

Enfim então muitas pessoas fazem isso porque acham que não vai ter uma
punição. Mas hoje tá bem diferente. Por exemplo, é... qualquer momento, é...
se você for pedir você pode... É... Rastrear sei lá um computador, um
smartphone que... deu determinada mensagem. Então a pessoa não imagina
essa dimensão. (Bruno, Grupo 2)

A sensação de impunidade pode ser ilusória, pois na contemporaneidade, cada vez


existem mais recursos de rastreamento e identificação do sujeito que realizou determinada
ação na rede.

Nem no próprio chat, que é um pouco mais privado, você dá uma segurada.
(Cibele, Grupo 3).

[...] tem um caso de uma amiga nossa que, por exemplo, que ela chegou
para... Acho que a tia dela falou assim “Ah porque você não veio morar aqui
em tal país?”. Isso foi tudo em inbox. Daí a menina falou “Ah não, não tô
afim, agora não dá, beijo e tchau.”. No dia seguinte o Facebook mostrou para
ela a passagem de avião para tal lugar. (Luciana, Grupo 4)

Tem coisas que você tem que falar pessoalmente para pessoa. Não tem esse
negócio de rede social, que é perigoso. (Sabrina, Grupo 3).
139

Até o chat das redes sociais digitais, que propõem conversas privativas e não
divulgadas a todos os contatos, são apontados como potenciais meios de obtenção de dados e
monitoramento. Isso, pois mesmo que o conteúdo não esteja aberto a todos os sujeitos, ainda
assim é acessível à plataforma, onde ficam todas as informações formalizadas. Além de que,
mesmo em termos de relações pontuais e diretas com poucos sujeitos, as informações
encontram-se registradas, em termos de áudio, vídeo, escrita, dentre outros recursos
interativos, que facilmente podem ser compartilhados.

Esses dias eu vi uma reportagem, não lembro, uma coisa eu li sobre que, até
quando você passa devagar assim no seu touch, numa notícia, eles já sabem
o que te interessa na sua linha de tempo e eles já vão naquilo mesmo. E
realmente isso acontece. (Nicole, Grupo 4)

O que você quer encontrar, ele vai de acordo com as suas opções e vai
sugerindo algumas coisas pra você. [...] Ele é um monitoramento 24h.
(Bruno, Grupo 2).

As formas de monitoramento podem ir além do óbvio, inclusive nos mínimos detalhes.


Através dos dados levantados, sugestões podem ser feitas, como por exemplo de conteúdos
semelhantes, ou mesmo publicidades que pareçam adequadas para aquele perfil de uso e
sujeito. De um lado, esse monitoramento possibilita a personalização e direcionamento de
conteúdos que possam ser mais agradáveis ao sujeito. De outro, interferem em sua
privacidade, além de limitarem a visualização do sujeito como em uma bolha, oferecendo
mais do mesmo.

[...] tem o AdBlock que você meio que é... Elimina essas propagandas. Mas
por mais que não apareça essas propagandas, [...] o próprio Facebook vai tá
atrelado na página sabe. Então mesmo que você “Ah, vou adicionar AdBlock
então tudo tá tranquilo.” Não. Mesmo assim você vai estar continuando
recebendo coisas e sendo monitorado. (Participante 3, Grupo 2)

O monitoramento na rede é inevitável. Há ferramentas que poupam o sujeito de ver


propagandas, por exemplo, mas isso não exclui o acompanhamento que é realizado.

[...] se você escrever alguma coisinha errada, alguma crase errada você...
Não, essa pessoa vai vim aqui, vai me criticar por eu ter escrevido tal palavra
errada. Aí você vai lá e pensa, “Não, vou escrever outra palavra, porque se
140

não essa pessoa vai se sentir mal que eu escrevi isso e tá errado.” Então é
muito isso. Não só das pessoas, é um monitoramento das pessoas e um
monitoramento mundial. Então às vezes você fica meio que sem escapatória.
(Bruno, Grupo 2)

Além do monitoramento macro, ocorre também o micro, em nível de interações


daqueles que nos são próximos.

[...] nosso professor de política [...] fala assim pra gente que não tem
Facebook, porque o Facebook é uma ferramenta dos EUA usado pra
monitorar as pessoas, separar as pessoas, né, então assim, me preocupa
muito porque... [...] Eu lembro em 2013 que eu assisti uma palestra de um
cara formado em relações internacionais e ele tinha um... E ele fazia política
de esquerda, né. Uma política mais voltada pro socialismo, comunismo. E
ele foi pros EUA. E quando ele chegou nos EUA [...] Ele passou por todo
interrogatório, quase chegou a sofrer tortura pelas coisas que ele postava e
assim... Até explicar tudo foi bem difícil . Ele passou por uma situação bem
complicada nos EUA justamente pelo o que ele postava nas redes sociais e o
que ele compartilhava. (Ronaldo, Grupo 2)

O monitoramento pode servir não só para a plataforma em si, mas pode ser utilizada
por governos de modo investigativo e para triagem, como por exemplo, em situações de
traslado.

Hoje em dia realmente tá muito difícil viver sem internet. Tanto é


informação... [...] ferramenta de trabalho enfim. Várias coisas, divertimento
tá na internet. Então essa questão do monitoramento, ser vigiado, assim, é
uma questão que preocupa, mas que a gente tem que saber lidar. (Bruno,
Grupo 2)

Mas apesar da identificação das diversas interferências, da manipulação, do


monitoramento, dos riscos de servir enquanto massa de manobra, das possibilidades de
divulgação de conteúdos, ainda assim, há diversos ganhos que se sobrepõem a essas questões.
Além disso, há a pressão social sobre aqueles que não se conectam, que podem ficar e se
sentir excluídos das atualizações constantes que ocorrem nesse espaço, e que intermedeiam
diversas atividades cotidianas, facilitando-as, desde organizações de encontros,
manifestações, até lembretes de aniversário, ou mesmo realização de trabalhos em grupos.
141

Então, tem uma lei que impede que... Vai sei lá. Eu não sei se entrou em
vigor. Uma lei que impede que certos comentários, certas coisas vá pra
plataforma ou vá pras mídias. Então querendo ou não a lei vai proibir isso e
a plataforma vai restringir isso, entendeu. (Francisca, Grupo 2).

O uso das redes sociais digitais é relativamente novo e o modo de lidar com esse meio
ainda não está totalmente desenvolvido, principalmente no que se refere a conflitos, como por
exemplo, casos de cyberbullying, racismo, dentre outras atividades depreciativas do outro na
rede. A sociedade está buscando se articular e limitar formas de uso abusivo, através de leis,
identificando consequências e se articulando com esse propósito. Por outro lado, nem todos
ainda digeriram os riscos e consequências da exposição exacerbada. Percebemos que,
gradualmente, a cada problema identificado, medidas são tomadas, e a população vai
gradualmente identificando que os meios presencial e digital estão articulados. Mas é questão
que ainda tem muito a ser trabalhada.

Mas o Facebook não faz nada sabe. Quando você... Eu já até vi uma foto da
criança lá que ela tava... Uma criança negra e tava postando um negócio de
representatividade. Meu, o Brasil rachou aquela menina de chamar ela de
macaca e tudo mais assim. E era uma criança, sabe. Mesmo se fosse um
adulto, tavam rachando. E você denunciava os comentários e logo depois
aparecia lá Facebook falando que não, a pessoa não violou nenhum... Ou
seja, as pessoas saiam assim mesmo. O jeito é levar para a polícia, mas tenha
tempo você de imprimir os comentários, tudo mais, entregar lá “Oh moço.”.
Isso se eles forem fazer alguma coisa, sabe, com relação a isso. (Laura,
Grupo 3)

A própria ferramenta toma medidas para diminuir a incidência de conflitos e abusos na


rede, no que se refere a depreciações de outros, porém, ainda é falha.
Podemos considerar que, na verdade, essas situações reproduzem, de maneiras novas,
com outros elementos, as contradições presentes nas relações sociais. Conflitos, interesses
diversos, possibilidades de autonomia, acesso à informação ou de aprisionamentos e
manipulação se são potencializados nas redes sociais, na verdade refletem a dinâmica social
que está na base da produção da comunicação e de seus recursos variados.
Os participantes percebem interferências da plataforma não só de modo direto, como
indireto pelo monitoramento que realiza, direcionando conteúdos que mais combinam com o
sujeito conforme identificam no monitoramento de suas ações. Esses dados coletados, por um
lado, servem para veiculação de propagandas personalizadas, mas não se sabe, ao certo. Quais
142

os outros usos que realizam. Há o receio de que ela possa manipular o sujeito de forma
indireta, para alcançar objetivos estranhos aos sujeitos.
Essas ideias coincidem com Assange (2013) que destaca a não neutralidade das redes
sociais digitais, apesar da aparência, e alerta para a censura sobre os conteúdos, assim como o
sumiço de informações. Percebemos então, que pode ser um risco toda essa concentração de
dados em uma única empresa, como no caso do Facebook, para maior controle, por exemplo.
Então, paradoxalmente ao aumento de possibilidades de ação, aumenta também o
monitoramento e possíveis interferências que nem percebemos. E ele não se limita só às redes
sociais digitais, pois as plataformas estão se interconectando e obtendo mais informações
sobre o sujeito. Há dúvidas também se as conversas de chat do aplicativo não são monitoradas
também. Os sujeitos percebem que, apesar da sensação de proteção proporcionada pela
mediação tecnológica, ele está colocando diversos dados nesse meio, que estão sendo
monitorados e que podem gerar consequências.
Nesse sentido, podemos refletir que os recursos de monitoramento possam servir em
termos de barrar visualizações entre usuários, mas não para a plataforma. As pessoas, então,
estão totalmente expostas em termos de monitoramento destas. E com esse banco de dados,
passam a ter grande poder, inclusive de manipulação do público de uma forma nunca vista,
através de manipulação dos conteúdos direcionados. Também para a triagem e investigação.
Há essa potencialidade para tal e Assange (2013) destaca que ações desse tipo são tomadas.

Destacamos a seguir as palavras-síntese levantadas após a discussão realizada nos


grupos focais:

Grupo 1: Exagero, distração, limite, perda de tempo, lavagem cerebral, relaxamento,


desestresse e divertimento.
Grupo 2: Relativo, útil, impessoal, paradoxo, informações, interação, monitoramento, venda
de uma imagem pessoal, imagem.
Grupo 3: Vício, bom, ruim, interação, visibilidade, informação, força, sabedoria,
comunicação, ambiguidade, poder, emancipação, antagonismo, público,
Grupo 4: Uma grande loucura, necessário, fútil, diversificado, informativo, divertido, cuidado,
entretenimento, urgência, pessoal, diversidade, atual, comunicativo, necessário, complexo,
dinâmico, importante, agilidade, convívio, conteúdo, informação,
Grupo 5: Comunicação, informação, conectividade, exposição, praticidade, imediaticidade,
exposição, comodidade, informação, expansão e superficialidade.
143

Grupo 6: Cuidado, facilidade, conexão, ilusão, exposição, multimídia, apego, passatempo,


comunicação, informação e idealização

De modo geral, percebemos nessas palavras-sínteses a representação paradoxal do uso


tecnológico, umas com sentido mais aprisionador e outras com sentido mais libertador,
representantes de toda discussão que foi realizada nos grupos focais. Interessante refletirmos
que, nesta etapa, os participantes já haviam verbalizado e discutido bastante a respeito do
tema das redes sociais digitais e, considerando que na ação e interação há transformação, elas
em si já representam processo de mudança não só na interação entre os participantes, mas
com a própria pesquisadora, de modo que todos saíram transformados com essa experiência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da discussão teórica dos núcleos de significação a respeito das redes sociais
digitais, cabe-nos identificar, conforme objetivo proposto para a finalização deste trabalho,
quais as possibilidades de conquistar fragmentos emancipatórios e quais questões apontam
para processo de estagnação, conforme análise das falas dos sujeitos.
Percebemos novas contradições aparecendo com o uso das redes sociais digitais. Por
um lado está potencializando interações, facilitando encontros e o conhecimento do outros,
favorecendo o aprimoramento de conhecimentos, favorecendo o acesso a outros pontos de
vista, jornalísticos ou não, e o desenvolvimento de tarefas acadêmicas pelo seu ferramental,
contribuindo para a organização de reuniões e eventos, proporcionando lazer, facilitando
interações de auxílio a outra pessoas ou mútuo, assim como viabilizando registros eletrônicos
que dispensam a versão material, o que facilita a mobilidade.
Por outro lado, entretanto, o monitoramento está muito mais vigoroso, principalmente
pelas plataformas que têm acesso a todos os dados dos sujeitos, por vezes além da própria
rede social digital, ou seja, de outros sites acessados. O que é feito com todos esses dados? A
publicidade é claramente veiculada por intermédio dessas informações. Mas, estarão as
pessoas sujeitas a riscos? De que tipo? São questões que deixamos para reflexão. Além disso,
há a possibilidade de que as plataformas possam manipular o sujeito de forma indireta, para
alcançar objetivos, por exemplo, através de retirada de conteúdos e/ou direcionamento.
O monitoramento também acontece pelos próprios pares e empresas, favorecido pela
convergência de papeis que a rede social digital favorece. A partir disso parece se configurar
144

um sentimento de vulnerabilidade e insegurança entre os usuários das redes, com relação à


exposição dos dados ali colocados, havendo aqueles que não se posicionam ou colocam
conteúdos gerais que entendem que não os compromete; ou os que fazem perfis fakes ou
criam mais de um perfil, elegendo um para expor mais de si espontaneamente. Estas reações
são tentativas de driblar situação adversa que se apresenta, mas não compreendemos como
meio do sujeito atingir fragmentos de emancipação, visto não envolver autenticidade. E se
houver alguém mal intencionado? E se ameaçar e chantagear? São riscos que podem
aprisiona-lo enquanto possibilidade de expressão.
O paradoxo se localiza na questão de que, ao mesmo tempo em que a interface de
expansão e registro das redes sociais digitais favorece algumas dinâmicas, por outro lado,
aprisiona.
Em termos de interações sociais realizadas por intermédio da plataforma de rede social
digital, podemos dizer que há experiências que levam o usuário a sentir-se mais corajoso,
facilitando expressões, posicionamentos e críticas, assim como favorecendo os mais tímidos.
Isso pode representar tanto mais potencialidade, quanto prejuízo, a depender da circunstância.
Por exemplo, essa intermediação pode facilitar a colocação de temas tensos, pelo
distanciamento e pela possibilidade de finalizar o contato com o sujeito caso a discussão se
agrave. Isso pode significar, na verdade, um modo de interação que demonstra propensão à
ideologia hedonista, de fuga da dor, de busca pelo prazer imediato, demonstrando
desconsideração pelo outro. Não podemos então, nesse sentido de uso, compreender como
potencialidade; não representaria, dessa forma, o alcance de fragmentos de emancipação.
De modo similar a esse sentido, a apropriação de dispositivos para atuação como
hater, para o despejo de conteúdos agressivos e ofensivos a outros, em geral não parece se
configurar como emancipador, quando serve apenas para alimentar relações abusivas. Em
contrapartida, essa sensação de proteção que a rede social digital proporciona pela distância
física do outro pode servir para expressão de potencialidades de pessoas mais reservadas,
conforme já mencionado acima,
Como potencialidades das redes sociais digitais, foram identificadas a otimização de
reivindicações, divulgações e manifestações, possibilitadas pela democratização dos recursos
digitais, transformando a realidade como um todo, em nível de concretização. Esse uso se
configura, portanto, como meio de resistência, realização de denúncias. Pode servir, então,
para pressionar e desestabilizar o status quo, sendo ferramenta que o sujeito pode utilizar para
a superação de condições e situações aprisionadoras. Por outro lado, com a apropriação da
mídia pelo público, diversos conteúdos são produzidos diariamente e dos quais é difícil
145

identificar sua qualidade e confiabilidade, configurando-se, em muitos casos, como


armadilha.
Como questões aprisionadoras das redes sociais digitais, identificamos os
atravessamentos interacionais do meio digital, constantes e em crescente atualização,
desfocando de atividades que exigem atenção. O principal artifício de atração utilizado pelas
plataformas são as notificações. E a abstinência de uso pode ser sentida enquanto angústia e
sensação de exclusão. Isso aponta para mudanças na percepção da realidade, para alterações
na identificação de prioridades, para, quem sabe, alterações nas formas de pensar, refletir,
agir. Isso é bom? Isso é ruim? Ficam ainda como questões, demandando maior
acompanhamento dos novos processos de comunicação e interação.
Esse meio digital também pode favorecer ideologias, como é o caso das postagens que
refletem o mito da felicidade, através de imagens que refletem alegria, geralmente atreladas
ao consumo, ou destacando conquistas relacionadas a padrões veiculados pela publicidade
enquanto exemplos de sucesso.
Percebemos então, no geral, aprisionamentos decorrentes do uso das redes sociais
digitais, assim como potencialidades que podem, se bem direcionadas, possibilitar o alcance
do sujeito a fragmentos de emancipação, pelo favorecimento da consciência e da produção de
outras respostas ao ambiente, possibilitando destoar do normativo.
Esta pesquisa em si, através do método de grupo focal, já se configurou enquanto
práxis, mas isso não significa que se esgota em si mesma. O processo de atuação e
transformação é constante, de modo que pesquisas sobre este tema, das redes sociais digitais,
podem ser realizadas com sujeitos de outros níveis de escolaridade e sócio-econômicos,
possibilitando novas práxis, construções, conscientizações e transformações, tanto dos
sujeitos, como dos pesquisadores, e da psicologia sócio-histórica como um todo.
146

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149

ANEXOS

ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC-SP
PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
Rua Monte Alegre, 984 – Perdizes – 05014-901 – São Paulo – SP – Brasil

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

A pesquisa de mestrado “Redes sociais digitais: quais são nossas possibilidades de


emancipação com o uso dessas plataformas?” a qual você está sendo convidado a participar é
coordenada pela pesquisadora Adriana Recher de Freitas sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria
da Graça Marchina Gonçalves. O objetivo é identificar, através de verbalizações dos
integrantes do grupo, quais condições no uso das redes sociais digitais contribuem ou não
para a emancipação humana. O enfoque está direcionado à plataforma Facebook devido ao
seu alto número de acessos.
O encontro é gravado e os dados que você fornecer serão tratados com máxima
confidencialidade e anonimato. A sua participação na pesquisa é voluntária, havendo
possibilidade de desistir a qualquer momento sem qualquer prejuízo ou penalização. A
princípio o risco deste estudo é mínimo. Mas caso sinta necessidade poderá entrar em contato
com a pesquisadora que prestará a atenção necessária.
Os resultados da pesquisa poderão contribuir para reflexões e ações de conscientização
tanto da população quanto de psicólogos sobre a complexidade do uso das redes sociais
digitais e sobre os aspectos que contribuem ou não para a emancipação do ser humano.
Caso você concorde em participar, deverá assinar e datar este Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, do qual uma cópia será entregue a você.
Se tiver dúvidas durante ou após o término da pesquisa, poderá entrar em contato com
a pesquisadora Adriana Recher de Freitas pelo telefone (19) 99234-7917 ou pelo e-mail
adrianarecher@gmail.com.

Eu ____________________________________ declaro estar ciente sobre a


natureza e objetivo da pesquisa e concordo livremente em participar. Declaro também
ser maior de 18 anos.

___________________, ____/____/____

______________________________ ________________________________
Assinatura do participante Pesquisadora: Adriana Recher de Freitas
CPF: __________________________ CPF: 362.975.538-07
150

ANEXO B – Perfil dos participantes

Data: _______________ Horário: _____________ Grupo: __________

Idade: ______________________________________________________________________

Sexo:
( ) Feminino ( ) Masculino

Escolaridade:
( ) Cursando Graduação ( ) Cursando Pós Graduação
Qual curso? _________________________________________________________________

Redes sociais que utiliza:


( ) Facebook ( ) Instagram ( ) Twitter ( ) LinkedIn
Outros:_____________________________________________________________________

Equipamentos de acesso:
( ) Computador ( ) Celular ( ) Lan House
Outros: _____________________________________________________________________
151

ANEXO C – Roteiro para Grupo Focal

Orientações iniciais aos participantes: O assunto da pesquisa gira em torno do uso da rede
social digital Facebook, escolhida como representante das outras redes devido a seu alto
acesso de usuários. Neste grupo é importante que cada um fale e exponha as próprias ideias e
pensamentos a respeito do assunto, independentemente de coincidir ou não com a opinião dos
colegas. Não há respostas certas ou erradas. Debates e discussões são bem-vindos.

Cuidados a serem tomados pelo facilitador: Estimular a verbalização de cada integrante


evitando fala concentrada em um único indivíduo assim como conversas paralelas.

Questões abertas e semiestruturadas para Grupo Focal:

1. O que acha da rede social Facebook?


2. Que experiências vivencia nela?
3. Que ferramentas utiliza?
4. Como interage?
5. Quais postagens costuma fazer nas redes sociais? Qual critério?
6. Quais postagens vê?
7. Que interferências percebe no uso das redes sociais para o dia-a-dia e vice-versa?
8. Qual equipamento mais utiliza para acesso (computador, celular, etc.)?
9. Que tipo de pessoas adiciona na rede social? Qual critério utiliza?
10. Qual o critério para excluir e bloquear?
11. Que sentimentos o uso do Facebook desperta?
12. Quais os benefícios no uso? E prejuízos?
13. Utiliza outras redes sociais?
14. O que acha delas?

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