Você está na página 1de 50

UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Mathuna: Uma estratégia para preservar a relação conjugal

Monografia Apresentada em Cumprimento Parcial dos Requisitos Exigidos Para a Obtenção do


Grau de Licenciatura em Sociologia na Universidade Eduardo Mondlane

Autor:

Lúcia da Conceição Huo

Supervisor:

Dr. Baltazar Samuel Muianga

Maputo, Novembro de 2014


UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Mathuna: Uma estratégia para preservar a relação conjugal

Autor:

____________________________

Lucia da Conceição Huo

Monografia Apresentada em Cumprimento Parcial dos Requisitos Exigidos para a Obtenção do


Grau de Licenciatura em Sociologia na Universidade Eduardo Mondlane

Supervisor:

Dr. Baltazar Samuel Muianga

O Júri

Presidente: Supervisor: Oponente:


Dr.Book Sambo Dr.Baltazar Muianga Dr.Danubio Linhanhe

Maputo, Novembro de 2014


Declaração de Honra

Eu, Lúcia da Conceição Huo, estudante da Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de


Letras e Ciências Sociais, declaro por minha honra que a presente monografia para a obtenção do
grau de Licenciatura em Sociologia, nunca foi apresentada na sua essência ou parcialmente para
obtenção de qualquer outro grau académico. E, por esta constituir o resultado da minha pesquisa
pessoal, nela estão indicadas as fontes e as referências bibliográficas por mim consultadas e
citadas ao longo da monografia.

O Autor

Lúcia da Conceição Huo

Maputo, Novembro de 2014

i
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho

Aos meus Pais!

ii
Agradecimentos
Agradecer em primeiro lugar a Deus, pela força e por ter iluminado o meu caminho durante toda
esta caminhada. Aos meus pais, por me terem dado a vida e desde cedo me ensinaram o abc da
vida, pelo amor, pelos conselhos, pelo incentivo, que sempre depositaram em mim. O que seria
de mim sem vos!
Agradecer ao meu docente e supervisor Dr. Baltazar Muianga, pelos seus ensinamentos, pela
disposição, pelo carinho, empenho, pela confiança, e pelo seu apoio incondicional para a
realização deste trabalho.

Agradeço ao Departamento de Sociologia, pelo seu corpo docente pela competência de me terem
formado, pois foi através de vós que adquire o conhecimento, e me tornei a pessoa que sou hoje.

Agradeço a minha família, em especial aos meus irmãos pelo carinho e apoio que sempre me
deram: Emília, Bia e Leonardo. Não tenho palavras que expressem o meu apreço e amor que
tenho por vós.

Agradeço ao meu grupo de estudo as “burguesinhas”, pelas discussões exaustivas para


compreender a sociologia durante a trincheira académica, pelo carinho, pela força, e pelos
conselhos, Selinah, Sheila, Sonia e Olinda.

Aos meus amigos, que durante esta caminhada me apoiaram, Enia, Issufo, Isac, Nora, Olga,
Gomes, Carlos, e Leo.

A ti Aníbal pelo amor, pelo companheirismo e sobretudo pelo apoio nos momentos difíceis da
minha trajectória, o meu muitíssimo obrigado.

As minhas entrevistadas pelo tempo, compreensão e por me terem dado as ferramentas para a
realização deste trabalho o meu muito obrigado. E, a todos que directa e indirectamente
contribuíram para a realização deste trabalho.

iii
Resumo

Este trabalho teve como objecto de estudo a apropriação do alongamento dos pequenos lábios
vaginais, por parte de mulheres residentes no espaço urbano, especificamente na cidade de
Maputo. Ao estudarmos esta prática tínhamos como objectivo compreender as motivações que
levam estas mulheres a recorrerem a mesma. Partimos do pressuposto segundo o qual, ao longo
do processo de apropriação, ocorre a reprodução e reconstrução de significados atribuídos à
mathuna.

Para a compreensão desta realidade recorremos a fenomenológica de Alfred Schutz na qual


operacionalizamos os conceitos de “motivos por que” e “motivos para que” a partir dos quais
valorizamos as mulheres como actores capazes de construir significados atribuídos a realidade e
intervir sobre esta em função destes significados. Em função deste quadro teórico adoptamos
uma abordagem qualitativa com recurso a entrevistas semi-estruturadas.

De acordo com os dados, é nas interacções sociais que têm lugar no quotidiano das mulheres
onde estas se apropriam do alongamento dos pequenos lábios vaginais. Maior satisfação do
parceiro nas relações sexuais e autoconstrução como mulher são significados atribuídos a
mathuna e que orientam a procura da conservação da relação conjugal. Todavia, a discussão
conduziu-nos a inferência segundo a qual a realidade não é tão automática, pois as entrevistadas
reconhecem que, embora possa ser relevante, é preciso mais do que ser portadora de mathuna
para conservar efectivamente uma relação conjugal.

Palavras-chave: mathuna; apropriação; motivação; conservação da relação conjugal.

iv
Abstract

This work had as its subject the lengthening of the ownership of small lips by women living in
urban space, specifically in Maputo. In studying this practice we aim to understand the
motivations that lead these women to resort to this practice. We assume according to which, over
the appropriation process, there is the reproduction and reconstruction of meanings assigned to
mathuna.

To understand this reality we resort to phenomenological Alfred Schutz in which operationalize


the concepts of " reasons why" and " reasons why " from which we value women as actors able
to build meanings reality and speak on the due these meanings . Because of this theoretical
framework we adopt a qualitative approach within which we used the inductive methods,
monographic and interviews for approach the reality of stretching the small lips.

According to the data, is the social interactions that take place in everyday life of women where
they appropriate the stretching of the small lips. Greater satisfaction partner in sexual
relationships and self as a woman are meanings assigned to mathuna and that guide the search
for the conservation of the marital relationship. However, the discussion led us to infer that the
reality is not so automatic because the interviewees recognize that while it may be relevant, it
takes more than being carrier mathuna to effectively maintain a marital relationship.

Keywords: Mathuna; Ownership; Motivation; Conservation of the Marital Relationship.

v
Índice
Declaração de Honra……………………………………………………………………………..i

Dedicatória……………………………………………………………………………………….ii

Agradecimentos……………………………………………………………………………….….iii

Resumo…………………………………………………………………………………...............iv

Introdução ....................................................................................................................................... 1

Capitulo I ........................................................................................................................................ 7

1. Revisão da literatura ................................................................................................................... 7

Capítulo II ..................................................................................................................................... 14

2. Enquadramento teórico e conceptual ........................................................................................ 14

2.1. Definição de conceitos e operacionalização....................................................................... 15

2.1.1. Alongamento dos pequenos lábios vaginais.................................................................... 16

Capitulo III .................................................................................................................................... 17

3. Metodologia .............................................................................................................................. 17

3.2. Método de abordagem ........................................................................................................ 17

3.3. Método de procedimento .................................................................................................... 17

3.4.Técnica de Recolha de dados .............................................................................................. 18

3.5. Definição da amostra .......................................................................................................... 19

3.5. Constragimentos .................................................................................................................... 19

Capítulo IV.................................................................................................................................... 21

4. Apresentação, análise e interpretação dos dados ...................................................................... 21


4.1. Perfil sociodemográfico das mulheres entrevistadas ......................................................... 21

4.2. Apropriação do alongamento dos pequenos lábios vaginais .............................................. 22

4.3. Significados atribuídos ao alongamento dos pequenos lábios vaginais................................. 24

4.3.1. Mathuna como meio de satisfação sexual do homem ..................................................... 25

4.3.2. Mathuna, um meio de construção do “Ser Mulher” ........................................................ 27

4.4. Mathuna na manutenção da relação conjugal .................................................................... 29

Considerações finais ..................................................................................................................... 34

Referências bibliográficas ............................................................................................................. 36


Introdução

O presente trabalho versa sobre a apropriação da prática do alongamento dos pequenos lábios
vaginais. Esta é uma das práticas realizadas com maior frequência, entre as mulheres que têm
como objectivo, tornar as raparigas em verdadeiras mulheres e que está ligada à sexualidade e à
reprodução, (Bagnol e Mariamo, 2011).

O alongamento dos pequenos lábios vaginais é feito dentro duma determinada cultura, por meio
dos ritos de iniciação, onde esta prática constitui o processo iniciativo da socialização sexual da
mulher. Assim, durante a infância, os ensinamentos estão ligados a mãe. Durante a puberdade,
com o aparecimento do ciclo menstrual, realçando a transformação biológica, a rapariga vai
sofrendo modificações sobre os órgãos genitais (alongamento dos pequenos lábios vaginais). Ela
é ensinada pelas madrinhas ou tias. É através deste processo que ela passa a ser socialmente
aceite como, tendo uma idade madura para o início da vida sexual e para ter a possibilidade de
reprodução (Bagnol e Mariamo, 2011)

As autoras acima citadas afirmam que os ritos constituem um processo de aprendizagem que
proporciona e reforça a construção da identidade das mulheres a partir de certos modelos de
referência do significado de ser mulher, no contexto cultural específico, tendo como
características físicas, as manipulações corporais que são compartilhadas e interiorizadas,
influenciando assim, na construção da identidade sexual

Não obstante tratar-se de uma prática comum nos dias de hoje em África, a prática do
alongamento dos lábios vaginais é antiga. Segundo Aventalino apud Bagnol e Mariamo (2011), a
prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais vem desde a época dos Khoison onde,
geralmente, o tamanho médio dos lábios da vagina era de 7,5 cm, sendo esta uma característica
natural. Por exemplo, Parikh apud Bagnol e Mariamo (2011) afirmam que no Uganda, a prática
do alongamento constituía uma parte central na preparação do corpo da mulher para actividade
sexual. Este autor explica que apesar da sexualidade da rapariga ser preparada essencialmente
para satisfazer os prazeres e desejos masculinos, a satisfação dos desejos da jovem não era
ignorada e que puxar os lábios menores era considerado como algo que aumentava o desejo
sexual da mulher e o prazer na masturbação.

1
No contexto zimbabweano, Aschwanden apud Bagnol e Mariamo (2011) aponta que esta prática
é de grande importância na medida que, visa a construção da identidade feminina. Este autor
considera ainda que uma mulher que não poxou os lábios vaginais é chamada de fria ou mesmo
de homem. A prática do alongamento intensifica o prazer sexual do homem e da mulher,
servindo a maior estimulação do clítoris e os lábios alongados mantêm a vagina quente e suporta
o pénis.

Entretanto, esta prática é comum entre os grupos etno-linguísticos da África Austral, sendo que,
em Moçambique, essa necessidade de se intervir sobre o corpo e os órgãos genitais femininos
não é uma situação isolada, pois, insere-se numa concepção mais ampla, onde os indivíduos, com
a ajuda de praticantes de medicina, procuram transformar, de várias maneiras, as relações
humanas e as forças naturais, num esforço contínuo de mudar o mundo em volta deles ou de
garantir o equilíbrio e a harmonia,” (Bagnol & Mariamo, 2011).

Assim sendo, em Moçambique, esta prática realiza-se essencialmente nas zonas centro e norte do
país e, de acordo com Bagnol & Mariamo (2011), trata-se de uma acção propedêutica à
sexualidade e ao casamento, orientada pelas mulheres mais velhas, chamadas madrinhas, que são
geralmente escolhidas pelas próprias mães ou tias das adolescentes e que são remuneradas para
dar os ensinamentos e seguir a evolução do alongamento. Logo que os seios da jovem começam
a crescer, ela é ensinada pela madrinha que para “ser” e se “sentir mulher” tem que fazer do
alongamento dos seus matingi.

Segundo Osório & Macuácua (2011), nas províncias de Cabo Delgado, Zambézia e Sofola, as
crianças aprendem, por volta dos oito anos ou menos, a fazer o alongamento dos pequenos
lábios, ao nascer do por do sol. Esta exercitação é feita com a utilização de várias plantas,
misturadas com óleo. A rapariga exercita, vigiada pela mãe, tias e avós.

Nesta vertente, o discurso feminino sobre os othuna e as matinji é justificado pelos atributos que
as mulheres devem possuir, para serem mulheres, constituindo-se durante o processo ritual,
como marcador da identidade feminina. (Osorio e Macuacua, 2013)

2
O alongamento dos lábios reside na estrutura de poder e, é neste sentido que desde criança, a
rapariga prepara-se, mesmo quando não reconhece as razões porque o faz, para um modelo de
feminilidade que assenta no exercicio da sexualidade sob controlo (idem).

No entanto, é importante ter em conta que esta prática expressa nas raparigas, a saída da fase da
puberdade para a fase adulta. As práticas vaginais têm em vista, essencialmente, segurar os
parceiros sexuais das mulheres, onde ter os lábios alongados é a condição para uma relação
sexual satisfatória, para as mulheres, mas também para os homens e também constitui um facto
fundamental para garantia de uma relação saudável e duradoura entre os casais (Bagnol e
Mariano, 2011, p. 81). Assim, para estas autoras, a prática do alongamento dos lábios vaginas é,
na verdade, percebida como uma possibilidade para aumentar o prazer sexual masculino, o
empenho do parceiro e, por outro lado, podem também visar o aumento do auto prazer sexual,
sendo também um símbolo de identidade feminina. O alongamento dos lábios vaginais é
fundamental para o bem-estar do casal e comprometimento do parceiro na medida em que
melhora o erotismo e o prazer sexual masculino (ibdem).

Podemos constatar que a prática do alongamento é feita por meio de ritos de iniciação. Os
autores (Bagnol e Mariano, 2011; Osório e Macuacua, 2011) referem que esta prática, é
predominante nas zonas centro e norte de Moçambique, no entanto, esta prática tem acontecido
em outros contextos como na cidade de Maputo, que será o local do nosso estudo. Consideramos
que estes acontecimentos podem estar ligados à migração de culturas locais para contexto
urbano, possibilitando que novos sujeitos sociais cheguem à cidade e imprimam nela seu
imprinting cultural, usando os termos de Morin (1921).

De acordo com Laforte (2004), após a independência, em 1975, as cidades moçambicanas


assistiram, em grande, o êxodo rural e a migração interna. Araujo (2003) afirma que os principais
espaços urbanos de Moçambique tornaram-se num complexo processo de origem alógena. Para
este autor, associa-se sempre a urbanização a um processo dinâmico e complexo de concentração
de população num determinado espaço a partir do seu "situ" original.

A oposição entre o rural-disperso e urbano-concentrado sempre prevaleceu e, ainda assim,


sucede esta oposição. Actualmente, esta oposição é cada vez mais polémica e menos verdadeira,
3
em função das novas relações que se estabelecem na constituição dos espaços urbanos e rurais,
(Araújo, 2003).

A cidade é hoje o lugar das migrações e, mais do que isso, é ponto de convergência das culturas,
isto é, o espaço da agregação multicultural. Este facto dá-se devido a globalização, que
possibilita o rompimento entre fronteiras, onde o local se torna global e vice-versa, chegando ao
processo de multiculturalismo que comporta diferentes saberes, onde os novos sujeitos que
chegam à cidade trazem suas narrativas das diásporas culturais e mudam não só os discursos
locais, mas também, os locais desses discursos na cidade, (Ramos, 2008).

A cidade de Maputo constitui um mosaico cultural, no qual se misturam um conjunto de culturas


globais, provinciais e locais, criando, deste modo, condições para trocas simbólicas e processo de
apropriação. O contacto directo com a realidade, permite-nos afirmar que a prática do
alongamento dos lábios vaginais, que antes se confinava há fronteiras culturais bem delimitadas,
é levada a cabo na cidade de Maputo, por mulheres de culturas diferentes, para as quais esta
prática é endógena.

Esta contextualização possibilita-nos acompanhar a transfronterização da prática do alongamento


vaginal até as zonas urbanas, criando assim, condições concretas para que possamos assumir a
assimilação desta prática por parte de mulheres de culturas diferentes, como o objecto de estudo
da nossa pesquisa. Buscamos compreender, neste trabalho, o processo de apropriação da prática
do alongamento dos pequenos lábios vaginais, do ponto de vista das motivações que levam as
mulheres a realizarem esta prática, no contexto urbano.

No que diz respeito a delimitação espácio-temporal, o estudo foi realizado na Cidade de Maputo,
sem se ter um local específico, visto que se trata de uma prática realizada por mulheres que
vivem em diferentes bairros, o que tornou difícil a especificação do local, pois, corríamos o risco
de fazer esta delimitação e não obter uma amostra relevante.

O nosso estudo tomou em consideração o período entre 2010 e 2014. A escolha deste período
não tem um factor especial, apenas procuramos retratar a prática do alongamento dos pequenos
lábios vaginais nos últimos anos, uma vez que, as realizadoras das práticas ainda têm contacto
com mulheres que realizaram dentro deste período, pois algumas continuam ainda a frequentar, o
4
que facilitou a sua localização para o desenvolvimento do trabalho de campo. O universo
populacional foi constituído por mulheres que praticam o alongamento dos lábios vaginais, na
cidade de Maputo, fora de qualquer prática cultural ligada aos ritos de iniciação, visto que, o
nosso estudo procurou as motivações que levam as mulheres a apropriem-se da prática do
alongamento dos pequenos lábios vaginais.

Discutimos ao longo deste trabalho, estudos que revelam diferentes posicionamentos em relação
a prática dos alongamentos dos lábios vaginais. De um lado defende-se que esta prática persiste
na sociedade moçambicana, porém, limita-se aos contextos dentro dos quais, esta prática ocorre,
no âmbito dos ritos de iniciação, não podendo espelhar a sua prática nos contextos fora destes
rituais. Do outro, destaca-se o processo de apropriação. Neste segundo grupo, identificamos dois
grupos de estudos, onde o primeiro assume que a globalização é responsável pela apropriação
desta prática e o segundo defende que a apropriação ocorre nas interacções que as mulheres
estabelecem no seu quotidiano.

Neste trabalho aproximamo-nos da ideia do alongamento dos pequenos lábios vaginais, como
uma prática que vem passando pelo processo de apropriação que pode resultar tanto do processo
da globalização, assim como das interacções do dia-a-dia, o que se agrava pelo facto de estamos
a considerar unicamente o espaço urbano. Contudo, uma questão fica por responder, que
concerne as motivações que levam as mulheres a realizar esta apropriação, pois, defendemos a
ideia segundo a qual, este processo ocorre de forma consciente e intencional, estando em jogo
interesses e significados construídos e partilhados.

Se por um lado, no contexto ritual os estudos deixaram claro que buscam a integração dentro da
comunidade cultural na qual se encontram inseridas, por outro lado, no contexto urbano, fora
deste contexto cultural (ritual) esta questão ainda fica por se responder.

Schutz (1979) levanta, do ponto de vista sociológico, este problema, ao afirmar que os
indivíduos, sendo eles mesmos os construtores da realidade social, são motivados ao longo das
suas acções sociais. É a partir desta problemática que levantamos para o nosso trabalho, o
problema das motivações para a prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais. Diante

5
desta problemática, colocamos o nosso problema nos seguintes termos: Que motivações levam as
mulheres a praticarem o alongamento dos pequenos lábios vaginais fora do processo ritual?

Orientamos o nosso estudo com base na seguinte hipótese para responder previamente o
problema colocado: no contexto urbano e fora do processo ritual, as mulheres praticam o
alongamento dos pequenos lábios vaginais motivadas pelo interesse de garantir a preservação da
sua relação conjugal.

A escolha deste tema para o desenvolvimento da nossa investigação justifica-se primeiro pelas
limitações de autores como Bagnol e Mariamo (2011), Osório e Macuacua (2013), Lerma
(1989), Cunaca (2007) e Bagnol (1996) que estudaram o alongamento dos pequenos lábios
vaginais no contexto moçambicano, por se terem limitado, como constatamos na revisão da
literatura, a olhar para o contexto dos ritos de iniciação, onde podemos constatar que a prática do
alongamento dos pequenos lábios constitui uma característica peculiar das mulheres que passam
pelos ritos de iniciação, onde são incutidas que esta prática as torna verdadeiras mulheres,
criando assim a identidade feminina. Sendo assim a prática do alongamento possui significados e
representações que são compartilhados culturalmente dentro de um grupo.

Deste modo, o alongamento dos pequenos lábios vaginais é uma prática cultural que é regida por
normas e valores dentro dum contexto ritual. O nosso estudo pretende compreender esta prática,
fora dos ritos de iniciação, onde algumas mulheres da cidade de Maputo se apropriam dela.

Assim, temos como objectivo geral compreender as motivações que levam as mulheres a
praticarem o alongamento dos pequenos lábios vaginais. Quanto aos objectivos específicos,
buscamos descrever o perfil sociodemográfico das mulheres que praticam o alongamento dos
lábios vaginais; identificar e analisar os significados que as mulheres atribuem à prática do
alongamento dos pequenos lábios vaginais; estudar os motivos que as mulheres apontam para
praticarem o alongamento dos pequenos lábios vaginais.

Nas próximas linhas, exploramos o processo de apropriação desta prática cultural no contexto
urbano, pelo que, o presente trabalho encontra-se estruturado da seguinte maneira: No primeiro
capítulo apresentamos a revisão da literatura na qual trazemos e discutimos os estudos até então
realizados em torno da prática do alongamento dos lábios vaginais. Na revisão da literatura
6
procuramos trazer estudos que olham para esta prática, dentro do contexto de ritos de iniciação e
estudos que permitem olhar para esta prática como um processo de apropriação, de modo a nos
contextualizar no debate que vem sendo feito em torno desta realidade. No segundo capítulo
temos o quadro teórico e conceptual, onde apresentamos os conceitos chaves da pesquisa, para a
prossecução do trabalho. De seguida temos o terceiro capítulo, com a metodologia que tornou o
estudo operacional; seguindo a sequência temos o quarto capítulo, a análise e interpretação de
dados e, por fim, temos as considerações finais do trabalho, a bibliografia e os anexos.

Capitulo I

1. Revisão da literatura
A revisão da literatura é composta por duas abordagens. A primeira corresponde a prática do
alongamento dos lábios vaginais que é feita por meio do rito de iniciação, com vista a criar a
identidade feminina e ter uma relação sexual satisfatória. Assim temos nesta primeira abordagem
os seguintes autores Bagnol e Mariamo (2011), Lerma (1989), Bagnol (1996), Cunaca (2007) e,
Osório e Macuácua (2013). A segunda abordagem corresponde aos estudos que refelectem sobre
a apropriação cultural, onde encontramos duas abordagens, sendo que a primeira refere que
apropriação da cultura acontece devido a globalização e a internalização, nesta temos os
seguintes autores, Smolka (2009) e (Oliveira 2012). A segunda argumenta que a apropriação se
dá num determinado contexto, através da interacção social. Nesta temos o autor Machado,
(2005).

Tratando agora da primeira abordagem, começamos por apresentar o estudo de Bagnol e


Mariamo (2011), onde afirmam que a prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais
insere-se no processo de iniciação da sexualidade feminina, caracterizando-se pela modificação
do corpo, especificamente dos órgãos genitais. Trata-se de uma acção propedêutica à sexualidade
e ao casamento, orientada pelas mulheres mais velhas, chamadas madrinhas, que são geralmente
escolhidas pelas próprias mães ou as tias e são compensadas para dar os ensinamentos e seguir a
evolução do alongamento (Bagnol e Mariamo, 2011: 82)

Estas autoras apontam que na província de Tete existe uma grande variedade de práticas vaginais
realizadas pelas mulheres em vários momentos do seu ciclo de vida e com diferentes funções.
7
Essas práticas expressam uma maneira específica de conceber a identidade sexual feminina, o
prazer sexual, a saúde, o bem-estar e a sexualidade, ancorados num universo relacional mais
vasto numa totalidade de relações que não podem ser concebidas se não ligadas umas às outras.

Assim as práticas sexuais vaginais têm em vista, essencialmente, segurar os parceiros sexuais,
melhorar a higiene individual e a auto-estima, garantir o seu bem-estar, melhorar o desempenho
e a sua satisfação sexual e a dos seus parceiros. Os parceiros sexuais são segurados quando as
mulheres dão resposta satisfatória às expectativas da sociedade e só assim, moldando o corpo, a
imagem do que a sociedade espera, é que elas se tornam mulheres e sentem-se mulheres, Bagnol
& Mariamo (2011).

Assim, em Mariamo et al (2011) as motivações das mulheres pêra as práticas vaginais são várias,
embora muitas vezes estejam ligadas em representações culturais locais da feminilidade, como o
bem-estar, higiene, saúde incluindo fertilidade, gravidez, parto, pós-parto e sexualidade.

A associação dos pequenos lábios à vida sexual, reprodutiva, saúde individual, psicológica, e
sexual da mulher é extremamente importante e expressa o quão central ele são para a percepção
de “ser mulher” e “sentir-se mulher”. Assim, quando se diz que a mulher “tem vida “ou é “rica”,
faz-se alusão às suas potencialidades no processo sexual tendo em conta a reprodução (Bagnol e
Mariamo, 2011, p.54).

Contudo, as diferentes práticas vaginais, que moldam a identidade sexual feminina, constituem
um elemento fundamental não só para diferenciação entre “mulher preparada”, “com peso”, e
“mulher não preparada “ sem peso”, e por isso é rejeitada (Bagnol e Mariamo, 2011). Nesta
vertente, segundo os mesmos autores, práticas vaginais expressam noções que transcendem o seu
corpo, e associam a mulher a outros processos de reprodução natural e social numa visão
cosmológica do mundo. Neste processo as noções de fechado/aberto, doce/ não doce, quente/
frio, expressam uma maneira de ser mulher e ilustram um rico simbolismo de género.

Para Lerma (1989), as raparigas na cultura macua são progressivamente instruídas para a vida
sexual, instrução esta que será completada na altura do casamento, onde são ensinadas a
anatomia, as relações entre os sexos, a proibição do incesto e a lei da exogamia. Estas dedicam-

8
se em particular atenção, à prática de alargar os lábios vulvares (othuna) no que foram iniciadas
desde a meninice.

Segundo Bagnol (1996), o processo de socialização sexual, em Nampula, é feito com a


manutenção dos ritos de puberdade, onde a identidade de género feminino é socializada com as
práticas de alongamento dos pequenos lábios vaginas.

O objectivo do alongamento dos lábios vaginais é "completar a mulher" de forma a dar mais
prazer ao homem, onde a mulher é ensinada que o alongamento e a satisfação sexual do marido
são mecanismos que ajudam a garantir o seu lar, a sua relação conjugal, de modo que é a partir
daí que vem o casamento, a casa e os bens materiais, podendo os lábios sere introduzidos na
vagina de forma a provocar maior fricção, e prazer ao homem (Bagnol, 1996). Com base nesta
autora o alongamento dos lábios vaginais constitui um processo de socialização onde as
mulheres são submetidas a alongar os lábios vaginais por meio dos ritos de iniciação que fazem
parte da sua cultura.

Por sua vez, para Cunuca (2007), no seu estudo sobre iniciação á sexualidade na construção da
identidade feminina, argumenta que para as mulheres sentirem-se mulheres, de facto, é
necessário que tenham os pequenos lábios alongados porque para além de lhes completar
enquanto mulheres, garante-lhes a realização do casamento e a sua valorização pelos parceiros.
E, ainda, a noção de preservar a cultura é usada como argumento principal para justificar a
prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais. Para esta autora, ser mulher significa ter os
lábios alongados e saber proporcionar prazer ao seu parceiro sexual e a si próprias. Estes seriam
os pré-requisitos necessários para poder ser parte integrante do grupo de mulheres que tenha
passado pelas modificações corporais, como alongamento dos pequenos labios vaginais.

A prática do alongamento dos lábios é caracterizada por formar a identidade feminina e


determina o que é ser mulher. Ter os lábios alongados é, então, um alicerce que garante a
satisfação sexual do seu parceiro e da própria mulher. Assim, para Cunuca (2007), os ritos de
iniciação contribuem para para a construção da identidade sexual da mulher e inculcam nesta,
valores ligados à subordinação e visam também, torná-las potencialmente capazes de
proporcionar o prazer sexual.

9
Percebe-se que a prática do alongamento, para além de criar a identidade feminina, ela é usada
como um símbolo de poder feminino que é exercido pela mulher perante o homem, como forma
de satisfazê-lo sexualmente e colocar a mulher como subalterna ao homem, sendo estes códigos
compartilhados culturalmente.

Osório & Macuácua (2013), argumentam que no contexto dos ritos de iniciação, a prática do
alongamento é justificado pelos atributos que as mulheres devem possuir, para serem mulheres
constituindo-se durante o processo ritual, como marcador da identidade feminina.

Estes autores referem que os ritos de iniciação são um objecto nuclear, para a produção de
constatações que permitem observar como a vivência da sexualidade feminina e masculina é
diferenciada pela acção que exerce sobre a domesticação dos corpos.

Assim, ter os lábios alongados é justificado pelos atributos que as mulheres devem possuir para
serem mulheres constituindo-se assim, durante o processo ritual, como marcador da identidade
feminina, criando mecanismos de identificação, pertença ao grupo e ao mesmo tempo de
exclusão face àquelas que não realizaram o alongamento dos pequenos lábios vaginais. No
discurso masculino, o alongamento dos lábios vaginais é uma forma, não apenas, de
reconhecimento dessa identidade, mas também, a expressão do exercicio do poder masculino.

Ter othuna ou matinji (lábios alongados) é, portanto, uma condição para a vida adulta e para
aceitação pelos homens e é uma forma de ritualização na construção das identidades de genéro e
objecto de vigilância por parte das madrinhas, as mestras, sendo apropriado pelas jovens como a
condição da sua femilidade, não no sentido de se constituir como o prazer partilhado, mas como
agência de subalternidade, puxar é para segurar o penis do homem.

Estes autores afirmam que apesar destes significados comportilhados culturmente, actualmente
os ritos de iniciação estão em mudança, pois, segundo estes, assiste-se por parte de algumas
jovens uma rejeição dos comportamentos socialmente esperados, sendo que a aprendizagem não
surge de forma livre, pois, as indentidades sexuais não são estáticas e imutáveis, é preciso
considerar que as mesmas estão constantemente a ser reajustadas no interior do seu “eu” e nas
relações socais estabelecidas com outro. O estudo sobre significados culturais é de grande
relêvancia quando focalizamos processos identitários, tornando-se primordial a interacção, as
10
semelhanças e as diferenças que vão ajustando e rompendo. Assim para estes autores, a
identidade colectiva é um processo de invenção híbrida e muitas vezes descontínua. (Osório &
Macuácua, 2013).

Podemos constatar nestes estudos aqui apresentados que a prática de alongamento dos pequenos
lábios vaginais é feita principalmente na zona norte e centro, onde são incutidas pela cultura.
Esta prática constitui um elemento de pertença ao grupo e de identidade, mas também constitui
um mecanismo de sedução, de prazer que é exercido pela mulher, para a satisfação do seu
parceiro, como também da subalternidade.

Perante esta situação, apesar de estes autores afirmarem do mesmo modo a função dos lábios
alongados, podemos constatar que no que se refere a identidade, os autores como Osório e
Macuácua (2013), afirmam que a identidade não é estática, não podemos olhar para esta como
algo formado no contexto dos ritos e da cultura, pois, estes indivíduos também estabelecem
relações socias fora destes contextos, estabelendo assim rupturas e ajustamentos pois a
identidade está em constante mudança.

É a partir desta revisão feita na primeira abordagem que verificamos que a prática do
alongamento dos lábios vaginais é discutida e analisada por meio dos ritos de iniciação, assim
sendo, este estudo busca trazer uma nova perspectiva que é de analisar esta prática fora dos ritos
de iniciação, onde segundo a qual, algumas mulheres não pertecentes a estas culturas apropriam-
se da prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais. Assim, buscamos alguns estudos
sobre a apropriação como forma de nos clarificar o fenómeno da apropriação da cultura.

No que concerne a segunda abordagem, identificamos duas perspectivas que defendem que os
indivíduos têm a capacidade de se apropriar de práticas culturais. A primeira perspectiva defende
que com a globalização, a internalização e o desenvolvimento das tecnologias de informação e
comunicação, facilitam a apropriação de outras culturas, onde os indivíduos apropriam-se destas,
com a vista alcançar objectivos que podem ser individuais ou com vista a corresponder algumas
expectativas sociais. A segunda defende que a apropriação de práticas culturais dá-se no meio de
um determinado contexto através da interação social, os autores que compõem esta sub
abordagem são Smolka (2009) e (Oliveira 2012).

11
Retratando agora a primeira perspectiva, podemos constatar que o fenómeno da “internalização”
tem sido designado, em diferentes perspectivas teóricas, por diferentes termos que carregam
distinções conceituais subtis: apreensão, apropriação, assimilação, incorporação.

A autora afirma que se pode identificar a internalização como uma visão teórico central, no
âmbito da perspectiva histórica como incorporação - cultural, que se refere ao processo de
desenvolvimento e aprendizagem humana da cultura, como domínio dos modos culturais de agir,
pensar, de se relacionar com outros, consigo mesmo, e que aparece como contrário à uma
perspectiva.

Para esta perspectiva, a internalização é como um construto psicológico, que supõe algo “lá
fora”, cultura, práticas sociais, material semiótico, a ser tomado, assumido pelo indivíduo. No
entanto, esta autora ressalta que tornar próprio não significa exactamente, e nem sempre coincide
com tornar adequado às expectativas sociais. (Samolka, 2009)

Segundo Oliveira (2012), no seu estudo sobre apropriação de novas práticas culturais de
letramento digital por idosos, actualmente, percebe-se uma tendência acentuada no interesse dos
idosos pela inclusão digital. Em consequência disto, o envolvimento em novas práticas culturais
referente ao universo digital surge em função da pressão social por se manter actualizado e
também como forma de aproximação da família e amigos de gerações mais novas.

O seu estudo revela que os idosos apropriam-se de novas práticas culturais através do letramento
digital que servem como meio de se fazer a inclusão digital, ao apresentar novas ferramentas e
novas linguagens a um público que não possui estas como realidades do seu quotidiano.

Podemos perceber que a primeira abordagem à apropriação acontece devido a época globalizada
e com o desenvolvimento das tecnologias de informação, a cultura local torna-se global,
proporcionando assim, a apropriação de outras culturas. Diferentemente da primeira sub
abordagem, a segunda defende que a apropriação acorre no determinado contexto por meio da
interação social, este argumento e defendido por Machado, (2005).

Na segunda perspectiva apresentamos Machado (2005), que fala sobre a apropriação de crenças e
saberes populares referentes a saúde. A autora afirma que práticas não convencionais de saúde,

12
apesar de muitas vezes rejeitadas pela ciência e pela medicina oficial, continuam sendo
adoptadas pela população. Esses métodos não foram sufocados pelo saber científico, exatamente
porque podem oferecer respostas às enfermidades e sofrimentos vividos pelas pessoas no seu
quotidiano.

As primeiras condutas adotadas pelos clientes, antes da procura pelo médico ou serviços de
saúde, incluem chás caseiros, benzeduras, banhos, alimentos e emplastos. Estas práticas estão
associadas ao saber popular, baseiam-se em experiências adquiridas ao longo da vida.
Normalmente são informações repassadas entre as gerações, ou seja, estão ligadas a tradições e
costumes socioculturais. As informações relacionadas ao uso, especialmente de plantas
medicinais, são transmitidas de forma difusa, no seio da família, no espaço da comunidade,
através da interacção social, apropriando-se das mesmas e em um movimento repetitivo naquele
contexto socioeconômico em que foram criadas e socializadas, (Machado, 2005).

Podemos assumir com este estudo que os indivíduos, em relação a sua saúde quando se
encontram no estado de enfermidade, apropriam-se dos saberes e práticas culturais ligadas a cura
das enfermidades, como forma de se curar. Percebe-se também que este estudo, diferentemente
dos dois primeiros, defende que a apropriação, dá-se com base na interacção social entre os
indivíduos, a partir da família, da comunidade, a interacção acontece no social dentro dum
contexto social.

Esta revisão nos coloca diante de um debate no qual duas posições são assumidas para a
explicação do alongamento dos pequenos lábios vaginais. Não que sejam posições mutuamente
exclusivas, antes, reflectem a complexidade deste fenómeno, assim como a sua realização em
diferentes espaços. Assim, ao assumirmos a posição que defende sobre a apropriação, estamos
apenas a criar condições para um estudo mais aprofundado, uma vez que o contexto ritual foi e
vem sendo objecto de muitos estudos.

13
Capítulo II

2. Enquadramento teórico e conceptual


A teoria que serviu de base e orientou a pesquisa, para que possibilitasse uma construção do
paradigma de análise, é a teoria fenomenológica de Schutz. A seguir procuramos apresentar os
pontos centrais desta teoria destacando os conceitos a serem aplicados na análise do fenómeno
em estudo.

A teoria de Schutz situa na confluência da sociologia compreensiva de Max Weber e da


fenomenologia de Edmund Husserl e tem como base a ideia de que os actores sociais constroem
a realidade ao longo de suas experiências quotidianas. É no mundo da vida da qual fala o autor
onde encontramos todas as experiências, acções e orientações quotidianas, onde os indivíduos
buscam realizar seus interesses e negócios, a partir da manipulação dos objectos e das
interacções com outros indivíduos.

Para Schutz (1979), o mundo da vida quotidiana é o objecto das nossas acções e interacções. O
indivíduo orienta as suas acções quotidianas através das experiências que armazenou e do
estoque do conhecimento do qual dispõe. Consideramos a abordagem fenomenológica
fundamental na nossa análise, na medida em que procuramos explorar as experiências vividas
por mulheres que se apropriam da prática do alongamento, segundo a qual visamos perceber
como estas experiências influenciam para que estas se apropriem desta prática.

Para Schutz (1979), o “significado” das experiências nada mais é do que o código de
interpretação que os actores utilizam na sua vida quotidiana. Esse significado é partilhado pelos
indivíduos no contexto social ao qual estão inseridos. Uma vez que a acção do individuo é
projectada intencionalmente e carregada de significados, é apartir disto que procuramos saber
das mulheres que se apropriam desta prática, quais os significados que estas atribuem ao
alongamento dos lábios vaginais.

A acção é interpretada pelo sujeito a partir de seus motivos existenciais. Os motivos que se
relacionam aos projectos são chamados “motivos para” e aqueles que se fundamentam no acervo
de conhecimentos e na experiência vivida no âmbito biopsicossocial do sujeito são denominados
“motivos porque”. Com a primeira categoria de motivo pretende, o autor, mostrar que os
14
indivíduos podem agir de determinada maneira porque não têm alternativas e com a segunda
agem em função das finalidades visadas, ou melhor, com o objectivo de satisfazer determinados
interesses.

Os conceitos de estoque de conhecimento, “motivação por quê” e “motivação para quê”


constituem a base do nosso quadro teórico, que nos ajudam a fazer uma leitura do nosso objecto
de estudo, atingindo os nossos objectivos. Podemos compreender as experiências passadas das
mulheres, os significados que elas atribuem a prática do alongamento dos pequenos lábios
vaginais, as motivações que as conduzem a recorrer a esta prática. Ao recorrer a fenomenologia
de Schutz pretendemos acima, de tudo, considerar que a mathuna não é uma prática como uma
imposição da estrutura social, mas como resultado da subjectividade dos actores sociais que têm
consciência do que estão a fazer e do que pretendem alcançar com esta prática.

2.1. Definição de conceitos e operacionalização


Chegada a esta parte, propomo-nos a trazer à tónica, a definição dos conceitos para o presente
trabalho. Nesta vertente, debruçaremos sobre os conceitos de apropriação; e Alongamento dos
pequenos lábios vaginais.

Apropriação refere-se a modos de tornar próprio, ou tornar algo seu, também, tornar adequado,
ou pertinente aos valores e normas socialmente estabelecidos. Neste sentido, Smolka (2009)
afirma que, genericamente, apropriação é o acto segundo o qual um sujeito toma posse de algo
que não o pertence.

A concepção de apropriação tem como base a existência de algo que se pode tornar seu e a
capacidade de o indivíduo tornar esse algo seu. Não fugindo da definição apresentada,
encontramos Ullmann (1991), que também assume a necessidade da existência de algum
elemento material ou imaterial, acrescentado a questão da interacção.

De acordo com Ullmann (1991), o termo apropriação significa tomar para si, apoderar-se de algo
material assim como imaterial, este autor defende que a apropriação pode-se dar por meio da

15
interacção social, onde os indivíduos assimilam e apoderam-se de alguns itens sociais, como a
linguagem, códigos culturais, práticas e costumes.

Assim sendo, esta definição torna-se importante nesta pesquisa, porque ajuda a perceber como é
que as mulheres praticam o alongamento dos lábios vaginais, como práticas inerentes ao rito.
Assim, no nosso trabalho não fugimos das perspectivas dos dois autores anteriormente
apresentados e concebemos a apropriação como o acto de tornar um objecto material ou não
material, do ponto de vista prático, assim como simbólico.

2.1.1. Alongamento dos pequenos lábios vaginais


Percebemos que as definições do alongamento dos pequenos lábios vaginais destacam os
mesmos elementos, o que nos fez com que nos limitássemos a trazer uma e única definição de
modo a tornar operacionalizável para o nosso trabalho.

Deste modo, trazemos Mariano et al (2011), para quem o alongamento dos pequenos lábios
vaginais é um processo de manipulação genital, realizado entre os 8 aos 12 anos de idade, na pré-
puberdade e pode durar vários meses, até que estes atinjam os 3 a 4cm de comprimento. A
prática do alongamento dos pequenos lábios está relacionada com a noção básica de
feminilidade.

A definição de Mariano et al (2011) oferece-nos uma base para a compreensão do alongamento


dos lábios vaginais, mas alguns reparos devem ser feitos para que se possa aplicar no nosso
trabalho. Não podemos limitar esta prática as idades entre 8 aos 12 anos porque mulheres mais
velhas também se dedicam a esta prática. O mesmo posso dizer em relação ao seu tamanho
porque acaba sendo opcional. Deste modo, neste trabalho concebemos ao alongamento dos
lábios vaginais como sendo o processo de manipulação genital que consiste em alongar os
pequenos lábios vaginais até que atinjam tamanhos desejados pelas mulheres.

16
Capitulo III

3. Metodologia
Visto que o estudo tinha como objectivo compreender as motivações que levam as mulheres a
apropriarem-se da prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais, o nosso trabalho
privilegiou o método qualitativo, pois, este permitiu perceber as motivações, aspirações, atitudes,
crenças e os valores sobre o alongamento dos lábios vaginais que se expressam através do
discurso da vida quotidiana. Buscando estas dimensões da realidade social a aplicação do método
qualitativo justifica-se, pois, de acordo com (Minayo, 1994), o método qualitativo, não só se
baseia no critério numérico para garantir a sua representatividade, mas também na vinculação
dos sujeitos sociais, mais um significativo para o problema investigado.

3.2. Método de abordagem


O metodo de abordagem usado para a presente pesquisa foi o indutivo. Esse método prevê que
pela indução experimental, o pesquisador pode chegar a uma lei geral por meio da observação de
certos casos particulares sobre o objecto (fenómeno/fato) observado. Nesse sentido, o
pesquisador sai das constatações particulares sobre os fenômenos observados até as leis e teorias
gerais. Pode-se concluir que a trajetória do pensamento vai de casos particulares a leis gerais
sobre os fenómenos investigados (Dinis e Silva, 2008).

Assim, o estudo partiu das motivações das mulheres para perceber como elas apropriam-se da
prática do alongamento dos lábios vaginais. As categorias que foram construídas tiveram como
base, tanto particulares, como partilhados entre as mulheres. A valorização dos aspectos
negativos foi possível com este método, visto que, possibilitou olhar para cada mulher como um
caso particular no qual deveríamos procurar aprofundar a informação disponível.

3.3. Método de procedimento


Como método de procedimento para esta pesquisa usamos o fenomenológico. A fenomenologia
tem como ponto essencial a intencionalidade da consciência, entendida como a direção da

17
consciência para compreender o mundo. O método fenomenológico pesquisa fenómenos
subjectivos na crença que verdades essenciais acerca da realidade são baseadas na experiência
vivida. É importante a experiência tal como se apresenta, e não o que possamos pensar, ler ou
dizer acerca dela. O que interessa é a experiência vivida no mundo do dia-a-dia da pessoa,
(Queiroz, 2007).

Assim, com este método de procedimento compreendemos algumas das experiências vivenciadas
por mulheres que optam em fazer o alongamento dos lábios vaginais fora dos ritos de iniciação.
Foi a partir destas experiências que o estudo explorou as motivações que levaram com que estas
optassem pelo alongamento dos pequenos lábios vaginais. Neste sentido, consideramos a
apropriação desta prática como algo intencional por parte das mulheres sem que tenha ocorrido
uma imposição exterior, ou seja, estrutural. De acordo com Lakatos (2007), é mediante a
intencionalidade da consciência que todos os actos, os gestos, os hábitos, qualquer acção humana
assumem um significado. Neste sentido, a tarefa do pesquisador será analisar as vivências
intencionais da consciência para perceber como se produz o sentido do fenómeno e chegar à sua
essência.

Este método fenomenológico permitiu explorar os significados que as mulheres atribuem a


mathuna, assim como a sua prática é verificar como estes actos influenciam nas suas práticas
quotidianas ao longo da sua relação conjugal, uma vez, que assumimos que é dentro deste
contexto onde os pequenos lábios vaginais alongados ganham a sua funcionalidade e ajudam as
mulheres a atingirem os seus objectivos.

3.4.Técnica de Recolha de dados


A recolha da informação foi através da técnica de entrevista semi-estruturadas. Estas permitiram
uma conversação alimentada por perguntas abertas, ou de sentido genérico proporcionando
maior liberdade para as nossas entrevistadas

As entrevistas foram realizadas nos bairros, Mafalala, Malhazine, Museu, Xipamanine, Jardim e
Malhangalene, da cidade de Maputo, durante os meses de Agosto e Setembro do ano 2014. Estas
decorreram em dois meses devido a dificuldade de acesso as nossas entrevistadas e as
18
dificuldades encontradas no campo como apresentamos nos constrangimentos. Como forma de
ter acesso a toda informação quando necessário, os dados foram recolhidos com recurso a um
gravador com a permissão das entrevistadas, e depois estes foram transcritos, para possibilitar
uma melhor análise, as entrevistas levaram 45 minutos a 1 hora de tempo.

3.5. Definição da amostra


A nossa amostra foi composta por mulheres que fizeram o alongamento dos lábios vaginais por
opção, onde tivemos no total 6 (seis) entrevistadas. Não sentimos o nosso estudo comprometido
por ter este tamanho da amostra, visto que, a nossa abordagem, qualitativa, não busca, como
afirma Guerra (2006), nenhuma representatividade estatística, mas se interessa pela qualidade da
informação, sendo assim, não importa que seja um número elevado de indivíduos a estudar, basta
que os poucos considerados estejam em altura de facilitar a informação desejada.

Tendo em vista a acessibilidade das informantes, o estudo usou o critério bola de neve para
poder identificar as mulheres que estavam em condições de nos facultar a informação necessária.
Este método é praticamente aconselhado quando se pretende estimar características
relativamente raras na população total. O método consiste em escolher inicialmente os
inquiridos/ entrevistados de modo aleatório e numa segunda fase escolher outros entrevistados a
partir da informação obtida dos primeiros, Mulenga, (2010). Assim partimos duma entrevistada
conhecida que fez o alongamento dos pequenos lábios vaginais por opção para podermos
encontrar as outras.

3.5. Constrangimentos
No que tange aos constrangimentos deste estudo, tivemos muita dificuldade em encontrar
mulheres para entrevistar. Por meio da bola de neve conseguimos encontrar algumas mulheres,
mas depois não aceitavam conceder a entrevista alegando tratar-se de uma assunto do qual não
podiam falar se não concedermos algum valor como uma forma de pagamento.

19
Embora tivéssemos a necessidade de informação, não pagamos nenhum valor, tendo optado por
trabalhar só com mulheres que aceitaram ceder a entrevista sem exigir nenhum valor. Esta
anuência foi possível pela explicação que demos sobre a natureza académica do trabalho.

Outro constrangimento está ligado a própria recolha de dados. Foi-nos difícil aprofundar muito
os conteúdos dos dados, pois as entrevistadas se mostravam muito reticentes em falar de forma
aberta de alguns aspectos tocavam a sua intimidade, por exemplo quando era para falar das suas
relações sexuais. Para superar este constrangimento optamos por refazer as pergunta menos
íntimas de modo a conquistar a confiança das mulheres para que numa fase mais avançada da
conversa pudessem falar de forma livre sobre as questões mais íntimas.

Constituiu constrangimento, o facto de a realização das entrevistas ter ocorrido com alguns
sobressaltos no que diz respeito ao cumprimento do que ficou acordado com as entrevistadas.
Estas estavam sempre a alterar o local da sua realização e no local marcado chegavam muito
tarde, o que fez com que fosse mais alargado o tempo do trabalho de campo porque não pudemos
fazer muitas entrevistas num único dia. Porém, a nossa paciência foi persistência e fundamental
para o término da aplicação das entrevistas.

20
Capítulo IV

4. Apresentação, análise e interpretação dos dados


No presente capítulo vamos apresentar os dados obtidos no trabalho de campo junto às mulheres
que já tenham passado pela prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais. Para a
interpretação destes dados recorremos fenomenologia de Alfred Schutz a partir da qual,
consideramos as entrevistadas como actores sociais. O capítulo está subdividido em quatro
secções: na primeira apresentamos o perfil sociodemográfico das entrevistadas; na segunda
discutimos a apropriação da prática da mathuna; na terceira identificamos os significados
atribuídos a esta prática; na quarta analisamos a manutenção da relação por meio da mathuna.

4.1. Perfil sociodemográfico das mulheres entrevistadas


Dedicamos estes subcapítulos a apresentação do perfil sociodemográficos das mulheres
entrevistadas, começando com as suas idades. Os dados revelam que as entrevistadas apresentam
idade que vão de 24 aos 44 anos, o que demonstra que trata-se de mulheres que se encontram
tanto na categoria de jovem, como de adultas. No que diz respeito ao seu local de residência
verificamos que as entrevistadas residem nos bairros, do Museu, Xipamanine, Jardim, Mafalala,
Malhangalene e Malhazine.

No que tange aos níveis de escolaridade os dados demonstram serem mulher com níveis, médio e
superior. Das seis, três apresentam o nível médio, uma, o nível de bacharel e as restantes duas, o
nível de licenciatura. Quanto a profissão só três é que não trabalham, sendo uma doméstica e
outras estudantes. Das que se encontram a trabalhar uma é contabilista, outra é jurista e outra,
ainda técnica administrativa.

De acordo com os dados, identificamos três categorias quanto ao estado civil. Três são solteiras,
uma está em de união de facto e outras três são casadas. As casadas apresentam período mais
longo no que diz respeito ao tempo de união com o parceiro com dez e doze anos. Sendo que
doze anos o maior tempo identificado quatro anos é o menor e é apresentado por uma das
mulheres na situação de solteiras. As restantes estão com seus parceiros a sete, seus e nove anos.
21
Os dados referentes ao perfil sociodemográficos apresentados anteriormente revelam que não é
possível, ou pelo menos seria difícil, traçar um padrão de mulheres que praticam o alongamento
dos pequenos lábios vaginais, visto que, fazem parte de diferentes faixas etárias, diferentes níveis
de escolaridade, em diferentes situações quanto ao estado civil. O mesmo pode-se afirmar da
situação profissional e tempo de relacionamento.

4.2. Apropriação do alongamento dos pequenos lábios vaginais


A prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais por parte das mulheres entrevistadas é
resultado de um processo de apropriação. A cultura apresenta a dimensão simbólica e material
pelo que, nalgumas circunstâncias a apropriação de uma prática cultural pressupõe tomar para si
os elementos que compõem essas duas dimensões. Porém, discutimos unicamente a apropriação
da mathuna sob ponto de vista material, pois na próxima secção iremos discutir os significados
atribuídos a mathuna que revelam serem resultados da apropriação simbólica, evitamos assim,
cair em repetição da informação.

Ao questionarmos as mulheres sobre o momento no qual tiveram contacto e se apropriaram da


prática da mathuna obtemos dados que revelam que é ao longo do contacto com pessoas que já
tem conhecimento sobre esta prática, mo podemos verificar nos dois depoimentos que
apresentamos nas linhas seguintes:

“Aprendi com as minhas amigas que uma senhora puxava os labios vaginais a
outras mulheres” (20 anos de idade, solteira há 4 anos com o seu parceiro)

“Tive conhecimento com as minhas amigas e colegas da universidade nas nossas


conversas como eu queria casar então elas me aconselharam a fazer” (27 anos de
idade, solteira há 7 anos do seu parceiro)

Vemos assim que é ao longo relações quotidianas que as entrevistadas se apropriam da mathuna,
o que corrobora a discussão sobre a apropriação de Ullman (1991) segundo a qual este processo
da interacção social, onda os indivíduos assimilam e apoderam se de alguns itens sociais, como a
linguagem, códigos culturais, práticas e costumes. As entrevistadas afirmaram que tomam

22
conhecimento sobre a prática do alongamento vaginal por meio de conversas com amigas,
colegas do serviço, vizinhas e familiares.

É, de acordo com Schutz (1979), uma condição da própria existência e sobrevivência da


sociedade que as pessoas partilhem as suas experiências e conhecimento ao longo das suas
relações sociais, pois é ao longo deste encontro que os actores adquirem a base para participarem
da vida em sociedade e orientar as suas acções. Seja por isso que as entrevistadas, tendo tido
conhecimento da mathuna, procuram posteriormente desenvolver acções com base nestas acções
- voltaremos a esta questão mais adiante. Por já, vamos nos deter ao que está concretamente em
jogo nestas relações.

As mulheres adquirem o conhecimento sobre o material necessário para alongar os pequenos


lábios vaginas, assim como conhecimento sobre a forma como este material é manipulado para
atingir o objectivo perseguido. É neste sentido que os depoimentos a seguir apontam para o
material usado e a forma como é posto em prática:

“Não sei bem, mas faz-se com fruto que parece amendoim ou castanha” (29 anos
de idade, solteira há 4 anos com o parceiro)

“Usa-se uma pomada preta a Sra é que me fornece” (27 anos de idade, solteira há
7 anos com o parceiro)

“E uma fruta que se parece com amendoim chama-se “Tsatsi”, em português


chama se Risson que deve se esfregar nos pequenos lábios vaginais, esticando
para fora” até pode se apanhar no mercado de Xipamanine (44 anos de idade,
solteira há 9 anos com o parceiro)

Nos três depoimentos anteriores que reflectem breves respostas obtidas mostram que as mulheres
apropriam-se do material necessário para a prática da mathuna. Os produtos usados que
representação a sua dimensão material são os mesmos que as interlocutoras tentam mencionar,
porém, conhecimento sobre a forma como se deve manipular este material representam a parte
não material do apropriado. A forma vaga como procuram fazer menção a estes materiais revela
a fragilidade do conhecimento deste material.

23
O facto de no primeiro e segundo depoimento se iniciar com “não sei” e ao longo de terceiro se
recorrer a palavra “parece” reflecte a imprecisão do seu conhecimento. Esta imprecisão reflecte a
falta de clareza que o conhecimento apresenta. De acordo com Schutz (1979), uma das
características do estoque de conhecimento é facto de não ser claro, deixando sempre uma
margem vazia com relação ao que se sabe sobre uma realidade.

Só para falar de um autor que é habitualmente destacado, podemos fazer referência a Giddens
(1991) quando fala da confiança na modernidade reflexiva. De acordo com o autor, neste estágio
de transformação social aumenta a confiança dos agentes, isto é, estes não se mostram
preocupados em conhecer o funcionamento e procedimentos das diferentes técnicas e produtos,
mas se limitam a consumir confiando nos sistemas peritos. Assim, as entrevistadas ao afirmarem
que não sabem muito dos produtos usados na prática da mathuna revelam que confiam nas
mulheres que orientam esta prática sem se preocupar muitos com os procedimentos em causa.

Os produtos que as mulheres usam para praticar o alongamento dos pequenos lábios vaginais
(que lhes é concedido pelas mulheres que orientam esta prática) representam o processo da
prática da mathuna na sua dimensão material. O conhecimento sobre os produtos para a
realização do alongamento é cambiado no quotidiano das entrevistadas ao longo das relações
sociais que vivenciam com outros actores portadores deste saber.

4.3. Significados atribuídos ao alongamento dos pequenos lábios vaginais


Nesta secção discutimos os significados que as mulheres atribuem ao alongamento dos pequenos
lábios vaginais. A interpretação destes significados é relevante porque é com base nela que as
mulheres podem ou não conceber a mathuna como um elemento par a manutenção da realidade
social. Dados recolhidos permitem construir duas categorias de significados atribuídos pelas
entrevistadas, que são: meio de satisfação sexual e como forma de dominação feminina.

24
4.3.1. Mathuna como meio de satisfação sexual do homem
Discutimos nesta secção a primeira categoria de significados atribuídos aos pequenos lábios
vaginais por parte das entrevistadas. Nesta categoria podemos verificar que os significados
atribuídos a esta prática estão associados à forma como as entrevistadas constroem-se, como
mulheres, definindo a sua posição e seu papel dentro da sexualidade nas suas relações conjugais.

Podemos constatar a partir dos dados que as mulheres vem tomando iniciativa no sentido de
construir elemento que possam ser integrados no universo da sua sexualidade embora os dados
demonstrem que o fazem seguindo formas sociais predefinidas no interior das relações de género
mo mundo sociocultural da dominação masculina. Para as mulheres, ter mathuna significa estar
em condições de oferecer o parceiro maior satisfação sexual. Vejamos os depoimentos que
apresentamos a seguir:

“Para mim o alongamento e algo bom para satisfazer o homem na relação sexual
e preservar a relação” (27 anos de idade, solteira há 7 anos com o seu parceiro)

“Para mim significa algo bom porque meu marido gosta daquelas coisas” (38
anos de idade, casada há 12 anos com seu parceiro)

“Para mim é uma estratégia para satisfazê-lo sexualmente, as mathunas


enfeitiçam o homem” (37 anos de idade, casada há 10 anos com o seu parceiro)

Vimos na secção da apropriação simbólica do alongamento dos pequenos lábios vaginais que um
dos significados transmitidos é que a mulher que tenha feito está prática tem maior capacidade
de satisfazer sexualmente o seu parceiro. Isto foi o que as entrevistadas ficaram a saber a partir
das pessoas que lhes informaram sobre esta prática. Deste modo, o facto de estas atribuírem este
significado a mathuna reflecte que estão a reproduzir aquele significado.

As mulheres activam o conhecimento que interiorizaram nas suas relações sociais para atribuir
significados a mathuna. É este conhecimento interiorizado que faz com que as mulheres
reproduzam o mesmo significado atribuído a esta prática nas relações nas quais tomaram

25
conhecimento. Esta partilha e aceitação de um mesmo significado é designada por Schutz (1979)
de tipificação.

De forma simplificada, as tipificações constituem as generalizações que ocorrem por meio da


comunicação e partilha usadas na vida quotidiana como facilitadoras e simplificadoras do
pensamento e das acções. Para Correia (2005), delimitam o mundo social dentro de um universo
de familiaridade a partir de um conhecimento de origem social. As mulheres apropriaram-se
deste significado ao longo do processo de apropriação, o que revela que a construção da mathuna
a partir da ideia da maior satisfação sexual deixa claro que tratasse de uma realidade objectivada.

Deste modo, as mulheres estão simplesmente a se basear nessa tipificação para atribuir
significado a mathuna. De acordo com Bagnol e Mariano (2009) a ideia de que a manipulação
dos lábios vaginais com recurso a diferentes como um forma de satisfazer o seu parceiro tem
origem em culturas que podem ser encontra, por exemplo, província de Tete em Moçambique.
Assim, com a apropriação desta prática este significado não foi abandonado.

No interior das sociedades nas onde a dominação masculina predomina, a mulher é concebida
como fonte de prazer do homem. O poder simbólico que se exerce sobre o corpo feminino
(Bourdieu, 2012) define as modalidades a partir das quais as mulheres fazem uso do seu corpo. A
partilha das categorias interpretativas baseadas na dominação masculina faz com que estas
mulheres interpretem a sua sexual de forma a conceber a si mesma como posicionadas para a
satisfação do seu parceiro. É o que defendeu Serra (2013), ao afirmar que apesar das mudanças
ocorridas, as mulheres continuam se definindo como fonte de satisfação sexual dos homens
incorporando a forma como vêm sendo construídas no campo da dominação masculina

É com base neste quadro interpretativo que as mulheres atribuem significados a prática da
mathuna e a inserem na sua realidade das suas relações conjugais. Este significado é uma
tipificação que orienta a comunicação entre os casais nas suas relações, o que é corroborado pela
alegação de que quando os parceiros ficaram a saber que a mathuna era destinada à sua
satisfação sexual não tenham manifestado nenhuma relutância ou aborrecimento em aceitar, ao
contrário, manifestaram satisfação pela preocupação da mulher em procurar garantir a sua
satisfação sexual.

26
Deste modo, vemos que a mathuna como a meio para a satisfação do parceiro constitui um
significa partilhado nas relações sociais, reflectindo um processo de reprodução. O conhecimento
interiorizado no momento de apropriação serve de base para que as entrevistadas atribuam este
significado aos pequenos lábios vaginais alongados.

4.3.2. Mathuna, um meio de construção do “Ser Mulher”


Retratamos agora, a segunda categoria no que refere aos significados atribuídos aos pequenos
lábios vaginais alongados. A existência desta categoria diferente da anterior entende-se a partir
da consideração segundo a qual os indivíduos no seu quotidiano podem vivenciar mesmas
experiências mas de diferentes maneiras, acumulando um conhecimento diferenciado, o que faz
com que atribuam variados significados a uma mesma realidade.

Esta diferenciação reflecte a não homogeneidade do estoque de conhecimento, que de acordo


com Schutz (1979) garante a riqueza do universo simbólico construído e partilhado no
quotidiano. Os depoimentos obtidos de algumas das nossas entrevistadas demonstram que a
mathuna conduz as entrevistadas construção de um sentimento de ser mulher e que os seus
parceiros passam a ver nelas, essa mulher.

Vejamos a seguir alguns extractos de entrevistas que nos possibilitam apreender esse significado
atribuídos pelas mulheres:

“Sinto-me mulher. Sinto que tenho atracção. Sou alguém e não aquela mulher
inferior como as outras que não valem, pois, agora sou mais gostosa.” (44 anos
de idade, solteira há nove anos com o parceiro)

“Sinto que ele gosta de mim, me vê como mulher de verdade e assim posso
conseguir que ele fique em casa e não procure por outras” (20 anos de idade,
solteira há 4 anos com seu parceiro)

Nos dois depoimentos anteriores verificamos, primeiro, uma preocupação da mulher consigo
mesma, no sentido de alcançar uma auto-elevação como mulher por meio da mathuna. O cenário
que identificamos em Maputo assemelha-se ao que ocorre algures na província de Tete. Bagnol e
27
Mariano (2009) constataram esta preocupação nalgumas mulheres da província de Tete que
afirmaram a manipulação dos pequenos lábios permitia defini-las de modo a dar uma imagem
positiva de elas próprias. Estas mulheres afirmavam que a vagina dever ser apertada, seca e
quente para […] o bem-estar da mulher” (p. 394).

Segundo, verificamos ainda, a preocupação com a satisfação das expectativas do outro. Ou


melhor, as entrevistadas revelam preocupação não só em elas sentirem-se mulheres, como
também é fazer com que os seus parceiros passem, igualmente a velas dessa maneira. Assim, a
mathuna como um meio de construção da mulher é um significado construído ao longo das
interacções sociais dentro da relação conjugal. Porém, existe referência uma realidade exterior a
esta relação.

No segundo depoimento está patente a construção de um cenário de concorrência entre as


entrevistadas e outras mulheres que o parceiro pode procurar fora da relação. Nesta ordem de
ideias, construir-se como mulher por meio da mathuna é construir uma forma de demonstrar
superioridade. Recordemos que Bagnol e Mariano (2009) afirmaram que a manipulação dos
orgãos genitais é uma prática recorrente em situações nas quais as mulheres sentem que estão a
concorrer por um homem, procurando monopolizar as atenções deste unicamente para si.

Não encontramos no processo de apropriação a partilha deste significado, pelo que podemos
afirmar que este significado reflecte um momento reflexivo accionado na relação conjugal das
entrevistadas no qual os significados anteriores são modificados em situações presentes. Segundo
Schutz (1979), é importante considerar os indivíduos com actores sociais doptados de uma
reflexividade, que lhe possibilita construírem e reconstruírem os significados atribuídos do
mundo dentro do qual se encontram inseridas.

Não obstante, na secção anterior a mathuna significar maior satisfação sexual e nesta secção
significar a construção da categoria de mulheres, tanto numa como noutra situação estamos
diante de um contexto sociocultural no qual ocorre a dominação masculina dentro da qual tudo
que as mulheres procuram fazer só serve para legitimar a sua posição de submissão em relação
ao homem. Ou porque a mulher é concebida como fonte de satisfação sexual, ou porque deve

28
agradar seu homem para que este, no exercício do seu espírito de masculinidade, procura por
outra fora da de casa.

Os significados aqui discutidos reflectem as posições que as entrevistadas que apropriam-se da


prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais podem assumir pelo facto de serem
portadoras de mathuna. Estes demonstram a construção e preocupação das mulheres, não
podendo se aferir se os seus parceiros partilham os mesmos sentidos.

4.4. Mathuna na manutenção da relação conjugal


A fenomenologia ao colocar a ênfase não significados atribuídos a realidade para a condução das
suas acções oferece uma base para discutir as motivações dos actores considerando-lhes actores
conscientes. Entramos, assim, no foco do central do nosso trabalho a partir do qual definimos a
relevância de explorar todos os pontos anteriores. Discutimos neste capítulo a manutenção da
relação conjugal como motivação para a prática da mathuna, explorando a forma como esta
prática em posta em inserida no quotidiano para atingir essa finalidade.

Não foi necessário agrupar em categorias os dados deste subcapítulo para o seu melhor
tratamento e apresentamos, visto na questão, central da motivação, mostra uma partilha de
concepções. Verificamos que ao longo da realização da prática do alongamento dos pequenos
lábios vaginais, as entrevistadas aprendem dos grupos de ensinamentos que ajudam, de acordo
com os dados, na manutenção da relação conjugal.

Quando questionamos as mulheres sobre as acções que a prática do alongamento dos pequenos
lábios vaginais pressupõe no sentido de atingirem o objecto de manter a sua relação conjugal,
estas responderam nos seguintes termos:

“Deixo ele brincar com as mathunas. Na hora da penetração procuro fazer


todos aqueles movimentos para que ele se sinta feliz e satisfeito comigo.
Sinto que ele gosta de manter relações comigo” (20 anos de idade, solteira há
4 anos com parceiro)

29
“Sou mulher dele primeiro, cumpro com as minhas obrigações. Aquele Sra
que me ensinou me disse que eu tinha que fazer tudo que ele falar, quer e
gosta, pois ele e o meu marido devo saber cuidar dele desde o bem-estar
desde cuidados da roupa dele saber cozinhar, no quarto uso as matunas,
mecho a cintura mas também faço o que ele quer para lhe fazer feliz, a
minha vagina não me pertence, pertence a ele, faço de tudo para lhe segurar,
não quero ser largada” (38 anos de idade, casada há 12 anos com o seu
parceiro)

Dois grupos de ensinamentos para a manutenção da relação conjugam estão patentes nos
depoimentos apresentados anteriormente. No primeiro os ensinamentos estão relacionados a
prática das relações sexuais, estabelecendo-se os princípios orientadores do comportamento ao
longo destas relações. Vimos na secção dos significados que as mulheres afirmam que a mathuna
representa uma maior satisfação sexual para ao seu parceiro.

Os dados revelam que ao longo da prática do alongamento as mulheres afirmam que aprendem
que o homem não sai quando penetra na mulher fica por muito tempo; que devem mexer a
cintura durante o acto sexual; deixar ele brincar com seus lábios vaginais porque lhe deixa mais
excitado. Deste modo, a prática sexual entre os casais é orientada por estes princípios, que
assenta na convicção de que deste modo estarão a garantir a preservação da sua relação com seu
parceiro. Estes ensinamentos têm nas relações sexuais o momento específicos nos quais devem
ser postos em prática. Porém, no segundo depoimento a extensão dos ensinamentos em causa não
só abarca a este momento, como se estende para outras dimensões da relação na qual ocorre a
relação entre os cônjuges.

No segundo depoimento estão patentes ensinamentos que determinam a forma como as


entrevistadas devem se comportar com relação aos seus parceiros. Afirma-se assim, que são
ensinadas que devem assumir a posição que cabe a mulher dentro de casa, respeitando a posição
que o parceiro que ocupa pelo facto de este ser homem. A partir da expressão “ sou mulher, faço
o que ele quer e gosta” podemos interpretar, tratarem-se de ensinamento que não só assenta, nas
relações de género, como também reproduzem esta forma de relação confinando a mulher a uma
posição de satisfação das vontades do homem.
30
Assim, tanto no recurso aos ensinamentos referentes a práticas das relações sexuais, assim como
nos ensinamentos referentes ao comportamento a adoptar diante de seus parceiros as mulheres
definem suas posições em função do que Schtuz (1979) designa de tipificações socialmente
estabelecidas. Estas tipificações são apontadas por Bourdieu (2001) sendo culturalmente
construídas dentro da estrutura da dominação masculina. Às mulheres são ensinadas a
submeterem-se ao seu parceiro, a assumir-se como seu objecto de prazer, pois, como afirmaram,
a sua vagina não lhes pertence a si, mas aos seus homens e elas mesmas devem submissão a
estes.

A prática da mathuna é um espaço de apredizagem das mulheres que reproduz o que estas
aprendem ao longo da sua socialização primária na família. Compreendemos assim, que
conservação da relação conjugal por parte das iniciativas das entrevistadas passa pela reprodução
das relações de género entre homem e mulheres. Os dados mostram que no contexto urbano –
sobre o qual incidimos – as mulheres que passam pelo alongamento dos pequenos lábios vaginais
são levadas a interiorizar valores e normas de forma a cumprirem com integridade com o seu
papel, pois só assim podem manter o seu relacionamento.

Tanto Matsinhe et al (2010), como nós chegamos aos mesmos resultados segundo os quais estes
valores e normas constituem um imperativo para as mulheres se posicionarem na sua relação. No
contexto urbano a motivacoes que levam as mulheres a enveredarem por esta prática estão
ligados a busca da satisfacao de um objecto, como nos demonstram os depoimentos a baixo:

“Fiquei com medo de perder meu marido decide fazer mathuna e tudo que
ensinaram” (38 anos de idade, casada há 12 anos com seu parceiro”

“Estou a fazer porque disseram que ajuda na relação e estou a precisar porque o
meu marido brinca muito fora de casa” (37 anos de idade, casada há 10 anos com
seu parceiro)

Vemos, a partir destes depoimentos, que as mulheres procuram a materialização dos


ensinamentos apreendidos na prática da mathuna como forma de manter a sua relação como um
objectivo a ser alcançado. Assim, as entrevistadas recorrem a esta prática como um meio para
atingir um fim. Esta acção insere na categoria da “motivo por que” trazida por Schutz (1979).
31
A “motivo porquê” refere-se àquelas acções, onde os actores agem de forma racional,
escolhendo determinados meios para atingir determinados fins ou interesses. Assim, vemos que
as mulheres entrevistadas vêm na prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais um meio
para a preservação da sua relação. Estes estão em concordância com os resultados trazidos no
estudo de Bagnol e Mariano (2009) nos quais constatam que tanto as mulheres da cidade, como
as das zonas rurais recorrerem ao alongamento dos pequenos lábios vaginais com a motivada
pelo interesse de preservar seu homem ao longo da concorrência com outras mulheres.

Mas, uma coisa é o objectivo perseguido e outra é a sua materialização ao longo das relações
sociais. Os ensinamentos aprendidos levam as acções em dois sentidos, no sentido da relação
sexual e no sentido da relação conjugal no seu todo, contudo, encontramos uma maior
centralização das mulheres na satisfação do âmbito sexual para conseguir manter a sua relação.
As mulheres reconhecem ter investido grande parte do seu esforço na garantia que os seus
parceiros se sentissem sexualmente satisfeitos.

Esta centralização da mathuna na questão do prazer e da satisfação sexual leva as mulheres a


vivenciarem as mudanças simplesmente nas suas relações sexuais, o que concorre para que
encontremos posicionamentos distintos quanto a sua eficácia na manutenção da relação. Assim,
se existe um consenso no que diz respeito a contribuição da mathuna no melhoramento das
relações sexuais, o mesmo consenso não podemos identificar no que tange a conservação da
relação, pois foi possível identificarmos três posicionamentos no que tange a percepção da
mulher sobre o uso do alongamento dos pequenos lábios vaginais alongados no que tange a
manutenção, como nos revelam os depoimentos abaixo:

“Concordo e não concordo muito, pois o alongamento garante a satisfação, mas


preservar a relação não, eu ate pensava que ajuda mas, existem outros elementos
para além do sexo, e preciso que haja entendimento e consenso” (27 anos de
idade, solteira há 7 anos com seu parceiro)

“É relativo, ate um certo ponto e cativante ajuda a satisfação, mas não só o


alongamento conservar a relação existem outros factores, se não os homens do

32
centro e norte não casariam mulheres de Maputo, que não tem alongamento” (38
anos de idade, união de facto há 9 anos com seu parceiro)

“Na minha opinião ajuda sim, com aquilo tudo que ensinaram ajuda” (37 anos de
idade, casada há 10 anos com seu parceiro)

Estes depoimentos demonstram diferentes perspectivas das mulheres em avaliar a sua relação
conjugal após o uso da mathuna para a sua preservação. No primeiro assume-se que não ajuda na
preservação da relação, limitando a melhorar a satisfação sexual. No segundo assume-se a
relatividade na sua contribuição na preservação da relação, pois existem outros factores que
intervêm para esta conservação. No terceiro caso assume-se integralmente que a mathuna serve
como meio de conservação da relação.

Estas três perspectivas de olhar para o papel da mathuna na conservação da relação resulta de
acordo com Schutz (1979), do facto de as mulheres vivenciarem experiências particulares no seu
quotidiano na sua relação conjugal. É em função destas experiências que as mulheres atribuem
significados as suas acções, especificamente aos meios usados para a preservação da relação
como sendo o fim que buscavam com a realização da prática do alongamento dos pequenos
lábios vaginais.

Estes dados demonstram uma mudança dos significados atribuídos a mathuma. Vimos
primeiramente que as mulheres realizaram o alongamento dos pequenos lábios vaginais partindo
do princípio de que significando prazer e satisfação sexual, conduziriam a preservação da
relação. Todavia, as experiências vivenciadas fazem com a mathuna pode significar maior prazer
e satisfação sexuais, nem sempre conduz a conservação da relação.

Estas mudanças reflectem diferentes momentos da vida social, que se apresentam enquanto
futuro, enquanto presente e enquanto passados. Nestes diferentes momentos, Schutz (1979)
afirma que os actores avaliam de forma diferenciadas as suas acções, podendo uma mesma
realidade remeter a um significado homem e a outro significado amanha. Este é caso das
mulheres que acreditam na conservação da relação por meio da mathuna e que depois de
colocarem em prática caíram no descrédito e daqueles que passaram a reconhecer a sua
relatividade.
33
Entretanto, os dados revelam que o recurso a prática do alongamento dos pequenos lábios
vaginais é motivado pelo interesse de garantir a conservação da relação e que ao longo da
realização da prática as mulheres acreditavam estar a incorpor um conjunto de conhecimento que
lhes permitiria satisfazer esse interesse. Mas, a particularidade das experiências de cada mulher
conduziu a relação com o parceiro a diferentes sentidos.

Considerações Finais

Neste trabalho partimos do pressuposto de que ao longo do processo de apropriação da prática


do alongamento dos pequenos lábios, as mulheres reproduzem, assim como reconstroem os
significados atribuídos a esta prática no seio dos sujeitos com tomam conhecimento. Em função
deste postulado, para inquietação que levantamos, ao questionarmos sobre as motivações que
levam as mulheres e recorrerem a esta prática, adoptamos como hipótese o seguinte: as mulheres
recorrem a prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais motivadas pelo interesse de
conservar a sua relação conjugal por meio da satisfação e prazer sexual.
A fenomenologia de Schutz permitiu-nos analisar os dados obtidos, visto que, o que está em jogo
é na verdade os significados construir e atribuídos a mathuna por parte das mulheres e a forma
como estes significados influenciam nas suas acções. Olhando para os pontos discutidos na
análise e interpretação dos dados constatamos que a apropriação da prática de mathuna ocorre
em dois níveis, simbólico e material. É nas relações da vida quotidiana que as mulheres se
apropriam desta prática, tendo acesso aos significados atribuídos, ao conhecimento que orientam
a sua realização e os produtos usados neste processo.

Estes são os significados atribuídos pelos sujeitos que transmitem esta prática às mulheres
entrevistadas, mas estas, por sua vez, sendo actoras doptadas de uma reflexividade, reproduzem e
constroem novos significados. Constatamos que as entrevistadas afirmam que os pequenos lábios
vaginais significam a maior satisfação sexual de seus parceiros, auto-estima e poder para si.
Estes significados reflectem momentos nos quais as mulheres recorrem a mathuna preocupadas
com o seu parceiro e momentos em que se mostram preocupadas consigo mesmas.

Porém, no momento do uso da mathuna nas práticas sexuais com seus parceiros os dois grupos
de significados reduzem-se a um, concebendo-a como maior prazer e satisfação sexual. O
34
confinar a mathuna a este significado resultado da aceitação das mulheres dos ensinamentos
transmitidos ao longo da realização do alongamento dos pequenos lábios vaginais. As mulheres
aprendem, de uma forma geral, que devem tratar bem seus parceiros e se submeter as suas
vontades e apetites sexuais.

A interpretação do discurso destas mulheres revela que o que as motivou foi o interesse de
através do maior prazer e satisfação sexual por meio da mathuna garantir a conservação da sua
relação conjugal com seu parceiro. Não obstante, os dados revelam que nem todas as mulheres
conseguiram atingir a satisfação deste interesse, o que as leva assumirem diferentes posições
quanto ao papel da mathuna nesta conservação.

Ao longo do trabalho, foi possível identificar alguns pontos que não foram devidamente
explorados por não constituírem foco do nosso trabalho, porém, interessa fazer uma breve alusão
de modo a abrir caminhos para futuros estudo. O ponto que chamou mais a nossa atenção foi a
presença de factores que levam a reprodução da dominação masculina e submissão da mulher a
esta dominação. Dedicamos dois parágrafos a esta questão, mas fica ainda por ser explorada por
um estudo que se dedique especificamente a ela, pois a nossa perspectiva incide sobre a
dimensão subjectiva.

Em função disto, dentro na nossa humildade científica, reconhecemos que o nosso trabalho não
deu devida atenção a dimensão estrutural porque não constitui o nosso objectivo. Assim, os
estudos que optarem por explorar esta realidade podem partir de uma perspectiva estrutural de
modo dar sequência a dimensão subjectiva por nós explorada. Vemos isto como uma limitação
do nosso estudo que foi tomada em consideração deste as primeiras fases da sua realização.
Porém, justificamo-nos pelo facto de, como afirma Archer (apud Crespi, 1997), algumas
mudanças de significados podem ocorrer no processo de apropriação ao longo das relações
sociais sem que afectem a realidade estrutural. Para nós a apropriação da mathuna é um dos
fenómenos que segue, por enquanto, este sentido de transformação social.

35
Referências bibliográficas
Araujo, Mendes. Os espaços urbanos em Moçambique, S.e GEOUSP - Espaço e Tempo, São
paulo,2003.

Bagnol, Brigitte & Mariamo, Esmeralda. Género, Sexualidade e Práticas Vaginais. Editor
FLCS-UEM. S.e, Maputo, 2011.

Bagnol, Brigitte. Diagnóstico da orientação sexual em Maputo e Nampula; Embaixada do


Reino dos Países baixos, S.e. S.ed. Maputo,1996.

Conceição, Osório & Macuacua, Ernesto. Os ritos de iniciação no contexto actual:


Ajustamentos, Rupturas e confrotos, construindo identidades de género. Wlsa, S.e,S.ed Maputo,
2013.

Cunaca, Joana, Iniciação a sexualidade na construção de identidade das mulheres: o caso do


bairro de Nhamaibwé, no município de Dondo. Monografia (Licenciatura em Antropologia)
Faculdade de Letras e Ciencias Socias, Universidade Eduardo Mondlane, 2007.

Crespi, Franco. Manual de Sociologia da Cultura. 1ª Edição, Editorial Estampa, Lisboa, 1997.

Correia, João Carlos. Jornalismo e a realidade múltiplas: o arrastão e a representação


mediática das identidades, (2003). Acessado em http://www.bocc.ubi.pt/pag/correia-joao-
jornalismo-identidades-multiplas.pdf, a 12 de Out. 2014.

Dinis& silva, Metodologia Científica: Tipos de métodos e sua aplicação, Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, 2008.

Guerra, Isabel Carvalho. Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo: Sentidos e formas de


uso. 1ª Edição. S.ed, Portugal, 2006.

36
Laforte, Ana Maria, A produção de identidades étnicas no meio urbano, S.e.S.ed.
Maputo,2004.

Lerma, Francisco, O povo macua e a sua cultura, Ministério da educação: instituto de


investigação científica tropical, S.e. S.ed, Lisboa, 1989.

Lopes, Regina, etal, Factores essências para a manutenção do casamento, S.e.S.ed, Brasil,
2011.

Lakatos, Eva Maria & Marconi, Metodologia de Investigação Científica. 7ª Edição Editora
atlas, São Paulo, 2009.

---------------------- Fundamentos de Metodologia Cientifica; 6˚ed; São Paulo: Atlas editora,


2007.

Mariamo, Esmeralda et al. As práticas Vaginais na Província de Tete em Moçambique. Editora


centro internacional para saúde reprodutiva, S.e. Tete, 2011.

Matsinhe, Cristiane. Práticas culturais e comunitárias de promoção de saúde sexual e


reprodutiva: Nampula, Sofala, Inhambane – Moçambique, Maputo: Kula, Estudos de Pesquisa
Aplicadas LDA, S.ed, Maputo, 2010.

Medeiros, João. Redacção Científica. 8ª Edição, editora Atlas, São Paulo, 2006.

Minayo, Maria, Teoria, método e criatividade,Petrópolis, S.e, editora Vozes, Rio de


Janeiro,1994.

Morin, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro, Rio de Janeiro, 1921.

Mulenga, Alberto. Introdução a Estatística, UEM, 2010.

Oliveira, Lizete, etal,Crenças populares referentes a saude: Apropriação de saberes sócio


culturais, S,e. S.ed Florianópolis, 2006.

37
Pechorro, Pedro, Satisfação sexual feminina: Relação com o funcionamento sexual
comportamentos sexuais, S.e. S.ed, Brasil 2009.

Queiroz, Ana, Investigação qualitativa: A fenomenologia na investigação, características do


método fenomenológico aplicado a investigação, S.e, 1ed, Coimbra, 2007.

Ramos, Celia, Poéticas do urbano: produção e apropriação cultural no dia-a-dia das cidades,
S.e, S.ed, Brasil 2008.

Ribeiro, Paulo, Gestalt/ terapia: A definição de contacto e a relação conjugal, publicado em


05/11/12, disponível em http/www/ Artigos de psicologia/ abordagens/ humanismo. Acessado no
dia 4 de Junho de 2013.

Serra, Carlos, Chaves das portas do social (notas de reflexão de pesquisa), S.e, S.ed, Maputo,
Imprensa Universitária, 2012.

Sousa, Inês, Satisfação sexual e qualidade de vida da mulher no climatério, Universidade


Fernando Pessoa, Faculdade de ciências humanas e socias, Porto, 2003.

Schutz, Alfred, Fenomenologia e relações socias, S.e, S.ed, Brasil,1979.

Smolka, Ana luiza, O (im) próprio e o (im) pertinente na apropriação das práticas sociais, S.e,
S.ed, Brasil, 2009.

Ulmann, Reinholo, Antropologia: O homem e a cultura, Editora vozes,S.ed, Petrópolis, 1991.

38
Anexo 1

Guião de entrevista

Dados sociodemográficos

1. Idade

2. Residência

3. Naturalidade

4. Estado civil

4. Nível académico

6. Profissão

7. Anos com o parceiro

Apropriação da prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais

1.Como é que teve conhecimento da prática do alongamento dos pequenos lábios vaginais?

2. Sabe dizer a naturalidade dessas pessoas?

3. O que ouviu falar a cerca dessa prática?

4. Em que momento decidiu fazer o alongamento dos pequenos lábios vaginais? Porque?

5.Alguém lhe aconselhou a fazer o alongamento dos pequenos lábios vaginais? Se sim (o que foi
que lhe disse)?

6. Como é que é feito o alongamento dos pequenos lábios vaginais?

7. Quais são as técnicas que tu usas para a puxar os pequenos lábios vaginais?

8. Quais os produtos que usas para puxar os pequenos labios vaginais?


9.Que ensinamentos são dados relacionadas com o sexo na prática do alongamento vaginal?

Significados atribuidos ao alongamento vaginal

1. O que significa a prática do alongamento vaginal?

Preservação do relacionamento

1. De que forma o alongamento dos lábios vaginais ajuda a manter a sua relação?

2. Como é que os ensinamentos dados na prática do alongamento vaginal ajudam no seu


relacionamento?

3. Como é que procura por em prática os ensinamentos que teve na prática do alongamento
vaginal no seu dia-a-dia na sua relação conjugal?

4.O que é que mudou na vossa relação depois de ter praticado o alongamento dos pequenos
lábios vaginais?

5. Qual é o comentário ou opinião do seu parceiro sobre o facto de teres praticado o


alongamento vaginal?

6. O que é que pretendias alcançar ao fazer o alongamento dos pequenos lábios vaginais?

7. Na sua opinião, conseguiste alcançar o que pretendias, por que?

8. Qual a sua opinião sobre o que se diz que os lábios alongados servem para conservar a
relação?
Anexo 2

Foto de mulher com alongamento dos pequenos lábios vaginais e sem alongamento

http://pt.wikipedia.org/wiki/Labioplastia acessado no dia 15 de Outubro de 2014 pelas


16:00h

Você também pode gostar