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A Hipercomplexidade
Je finis par trouver sacré le désordre de mon esprit. ♦
Eimbaud
Ordem-Desordem
í
128 O Enigma do Homem
O Gênio da Espécie
O gênio do sapiens está na intercomunicação entre o ima
ginário e o real, o lógico e o afetivo, o especulativo e o
existencial, o inconsciente e o consciente, o sujeito e o obje
to 3, razão de todos os extravios, confusões, erros, deva
neios, demências, mas razão, também, em virtude dos
mesmos princípios, operando sobre os mesmos dados, de
todos os conhecimentos profundos (em que se combinam,
com a explicação lógica, a intuição e aquilo a que Max
Weber chamava compreensão), todas as sublimações e
invenções nascidas do desejo.
A demência do sapiens é a insuficiência e a ruptura
dos controles, mas o gênio do sapiens é também não ser
totalmente prisioneiro dos controles, nem do controle do
"real” (meio ambiente), nem do da lógica (o neocórtex),
nem do do código genético, nem do da cultura e da socie
dade, e, ainda, o de poder controlar os controles um
pelo outro.
O gênio do sapiens está na brecha do incontrolável
onde ronda a loucura, na abertura da incerteza e da inde-
cidibilidade onde se fazem as pesquisas, a descoberta, a
criação. Está na ligação entre a desordem eloísta das pro-
A Integração Antropológica
O cérebro é um centro organizador do conhecimento, do
comportamento e da ação. É neste campo que se mani
festa sua aptidão para utilizar a eventualidade — o acon
tecimento ‘ — para produzir a eventualidade, isto é, opçoes
e decisões.
Mas, ainda mais ampla e profundamente, devemos
ver no cérebro não só o centro organizador do organismo
individual propriamente dito, mas também o centro fede
rativo-integrador entre as diversas esferas cujas relações
mútuas constituem o universo antropológico: a esfera
ecossistêmica, a esfera genética, a esfera cultural e social
e, é claro, a esfera fenotípica do organismo individual.
Ora, as muito fortes intercomunicações e a muito
fraca hierarquização triúnicas indicam-nos que a ordem
psicológica, a ordem sociocultural e a ordem biológica
não podem ser tidas como compartimentadas e sobrepos
tas hierarquicamente uma sobre a outra. Assim, há es
treitas e surpreendentes ligações entre aquilo que parece
mais longínquo e mais irredutível, como, por exemplo,
aquilo que parece mais genético — a sexualidade — e as
atividades superiores do espírito, passando, naturalmente,
pela afetividade (amor). A grande contribuição de Freud,
muitas vezes mal compreendido tanto por seus defensores
quanto pelos detratores da psicanálise, é ter descoberto
o poder invasor total da sexualidade sobre todas as ati
vidades mentais, até o sonho e a criação intelectual, deri
vando-as, transformando-as, metamorfoseando-as e fazen-
4 No que se refere a este problema capital, não desejamos
repetir, aqui, aquilo que desenvolvemos nos nossos dois artigos sobre
o Acontecimento, aos quais remetemos o leitor: “O Regresso do Acon
tecimento” e "O Acontecimento-Esfinge”, in Communications 18,
1972.
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