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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Raissa Castilho Farjo

Os significados do propósito na carreira contemporânea

Mestrado em Psicologia Clínica

São Paulo
2019
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP

Raissa Castilho Farjo

Os significados do propósito na carreira contemporânea

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Psicologia Clínica da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
Núcleo de Configurações Contemporâneas da
Clínica Psicológica, sob orientação da Profa. Dra.
Marlise Aparecida Bassani.

Mestrado em Psicologia Clínica

São Paulo
2019
BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

______________________________________
À minha inspiração, mãe e melhor amiga que, desde
o início da minha vida, lê cada palavra que escrevo,
acompanha cada passo que caminho e vibra
amorosamente com tudo o que sou. Eu sou tudo o
que sou porque você me ama.
AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas me inspiraram, apoiaram e incentivaram a trilhar este caminho, por


isso, tenho o imenso prazer de reconhecer e agradecer a cada uma delas pela
importante contribuição na minha pesquisa e na vida.

Agradeço ao meu marido, Stefano, por todo o amor que vibramos juntos. Experienciar
a vida ao seu lado é maravilhoso. Você me inspira a ir além da forma mais leve e linda
que conheço! Obrigada por toda a paciência e todo o cuidado durante os fins de
semana em que estive imersa no processo de escrita.

Gratidão à minha mãe, Kathia, a quem dedico este trabalho e agradeço imensamente
por toda a generosidade e pelo amor capaz de transformar o mundo em um lugar mais
acolhedor. Ser sua filha é aprender diariamente o significado da força e do poder
femininos.

Agradeço ao meu pai, Luiz, por todo o apoio, conversas e sabedoria. Eu me orgulho
do quanto aprendemos um com o outro sobre a vida e principalmente sobre o amor.
Você me ensina a importância de traduzir o amor em ações, e reconhecer tanto de
você em mim faz com que eu tenha ainda mais coragem para seguir o meu caminho.
Agradeço ao meu irmão, Iannis, por tudo e por tanto. Com você divido tudo que sou e
aprendo tudo que ainda quero ser.

Agradeço a Marcela, minha cunhada, por toda ajuda, preocupação e escuta... longas
horas de escuta e empatia. Obrigada por toda a sensibilidade e por estar sempre
próxima.

Agradeço à minha orientadora, professora Marlise Bassani, pelo incentivo constante,


pela abertura ao novo e acolhida de volta à PUC, minha casa. Obrigada pela confiança
e dedicação, pelo apoio e por incríveis oportunidades de descobrir conhecimentos tão
valiosos como a Psicologia Ambiental.

Aos professores Marcelo Ribeiro e André Bruttin, verdadeiros mestres com os quais
eu tive a honra de aprender. Obrigada pela disponibilidade e por todas as
contribuições valiosas no meu processo de pesquisa.

Aos meus colegas de pós-graduação pelas sugestões, trocas e aprendizado conjunto.


Especialmente a Claudia e Débora por todo carinho, ajuda e incentivo, vocês são
maravilhosas.

Meu carinho e gratidão aos participantes da pesquisa. A disponibilidade e entrega de


vocês em cada entrevista fizeram com que eu me apaixonasse ainda mais pelo tema
e pelo processo, tornando a jornada muito mais interessante.

Meu muito obrigada à professora Ana Claudia Mei pela conversa e pelo carinho. Em
momentos de incerteza, sua leitura crítica e atenta foi o que eu precisava para
continuar neste desafio acadêmico.

E aquela parte curiosa de mim que, ainda bem, existe e quer sempre mais!
FARJO, C. R. Os significados do propósito na carreira contemporânea. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

RESUMO

Nesta dissertação busca-se conhecer as questões que permeiam as relações sociais


e econômicas referentes ao trabalho e aos valores que se adensam ao fazer nas
estruturas políticas e culturais que aproximam o trabalho à carreira e, especialmente,
à investigação do propósito, termo amplamente divulgado, difundido nas mídias e
organizações, porém ainda frágil quanto a definição, conceituação e produção
acadêmica. A literatura sobre o tema, sobretudo no campo de propósito, ainda é
incipiente, sendo a maior parte dos artigos veiculados por revistas e empresas
expondo um tema de estudo ainda em construção. Para traçar este percurso de
pesquisa, objetivamos refletir a partir dos líderes de uma organização de educação
corporativa, situada na cidade de São Paulo, a investigação interdisciplinar do
conceito de propósito e o seu significado na carreira contemporânea. Para isso, foi
realizada uma pesquisa de estudo de caso, considerando o desejo de compreender o
processo de carreira a partir de um novo modelo de trabalho que atenda a
necessidade do propósito individual de carreira, um fenômeno social complexo e
contemporâneo. Convidamos para participar da pesquisa todos os sócios
administradores da empresa (cinco) que exercem papel de liderança, considerando a
Resolução CNS/MS 466/2012 complementada pela Resolução CNS/MS 510/2016
após aprovação no Comitê de Ética parecer nº 3.063.547. Como metodologia para
coleta de informações, escolheu-se o uso adaptado de uma entrevista
semiestruturada (Dialogue interview), sistematizada por Otto Scharmer (2015a) que
possibilitou explorar o propósito de carreira individual dos participantes, sua relação
com o ambiente de trabalho e sua influência no sentido de trabalhar. Assim, o presente
trabalho busca contribuir com este novo campo de estudo, desenvolvendo uma
pesquisa em Psicologia que considera a relação do indivíduo com o seu contexto e
que, a partir dos dados encontrados no caso, expôs um espaço para uma proposta de
definição do conceito de propósito.

Palavras chave: Propósito. Carreira. Psicologia Ambiental.


FARJO, C. R. The meaning of purpose in the contemporary career. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

ABSTRACT
The present work aims to understand matters that permeate the social and economic
relations, that refer to the work and values which are deepened in the political and
cultural structure, bringing work closer to career and, especially, the purpose
investigation, a widely disclosed and widespread term in the media and organizations,
but still fragile regarding its definition, concept and academic production.The literature
about the theme, mainly in the purpose field, it is still incipient, being most of the articles
published by magazines and companies that exposes a concept that is still under
construction. To trace the path of this search, we aim on reflecting from leaders of a
corporative educational company, located in São Paulo, the interdisciplinary
investigation of the concept of purpose and its meaning to the present-day career. For
that, a case study research was made, considering the desire to comprehend the
process of career from a new model of work that meets the need of an individual career
purpose, a complex social and contemporary phenomenon.To be part of the research,
we invited all the managing partners of the company (five), that have a leadership role,
considering the CNS/MS 466/2012 Resolution, complemented by the CNS/MS
510/2016 Resolution, after approval at the Ethical Committee opinion nº 3.063.547.
As methodology to acquire information, it was chosen the use of an adaptation of
Dialogue Interview, systematized by Otto Scharmer (2015a), that opened the
possibility to explore the individual career purpose of each participant, its relation to
the work environment and its influence on the sense of working. By that, the present
work pursues to contribute to this new field of study, developing a research in
Psychology that considers the relationship between individual and its context, that from
the data found on the case, exposes an opportunity to the definition of the purpose
concept.

Keywords: Purpose. Career. Environmental Psychology.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Danaides 1904 - John William Waterhouse ............................... 24


Figura 2: Hercules Fighting the Nemean Lion, 1615 - Peter Paul Rubens. 24
Figura 3: Sísifo de Tiziano Vecellio, 1549 ................................................ 25
Figura 4: O Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci (1452 – 1519) ........ 26
Figura 5: Os 4 problemas contemporâneos do trabalho .......................... 33
Figura 6: Patchwork Paris ........................................................................ 37
Figura 7: Soho Works, Shoreditch ........................................................... 37
Figura 8: The Evolution of the Desk ......................................................... 38
Figura 9: Áreas que contribuem para carreira .......................................... 46
Figura 10: Ciências da gestão e Ciências do trabalho ................................ 47
Figura 11: Processo de carreira infinita ...................................................... 56
Figura 12: Carreira em escada .................................................................. 61
Figura 13: Carreira sem fronteiras ............................................................. 62
Figura 14: Carreira Proteana ..................................................................... 62
Figura 15: Carreira em espiral ................................................................... 63
Figura 16: Carreira caleidoscópica ........................................................... 63
Figura 17: Surfando a Onda ....................................................................... 64
Figura 18: Purpose e Propósito – Amazon (por ordem de relevância) ........ 71
Figura 19: Rede de palavras associadas ................................................... 72
Figura 20: Career Purpose e Propósito de Carreira – Amazon (por ordem
de relevância) ........................................................................... 73
Figura 21: Pesquisa tendência propósito ................................................... 74
Figura 22: Significados do propósito .......................................................... 80
Figura 23: Tipos de estágio ........................................................................ 86
Figura 24: Pirâmide de Maslow .................................................................. 91
Figura 25: Psicologia Ambiental ................................................................ 96
Figura 26: Escritório da Movile ................................................................... 99
Figura 27: Escritório do Google em Amsterdã ............................................ 98
Figura 28: Escritório do Google em Dublin ................................................. 98
Figura 29: Escritório do Google em Tel Aviv .............................................. 100
Figura 30: Escritório do Google em Zurich ................................................. 100
Figura 31: Escritório da Corus Quay – empresa de entretenimento no
Canadá ..................................................................................... 100
Figura 32: Escritório criativo da FARM – Confecção brasileira de roupa
feminina..................................................................................... 101
Figura 33: Níveis de privacidade................................................................ 103
Figura 34: Modelo dual de apropriação de espaço ..................................... 106
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: O “de/para” do mundo do trabalho ........................................... 39


Tabela 2: O “de/para” da Contemporaneidade ........................................ 66
Tabela 3: Mapa de publicações sobre Propósito ..................................... 70
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 13
1.1 Apresentação ....................................................................................... 13
1.2 Relevância da Pesquisa ...................................................................... 17
1.3 Objetivo ................................................................................................ 20
1.3.1 Objetivos específicos ......................................................................... 20

2 O TRABALHO DÁ TRABALHO .............................................................. 22


2.1 A história do trabalho: Era uma vez ................................................. 22
2.2 O Trabalh(AR): contemporaneidade, complexidade e volatilidade. 30

3 carreiraS ................................................................................................. 43
3.1 Conceito ............................................................................................... 45
3.2 O Desenvolvimento do Conceito de Carreira ................................... 50
3.3 Carreira contemporânea como um processo de
autodesenvolvimento ................................................................................ 52
3.4 Novos Modelos de Carreiras .............................................................. 57

4 ESTE CAPÍTULO É DE PROPÓSITO ..................................................... 68


4.1 O Mapa do Propósito .......................................................................... 68
4.2 ConceitoS ............................................................................................. 75
4.3 Propósito Individual ............................................................................ 81
4.4 Propósito Organizacional ................................................................... 83
4.5 A Carreira com Propósito: uma articulação entre os desejos dos
indivíduos e um novo olhar sobre o sentido do trabalho ..................... 89

5 ONDE TUDO ACONTECE ....................................................................... 95

6 MÉTODO .................................................................................................. 108


6.1 Participantes e critérios para inclusão ............................................. 109
6.2 Instrumentos ........................................................................................ 110
6.3 Procedimentos Éticos ......................................................................... 110
6.4 Apresentação do caso ......................................................................... 111
6.5 Apresentação dos participantes ......................................................... 112

7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...................................... 115


CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 39

REFERÊNCIAS …………………………………………………………………. 66

APÊNDICES................................................................................................. 70

ANEXOS ......................................................................................................
13

1 INTRODUÇÃO

1.1 Apresentação

No começo de 2007, iniciei minha formação em Naturologia, um curso de


bacharelado com duração de quatro anos e meio que abrange diversas formas de
cuidado integral ao ser humano com a intenção de promover saúde. Se a prática da
medicina alopática cuida de doenças e procura restabelecer a saúde do paciente, a
medicina integrativa, por sua vez, objetiva estabelecer padrões de bem-estar aliados
à qualidade de vida na prevenção de doenças para que o indivíduo permaneça em
harmonia e equilíbrio.
Minha intenção ao escolher o curso foi usar as práticas integrativas para
aumentar a qualidade de vida no trabalho, tornando-o um ambiente promotor de
saúde, cuidado físico e psicológico. Apesar de sua importância na minha formação,
trata-se de um curso novo que busca aplicar o conhecimento na clínica e encontra
dificuldade para se inserir nas organizações com projetos que não sejam apenas
pontuais. As organizações eram particularmente interessantes para mim,
considerando a possibilidade de reflexão das relações de trabalho que se
estabelecem neste espaço, seus possíveis impactos na motivação e no significado da
carreira e propósito individual.
No meu caminho de formação profissional, entendi o propósito como a
capacidade de compreender os valores e experiências que vivemos, associado ao
autoconhecimento e ao que determina as experiências futuras (motivação) capaz de
promover impactos concretos (resultado).
A partir do meu interesse em compreender as relações das pessoas com o
trabalho e suas motivações de carreira, ingressei no curso de Psicologia da PUC-SP.
Nos cinco anos de formação, entrei em contato com diversas abordagens e teorias
sobre o ser humano e direcionei meus estudos e interesses para a área de Psicologia
Organizacional. Após quatro anos no mercado de trabalho como headhunter1, em uma
consultoria de recrutamento e seleção, entrevistei muitas pessoas insatisfeitas com a
própria carreira. Entrar em contato com o sofrimento que o trabalho pode causar,

1Headhunter é uma palavra em inglês para o profissional que faz a ponte entre os profissionais do
mercado e as posições executivas de empresas, considerando as competências necessárias e perfil
de candidatos compatíveis com a organização.
14

despertou em mim o interesse pelos estudos na área e me incentivou a procurar


compreender as noções e o sentimento de propósito relacionados à carreira.
Assim, em 2015, direcionei meus estudos para esta temática e iniciei uma pós-
graduação latu sensu em Consultoria de Carreira na FIA, que me permitiu um olhar
mais profundo para as relações das pessoas com suas carreiras, partindo da premissa
que o trabalho mais do que uma atividade é também uma trajetória de aprendizado e
autoconhecimento (MALVEZZI, 2014; RIBEIRO, 2013).
Meu interesse no programa de mestrado e escolha por integrar o Núcleo de
Configurações Contemporâneas da Clínica Psicológica se dá como reflexo do meu
questionamento sobre a busca por propósito nas carreiras e a possibilidade de refletir
a respeito de novas dimensões e significados do trabalho. Conforme Marcelo Ribeiro:

Com a flexibilização, heterogeneização e complexificação do mundo do


trabalho ao final do século XX, a carreira sofreu mudanças em sua estrutura,
concepção e desenvolvimento, gerando a fragmentação da carreira
organizacional e sua ampliação para além dos limites das empresas,
alcançando o mundo do trabalho como um todo. (RIBEIRO, 2009, p. 203)

Podemos, então, observar no mercado de trabalho que importantes mudanças


de paradigma vêm ocorrendo: o trabalho vem ganhando novos significados, definições
e interesses, e os valores que o definem, bem como os símbolos e proporções,
também parecem se reorganizar socialmente. Ressalta-se o fato da carreira ser,
atualmente, compreendida como um processo de autoconhecimento e
desenvolvimento da trajetória pessoal (DE MASI, 2014; MORACE, 2015).
Em um cenário de constantes transformações impulsionadas por novas
tecnologias, como exemplo a internet e os smartphones, as mudanças na maneira
como nos relacionamos estão cada vez mais dinâmicas. Parece existir um momento
de convergência de teorias e pensamentos que colocam o sujeito no centro de sua
experiência: no trabalho, nas relações e no mundo (CASTELLS, 2016). Essa ideia
oferece um novo campo de investigação a ser explorado cientificamente pensando na
perspectiva do propósito das carreiras.
Diante destas transformações, o propósito vem ganhando grande relevância
dentro das organizações e da mídia a partir da publicação do livro Organizações
Exponenciais, em que os autores Salim, Michael e Iyuri (2015) pesquisaram nas
grandes empresas do mundo, como Netflix, Google, Coca Cola, as novas tendências
organizacionais a partir de uma nova estratégia de fazer e crescer economicamente o
negócio. Apontam como uma dessas tendências o Propósito Transformador Massivo
15

(PTM) que é uma declaração do propósito da organização que fala sobre valores da
empresa capaz de inspirar e conectar os colaboradores e clientes a uma aspiração ou
a um impacto no mundo. Exemplos como o TED (2019), uma série de conferências
realizadas online ou em um formato de evento presencial divulga o seu PTM como
“ideias que merecem ser espalhadas” ou o Google “organizar a informação do
mundo”, nos dão uma referência de como esta ideia deve ser aplicada.
Por existir uma referência de que organizações exponenciais lucram dez vezes
mais do que outras empresas e apresentam menos risco de se tornar obsoletas, o
propósito se tornou querido e essencial para as empresas. Existir uma frase que
demonstra o sonho ou como a empresa deseja impactar o mundo se tornou mais do
que uma boa prática, se transformou mandatório. Os clientes se sentem encantados
e os colaboradores inspirados pela possibilidade de fazer parte de algo maior, de
mudar o mundo, o que inicia um questionamento sobre o propósito de carreira
individual uma vez que passa a escolher uma empresa cujo propósito tenha relação
com o seu.
Diante deste cenário, o propósito vem sendo veiculado em diversas
reportagens, e-books empresariais, cursos abertos, treinamentos corporativos e
artigos que ressaltam a importância do tema, porém são escritos como se já estivesse
clara a definição do conceito. Realçam os benefícios de ter um propósito, o impacto
na decisão e escolha do consumidor ou na atratividade para os colaboradores, mas
carecem de uma definição do conceito. Assim, observamos atualmente que o
propósito é usado como sinônimo de diversos conceitos já estabelecidos, como
sentido, valor, missão ou ainda, motivação.
Um exemplo que nos permite fundamentar a discussão é o tema da revista
Exame de maio de 2019.2 Sua capa: A Força do Propósito: A ciência mostra que
enxergar significado no próprio trabalho, algo cada vez mais escasso em todo o
mundo, torna as pessoas mais saudáveis e produtivas. E é o caminho para uma vida
mais plena e feliz. Na reportagem Scherer (2019), aborda a busca por propósito
relacionada a uma crise de significado. A partir disso, é estabelecido o trabalho de
Viktor Frankl (1946) O Homem em Busca de um Sentido como referência nos estudos
sobre propósito:

2 Edição 1184 data 01/05/2019.


16

[...] trabalhos como o do neurologista e psiquiatra austríaco Viktor Frankl, para


quem o propósito não está no topo de uma pirâmide, e sim na base de
qualquer estrutura racional e emocional. É essencial até mesmo quando não
se tem praticamente mais nada [...]. (SCHERER, 2019, p.25)

Sendo assim, o propósito é assumido como sinônimo de sentido e a reportagem


segue a partir desta realidade. Adiante a autora aborda o propósito como uma razão
para acordar mais cedo, utilizando o conceito como sinônimo de motivação e
engajamento no trabalho. O propósito ainda é definido como a razão de ser, sendo
este o principal diferencial do conceito de missão e valores associados a uma
empresa: “A missão é o que uma empresa faz, a visão mostra para onde ela vai, os
valores indicam seu comportamento e o propósito esclarece por que ela existe
(SCHERER, 2019, p.36)”. Isso cria uma grande dúvida se o propósito é um novo
conceito ou um novo nome para um fenômeno antigo que sugere uma inovação
mercadológica.
Ao que nos parece, o propósito parece ser um novo conceito, porém que ainda
carece de estudos que permitam fundamentá-lo como tal. Portanto, inicialmente esta
pesquisa busca organizar o conhecimento produzido a partir da leitura e estudos de
textos (livros e artigos) oriundos de diferentes áreas (psicologia do trabalho,
sociologia, comunicação, administração, entre outros) uma vez que se trata de um
objeto de estudo interdisciplinar que oferece várias possibilidades de leituras e
análises. Após a revisão bibliográfica, abordaremos o estudo de caso de uma empresa
de educação corporativa localizada em São Paulo para nos ajudar a compreender
como os indivíduos pensam e organizam o propósito de carreira.
É importante ressaltar que nosso campo de análise prioriza compreender a
dimensão do propósito de carreira individual e como isso reflete em um modelo de
carreira contemporâneo. Por ser uma pesquisa em Psicologia Clínica, nos interessa
ressaltar como os indivíduos se relacionam ou percebem o conceito do propósito e
qual o impacto que existe na carreira ou em seu fazer.
Esta pesquisa é particularmente importante, pois representa a possibilidade de
diálogo no mundo do trabalho, que desde o início da minha formação acadêmica
desperta meu interesse, a partir de uma nova descoberta de produção de
conhecimento em Psicologia Ambiental relacionada aos conceitos de propósito e
carreira, um conceito muito abordado mercadologicamente, porém pouco explorado
academicamente.
17

1.2 Relevância da Pesquisa

Diante do objetivo da pesquisa que é refletir sobre o propósito das carreiras dos
líderes de uma empresa de educação em São Paulo e o impacto deste conceito em
suas carreiras, faz-se necessário introduzir alguns conceitos que serão fundamentais
para a discussão dos dados do estudo de caso.
Diante das mudanças nos ambientes de trabalho contemporâneos que se
ampliam e integram à vida pessoal, elegemos a Psicologia Ambiental como o fio
condutor da pesquisa, uma vez que nos permite refletir sobre a relação entre as
pessoas na interação com o seu ambiente ou comunidade em que está inserida.
Conforme sistematizado por Bassani, a Psicologia Ambiental estuda a inter-relação
entre a pessoa e o ambiente, seja este físico, construído ou natural, considerando a
capacidade de influência mútua em que um altera e modifica o outro 3. Este ambiente
amplia as suas fronteiras para a inter-relação entre pessoa e ambiente social,
promovendo a capacidade de facilitar ou dificultar estas interações.
Para esta pesquisa também serão importantes as contribuições de Moser
(2002, 2005), ao trazerem a perspectiva do ambiente como um campo multidisciplinar
incentivando a colaboração entre as disciplinas e dividindo a dimensão espacial em
quatro níveis: o primeiro nível, do microambiente, refere-se ao espaço privado; o
segundo, do nível interpessoal (comunidade), refere-se aos espaços compartilhados;
o terceiro nível são os ambientes públicos e, por fim, o quarto, que é social e considera
o ambiente na sua dimensão global.
O lugar de trabalho, nesse contexto, pode ser considerado como um ambiente
compartilhado, e será entendido a partir do conceito de comunidade articulado por
Bassani (2004) como uma célula da sociedade:

Comunidade foi sendo caracterizada como ação conjunta, rede de


sociabilidade baseada na cooperação e solidariedade, homogeneização de
interesses em torno das necessidades coletivas, lugar de sentimentos nobres
e não individualistas como lealdade, amizade e honra, e espaço geográfico
de ação e pesquisa. Comunidade é considerada como célula de sociedade,
capaz de irradiar mudanças. (BASSANI, 2004, p. 199-200)

Neste sentido, a comunidade se dá no movimento contínuo entre o individual e


o coletivo e pode ser promotora do espaço para a singularidade e diversidade. O

3 O uso da palavra pessoa foi cuidadosamente escolhido por Marlise Bassani (2003, 2004) com o
objetivo de ressaltar que a interação com o ambiente se refere ao ser humano com uma história de
vida, em um contexto cultural permeado por afetos e significados.
18

espaço de trabalho é também um local de relações e convivência que pode incentivar


a colaboração entre as pessoas que participam desta comunidade.
Esta forma emergente de compreender as possibilidades do trabalho em sua
dimensão coletiva a partir do conceito de comunidade também permite um novo
modelo de carreira. De acordo com Malvezzi, carreira é a mobilidade profissional da
pessoa entre as tarefas, posições, missões e instituições. Tal mobilidade revela a
relação de si e com o outro, a permeabilidade do ambiente, a qualidade do projeto
pessoal e o crescimento profissional.4
Este modelo propõe que a carreira tenha valor não apenas dentro da
organização, mas também fora dela. Assim, o conceito de carreiras sem fronteiras
(boundaryless career) se torna essencial, pois rompe com as barreiras e limitações
tradicionais da organização. Estas são carreiras que consideram o futuro em sua
dimensão não linear e flexível em que a soma das experiências, sejam elas
institucionais ou não, agrega valor na construção de uma narrativa que tem a pessoa
como autor e protagonista da sua história (ARTHUR; ROUSSEAU, 1996).
A carreira deixa de ser institucional e hierárquica e abrem-se possibilidades de
tornar-se individual e flexível. Assim, surge a necessidade de trabalhar a partir de um
outro modelo que considere a pessoa em sua totalidade e permita que as experiências
vivenciadas nos mais diversos ambientes agreguem na construção da identidade
profissional (IBARRA, 2004). Existe, neste sentido, um convite para integralidade do
ser humano, que une os seus interesses e motivações pessoais à escolha da atividade
profissional alinhada ao seu propósito, sem separar a vida pessoal e a vida
profissional.
As produções científicas a respeito do conceito de propósito ainda são
escassas. Assim, entende-se também a oportunidade desta pesquisa em reunir
diversos conhecimentos para explicar um fenômeno social crescente: o desejo de uma
carreira com propósito. Esta é uma discussão central que Cortella (2016) propõe:
“Como a sociedade hoje é mais focada no indivíduo, a ideia de propósito está marcada
por um conceito que já existiu e voltou com força: o da realização” (p.13).
Diante do questionamento, esta pesquisa propõe compreender as dimensões
da carreira dos líderes, a aplicabilidade do conceito de propósito e discutir a influência

4 Nota de aula: conceito dado em aula sobre Identidade profissional em 20 de fev. de 2016 na Pós-
Graduação de Consultoria de Carreira na FIA-USP.
19

das relações pessoa-ambiente de acordo com a Psicologia Ambiental em um


ambiente de trabalho.
Para cumprir este objetivo, o trabalho está estruturado em oito seções:
Considera-se a primeira seção a presente introdução tratando da
apresentação, relevância do tema de pesquisa e objetivos. A seguir, será abordado o
referencial teórico que sustenta e fundamenta a pesquisa sobre o propósito nas
carreiras contemporâneas. Assim, na segunda seção buscamos compreender as
bases históricas e sociais do surgimento, validação das relações e do sentido do
trabalho para que fosse possível revisar as transformações que impactaram e
possibilitaram novas formas de trabalhar e compreender o mundo do trabalho
contemporâneo. Também buscamos estabelecer formas de compreender as
mudanças na relação dos indivíduos com o fazer entendendo o sentido do trabalho.
A terceira seção, dedica-se a compreensão histórica da carreira que se instala
a fim de garantir interesse de continuidade no trabalho e manutenção de interesse na
vida de trabalho. Diante deste cenário, buscamos compreender a evolução do
conceito de carreira à medida que ganha novas proporções e atualmente é marcado
pela centralidade no indivíduo. A partir da exploração do conceito e dos avanços
possibilitados pela globalização, focamos em articular as tendências das novas formas
de carreira que surgem na contemporaneidade.
Diante do tema da pesquisa e reflexão das carreiras com propósito, a quarta
seção discute os conceitos existentes e propõe um mapeamento sobre a noção do
propósito que ainda é muito recente e pouco abordado em publicações acadêmicas
conceituadas. Portanto, buscamos esclarecer o tema e dialogar tanto sobre o
propósito individual como o organizacional na tentativa de articular a concepção da
carreira com propósito como uma abordagem a ser estudada e aprofundada.
Compreendendo a importância do ambiente de trabalho para a percepção do
bem-estar e qualidade de vida do indivíduo, na quinta seção buscamos dialogar sobre
os conceitos da Psicologia Ambiental que nos auxiliarão a refletir sobre a possibilidade
de um ambiente, seja ele construído ou virtual, em que o indivíduo encontre propósito
e o permita tornar-se consciente dos significados de sua carreira.
A sexta e sétima seções compreendem o estudo de caso, justificando a
metodologia utilizada, a apresentação do caso e a análise e discussão dos dados
Por fim, a oitava seção conclui o estudo de caso, as contribuições teóricas e os
possíveis desdobramentos sobre o tema.
20

1.3 Objetivo

As transformações dos modelos de trabalho, devido à complexidade e à


velocidade decorrentes da globalização, produzem novas formas de trabalho na
sociedade e a possibilidade de buscar uma carreira alinhada ao propósito individual.
Como fenômeno complexo, o trabalho interage com outros sistemas como a
globalização, tecnologia e, acompanha a velocidade destas mudanças, as quais
refletem nas pessoas a possibilidade de repensar suas carreiras também com maior
rapidez. Neste cenário, surgem novas tentativas de organização individuais e coletivas
do trabalho que podem ser estudadas e compreendidas como um campo aberto para
exploração que promove oportunidade de refletir à medida que este futuro acontece.
Assim, a reflexão do significado individual do trabalho se traduz em escolhas
profissionais que resultam em uma trajetória de carreira. Podemos considerar o
propósito como este sistema vivo possível de constante revisão e evolução individual
que pode ser influenciado pela dimensão dos valores, dos aprendizados e do
ambiente.
Sendo assim, esta pesquisa propõe como objetivo compreender o propósito
das carreiras dos líderes de uma empresa de educação corporativa na cidade de São
Paulo e pesquisar como estes líderes percebem as consistências e inconsistências
entre o propósito individual de carreira, o sentido do trabalho e o ambiente da
empresa. Pretende-se, portanto, a partir de um estudo de caso, estudar a relação
entre o propósito dos líderes considerando as dimensões de significado, escolhas e
trajetória de carreira e as influências ambientais nesta relação.

1.3.1 Objetivos específicos

A partir do esforço para responder a problemática de pesquisa do conceito do


propósito com base na experiência concreta de carreira dos líderes, busca-se delimitar
como objetivos específicos:

1. Investigar o sentido do trabalho para os participantes.


2. Refletir sobre os valores que motivam as decisões de carreira.
3. Compreender qual é o conceito de carreira para os líderes.
21

4. Conhecer o que definem como conceito de propósito.


5. Compreender qual é a influência do ambiente neste contexto.
22

2 O TRABALHO DÁ TRABALHO

Este capítulo tem como principal objetivo introduzir a história do trabalho para
que possamos compreender o sentido e as noções deste percurso diante dos marcos
relevantes que nos permitiram chegar até este momento. Sendo assim, este primeiro
enfoque é o que possibilita a discussão do trabalho contemporâneo e suas futuras
articulações com a carreira, o propósito e os ambientes a partir de diversas pesquisas
complementares que propõem a autonomia, a diversidade e o retorno financeiro ou
como possibilidade de autodesenvolvimento, como aspectos fundamentais do
trabalho.

2.1 A história do trabalho: Era uma vez...

Repetidamente, ao resgatarmos a origem das palavras, nos deparamos com


versões de trabalho explicado por meio de significados com dimensão negativa. Por
exemplo, o significado na língua italiana (lavoro) está diretamente associado a fadiga
e cansaço. No alemão, o vocábulo arbeit vem diretamente das palavras servidão ou
escravidão. No caso da língua inglesa, existem três palavras para definir trabalho:
work, job e labour. Em tradução conforme o dicionário de Cambridge, a palavra Work
propõe o fazer algo, trabalhar ou ainda o funcionamento de algo. Job seria uma tarefa
ou um emprego e a terceira palavra também associada a este universo seria, Labour,
que tem origem no latim, laborem, e que traz um sentido ainda mais pesado de esforço
que gera dor e fadiga. A palavra labour também foi usada desde o século XVI para
descrever as dores do parto. Assim como no Brasil, a expressão “trabalho de parto”
simboliza o sofrimento (CIULLA, 2000).
De qualquer modo, nos parece importante assinalar que observamos em todas
essas línguas que o termo trabalho se constitui como substantivo abstrato,
significando: tormento, agonia, sofrimento, cansaço e exaustão.
Além da etimologia da palavra, nos parece interessante retomar os diversos
mitos gregos que nos permitem entender os símbolos associados ao trabalho como
castigo. Assim Hércules, Sísifo e as Danaides são exemplos como veremos a seguir.
A história de Hércules ilustra o trabalho como fruto de uma atividade
considerada impossível permeada pelo sofrimento. Hércules, filho de Júpiter e
23

Alcmena, logo em seu nascimento foi hostilizado por duas serpentes enviadas por
Juno para matá-lo, porém o bebê estrangulou-as com as próprias mãos. Não
satisfeito, Juno o submeteu às ordens de Euristeus que lhe impôs o cumprimento de
tarefas consideradas impossíveis, conhecidas como Os Doze Trabalhos de Hércules.
Seus trabalhos eram árduos, como, por exemplo, lutar contra o leão de Nemeia e
trazer a pele como prova, matar um monstro de nove cabeças sendo a do meio imortal,
e, a cada cabeça que Hércules destruía, nasciam duas em seu lugar. O mito deu
origem à expressão “trabalho hercúleo”, utilizada, ainda hoje, para expressar uma
tarefa extraordinariamente difícil (BULFINCH, 2002).
Outro mito que descreve o trabalho como forma de sofrimento é a história de
Sísifo que foi condenado a empurrar uma grande pedra até o topo de uma montanha,
e, quando finalmente, após muito esforço, chegava ao topo, a pedra rolava abaixo e
então ele se via obrigado a repetir a tarefa. Na interpretação de Albert Camus (2010):
“Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o alto de uma
montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram, com certa razão,
que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança” (p. 137).
O autor percebe, portanto, que o grande desespero não está na subida da
montanha, pois este é o momento de esforço extremo que não permite os
pensamentos, mas sim na descida, levando-o à consciência do seu destino e
repetição de uma tarefa sem fim. O autor faz um paralelo com o trabalho mecânico e
repetitivo dos operários e atribui o sofrimento à tomada de consciência de um fazer
fadado ao fracasso e à exaustão e sem sentido.

Esse mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria sua pena
se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje
trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é
menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna
consciente. (CAMUS, 2010, p.139)

Em um terceiro mito, as Danaídes, as cinquenta filhas do Rei Dánao, irmão de


Egipto que tinha outros cinquenta filhos, foram obrigadas a se casar com seus primos,
mas, na noite do casamento, mataram seus respectivos maridos. Com exceção da
mais velha que se apaixonou e não executou seu marido, as outras 49 Danaídes foram
condenadas a encher com água um tonel sem fundo realizando assim um trabalho
sem possibilidade de êxito, mas que evidenciava a perda de tempo e falta de sentido
(DRUMOND, 2012).
24

Como forma de ilustrar este sofrimento, selecionamos as imagens que


representam os mitos de Hércules, Sísifo e Danaídes como uma narrativa simbólica
do trabalho entendido como um castigo divino aos erros e transgressões humanas
que o tornam um processo de sofrimento contínuo em uma atividade desprovida de
sentido. Também nos permite refletir que a falta de consciência de porque se realiza
a tarefa pode ser alienante e fonte de angústia.

Figura 1: Danaídes, 1904 - John William Waterhouse


Fonte: Google.com

Figura 2: Hercules Fighting the Nemean Lion, 1615 - Peter Paul Rubens
Fonte: Little Rock, 2018.
25

Figura 3: Sísifo, 1549 - Tiziano Vecellio


Fonte: Wikipedia.

Assim, o trabalho foi, durante séculos, visto como uma verdadeira tortura, e são
os escravos, súditos ou servos − trabalhadores de classes sociais mais numerosas e
socialmente desprovidas de poder (social, econômico ou político) − os que são
realmente obrigados a trabalhar.
É só a partir do Renascimento (séculos XIV e XVI) que o ser humano passa
filosoficamente a ser protagonista, a ser o elemento central das significações de seu
tempo e espaço, a peça-chave, onde é entendido pela primeira vez na história. Com
o humanismo rompendo as tradições e ideias medievais, novos tempos surgiam
marcados agora pela ênfase na experiência individual e na racionalidade. Neste
período se iniciam as navegações de longo curso e a transição do sistema feudal para
o pré-capitalismo. Essa época é marcada pela ascensão do individualismo e
celebração da singularidade. Como resultado desta individualização, a cultura era
altamente personalizada através dos autorretratos, diários, selo pessoal em cartas, o
que permite a ideia de que cada um é livre para realizar sua própria identidade e
moldar seu destino (KRZNARIC, 2012).
26

Figura 4: O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci (1452-1519)


Fonte: Google.

O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci (1452-1519), representa o ideal


clássico do equilíbrio, da beleza, da harmonia e da perfeição das proporções do corpo
humano e o cânone das proporções. Trata-se de uma ilustração que representa o
cerne do antropocentrismo.
Com este marco da individualidade, a partir das ideias do protestantismo,
liderado por Lutero no século XVI, a ideia do trabalho começa a ganhar novas
perspectivas instaurando a noção de que podemos servir a Deus através das mais
diversas formas de trabalho. Desconstrói-se a imagem do trabalho como punição e, a
partir desse momento, através das nossas vocações ou os talentos individuais,
exercemos a possibilidade do homem se realizar na matéria. Este é um marco na
compreensão do trabalho responsável por uma grande reavaliação do valor e da
dignificação do trabalho na sociedade e para o indivíduo. Pela primeira vez, a tarefa
que se realiza não é relevante pois Deus está em todas elas e o trabalho adquire
sentido incluindo a permissão para conquistar através dele dinheiro e bens (HISTORY
OF IDEAS, 2015, WEBER, 2004).
Se o protestantismo abre uma possibilidade de reconhecer o trabalho como um
valor que aproxima o indivíduo de Deus e permite sua realização, o capitalismo, a
partir da Revolução Industrial na Inglaterra (século XVIII), por sua vez, retoma a noção
27

do trabalho como sofrimento como uma crítica aos processos de produção e alienação
do trabalhador que não usa seus dons e talentos e, por sua vez, é submetido a uma
atividade repetitiva e cansativa.
Adam Smith (1723-1790), grande teórico da economia moderna, capitalista,
define trabalho como uma atividade que exige que o trabalhador desista de sua
tranquilidade, liberdade, felicidade e de todo seu potencial criativo. O salário seria a
recompensa que o trabalhador recebe pelo seu sacrifício. Inclusive, a palavra salário,
do latim salarium, surge como um pagamento de uma porção de sal dada aos
soldados romanos por seus trabalhos. Considerado um alimento divino capaz de
conservar e dar sabor aos alimentos, o sal assume uma grande importância na vida
dos cidadãos, e, como o comércio era realizado através da troca de mercadorias, o
sal possuía um valor alto significando a valorização dos soldados (DIAS, 2005).

Com o avanço da divisão do trabalho, a ocupação da maior parte daqueles


que vivem do trabalho, isto é, da maioria da população, acaba restringindo-
se a algumas operações extremamente simples, muitas vezes a uma ou
duas. Ora, a compreensão da maior parte das pessoas é formada pelas suas
ocupações normais. O homem que gasta toda sua vida executando algumas
operações simples, cujos efeitos também são, talvez, sempre os mesmos ou
mais ou menos os mesmos, não tem nenhuma oportunidade para exercitar
sua compreensão ou para exercer seu espírito inventivo no sentido de
encontrar meios para eliminar dificuldades que nunca ocorrem. Ele perde
naturalmente o hábito de fazer isso, tornando-se geralmente tão embotado e
ignorante quanto o possa ser uma criatura humana... Este tipo de vida
corrompe até mesmo sua atividade corporal, tornando-o incapaz de utilizar
sua força física com vigor e perseverança em alguma ocupação para a qual
foi criado. (SMITH, 1983, p. 213-214)

O conceito de trabalho pode ser compreendido como uma atividade humana


que é realizada com o objetivo de produzir um modo para a obtenção de subsistência.
O trabalho é, portanto, definido por Karl Marx (1988) como a atividade sobre a qual o
ser humano emprega sua força para produzir os meios para o seu sustento. Marx
propõe como base de entendimento das relações de trabalho a divisão entre cidade e
campo como uma primeira e decisiva cisão tal como explica:

Os fundamentos de toda divisão do trabalho já bem desenvolvida, e que


surge pela troca de artigos, estão na separação entre a cidade e o campo.
Pode-se dizer que toda a história econômica da sociedade é resumida no
momento desta antítese. (MARX, 1988, p.187)

De fato, a mudança para o sistema de trabalho assalariado alterou


profundamente o modo de vida. Os artesãos vão perdendo mercado a partir da
produção industrializada em escala que permite produtos mais baratos e os
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agricultores enxergam na cidade uma possibilidade de inserção social através do


trabalho organizado. Em um cenário de crescimento desordenado das cidades, da
falta de poder dos trabalhadores e da disciplina extremamente rígida imposta nas
instalações das fábricas, a Revolução Industrial trouxe riqueza apenas para a classe
burguesa. Os trabalhadores, incluindo mulheres e crianças, experimentavam um
trabalho extremamente pesado, com jornadas de 12 a 15 horas diárias, recebiam um
salário ruim, além de sofrerem agressões físicas e ameaças (MERLO; LAPIS, 2007).
A “expressão negativa” do trabalho é exposta com clareza por Marx nos
“Manuscritos Econômico-Filosóficos”. O trabalho como alienação seria pressuposto
da economia política, entendido juntamente com as premissas de propriedade
privada, de separação do trabalho, capital e terra, bem como de salário, lucro,
arrendamento, competição, valor, troca, mercadoria, etc. (MARX, 1844). O trabalho
assalariado é produtor de capital. Nessa concepção de trabalho, o próprio trabalhador
torna-se mercadoria. Aí Marx vê um primeiro nível de alienação: a alienação do
trabalhador em seu objeto – quanto mais o trabalhador produz, mais valor ele cria e
menos ele passa a valer. Sendo esse trabalho externo ao trabalhador, Marx aponta
um segundo nível de alienação: a alienação com o processo de produção. O trabalho
aparece como forçado, não para satisfazer necessidades diretas, mas como meio
para suprir outras necessidades. Um terceiro nível de determinação é a alienação do
próprio ser humano, do ser genérico. O trabalhador perde o “humano” ao trabalhar
somente para sobreviver, para manter a existência – de modo que se torna igual aos
animais ao abdicar de sua atividade vital consciente. Assim se explica que:

A atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais:


só por essa razão ele é um ente-espécie. Ou antes, é apenas um ser
autoconsciente, isto é, sua própria vida é um objeto para ele, porque ele é um
ente-espécie. Só por isso sua atividade é atividade livre. O trabalho alienado
inverte a relação, pois o homem, sendo um ser autoconsciente, faz de sua
atividade vital, de seu ser, unicamente um meio para sua existência. (MARX,
1844, p.24)

A divisão do trabalho acaba por dividir o próprio ser humano, que já não pode
desenvolver-se como ser inteiro, mas que vale mais pela capacidade de repetição e
especialização em determinada parte do processo produtivo. Este é um ponto crítico
do trabalho à medida que para Marx (1989) o trabalho é a ponte e o mediador do
homem com a natureza pois é através do trabalho que o homem transforma a natureza
e estabelece uma relação dialética: ao transformar a natureza, transforma a si mesmo.
29

Esta cisão do homem com a natureza cria condições artificiais dentro das
fábricas impedindo a integração do indivíduo com seus talentos, com o produto e com
o autodesenvolvimento a partir do seu trabalho. Dentro das fábricas, os trabalhadores
passam a não observar os movimentos da natureza e, inclusive, perder a noção do
tempo em um ambiente fechado e controlado.

O trabalho, o lazer e as festas religiosas, na antiguidade, foram inter-


relacionados, resultando daí uma tênue demarcação entre o trabalho e a vida.
O sistema fabril, por outro lado, criou uma disciplina de trabalho
completamente nova, onde o tempo e a tarefa passaram a ser rigidamente
controlados por inspetores. (KAMPER, 1998, p. 47)

Aos mais pobres, desprovidos de recursos, a opção era seguir os passos dos
antepassados trabalhando na terra ou nas fábricas, e aos de maiores posses, classes
mais avantajadas, era possível vislumbrar opções para adquirirem futuras profissões,
e nas mais “tradicionais”, como medicina, administração, economia, advocacia etc., a
chance de obter um futuro emprego era maior.
É notório que a história do trabalho, tanto a oral como a escrita, nos conta a
relação do homem com suas atividades e a forma como encontra, por meio de seu
fazer, possibilidades de sobrevivência, desenvolvimento, e só muito mais
recentemente autoconhecimento.
Assim, esta breve Introdução sobre valores, conceitos, características sociais
e históricas do trabalhar nos permitem observar que o termo era atrelado a esforço,
castigo. Em uma segunda etapa histórica, passou a designar a atividade que se realiza
para manter-se ou prover suas necessidades de vida. Hoje nos parece que o conceito
se abre em direção à realização cada vez mais subjetiva e pessoal do indivíduo, que
é protagonista das transformações de carreira e das mudanças relacionadas com o
significado do trabalho.
Buscaremos, diante deste contexto, compreender qual o sentido de trabalhar
na contemporaneidade, considerando a perspectiva do indivíduo no centro da relação
entre o seu fazer e a empresa ou atividade que realiza, circunscrito pelo contexto
social em que está inserido.
As questões que então se apresentam e que procuraremos refletir ao longo do
próximo capítulo são: em que consiste o caráter do trabalho contemporâneo? Como
se define o trabalho na contemporaneidade? O que faz com que a atividade tenha
sentido para o indivíduo?
30

2.2 O Trabalh(AR): contemporaneidade, complexidade e volatilidade

Priorizamos neste capítulo abordar a relevância do trabalho a partir do contexto


de transformações sociais, culturais e econômicas atuais, marcadas pela
complexificação e flexibilização das relações e processos que se desdobram em
novos significados e valores atribuídos ao trabalho promovidos a partir da própria
experiência de quem trabalha. Esta escolha do recorte se dá ao percebermos que
hoje, em um momento de transição, o passado não é suficiente para explicar o modelo
contemporâneo das relações e conceitos atribuídos ao trabalho e o futuro não
responde aos novos questionamentos pois ainda não se constituiu de maneira estável
(RIBEIRO, 2014; SCHARMER, 2016).
Mas por que dizer que o passado não nos dá repertório para analisar o futuro
quando pensamos especificamente no trabalho contemporâneo? O trabalho, como
vimos no capítulo anterior, foi marcado por concepções muito negativas: castigo,
obrigação e rotina enfadonha são alguns dos exemplos. Durante muitos séculos a
prioridade associada ao trabalho era garantir a subsistência, e ainda é muito recente
a noção do trabalho como fonte de realização e autoconhecimento. A partir da
intensificação das horas de trabalho e da não separação entre vida profissional e
pessoal, pública e privada principalmente devido ao acesso à tecnologia e às
transformações sociais, o trabalho foi sendo ressignificado, o que nos permite olhar
para o fenômeno com uma nova lente buscando compreender os seus novos
desdobramentos na sociedade e para o indivíduo (SVENDSEN, 2016).
Refletindo sobre o espaço de trabalho e as mudanças que estão por vir,
começamos a olhar para este novo contexto de transformações e compreender qual
a importância do trabalhar para o indivíduo na contemporaneidade.
O trabalho determina nosso status e molda as nossas interações sociais.
Quando conhecemos alguém, uma das primeiras interações, no Ocidente, é perguntar
o que o outro faz, ou seja, nos interessamos imediatamente em saber com o que a
pessoa trabalha ou qual atividade realiza. Isso porque, além de suprir as necessidades
materiais e financeiras, o trabalho também molda a identidade, satisfaz diversas
necessidades psicológicas, como conexão e a autoestima, e nos organiza em
comunidades e grupos sociais, possibilitando influenciar a realidade e o mundo. A
resposta ou esclarecimento sobre o tipo de atividade que desenvolve permite ao
interlocutor conhecer e supor uma série de inferências sobre sua identidade e o lugar
31

que ocupa socialmente. Pessoas precisam trabalhar para finalizar, definir e redefinir
sua identidade criando a própria história sobre si e sobre os outros, e tanto o processo
do trabalho como o produto – material ou imaterial − criado a partir dele nos permitem
transformações e compreensão sobre quem se é (GINI; SULLIVAN,1987; CIULLA,
2000; DEJOURS, 2004).
Compreendendo a importância da experiência de trabalho para construção da
identidade e sociabilidade, o sentido do que se faz torna-se prioritário à medida que
transforma a narrativa do indivíduo, os outros e o ambiente como resultado deste
processo, pois um trabalho sem sentido impacta a própria construção da identidade.
Conforme define Codo (1997), o trabalho exige “[...] uma relação de dupla
transformação entre o homem e a natureza, geradora de significado” (p.26). Este
significado permite uma relação dialética entre o trabalho e a natureza em que um
afeta o outro e caso exista rompimento pode gerar sofrimento. Realizar um trabalho
alienante, que não tem nenhum interesse humano ou que não tenha nenhuma
utilidade em um ambiente que não é promotor de vínculos e relações é um trabalho
sem sentido.
Para compreender o que torna um trabalho sem sentido, partiremos dos
conceitos propostos por Dejours (2004), autor da abordagem clínica da psicodinâmica
do trabalho e um dos principais autores no campo de estudo sobre o sofrimento entre
a relação homem-trabalho:

[...] a partir do olhar clínico, o trabalho é aquilo que implica, do ponto de vista
humano, o fato de trabalhar: gestos, saber-fazer, um engajamento do corpo,
a mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de interpretar e de
reagir às situações; é o poder de sentir, de pensar e de inventar, etc. Em
outros termos, para o clínico, o trabalho não é em primeira instância a relação
salarial ou o emprego; é o <<trabalhar>>, isto é, um certo modo de
engajamento da personalidade para responder a uma tarefa delimitada por
pressões (materiais e sociais). (DEJOURS, 2004, p. 28)

Ressalta o autor que por sua vez: “[...] trabalhar é preencher a lacuna entre o
prescrito e o real” (DEJOURS, 2004, p.27). O prescrito traduz o que é dito nas
organizações considerando os padrões, procedimentos, normas e cultura, já o real, é
o contexto em que o prescrito acontece marcado pela imprevisibilidade das relações,
máquinas e acidentes. Por fim, este espaço em branco deve ser preenchido por
descobertas individuais, na relação entre a pessoa e o trabalho para enfrentar o
desapontamento ou possível sofrimento entre as normas estabelecidas e o que não
funciona. Em uma realidade cada vez mais complexa com mudanças aceleradas
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torna-se mais necessário cuidar deste sofrimento uma vez que o que é expresso em
relação as normas muda com maior velocidade levando a pessoa a uma necessidade
de adaptação constante.
Este mal-estar se dá não apenas pela lacuna cada vez maior e mais complexa
de ser preenchida entre o estabelecido e a realidade causadora de sofrimento no
trabalho, mas também está associado à falta de conexão com a “vida interior” e o
sentido do trabalho para as pessoas pois, independentemente do trabalho ser “bom”
ou “ruim”5, é o que nos dá senso de direção, ajuda a construir valores e permite a
oportunidade para expressar a criatividade e encontrar realização. Cabe ressaltar que
um trabalho ruim não é aquele que se tem menor retorno financeiro ou com menor
prestígio social, mas sim um trabalho que não é fonte de significado.
Além da necessidade de preencher os espaços em branco deixados pelo
discurso das organizações e a experiência concreta das atividades de trabalho, é
importante equilibrar o trabalho com os valores que são fundamentais para o sentido
que o indivíduo encontra em seu fazer. Joanne Ciulla (2000), pesquisadora sobre
liderança e ética define quatro valores existentes capazes de moldar as escolhas de
trabalho: 1) significado, 2) tempo livre, 3) dinheiro e 4) segurança. Como a maioria dos
empregos não contempla tudo o que é importante, fazemos escolhas e abrimos mão
de alguns e, são exatamente essas escolhas que evidenciam aquilo que mais
valorizamos e, caso a atividade seja coerente e permita realizar as escolhas
priorizadas, as chances de um trabalho que faça sentido aumentam.
Sendo assim, os valores estão intrinsecamente relacionados ao sentido que o
indivíduo atribui a sua atividade e, à medida que escolhe o que faz, constrói sua
identidade, revê seus próprios valores que são construídos a partir das suas
experiências e determina como articula esta narrativa para o mundo.
Até aqui abordamos os significados e representatividade do trabalho para a
condição de ser humano uma vez que possibilita o autoconhecimento e
desenvolvimento, porém como encontrar um trabalho que faça sentido? Quais são os
fatores que permitem que este processo aconteça?

5De acordo com Schumacher, um bom trabalho é aquele que permite a possibilidade do trabalho como
elemento de beleza e verdade, dotados de sentido e permitem realização. Já um trabalho ruim é aquele
que se distancia da natureza e utiliza apenas uma pequena parte do potencial e das capacidades de
uma pessoa, não possibilitando chances de desenvolvimento.
33

Hackman e Oldhan (1975), dois psicólogos, foram os primeiros a articular os


estudos sobre o sentido do trabalho a partir de três características fundamentais: a
primeira relacionada à variedade de tarefas que possibilita o uso de diferentes
capacidades e competências, a segunda aborda um trabalho que não seja alienante
e permite ao trabalhador enxergar todo o processo de produção percebendo um
ambiente de autonomia e liberdade e promove o aumento de sentimento de
responsabilidade e comprometimento e, por fim, a terceira característica, que é o
retorno (ou feedback) sobre o resultado do seu trabalho, permitindo que a pessoa
ajuste suas atitudes e consiga desenvolver-se. Apoiado por esse trabalho, Morin
(1996) define o sentido do trabalho formado por: significado, orientação e coerência.
A partir da percepção do que pode levar o indivíduo a sofrer com as
experiências de trabalho, Al Gini (1998) levanta quatro problemas críticos centrais do
trabalho contemporâneo e, posteriormente, reflexões para que o trabalho seja
promotor de individualidade e sentido, conforme abordado na figura a seguir:

Figura 5: Os quatro problemas contemporâneos do trabalho


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody
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Considerando os dilemas enfrentados e as saídas propostas para superar os


desafios, percebemos principalmente a necessidade de integração entre os aspectos
individuais e coletivos alinhados a fatores que propõem maior possibilidade de
autonomia e escolhas pessoais para que seja possível encontrar sentido no que se
faz.
Em tempos atuais, também nos cabe pensar se em uma realidade líquida 6, é
pertinente que o significado do trabalho seja uma necessidade mais individual. Isso
porque, inicialmente, o trabalho era ligado a uma instituição religiosa como os valores
cristãos ou ética protestante, com o passar do tempo, as grandes organizações
ocuparam prioritariamente este lugar em relação ao trabalho, realizando uma divisão
entre vida espiritual, lazer e trabalho. No século XXI, percebemos um movimento em
direção à individualização, a percepção do indivíduo como autor de sua história
compreendido como um sistema complexo que interage com o trabalho, relações,
espiritualidade de maneira interconectada e, cada vez menos, fragmentado entre suas
atividades (GINI; SULLIVAN, 1987; BAUMAN, 2001; CIULLA, 2000).
O trabalho contemporâneo também possui um significado diferente quando
olhamos para a sua dimensão organizacional que abordamos em menor profundidade
até o momento pois nosso foco centra-se no significado individual do trabalho. Na
dimensão organizacional estão os aspectos ligados à utilidade, organização do
trabalho e relações com outras pessoas e, para que tenha sentido, deve gerar valor à
organização, ou seja, alcançar resultados, caso contrário é considerado improdutivo.
Na dimensão social, deve ser capaz de contribuir coletivamente para a sociedade
(OLIVEIRA; PICCININI; FONTOURA; SCHWEIG, 2004).
Hoje, nos parece que estamos novamente diante de um novo momento de
transição do conceito do trabalho perante as mudanças aceleradas das últimas
décadas. Assim, torna-se importante também analisar as críticas à desvalorização e
à precarização do trabalho relacionadas a altas taxas de desemprego e à instabilidade
gerada a partir da globalização. Após a Revolução Industrial, de fato, ampliam-se as
possibilidades e espaço para empresas menores e novos modelos de trabalho. Com
isso, os sindicatos, que se estabeleceram em diferentes momentos históricos a fim de

6 Zygmunt Bauman (2001) usa o termo modernidade líquida para descrever a fluidez e velocidade das
relações e da individualização do mundo uma vez que o indivíduo contemporâneo é livre e
independente para conquistar o que deseja. Também aborda a inconstância e incertezas causadas
pela falta de referências sociais.
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preservar condições legais ao trabalhador e proteger dos excessos escravocratas,


perdem força e as fronteiras da relação homem-trabalho não são mais claras nem
sequer bem definidas. Autores como Ribeiro e Léda (2004) defendem que existe um
enfraquecimento, desamparo e desconfiança com este cenário de incertezas que
refletem o lugar do indivíduo contemporâneo a partir da valorização do seu lugar como
consumidor, à medida que se identifica mais com a mercadoria e menos com o seu
processo de trabalho existe um esvaziamento do significado do trabalho.
Na Pós-Modernidade7, todas as relações e pactos começam a ser revistos e
passa a existir um deslocamento da sociedade industrial para as sociedades globais.
O trabalho, por sua vez, acompanha estas mudanças em que as tarefas mais
repetitivas são delegadas para máquinas ou mão de obra operária deslocadas para
países de Terceiro Mundo. Muda-se, portanto, toda a perspectiva de análise diante da
valorização dos trabalhos criativos e flexíveis. Como exemplo, o “made in Italy” é
substituído pelo “italian design” valorizando o local do desenvolvimento do projeto
criativo e categorizando então novos locais que assumem o trabalho operário de
produção tais como o “made in Taiwan” ou “made in China” para citarmos alguns
exemplos (DE MASI, 2014; RODRIGUES, 1999).
A partir do processo contínuo de mudanças sociais, econômicas e culturais no
final do século XX, as transformações tecnológicas e organizacionais promoveram
uma alteração não apenas no sentido das atividades relacionadas ao trabalho, como
também na sua mudança de mercado, de relacionamento e de local onde o mesmo
acontece que deixa, em muitos casos, de ser um lugar fixo e predefinido para o
desenvolvimento das tarefas relacionadas ao trabalho, passando a ser pensado
(também) como um espaço aberto e de construção entre a pessoa e as relações com
as quais necessita estar em contato para a realização de suas atividades. Esta
transição também nos possibilita enxergar uma nova forma de trabalhar considerando
novos arranjos de lugares nos quais o trabalho acontece como o home office,
coworking8, e espaços compartilhados e formatos como part-workers (tempo parcial),

7 Domenico De Masi (2014) define a Pós Modernidade como um espaço cheio de tempo. Isso pois a
partir das novas tecnologias, acesso e disponibilidade de informações, as noções de tempo e espaço
são desestruturadas criando múltiplos níveis de realidade. Existe um abandono da racionalidade como
um valor e o resgate da sensibilidade e da emoção que se somam para produzir a era da criatividade.
8 Coworking é um fenômeno social crescente que nasce dentro do contexto da economia colaborativa

ou da ideia de compartilhamento e que reúne profissionais independentes de diversas áreas com locais
de trabalho flexíveis e constroem não apenas um ambiente de trabalho, como também um ambiente
de interação social que permite a construção de um senso de comunidade.
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trabalho temporário, free lancer (autônomo) (BEYNON, 2002; MORIN, 2001;


RIBEIRO, 2014).
Motivados a entender como estas mudanças nos formatos de trabalho irão
impactar os espaços e os escritórios em 10 anos, a revista digital de arquitetura The
Spaces em 2017 entrevistou seis profissionais de diversas áreas, como arquitetura,
inovação do espaço de trabalho, conectividade, empreendedorismo, design de
escritórios e do ramo imobiliário que apontam uma mudança do design e da
localização das organizações para a sustentabilidade, bem-estar e conforto. Norman
Foster, hoje um dos arquitetos mais reconhecidos do mundo, entende que os
escritórios serão mais “verdes” em todos os sentidos e que as empresas escolherão
seus prédios baseados nas facilidades oferecidas, estilo de vida e valores
sustentáveis. Um outro diferencial apontado refere-se à tecnologia como promotora
de novos ambientes para as diferentes capacidades do trabalho, possibilitando um
espaço coletivo (coworking) que estimule a colaboração, pois as gerações futuras
serão muito mais exigentes e questionadoras quanto ao local de trabalho e como o
mesmo afeta ou promove o clima organizacional. Também será crescente a
possibilidade de customização, flexibilidade e criatividade nas construções para que,
no futuro, o lugar de trabalho seja complementar e integrado a casa, promovendo o
conceito de “business club” para que as pessoas se sintam pertencentes a algo maior
que o próprio trabalho. Existirá, portanto, a possibilidade de trabalhar em qualquer
lugar sendo o espaço de trabalho, um espaço de encontros (WRIGHT, 2017).
Para exemplificar estas transformações, selecionamos do artigo duas imagens
que representam este movimento de aproximar e integrar os espaços valorizando
mais o encontro e as relações de trabalho do que os processos.
37

Figura 6: Patchwork Paris


Fonte: Wright, 2017.

Figura 7: Soho Works, Shoreditch


Fonte: Wright, 2017.

Estes espaços de trabalho também refletem uma nova proposta das


organizações de trabalhar o conceito de Employee Experience (EX), ou seja, mesmo
que a empresa se organize por áreas, como finanças, marketing, recursos humanos,
o indivíduo percebe a empresa e o ambiente como uma experiência integrada
somando as percepções relacionadas a cultura organizacional, relacionamentos,
atividades que realiza e os espaços que utiliza. Assim, as empresas estão se
preocupando cada vez mais em oferecer espaços atrativos sem divisórias,
38

confortáveis e que inspirem a convivência como um diferencial para seus


colaboradores (MORGAN, 2017).
Esta revolução no ambiente e espaço de trabalho também é possível a partir
do avanço tecnológico que permite a mobilidade do indivíduo e acessibilidade quando
e de onde quiser. O vídeo produzido pelo laboratório de inovação de Harvard chamado
The Evolution of the Desk (2014) mostra em alguns segundos como, desde 1980, a
mesa de trabalho mudou a partir da tecnologia.

Figura 8: The Evolution of the Desk


Fonte: Vimeo, 2014.

Observando a imagem, podemos compreender como os espaços de trabalho


abertos, compartilhados e mais parecido com a casa das pessoas ganha força. Uma
vez que o indivíduo não precisa mais estar inserido em um espaço físico com
impressora, relógio, calendário, computador etc., ampliam-se as possibilidades para
acessar de qualquer lugar as ferramentas de trabalho compartilhadas em redes,
nuvem e plataformas, e este novo espaço de trabalho, colabora para facilitar o
desenvolvimento das relações e a troca entre as pessoas.
As relações que se instauram neste espaço também ganham novos arranjos.
Se durante a Revolução Industrial falávamos em ordem e hierarquia, atualmente a
dinâmica passa a expressar a mesma proposta dos ambientes: relações mais flexíveis
e colaborativas. Para que possamos nos aprofundar nesta reflexão sobre os
movimentos no trabalho, construímos uma tabela comparativa entre os modelos
antigos versus os modelos emergentes no campo do trabalho.
39

Tabela 1: O “de/para” do mundo do trabalho


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração de Fabio Woody

A noção de trabalho como emprego é outro ponto importante da discussão.


Confunde-se trabalho com emprego uma vez que estar trabalhando era compreendido
como sinônimo de “estar empregado”, o que colaborou para o significado do emprego
como sinônimo do trabalho. No entanto, na contemporaneidade, o conceito passa por
grandes transformações devido à ampliação das fronteiras do mundo moderno
(RIBEIRO, 2014).
Em pesquisa realizada por England e Whiteley (1990), pesquisadores afiliados
ao MOW (Meaning of Work), foram entrevistadas mais de 14 mil pessoas de oito
países e encontrados seis conjuntos de definições do conceito de trabalho e poucas
diferenças entre trabalho e emprego. O maior número dos participantes entrevistados
(27,6%) define trabalho como o sentimento de pertencimento, a possibilidade de ser
remunerado para realizar uma atividade e a contribuição para a sociedade. O
interessante do estudo está no segundo padrão respondido pelos participantes da
pesquisa (21,7%) que compreende o trabalho como algo que deve ser realizado, em
que alguém lhe diz o que fazer e percebem a atividade como desagradável. Estes
dados nos permitem analisar a dualidade presente no trabalho como herança do
sofrimento, por um lado, uma atividade não valorizada e, por outro lado, uma visão
positiva a partir da noção do trabalho como possibilidade de contribuição e sentimento
de pertencimento.
Esta pesquisa feita expressa e nos ajuda a caracterizar a transformação que
vem ocorrendo no trabalho em relação as possibilidades de estar ou não inserido em
40

uma organização e de encontrar um novo sentido que de um lado ainda está


associado a um dever e do outro, à possibilidade de uma escolha que agrega valor ao
indivíduo e a sociedade.
Diversos mundos e perspectivas do trabalho experimentam mudanças a partir
das transformações: o sentido individual do trabalho, os espaços e ambientes, as
organizações e os valores contemporâneos. Faz-se necessário portanto compreender
o que permite este movimento socialmente e como isso colabora para o surgimento
de novas dimensões relacionadas a diversas áreas de estudo do trabalho, cada vez
mais interdisciplinares.
Diante deste cenário, Gratton (2010) aborda as cinco forças sociais já
presentes que estão moldando o futuro do trabalho. A primeira mudança está
relacionada ao desenvolvimento e ao avanço tecnológico. Diante da transformação
digital, as tecnologias serão mais acessíveis modificando não apenas como
interagimos no trabalho (videochamadas, mensagens instantâneas, grupos e
plataformas virtuais de trabalho), mas o trabalho em si a partir da automatização de
algumas atividades assumidas por robôs e inteligência artificial (learning machine)
capazes de aprender e criar novos conhecimentos de forma autônoma. O segundo
fator está relacionado à globalização que possibilita o surgimento de novos polos
econômicos tornando o mercado mais competitivo e aberto e permitindo também a
mobilidade profissional tornando trabalhar em qualquer lugar do mundo uma realidade
acessível. A terceira mudança é causada a partir do aumento da expectativa de vida
(longevidade) dos indivíduos que naturalmente causa um questionamento social a
respeito de questões como aposentadoria e pensão. O quarto fator aborda três
tendências sociais: a individualização e preocupação com o estilo e qualidade de vida,
o aumento de mulheres trabalhando fora de suas casas e conquistando espaço no
mercado de trabalho e o aumento dos trabalhos autônomos com maior grau de
liberdade. Por fim, o quinto aspecto que modifica o trabalho são as questões
relacionadas ao impacto ambiental e às preocupações, como o uso de energia
renovável e a diminuição da produção de gás carbônico.
Dada a transformação nas formas e contextos do trabalho, observamos
atualmente reformulações das atividades encontradas no mercado. Tanto
desaparecem e reduzem empregos em funções conhecidas por causa da tecnologia,
como também surgem novas atividades que antes eram desnecessárias a partir da
relação homem e tecnologia considerando as habilidades que serão fundamentais
41

para o futuro, como adaptabilidade, relacionamento com outros e senso de


individualidade e valores (PWC, 2018).
Como o mundo contemporâneo não permite mais segurança (não é mais
garantido), o trabalho, por sua vez, não está mais ancorado apenas em uma
organização, mas sim no próprio indivíduo, encorajados a medir seu sucesso não mais
através de métricas e indicadores dados pela empresa, mas sim a partir do sucesso
psicológico. O comprometimento dos indivíduos com a atividade que se realiza é o
principal indicador de uma organização eficiente, e o fator engajamento está
intimamente relacionado à compreensão sobre o que se faz e à possibilidade de
autodesenvolvimento capaz de gerar sentido no trabalho (CLARKE, 2009; MORIN,
2001).
Em 2014, a consultoria global estratégica Boston Consulting Group (BCG) em
parceria com a The Network, uma aliança entre mais de 50 consultorias de
recrutamento, investigou a força de trabalho global para compreender o que pessoas
de diferentes partes do mundo esperavam em relação aos seus trabalhos. A pesquisa
entrevistou mais de 200 mil pessoas de 70 países diferentes. Dos fatores-chave na
pesquisa, destacam-se dois que são fundamentais para analisar as preferências de
trabalho na contemporaneidade: os fatores relacionados a remuneração e benefícios
importam menos do que fatores subjetivos, e apreciar o trabalho ou gostar do que se
faz é o principal fator para as pessoas quando analisam os elementos oferecidos no
trabalho. Do ranking dos 26 fatores que promovem felicidade no trabalho, os 10
primeiros são:
1. Gostar e apreciar o que se faz
2. Manter boas relações com os colegas de trabalho
3. Equilíbrio entre vida pessoal e trabalho (qualidade de vida)
4. Bom relacionamento com o líder
5. Estabilidade financeira da organização
6. Aprendizado e possibilidade de desenvolvimento da carreira
7. Segurança do emprego
8. Remuneração fixa atrativa
9. Interesse no conteúdo do trabalho
10. Valores da organização
A partir destas ideias recentes e das 10 premissas abordadas pela pesquisa
acima, podemos correlacionar ideias já postuladas por Kahn em 1974 que propunha
42

que como indivíduos precisamos encontrar trabalhos que nos possibilitem o


autodesenvolvimento, como sociedade, precisamos nos preocupar em criar bons
trabalhos para os indivíduos e, mesmo com os avanços tecnológicos, não existe
possibilidade do trabalho se tornar desnecessário e obsoleto, o grande desafio para o
futuro será torná-lo acessível e gratificante.
É somente com a chegada das últimas gerações no mercado que se
reconfigura o formato do trabalho a partir das necessidades dos indivíduos que saem
em busca de experiências mais interessantes e menos exaustivas. Esta nova
disposição de procurar o trabalho mais lúdico, que realize alguns de seus ideais de
elaboração e criação de pertencimento no mundo, foi introduzida pela educação mais
contemporânea e questiona a imposição da hierarquia e trabalho que era oferecida
no modelo de educação de nossos antepassados. Cria-se um novo espírito nos jovens
do século XXI que, enquanto não encontram algo que lhes interesse, se negam a
trabalhar no sentido construído do passado. Diante deste cenário, o autor Roman
Krznaric (2012) a partir da compreensão do trabalho como promotor de identidade,
autoconhecimento e realização aponta que 60% dos trabalhadores no Ocidente estão
insatisfeitos com seus trabalhos e escolheriam uma nova carreira se pudessem
recomeçar.
O trabalho é, portanto, a dimensão social do significado relacionado à atividade
que se desempenha. A carreira, por sua vez, se constitui como a dimensão individual
em relação a como o indivíduo se apropria dos significados construídos no coletivo e
encontra a sua maneira de fazer no mundo. É justamente sobre o tema das carreiras
que trataremos no próximo capítulo.
43

3 CARREIRAS

O capítulo anterior apresentou nossas reflexões sobre o trabalho como fonte


de sentido, tanto no contexto social como no individual, permitindo diferentes
perspectivas sobre como as atividades se relacionam e impactam o sujeito desde a
análise de momentos históricos até os valores que este mesmo assume na
contemporaneidade.
Compreender o trabalho e suas dimensões de sentido é o que nos permite
avançar para o principal tema a que esta pesquisa se propõe: o estudo das carreiras
contemporâneas e uma nova dimensão de propósito e autorrealização dos indivíduos.
Assim, torna-se fundamental, através da carreira, compreender como este percurso
ou trajetória de autodesenvolvimento acontece a partir do que se faz e analisar as
diferentes possibilidades que surgem à medida que o conceito se estabelece e ganha
força dentro e fora das organizações.
Neste capítulo, nos apoiaremos primeiramente nas bases que nos ajudam a
estabelecer e articular os princípios que instituem o conceito de carreira. Definido o
conceito, passaremos a explorar como a carreira contemporânea pode ser mediadora
de um processo de autoconhecimento abrindo espaço para o diálogo e reflexão dos
novos modelos de carreira que exemplificam as novas possibilidades que o indivíduo
encontra em seu fazer.
Ao analisarmos os significados da palavra carreira no dicionário Michaelis
(2009): “profissão com possibilidade de crescimento”, percebe-se que ela está
diretamente associada à noção de contrato de emprego dentro de uma organização
ou empresa, principalmente as de médio ou grande porte. Isso porque o conceito de
carreira, que surge apenas no século XIX, foi estruturado a partir de uma lógica de
hierarquia e crescimento dentro de uma organização que necessitava recrutar um
determinado perfil profissional para uma atividade específica.
De acordo com Martins (2011), a etimologia da palavra carreira está associada
ao latim via carraria que tem como definição a estrada para carros. O termo foi
utilizado para definir a trajetória profissional em que o indivíduo entraria em uma
dessas carreiras previamente definidas como estradas existentes sabendo o que
esperar do percurso. Assim, metaforicamente, os diferentes tipos de carro (indivíduos)
percorrem algumas opções de estradas e rotas existentes (carreiras).
44

Neste cenário, era muito comum que os trabalhadores permanecessem por


toda sua vida, trabalhando em uma única empresa, priorizando os valores associados
a segurança, fidelidade e estabilidade e, em contrapartida, a organização reconhecia
estes profissionais com promoções de cargo e benefícios. De fato, este modelo
precursor da carreira coexiste com os novos modelos que surgem diante da
modernização de estruturas organizacionais e das ferramentas de comunicação que
integram e permitem outras escolhas individuais que serão abordadas adiante neste
capítulo.
Chanlat (1995) discute 3 aspectos que limitam o conceito de carreira: o primeiro
está associado à ideia de avanço e ascensão vertical como uma escada em que o
indivíduo, ao subir cada degrau, aproxima-se do topo, o que permite que ele tenha
mais prestígio, sucesso e ganhos financeiros. O segundo aspecto é, muitas vezes, a
falta de clareza entre o que distingue carreira e profissão, entendendo que, às vezes,
apenas os que possuem uma profissão bem definida como, por exemplo, um médico
ou advogado possuem uma carreira e, se olharmos para trabalhos menos valorizados
socialmente ou regulamentados não existe uma carreira. Por fim, o terceiro aspecto
diz respeito à noção de estabilidade em que o indivíduo teria sempre um percurso
predefinido e seguro até a chegada de sua aposentadoria.
Nos séculos XIX e XX, até os anos 1990 aproximadamente, o conceito de
carreira se estrutura essencialmente a partir de três premissas: a primeira seria que a
carreira necessariamente estaria associada a uma profissão (formação superior) e a
possibilidade de crescimento como um fator fundamental. A segunda diz respeito à
ordem nas atividades de trabalho, bem divididas, por cargo e predefinidas, ou seja,
cada trabalhador ao chegar na empresa sabia exatamente os processos, normas e
funções que precisava desempenhar. Por fim, a terceira premissa seria a
representação da carreira como expertise ou profissão. A partir destas 3 premissas,
pensar sobre a carreira atualmente é por si só um desafio já que precisamos
desconstruir os símbolos e valores associados durante dois séculos à palavra e
ampliar o conceito considerando as grandes transformações do mundo nas últimas
décadas (BERSIN, 2017; DE MASI, 2014).
Antes de apresentar a base de valores, segundo autores estudados e que
explicitam conceitos sobre a carreira contemporânea e seus desdobramentos atuais,
consideramos fundamental a discussão do conceito de carreira e sua evolução para
45

que posteriormente possamos compreender a sua dimensão atual e as novas


articulações com o propósito.

3.1 Conceito

Entendendo a história como o processo social de mudanças e reajustes em


relação ao conceito e o próprio significado popular, entendemos ser necessário
desconstruir a percepção de carreira como apenas existente no interior de uma
organização e aprofundar o seu caráter plural.
Diferente das outras ciências, o constructo teórico da carreira não é
propriedade de alguma teoria ou disciplina específica, o que a torna transdisciplinar,
compartilhando a perspectiva de diversas áreas do conhecimento para construir o seu
próprio significado (ARTHUR; HALL; LAWRENCE, 1989).
Para compreender a contribuição de cada área na construção do conceito de
carreira, apresentamos a seguir um esquema desenvolvido pela autora a partir do
pensamento de Marcelo Ribeiro autor do livro Carreiras novo olhar
socioconstrucionista para um mundo flexibilizado (2014). Pensamos assim dar clareza
aos pontos de maior relevância e possibilidade de resumir imageticamente esta
cocriação entre áreas ressaltando como cada uma contribui efetivamente para o
desenvolvimento do conceito de carreira.
46

Figura 9: Áreas que contribuem para carreira


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

A partir desta multidisciplinaridade, permite-se olhar para a carreira sob duas


perspectivas que priorizam aspectos distintos, porém complementares como área das
ciências do trabalho proposta por Dejours (2004) e discutida por Ribeiro (2014): a
carreira como área das ciências da gestão e a carreira como área das ciências do
trabalho. Apresentamos, a seguir, uma síntese dessas propostas.
47

Figura 10: Ciências da Gestão e Ciências do Trabalho


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

Esta divisão entre Ciências da Gestão e Ciências do Trabalho nos permite


compreender o percurso histórico e quais são as áreas de estudos distintas que
colaboraram para a nova articulação do conceito de carreira que discutiremos mais
adiante ressaltando que são ciências complementares. Também abrange o conceito
de carreira objetiva e subjetiva proposto por Hughes (1958), um dos primeiros
estudiosos a conceituar a carreira, nos possibilita compreender com clareza dois
modos de carreira considerando a perspectiva individual: objetiva, voltado para fatores
externos ao indivíduo e tangíveis e, a partir da carreira subjetiva, priorizando os
aspectos e fatores internos.
Esta divisão entre carreira objetiva e subjetiva nos permite organizar
teoricamente a produção científica da área e entender sua ampla perspectiva de
atuação, porém nos estudos de Hall e Chandler (2005) é proposta a coexistência em
direção à integração dos modelos considerando que os indivíduos dependem tanto de
aspectos subjetivos (satisfação e identidade) como objetivos (cargo, remuneração
etc.) para a percepção de sucesso da carreira.
Compreendendo que os indivíduos são cada vez menos dependentes dos
arranjos de carreiras propostos pelas organizações e cada vez mais autônomos, Hall
48

(2002) discute 4 visões do conceito considerando, além da perspectiva tradicional,


novas configurações contemporâneas sobre o significado e as formas de carreira:
1) A carreira como avanço: esta seria a visão mais tradicional de carreira e a
mais popular. Associada à simbologia da escada, considera o crescimento vertical e
a hierarquia nas organizações. Sendo assim, a carreira seria marcada por sucessivas
promoções em uma sequência hierárquica de cargos e atividades.
2) A carreira como profissão: para explicar o pensamento de Hall (2002), é
interessante trazer aqui a definição de Ribeiro (2014) sobre profissão:

[...] profissão é definida como uma atividade de trabalho especializada e


institucionalizada, com espaço, tarefas, e funções claramente identificadas e,
em geral, aprendida por uma formação universitária prévia em alguma área
das ciências, por isso estaria restrita a um grupo reduzido de trabalhadores.
(RIBEIRO, 2014, p. 28)

Esta abordagem entende que certas profissões ou ocupações definem a


possibilidade de uma carreira existir. Os autores compreendem que apenas em
profissões que ofereçam a possibilidade de avançar ou status social são reconhecidas
como carreira. Já os projetos ou atividades sem possibilidade de progredir, ou ainda,
menos estruturadas e regulamentadas, não são entendidos como carreira. Como, por
exemplo, um advogado ou médico que mantém um status social ou a possibilidade de
crescimento e especialização existe a noção que este profissional possui uma
carreira. Já profissões mais flexíveis e abertas, como fotógrafos, músicos, ou
desvalorizadas, como gari e pedreiro, não são enxergadas como carreiras.
3) A carreira como sequência de trabalhos durante a vida: o tipo de atividade
que se realiza não é o mais importante dentro desta abordagem de carreira, mas sim
a compreensão da história pessoal em relação aos trabalhos realizados e posições
ocupadas, portanto, todas as pessoas que trabalham possuem uma carreira.
4) A carreira como a sequência de experiências ao longo da vida: esta forma
de compreender a carreira representa como a pessoa vivencia a experiência de
trabalhos e atividades que constroem sua história.
A articulação dos conceitos nos permite entender que os indivíduos se
apropriam de uma destas definições de carreira para explicar as vias e projetos que
experimentam no decorrer das suas experiências pessoais. Se considerarmos o quão
novo é o conceito e as sucessivas transformações que aconteceram em tão pouco
espaço de tempo, podemos compreender as razões que justificam a falta de um
conceito único que pudesse ser difundido socialmente. Assim, as quatro visões de
49

Hall apresentadas permitem integrar desde o primeiro conceito de carreira, o mais


tradicional, considerando a empresa como centralizadora do processo individual até o
quarto modelo que valida não apenas as experiências de trabalho como de vida,
considerando-as fundamentais como aprendizado ao longo do tempo.
Possibilitando uma compreensão mais plural e menos associada aos conceitos
antigos de carreira, Ribeiro (2014) propõe o conceito de carreira como a articulação
da vocação (indivíduo) somada ao projeto e à trajetória: “[...] o vocacional (SER)
necessita de um projeto (estratégia no tempo) para se tornar trajetória (carreira) [...]”
(p.25). Este projeto de vida é uma síntese do projeto do indivíduo (existir no mundo),
o projeto do mundo e o projeto de vida profissional que é a apropriação do futuro
individual através da ação no presente em um processo de transformação contínua
na qual o indivíduo e o mundo se transformam mutuamente. Assim, ele nos permite
ressignificar o conceito original de carreira reconhecendo a mobilidade e movimento
necessário no contemporâneo.
Precisamos ter clareza que quando nos referimos à mudança e à ampliação do
conceito de carreira, estamos nos referindo antes de tudo a uma mudança de
paradigma do ser humano que alterou a maneira de se relacionar com o trabalho e
suas prioridades pessoais e, assim, o conceito passa naturalmente por um processo
de atualização.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, utilizaremos a definição de
carreira proposta por Malvezzi, considerando o conceito em sua dimensão mais
recente em que carreira é a mobilidade da pessoa entre as tarefas, posições, missões
e instituições. Tal mobilidade revela a relação de si e com o outro, a permeabilidade
do ambiente, a qualidade do projeto pessoal e a possibilidade de crescimento
profissional. Esta definição foi escolhida por permitir uma abordagem aberta que
integra a carreira a outras dimensões da vida como a missão e relação consigo, com
o outro e com o ambiente considerando-a vinculada a um projeto pessoal que pode,
ou não, estar associada a um crescimento profissional, mas invariavelmente se
transforma e movimenta a partir do autodesenvolvimento9.
Esta definição parte do pressuposto de que não necessariamente a carreira
estaria associada ao progresso e crescimento, mas que estaria sempre em um

9Notas de aula: conceito dado em aula sobre Identidade profissional em 20 de fev. de 2016 na Pós-
Graduação de Consultoria de Carreira na FIA-USP.
50

movimento contínuo de aprendizado e autoconhecimento independentemente de ser


realizada dentro ou fora de uma organização.

3.2 O Desenvolvimento do Conceito de Carreira

A noção de carreira é historicamente recente, tem suas primeiras concepções


no século XIX, a partir das mudanças organizacionais, radicais que aconteceram na
Revolução Industrial como uma tentativa das indústrias de encontrar um caminho para
o período de uma grave crise econômica que marca a história como a primeira
depressão do capitalismo.
A história da carreira se inicia com o objetivo de incentivar o trabalhador a
permanecer por mais horas na organização, porém com o decorrer do tempo e
sucessivas transformações sociais o conceito de carreira passou por diversas
mudanças e permitiu uma ampliação das possibilidades de percurso considerando um
mundo globalizado em que a flexibilização, velocidade e possibilidade de
comunicação convergem para um modelo integrado. A carreira, portanto, se
distanciou do conceito de emprego uma vez que não é mais apenas caracterizada
como um lugar estável de tarefas, mas sim considerada como a continuidade e o
movimento entre as atividades que o indivíduo realiza colocando-o como protagonista
de suas competências e de sua carreira (MALVEZZI, 2000).
A partir da publicação da obra Handbook of Carreer (1989), organizada por
Arthur, Hall e Laurence, existe uma nova forma de compreender o futuro da carreira
considerando as mudanças e transformações conceituais, repensando a divisão entre
vida, trabalho e carreira, colaborando para a integralidade do ser humano em todas
as áreas: profissional, familiar e ambiental. O início de um novo século também
promove reflexões sobre a carreira iniciando uma era de personalização e
individualidade. A rápida evolução tecnológica, como a implementação das redes
wireless, permite a conexão e a mobilidade do indivíduo expandindo as possibilidades
de carreira e as organizações se tornam mais horizontais. A partir deste contexto de
rápidas mudanças, os negócios são mais voláteis e as atividades se modificam
constantemente. Desafiados pelo cenário, os indivíduos são estimulados a criar uma
dinâmica de trabalho mais criativa e flexível. Portanto, falar em carreira nos tempos
atuais traz a possibilidade de integração a outras dimensões e aspectos da vida como
51

algo que não é previamente determinado, mas a ser construído, permitindo ao


trabalhador um papel mais ativo e protagonista do indivíduo (MALVEZZI, 2000;
KILIMNIK; VISENTIN, 2014).
Diante das transformações e incertezas sobre a carreira, Chanlat, em 1995,
questiona em seu artigo “Quais carreiras e para qual sociedade?” as principais
razões para o declínio da carreira tradicional permitindo então a ressignificação do
conceito relacionada aos seguintes fatores: a) crescente envolvimento das mulheres
no mercado de trabalho que até 1968 não podiam trabalhar sem a autorização de
seus maridos, b) maior grau de educação, afirmação dos direitos individuais, c)
globalização da economia, d) maior cenário competitivo, e) necessidade de mudança
nas organizações, f) flexibilização do trabalho, g) avanço da tecnologia, e h)
urbanização das cidades. A sociedade industrial contemporânea é definida
principalmente pelo caráter de mobilidade e assim as carreiras também se beneficiam
destas novas características já que são influenciadas diretamente pelo contexto
social, político e econômico no país e no mundo, considerando a globalização e a
velocidade da informação.
Diante de tantos fatores que contribuíram para as mudanças no contexto das
carreiras, nos anos 2000, considerando a reestruturação e redução de custos das
organizações (downsizing) muitas atividades foram absorvidas e diversos
colaboradores demitidos. Para lidar com as consequências destas transformações,
surge uma necessidade de encontrar uma maneira de oferecer suporte ao grande
número de indivíduos que perderam seus empregos orientando-os na procura de uma
nova atividade profissional. A este processo dá-se o nome de outplacement, também
reconhecido hoje como um campo de atuação inserido no assessoramento de
carreiras. Os indivíduos, para adaptarem-se ao contexto, também encontraram novas
possibilidades de carreira como consultores, empreendedores ou freelancers,
valorizando a mobilidade e acesso à informação que a globalização permite (HALL
2002).
Com todas estas mudanças, os conceitos de carreira passaram a considerar a
progressão e hierarquia apenas como uma das possibilidades vigentes e a aproximar
a noção de avançar no caminho da vida que, por sua vez, não é previamente definida,
mas construída à medida que acontece, ou mediante escolhas que vão sendo feitas.
Sendo assim, somam-se as experiências que abrangem a trajetória de vida de uma
pessoa sendo a carreira o potencial de gestão do indivíduo com o mundo e
52

responsável pelo seu desenvolvimento (GREENHAUS; CALLANAN; GODSHALK,


2009).
Compreendendo esta nova articulação, o compromisso do indivíduo com a
carreira não é mais necessariamente com uma única organização que provê
estabilidade, segurança e normas bem definidas. Como protagonista, o indivíduo
estabelece um novo pacto interno (consigo mesmo) e não mais externo (com a
empresa) que o possibilita buscar projetos mais desafiadores, maiores ganhos e
novas missões que o ajudam a desenvolver novas habilidades permitindo maior
autoconhecimento para aprofundar sua obra (IBARRA, 2004; WILKOSZYNSKI;
VIEIRA, 2013).

3.3 Carreira contemporânea como um processo de autodesenvolvimento

A carreira contemporânea é um processo de autodesenvolvimento a partir da


apropriação da sua identidade como um sujeito em constante transformação. Este
modo de ativação abre espaço para o autoconhecimento que constrói a noção de
identidade e que permite, através das suas atividades, atualizar constantemente
habilidades e a narrativa da sua própria história considerando-a um contínuo tornar-
se, ou vir a ser, entendendo então seu papel como autor de uma obra ainda não
finalizada (IBARRA, 2004).
Esta noção de obra (como resultado do percurso de carreira individual) e
processo contínuo de transformação também se encontra explicitado por Cortella
(2007). Inspirado pela palavra grega poiesis definida como aquilo que fazemos e como
podemos nos perceber, o autor declara que, à medida que construímos nossa obra
no mundo, criamos nossa própria identidade. Este processo considera que uma obra
é um processo contínuo e as sucessivas experiências de carreira de uma pessoa são
possibilidades de construir a si mesmo através do processo de reconhecer-se naquilo
que se faz. Do contrário, a experiência passa a não ter sentido ou ser alienante caso
reflita apenas a impossibilidade de enxergar a si mesmo no trabalho e naquilo que se
elege fazer e realizar.
Considerando a carreira como um processo de autodesenvolvimento contínuo
que permite ao indivíduo se reconhecer naquilo que faz e encontrar sentido de
existência em seu fazer e, portanto, na sua obra, precisamos também dialogar sobre
53

a dimensão da educação como forma de apoiar este processo de conhecimento e


acesso à informação e de reconhecer-se nas diferentes atividades e interesses que
despertem curiosidade e desejo de integrar ao seu aprendizado e a seus fazeres.
Se o mundo mudou e a velocidade faz com que as carreiras se tornem projetos
de aprendizagem independentemente de uma organização, as habilidades que
precisamos para concretizar estes novos projetos também são outras. No passado,
as organizações estabeleciam e priorizavam quais competências eram importantes
para a atividade que o colaborador seria designado e, com isso, adequava-se uma
estratégia educacional para desenvolver tais capacidades considerando que, uma vez
que aprendesse, poderia aplicar esta competência em suas atividades, pois a mesma
era duradoura, se considerarmos que a educação, as áreas de formação ou diplomas
eram muitas vezes exigidas como uma especificidade almejada para o cargo. A era
de segurança e estabilidade na carreira coexiste com novos modelos e formatos muito
mais flexíveis de carreira, como, por exemplo, trabalhos que se estabelecem como
freelancers, contratos temporários, bem como o trabalho autônomo impulsionado pela
economia Gig10 ou economia de demanda considerando a contratação de habilidades
específicas para projetos pontuais. Sendo assim, faz-se necessário entender como a
educação nos dá base para nos instrumentalizarmos para futuros projetos e
consequentemente para trajetórias diferenciadas de carreira (AGARWAL; BERSIN;
LAHIRI, et al., 2018).
Compreendendo a aceleração e rápidas mudanças do mundo na atualidade,
em 2017 a revista The Economist publicou uma edição especial para tratar das
questões de aprendizagem em um novo contexto econômico, político e social que se
apresenta em nossos dias. Sabemos que a educação formal não considera a
preparação para as aptidões e conhecimentos necessários ao desenvolvimento de
uma carreira. Desde cedo, investem muitas horas de esforço em conhecimentos
formais de diversas áreas do conhecimento, como física, matemática, biologia etc.,
desconsiderando o interesse individual e habilidades dos alunos.

10 Economia Gig é o termo utilizado para descrever a economia sob demanda ou de freelancing que
promove uma rede entre trabalhadores autônomos e temporários com empresas que contratam estes
trabalhadores para projetos pontuais. Esta tendência pode ser exemplificada ao analisarmos o modelo
de empresas como Uber e Airbnb que conectam clientes com necessidades ou desejos pontuais a um
produto ou serviço. Esta tendência deve ser compreendida como uma maneira de flexibilizar e
aumentar as escolhas dos consumidores convergindo os fatores econômicos, políticos e sociais
contemporâneos.
54

À medida que as carreiras se tornam não lineares e o desenvolvimento das


competências, que serão necessárias para as atividades, estão associadas a diversas
habilidades que não estão disponíveis para serem aprendidas na escola ou em cursos
de especialização, os indivíduos enfrentam desafios para se posicionar e
compreender como devem lidar e planejar o seu desenvolvimento a partir de novas
competências que são hoje reconhecidas no mundo do trabalho. As competências
socioemocionais, como a criatividade, a resolução de problemas complexos e a
empatia, não estão associadas a uma tarefa específica durante um determinado
período, mas sim a um projeto sem fim, que pode durar toda uma vida. Como resposta
a esta necessidade, o life long learning (aprendizado ao longo da vida) surge como
um novo movimento de educação capaz de transformar a possibilidade de aprender
e também empoderar as carreiras de não especialistas em funções ou conhecimentos
específicos pois estes podem ser aprendidos através de vivências e experiências não
diretamente associadas ao trabalho. Entendendo que se aprende durante toda a vida,
descentraliza-se a ideia do aprendizado formal, durante um período ou em um lugar
determinado como única forma de validar o conhecimento e se estabelece uma nova
atitude em relação ao indivíduo, capaz de gerenciar seu estudo a partir da sua
necessidade.
Assim, desafiados pela mobilidade, irregularidade e imprevisibilidade da
carreira, os indivíduos são estimulados a se apropriarem do seu desenvolvimento,
ultrapassarem as fronteiras do contexto organizacional e educacional para cultivar
suas potencialidades que agora se misturam ao trabalho, família e lazer, visto que as
competências desenvolvidas nestes ambientes agregam valor e conhecimento para o
trabalho e vice-versa (MALVEZZI, 2000).
É justamente a partir das mudanças das necessidades ao longo da vida que o
indivíduo, através da aprendizagem, das suas experiências profissionais, e do
ambiente em que está inserido se desenvolve e vê neste processo a possibilidade
para autorrealização material e humana. A carreira neste sentido é a possibilidade de
troca entre o potencial do indivíduo e o meio externo, como uma ponte que permite o
autodesenvolvimento e aprendizado de um lado e, do outro, a possibilidade de
desenvolver uma atividade que permita a conexão com a empresa ou projeto. A partir
desta realidade, a carreira é a própria trajetória do indivíduo nas diferentes atividades
que desempenha dentro e fora das organizações que, por sua vez, colaboram para o
autodesenvolvimento em um processo contínuo de aprendizagem. Assim, este
55

processo de tornar-se competente para um projeto singular é o que possibilita a


carreira (IBARRA, 2004).
Considerando esta noção de tornar-se competente e da responsabilidade
individual para que se atualize em sua própria carreira, existe um paradoxo importante
quando olhamos para a possibilidade do pertencimento. A partir dos processos de
trabalho mais individualizados e da autonomia que o indivíduo experiencia nas
escolhas que faz, o mundo do trabalho contemporâneo apresenta o desafio de
encontrar sentido a partir de histórias descontínuas e antagônicas dificultando a
continuidade pessoal na carreira. Sendo a contemporaneidade marcada mais pela
instabilidade do que pela permanência, considerando a volatilidade e complexidade,
existe, portanto, uma dificuldade em pertencer ou estabelecer vínculos que permitam
este autodesenvolvimento (MARHUENDA, MARTÍNEZ; NAVAS, 2004).
Corroborando esta ideia, Ribeiro (2009) afirma que:

O desafio contemporâneo nos estudos de carreira requisita uma posição em


relação ao mundo que contemple tanto a mudança (movimento) quanto a
permanência (essência), pois a mudança sem permanência não eterniza
nada e a permanência sem mudança impede o desenvolvimento [...].
(RIBEIRO, 2009, p. 207)

Como as transformações acontecem em grande velocidade, existe um ponto


de atenção em relação às carreiras contemporâneas, já que este constante
movimento pode fazer com que o indivíduo se sinta impotente e não encontre um
espaço para dar continuidade ao seu desenvolvimento. Podemos considerar, por
exemplo, os processos de mobilidade organizacional em que não necessariamente o
indivíduo esgotou seu processo de aprendizagem em uma área, mas, por causa da
alta demanda e velocidade dos processos, precisa ser transferido para outra área ou
outra função dentro da própria empresa assumindo novos desafios sem antes fechar
o ciclo na etapa anterior. Estes caminhos vão se tornando “esburacados” até que a
experiência do indivíduo passa a não fazer mais sentido e então ele se vê estagnado
e precisa investir em um novo movimento de carreira. Portanto, se pensarmos nas
organizações, existe um grande desafio para que se tornem lugares que permitam
este espaço de autodesenvolvimento do projeto individual de carreira e também o
tempo necessário para que se torne competente para realizá-lo.
Além da noção de permanência, considerando o contexto social, existe também
um olhar para uma dimensão individual do paradoxo de carreira contemporânea
considerando a possibilidade de escolha. Escolher o que se faz ou realizar diversas
56

atividades que possuam um sentido individual e que permita utilizar as potencialidades


e conhecimentos adquiridos não só no trabalho, mas na vida é o que nos parece ser
a grande conquista da carreira moderna.
De acordo com o site Career Planner (1997-2018), existem atualmente 12 mil
opções de carreira e escolhas possíveis que ampliam as possibilidades e permitem
uma experimentação maior e a liberdade de escolha. Neste contexto, também existe
um questionamento do indivíduo chamado de paradoxo da escolha em que diante de
tantas opções, em vez de experimentar e se sentir livre o indivíduo se sente paralisado
diante do luto de fazer uma escolha à medida que abandona todas as outras opções
disponíveis. Naturalmente, este processo pode ser suavizado a partir da compreensão
que não existe mais apenas uma carreira durante toda a vida e um indivíduo, mas que
pode usar seus diversos talentos em diferentes atividades durante sua vida que passa
a ser mais longa do que antigamente devido ao aumento da expectativa e qualidade
de vida considerando os avanços tecnológicos e científicos na área da saúde
permitindo que as pessoas vivam por mais tempo e, com isso, suas carreiras também
(BERSIN, 2017; KRZNARIC, 2012).
Assim, compreendendo a carreira como um processo de construção,
desconstrução e reconstrução que tem como motor para transformação o
autoconhecimento, podemos dizer que a carreira é um transformar-se continuamente
através do que se faz. A partir deste pensamento construído textualmente,
desenvolvemos uma imagem para representar este processo.

Figura 11: Processo de carreira infinita


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

A partir da elaboração desta figura, observa-se que a carreira se inicia com a


busca pessoal diante da possibilidade de ser tornar competente para a realização de
um projeto. A partir das diversas experiências, somos convidados a um processo de
57

desconstrução e aprendizado para que possamos reconstruir ou iniciar novas


experiências que resultam em um processo de autoconhecimento em um ciclo de
transformação contínuo. O símbolo do infinito representa o movimento que integra
este processo e, conforme o indivíduo se conhece de forma mais profunda, expande
sua consciência de integrar o que faz ao que verdadeiramente é ou ao seu propósito,
como abordaremos no próximo capítulo.
Compreendendo a carreira como processo de autoconhecimento, também
precisamos abordar como as carreiras contemporâneas se organizam entre metáforas
e conceitos produzidos a partir desta realidade que considera a pessoa em sua
totalidade e permita que as experiências vivenciadas nos mais diversos ambientes
agreguem na construção da sua identidade. Existe, neste sentido, um convite para
integralidade do ser humano, que une os seus interesses e motivações pessoais à
escolha da atividade profissional alinhada ao seu propósito.

3.4 Novos Modelos de Carreiras

Para expressar a mudança no modelo de carreira a partir da flexibilização e


globalização que torna o mundo e as empresas mais complexas, Hall (1996a) publica
o livro The carreer is dead – Long live the career (A carreira está morta, vida longa
à carreira) em que aborda a transformação do modelo da carreira organizacional para
uma carreira em que novos modelos interagem e ampliam as possibilidades dos
indivíduos. Ribeiro (2009) explica que esta transformação é gradual, não se dá em
caráter excludente às carreiras organizacionais, porém são complementares junto a
novas formas emergindo e ampliando as possibilidades.
Entendendo que as carreiras não estão mortas, mas sim foram ressignificadas,
abordaremos a seguir as principais teorias contemporâneas que buscam conceituar
as experiências individuais a partir de um novo modelo.
Com uma “Nova Economia”11 que propõe a carreira pensada a partir da
flexibilidade, Defillipi e Arthur em 1994 propõem o conceito de Carreira sem
Fronteiras para romper o vínculo de dependência entre a carreira, a organização e a
profissão. As diversas mudanças no contexto das carreiras refletem uma nova era

11 A Nova Economia se dá a partir de 1990 quando a tecnologia começa a disseminar o acesso à


informação e modificar os modelos de negócio.
58

marcada pela competição entre as organizações, que exige um rearranjo dos


princípios e valores organizacionais para responder a esta nova realidade
reestruturando e enxugando suas equipes. Assim, a partir da descontinuidade das
posições de trabalho e estabilidade nos percursos de carreiras organizacionais, novas
oportunidades além da empresa começaram a ganhar força. Este modelo propõe que
a carreira tenha valor não apenas dentro da organização, mas também fora dela
tornando o indivíduo dono da sua capacidade criativa, produtiva e de
desenvolvimento, não apenas como protagonista da sua carreira, mas sim seu próprio
autor. Esta noção de carreira considera a interpretação de um futuro sem fronteiras
para os indivíduos que expandem seus limites e barreiras organizacionais a partir de
3 novas competências emergentes que se tornam o capital da carreira: knowing-why
(saber o porquê), knowing-how (saber como) e knowing-whom (saber quem).
A competência knowing-why (saber o porquê) está relacionada à identidade,
valores e interesses pessoais que dão sentido às escolhas e experiências
profissionais. Entender o porquê se realiza determinada atividade, por qual razão e
motivo é o que possibilita dar sentido ao que se faz. Knowing-how (saber como) é o
conjunto de habilidades e conhecimentos individuais adquiridos através das
experiências individuais que agregam valor para uma determinada atividade.
Knowing-whom (saber quem) diz respeito às redes de relacionamento (network) do
indivíduo dentro e fora da empresa que contribuem para a construção da sua
identidade profissional. Esta rede é capaz de gerar novos negócios e também pode
ser fonte de novos aprendizados.
A partir desta concepção, nasce a ideia das empresas inteligentes e carreiras
inteligentes. As carreiras inteligentes seriam aquelas em que os indivíduos
conseguem aplicar as diferentes formas de saberes no dia a dia de uma organização
ou de um projeto profissional. Já as empresas inteligentes são aquelas que utilizam
essa disponibilidade de diferentes competências para aumentar a sua eficiência e
produtividade considerando um novo cenário aberto e fluido. Este novo paradigma de
carreira diz respeito ao acúmulo de competências críticas de compreensão do porquê,
como e quem (knowing why, what e whom) tanto para o indivíduo como para a
empresa sendo o porquê a sua cultura organizacional, o como sua performance e a
experiência acumulada e o quem as relações interpessoais ou capital humano da
empresa (ARTHUR; CLAMAN; DEFILIPPI, 1995).
59

Abre-se, portanto, o campo de compreensão para que não necessariamente o


indivíduo precise exercer a profissão para qual se preparou, uma vez que os limites
flexíveis da carreira contemporânea permitem abranger novas experiências e agregar
habilidades desenvolvidas nas mais diversas atividades a que se propõe.
A partir de uma perspectiva ampliada, Hall (1996b) aborda o
autogerenciamento como aspecto fundamental das carreiras contemporâneas e
nomeia este movimento como Carreira Proteana. A nomenclatura do conceito tem
sua origem na mitologia grega e faz referência ao deus do mar Proteu mencionado no
poema épico Odisseia, de Homero. Proteu era dotado da capacidade de mudar e
transformar sua aparência de acordo com as circunstâncias. O autor utiliza o mito
como forma simbólica de representar a carreira que se transforma constantemente
para se adaptar em um novo ambiente incerto para se desenvolver profissionalmente
que exige do sujeito maior flexibilidade. Neste modelo de carreira, o indivíduo gerencia
a própria carreira, não sendo mais uma competência da organização, somando-se as
escolhas e experiências do indivíduo nas mais diversas áreas, como, por exemplo,
educação, treinamento, atividades em diferentes organizações, trabalho voluntário,
cidades em que viveu. Portanto, não é o que acontece com a pessoa em uma
organização, mas as escolhas que o indivíduo faz para a autorrealização
considerando o sucesso um critério interno.
Ao tomarem para si a responsabilidade sobre a carreira, os indivíduos passam
a refletir sobre os aspectos subjetivos que esta contém, como o significado do
trabalho e o que o mesmo determina em sua vida e, portanto, a avaliação do sucesso
profissional passa a ser percebido por meio de critérios intrínsecos, como satisfação,
felicidade e autorrealização, em vez de critérios objetivos, como sucessivas
promoções e aumentos de salários. Estabelece-se um novo relacionamento entre o
indivíduo e a organização abandonando a ideia de “ser profissional” (work self) e
abrindo espaço para o “ser integral” (whole self) a partir das chamadas
“metacompetências” que seria o autoconhecimento e a adaptabilidade, validando
todas as experiências, sejam formais ou não, como possibilidade de aprendizado e
desenvolvimento. O autoconhecimento é, portanto, a competência fundamental para
o desenvolvimento de todas as outras competências (HALL, 2004; HALL, 2002).
Tanto a Carreira sem Fronteiras como a Carreira Proteana, abordadas até aqui,
discutem a permeabilidade das organizações e do contexto social e colocam o
indivíduo como autor responsável por sua carreira. Outro ponto importante que
60

apresentam os novos aspectos da carreira contemporânea está associado às


competências que são menos direcionadas e específicas para uma atividade
particular e mais amplas considerando a autoinvestigação ou o aprendizado constante
por parte do indivíduo.
Também considerando o indivíduo como protagonista nas suas escolhas de
carreira, Evans (1996) propõe a Carreira em Espiral a partir de um percurso
construído, individual e transcendente usando a forma espiralada para representar a
metáfora que se assemelharia ao movimento de zigue-zague substituindo o modelo
de degraus e escada. Existe também nesta nova noção de carreira a possibilidade de
movimento e mobilidade a partir das mudanças e oportunidades de assumir carreiras
em outras direções. Sendo assim, pessoas com as mais diversas experiências
assumem áreas ou posições em empresas que antigamente não seriam consideradas
viáveis ou de acesso, como, por exemplo, um técnico assumindo uma função
gerencial ou de vendas. É interessante analisar os resultados de sucesso deste
modelo de carreira já que aplicam seus aprendizados e as possibilidades das áreas a
partir do conjunto de suas competências. Além disso, o autor reforça que as pessoas
não realizam mais apenas uma atividade, mas constroem suas carreiras a partir de
diversas atividades de forma simultânea ou em diferentes momentos da vida.
Até aqui, abordamos três teorias de carreira: sem Fronteiras, Proteana e
Espiral, que consideram a noção da autoria e gerenciamento do indivíduo uma
perspectiva central em suas lentes para enxergar e discutir o posicionamento do
indivíduo perante as organizações. Considerando uma realidade desafiadora, novas
teorias surgem, ainda na tentativa de explicar um mundo em constante transformação,
um trabalho instável a partir das atividades e da própria tecnologia que permita ao
indivíduo uma maneira de compreender estas realidades e se ajustar. As autoras
Maineiro e Sullivan (2006) observaram o que nomearam de Opt Out Revolution e
descreveram uma nova possibilidade: a Carreira Caleidoscópica. Cansados por
causa da pressão e da baixa qualidade de vida nas empresas, observam uma
preocupação em relação ao equilíbrio entre as atividades profissionais e a vida
familiar. Assim, os indivíduos optam por abrir mão de suas carreiras organizacionais
para assumir uma carreira mais flexível. Esta revolução tem como ponto de partida a
falta de sentido e a impossibilidade do indivíduo ser verdadeiro com seus valores
dentro da organização e, por isso, a carreira caleidoscópica é criada a partir dos
próprios termos e valores considerando o dinamismo e movimento a partir de 3
61

parâmetros: autenticidade, equilíbrio e desafio. O caleidoscópio é usado como


metáfora para associar as mudanças de carreira: quando uma parte muda, as outras
acompanham e produzem novos padrões e arranjos harmoniosos (MAINEIRO;
SULLIVAN, 2006).
Considerando as rápidas mudanças e transformações na carreira, uma nova
teoria vem ganhando destaque para explicar a velocidade com que os indivíduos
precisam se adaptar e desenvolver. Bersin (2017) propõe que o indivíduo se perceba
como um surfista que, em movimento, entra em sucessivas ondas que crescem,
quebram, e então observam o movimento do mar para surfar a próxima onda “boa”.
Esta capacidade exige do indivíduo entrega e percepção apurada para identificar a
melhor onda e, a cada onda, aprimorar suas habilidades e experiências. Pensando
como apoiar e liderar pessoas para navegar neste novo mundo, o autor identifica o
planejamento de carreira, o coaching e o assessment como fundamentais para as
carreiras desta nova era. Assim, estabelece que para acompanhar estas
transformações será necessário cada vez mais um número maior de profissionais que
ajudem os indivíduos a reposicionarem suas carreiras para surfar novas ondas.
Podemos perceber que no âmbito das carreiras as teorias utilizam metáforas
como símbolos para expressar os processos de transformação por trás do modelo
proposto. Assim, faremos uma análise por meio de imagens escolhidas por nós para
narrar as mudanças e compreender o desenvolvimento deste percurso.

Figura 12: Carreira em escada


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.
* Concepção de carreira tradicional como escada: um percurso predefinido em que o indivíduo alcança
o sucesso quando atinge o topo.
62

Figura 13: Carreira sem fronteiras


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.
* Fronteiras: as fronteiras das organizações são fluidas e móveis e o trabalho tem valor independente
do empregador. A carreira está “na palma da mão”, ou seja, no controle do indivíduo que é autor da
sua própria história.

Figura 14: Carreira Proteana


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.
*Carreira Proteana: a carreira é uma série de experiências ao longo da vida que depende do
aprendizado e do autoconhecimento como base para o desenvolvimento de novas competências.
Referência a Proteu, ressaltando a importância do indivíduo se adaptar e transformar conforme a
situação.
63

Figura 15: Carreira em espiral


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.
*Carreira em Espiral: aborda a possibilidade do indivíduo assumir outras posições e direções de carreira
usando um conjunto das competências adquiridas para ter sucesso em outras atividades que não
faziam parte de um “percurso” estabelecido.

Figura 16: Carreira caleidoscópica


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.
*Carreira caleidoscópica: prevê a flexibilidade premissa e considera fundamental uma atividade que
tenha significado para o indivíduo. Assim, deve existir equilíbrio entre os valores pessoais e os desafios
profissionais.
64

Figura 17: Surfando a Onda


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.
*Surfando a Onda: o indivíduo deve estar sempre atento para surfar a nova onda de trabalho em um
percurso constante de atualização e aperfeiçoamento.

Estas imagens foram cuidadosamente selecionadas por nós para dar


visibilidade e relevância às transformações que as carreiras contemporâneas
propõem. A escada − abordagem tradicional de carreira – vai se desconstruindo e,
então, novos formatos ganham espaço para explicar a realidade tanto do indivíduo
como da organização. Podemos notar que todas as imagens que sucedem a carreira
como escada são fluidas e não privilegiam a hierarquia. Assim, saímos de uma
carreira para uma diversidade de teorias que coexistem buscando compreender a
relação do indivíduo com a sua carreira considerando-a um processo contínuo de
transformação, movimento e autoconhecimento. Na contemporaneidade não existe
mais uma carreira, mas sim “carreiraS”.
Algumas pesquisas já realizadas nos ajudam a contextualizar essa
transformação relacionada a carreiras. Por exemplo, um estudo realizado usando
vinte anos de dados sobre a mobilidade de mais mil alemães foi capaz de identificar
sete padrões de carreira relacionados ao perfil dos participantes da pesquisa. O
primeiro padrão está associado à estabilidade em uma carreira tradicional em uma
única organização. O segundo aborda indivíduos que mudaram diversas vezes de
organização ao longo da trajetória de carreira. O terceiro padrão está baseado em um
início de carreira estável em uma organização e depois se modifica para trabalhos de
meio período ou desemprego. O quarto padrão aborda indivíduos que começaram em
65

carreiras tradicionais e depois migraram para uma carreira autônoma. O quinto padrão
abrange os indivíduos com carreiras tradicionais, porém com dedicação parcial de
tempo. O sexto padrão aborda um modelo de carreira fragmentado caracterizado por
períodos turbulentos que abrangem uma carreira tradicional, o desemprego e
carreiras com dedicação parcial de tempo. Por fim, o último padrão se associa a um
modelo empreendedor de carreira em que os indivíduos se dedicaram a um trabalho
autônomo durante toda a trajetória de carreira (BIEMANN; ZACHER; FELDMAN,
2012).
Esta pesquisa corrobora que existem diversas possibilidades presentes nas
carreiras contemporâneas, porém está mais associada aos dados quantitativos e não
considera o que leva o indivíduo a construir sua carreira em um determinado modelo,
ou o significado deste processo para ele.
Considerando a importância do sentido que o indivíduo atribui a sua carreira,
Marcelo Ribeiro (2015) propõe cinco padrões das carreiras contemporâneas
relacionados a conceitos de carreiras já existentes a partir da narrativa de 40
trabalhadores da cidade de São Paulo.
1. Nostalgia: Este discurso presente nas narrativas está relacionado ao modelo
organizacional de carreira em que o indivíduo busca a estabilidade dentro de uma
organização.
2. Fechamento: Busca a referência e proteção de comunidades ou profissões.
Sendo assim, o foco é em uma atividade determinada e especializada. São grupos
que se definem mediante uma identidade profissional.
3. Possibilidade: Está relacionada ao conceito da carreira Proteana e carreira
Sem Fronteiras, em que a principal característica é sua relação com projetos de
carreira. Sendo assim, dão ao indivíduo a possibilidade de mudar constantemente e
se adaptar aos novos contextos.
4. Instrumentalidade: Está associada a carreiras transitórias e visa a
adaptabilidade ao mundo de trabalho relacionados a projetos descontínuos. Os
indivíduos, portanto, não estabelecem vínculos ou se identificam com a carreira, mas
operacionalizam o trabalho para que forneçam os meios de satisfazer suas
necessidades.
5. Híbrida: Os indivíduos combinam elementos dos quatro padrões
mencionados acima construindo carreiras que compreendem tanto a estabilidade
como a mobilidade.
66

Sendo assim, os discursos da carreira contemporânea vão em direção à


multiplicidade. O que se modifica é a interação entre estes tipos de carreira e não a
finitude do modelo tradicional. Não existe, assim, um modelo fixo, único, que reflete a
contemporaneidade, mas uma abertura à coexistência e integração de diversos
modelos. Este é o grande diferencial das carreiras contemporâneas.
Para articular os paradigmas contemporâneos de carreira, construímos uma
tabela refletindo estas mudanças que permeiam um novo modelo mental associado à
multiplicidade das carreiras, sejam elas circunscritas por um contexto organizacional
ou mais orientadas a autonomia:

Tabela 2: O “de/para” da Contemporaneidade


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

É importante ressaltar que esta tabela aborda os paradigmas e modelos


mentais que vêm se transformando a partir da amplitude do conceito de carreira.
Assim, existem diversas formas de sucesso que coexistem, projetos que podem ser
realizados em uma organização, um local fixo de trabalho ou então mais flexíveis com
contratos de menor duração, ou ainda projetos empreendedores. O importante a partir
67

desta visão é a compreensão que o trabalho está centrado no indivíduo e que o


mesmo é protagonista da sua carreira, possibilitando um percurso de desenvolvimento
e aprendizagem.
Diante desta mudança e da recente ressignificação do conceito de carreira
existe uma necessidade de desenvolver estudos e pesquisas sobre as trajetórias
profissionais segundo a percepção dos próprios indivíduos para que possamos
identificar como estão se adaptando a esta nova realidade. Em pesquisa realizada por
Kilimnik, Castilho e Sant’anna (2006) foram entrevistados 4 profissionais que realizam
curso de mestrado em Administração para analisar a trajetória de carreira e as
percepções das metáforas ou representações associadas à carreira. Solicitava-se que
o participante da pesquisa trouxesse para a entrevista 8 figuras relacionadas à carreira
e durante a primeira parte da entrevista o participante apresentava sua trajetória de
carreira, logo após apresentava as figuras que havia escolhido e, por fim, preenchia o
teste das âncoras de carreira. Os casos estudados permitiram compreender a busca
por novas alternativas profissionais considerando a possibilidade de carreiras
múltiplas, ou seja, diversas atividades que requerem habilidades e talentos diferentes
capazes de satisfazer ou dar sentido à atividade profissional.
A partir desta pesquisa, podemos pensar em diversas articulações possíveis
com base na compreensão do conceito de carreira. Uma das possibilidades para
compreender a carreira seria, portanto, investigar os símbolos que estão associados
ao conceito e traduzi-los em significado. Estes símbolos são individuais e, de acordo
com Ibarra (2004), compreender a carreira como potencial de desenvolvimento
significa escutar mais o nosso interior do que o exterior (pressões sociais e
organizacionais) buscando entender quais são as nossas prioridades e nos tornarmos
“nossa própria pessoa”. Assim, à medida que os indivíduos estão cada vez mais em
contato com as dimensões subjetivas e a organização deixa de ser o grande
“regulador” da carreira, investigaremos no próximo capítulo a possibilidade de uma
carreira com propósito buscando compreender esta escuta interior em direção à
integralidade entre todas as instâncias da vida sem separar a carreira da vida pessoal
e familiar mas entendendo-a como um processo de transformação contínuo a partir
do que se faz.
68

4 ESTE CAPÍTULO É DE PROPÓSITO

4.1 O Mapa do Propósito

A questão do trabalho e da carreira nos leva a refletir valores contemporâneos


e que todo trabalho, ou todo fazer, deve envolver questões que se relacionam ao
propósito. Assim, o conceito de carreira se amplia à medida que não segue mais
apenas o formato de escada ascendente, mas ganha tantos outros símbolos capazes
de representar a multiplicidade de formas, sobreposições de caminhos e
possibilidades de escolhas. Entendemos também que as pessoas que se inserem no
mercado de trabalho procuram novos desafios12, outras opções de atividades, pois na
maioria das vezes estão em busca de uma carreira com propósito. Foi assim que este
tema foi chamando minha atenção, despertando o meu interesse, e, por fim, motivou
esta pesquisa. Entretanto, pude entender que era necessário construir uma base de
referências bibliográficas para pensar e entender o que, de fato, já foi produzido e
discutido para o entendimento de propósito.
Assim, a fim de compreender a produção sobre o conceito, nos dedicamos a
um levantamento e revisão da bibliografia para que pudéssemos iniciar esta
discussão. Nosso primeiro desafio foi reunir textos ou artigos acadêmicos que
abordavam a noção do propósito. Como exemplo deste fazer, no BVC Psi 13
encontramos 240 artigos relacionados à palavra propósito (39 livros, 117 teses e 80
periódicos científicos), porém nenhum deles abordava a carreira ou temas correlatos;
abordavam a palavra como sinônimo de objetivo e não como conceito ou possibilidade
de reflexão no âmbito do fazer pessoal, trabalho ou muito menos associado a este
universo de significados no contexto do trabalho ou da carreira.
Diante deste cenário, adotamos como estratégia sucessiva o mapeamento em
redes mais abertas como Amazon, um marketplace14 que nos permite um olhar para
o que está sendo veiculado de forma mais ampla e comercial em termos de
publicações de livros e outras mídias e também a revista Harvard Business Review

12 Durante alguns anos, de 2012 a 2015, atuei como headhunter, ou seja, contratada por empresas,
buscava pessoas interessadas em assumir cargos de média/alta responsabilidade.
13 A BVC Psi é uma biblioteca virtual de referência na América Latina em informação científica na área

da saúde, incluindo os temas da Psicologia.


14 Marketplace é a palavra utilizada para definir um espaço virtual para venda de produtos através da

internet.
69

(2018), que permite o acesso a artigos, livros e conteúdos digitais que têm como
objetivo refletir sobre as melhores práticas e tendências na gestão de negócios. Isso
porque o propósito tem sido amplamente abordado nas empresas tanto sob a
perspectiva individual quanto organizacional. Assim, pesquisamos no site da Amazon
do Brasil e Estados Unidos e no site da Harvard Business dos Estados Unidos, de
agosto a setembro de 2018, sem um recorte específico do período de publicação
entendendo a dificuldade em encontrar bibliografias e buscando ampliar as
possibilidades de compreensão associada ao propósito. Diante dos resultados,
analisamos alguns filtros de publicações em algumas áreas que julgamos
fundamentais para a análise do conceito e compreensão deste horizonte de pesquisa.
Para explicar este cenário, construímos a tabela a seguir que tem como objetivo
apresentar um panorama das publicações que encontramos.
70

Tabela 3: Mapa de publicações sobre Propósito


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.
71

A construção deste mapa foi fundamental para articularmos algumas premissas


no campo de estudo do Propósito. Quando optamos por olhar o cenário mais amplo e
a disseminação da terminologia na sociedade através da análise de publicações
oferecidas pela Amazon, pudemos perceber que a palavra propósito é utilizada em
pelo menos 5 diferentes áreas: Espiritualidade, Negócios, Autoajuda, Educação e
Psicologia e que este uso variado implica também em atribuições de significados
distintos. Dessa forma, podemos facilmente reconhecer a diversidade na
conceituação sobre Propósito e a falta de uma compreensão clara que nos explique o
significado do que é “ter propósito”. O mesmo pode estar associado a um propósito
religioso, um propósito de trabalho, um propósito de uma empresa ou até mesmo um
propósito de vida. Ou, ainda, como queremos entender aqui, um propósito de trabalho
associado à qualidade de vida.

Figura 18: Purpose e Propósito – Amazon (por ordem de relevância)


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

Um outro ponto que nos chama a atenção é a discrepância entre os números


de publicações nos Estados Unidos comparados ao Brasil tanto nas pesquisas
associadas à palavra propósito (purpose) quanto propósito de carreira (career
purpose). Propósito possui uma extensão de 50 mil publicações nos EUA enquanto
no Brasil são encontradas 2 mil no período de agosto a setembro de 2018, por isso,
existe uma dificuldade em encontrar publicações que traduzam a realidade na qual
estamos inseridos, além de um campo fértil para publicações.
No Brasil o site answer the public nos permite traçar algumas possibilidades de
reflexão associadas à palavra propósito. A partir dos buscadores Google e Bing, o site
reúne informações com base nos padrões ligados à pesquisa e propõe insights
dinâmicos que revelam as áreas de interesse associadas à palavra buscada. A figura
abaixo representa os resultados relativos à palavra propósito no site answer the public
72

e nos permite visualizar esta multiplicidade de significados da palavra e as divisões


entre áreas religiosas (propósito da oração e propósito de Deus), autoajuda (propósito
frases e propósito de vida), negócios (propósito profissional e propósito
organizacional) e educação (propósito principal do estudo). Neste mapa também é
possível visualizar a palavra empregada no sentido formal como finalidade ou
conforme a definição do dicionário Houaiss, aquilo que se busca alcançar quando se
faz alguma coisa, ou objetivo, como, por exemplo, um dos pontos de pesquisa
relevantes que é o propósito do jejum.

Figura 19: Rede de palavras associadas


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

A figura acima nos permite ressaltar que existe uma grande quantidade de
pesquisas relacionadas ao livro de Sri Prem Baba (2016) como referência das buscas
encontradas. Este é o livro mais vendido da Amazon do Brasil nos títulos associados
73

a propósito, o que corrobora para compreender a religião, espiritualidade e autoajuda


como as áreas de publicações mais expressivas do estudo sobre propósito no país.
Uma outra leitura que este mapeamento nos possibilitou diante do recorte de
estudo do propósito para a carreira é que nos Estados Unidos as publicações
abrangem outras áreas correlatas, como o “job hunting” (procura de empregos),
aconselhamento e desenvolvimento de carreira e aconselhamento vocacional que,
historicamente, principalmente as áreas de aconselhamento, estão relacionadas a
pesquisas conforme relatadas no quadro abaixo:

Figura 20: Career Purpose e Propósito de Carreira – Amazon (por ordem de relevância)
Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

Quando analisamos o recorte de uma área mais organizacional relacionada ao


mundo do trabalho, as publicações da Harvard, tanto no âmbito de propósito como o
propósito de carreira, já indicam um olhar específico organizado a partir das duas
palavras pesquisadas (purpose e career purpose) para 6 áreas de conhecimento
associadas a propósito:
1) Economia e sociedade
2) Empreendedorismo
3) Inovação
4) Liderança
5) Gestão Organizacional
6) Autogestão
Podemos perceber que já existe um grupo de publicações e também o
interesse em compreender, a partir da perspectiva individual, como o propósito e a
carreira determinam escolhas e permitem novas reflexões sobre o tema. É
74

especificamente neste recorte que o presente trabalho se insere: na fronteira entre o


autogerenciamento da carreira e as relações que estabelece com o trabalho e o
propósito.
A partir da individualização e autonomia do indivíduo nas escolhas e inserções
do mercado de trabalho, observa-se que existe um aumento da busca e pesquisa nos
ambientes digitais pela palavra propósito. Para que possamos visualizar este
movimento, pesquisamos no Google Trends a busca associada à palavra propósito
no Brasil durante os últimos 5 anos.

Figura 24: Pesquisa tendência propósito


Fonte: Google Trends, s/d.

Em 2014 o interesse relacionado à palavra era de 30 pontos – considerando


que 100 pontos representam o pico de popularidade do tema – já em dezembro de
2018 a busca por propósito em pesquisas na internet atingiram 91 pontos. Atribuímos
a diferença de 61 pontos em um período de 5 anos a esta nova proposição do uso da
palavra propósito para representar mais do que um sinônimo para objetivo ou
finalidade, mas uma noção representada pela busca individual de encontrar sentido
em uma área específica da vida.
Adiante discutiremos os desdobramentos do propósito e a tentativa de
organizar o conceito a partir das diversas publicações que consideramos importantes
para este diálogo com este tema e esta proposta de trabalho.
75

4.2 ConceitoS

Partindo da definição do dicionário que abrange o propósito como intenção,


projeto, objetivo e finalidade, buscaremos ampliar o conceito e significado dedicado
a esta palavra perante este novo cenário de busca associada a um projeto, seja
espiritual, de carreira ou de vida, que, como discutimos no capítulo anterior, não se
separa mais em partes, mas colabora para a integralidade do indivíduo. Portanto, para
nós, a discussão das diferenças entre as áreas e dimensões em que o propósito se
insere não é tão importante quanto a compreensão do que sustenta este conceito na
contemporaneidade para que depois possamos discutir o que seria então uma carreira
com propósito.
É preciso ter clareza que muitos dos artigos encontrados abordam e discutem
o propósito em sua dimensão individual (significado do propósito para o indivíduo) ou
organizacional (significado do propósito nas empresas), portanto, em poucos
encontramos uma definição do que é exatamente propósito e o que o conceitua.
Um artigo publicado no Journal of Business Ethics, escrito por Ronald Duska
em 1997, discute o propósito relacionado ao “para que”, ou seja, explica que só
podemos determinar a natureza de algo quando sabemos ou nos perguntamos para
o que serve. Neste sentido, quando questionamos o porquê, na visão do autor,
existem duas respostas possíveis: a primeira relacionada a uma explicação e a
segunda a uma justificativa e isso se relaciona ao motivo, já o propósito determina,
em sua visão, como algo deve operar. Como exemplo, o autor reflete que o que faz
uma faca ser uma boa faca é o quão bem ela cumpre o seu propósito. Assim, este
artigo resgata a noção do propósito como finalidade entendendo que é necessário
refletir para que serve o que fazemos. A proposição do conceito de propósito como
finalidade é justamente a mais tradicional considerada inclusive no dicionário, mas,
entendendo as novas articulações contemporâneas, consideramos novas
perspectivas e possibilidades de compreensão a partir não apenas de produtos e
objetos, mas da dimensão e significado do propósito para o indivíduo e a organização.
Propondo uma ampliação do conceito, em uma publicação promovida pelo IED
(Instituto Europeu de Design), o autor Victor Megido (2017) aborda em um artigo o
conceito do propósito a partir da área do design como sendo o “porquê” associado ao
fazer, ou seja, tornar-se consciente da razão das nossas atividades. Seria então maior
do que a atividade em si, a razão pela qual fazemos algo é definida como a causa que
76

é a possibilidade de construir narrativas. Assim, através da reflexão do porquê ou das


razões que nos motivam realizar algo, encontramos a causa e construímos uma
narrativa sobre o propósito.
Considerando esta mesma abordagem do conceito, o livro Por que fazemos o
que fazemos? escrito pelo professor e autor Mario Sérgio Cortella (2016), apresenta
a vida com propósito como a possibilidade de compreender as razões do que fazemos
e também do que não fazemos. Para o autor: “A palavra “propósito”, em latim, carrega
o significado de “aquilo que eu coloco adiante. O que eu estou buscando” (p.12). Esta
noção surge a partir da complexificação da vida perante a sociedade que resulta em
um processo de individualização e desperta um desejo de realização. Para explicar:
“[...] realizar no sentido de “tornar real”, mostrar a mim mesmo o que sou a partir
daquilo que faço, e to realise, na acepção de dar-me conta”. Isso significa a minha
consciência (p.13). Assim, o propósito está associado ao tornar-se consciente da
razão das nossas escolhas e prioridades. O autor também discute o conceito
associado a uma recusa ao processo de alienação do trabalho refletindo sobre a
importância do indivíduo saber para que serve o que ele faz, em que o indivíduo só se
dá conta do que é a partir da possibilidade de enxergar-se em algo fora dele.
A possibilidade de intencionalidade, ou seja, da pessoa se reconhecer e ter
consciência sobre o que faz e não apenas fazer automaticamente também é
atualmente reconhecida como flow (fluxo) que é a capacidade de estar presente em
conexão com o que se faz e que possibilita o encontro do sentido nas atividades.
Assim, podemos refletir que estes estados de flow ou presença apoiam a reflexão do
propósito (CSIKSZENTMIHALYI, 2008; SCHARMER; SENGE; JAWORSKI, 2007).
Além da noção do propósito definida como o “para que”, a reflexão de por que
fazemos ou não determinada atividade e as condições que podemos considerar
promotoras do propósito, o autor e vice-presidente do Linkedin, Fred Kofman (2018),
autor do livro Liderança & Propósito, nos permite uma terceira visão a partir da
correlação entre a felicidade e o propósito como duas motivações importantes na vida
de um indivíduo. Verifica-se que a felicidade está relacionada ao prazer e sentimentos
quando se conquista o que se deseja. O propósito, por sua vez, é entendido como o
significado e desenvolvimento de uma identidade e possui duas características
fundamentais. A primeira é dar sentido à vida por meio da capacidade de integrar
experiências em uma narrativa e a segunda, uma noção de finalidade ou motivação
para buscar atividades que reflitam a identidade e transcendam os interesses
77

pessoais. Quando falamos em propósito, grande parte das pessoas associam o


conceito à visão de transcendência e à necessidade de buscar “atividades virtuosas”.
Sendo assim, o autor escreve que: “Enquanto a felicidade tem a ver com se sentir
bem, o propósito vem de ajudar os outros ou contribuir com a sociedade” (p.33). Esta
é uma noção que desperta um certo incômodo à medida que a atividade precisa fazer
sentido para o indivíduo, transcender os interesses pessoais e contribuir com a
sociedade e, caso não encontre essa possibilidade em seu mundo de trabalho, frustra-
se considerando impossível encontrar propósito em seu fazer. Este conceito retoma o
pensamento aristotélico a partir da ideia de vocação como a união entre as
necessidades do mundo e os talentos do indivíduo.
Em uma outra visão mais flexível sobre o tema, Joey Reiman (2013), autor do
livro Propósito: por que ele engaja colaboradores, constrói marcas fortes e empresas
poderosas, define o propósito como guia, inspiração ou uma razão para acreditarmos
em algo maior. A partir de um motivo (motivum) que etimologicamente se traduz em
movimento contínuo que faça sentido para o indivíduo, ele impulsiona a busca por um
propósito. Consequentemente, o motivo individual é o motor para o propósito.
Considerando que este motivo é contínuo, o propósito, por sua vez, também é
dinâmico. Esta ideia nos parece de grande aderência com os tempos atuais, afinal, se
o mundo é dinâmico e está em constante transformação, por que o propósito seria fixo
e não dinâmico?
De forma semelhante, o CEO da Ernest Young15, Mark Weinberger (2017),
aborda em um relatório publicado para compreender como o propósito pode apoiar
em uma era de transformações o propósito como uma estrela guia. Em um mundo
incerto, em que as transformações acontecem mais rápido do que nunca, precisamos
considerar o propósito como um norte para nos orientar em direção ao futuro.
Todas as visões do significado atribuídas ao termo propósito abordadas até
aqui consideram a possibilidade do encontro com o mesmo. Isso pois quando
pensamos para que, porque ou o que nos guia estamos falando de encontrar
respostas para estas reflexões e perguntas, e isso demanda um esforço para
descobrir ou encontrar esse nosso propósito. Desconstruindo esta visão, o autor John
Coleman (2017a) em seu artigo escrito para a Harvard Business Review aborda que

15 Ernest Young é uma consultoria de serviços presente em 150 países que possui um instituto
chamado Beacon Institute que reúne os principais líderes de organizações com o objetivo de criar valor
e ajudar a compreender as forças que moldam e transformam o século XXI.
78

a noção de encontrar o seu propósito não é correta uma vez que este é um processo
em construção e atualização constante. Diante disso, identifica três equívocos sobre
o significado do termo propósito que resultam em uma má aplicação do conceito:
1o equívoco − O propósito é algo que você encontra: o propósito não pode ser
entendido como um chamado ou um evento que você vai ao encontro. Frases como
“os dois dias mais importantes da vida são o dia em que você nasce e o dia em que
encontra o seu porquê” amplamente divulgada pela mídia, ou ainda, a ideia de que
você descobre o seu chamado em um determinado momento do destino são
abordadas pelo autor como uma versão hollywoodiana do propósito. Sendo assim, é
uma ideia comercializada e divulgada que na realidade não se concretiza e pode
resultar em um processo de frustração do indivíduo ao invés de conduzi-lo à
realização.
2o equívoco – O propósito é único: geralmente o propósito é abordado como
uma única visão. Para explicar esta ideia, o autor usa o exemplo da Madre Teresa de
Calcutá que tem o seu propósito divulgado como alguém que viveu a vida para servir
aos pobres quando, na verdade, esta é apenas uma parte do que acreditava ser “um
chamado” maior.
3o equívoco – O propósito é estável: da mesma maneira que encontramos
sentido em diversas atividades e lugares, com o passar do tempo, a fonte ou o lugar
deste sentido pode se transformar. Por exemplo, um indivíduo que encontra sentido
trabalhando como executivo de uma grande empresa pode, em algum momento da
vida, passar por uma transformação e então sua atividade deixa de fazer sentido.
Assim, inicia-se a busca de um novo propósito em outros lugares e/ou relações.
A partir destes três equívocos, o autor propõe então três compreensões do que
é o propósito:
1. O propósito é um processo de construção, ou seja, algo que você
constrói e não algo que você encontra.
2. Cada indivíduo possui múltiplas fontes de propósito. Sendo assim,
deveríamos considerar a noção de propósitos como as múltiplas fontes
de significado que nos ajudam a identificar valor no trabalho e,
consequentemente, na vida.
3. O propósito pode mudar. Como é um processo em construção, não é
fixo, mas está sempre em transformação.
79

Também considerando o propósito como um processo, porém de uma


perspectiva mais espiritualista, o autor Umari Haque (2012) define o propósito como
um tipo de amor que diminui a distância entre o indivíduo e o mundo. Assim o propósito
é entendido como uma ponte capaz de conectar o indivíduo ao coletivo não apenas
dando sentido a sua vida, mas dando vida ao sentido. Neste contexto, o propósito é
uma maneira de viver ou ainda um estilo de vida que nos transforma com base no
autoconhecimento e integra a existência individual à coletiva tornando-a parte de algo
maior.
Ainda sobre a perspectiva espiritualista, outro autor que define o propósito é
Sri Prem Baba e é particularmente interessante para o nosso campo de análise, uma
vez que seu livro Propósito: a coragem de ser quem somos (2016) é o mais vendido
no Brasil e, assim, representa o interesse popular sobre o tema. O autor aborda o
propósito a partir da perspectiva da alma considerando que:

O propósito se manifesta de forma muito particular em cada um de nós. Cada


alma individual chega aqui com um programa específico a ser realizado, e
esse programa ou propósito individual está alinhado com o propósito maior
da vida. (BABA, 2016, p.20)

Assim, entender o que viemos realizar exige um processo de tomar consciência


daquilo que somos na essência. Esta definição não é propriamente um conceito, mas
uma abordagem da perspectiva individual e como se relaciona com o propósito.
Escolhemos trazer esta visão neste momento por duas razões: a primeira pela
relevância do livro no contexto brasileiro que está entre os mais vendidos e também
encontramos como principais dados das buscas realizadas e, a segunda, porque
outros autores que citaremos a seguir abordam o conceito de propósito como essência
tornando-se assim complementar ao estudo dos conceitos difundidos acerca do
propósito.
Partindo da noção de essência, uma última definição que encontramos é o
propósito relacionado ao conceito de marca, seja ela pessoal ou organizacional. Nesta
abordagem considera-se o como você faz algo ou nas palavras dos autores Craig e
Snook (2014) “[...] ele é o que todas as pessoas próximas de você reconhecem como
unicamente seu, aquilo de que mais sentiriam falta se você fosse embora” (p.4).
Também estabelecem uma conexão com a essência considerando a missão de uma
marca ou indivíduo. Assim escrevem sobre o propósito: “[...] não é o que você pensa
que ele deve ser. É o que você não pode deixar de ser” (p.4).
80

A partir da diversidade de conceitos que encontramos e buscando organizar as


produções sobre o propósito, criamos uma imagem para representar e resumir como
o conceito vem sendo articulado.

Figura 22: Significados do propósito


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

Propósito é um termo que, como já abordamos, vem ganhando relevância e


destaque no mundo principalmente através de cursos que acontecem em escolas
alternativas e que pregam um olhar diferenciado para os valores de nosso tempo,
como a escola de Alain Bouton, The School of Life, ou como o Schumacher College
que propõe o aprendizado por meio da sustentabilidade e também a publicação de
livros que avançam no sentido de reconhecer habilidades e necessidades
emergentes. Atualmente percebemos três campos de interesse e lentes que ampliam
enunciados para compreender o conceito a partir de uma determinada realidade. A
primeira perspectiva é individual considerando como o indivíduo se apropria da noção
do propósito e constrói uma carreira em que as atividades que realiza façam sentido.
A segunda está relacionada ao contexto organizacional considerando que as
empresas precisam se reinventar e uma nova ideia de sucesso emerge no século XXI
81

a partir dos negócios com propósito. Por fim, a terceira perspectiva se dá na relação
entre o indivíduo e a organização em que os indivíduos como consumidores
demandam marcas que inspiram e, ao mesmo tempo, socialmente pressionam as
empresas a serem mais responsáveis.
Diante dos conceitos abordados, e entendendo como objetivo do presente
trabalho a possibilidade de discutir a carreira com propósito, usaremos a definição do
conceito de propósito como processo de construção que nos permite relação tanto
com a dimensão individual como organizacional e possui maior afinidade com a
compreensão da carreira como possibilidade de autoconhecimento. Um ponto
importante que encontramos foi que à medida que analisávamos os conceitos,
encontramos uma ampliação da noção de finalidade para a ação. Se percebermos,
em todas as maneiras de compreender o propósito existe uma conotação de
movimento e ação. Por exemplo, o propósito como processo de construção é, à
medida que se tem consciência, permite-se que se modifique o lugar do qual agimos.
Discorreremos a seguir sobre a perspectiva individual seguida pela perspectiva
organizacional do propósito para então articular uma proposta das carreiras com
propósito.

4.3 Propósito Individual

Considerando o processo de construção do propósito individual, abordaremos


diante de alguns artigos selecionados a possibilidade de entender como este processo
se dá na prática.
Craig e Snook (2014) apontam um processo bem definido em que a premissa
para reflexão do propósito é olhar para a história de vida individual buscando
compreender o que existe de convergência dos temas, identificando, assim, aquilo
que é essencial e também o que é fonte de prazer ou as atividades que nos estimulam.
Diante da revisão e uma vez que o indivíduo tenha claro o que o motiva, os autores
propõem um momento de escrita reflexiva do que considera o seu propósito visto que
este deve impulsioná-lo à ação. Uma vez que este processo não é fixo, mas se
transforma constantemente e a tentativa de racionalizar ou escrever torna-se apenas
um momento simbólico para que o indivíduo tenha clareza e consciência do que o
motiva a agir. Através de um processo estruturado, os autores entendem que o
82

autoconhecimento a partir da reflexão da narrativa individual (como o indivíduo conta


a sua história) é o que possibilita a clareza e consciência para a construção do
propósito.
Umair Haque (2012), autor da definição do propósito como um amor maior,
também discute algumas perspectivas de como os indivíduos podem desenvolvê-lo.
A primeira é tornar-se consciente da zona de desconforto e compreender o que nos
causa desgosto, ou seja, mergulhar no que nos causa dor permite um aprendizado
sobre este amor maior e empatia. A segunda é o princípio NASCAR16, isto é,
desconstruir a ideia de uma corrida perfeita e aceitar que não existe uma vida perfeita.
Sendo assim, devemos aceitar a imperfeição, os desafios e os eventos que
consideramos impertinentes. Por fim, devemos nos inspirar nas florestas e não nos
fogos de artifícios, que representam a superficialidade e um momento de estouro e
beleza. A floresta, por sua vez, se relaciona a um processo contínuo de transformação
em ciclos sem fim.
Uma última abordagem que nos ajuda a compreender a noção do propósito
individual: Sri Prem Baba (2016) define que individualmente temos um propósito a
realizar que é único e, para que possamos realizá-lo, precisamos despertar a
consciência. A forma como podemos nos tornar mais conscientes é por meio do amor
e, quanto mais nos aproximamos desta realidade, mais acessamos nossos dons e
talentos individuais que “representam justamente o que viemos realizar, o que viemos
oferecer ou entregar ao mundo (p.15)”.
Percebemos, assim, que o propósito em sua dimensão individual abrange uma
questão mais ampla que muda essencialmente a forma e o local interior de onde os
indivíduos agem. Com isso, priorizaremos a dimensão organizacional na tentativa de
compreender como as empresas estão se reorganizando para atender a demanda
dos indivíduos por propósito em todas as dimensões da vida incluindo o trabalho que
é, atualmente, o período em que investimos a maior parte do nosso tempo, não
separando mais o trabalho da vida como já abordamos anteriormente.

16 NASCAR é uma associação norte-americana no segmento automobilístico que realiza diversos


eventos esportivos relacionados a carros e motos.
83

4.4 Propósito Organizacional

A partir de uma pesquisa de revisão em 150 livros, artigos científicos e


reportagens sobre o propósito realizada desde 1995 e também entrevistas com líderes
que estão acompanhando a mudança nos negócios a partir do propósito, Valerie
Keller (2016), diretora executiva do Beacon Institute da Ernst Young, publicou um
relatório chamado The state of the debate on purpose in business (O estado de debate
sobre o propósito nos negócios). Como não existe uma definição universal do conceito
de propósito, a partir desta pesquisa, propõem que o “[...] propósito é uma razão
inspiracional para o ser que está enraizada na humanidade e inspira um chamado
para ação”17 (p. 2, tradução nossa). A noção de inspirar a uma ação é o que diferencia
o propósito de outros conceitos organizacionais, como, por exemplo, missão, que é
definida como uma declaração dos valores da empresa que reflete como fazem, ou
ainda, a forma de fazer estabelecida. Estabelecido o conceito, o estudo aborda 5
maneiras como o propósito pode contribuir para o sucesso de uma organização
considerando-o uma estrela guia para navegar na complexidade do mundo atual:
1. O propósito permite clareza estratégica pois guia as decisões em todos os
níveis da organização, sejam elas de curto ou longo prazo. Também permite que os
líderes enxerguem a empresa a partir de uma visão mais ampla e integrada ao invés
de áreas divididas que não se comunicam.
2. É um canal para a inovação na medida em que, enxergando este cenário
ampliado, empodera pessoas para buscar soluções inovadoras para enfrentar os
problemas aliando a decisão ao retorno que propõe maior valor e estratégias mais
duráveis. Em um mundo de urgências, o propósito nos permite ser protagonistas da
mudança a partir da ação.
3. É uma força motivadora que desperta as pessoas para o sentido das
mudanças e compreensão das necessidades possibilitando um papel ativo individual
em vez de apenas ser afetado por decisões da empresa.
4. É uma necessidade universal da nossa natureza como ser humano o desejo
de pertencer. O propósito permite que os indivíduos se sintam parte de uma
comunidade (organização) e, por sua vez, da sociedade. A partir da diversidade, une

17 No original “[…] purpose is an aspirational reason for being that is grounded in humanity and inspires
a call to action.”
84

pessoas a partir do desejo de contribuir para algo maior do que apenas os resultados
de uma empresa.
5. Cria pontes entre companhias e promove parcerias a partir da possibilidade
de inspirar a colaboração entre empresas, necessidades sociais e individuais.
Diante da contribuição do propósito para o sucesso de uma empresa, a
pesquisa aponta ainda alguns fatores sociais que fizeram com que este conceito
ganhasse relevância não apenas para os indivíduos, mas para as organizações,
como, por exemplo, o que chamam de déficit de confiança (trust deficit). As novas
gerações acreditam cada vez menos na centralização do poder por grandes empresas
e novas marcas estão mais acessíveis em mídias sociais, como Instagram e
Facebook. As mídias também possibilitam, em minutos, pesquisar as opiniões sobre
um produto e, a partir disso, formar uma rede de confiança de amigos e contatos que
escolhemos para nos apoiar na decisão do que e de onde compramos. Além disso,
80% dos entrevistados responderam que pagariam mais por produtos que são
produzidos de maneira responsável e, quando a qualidade e o preço dos produtos são
o mesmo, o propósito é o fator decisivo para a escolha de compra. Por fim, abordam
que, na revisão dos artigos e livros que tiveram acesso, muitos falam dos benefícios
de ter um propósito na empresa, mas poucos o definem e conseguem através de
exemplos tornar o conceito aplicável.
Para que possamos entender a relevância deste conceito dentro das empresas,
a universidade Harvard encomendou uma pesquisa realizada também pela Ernst
Young Beacon Institute (2015), em que entrevistaram 474 executivos americanos e,
como resultado, 89% dos respondentes disseram que acreditam que o propósito é um
fator importante para a satisfação individual e também para fidelizar o consumidor.
Entretanto, apenas 46% acreditam que a empresa já atua em um modelo em que as
decisões da empresa são dirigidas pelo propósito organizacional. Sendo assim, existe
ainda uma desproporção entre a relevância teórica sobre o tema e a realidade a partir
da dificuldade encontrada para aplicar o conceito de propósito no dia a dia de uma
empresa. A partir das respostas dos executivos, dividiram as empresas em 3
categorias: prioritizers (priorizadores), developers (desenvolvedores) e laggards
(retardatários). A primeira diz respeito a empresas que já possuem um propósito claro
e atuam estrategicamente a partir deste cenário, o que representa 39% das empresas.
A segunda categoria, os desenvolvedores, representa os 48% das empresas que
ainda não possuem um propósito bem definido, porém estão trabalhando para
85

desenvolvê-lo. Por fim, os 13% restantes se referem a empresas que ainda não
iniciaram a construção do propósito. Se consideramos estes dados, podemos
perceber a relevância do tema em empresas dos Estados Unidos em que a maior
parte já está se organizando para atuar a partir desta “revolução do propósito”. Isso
também corrobora a grande quantidade de artigos e livros encontrados no
levantamento bibliográfico que realizamos nas plataformas americanas. Um outro
dado expressivo da pesquisa aborda em que áreas as empresas estão focando para
integrar o propósito à empresa. Atualmente o maior esforço está centralizado no
treinamento e desenvolvimento da liderança e a mensuração da performance e metas,
porém os executivos entendem que as três áreas mais importantes que devem atuar
a partir do propósito são as áreas de estratégia, cultura e valores e a área de
marketing. Portanto, as empresas estão comunicando e treinando os seus
colaboradores para atuarem a partir de um propósito, mas ainda não encontraram
uma forma de aplicar o conceito no fazer e no dia a dia da operação que pode ser
responsável por uma frustração dos indivíduos que inicialmente se sentem motivados
para agir, porém não encontram o espaço necessário diante das atividades e
processos que não acompanham a mesma lógica. Faltam ainda pesquisas que nos
permitam, diante do contexto organizacional, compreender a realidade do Brasil
perante a organização das empresas para atuar a partir de um propósito.
Com um cenário novo, ainda não definido e com muitas abordagens que
refletem a importância do tema e pouco direcionamento para que o propósito seja
implementado nas empresas, mas percebendo que os indivíduos priorizam empresas
que atuam a partir de um propósito, Frederic Laloux no livro Reinventando as
organizações (2017) reflete este propósito organizacional como um processo
evolutivo. Como um organismo vivo, as empresas vão se adaptando e transformando
para responder as mudanças do ambiente no qual estão inseridas entendendo que
atualmente é preciso um espaço que potencialize as conexões e os talentos dos
indivíduos. O autor também aborda a consciência como determinante na construção
de um novo modelo organizacional e assim aborda que:

Existe um aspecto importante que até agora os pesquisadores ignoraram:


sempre que a humanidade se deslocou para uma nova etapa, ela inventou
uma maneira de colaborar, um novo modelo organizacional. (LALOUX , 2017,
p.5)
86

Assim, propõe uma análise a partir de 5 paradigmas evolutivos que ampliaram


o nível de consciência partindo de um primeiro modelo de sobrevivência em que era
necessária uma postura autoritária e a divisão do trabalho para um segundo modelo
de relação de causa e efeito que permite controlar o trabalho que se produz em que a
ideia de individualidade é substituída por um senso de disputa entre o “nós” e “eles”.
Dessa forma, existe uma noção de grupo, porém não aceitação de diferentes
maneiras de pensar e atuar, apenas um modelo é correto. O terceiro modelo inaugura
um momento de possibilidades em que o correto é a decisão que possibilita melhores
resultados, os indivíduos são livres para conquistar suas metas e objetivos e os
melhores ascendem ao topo. Nesta lógica materialista, poucos ganham e quanto
mais, melhor. No quarto modelo, além do sucesso ou fracasso, existe algo a mais
considerando o respeito, a harmonia e a cooperação em que os resultados são tão
importantes quanto as relações. É a partir dessa abertura que existe um
empoderamento dos indivíduos e uma perspectiva de múltiplos interagentes
prosperarem, ou seja, não apenas a empresa, mas seus fornecedores, clientes e
parceiros também compartilham do resultado positivo. Por fim, um novo modelo de
consciência, chamado de evolutivo, emerge a partir do propósito que age como uma
bússola interna do indivíduo promovendo a reflexão do que faz e a coerência com
seus valores. A vida é vista neste modelo como uma jornada de descoberta do sentido
individual e a intuição valorizada como forma de conhecimento. O modelo considera
a possibilidade de existir “junto”, como coletivo e integrar a si mesmo, aos outros e a
natureza tornando-se parte de uma conexão com o todo.

Figura 23: Tipos de estágio


Fonte: Target Teal, 2018.
87

É importante compreender que todos estes paradigmas coexistem,


dependendo do momento e nível de consciência da organização e das pessoas que
colaboram para esta realidade. Assim, é evolutivo à medida que novas organizações
nascem a partir de um estágio ampliado de consciência e promovem outras
possibilidades para um trabalho mais produtivo, gratificante e que possibilite um
significado para o indivíduo, além da possibilidade de desenvolvimento dos seus
talentos.
Ainda existe socialmente difundida uma ideia de que empresas que atuam a
partir deste modelo de consciência são empresas sem fins lucrativos, porém, Laloux,
através de diversos casos, exemplifica como este novo modelo organizacional
acontece em empresas de diferentes tamanhos, que são altamente lucrativas e
possuem altos níveis de satisfação dos colaboradores. Como exemplo, a Morning
Star, uma empresa de processamento de molho de tomate americana com uma média
de 2 mil colaboradores, ou a Patagônia, empresa de vestuário para escalada com 1
mil e trezentos colaboradores. Nos dois exemplos encontramos um modelo de
autogestão, sem hierarquias ou chefes, uma redução das atividades e áreas
intermediárias, como RH, Marketing, Planejamento, muitas horas investidas na troca
de conhecimento entre as equipes e poucas em reuniões formais. Assim o grande
talento de uma organização hoje é a possibilidade de alcançar resultados que
individualmente não seriam possíveis e, portanto, dar mais força para uma conquista
coletiva diante de um propósito compartilhado.
No Brasil, os autores Kris Pederson e Miguel Duarte (2017) abordam no artigo
um momento para um novo propósito, algumas empresas que estão focadas na
gestão a partir do propósito. Um dos exemplos é a empresa Libbs, farmacêutica,
fundada em 1958 e considerada uma das 10 melhores empresas pela revista Época.
Atribuem este resultado ao modelo organizacional que nunca foi com olhar apenas
financeiro, mas trata do bem-estar e da vida não somente dos consumidores, mas dos
colaboradores e da sociedade. Definem o propósito como a possibilidade de “ajudar
as pessoas a alcançar uma vida plena” e fazem isso por meio dos produtos
desenvolvidos para os clientes e os médicos, incluindo diversos agentes na
possibilidade de ter sucesso e resultados positivos. Isso reflete inclusive nas
pesquisas de clima e gestão, em 92% das percepções eram favoráveis em relação à
empresa enquanto o valor médio deste indicador em outras empresas era de apenas
77%. Uma outra marca que os autores abordam é a Korin, a partir do propósito
88

“melhorar a qualidade de vida das pessoas por meio de uma alimentação totalmente
natural”, investem na produção de produtos orgânicos e possibilitam aos produtores e
clientes uma rede de impactos e resultados positivos. Apesar da definição do
propósito organizacional destas empresas, o modelo e o formato de trabalho ainda
operam em um nível de consciência de paradigmas mais antigos, ou seja,
implementa-se um propósito, mas ainda não reflete a transformação para um modelo
mais autônomo e flexível.
Considerando o processo de evolução do modelo de sobrevivência para um
modelo de propósito, o autor Marcos Braga (2017) considera que o propósito, embora
pareça um modismo por ser abordado e amplamente divulgado nas mídias sem uma
definição clara do conceito, é interessante porque é um fenômeno emergente que une
diversas teorias e propõe que as empresas revejam seus objetivos e a sua finalidade
para que possam ir além da produção de resultados. Com isso, retoma a teoria
econômica de shareholders e stakeholders. A primeira (shareholder) tem como foco a
riqueza e prosperidade do acionista e cria incentivos para os trabalhadores realizarem
suas atividades alinhadas ao interesse deste grupo de acionistas. A segunda
(stakeholders) propõe a responsabilidade além dos próprios interesses, cooperando
para atingir o objetivo da organização, dos indivíduos e do entorno, seja este social
ou ambiental. Sendo assim, o autor propõe pensar o conceito de propósito como ponte
para a teoria de shareholders e stakeholders, resultando na possibilidade de criar valor
compartilhado para os acionistas, indivíduos, sociedade e ambiente a partir de um
processo mais transparente e responsável.
Com todas estas novas articulações, a partir de uma pesquisa com 1.470
líderes americanos, e dos diferentes significados do propósito para cada um, propõe-
se o uso do termo Capital P que considera a multiplicidade do conceito do propósito
organizacional a partir de uma condição centrada no ser humano e no engajamento
social que permite criar valor para diversos interagentes (stakeholders) e ambientes
(MARK WEINBERGER, 2017).
Considerando o propósito transversal a qualquer negócio e compreendendo
que os indivíduos cada vez mais possuem outras escolhas que vão além das
organizações como carreiras empreendedoras e projetos autônomos, o autor Simon
Sinek (2009) aborda no livro Start With Why que:
89

Estudos apontam que mais de 80 por cento dos Americanos não possuem o
trabalho dos seus sonhos. Se mais pessoas soubessem construir
organizações que inspiram, poderíamos viver em um mundo em que as
estatísticas seriam o oposto – um mundo em que 80 por cento amassem seus
trabalhos. Pessoas que amam trabalhar são mais produtivas e criativas. Eles
vão para casa mais felizes e tem famílias mais felizes. Eles tratam seus
colegas e clientes melhor. Colaboradores inspirados tornam as organizações
e a economia mais fortes. (SINEK, 2009, p. 7, tradução nossa) 18

Para compreender como é possível inspirar, Simon propõe a reflexão do círculo


dourado (golden circle), tanto como um exercício para as empresas como para os
indivíduos, partindo da reflexão do porquê (why), para o que (what) e, por fim, como
(how). O porquê está associado a entender por que fazemos algo, depois a reflexão
da finalidade do que estamos fazendo e, por fim, a reflexão de como fazemos. Para
as empresas, este movimento de construção do propósito é ainda mais importante
uma vez que não é possível pedir para que os indivíduos coloquem seu coração e
dediquem sua energia no trabalho e, em contrapartida, não dar algo igualmente
significativo a partir das condições que encontram nas organizações e atividades que
realizam (ANDERSON; QUINN; THAKOR, 2018).
Esta relação dialética entre o propósito individual e o propósito organizacional
se desenvolve à medida que a busca individual é o motor para que as empresas
reflitam seus modelos e, por sua vez, as organizações, a partir de novos estágios de
consciência, promovem um espaço de autodesenvolvimento para os indivíduos. Isso
é o que nos permite a ideia de uma carreira com propósito como a mediadora do
indivíduo com o mundo de trabalho impulsionando-o para agir e transformar a si, as
organizações e o ambiente a partir do seu fazer.

4.5 A Carreira com Propósito: uma articulação entre os desejos dos indivíduos
e um novo olhar sobre o sentido do trabalho

A ideia do círculo dourado (golden circle) proposta por Simon Sinek, já


abordada para discutir o propósito organizacional, nos parece sinérgica a teoria de

18 No original: Studies shows that over 80 percent of Americans do not have their dream job. If more
knew how to build organizations that inspire, we could live in a world in which the statistic was the
reverse – a world in which 80 percent love their jobs. People who love going to work are more productive
and more creative. They go home happier and have happier families. They treat their colleagues and
clients and customers better. Inspired employees make for stronger companies and stronger
economies.
90

carreiras sem fronteiras, proposta por Defillipi e Arthur em 1994, pois reforça a
importância do saber por que (knowing why) se faz uma atividade, saber o que é
preciso fazer ou qual a finalidade do que fazemos (knowing what) e complementa com
o saber quem (knowing whom) pode apoiar para o desenvolvimento uma determinada
atividade ou competência. Porém, ao que nos parece, Sinek a partir da noção do como
(how) se realiza determinada atividade, constrói uma ponte para a articulação com o
propósito. Se entendermos o propósito como um processo de construção que
impulsiona o indivíduo à ação, faz sentido pensar que a reflexão do como eu realizo
aquilo que faço é determinante para a noção de uma carreira com propósito.
Quando falamos de carreiras com propósito, existe uma interpretação e
conexão com as teorias geracionais como uma busca dos mais jovens, que estão
ingressando no mundo do trabalho, como as gerações Y (1980-2000) e Z (1990-2010).
Isso acontece porque as gerações anteriores trabalhavam para suprir necessidades e
dificuldades, e, supostamente, por terem pais que passaram por este momento mais
crítico, torna-se possível que os jovens tenham mais opções de escolha devido à
condição socioeconômica familiar. Esta é uma visão que está embasada no conceito
da Pirâmide de Maslow em que, conforme a imagem abaixo, precisamos primeiro ter
condições de satisfazer nossas necessidades fisiológicas, como comer, dormir ou
respirar. Em seguida, a demanda passa a ser de proteção e segurança, e à medida
que avançamos no cumprimento das necessidades da base da pirâmide, nos
movemos para o topo, o último estágio de realização pessoal.
91

Figura 24: Pirâmide de Maslow


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração de Fábio Woody.

Entretanto, a partir dos resultados de uma pesquisa realizada com os


colaboradores do Facebook sobre o que valorizam em uma carreira, este modelo
hierarquizado de necessidades está sendo revisto para compreender como estas
questões se relacionam na contemporaneidade. Assim, uma vez que as necessidades
fisiológicas foram supridas, todas as outras camadas da pirâmide deixam de ser
sequenciais em uma lógica de escalada, primeiro conquisto um para depois conquistar
o outro. Isso acontece pois não existe uma ordem de prioridade quando falamos das
necessidades dos indivíduos que são singulares em sua natureza, e não podemos
pressupor que as pessoas precisam satisfazer as necessidades sociais, como casar,
ser amado, ter uma família ou amigos antes de conquistar prestígio e realizações
pessoais. Mesmo as questões de segurança, em que os indivíduos deveriam
conquistar primeiro um trabalho ou uma casa para depois investirem em necessidades
de autoestima, como autoconfiança e respeito dos outros e aos outros. Como
resultado da pesquisa, as motivações dos colaboradores estão baseadas em 3
fatores: carreira, comunidade e causa. Carreira está relacionada com trabalho e
autonomia que permitem o aprendizado, autodesenvolvimento e autoconhecimento, a
92

comunidade está relacionada às pessoas, às conexões estabelecidas e ao senso de


pertencimento e, por fim a causa, que está relacionada ao propósito que nos permite
uma motivação para agir e encontrar sentido na forma como impactamos o mundo a
partir do que fazemos. Um outro dado importante da pesquisa está relacionado à
idade. Os colaboradores foram divididos em categorias de até 24 anos, dos 25 aos
34, dos 35 aos 44, dos 45 aos 54 e de 55 acima e responderam dentre os 3 fatores
quais os que mais os motivavam a trabalhar. Ao contrário do que previam, todos os
grupos atribuíram um grau de importância semelhante a carreira, comunidade e
causa, e os pesquisadores identificaram que nos outros escritórios com sede em
outros países os resultados também foram similares concluindo, assim, que os
colaboradores, independentemente da localização ou da idade, estão em um
processo de construção de uma carreira com propósito (MASLOW, 1970; GOLER;
GALE; HARRINGTON; GRANT, 2018).
Desconstrói-se também a associação do propósito como um luxo para os
indivíduos socioeconomicamente privilegiados, entendendo-se que apenas os que
possuem recursos financeiros ou privilégios, como uma boa formação, podem
escolher uma carreira com propósito. Entretanto, no artigo publicado por Hall e
Chandler (2005), os autores defendem que o propósito não está associado a nenhuma
condição social, pois ele vai além. Percebem isso diante de uma pesquisa conduzida
com pessoas em situação de desemprego de diferentes áreas e experiências em que
a partir de uma situação adversa continuam mencionando o propósito como um tema
fundamental de suas carreiras, alguns inclusive mencionam que a falta de dinheiro
muitas vezes é o motor que permite a reflexão do propósito, pois quando enfrentam
este momento de dificuldade é quando pensam sobre o que vão buscar como próximo
passo. Apesar do fator socioeconômico não determinar a existência de uma carreira
com propósito, os autores reforçam que o fato de não precisar ou depender do
trabalho ajuda visto que os indivíduos ficam mais livres para descobrir e se conectar
com o que realmente desejam fazer.
Entendendo que as carreiras com propósito não se limitam a idade, localização
ou condição socioeconômica, mas a um processo em construção dinâmico, flexível e
múltiplo, o autor John Coleman (2017b) escreve um novo artigo com o objetivo de
apoiar este processo de construção do propósito a partir do trabalho que o indivíduo
realiza. Assim, ele sugere que se adote quatro premissas:
93

1. Conectar o trabalho com o senso de servir: cada um de nós, através do que


fazemos, servimos alguém. Por exemplo, professores impactam diariamente as
crianças e adolescentes ajudando-os a definir suas escolhas. Questionar quem eu
sirvo com o que faço nos permite criar uma conexão com o nosso propósito de
carreira.
2. Ter autonomia para desenhar como você faz o seu trabalho: o autor usa
“craft your work” como uma expressão para construção, criação ou desenho do
trabalho individual. Neste sentido, o trabalho deve ser compreendido como uma
jornada de desenvolvimento em que os indivíduos adaptam e customizam suas
atividades para que tenham aderência ao seu propósito. Sendo assim, você constrói
o trabalho e o trabalho o constrói como indivíduo à medida que você se reconhece
naquilo que faz. Para que isso aconteça, também é necessário um certo grau de
autonomia para desenhar como você faz o seu trabalho. Sob esta premissa, não
necessariamente o indivíduo precisa estar em uma carreira fora das organizações,
mas se estiver inserido, ter controle e autonomia para escolher a maneira (como) o
trabalho é desenvolvido aumenta o senso de propósito.
3. Investir em relações positivas: com quem trabalhamos é tão importante como
o que fazemos. As relações que estabelecemos são de extrema importância para nos
sentirmos felizes e realizados.
4. Lembrar porque trabalhamos: não necessariamente todos temos a chance
de fazer algo de que realmente gostamos, muitas vezes o trabalho não é uma
atividade na qual encontramos felicidade em realizar, porém, mesmo que seja para
ganhar dinheiro, este dinheiro está associado a coisas que valorizamos, como, por
exemplo, fazer uma viagem, ajudar um familiar, propiciar uma boa escola para os
filhos, etc. Ter esta consciência permite que realizemos as atividades mais tediosas
com um senso de propósito.
Assim, sob esta perspectiva, uma carreira com propósito deve conectar o que
fazemos com quem servimos e, a partir de um processo de se reconhecer nas
atividades que realizamos, ter autonomia para escolher como fazê-las, investindo em
relações e trocas com pessoas que despertem uma conexão verdadeira e positiva.
A partir da bibliografia lida e da narrativa dos participantes desta pesquisa, o
propósito nos parece a consciência deste processo em constante transformação, ou
seja, a soma das experiências, do autoconhecimento via os aprendizados e a
motivação para agir afetando assim os ambientes e relações inseridas neste contexto.
94

Dessa forma, propósito está relacionado à soma das experiências que vivemos
(passado) a partir dos valores individuais, a reflexão ou significado que atribuímos a
esta experiência no momento (presente) e as escolhas e decisões (futuro) que afetam
os ambientes e relações aumentando a possibilidade de encontrar sentido. Portanto,
propósito não é sinônimo de sentido ou razão de existir, mas um processo anterior de
reflexão vivo e dinâmico que contribui para o sentido e se relaciona com os valores, o
significado das experiências e a motivação.
Se a carreira é um transformar-se contínuo através do que se faz, a carreira
com propósito é, portanto, ter consciência sobre este processo, ou seja, transformar-
se continuamente através do que se faz tornando-se consciente deste processo e do
impacto que causamos em nós, nos outros e no ambiente. Quanto mais consciente o
indivíduo é do processo e das transformações que ocorrem, mais propósitos encontra
e compreende como o que faz o transforma e como essa transformação modifica o
que faz.
Até o momento, tratamos sobre a importância do trabalho, da carreira e das
novas teorias contemporâneas, do que é o propósito e como podemos a partir disso
pensar conceitualmente a carreira com propósito. Diante dessa construção,
entendemos que existe uma nova dinâmica com o ambiente de trabalho, seja ele em
escritórios que facilitam o encontro e as relações com espaços de interação e jogos,
em casa nos modelos de home office ou ainda em espaços compartilhados ou de
coworking. Assim, buscaremos a partir da Psicologia Ambiental compreender como
estes espaços podem contribuir para uma carreira com propósito e para aumentar o
bem-estar e a qualidade de vida dos indivíduos no trabalho.
95

5 ONDE TUDO ACONTECE

Até o momento dialogamos sobre a possibilidade de um trabalho com sentido


que permite novas formas de carreiras contemporâneas e que promovem o despertar
do propósito como fio condutor da narrativa individual para que, por meio de um
processo de transformação contínua, possa expressar o seu “fazer no mundo” e, além
da questão pessoal, do propósito individual, que ganhou maior foco devido ao objetivo
deste trabalho, existe hoje o propósito organizacional pensado pelas empresas como
forma de comunicar as razões e permitir engajamento com os colaboradores e
consumidores. No entanto, é importantíssimo ressaltar que todo este processo de
elaboração e divulgação do propósito organizacional está circunscrito em um
ambiente, seja ele construído, virtual, social, ou ainda, relacional. Por isso,
encontramos no presente trabalho a oportunidade de refletir como a carreira com
propósito pode ser estimulada a partir de um ambiente restaurador, promotor de
qualidade de vida e bem-estar. Partindo da relação individual e análise de como o
indivíduo se empodera e apropria das atividades que realiza e do propósito da sua
carreira, buscaremos compreender a partir da Psicologia Ambiental como os lugares
onde estas relações acontecem (tecnicamente, designadas como escalas ambientais)
podem ser facilitadores deste processo.
Para que possamos entender como a Psicologia Ambiental nos ajudará a
compreender e articular as reflexões que estruturamos com foco nas carreiras com
propósito e o lugar onde efetivamente acontecem as relações de trabalho, faz-se
necessário definir o campo de estudo da área. De acordo com Bassani, a Psicologia
Ambiental estuda as inter-relações entre a pessoa e o ambiente, seja ele físico, seja
ele construído ou natural e social e define:

Os estudos da Psicologia Ambiental não enfocam o ambiente físico em si,


mas suas características e relações que venham a facilitar ou dificultar as
interações sociais e necessidades humanas; envolve portanto, o ambiente
social. (BASSANI, 2011, p.12).

A autora ressalta, ainda, a importância de se designar o termo “pessoa” nos


estudos da Psicologia Ambiental, compreendendo, assim, a possibilidade de
contribuições de diferentes abordagens epistemológicas para investigação das inter-
relações pessoa-ambiente (BASSANI, 2004, 2012).
96

Além das dimensões espaciais, Moser (2001) também propõe considerar as


dimensões temporal e cultural levando-se em o impacto e a contribuição para o bem-
estar do indivíduo em quatro diferentes níveis espaciais: individual, vizinhança-
comunidade, indivíduo-comunidade e social. Sendo assim, a Psicologia Ambiental é
a área que permite estudar a relação dialética entre a pessoa e os mais diversos tipos
de ambientes com os quais se relaciona. Com base neste conceito, buscamos
construir um mapa imagético que nos proporcionasse certa visibilidade da
abrangência da área e sua importância para discutirmos diversos temas de interesse,
entre eles, o ambiente de trabalho.

Figura 25: Psicologia Ambiental


Fonte: Elaborado pela autora; ilustração Fabio Woody.

Esta relação dialética entre a pessoa e o ambiente é o grande objetivo das


pesquisas em Psicologia Ambiental considerando que a pessoa influencia o ambiente
e o ambiente influencia a pessoa mutuamente e propõe analisar as atitudes,
comportamentos e percepções do indivíduo em relação a seu contexto pensando o
desenvolvimento de forma sustentável a partir de um cenário econômico e harmônico,
o respeito ao ambiente e o bem-estar do indivíduo (BASSANI, 2004).
Para explicar esta influência do ambiente no comportamento, Moser, em 1998,
usa como exemplo o estresse como o resultado da interação entre pessoa e ambiente
97

físico nas grandes cidades e pontua que: “Não é o telefone celular, por exemplo, que
provoca o estresse, mas, sim, a relação que a pessoa tem com ele” (p.123). Assim, o
objeto sozinho ou o ambiente não seria capaz de afetar o indivíduo, mas a relação
com o objeto cria uma dimensão simbólica do significado permitindo associar o objeto
à resposta ambiental, facilitando o aparecimento de doenças físicas ou mentais.
A partir destas interações, podemos compreender a Psicologia Ambiental como
uma área pluridisciplinar a fim de entender a complexidade a partir de diversas
abordagens e pontos de vista, colaborando com outras áreas do conhecimento,
pensando como ponto de partida a relação com o espaço. Assim, insere-se em
diversas áreas, como Geografia Humana, Arquitetura, Psicologia Social, Sociologia
entre outras. Nesse contexto, Moser (1998) aborda os diversos campos de atuação e
estudo da Psicologia Ambiental como as representações ecológicas e
comportamentos pró-ambientais, estudo do ambiente urbano, estudo do ambiente
natural e da qualidade do ambiente. Este último particularmente nos interessa, uma
vez que:

São estudos que tratam do estresse mas, sobretudo, tratam da noção de


conforto, algo que vem se tornando cada vez mais importante. Quais são as
variáveis que vão fazer o indivíduo se sentir mais confortável ou
desconfortável? Quais são as variáveis do contexto físico e social que
contribuem para o conforto? Aqui são, também, analisadas as estratégias de
adaptação, ou seja, como o indivíduo se adapta ao ambiente físico construído
que existe ao seu redor? Quais são as modalidades e limites da adaptação?
Limites também, porque se o ambiente for muito constringente, o indivíduo
pode não ser capaz de se adaptar; ou então pode se adaptar a um custo tão
alto que poderá desenvolver problemas de saúde. (MOSER, 1998, p.129)

Diante do campo de estudos em Psicologia Ambiental que procura analisar o


que se pensa sobre a qualidade do ambiente de trabalho e como o indivíduo se adapta
e impõe limites neste espaço, percebemos, especialmente durante o processo de
revisão e atualização do sentido do trabalho e das carreiras contemporâneas, que
existe um redesenho dos ambientes à medida que o fazer ganha um novo sentido
para o indivíduo e que o mesmo acessa novas tecnologias e ferramentas que
permitem realizar as atividades de outras formas considerando, assim, a
acessibilidade e a mobilidade espacial. Cabe-nos, portanto, discutir esta nova
possibilidade dos espaços cujo objetivo é o de trabalhar, que hoje não estão em uma
organização como um lugar fixo, mas que existem atualmente como uma possibilidade
de uso tornando-se mais flexível e convidando o indivíduo a escolher os ambientes
que melhor satisfazem suas necessidades e desejos. Isso significa que os ambientes
98

são oferecidos e podem ser aceitos ou não, modificados ou não, integrados de


diferentes modos na rotina da pessoa que ali desenvolve a função que lhe foi
designada.
Compreender como o ambiente de trabalho pode afetar a produtividade, a
atenção, o nível de estresse, o conforto, a própria satisfação e, principalmente − e isso
interessa sobremaneira à própria empresa −, promover um ambiente que ajude o
indivíduo a se conectar com o propósito de sua carreira nos parece o diferencial neste
momento em que o conceito de ambientes open space19 (espaços abertos) vem
ganhando força e relevância dentro dos principais escritórios do Brasil e do mundo.
Assim, diversos estudos e publicações discutem os efeitos que os escritórios causam
nos indivíduos por meio da compreensão do layout, ergonomia (conforto da cadeira,
altura da mesa etc.), luz e no ambiente pensando a emissão de toxinas, poluentes e
gastos com papéis, água entre outros, mas ainda existem poucas publicações que
exploram a relação psicológica e simbólica do sujeito quando inserido em determinado
espaço e que reflita como o indivíduo, no ambiente de trabalho, teria ou não a
possibilidade de sentir-se bem ou encontrar um ambiente que facilite o processo de
autoconhecimento (MIRA; DUMITRU, 2014; VEICH, 2012).
Para permitir a análise que se apresentará em nosso estudo de caso,
selecionamos algumas imagens como exemplo de escritórios hoje considerados
modelo para que possamos partir para uma análise dos ambientes de trabalho
refletindo como os conceitos da Psicologia Ambiental podem nos ajudar a
compreender o lugar de trabalho como um potencializador do propósito de carreira
individual.

19Open Space (espaço aberto) é um conceito de espaço que, como o próprio nome sugere, é aberto.
Sendo assim, não existem paredes ou barreiras físicas que dividem ou separam os colaboradores e
todos, independente do cargo, posição hierárquica na empresa, ocupam o mesmo espaço. Este modelo
se popularizou na década de 1960 a partir da necessidade de um espaço de trabalho mais econômico
e com a intenção de diminuir as barreiras e facilitar a comunicação entre os colaboradores (BRILL;
MARGULIS; KONAR, 1984).
99

Figura 26: Escritório da Movile


Fonte: Exame, 2017.
* Proprietária de empresas no segmento de conteúdo móvel, como pedidos e entrega de comidas.

Figura 27: Escritório do Google em Amsterdã


Fonte: Vila Bacana, s/d.

Figura 28: Escritório do Google em Dublin


Fonte: Vila Bacana, s/d.
100

Figura 29: Escritório do Google em Tel Aviv


Fonte: Vila Bacana, s/d.

Figura 30: Escritório do Google em Zurich


Fonte: Vila Bacana, s/d.

Figura 31: Escritório da Corus Quay – empresa de entretenimento no Canadá


Fonte: GQ Globo, 2013.
101

Figura 32: Escritório criativo da FARM – Confecção brasileira de roupa feminina


Fonte: FARM, 2014.

Estas imagens de escritórios no Brasil e ao redor do mundo nos permitem


compreender que o espaço de trabalho contemporâneo vai além da funcionalidade do
ambiente. Se no passado estudávamos qual o melhor tipo de cadeira para a postura
ergonômica do colaborador ou qual a melhor iluminação, hoje os espaços modernos
muitas vezes não têm cadeiras. Lugares fixos são substituídos por móveis flexíveis,
como bancos, almofadas, poltronas, ou até cadeira de praia, como vimos no exemplo
da imagem do Google em Amsterdã ou da FARM no Rio de Janeiro que, inclusive,
desloca a sala montada em um trailer para experiências criativas e melhor
aproveitamento de seus designers em momento de desenvolvimento de novas
coleções. Quanto mais opções de escolha as empresas permitirem, mais elas são
reconhecidas e consideradas um bom (leia-se inovador e moderno) lugar para
trabalhar.
Contudo, um dos conceitos discutidos e estudados a partir das transformações
dos espaços de trabalho em lugares abertos é a noção da privacidade. Ao invés de
aumentar a eficiência, muitas vezes os escritórios abertos diminuem a produtividade
dos colaboradores justamente pela falta de privacidade. Assim, o indivíduo está
durante todo o tempo em que realiza suas atividades exposto, sendo visto por outros
colegas e líderes, além de estar mais exposto a ruídos, barulhos e distrações. Desta
maneira, o ambiente de trabalho, que como se viu nas imagens oferecem também na
maioria das vezes características lúdicas na construção e planejamento de espaços e
mobiliário, como é visto como um espaço de promoção de interação e relações precisa
considerar a natureza do trabalho para que exista um equilíbrio entre as atividades e
102

necessidades do indivíduo, bem como as necessidades de realização e produção da


empresa (VEICH, 2012).
O conceito de privacidade reflete a possibilidade de controlar o acesso a um
indivíduo ou um grupo. Este controle é entendido como a palavra-chave uma vez que
permite ao indivíduo regular a interação e acesso ao “self” de um indivíduo, uma
informação ou um grupo. Em relação à privacidade, Gifford (1997) conceitua que:

Pode ser considerada como uma preferência, expectativa, valor,


necessidade e comportamento. Privacidade significa ir em direção aos outros,
assim como se afastar deles; a privacidade otimiza a interação social e a
transferência de informações, não apenas restringindo-as. (GIFFORD, 1997,
p.214, tradução nossa20)

Sendo assim, a noção de privacidade é mais do que apenas o direito de


reservar-se e também controlar o acesso das informações pessoais e acontece de
maneira diferente para cada um, uma vez que as preferências, valores e expectativas
dos indivíduos não são as mesmas. Para compreendermos a amplitude do conceito,
Westin (1967) propõe quatro formas de privacidade: solidão, intimidade, anonimato e
reserva. Para explicar estas formas, construímos uma imagem21 que nos permite
entender e ampliar as proposições sobre o conceito de privacidade.

20 No original: “It may be considered as a preference, expectation, value, need, and behavior. Privacy
means going toward others as well as going away from them; privacy is optimizing social interaction and
information transfer, not merely restricting them”.
21 Imagem construída a partir de GIFFORD (1997) para explicar os níveis de privacidade propostos por

Alan Westin em 1967.


103

Figura 33: Níveis de privacidade


Fonte: Elaborado pela autora com base em GIFFORD, 1997; ilustração Fabio Woody.

Falar de uma carreira com propósito é, portanto, pensar na dimensão individual


do que o trabalho significa e como a pessoa constrói a sua narrativa do fazer no mundo
a partir de um processo de compreensão e consciência que é o propósito. Os
ambientes, portanto, precisam acompanhar ou possibilitar esses espaços para que,
cada vez mais, as pessoas aumentem as condições de se voltarem para si e a
capacidade de auto-observação refletindo o porquê está realizando determinada
atividade, como irá fazê-la e o que está aprendendo durante este processo. Estes
espaços precisam, então, considerar proporcionar aos indivíduos a maior escolha de
privacidade possível e, nesse sentido, não significa que um espaço aberto de trabalho
não é saudável, mas que é necessário dar a possibilidade para o indivíduo regular e
escolher o acesso aos outros.
Para exemplificar esta necessidade individual de regular a privacidade no
ambiente de trabalho, uma pesquisa realizada em 2003 com mais de 770
colaboradores que realizam suas atividades em um espaço aberto apontou que a
privacidade é o segundo fator mais valorizado pelos colaboradores e, frequentemente,
104

em espaços abertos, os indivíduos relatam que escolheriam um ambiente mais


privado para trabalhar se tivessem esta possibilidade (VEICH et. al., 2003).
Dar aos indivíduos a possibilidade de controlar os fatores ambientais e inclusive
a autonomia para fazê-lo é uma das possibilidades de diminuir os efeitos psicológicos
considerados estressores que impactam as pessoas no ambiente de trabalho. Este
controle ambiental é abordado por O’Neill (2010) como a possibilidade de os
indivíduos escolherem o design, móveis e tecnologia necessários para a realização
da sua atividade. Nesta mesma direção a pesquisa de Knignt; Haslam (2010) propõe
o empoderamento do indivíduo no espaço de trabalho à medida que permite que o
mesmo enriqueça o ambiente com aquilo que valoriza, como, por exemplo, escolher
colocar um quadro ou uma planta. Este movimento de escolha e personalização do
ambiente promove maior conforto psicológico e físico e a capacidade de perceber
sentido no que se faz.
Permitir que as pessoas escolham suas preferências tanto do mobiliário como
de privacidade de acordo com o que julgam ser as melhores condições para
realizarem suas atividades nos parece ser um fator relevante para pensarmos os
espaços de trabalho que permeiam as carreiras com propósito.
Portanto, o conceito de territorialidade é fundamental uma vez que nos permite
analisar o processo em que as pessoas marcam os espaços como seus para proteger
o pertencimento ao lugar e regular as interações sociais. Territorialidade é definida
por Gifford (1997) como o padrão de comportamentos e atitudes de um indivíduo ou
um grupo na busca de controlar o espaço, objetos ou ideias por meio de marcas no
espaço. Desta forma, não apenas as marcas, mas também o que o indivíduo escolhe
colocar ou retirar do espaço possuem um significado e, à medida que personaliza e
controla este espaço, identifica-o como seu. Portanto, a escolha da decoração, livros,
fotos no espaço expressam as marcas do indivíduo para tornar o espaço seu. De
acordo com este conceito, existem 7 maneiras de diferenciar o território:
1. Primário: espaços que um indivíduo ou um determinado grupo é dono e
possui um controle permanente do espaço, por exemplo, o quarto de uma
pessoa.
2. Secundário: possui uma importância significativa para quem ocupa o espaço
como, por exemplo, o lugar de trabalho.
3. Públicos: são lugares abertos que qualquer pessoa pode usufruir.
105

4. Objetos: como defendemos e controlamos os objetos que marcam os


espaços, também são considerados territórios livros, porta-retratos,
decorações, quadros etc.
5. Ideias: como defendemos as nossas ideias, estas também podem ser
interpretadas como um território já que construímos barreiras e limites para
viver de acordo com as regras sociais e valores individuais. Uma ideia permite
uma noção de autoria à medida que é associada a um indivíduo.
6. Interacional: é controlado temporariamente por um grupo que interage em
um espaço, como, por exemplo, sala de aula, campo de futebol ou uma sala de
reunião.
7. Corpo: a barreira deste território é a própria pele do indivíduo que pode ser
marcada com tatuagens, piercings e escolhas das roupas e acessórios que
definem e caracterizam o indivíduo.

Os conceitos de privacidade e territorialidade nos possibilitam compreender o


que os lugares de trabalho contemporâneos precisam permitir para que o indivíduo
pertença ou se aproprie deste espaço. Apropriação de espaço é um conceito da
Psicologia Ambiental proposto por Moreno e Pol (1999) que envolve a ação-
transformação e a identificação simbólica. A ação-transformação representa os
comportamentos que a pessoa ou um grupo tem em relação a um espaço físico. Por
sua vez, a identificação simbólica se dá à medida que a pessoa ou o grupo se
reconhece neste espaço visto que só nos apropriamos verdadeiramente daquilo que
podemos nos identificar. Assim, a partir das ações e transformações que o indivíduo
realiza em um espaço físico se constitui uma identificação simbólica com o lugar e
novos comportamentos de transformação são estimulados fortalecendo o significado
e afetos em relação ao lugar. Ao interagir com um espaço, as pessoas o personalizam
e deixam suas marcas ao mesmo tempo que incorporam este espaço simbolicamente.
Diante deste movimento, a apropriação do espaço pode ser definida como o
sentimento do indivíduo de possuir ou gerir um espaço independentemente se é o
dono legal ou se por identificação. Para compreender a dimensão deste modelo
circular, os autores apresentam esta relação de forma imagética, o que se torna
fundamental para facilitar a compreensão diante da complexidade do conceito e
importância para a nossa pesquisa.
106

Figura 34: Modelo dual de apropriação de espaço


Fonte: Elaborado pela autora com base em MORENO; POL (1999); ilustração Fabio Woody.

Ressaltamos que Bassani, em convênio com a Embrapa, foi pioneira nos


estudos sobre apropriação de espaço em famílias de agricultores e coordenou
pesquisas sobre apropriação de espaço em equipamentos de saúde de 2000 a 2010,
desenvolvendo continuidade de pesquisas voltadas a apropriação de espaço,
qualidade de vida e sustentabilidade, em distintos ambientes de trabalho e ambientes
públicos culturais, reconhecidas internacionalmente, inclusive pelo próprio autor do
conceito, Enriq Pol.
Se marcamos e transformamos o ambiente, e os ambientes, por sua vez, nos
representam à medida que refletem nossas escolhas, valores e necessidades, a
análise do ambiente de trabalho e de como o indivíduo se apropria conforme se
percebe no espaço é de extrema importância. Isso porque os ambientes de trabalho
muitas vezes são construídos considerando apenas o design e o que é valorizado
socialmente como um espaço inovador, mas, se pensarmos que cada indivíduo tem
necessidades diferentes no que tange a privacidade, territorialidade e apropriação de
107

espaço, identificaremos um campo de novas possibilidades para pensar onde a


carreira com propósito acontece.
Diante deste cenário e do autoconhecimento como base para as escolhas
profissionais, precisamos considerar ambientes construídos ou ambientes virtuais que
sustentem o espaço para que a relação aconteça e permitam ao indivíduo escolher e
controlar o espaço de acordo com a sua necessidade, pois a relação pessoa-ambiente
também oferece ao indivíduo uma oportunidade de através do espaço que ocupa ou
se identifica refletir sobre si e ampliar a sua consciência.
108

6 MÉTODO

Após apresentar o recorte teórico fundamental para estudar os objetivos que a


pesquisa se propõe, delimitamos como método a pesquisa de estudo de caso
considerando a complexidade e o desejo de compreender os significados do
fenômeno.
A pesquisa qualitativa nasce na década de 1920 decorrente dos estudos da
sociologia e antropologia a partir da preocupação em entender o outro considerando
seus hábitos, costume social e a cultura que o permeia. Como apontam Denzin e
Lincoln (2006), deste modelo de construir conhecimento, constituem-se diversas
possibilidades de pesquisa no presente trabalho a delimitação de estudo de caso, a
entrevista e observação participante, ou seja, reúne diversas ferramentas e práticas
interpretativas com o objetivo de conhecer de maneira mais profunda o assunto da
pesquisa. De acordo com os autores:

[...] a pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador


no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas
que dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma
série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as
conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes. Nesse nível, a
pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa para
o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus
cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos
dos significados que as pessoas a eles conferem. (DENZIN; LINCOLN, 2006,
p.17)

Os autores referem-se ao pesquisador como capaz de reunir pedaços e


fragmentos do ambiente e transformá-lo em uma imagem que promova um significado
acerca da realidade que se constitui.
Para além da junção de partes na constituição de um todo, também
consideramos fundamental explorarmos a capacidade de inter-relação como parte da
responsabilidade do pesquisador. Assim, o papel de tecelão permite o
comprometimento da costura e interação entre as práticas qualitativas, articulando-as
em um tecido dotado de significado na experiência e esforço interdisciplinar de
conectar os fios na produção de um conhecimento.
Como consequência da escolha metodológica da definição da abordagem para
a realização do estudo de caso foram os princípios etimológicos delineados por Stake
(1994; 1995), o construtivismo e existencialismo, que afirma o conhecimento como
constructo da relação ao invés de descoberto pelo pesquisador. O autor discute ainda
109

a dificuldade em definir o estudo de caso de forma exata, incentivando o pesquisador


a entendê-lo como um sistema integrado, considerando sua complexidade e
flexibilidade. Consideraremos, portanto, o estudo de um único caso ressaltando o que
se pode aprender a partir de sua singularidade, com características de inter-relação
do fenômeno com seu contexto, a que Stake nomeia de holística, empírica, baseada
nas observações de campo, interpretativa, considerando a interação entre
pesquisador-pessoa, e enfática, refletindo as experiências indiretas a partir de um
projeto flexível em que o curso do estudo é traçado à medida que acontece.
Identificando a possibilidade de produzir insights sobre um fenômeno
contemporâneo, a carreira com propósito e facilitar a compreensão de uma leitura a
partir da Psicologia Ambiental, justifica-se a necessidade de definir o estudo de caso
como instrumental, facilitando a compreensão de um questionamento em interface
com a área da Psicologia que se propõe.
A natureza do estudo de caso foi fundamental para a escolha deste estudo por
promover abertura para o diálogo com diversas possibilidades de compreensão e
interpretação das relações entre as pessoas, suas carreiras, o trabalho e os ambientes
que interagem. Esta abordagem opta por entender o processo de pesquisa como uma
produção de dados em que busca se construir uma verdade participativa na interação
entre o participante e o pesquisador.

6.1 Participantes e critérios para inclusão

Foram convidados para a entrevista todos os sócios com papel de liderança na


empresa, somam-se 5 pessoas com características aderentes ao critério de inclusão
sendo 3 homens e 2 mulheres.
Como critério de seleção, consideramos interessados em participar da
pesquisa os sócios que apresentaram disponibilidade de tempo para realização das
entrevistas mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), conforme Resolução CNS/MS 466/2012 complementada pela Resolução
CNS/MS 510/2016.
Consta no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que será realizada uma
apresentação dos resultados da pesquisa para todos os colaboradores da empresa.
Tal compromisso deve-se à especificidade das relações de trabalho uma vez que a
110

pesquisadora compartilha grau de parentesco com dois dos participantes da pesquisa


e desempenha papel como coordenadora da empresa.

6.2 Instrumentos

As entrevistas foram realizadas com os líderes em um espaço significativo


individualmente escolhido dentro da empresa.
Utilizamos a entrevista de diálogo (dialogue interview) adaptada com o objetivo
de conhecer com maior profundidade as perspectivas do participante através de uma
conversa que permita a reflexão conjunta do entrevistado e do pesquisador e a
possibilidade de novas perspectivas. Este instrumento foi construído a partir da Teoria
U, sistematizada por Otto Scharmer (2015b; 2016) como uma metodologia para a
transformação e inovação em que a principal premissa para a qualidade da
intervenção depende da consciência e do nível de atenção das pessoas que estão
envolvidas.
Também solicitamos para que o participante escolha um espaço que considere
significativo na empresa para realizar a entrevista, com o objetivo de permitir que as
pessoas reflitam suas experiências no ambiente, entender como percebem e o que
priorizam neste espaço (WANG; BURRIS, 1997; ARAÚJO; FIGUEIREDO; AMANTE;
RIBEIRO, 2015).

6.3 Procedimentos Éticos

A pesquisa foi devidamente aprovada no Comitê de Ética com o parecer de


número 3.063.547, assegurando o comprimento de todas as normas e cuidados éticos
para pesquisas envolvendo seres humanos.
Os participantes também foram previamente esclarecidos a respeito do objetivo
da pesquisa, com o livre-arbítrio para participação, e asseguramos a possibilidade de
interrupção da sua participação em qualquer momento da pesquisa.
A autorização para realização da pesquisa foi devidamente assinada pelo sócio
fundador (Apêndice B). Devido à especificidade da organização por não existirem
111

papéis formais de cargos e liderança, o termo de autorização foi apenas assinado pois
não possuem carimbos.
Consta no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Apêndice A)
que será realizada uma apresentação dos resultados da pesquisa para todos os
colaboradores da empresa. Reitera-se este compromisso devido à especificidade do
grau de parentesco com 2 dos participantes da pesquisa em que a pesquisadora
desempenha papel de coordenadora.
Todos os procedimentos previstos na Resolução CNS/MS 466/2012
complementada pela Resolução CNS/MS 510/2016 foram cumpridos ressaltando a
possibilidade dos sujeitos solicitarem esclarecimentos e acompanhamentos da
pesquisa, bem como acesso ao Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP.
Por fim, trata-se de uma pesquisa de baixo risco, uma vez que todos os
cuidados éticos necessários foram tomados, considerando os procedimentos de
coleta escolhidos para a pesquisa. Contudo, caso algum tema da pesquisa mobilize
os sujeitos será dada a devida atenção e atendimento por parte da pesquisadora.
Além disso, os participantes serão convidados para um encontro de encerramento
para apresentação dos resultados, o que nos permitirá uma observação dos efeitos
da pesquisa e eventuais intervenções que se façam necessárias.
Os benefícios previstos, além de contribuição para um tema pouco estudado
com rigor científico em Psicologia, o retorno para a empresa poderá permitir novas
configurações das relações de trabalho, liderança e prestação de serviços.

6.4 Apresentação do caso

Antes de discutir os resultados encontrados a partir das entrevistas realizadas,


é importante fazer, aqui, uma descrição da empresa para que possamos compreender
melhor os resultados que serão apresentados no próximo capítulo.

Ressalta-se que todos os nomes citados dos sócios são fictícios a fim de
respeitar a confidencialidade das informações e assegurar a diminuição de vieses na
análise.

O estudo de caso foi realizado em um grupo de educação corporativa,


localizado na cidade de São Paulo. Fazem parte do grupo três empresas de
consultoria com atuação em segmentos distintos que têm em comum o
desenvolvimento de soluções educacionais corporativas. A primeira empresa foi
fundada há trinta anos e cuida dos projetos dedicados a temas técnico-
comportamentais em educação, como liderança, gestão de negócio, programas de
112

cultura organizacional, técnica de vendas, entre outros. Durante o período, os trinta


anos de empresa, Lucas, sócio fundador, convidou Alexandre e Fabiana para a
sociedade da empresa.

A segunda empresa do grupo foi fundada há seis anos em parceria com dois
novos sócios: Daniel e Flora. Os dois dividem a gestão da empresa atualmente e
atuam especificamente em projetos relacionados a risco, como gestão de risco,
imagem, compliance22, risco de crédito, entre outros. É importante ressaltar que estes
dois sócios não fazem parte da sociedade da primeira empresa, mas consideram-se
do mesmo grupo organizacional, uma vez que os três sócios da primeira empresa são
sócios desta. Sendo assim, a segunda empresa de educação para riscos possui cinco
sócios.

E, por fim, a terceira empresa do grupo, a mais recente, foi comprada há cinco
anos pelos mesmos sócios da primeira empresa (Lucas, Alexandre e Flora). Visando
se adequar e acompanhar as mudanças do mercado considerando a velocidade e a
tecnologia na educação, os sócios adquiriram uma empresa de educação digital que
desenvolve projetos unindo a educação à tecnologia. Sendo assim, atuam em dois
modelos diferentes: o primeiro com um portfólio de clientes diretos desenvolvendo
soluções como cursos online, infográficos, videoaulas, entre outros. E, segundo, com
projetos maiores atuando em parceira com as duas outras empresas do grupo
produzindo peças digitais para projetos presenciais.

Cada sócio hoje tem um papel como diretor de um negócio específico e o sócio
fundador atua como CEO (Diretor Executivo) das três empresas. Esta é uma
informação importante para frisar, uma vez que selecionamos apenas os executivos
das empresas como público-alvo do estudo de caso. Considerando o grupo, existe
atualmente uma rede de aproximadamente cinquenta colaboradores que trabalham
por tema e projeto. Sendo assim, não existem cargos fixos dentro das empresas com
exceção dos cargos administrativos.

Em relação ao ambiente, estão há três anos sediados em São Paulo. Antes


deste período não havia um escritório físico da empresa por ideologia do sócio
fundador (Lucas), porém, compreendendo a importância de um lugar de encontro e
de manter a equipe próxima com o crescimento dos negócios, a empresa decidiu
investir em manter um espaço.

6.5 Apresentação dos participantes

Compreendendo o cenário e contexto do caso, apresentaremos abaixo os


participantes para que antes da análise e discussão dos resultados tenha-se claro o
perfil de quem participou da presente pesquisa.

Lucas

Sócio Fundador

22 Compliance são as disciplinas que se dedicam a cumprir as normas regulamentadas, políticas e


diretrizes de uma organização. Deriva do verbo em inglês to comply (agir de acordo) com as regras da
organização para que possa evitar os riscos ou inconformidades.
113

Idade: 63 anos
Gênero: Masculino
Educação: Pós-Graduação
Experiências Profissionais: Vem de uma família sem recursos financeiros, começou
a sua carreira muito cedo como balconista de um bar. Foi conquistando novas
oportunidades na indústria metalúrgica e, por fim, em bancos multinacionais na área
de RH. Em um determinado momento, sentiu necessidade de abrir a sua empresa a
partir dos seus valores de liberdade e autonomia.
Objetivos de carreira: Já está há muito tempo à frente do negócio. Busca expandir a
empresa, porém entende que está em um momento de autorrealização. Já cumpriu o
seu papel e hoje faz parte da gestão das três empresas considerando deixar um
legado e manter o que construiu.
Desafios: Consolidar a perpetuação das empresas fazendo com que continuem
independente da sua gestão, criar uma linha sucessória e se afastar da empresa que
é a construção da sua própria trajetória.

Alexandre

Sócio e Diretor da empresa de Educação Digital

Idade: 48 anos
Gênero: Masculino
Educação: Pós-Graduação
Experiências Profissionais: Vem de uma família sem recursos financeiros, começou
a trabalhar desde jovem em restaurantes. Em seguida, fez parte do exército o que o
ajudou a pagar os estudos e conquistar oportunidades em grandes empresas do
segmento de bebidas e bancos nacionais. Optou por deixar a carreira organizacional
pois estava sofrendo com o modelo de pressão e gestão.
Objetivos de carreira: Busca crescer e expandir o negócio do qual hoje é Diretor.
Está em um novo desafio pois não conhecia o “mundo digital” antes de assumir o
negócio. Também existe uma preocupação em fazer a gestão da equipe para que
possam crescer junto com a empresa.
Desafios: Seu maior desafio hoje é consolidar os resultados como diretor da empresa
que é a mais jovem do grupo. Existe uma necessidade constante de adaptação e
gestão de uma equipe fixa que também é um modelo novo em suas experiências.

Fabiana

Sócia e Diretora da primeira empresa (educação e projetos corporativos)

Idade: 50 anos
Gênero: Feminino
Educação: Superior completo
Experiências Profissionais: Trabalhou em institutos de pesquisa, como voluntária
em organizações sem fins lucrativos e como professora em escolas construtivistas.
Foi buscar uma carreira que tivesse mais sentido e relação com os seus talentos.
114

Objetivos de carreira: Busca solidificar e aprender sobre a gestão do negócio que


hoje é diretora e entender como equilibrar os seus valores pessoais com as metas e
expectativas de resultado do negócio.
Desafios: Não se desmotivar e desequilibrar com o entorno e as pressões do dia a
dia. Manter-se em harmonia é um fator fundamental para o seu bem-estar, e gerenciar
pessoas e negócios às vezes torna esse equilíbrio difícil.

Daniel

Sócio e Diretor da empresa de Educação e Risco

Idade: 40 anos
Gênero: Masculino
Educação: Superior Completo
Experiências Profissionais: Desde o início da sua carreira trabalhou em grandes
empresas no segmento de cosméticos, automóveis, bancos nacionais e
multinacionais. Saiu para empreender pois era contra o modelo organizacional
tradicional de horas, falta de autonomia e pouca possibilidade de equilibrar o trabalho
com a qualidade de vida.
Objetivos de carreira: Consolidar os resultados da empresa que é diretor, mantendo
a empresa e a rede de colaboradores ativa, posicionar o que a empresa quer ser no
mercado e continuar valorizando a qualidade nas entregas dos projetos. Outro
aspecto fundamental é manter a sua qualidade de vida.
Desafios: Trabalhar de forma mais integrada as outras empresas do grupo, continuar
crescendo sem impactar na satisfação do trabalho e da entrega e no equilíbrio entre
trabalho e qualidade de vida.

Flora

Sócia e Diretora da empresa de Educação e Risco

Idade: 38 anos
Gênero: Feminino
Educação: Superior Completo
Experiências Profissionais: Começou a trabalhar desde jovem pois sua família teve
dificuldades financeiras enquanto estava estudando. Trabalhou em lojas de shopping,
como professora de natação até que conseguiu uma oportunidade em um banco
multinacional. Passou por bancos nacionais e multinacionais muito nova e se tornou
gestora de uma operação. Optou por sair da carreira organizacional devido ao
sofrimento causado por excesso de responsabilidade e má gestão.
Objetivos de carreira: Gosta de se sentir desafiada e enxerga o trabalho como uma
diversão. Busca se provocar a todo o momento para melhorar a empresa e os
resultados. Exercer a liberdade no dia a dia a partir dos seus valores também é
fundamental.
Desafios: Manter as pessoas no centro do negócio no qual é diretora atualmente
mantendo o número, crescimento da empresa e os resultados e criar um ambiente
que reflita o que a empresa é.
115

7. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A contextualização do caso e dos participantes aborda alguns princípios


organizacionais e valores pessoais que estão intimamente relacionados às análises e
aos resultados discutidos neste capítulo.

Assim, a partir das entrevistas realizadas, selecionamos cinco eixos para a análise no
presente trabalho que nos ajudam a ampliar ou esclarecer como a carreira
contemporânea é vista pelos participantes: o sentido do trabalho, os valores que
motivam as decisões de carreira, o conceito de carreira, o conceito de propósito e a
influência dos ambientes neste contexto.

Eixo 1 – Análise do Sentido do Trabalho

Considerando o conceito de propósito ainda recente e a dificuldade de compreender


a diferença entre o sentido do trabalho e o propósito, buscamos explorar com os
entrevistados esta percepção individual.

O que aparece com maior frequência nas dimensões abordadas quanto ao sentido do
trabalho está relacionado à necessidade de sobrevivência e à possibilidade de ganho
financeiro. Quatro dos cinco entrevistados relataram a importância do dinheiro
considerando que este é um aspecto fundamental, porém não o único. Discutiremos
a seguir a partir dos trechos selecionados das entrevistas quais são estes outros
fatores.

A partir do momento que a gente não tem perspectiva eu acho que o ser humano...
perde o sentido, então uma das coisas é de... atividades, de tarefas, de realizações,
de sonhos, de vontades enfim. A partir do momento que você perde perspectiva... eu
acho que a gente empobrece demais, então eu vejo, por exemplo, sei lá...
aposentadoria... eu acho que é um negócio que você pode até se aposentar, diminuir
o ritmo e tal, mas cara, não ter nada o que fazer, eu acho que você mata o teu... o ser
humano que tem em você. Então eu acho que o trabalho é uma forma de você...
satisfazer essa parte. A outra coisa é que a gente vive numa economia de mercado,
então infelizmente, gostando mais ou gostando menos, a gente precisa do trabalho
pra conquistar as coisas que a gente almeja. (Daniel, Diretor da Empresa de Educação
para Riscos)

Para Daniel, existem dois fatores prioritários em relação ao sentido individual que
encontra no seu trabalho. O primeiro associado à perspectiva ou a um horizonte e à
possibilidade de realizar sonhos. Em sua concepção, a perspectiva está relacionada
à própria condição de ser humano que quando não encontra um fazer acaba
empobrecendo. O segundo fator se relaciona ao dinheiro e à necessidade financeira,
porém algo importante de ressaltar é que condiciona o dinheiro à possibilidade de
realização destes sonhos. Portanto, o sentido do trabalho para Daniel nos parece que
é ter esta perspectiva e possibilidade de realizar os sonhos que precisam ser
financiados monetariamente. O dinheiro neste contexto é parte da finalidade e não a
finalidade em si.
116

A entrevista de Lucas, por sua vez, reflete um movimento sucessivo em que o trabalho
vai ganhando novos sentidos e se ampliando à medida que as necessidades vão
sendo satisfeitas.

Com o desenrolar da tua experiência profissional eu acredito que o trabalho vai


mudando de sentido, vai mudando de propósito. Um primeiro momento quando eu
comecei lá na minha adolescência, o trabalho era uma necessidade de sobrevivência;
precisava trabalhar, porque precisava ganhar dinheiro para pagar as minhas
despesas, para ajudar na minha casa, para poder estudar, etc. À medida que essa
necessidade... foi sendo satisfeita, o trabalho passou a ser, a ter um componente né,
além da questão da sobrevivência, um componente de segurança... como que eu faço
para garantir as coisas que eu havia conquistado, então o trabalho passa a ser uma
questão de confiança, passa a ter uma conotação de preservação de conquistas, não
só conquistas profissionais, mas também de conquistas materiais. À medida que
essas conquistas foram sendo satisfeitas, o trabalho passou a ter outras conotações,
principalmente uma conotação de status... de estima, de... galgar novas posições, de
ter poder, de ter status, de ter uma representação dentro das corporações que eu fiz
parte... até que... numa... numa fase mais digamos adiantada, mais avançada, o
trabalho passa a ser uma questão de autorrealização. (Lucas, Sócio Fundador)

Assim, percebemos que existe um caráter de mobilidade, um fluxo relacionado ao


sentido. Não é estático e conforme as necessidades materiais vão sendo satisfeitas,
abre-se o campo para um projeto de autorrealização. Aqui o sentido do trabalho é
entendido como propósito, porém podemos perceber a característica de flexibilidade
à medida que o indivíduo se modifica e tanto o sentido quanto o propósito se alteram.
Adiante discutiremos especificamente o eixo de propósito e as dificuldades de clarear
o conceito uma vez que este ainda está em processo de construção, porém é
amplamente divulgado e “consumido” midiaticamente. Apesar desta necessidade
financeira e de sobrevivência aparecer em primeiro plano no discurso de Lucas, em
dado momento fica claro que o dinheiro é prioridade, porém não está acima dos seus
valores pessoais:

Eu, quando estava no período de voltar para o Brasil, na Itália eu estava em uma
situação bastante difícil, a empresa não ia bem... eu tinha pouco trabalho, estava
endividado, a minha família estava no Brasil... estava devendo muito dinheiro, etc. (...)
aí chegou no final da apresentação, ele [DIRETOR DO BANCO MULTINACIONAL]
falou: “olha eu estou saindo da área de RH e eu queria te convidar para o cargo”. E
foi um grande dilema, porque isso naquele momento, resolveria grande parte dos
meus problemas, e aí meus valores foram colocados à prova. (Lucas, Sócio Fundador)

Neste momento, Lucas mesmo em um período financeiro difícil, escolhe não aceitar a
oferta de trabalho e voltar para o Brasil para fundar a empresa de educação
corporativa. Com essa decisão e sem o componente de segurança estabelecido,
renúncia a um emprego e ao status em uma organização e decide empreender, com
base no seu projeto, valores pessoais e autorrealização. Sendo assim, apesar da
narrativa lógica e sucessiva dos sentidos que o trabalho foi ganhando a partir de
conquistas por etapas, percebe-se um movimento e tomada de decisão baseada em
seus valores pessoais e necessidade de construir um projeto próprio para que
pudesse sentir-se realizado.
117

O próprio trabalhar, o fazer, também é compreendido como sentido na


entrevista de Flora:

Como comecei a trabalhar desde que eu tinha 14 anos, para mim a vida não faz
sentido se não tiver trabalho. (Flora, Diretora da Empresa de Educação para Riscos)
Assim, o fazer compõe o sentido da própria vida integrado com outros aspectos e
dimensões da vida pessoal. Ainda em relação ao significado do trabalho, Flora diz
que:

“(...) eu nunca separei o trabalho como algo sério e o trabalho... e a diversão ficar fora
dele. o trabalho é diversão. (Flora, Diretora da Empresa de Educação para Riscos)

Também aparece em sua narrativa a visão do sentido associada à necessidade do


trabalho como forma de obter recursos financeiros:

(...) meus pais se separaram, e quando eu voltei, porque eu fui morar com a minha
avó, fiquei longe da minha mãe e do meu pai... e aí quando eu voltei, a minha mãe
tinha conseguido se estruturar, alugou uma casa, meu irmão e eu fomos morar com
ela de novo... no primeiro mês em que a gente voltou, minha mãe virou para mim e
falou: “eu só posso garantir casa e comida! Se você quiser sapato, roupa nova,
dinheiro para tomar sorvete... não tenho, não tenho... você vai ter que trabalhar. (Flora,
Diretora da Empresa de Educação para Riscos)

Ainda reforçando o sentido do próprio fazer, Alexandre compreende que:

“(...) o sentido do trabalho é que ele tenha sentido. E tem que fazer sentido né, tem
que ter um propósito... Acho que, na minha vida eu vivi vários momentos... talvez com
propósitos diferentes, mas o trabalho ele tem que ter algum sentido, e para mim... em
alguns momentos na minha vida esse sentido foi sobrevivência, talvez boa parte da
minha vida foi sobrevivência.(...) só que hoje eu enxergo o trabalho... o sentido do
trabalho para mim hoje, ele é de construir algo e ajudar... não gosto da palavra ajudar,
mas construir junto com outras pessoas. (Alexandre, Diretor da empresa de Educação
Digital)

Além disso, tal como Lucas, refere-se ao sentido do trabalho como propósito, ou seja,
uma outra palavra para o mesmo conceito. Também aborda a noção de flexibilidade
relacionada ao sentido do trabalho que se modifica com o tempo e pontua a
necessidade financeira como o primeiro sentido e que hoje está mais relacionado ao
compartilhar ou construir junto com outras pessoas. Em dado momento, Alexandre,
mesmo priorizando o ganho financeiro e sustento, também renunciou uma
oportunidade à medida que não era compatível com os seus valores pessoais:

O quanto eu ia ganhar. Sempre foi este o norte, porque eu nunca tive... nunca deitei
em berço esplêndido, então... eu comecei a trabalhar com 13 anos de idade [...] eu
gostava muito de história, mas eu sabia que se eu optasse por história ia ter uma
grande dificuldade de me manter, não vou nem dizer realizar profissionalmente, talvez
eu me realizasse profissionalmente aquela coisa de “ah estou fazendo alguma coisa
que eu amo”, só que isso nunca foi o mais forte para mim (...) claro que eu analisava
algumas coisas, por exemplo, na [CITA O NOME DA INDÚSTRIA NO SEGMENTO
DE BEBIDAS ALCOÓLICAS] eu fiquei dez meses, não aguentei porque aquilo não
118

me, não... a estrutura em si, a dinâmica da empresa, por mais que eu ficasse lá [e] eu
fosse crescer lá dentro, aquilo não servia para mim, então eu buscava a realização
financeira, mas o negócio tinha que fazer algum sentido para mim. (Lucas, Sócio
Fundador)

Sendo assim, é preciso que o ganho financeiro esteja alinhado ao sentido e valores
individuais mesmo quando este é a prioridade. Um trabalho capaz de apenas suprir a
necessidade de sobrevivência e ganho financeiro não faz sentido.

Na entrevista com Fabiana, dois aspectos centrais definem o que é o sentido


do trabalho para ela:

Para mim o trabalho é uma autorrealização... acho que o significado de trabalhar é


colocar em prática aquilo que eu sou né, aquilo que está dentro do meu DNA, do meu
código... de valores... o trabalho é exercer esse fazer né e colocar uma parte da minha
essência no mundo. É isso que eu enxergo, e aí contribuindo para esse mundo... é se
movimentar... é isso que eu entendo por trabalho! (Fabiana, Diretora da empresa de
Educação Corporativa)

Assim, a autorrealização e o compartilhar, contribuir ou a possibilidade de agir no


mundo são fatores que determinam o sentido do trabalho junto aos valores individuais.
Esta foi a única entrevista que a necessidade de ganhos financeiros não foi abordada
como parte do sentido do trabalho.

Dos cinco entrevistados, dois também se referem ao propósito como sentido do


trabalho. Não apenas as entrevistas, mas também os artigos lidos para o presente
trabalho apontam para uma grande dificuldade em esclarecer as diferenças e definir
o conceito de propósito.

A partir das análises dos trechos das entrevistas, podemos perceber que o sentido do
trabalho está intimamente relacionado à necessidade financeira, aos valores
individuais e à possibilidade de agir no mundo, ou seja, compartilhar este sentido do
fazer. Também é importante ressaltar a mudança do sentido do trabalho com o tempo,
assumindo a flexibilidade e mudança do próprio indivíduo e modificando o que faz
sentido a partir das suas experiências.

Durante a entrevista com Lucas, sócio fundador da empresa, ele deixa claro a
importância dos valores no processo de decisão de carreira:

O desafio mais angustiante que você tem que decidir na sua vida são aqueles desafios
onde colocam em jogo os teus valores. E muitas vezes você ter que renunciar, porque
o desafio não é a decisão que você toma, é aquilo que você renuncia, isso que é a
coisa mais difícil. E quando coloca em jogo os teus valores, é que você testa
efetivamente aquilo que te move. (Lucas, Sócio Fundador)

Sendo assim, para que possamos compreender como estes valores influenciam o
sentido do trabalho e as decisões de carreira, faremos uma análise do que motiva ou
motivou as decisões de carreira dos participantes baseada nos valores individuais.
119

Eixo 2 – Impacto dos Valores nas Decisões de Carreira

Considerando os valores como o fator determinante do comportamento e interação do


indivíduo com o mundo (relações, natureza e ambiente), priorizaremos, neste eixo, a
análise dos valores que determinaram decisões de carreiras. Isso porque os valores
de cada um impactam no que priorizam em relação a suas carreiras e projetos.

Referindo-se ao modelo das organizações em que trabalhou, Daniel faz um balanço


do tempo que esteve em uma carreira corporativa apontando que:

Desde que eu entrei na carreira corporativa, tinha muita coisa boa, mas tinha assim
esse enlatado... das nove às seis, do horário, do... sempre... e isso me... sempre
gerava questionamentos (...) Mas sempre dava uns altos e baixos, porque tinha a
parte muito legal, mas tinha a parte do mundo corporativo que às vezes era muito
desgastante, muita politicagem... às vezes falta de autonomia, às vezes coisas...
enfim... coisas que eram muito engessadas... muito corporativo. Mas é uma escola,
eu tenho uma... uma percepção minha que eu acho que para todo mundo, mesmo
aqueles que são empreendedores natos... que cara... seria obrigatório ter uma
vivência em uma empresa grande. Acho que a gente aprende muita coisa. (Daniel,
Diretor da Empresa de Educação para Riscos)

Após passagem por diversas empresas de segmentos diferentes, Daniel optou por
sair e empreender. Diante desta escolha de carreira, podemos compreender que
apesar da experiência de aprendizado que o motivava, existia um valor relacionado à
qualidade de vida. Inclusive, quando se refere ao engessamento do modelo e da
pouca flexibilidade usa a expressão “muito corporativo” como um adjetivo, para
expressar a sua insatisfação com a dinâmica e formato do trabalho. Podemos associar
também outros valores que contribuíram para esta decisão como a autonomia e
liberdade visto que o horário “enlatado” reflete esta baixa possibilidade de realizar o
trabalho gerenciando o seu tempo e dividi-lo com outros interesses. Assim,
independentemente do crescimento, reconhecimento e ganhos financeiros, o trabalho
conflitava com valores fundamentais para Daniel. Portanto, direciona a sua carreira
para projetos que o permitam equilibrar a qualidade de vida, autonomia e liberdade:

São coisas que assim, eu sempre valorizei... sempre... então talvez a minha carreira
foi sendo direcionada para essas coisas que permitiam isso né. (Daniel, Diretor da
empresa de Educação para Riscos)

Ser empresário, nesse sentido, é uma possibilidade de ter controle e dimensionar


aquilo que faz.

Os valores são extremamente pessoais, por isso, a investigação do que cada


indivíduo prioriza perante sua trajetória de carreira é fundamental para que possamos
compreender o que cada um prioriza quando está diante de uma experiência. A
tomada de decisão e como agir depende inicialmente dos valores individuais e dos
limites que enxergam em relação a estes valores. Por exemplo, Lucas também aborda
a liberdade como um dos fatores determinantes para sua decisão de empreender,
porém a relação que faz é diferente da de Daniel. Conforme trecho abaixo, cita
claramente três valores que o fizeram flexibilizar o sentido do trabalho como uma
sequência de conquistas primeiro ligadas à sobrevivência, depois associadas a
120

segurança e conquistas materiais, status e a autorrealização apenas no fim deste


percurso:

Acho que três coisas foram fundamentais e são fundamentais ainda hoje: a primeira,
independência né, eu sempre fui um espírito livre e em determinado momento eu
entendi que na empresa eu nunca controlaria a minha felicidade. Eu sempre estaria
condicionado a alguém ou a uma estrutura, e é correto que seja assim, [o] que não
me permitiria ser o protagonista da minha própria história, dos meus acertos e dos
meus erros. Então a questão da independência foi uma questão fundamental. Um
outro aspecto além da independência, acredito que foi propósito né, quer dizer, a
empresa, no mundo corporativo eu no máximo conseguia compartilhar dos propósitos
da empresa, mas nunca perseguir os meus próprios propósitos, o que significava... e
o que eu queria fazer né, e o que era a minha missão, o que eu entendia que era a
minha missão na... na minha vida... na minha vida aqui. E esse propósito era junto
com a independência era ser o responsável pela minha felicidade e pela minha
infelicidade né, então a ideia era ser sujeito da minha própria história e não objeto de
uma grande estrutura, de uma corporação etc. E o terceiro aspecto, é a questão da
humanidade, de poder criar relacionamentos verdadeiros e autênticos. Não precisar
fazer o jogo corporativo, não precisar fazer o jogo de carreira... não precisar fazer o
jogo político né, poder ter relacionamentos abertos e verdadeiros. Ser autêntico, me
propiciava liberdade e a liberdade me propiciava ser autêntico. Então essas três
coisas é que me motivaram a correr mais risco e deixar todas as comodidades, as
seguranças, e até sacrificar um pouco aquelas necessidades básicas de segurança
etc. (Lucas, Sócio Fundador)

Como valores Lucas coloca a independência e possibilidade de criar a empresa do


seu jeito como algo fundamental uma vez que se sentia limitado nas empresas em
que trabalhou. Essa possibilidade de ter o controle da própria vida e felicidade, sendo
o autor da sua própria história também se relaciona com uma necessidade de
autogestão da carreira.

Conforme exploramos no capítulo sobre carreiras, diversas transformações sociais,


culturais e econômicas culminaram para que o indivíduo se sentisse responsável não
só pela sua trajetória de carreira, como também pelo processo de aprendizagem e
desenvolvimento de habilidades. Um outro ponto que aparece é a questão da missão
e de ser responsável pela sua própria felicidade. E, como terceiro fator, a autenticidade
é determinante para o seu processo de decisão, uma vez que a organização na sua
perspectiva o impedia de estabelecer relacionamentos verdadeiros por causa do que
chama de “jogo corporativo”. Assume, portanto, que grandes organizações exigem um
jogo político e não são verdadeiras ou transparentes em relação aos relacionamentos.
Diferente do Daniel que tinha como valor a qualidade de vida mediando as suas
decisões de carreira, Lucas também aborda a liberdade, mas relacionada à
possibilidade de ser o autor da sua história.

Mais uma vez, ressaltamos aqui a abordagem do propósito confusa entre valores e
missão e objetivo (noção de finalidade). Lucas aponta três fatores determinantes para
a sua decisão de carreira sendo o segundo o propósito. Assim, enquanto fala dos
valores que suas decisões estavam pautadas, também explica seu desejo de
“perseguir” o seu próprio propósito. Assim percebemos a noção de finalidade ou
objetivo relacionada ao conceito. Em seguida, relaciona o propósito a sua missão.
121

Como existem muitas definições associadas ao propósito vistas já no mapa de


propósito no presente trabalho, é natural que as pessoas e os participantes desta
pesquisa misturem o conceito ou o abordem de uma maneira pouco específica. Assim,
o conceito se torna superficial e amplo o que resulta em uma dificuldade ainda maior
de estabelecer um conceito único na área.

Para Flora, existe também o valor de qualidade de vida e liberdade, porém associados
aos desafios e às conquistas:

Chegava nos dois anos, dois anos e meio, eu já começava a ter uma coisa assim que
parecia que eu já tinha feito o que deveria ser feito... eu não tinha mais o que ser
conquistado. Era um... e eu comecei a perceber, quando eu mudei de emprego, que
esse era o prazo, era um impulso para uma novidade sabe? (...) é diferente de você
ser dono do seu negócio, porque sendo dono do seu negócio, você fica. Porque você
mesmo se provoca desafios a todo momento, agora você ser o trabalho formal (...) do
jeito que eu vivi, horário para entrar... todas aquelas responsabilidades, aquela coisa
corporativa, aquela hierarquia toda... aquilo sempre me incomodou para falar a
verdade. Eu sempre achei um grande teatro... muitas vezes para eu não ficar mal, eu
olhava assim e ficava imaginando as pessoas estão dentro de um teatro (...) acho que
hoje eu tenho o trabalho dos meus sonhos, por conta da qualidade de vida que eu
tenho e por conta desse exercício de liberdade né? (Flora, Diretora da empresa de
Educação para Riscos)

Podemos observar que existe, para Flora, uma necessidade de mudança e um valor
associado a novidade e conquistas. Também aparece em seu relato a insatisfação
com as organizações em que passou associada à hierarquia e à baixa possibilidade
de liberdade e qualidade de vida. Este teatro a qual se refere também nos remete ao
discurso de Lucas, trazendo a impossibilidade de ser autêntico no ambiente de
trabalho. Sendo assim, as decisões de carreira de Flora foram tomadas considerando
a possibilidade de um novo desafio, ou a conquista de algo novo, o que podemos
associar a um valor de curiosidade e vontade de aprender coisas novas.

Os valores não impactam apenas nas decisões de carreira, mas também se articulam
e definem a própria existência de sentido atribuída ao fazer.

Eu comecei a ter crises existenciais do trabalho, em relação ao trabalho. Por quê? Foi
ali que deixou de ser diversão (...) eu fui head de cobrança com 24 anos... eu não
estava preparada, sinceramente... eu não tenho vergonha de falar... erraram! Não era
para eu ter ido para aquela cadeira naquele momento, e eu fui com muita
insegurança... aquilo foi me pressionando muito, sabe, por dentro... foi horroroso... foi
horroroso. E aí, eu tive aquela crise de... eu lembro que eu fui entrar em uma reunião
e meu coração começou a acelerar tanto que eu achei que eu estivesse tendo um
ataque cardíaco... e eu fui pro hospital. (Flora, Diretora da empresa de Educação para
Riscos)

Uma vez que Flora começa a vivenciar situações de sofrimento em relação ao trabalho
e sentir a pressão e hierarquia como predominantes no seu dia a dia, perde a diversão
que é a própria definição do sentido do trabalho usada por ela como já ressaltado no
eixo 1 de análise do sentido do trabalho. Além de perder o sentido, essa experiência
também gera um impacto na saúde com diversas consequências e desdobramentos
122

emocionais. Assim, entendemos que os valores impactam a experiência que


vivenciamos e como reagimos a ela, com isso, existe um impacto direto na percepção
do sentido do trabalho.

Alexandre também relata uma experiência semelhante de sofrimento no trabalho,


porém baseada em valores diferentes. Diante de uma experiência como funcionário
de uma rede de fast-food em que trabalhou lembra que:

A hora que eu tenho que ficar carregando saco de lixo, carregando caixa de frango,
selando carne no negócio sendo queimado com óleo, não sei o que... eu falei isso
aqui não é para mim, eu tenho uma inteligência... apesar de que na época eu tinha 16
anos, mas aquilo para mim era uma agressão né?! (Alexandre, Diretor da empresa de
Educação Digital)

Esta reflexão nos permite reconhecer o uso da inteligência no que se faz como um
valor fundamental tanto que, uma vez não utilizada, é considerada por Alexandre
como uma agressão. Entendemos, portanto, que quando um trabalho fere nossos
valores pessoais e a autoavaliação da própria capacidade individual, existe um
impacto direto no sentido do fazer e no grau de sofrimento que o indivíduo experiencia.
Outros valores que Alexandre prioriza estão associados à honestidade e à
meritocracia:

Um outro valor que para mim... também impactou nas decisões profissionais é
honestidade... politicagem... a politicagem no sentido de um querer puxar o tapete do
outro, ou seja, eu vou subir independentemente do que eu preciso fazer para isso,
então isso eu vi muito no [CITA O NOME DO SEGUNDO BANCO EM QUE
TRABALHOU]... tinha muito essa questão, não tinha tanto a meritocracia... tinha
muito... tinha também, mas essa coisa da politicagem sem necessariamente envolver
competência passou a me incomodar e passou a me incomodar a limitação que a
empresa dá, eu trabalhava na área de marketing e eu lembro da sensação de que o
meu... eu cheguei parecia que eu estava dentro do universo e as paredes começaram
a se fechar, e eu comecei a poder usar pouco novamente as capacidades que eu
achava que eu tinha. E aí eu comecei a me limitar... quando eu percebi que e comecei
a me limitar e comecei a viver a mesquinhez do mundo corporativo, e da hierarquia e
cheguei no momento de ser confrontado não pela minha competência, mas
simplesmente por uma questão hierárquica, isso pegou. (Alexandre, Diretor da
empresa de Educação Digital)

A meritocracia entendida como o retorno e reconhecimento pelo mérito está pautada


na crença de que a organização não é justa com os colaboradores. Além dos
resultados e performance, o indivíduo deve também exercer um lado de “politicagem”,
ou seja, agir conforme os interesses de alguém específico, como um chefe, para
agradar. Este incômodo de limitação da liberdade também é citado pelos três
participantes entrevistados e suas narrativas analisados anteriormente. Por fim, esta
agressão aos valores individuais também resultou em um sofrimento físico e
psicológico em relação ao trabalho e ao sentido do trabalhar à medida que sentia que
as paredes estavam se fechando e após a sua saída voltou aos poucos a reconhecer
e usar as habilidades que valorizava e possuía.

Por fim, durante a entrevista, Fabiana cita que:


123

é importante a gente sobreviver como empresa, é obvio isso tem sempre que olhar,
mas eu vou passar por cima de certas coisas? Não vou, então... né... (Fabiana,
Diretora da empresa de Educação Corporativa)

Com uma carreira menos organizacional, Fabiana relata experiências de uma outra
perspectiva. Formada em química, teve durante alguns anos uma carreira como
pesquisadora, professora de escolas construtivistas e, após o nascimento do seu filho,
se dedicou ao trabalho voluntário, só depois de alguns anos que se tornou sócia da
empresa. Mesmo assim, impõe um limite relacionado aos seus valores no trabalho,
questionando o faturamento e resultado da empresa em equilíbrio com os seus
valores.

Durante sua trajetória teve a oportunidade de fazer diversos cursos sobre liderança e
trabalhos de autoconhecimento. Em um dos cursos, Fabiana relembra:

foi muito interessante dois exercícios que me impactaram muito, que foi o desenho da
linha da vida... você vai desenhando... e você vai “linkando” o que, quais são os
valores né, que alimentaram aquela subida ou aquela descida tal... e aí acabou ficando
muito claro para mim que eu tinha embasado a minha vida em crenças e valores que
não eram meus. (Fabiana, Diretora da empresa de Educação Corporativa)

Este processo de aprendizado não pela experiência, mas pelo autoconhecimento


também permite a compreensão dos valores que pautam suas escolhas e decisões.
Neste momento do exercício Fabiana é consciente dos valores que a influenciavam e
sustentavam diversas escolhas que não eram suas, mas sim construídas a partir de
expectativas sociais.

A análise deste eixo nos permite compreender a influência dos valores individuais na
carreira e os limites pessoais uma vez que todos entendem o dinheiro e necessidade
de sobrevivência como um fator importante, porém, deixam claro que existem alguns
valores dos quais não abrem mão. Assim, optam por flexibilizar os ganhos, status,
possibilidades de crescimento de carreira e segurança para priorizar a qualidade de
vida, liberdade, autonomia, autenticidade, inteligência, meritocracia entre outros,
considerando o limite e impacto que estes valores possuem no sentido do fazer de
cada um. Também podemos inferir que, devido às experiências, sejam elas no mundo
corporativo ou em contexto de cursos, palestras e trabalho voluntário, é possível
aprender sobre si e ter consciência do que é importante individualmente.

Eixo 3 – O Conceito de Carreira

Compreendendo o sentido individual do trabalho e os valores associados a ele, é


fundamental para o presente trabalho analisar a percepção sobre o conceito de
carreira dos participantes e buscar entender se ainda estão ligados a um modelo
hierárquico (escada) ou se a carreira contemporânea já é uma realidade para este
grupo de participantes entendendo a noção de flexibilidade, autogestão, mobilidade,
diversas atividades e projetos simultâneos e outros pontos explorados no capítulo
“CarreiraS”.
124

A percepção dos participantes em relação à carreira é algo fluido, que vai acontecendo
e sendo desenhada conforme as experiências e o tempo que se dedicam a atividades
produtivas. Portanto, uma primeira visão é que não está apenas associada a um
planejamento ou sucessão de escadas já desenhadas pelas organizações.

Daniel fala da sua trajetória de carreira a partir deste movimento contínuo, não
direcionado que ao mesmo tempo que promove novas oportunidades e experiências,
também leva ao aprendizado à medida que aprende sobre si e sobre a atividade.

Nunca muito direcionei qual seria o trabalho e tal, as coisas foram acontecendo (...)
uma vez bancário... fui... sendo bancário... e aí as coisas foram acontecendo. Falar:
“você direcionou para a área de risco?” não direcionei para nada, eu entrei na área de
risco e foi assim no cartão [CITA O BANCO ONDE TRABALHOU], aí saí do [BANCO
ONDE TRABALHOU] e fui para o [OUTRA EMPRESA DO SEGMENTO BANCÁRIO],
eu entrei na área de cobrança, estavam estruturando a área de cobrança inteira,
contratando sistema, implantando sistema de cobrança, implantando política, regra,
não tinha nada... contratando empresa, terceirizando... enfim, foi uma grande escola
(...). (Daniel, Diretor da empresa de Educação para Riscos)

A partir deste movimento de carreira e possibilidade de aprendizado, Daniel reflete


sobre dois modelos de carreira: organizacional e empreendedora, deixando claro sua
visão em relação às diferenças de estar dentro de uma empresa e de construir as
próprias regras do negócio.

Entrei como analista júnior, depois sênior, pleno, sênior, blá-blá-blá aí fui pra analista
sênior... fui pra crédito... aí de lá eu fui pra microcrédito, onde fiquei dois anos e aí eu
já fui efetivado, fui promovido como gerente do microcrédito... para estruturar toda a
parte de cobrança do microcrédito... e aí... depois me chamaram de volta para ser
gerente da área de cobrança (amigável), que era a área onde eu tinha feito toda a
parte inicial de analista (...). (Daniel, Diretor da empresa de Educação para Riscos)

Neste momento, Daniel reflete sobre a carreira corporativa usando a perspectiva mais
tradicional associada à sucessão de posições hierárquicas. Reflete o processo de
início como analista e sua trajetória ascendendo a posições de maior prestígio e status
dentro da empresa. Essa subida, como uma escada, nos dá a sugestão que o modelo
das empresas ainda é prioritariamente organizado, dividido e estruturado em posições
sequenciais e, à medida em que o indivíduo avança, agrega novas responsabilidades
a sua função. A partir da decisão de empreender, Daniel reflete também sobre as
dificuldades de romper com o modelo tradicional de carreira e se adaptar a um novo
contexto:

Os primeiros seis meses eu demorei muito para me adaptar né, porque mudou
completamente... uma hora você ganha ou não ganha nada, uma hora você fatura,
[outra] hora você não fatura... muito sazonal né... a gente ainda não tinha acertado
muito a mão de como era o modelo da consultoria (...) E aí eu me boicotava muito,
entendeu? Porque tinha horas que você tem tempo livre, e aí eu ao invés de aproveitar
esse tempo livre, eu ficava martelando o dedo falando “cara, mas poxa, que
vagabundagem, quarta-feira à tarde, e eu aqui fazendo “nothing”, e nesse horário eu
deveria estar trabalhando né, então teve duas coisas que foram difíceis assim, uma
coisa é você saber equilibrar esse seu tempo livre, não boicotar a você mesmo e a
125

outra coisa é a questão financeira né, porque assim... durante os 12 anos que eu
trabalhei em banco, todo dia 25, sei lá, dia 28 o dinheiro cai, o plano de saúde está lá
(...) e na consultoria não é bem assim... então isso para mim foi um tempo de conflito
assim (...) então é um grande aprendizado de empreendedor. (Daniel, Diretor da
empresa de Educação para Riscos)

Portanto, podemos compreender a partir deste trecho um modelo mental associado a


uma carreira mais estruturada, com possibilidade de segurança, horário organizado e
planejado e remuneração fixa. Como vimos anteriormente no eixo de valores, mesmo
considerando a qualidade de vida e tempo livre para outras atividades como uma
necessidade, quando isso se concretiza e Daniel passa a ter este tempo, existe um
período de adaptação. Se sente culpado por estar sem fazer nada em um dia
“produtivo” dentro da empresa, ou por não estar trabalhando em um momento em que
todos os outros estão. Também existe a dificuldade em romper com a segurança
financeira e passar por um momento de insegurança. Isso porque no modelo
empreendedor não existe uma data fixa para receber ou sequer um valor combinado
de partida com benefícios, como plano de saúde, bônus etc.

Ainda pensando a partir da perspectiva da carreira de Daniel, quando abordamos a


carreira contemporânea ou o modelo de carreira que para ele faz sentido hoje,
entendemos dois principais aspectos: a atividade alinhada ao sentido individual e o
desejo de agir e compartilhar aquilo que aprende.

Eu tenho vontade de ter outro negócio ou outros negócios, só que de novo, eu não
vou entrar em nenhum negócio que não me satisfaça, não quero entrar em nada que
seja oportunidade financeira, oportunidade de dinheiro (...) pode até ser que eu queira,
hoje eu não quero. E uma outra coisa que eu queria muito, que até hoje eu não
consegui me organizar para... e aí às vezes é de talvez de dedicar tempo, de... que é
como é que a gente pode contribuir para pessoas que não têm esse acesso... né...
que... como que a gente pode fazer algum voluntariado... e eu acho que a gente
trabalha numa empresa de educação e é onde o nosso país falha... então como a
gente poderia contribuir, como a gente conseguiria doar um pouco do que a gente tem
aqui, dentro dos temas que a gente tem... para que as pessoas possam empreender
melhor. (Daniel, Diretor da empresa de Educação para Riscos)

Assim a atividade que realiza hoje precisa fazer sentido para Daniel além de existir
um desejo de impactar outras pessoas compartilhando aquilo que aprendeu durante
a sua trajetória profissional. Neste relato também percebemos atividades paralelas e
complementares, sendo que não existe mais apenas uma atividade considerada como
carreira, mas diversas atividades coexistindo. Isso pois Daniel já é sócio de um
negócio, mas tem vontade de abrir outros negócios alinhados aos seus valores e que
façam sentido para ele além de dedicar parte do seu tempo para projetos voluntários
compartilhando conhecimento e preocupando-se em como melhorar os negócios a
partir da educação, propiciando a mais gente empreender com sucesso. Como
resultado da carreira, espera hoje não apenas ganhar dinheiro com o que faz, mas
estabelecer relacionamentos verdadeiros e impactar as pessoas e ambiente ao seu
redor.

Este raciocínio de uma carreira mais aberta também está presente no relato de Lucas
que compreende a carreira plural como um fator determinante e reconhece toda
126

atividade como carreira. Em um dado momento da entrevista, após contar sobre sua
trajetória e como as coisas foram acontecendo diante do seu momento, seus valores
e atividades, explica a carreira como um processo que depende mais do estilo de vida,
das oportunidades que o indivíduo escolhe, dos valores individuais do que de uma
organização:

Por que que eu estou contando tudo isso? Porque tudo isso é carreira, né? Então
carreira é você olhar as oportunidades que te oferecem, ver se essas oportunidades...
elas... você consegue capturá-las, ver se elas estão dentro dos seus valores,
propósitos, da tua independência e aproveitar esses momentos, então assim... aquela
pergunta que você me fez no início de que carreira está ligada ao mundo corporativo
e você estar dentro de uma estrutura organizacional, não necessariamente. Todo esse
processo é carreira (...) Você antes de fazer uma opção de carreira, está fazendo uma
opção de estilo de vida e essas coisas hoje, elas estão sobrepostas né, o teu estilo de
vida, ele determina a tua carreira e tua carreira determina o teu estilo de vida (...).
(Lucas, Sócio Fundador)

Para exemplificar esta realidade, dá o exemplo de uma pessoa com quem trabalhou
e aprendeu esta possibilidade da carreira construída a partir de diversos projetos
alinhados aos valores e desejos e sentido da atividade para o indivíduo:

Uma pessoa muito sábia me ensinou uma coisa muito importante, que é a questão da
pluralidade, e no Brasil em termos de carreira, isso não é algo que é muito pensado,
muito planejado. Então você fica 30, 40 anos dentro de uma empresa, de uma
atividade, dentro de um trabalho e pensa muito pouco em alternativas profissionais
para isso. Depois você tem seus hobbies, tem sua família, mas não é isso que estou
dizendo, é de outras atividades profissionais. Você só vai pensar em outra atividade
profissional quando essa acaba, e a pluralidade hoje é de você ter muitas mais
atividades né, de você ser um empresário e em outro aspecto você tem uma atividade
acadêmica, em outro aspecto você... enfim... eu sempre dou esse exemplo, ele é um
empresário e dá consultoria, é também músico. Então na mesma agenda que ele tem
lá para os trabalhos, ele tem uma agenda como músico. Além de músico ele restaura
móveis venezianos do século XV, tem momentos que ele está restaurando móvel,
porque essa é a agenda dele. Então essa pluralidade é saudável. (Lucas, Sócio
Fundador).

Além disso, como fundador, Lucas reflete que antigamente considerava a carreira
mais aberta e flexível uma opção para quem estava diante de um momento de vida
de encerramento de ciclo profissional, os consultores costumavam estar aposentados,
ou em processo de saída do mundo corporativo. Com o tempo, percebeu que houve
um grande interesse de pessoas mais jovens por este modelo de carreira. Refletindo
os motivos que levam pessoas mais jovens a buscarem uma carreira mais aberta
mesmo com a incerteza relacionada aos ganhos, segurança e status explica, a partir
do seu ponto de vista, que:

As pessoas querem liberdade, querem ser donos do seu próprio tempo, querem ter a
opção de em uma terça-feira ir nadar sem ter que dar satisfação e justificar para o seu
chefe que isso é uma coisa boa para sua saúde, sem receber punição por isso, e mais
que qualquer coisa, principalmente quem vem do mundo corporativo, sem ter culpa
né...( Lucas, Sócio Fundador)
127

Ainda sob essa perspectiva, também comenta a mudança do modelo de gestão de


carreira em que o indivíduo assume a centralidade e responsabilidade pela sua
carreira e o gestor promove o ambiente propício para que ele encontre esta
possibilidade de desenvolvimento.

Nunca me preocupei com gerenciar a carreira de ninguém... cada um é responsável


pela gestão da sua própria carreira. Eu só crio o ambiente propício para isso. Para
algumas pessoas, para outras não né. Então se coincidentemente esse ambiente é o
ambiente oportuno para esse momento de carreira que você está, ok, mas quem vai
gerenciar a tua carreira é você. E o que é gerenciar carreira? É gerenciar teu tempo,
gerenciar o teu conhecimento, gerenciar as tuas atividades enfim... (Lucas, Sócio
Fundador)

Sob a perspectiva da gestão de pessoas, Alexandre, diretor da empresa de Educação


Digital também reflete a importância de um espaço de autodesenvolvimento e
considera este o seu principal desafio como gestor:

Essa carreira de ser dono, ela passa pelo quê? Gerir pessoas, fazer a gestão de
pessoas eu já li algumas coisas, mas para mim, o que sempre ficou marcado que é
fazer a gestão das pessoas com sucesso é essas pessoas crescerem (...) hoje eu sei
que eu tenho que fazer essa empresa dar resultados e isso só vai funcionar se os
talentos se manifestarem e também se eu conseguir trazer os talentos que eu
preciso... e aí tem uma série de coisas, mas o desafio da minha carreira eu acho que
é isso... e talvez isso vai me... me dar as condições de ser de fato um... ser de fato o
gestor desse negócio... eu tenho esse desafio. (Alexandre, Diretor da empresa de
Educação Digital)

Em relação ao que considera carreira, também reflete o processo como um


aprendizado e autoconhecimento. A partir das transições que realizou, Alexandre
reflete como as suas escolhas e decisões de carreira foram construindo a sua
realidade hoje. Fica claro que este processo também é um aprendizado e que há
algum tempo a carreira empreendedora não era ainda estudada ou reconhecida como
atualmente.

Essa carreira começou a tomar forma... essa nova carreira. Então eu diria que eu sai
de um empregado para ser um cara livre que era um consultor, e perder um pouco o
porquê... minha formação era marketing, eu fiz pós-graduação em marketing... de
repente eu virei um professor de sala de aula... eu virei um desenvolvedor de
conteúdo, mas aí eu comecei a ver que eu era um comercial, que eu era um
coordenador, que eu era um gestor, e aí isso começou a tomar forma.(...) Então, isso
começou a tomar forma dessa transição, então demorou... demorou. Mas,
obviamente, que depois talvez de uns dois anos, três, eu sabia que eu não seria mais
empregado formal, eu sabia que para lá eu não voltaria, mas eu não tinha ainda muita
certeza do que eu era. (Alexandre, Diretor da empresa de Educação Digital)

Nesse período também encontrou alguns desafios em relação ao modelo tradicional


e muitas vezes se questionou se tinha tomado a melhor decisão para a sua carreira.
Tanto Daniel quanto Alexandre, demonstram uma insegurança neste movimento
empreendedor relacionada aos ganhos financeiros, estabilidade e segurança, mas
128

também deixam claro que estão felizes com esta opção de carreira e não abririam
mão se tivessem a oportunidade.

Com o passar do tempo, eu tive momentos de crise... porque faltou trabalho, poxa,
porque eu olhava e via os que trabalhavam comigo e falava: “putz e se eu tivesse
ficado lá hein? Eu ia estar ganhando...” Eu tinha uma previdência privada lá no [CITA
O NOME DO SEGUNDO BANCO EM QUE TRABALHOU]... eu tive momentos de
crise financeira e nessas horas você não tem estabilidade né. Não que no mundo
corporativo você tenha, mas é diferente... quando você está empregado, você ganha
décimo terceiro, férias... auxílio... Eu banco meu plano de saúde e dos meus filhos há
16 anos e não é pouco, então eu aprendi a ser independente nesse sentido, só que
demorou para que, da coisa de eu ser o cara que trabalha em casa, que não tem
horário e não sei o que, para de repente o cara que não sabe se escolheu bem ou se
tomou a decisão certa. (Alexandre, Diretor da empresa de Educação Digital)

A entrevista de Fabiana, diretora da empresa de Educação Corporativa, também


retoma a ideia da carreira como um conceito mais amplo que permite compreender o
conceito de trajetória de carreira, ou a carreira como o processo que se faz a partir
das atividades realizadas.

Acho que para mim a carreira é a forma como você se expressa, uma das formas
como você se expressa no mundo (...) eu me lembrei muito da [CITA O NOME DE
UMA ORGANIZAÇÃO COLABORATIVA SEM FINS FINANCEIROS]... que uma das
primeiras reuniões estava todo mundo em transição de carreira né, e eu achei muito
engraçado, porque eu estou em transição de carreira e tinha 30 pessoas e todo mundo
estava em transição de carreira... e eu não sei se essa palavra é uma palavra legal,
sabe? Porque eu acho não existe transição de carreira, existe carreira né, então
assim, hoje você está aqui... não tem transição... não precisa pensar né... não sei se
porque o meu movimento foi muito... sem planejar, é engraçado isso, foi meio não
planejado... meio assim, eu tenho talvez essa visão, mas cara, carreira é aquilo que
você faz (Fabiana, Diretora da empresa de Educação Corporativa).

A partir deste relato, podemos compreender a dimensão da ação e o impacto nos


ambientes e relações inseridas neste contexto, pois essa expressão no mundo está
relacionada à possibilidade de ser percebido e afetar esta dinâmica a partir do que se
faz. Também reflete sobre os aprendizados e o processo como algo fluido, móvel em
que não houve um planejamento específico. Esta imprevisibilidade e movimento é um
aspecto central da carreira uma vez que é um fenômeno em mudança constante e
que faz parte do movimento de construção, reconstrução e autoconhecimento do
indivíduo. Pensando especificamente nos resultados que espera de sua carreira, não
estão relacionados a um fator financeiro:

Acho que o grande indicador do sucesso é a minha serenidade né... quando eu estou
serena, quando eu estou... a harmonia que eu tenho com o meu entorno, com os meus
relacionamentos... e quando eu falo relacionamento, não é só com as pessoas, é
relacionamento com o trabalho, é relacionamento com a natureza... quando eu sinto
que essa harmonia ela está acontecendo... essa leveza... eu sinto que eu tenho
sucesso (...). (Fabiana, Diretora da empresa de Educação Corporativa)
129

Fabiana ressalta esta possibilidade de estar conectada não apenas com as relações
e pessoas, mas também com a natureza como o resultado esperado da sua carreira.
Sendo assim, prioriza a serenidade e harmonia com o entorno e associa este resultado
como ter sucesso na carreira. Diferentemente dos outros discursos analisados até
aqui, refere-se ao sucesso como um estado de equilíbrio, porém estamos também
diante de uma fala em que a carreira se mostra intimamente ligada ao estilo de vida,
uma vez que as decisões e opções por uma carreira mais aberta e flexível, para
Fabiana, permitem este equilíbrio. Isso nos mostra o quanto a carreira é subjetiva à
medida que cada indivíduo interpreta a partir dos seus valores, experiências e
aprendizado o que consideram sucesso e priorizam em relação as suas decisões.

Também a partir deste movimento constante de carreira e de vida, Flora, diretora da


empresa de Educação para Riscos, relata que em sua trajetória o processo aconteceu
de maneira fluida sem planejamento prévio e reflete o quanto aprendeu com este
processo considerando o trabalho como uma escola da perspectiva do
autodesenvolvimento e autoconhecimento:

E aí tudo foi indo... não é que eu... eu nunca na minha vida, em nenhum momento, eu
pensei assim... olha, nunca! Na parte de trabalho... “eu quero fazer isso” e fui fazer,
nunca! Tudo foi acontecendo (...) e comecei a trabalhar no [CITA O NOME DE UM
BANCO MULTINACIONAL EM QUE TRABALHOU], e foi a maior escola da vida e
todas as pessoas que trabalharam comigo no [REFORÇA O NOME DO BANCO
MULTINACIONAL EM QUE TRABALHOU], na área de risco, quando a gente se
encontra, a gente fala: “aquilo que a gente viveu lá, não existe em lugar nenhum”,
porque não parecia trabalho, era demais (...). (Flora, Diretora da empresa de
Educação para Riscos)

Quando decidiu sair do banco em que trabalhava e pedir demissão após um período
de sofrimento, reflete sobre o processo de busca de uma nova atividade que fizesse
sentido e deixa claro a sua necessidade de colocar em prática tudo o que havia
aprendido na sua trajetória até o dado momento.

Comecei a procurar um monte de franquia, fiz um monte de pesquisa, mas nada me


pegava... fiquei pensando: “gente, mas vou jogar fora tudo, todos esses anos e esse
conhecimento, como é que... né? Eu jogo fora assim?” Aí pensei: “vou fazer
consultoria de cobrança, de estratégia de cobrança de sistema... para as empresas
de cobrança”. (Flora, Diretora da empresa de Educação para Riscos)

Neste momento, podemos compreender como as experiências promovem novos


aprendizados e a partir deste aprendizado vem um impulso para a ação, colocar em
prática e impactar os ambientes e pessoas inseridas neste contexto. Diante de um
processo de reflexão, Flora se conscientiza do que fez sentido em relação as suas
experiências anteriores que foram decididas e escolhidas a partir dos seus valores e
desenha uma possibilidade de agir no mundo. Ou seja, a partir dos valores e
aprendizados das experiências que vivenciou, constrói um projeto futuro de carreira.

Para que este projeto fosse concretizado, Flora também reflete o processo de
autogestão e desenvolvimento de novas habilidades e competências que precisou
buscar ou aprender:
130

Eu demorei a perceber que trabalhar com que eu nem chamava de educação, eu


chamava de treinamento, naquela época trabalhar com treinamento requer outros
skills que eu vou ter que buscar... ou eu aprender ou eu trazer alguém que pudesse
ajudar nisso. (Flora, Diretora da empresa de Educação para Riscos)

A partir da análise do significado do conceito de carreira para os participantes da


pesquisa, podemos perceber que a carreira contemporânea não é uma questão
geracional. Ou seja, não são apenas os que chegam agora no mercado de trabalho
que percebem a carreira de outra forma mais flexível, aberta, centrada no indivíduo e
principalmente como um processo de construção de conhecimento e ação no mundo.
Vemos que a carreira entendida apenas como possibilidade de sustento, ganho
financeiro, status e segurança abre portas para novas construções e ampliação do
conceito. Assim, a carreira não é da organização. É do indivíduo que gerencia seus
valores, seus aprendizados e conhecimentos, seus projetos e escolhe agir de acordo
com o sentido da atividade que realiza.

Considerando a carreira como um processo subjetivo, também se faz necessário


buscar a compreensão do modelo e modelo de carreira para cada indivíduo, por isso
que atualmente falamos em carreiras no plural. Pois além do indivíduo realizar
diversas atividades diferentes a partir dos seus interesses, também não existe um
modelo único que podemos considerar acerca da carreira.

Do que pudemos perceber em relação aos relatos dos participantes sobre a carreira
contemporânea é que os resultados reconhecidos não são mais os mesmos da
carreira tradicional em que uma carreira de sucesso é medida pelo status e pelo
reconhecimento financeiro. Outros fatores ou recompensas estão presentes
atualmente como a qualidade de vida, o equilíbrio, o sentido do que se faz, a liberdade,
a harmonia, entre outros. Também precisamos considerar o processo de aprendizado
como uma questão central na carreira contemporânea. À medida que se deparam com
situações ou problemas complexos, que os indivíduos não possuem repertório,
buscam as competências e habilidades que lhes faltam. Até pela pluralidade das
atividades que realizam, muitas vezes o aprendizado da faculdade ou que o preparou
para determinada atividade não é suficiente. Também pela velocidade da informação,
o aprendizado é contínuo e autodirigido nas carreiras contemporâneas.

Entendendo que a carreira contemporânea abre espaço para novos significados,


resultados e aprendizados, exploraremos a seguir o conceito do propósito em relação
a carreira. Como os participantes da pesquisa compreendem este conceito e
relacionam com as suas atividades.

Eixo 4 – O conceito de Propósito

Neste eixo, iremos explorar como os participantes elaboram o propósito de carreira e


o que pensam em relação ao conceito. Como existem diversas maneiras e
perspectivas de abordagem até agora veiculada nos negócios, empresas e mídias,
nos interessa particularmente compreender também qual é a definição que o indivíduo
prioriza para que possamos clarear a relevância do propósito como um conceito em
si e não apenas novas formas de abordar o sentido, missão, valores individuais.
131

É importante reforçar que o conceito de propósito que esta pesquisa propõe no


capítulo teórico (“Este Capítulo É de Propósito”) sobre o tema foi construído a partir
da revisão da literatura disponível e análise destas entrevistas que contribuíram para
que pudéssemos compreender todas as dimensões associadas ao conceito. Assim,
analisaremos o conceito utilizado por cada participante, partindo da definição do
propósito como a consciência da transformação em ação. Ou seja, a soma das
experiências, do autoconhecimento via os aprendizados e a motivação para agir ou
colocar em prática estes aprendizados afetando os ambientes e relações inseridas
neste contexto.

Assim, Daniel se refere ao seu propósito de carreira como:

acho que é contribuir nessas três frentes: de formar time, de diversificar cliente, de...
e tem essa parte de administrativo, de financeiro que é uma coisa que eu tenho muita
facilidade e gosto. (Daniel, Diretor da empresa de Educação para Riscos).

Também aborda uma questão de trabalho voluntário explicitando a vontade de


contribuir em um contexto social a partir do compartilhar dos seus aprendizados.

Como que eu poderia... são coisas que estão aqui dentro de casa... coisas que, sei
lá... gestão de risco, gestão financeira, gestão de negócio... um monte de conteúdo
que a gente fez já para grandes empresas, e que poderiam ser perfeitamente
adaptados para a turma que está querendo empreender... desde a molecada jovem,
que tem estudo, que tem acesso, mas que está... sei lá... que não teve esse
direcionamento... até pro pessoal que não tem acesso a nada, que é um
empreendedor natural. (Daniel, Diretor da empresa de Educação para Riscos)

Se analisarmos a perspectiva de Daniel, concluímos que se refere ao propósito


primeiramente como uma finalidade ou um objetivo. Sendo assim, está associado a
cumprir com o seu papel e responsabilidades como diretor nas funções que atua. Em
seguida, associa o conceito à contribuição social. Assim, aborda o propósito como um
desejo de contribuir não apenas no que faz relacionado ao contexto do trabalho, mas
também de expandir este aprendizado com a sociedade, ajudando a construir um
sentido maior para as suas experiências.

Existe, assim, um movimento a partir dos seus valores que influenciam no processo
de decisão de carreira, que reflete no autoconhecimento em relação aos aprendizados
das funções e habilidades que possui, como o relacionamento com o time e com os
clientes, a facilidade para os cálculos e área financeira e, por fim, a capacidade de
agir afetando os ambientes e relações tanto do seu trabalho como a partir de um
projeto futuro de compartilhar com a sociedade aquilo que aprendeu.
O propósito é, portanto, a consciência da transformação em movimento que permite
refletir os aprendizados e significados que experimentamos a partir dos nossos
valores e contribuem para uma nova tomada de decisão com mais sentido para o
indivíduo.

No relato de Lucas, vemos que dependendo do contexto, utiliza o conceito de


propósito de forma diferente. Primeiro associado a um objetivo, em que a finalidade
de sua fala está relacionada ao crescimento da empresa e possibilidade de
compartilhar com outras pessoas estas valores e objetivos.
132

Hoje, a minha visão da carreira do empresário é você criar uma estrutura onde você
consiga ter pessoas que compartilhem esse propósito, onde você tenha mais trabalho
para que mais pessoas possam compartilhar isso né, então hoje qual é o meu objetivo
de carreira? É fazer com que minha empresa cresça, que mais pessoas participem
disso, que mais pessoas compartilhem dos valores que essa empresa se propõe.
(Lucas, Sócio Fundador)

Em um segundo momento, Lucas usa o propósito como um sinônimo de sentido:

Bom, com o desenrolar da tua experiência profissional eu acredito que o trabalho vai
mudando de sentido, vai mudando de propósito. (Lucas, Sócio Fundador)

Esta é a maneira mais comum e popular relacionada ao uso do conceito como


sinônimo de sentido. Existe, entretanto, neste relato algo que é essencial no conceito
de propósito, assim como para o conceito de sentido: a mobilidade. O indivíduo se
modifica, sua carreira se modifica, o propósito se modifica e o sentido do trabalho
também. Isso ocorre porque, à medida que existe a consciência deste processo de
transformação e um impulso para ação − que é o propósito – permite que o indivíduo
tome decisões e aja em direção a algo que faça ainda mais sentido para ele.

Alexandre, diretor da empresa de Educação Digital, também usa a definição do


conceito de propósito como objetivo ou finalidade, mas adiciona a visão de que
existem propósitos e não apenas um, sendo que todos estão relacionados.

Então... olha, acho que o meu propósito... ele passa por... entregar aquilo que eu me
propus. Cara para mim é um propósito, porque eu decidi em algum momento da minha
vida que eu queria constituir uma família, e, com tudo que isso implica e eu não tinha
ideia do que isso implicava. Eu tenho um propósito ali, porque eu tenho pessoas que
dependem de mim, mas que também estão sendo formadas por mim, estão também
me formando... Tem uma troca... a relação (...) Somado a esse propósito eu tenho um
outro propósito que é eu ter o que eu chamo de realização pessoal. O que é hoje a
minha realização pessoal? É a banda que eu tenho. O meu propósito é ser bem-
sucedido e ter sucesso no que eu faço para que também aqueles que estão a minha
volta, e que compartilham comigo isso também tenham sucesso (...) propiciar um
ambiente de trabalho com propósito, de potencializar o que existe de bom nas pessoas
(...). (Alexandre, Diretor da empresa de Educação Digital)

Diante deste relato, percebemos que tanto a família quanto a realização pessoal que
atribui à banda, como também um ambiente de trabalho que permita compartilhar e
potencializar as pessoas, são propósitos que contribuem para que este processo de
transformação e a consciência o impulsionem a uma vida com mais sentido. O
propósito, portanto, não é o objetivo ou a finalidade de uma ação, mas o processo de
refletir e se tornar consciente das suas experiências e do que valoriza, dos seus
aprendizados e compreender o significado de cada um, por exemplo, tocar na banda
significa para Alexandre realizar-se pessoalmente. Assim, a capacidade de colocar
em ação estes significados, aprendizados e experiências refletem os propósitos de
carreira de Alexandre e contribuem para que encontre mais sentido no seu fazer, nos
ambientes que está inserido e nas suas relações.
133

Diante de diversos conceitos “emprestados” para explicar o que é propósito, Flora


deixa claro que existe para ela uma grande dúvida em relação ao conceito:

Então... tem gente que confunde o propósito com missão, com visão... eu também não
sei muito qual é o conceito de propósito, eu também não sei te dizer. Eu só sei dizer
para você da maneira mais simples possível, eu quero continuar esse meu trabalho,
que não é trabalho... é a vida, é a minha vida! Desse jeito, onde eu consigo ter a minha
qualidade de vida... consigo trabalhar com... fazer coisas que eu gosto. (Flora, Diretora
da empresa de Educação para Riscos)

Também se refere ao propósito como um fluxo, um movimento que faz parte do dia a
dia e da própria vida explicitando uma relação direta com a motivação. Podemos
entender assim que quanto mais temos consciência deste processo de transformação
(as experiências e valores, o significado dessas experiências e a motivação para agir),
mais sentido encontramos na vida. Este motivo para agir no mundo refere-se à própria
capacidade de colocar em prática as experiências e significados afetando os
ambientes e relações inseridas neste contexto.

então... acho que às vezes a gente fica complicando muito para definir o que é o seu
propósito, mas é a coisa mais simples do mundo! É o dia a dia né... aquilo que te faz
levantar da cama todos os dias e vir aqui, trabalhar... e se você não tem essa emoção
diária, você não tem propósito nenhum, então o propósito nasce na hora que você
abre os olhos... você está na sua cama, acorda, abriu o olho, é ele que te faz levantar,
escovar os dentes, tomar o banho e ir para o mundo né... e ir para o mundo. (Flora,
Diretora da empresa de Educação para Riscos)

Fabiana também se refere ao propósito como um movimento, porém usa a noção


associada ao porquê para explicar o conceito de propósito:

essa coisa do propósito, do porquê eu estou fazendo isso né... (Fabiana, Diretora da
empresa de Educação Corporativa)

Assim, relembra que em um dado momento da sua trajetória tinha muito claro o seu
propósito, inclusive em uma definição escrita e formulada. Com o tempo, passou a
desconstruir esta ideia de que o propósito era uma definição e que estaria mais
associado ao movimento.

(...) a palavra principal do meu propósito, que eu vi naquele momento era a questão
do servir... e que depois ao longo dos anos eu fui entendendo o que era esse servir
né... num primeiro momento eu falei: “ah!” então fui fazer ações voluntárias e o servir
não era isso, o servir, para mim hoje não é isso... o servir é o estar, hoje... eu nem uso
mais essa palavra servir... é essa energia de estar em movimento né... o trabalho estar
acontecendo porque ele sai de dentro para fora, e volta para dentro e para fora... é
interessante essa sua pergunta, porque... (...) eh... hoje, para mim, eu não tenho –
antes até uns anos atrás eu tinha um propósito muito definido até com uma frase...
né, assim: “este é meu propósito”... cara, hoje eu só sinto que eu estou dentro do meu
propósito de vida, vivendo... sabe... e vivendo... e vivendo! (Fabiana, Diretora da
empresa de Educação Corporativa)
134

Esta reflexão sobre o movimento do propósito fez com que Fabiana associasse a
imagem de um coração pulsando. Explica que tem menos a ver com a emoção e está
mais associada ao ritmo:

Está me vindo muito a figura de um coração pulsando, e ouvir a pulsação desse


coração e estar caminhando, estar trabalhando de acordo com o movimento que ele
está fazendo... e o coração aqui não é coração, só me vem a imagem do coração, não
significa que seja “ah de emoção”, não, mas assim, estar nesse mundo... nesse
movimento... no ritmo que ele está... acho que o coração me veio por conta do ritmo
(...). (Fabiana, Diretora da empresa de Educação Corporativa)

Esta associação ao ritmo é especialmente rica pois permite a compreensão de que


ouvir este movimento também é a relação com esta consciência do processo de
transformação. Além disso, o estar no mundo que Fabiana utiliza para expressar a
imagem é encontrar as motivações que nos fazem agir que é um aspecto importante
do conceito do propósito.
Por fim, Fabiana aborda ainda um aspecto importante para a discussão do presente
trabalho sobre a dimensão do propósito individual de carreira com o propósito da
empresa.

Eu sinceramente vejo muito a minha função aqui na [CITA O NOME DA EMPRESA


DE EDUCAÇÃO EM QUE É SÓCIA], de relembrar o propósito da própria empresa,
que não fui eu que criei, mas que eu tenho muita... muita ligação. (Fabiana, Diretora
da empresa de Educação Corporativa)

Esta ligação a qual se refere entre o propósito individual e o propósito da empresa é


cada vez mais determinante para as pessoas. Se o indivíduo está consciente do seu
processo de transformação em ação, consciente dos seus valores, aprendizados e do
que o motiva a agir e a empresa não tem um propósito claro ou compartilhado, é mais
difícil encontrar sentido no que se faz. Isso pois a empresa é construída por pessoas.
Claro, existem outros aspectos que se relacionam e fundamentam a existência de uma
empresa, mas quando o indivíduo não encontra ressonância entre aquilo que o motiva
e as atitudes da empresa, o resultado é o sofrimento. Isso pois a forma de impactar
do indivíduo e afetar os ambientes é diferente do resultado prezado e valorizado pela
empresa e, inerentemente, haverá um conflito de interesses. Por isso, como as
empresas realizam o que se propõem é fundamental para esta relação. Existem
também diversos casos que o propósito da empresa é compartilhado com o indivíduo,
mas, na prática, no dia a dia ele não acontece. Isso vai aumentando o nível de
insatisfação e aumentando o nível de desconfiança nas organizações.

Analisamos o conceito de propósito a partir dos trechos de entrevistas com os


participantes, mas, para caracterizar este processo e dar visibilidade para como ele
acontece na prática e no dia a dia dos indivíduos, selecionamos um momento em que
Lucas, sócio fundador da empresa narra um caso que nos permite compreender todas
as dimensões e articulações do conceito de propósito.

O [BANCO MULTINACIONAL] foi o máximo... imagina trabalhar lá no início dos anos


80 era um negócio espetacular né, principalmente para uma pessoa que veio de onde
eu vim. E eu fui trabalhar como Account Officer (...) fazia um dossiê de crédito e
apresentava para um comitê, que aprovava, ou não aprovava... você tinha que
135

defender o crédito que você estava propondo para determinada empresa, com uma
série de análises e balanços... em um certo momento, tinha uma empresa grande,
uma empresa de papel que me pediu uma linha de crédito. Precisavam tomar uma
linha de crédito grande... eu fiz a defesa no comitê e o comitê não aprovou o crédito...
Fiquei inconformado, defendi em todas as instâncias a aprovação de crédito e
finalmente foi aprovado... seis meses depois, por uma gentileza muito grande do
diretor financeiro da empresa, ele me liga domingo à noite dizendo: “como você
defendeu esse crédito de forma tão enfática para nós, eu tive a obrigação de te
comunicar em primeira mão que amanhã nós vamos pedir concordata”. E aí eu falei:
“meu, como é que vai acontecer agora? Eu vou ser mandado embora...” e eu
precisava muito daquele emprego, então eu falei assim: “o que é que eu vou dizer
quando me chamarem, como é que eu vou justificar a defesa que eu fiz desse
crédito?” e aí eu entrei em um processo de estudo etc. e criei uma nova modalidade
de análise de crédito (...) Quando me chamaram, eu fui lá mostrar para eles que eu
tinha defendido o crédito porque não existia uma análise desse tipo de componente.
E aí eu consegui manter o meu emprego, só que eu passei e fui designado para
ministrar esse módulo nos treinamentos institucionais do [BANCO MULTINACIONAL]
porque na época o Latin America Trainee Center era no Brasil, então todos os
treinamentos da América Latina saíam do Brasil e eles tinham um programa sobre
empréstimos problemáticos... e eu, durante um ano e meio, passei nos países onde o
[BANCO MULTINACIONAL] tinha [agência] na América Latina, contando a besteira
que eu tinha feito. Foi a minha punição, mas por outro lado foi o meu prêmio, porque
eu encontrei minha área, um negócio que eu adorava fazer, que era treinamento.
(Lucas, Sócio Fundador)

Primeiramente, podemos perceber o movimento presente no conceito. Torna-se


tangível compreender este processo de transformação em ação. Não é uma frase ou
uma definição, pois como já abordamos anteriormente, se o indivíduo muda e a
carreira também se modifica, por que o propósito seria fixo? Não é. Também podemos
compreender os valores de Lucas já explorados − eixo dois os impactos dos valores
nas decisões de carreira – associados às experiências que teve como Account Officer,
desenvolvendo habilidades de comunicação, capacidade de convencer o público-alvo,
empatia pela situação do cliente, resolução de problemas entre outros. Em dado
momento, a empresa pela qual tinha se esforçado para defender o crédito entra em
falência e precisa reavaliar e aprender com a situação para não perder o seu emprego.
Isso cria uma situação de aprendizado sobre a experiência e para a empresa que o
coloca para expor o caso e compartilhar este conhecimento com outras unidades de
negócio e pessoas. A partir deste momento, Lucas se torna consciente do processo
de aprendizado e vive um processo de autoconhecimento a partir da descoberta do
treinamento como uma área de atuação que gostava. Isso, por fim, cria um motivo
para ação, ou seja, um projeto futuro que mais para a frente se tornou a sua empresa
de educação e treinamentos corporativos. Tudo isso contribui para o sentido que
Lucas encontra e ativamente constrói como protagonista de sua carreira.

Todo este processo é o propósito acontecendo de maneira viva, dinâmica e individual.


A carreira, portanto, é a transformação através do que se faz, o propósito, a
consciência deste processo em ação. O conceito de propósito abrange uma dimensão
objetiva, prática e não generalista como, por exemplo, “fazer as pessoas mais felizes”.
Revistas e matérias veiculadas na mídia hoje abordam o propósito como a razão de
existir de um indivíduo e sugerem exercícios para definir um propósito, uma frase. Isso
136

causa inclusive uma dificuldade em assimilar a proposta da atividade, uma vez que,
poucas pessoas tem a condição de escrever uma frase definindo a razão de sua
existência, resultando em ansiedade e falta de referência prática para concretizar esta
razão. Isso pois, apenas as experiências ou a reflexão sem a dimensão prática e
objetiva de transformar em ação não dá ao indivíduo a possibilidade de compartilhar
ou afetar os ambientes e relações que o permeiam.

Por fim, o propósito tem um impacto nas pessoas e ambientes por meio das ações
dos indivíduos e empresas. Para isso, analisaremos a importância do ambiente neste
contexto.

Eixo 5 - A Influência dos Ambientes no Contexto do Propósito

Entendendo a carreira contemporânea, o propósito e os movimentos relacionados aos


espaços físicos das empresas que vêm ganhando novas características como já vistas
no capítulo “O Trabalho Dá Trabalho” e também no capítulo sobre a Psicologia
Ambiental (“Onde Tudo Acontece”), buscaremos aqui, por meio dos relatos das
entrevistas, compreender o impacto do espaço na relação com o trabalho e com o
propósito.

Priorizaremos neste eixo analisar o que os indivíduos esperam de um ambiente de


trabalho e qual o significado que este espaço possui atualmente uma vez que as
pessoas precisam cada vez menos estar presentes no local de trabalho diante do
acesso e desenvolvimento da tecnologia. Inclusive o trabalho de consultoria
educacional em que o processo de desenvolvimento pode ser realizado em qualquer
espaço.

Algo que é importante salientar antes das análises das percepções dos participantes
é que todas as empresas compartilham o mesmo espaço, porém, a única empresa
que tem um espaço fixo de trabalho é a equipe de Educação Digital. Os outros
negócios usam esporadicamente em reuniões específicas as salas que existem e
ambientes disponíveis na casa.

Daniel, por exemplo, considera que não existe um espaço que identifique a empresa.
Considera a casa que a empresa está hoje confortável, porém sem uma identidade e
sem a possibilidade de compartilhar entre as pessoas da empresa. O fazer junto, estar
junto nos parece a questão que mais o incomoda em relação ao espaço.

A gente tem uma casa aqui... sei lá... é legal, é confortável... beleza... mas eu acho
que, acho que não nos identifica, como o que a gente quer, o que a gente quer mostrar
né (...) eu imagino algo mais contemporâneo, mais moderno, mais integrado, né... aqui
a gente está muito repartido, eu imaginaria um espaço muito mais amplo onde todo
mundo trabalha no mesmo espaço, com algumas poucas salas para, às vezes, as
reunião que a gente precisar fazer, ou poucos espaços reservados, um modelo muito
mais contemporâneo (...) e acho que a gente tem que ter um lugar de... ideias...
assim... uma copa... mas assim... bacana entendeu, que as pessoas se sintam
confortáveis de ir para lá... que seja para tomar um bom café...(Daniel, Diretor da
empresa de Educação para Riscos)
137

Esta noção do ambiente físico como um espaço de encontro também está no relato
de Lucas, sócio fundador que não via relevância nem necessidade de um espaço
físico de trabalho mas, à medida que a empresa se transformou em um grupo, passou
a compreender a necessidade dos brasileiros de “estar junto” ou usar o espaço como
um lugar de encontro.

Eu sempre fui muito reticente a questão de estrutura física né, pelo nosso próprio
trabalho... eu, na Itália eu fiz um curso de pós-graduação... onde o orientador da minha
tese era o [CITA O NOME DO SEU ORIENTADOR] e já na época... 20 anos atrás, 30
anos atrás, se falava que um dos aspectos do futuro do trabalho era em qualquer
lugar, a qualquer hora, sem a necessidade da presença física. E eu acredito que isso
é verdade. Eu continuo acreditando que o trabalho que nós desenvolvemos e com
toda a tecnologia que temos à disposição, o espaço físico não é determinante para a
realização do trabalho, mas também entendo hoje o espaço físico como um local de
encontro... onde as pessoas... o brasileiro precisa disso... nós temos diversos casos
na empresa de que as pessoas trabalhavam muito bem a distância, mas estavam mal
emocional e psicologicamente, porque nós precisamos nos encontrar. No Brasil é
importante o contato humano, o relacionamento, tomar cafezinho, falar da família,
olhar nos olhos, o toque... isso é uma necessidade nossa né....... Então eu vejo o
espaço físico muito mais como uma questão de encontro do que como lugar de
trabalho. (Lucas, Sócio Fundador)

Considerando o espaço um lugar de encontro, a percepção de Flora também segue a


mesma direção que Daniel, percebendo a casa como um espaço ao qual não se
identifica e encontra dificuldade de se conectar com as relações e ambientes. Em um
determinado momento, Flora reflete sobre a dificuldade de justificar um investimento
maior no ambiente para os outros sócios pois é visto como uma despesa, um custo
extra. Assim, reflete sobre a possibilidade de olhar a perspectiva de ganho em
satisfação pessoal, sinergia e integração do grupo.

(...) será que é intangível a gente calcular quanto que um espaço que combine com o
nosso espírito, com a nossa visão de mundo... será que eu tenho que calcular esse
investimento como eu calculo outras coisas? Porque isso vai trazer muito mais
sinergia, vai trazer muito mais proximidade com as pessoas... a gente está há anos-
luz com relação ao espaço (...) eu acho que a gente erra nisso... quando a gente fala
que é um grupo... nós não somos um grupo de verdade... a gente ainda trabalha de
maneira muito separada. (...) Eu acho que a gente teria um ganho enorme na nossa
satisfação, enquanto... o dia a dia do trabalho se a gente tivesse um espaço que
combinasse com o nosso jeito de ver o mundo, e nós teríamos uma outra coisa, a
gente poderia fazer coisas com os nossos clientes dentro do nosso espaço, que hoje
a gente não faz. (Flora, Diretora da empresa de Educação para Riscos)

Diante deste cenário, reflete o que considera ideal em relação ao ambiente:

Eu penso em um ambiente onde as pessoas estejam a todo o momento juntas... eu


acho que esse espaço tem que ter uma arquitetura que a gente se sinta confortável...
e aí a arquitetura que eu digo, é assim: desde o conforto de onde você vai sentar, até
138

para o colorido que está ao seu redor, porque isso inspira. Eu acho que seria um
espaço assim... eu imagino um loft, um negócio aberto, todo com aquela arquitetura...
sabe aquela coisa industrial? Eu faria um negócio desse tipo. Eu faria um espaço
desse tipo, onde as pessoas poderiam se conectar mais (...) outra coisa que eu acho
que o espaço tem que ter, planta! Para caramba! Que troque energia! (Flora, Diretora
da empresa de Educação para Riscos)

Além da necessidade de conexão, de ter um espaço mais aberto, que mantenha as


pessoas próximas e atentas umas às outras, existe também uma questão com o
cuidado com a escolha das cores, conforto e possibilidade de ter um lugar que inspire.
Também aborda a conexão com a natureza como um elemento fundamental para um
ambiente saudável.

Essa baixa apropriação do espaço, ou o sentimento de não perceber o espaço como


seu é mencionado também por Fabiana. Essa capacidade de refletir a essência do
espaço acontece quando um espaço é ocupado e apropriado. As pessoas constroem
histórias e sentidos para cada um dos espaços e existem marcas que são visíveis
para o mundo. Não existe identificação com a sua marca, com a sua trajetória e
Fabiana também não enxerga os outros sócios neste ambiente.

Então... esse espaço não é meu. Esse espaço não é meu... acho que eu falei agora
pouco sobre isso... não é meu, não tem a cara disso que eu falei para você que é a
essência (...) Eu sinto que você entra aqui e fala: é uma casa bonita, dos anos 50, é
um lugar agradável, mas assim... eu não estou aqui, a minha marca não está aqui, a
marca dos sócios não está aqui... não é um espaço de criatividade (...) então é
interessante, porque a gente trabalha, a gente fala aqui que compartilha com o mundo
o que temos de melhor, os nossos talentos. Mas cadê o talento de cada um aqui no
ambiente? (Fabiana, Diretora da empresa de Educação Corporativa)

Também reflete a necessidade de aproximação com a natureza, colocando plantas


no local e tornando o ambiente um lugar restaurativo, onde as pessoas possam se
conectar e restabelecer as energias a partir da relação com os outros e da relação
com a natureza.

O quintal ser um lugar cheio de plantas, com algumas coisas assim, com lugares que
a gente possa trabalhar embaixo, como chama? Um pergolado! A gente podia pôr um
pergolado no quintal, colocar umas mesas né... e não são coisas estruturais, são
coisas simples né... ter uma horta... isso ali a gente tem uma... uma... uma parte
grande ali... uma hortinha seria sensacional, daria para plantar alface, tomate, os
temperos, seria muito legal a gente ter um espaço gostoso, ter rede para as pessoas
deitarem. (Fabiana, Diretora da empresa de Educação Corporativa)

Os quatro sócios analisados anteriormente usam o espaço como um lugar transitório


e refletem uma baixa apropriação do espaço. Ou seja, o espaço não os identifica e
não reflete nem a empresa nem o indivíduo. Porém, Alexandre, diretor da empresa de
Educação Digital, é o único que usa uma sala do espaço como local fixo de trabalho,
139

assim sua equipe está diariamente reunida na casa compartilhando os ambientes


trazendo em seu relato este bem-estar e sensação de conforto no ambiente.

As pessoas se sentem bem aqui nos ambientes... eu vou falar muito do ambiente que
eu construí para a minha equipe. Acho que é um ambiente extremamente confortável
(...) o ambiente, para mim, é muito favorável para o trabalho que a gente precisa
fazer... ele é acolhedor, ele favorece o conceito de família, comunidade, amigos... de
respeito, porque as pessoas aqui usam a cozinha, banheiro, dividem esses espaços
de forma conjunta, então é um ambiente que permite isso e exige que as pessoas
tenham esse respeito com o outro, porque o outro também usa esse espaço e o
espaço é cuidado por nós mesmos, então acho que o ambiente permite isso.
(Alexandre, Diretor da empresa de Educação Digital)

Isso nos permite refletir que quanto mais o ambiente é utilizado, mais o indivíduo se
sente pertencendo ao lugar e ao grupo. A possibilidade de se apropriar do espaço, de
colocar as marcas individuais no ambiente possibilita aumentar o nível de satisfação
e sentir-se parte de uma comunidade ou de um ambiente compartilhado.

Dos cinco entrevistados, três valorizam exatamente o mesmo modelo contemporâneo


que tem sido adotado nos escritórios mais modernos. Conforme as imagens inseridas
no capítulo “Onde Tudo Acontece”, existe uma predileção por espaços mais abertos,
que valorizem as relações e o convívio. Não necessariamente se parece com um
espaço de trabalho, torna-se um espaço de convivência. Porém, a partir da pesquisa
e do relato dos casos, podemos pensar que mesmo o ambiente mais planejado,
moderno e convidativo não necessariamente faz com que as pessoas encontrem
satisfação no ambiente. O ambiente bonito esteticamente não necessariamente é
apropriado pelos que transitam e utilizam aquele espaço. O fator determinante,
portanto, é trabalhar para que os indivíduos se sintam parte daquele espaço e sintam
o espaço como seu, seja por meio de objetos pessoais no espaço, novas ideias para
uso ou propostas de melhorias.

Reflexões Finais dos Participantes

No final da entrevista, os participantes demonstraram que este momento de parar para


refletir sobre a carreira e o propósito foi de grande relevância, pois durante a narrativa
da história de carreira individual e reflexão sobre o propósito, tornaram-se conscientes
sobre diversos aspectos que influenciam suas decisões, movimentos e os projetos
futuros que constroem para sua trajetória.

No final da entrevista, Daniel respondeu a questão relacionada ao seu propósito e ao


propósito da empresa, refletindo que à medida que respondia à pergunta, tornava-se
consciente do quanto havia se afastado deste sentimento no dia a dia e, parar para
pensar sobre estas correlações é importante para a percepção do que está
construindo ativamente.

Você me perguntou de forma objetiva... qual o propósito da empresa e que tem a ver
com o seu propósito. Sinceramente, você se distancia desse negócio e você fala putz,
140

realmente eu tenho um propósito que tem uma identificação. Você fica só na gestão,
só no faturamento só que você está de repente esquecendo que você está
desenvolvendo um monte de pessoas... tem um monte de consultor, um monte de
treinamento, está todo mundo fazendo... e é um propósito que fica meio esquecido,
porque eu não estou mais tanto lá na sala. Então é legal para a gente pensar nisso.
(Daniel, Diretor da empresa de Educação para Riscos)

Lucas, sócio fundador, reflete após a entrevista sobre uma necessidade de se pensar
a carreira contemporânea a partir das transformações que acontecem neste contexto.
Isso porque, principalmente as empresas, ainda não estão adaptadas ou buscando
encontrar novas formas de lidar com os indivíduos. Usa como exemplo a baixa
autonomia e a necessidade do local fixo de trabalho para explicar como existe ainda
um atraso em relação às organizações para pensar e abrir o modelo de carreira.

A reflexão que eu faço e a oportunidade que a gente teve de conversar a respeito é


assim: o mundo está passando por uma transformação que nós nunca imaginamos
ou supusemos passar. O mundo, a tecnologia, os novos conhecimentos... o acesso
que nós temos à informação, ele está transformando o mundo de uma forma incrível.
E hoje, pensando em termos de carreira, nós estamos trabalhando com ferramentas
de ontem e mentalidade de anteontem. Então nós temos que dar não um, mas nós
temos que dar dois passos para nos alinharmos com aquilo que está acontecendo no
mundo. Vou te dar um exemplo, hoje você tem tecnologia para enviar informação para
uma pessoa que faz telemarketing... você tem modos de monitorar as ligações que
essas pessoas fazem, você tem condições de avaliar no final do dia a produção e
quantas horas essas pessoas efetivamente estiveram logadas para fazer o seu
trabalho, entretanto, todos os dias, um milhão e duzentas mil pessoas levantam,
passam uma hora no trânsito, para ir para um lugar, onde elas poderiam fazer das
suas próprias casas. (Lucas, Sócio Fundador)

Alexandre percebe, à medida que a entrevista se desenvolve, a construção do seu


legado e possibilidade de compartilhar este processo com a sociedade, refletindo
sobre o seu processo de construção junto com outras pessoas e o desejo que o que
construiu se propague.

Acho que tem um negócio que me veio agora em mente que eu acho que hoje eu vejo
que eu estou construindo um legado. Eu estou construindo algo que eu posso deixar...
em uma empresa, no mundo corporativo, eu nunca vi isso, até porque eu era muito
novo... hoje eu tenho pessoas abaixo de mim, eu tenho pessoas novas chegando,
pessoas saindo, mas eu vejo que a gente está construindo algo e que em algum
momento eu vou deixar isso para alguém. Eu vou deixar para a sociedade, eu vou
deixar para o mercado... eu estou construindo algo. O legado não é só quando acaba,
o conceito de legado é aquilo que você constrói. (Alexandre, Diretor da empresa de
Educação Digital)

Flora também aborda o processo de entrevista como um momento em que se torna


consciente do seu processo de transformação como indivíduo e de carreira, o que
141

reforça a ideia de integração em que à medida que o indivíduo se transforma, sua


trajetória de carreira e seu propósito também se modificam.

A gente nunca para pra pensar na trajetória né... você nunca para pra pensar, não fica
muito tempo pensando nisso, e aí quando você vai fazer uma entrevista dessa, você
para pra pensar: “nossa, eu saí desse ponto e cheguei a esse” e não falo de evolução
material, falo de evolução de maturidade né... se eu olhar quem eu era quando eu
comecei a fazer os treinamentos lá em 2006, 2005, nossa, eu sou completamente
outra pessoa. (Flora, Diretora da empresa de Educação para Riscos)

Fabiana também finaliza a entrevista pontuando o quanto o processo de reflexão foi


válido, pois pensar sobre sua carreira é pensar sobre si mesmo e sugere que as
perguntas provocam esta parada para olhar e compreender o processo que se vive.

A primeira coisa que me veio é que foi uma oportunidade muito grande de pensar na
minha carreira e de pensar em mim, porque acho que é a mesma coisa né, até pela
forma como eu defini o trabalho... e que eu acho que a gente deveria ter mais
processos assim, para dar essa parada e refletir. Acho que as perguntas foram
sensacionais... vieram numa estrutura muito lógica e muito provocativa em alguns
aspectos, para mim. (Fabiana, Diretora da empresa de Educação Corporativa)

Assim, podemos concluir que o processo de reflexão é essencial para a compreensão


do propósito individual de carreira à medida que dá ao indivíduo a possibilidade de se
tornar consciente do seu processo de transformação em ação. Ou seja, como os seus
valores impactam as experiências que escolhe viver, o que aprende com elas e o que
o motiva a agir, seja para buscar um novo desafio profissional ou construir um.
142

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a trajetória deste trabalho, buscamos compreender o conceito do


propósito nas carreiras contemporâneas sob a perspectiva da Psicologia,
considerando a centralidade do indivíduo no percurso de pesquisa. Assim, diante de
um fenômeno recente e pouco explorado academicamente, a pesquisa teve como
objetivo analisar, por meio de um estudo de caso, a trajetória dos líderes de uma
empresa de educação para nos permitir compreender como percebem o conceito do
propósito e a sua relação com o sentido do trabalho, os valores individuais, a trajetória
de carreira e a influência ambiental neste contexto.
No decorrer da pesquisa, a revisão da literatura do sentido do trabalho foi
fundamental para compreensão das transformações e dos impactos nos modelos de
carreira contemporânea, considerando a abertura, velocidade e integração de
diversas formas de fazer que o indivíduo encontra e, principalmente, a mudança de
paradigma da responsabilidade da carreira que antes era da organização e passa a
ser do indivíduo, contribuindo, dessa forma, para seu desenvolvimento e
autoconhecimento.
Também mapeamos e revisamos a literatura disponível sobre propósito e
pudemos identificar que a definição do conceito ainda está em construção. Existem
muitos conteúdos e publicações voltados para as organizações que abordam o
impacto do propósito nas empresas e nos indivíduos, mas não estabelecem um
conceito. Assim, encontramos diversos significados atribuídos e, entendendo a
relevância para o campo e para esta pesquisa, a partir das referências bibliográficas
estudadas e das narrativas dos líderes entrevistados, buscamos delimitar uma
proposta de conceito do propósito.
Diante dos eixos analisados com base nas entrevistas realizadas, pudemos
perceber que o sentido do trabalho está relacionado a uma dimensão financeira
necessária para a sobrevivência alinhada aos valores individuais. Trabalhar é uma
questão de autorrealização e não apenas de sobrevivência e, quando não alinhado
aos valores, o trabalho causa grande sofrimento para o indivíduo afetando o próprio
sentido que percebe em seu fazer. Estes valores impactam nas motivações e decisões
de carreira uma vez que determinam o comportamento e interação do indivíduo com
o mundo.
143

A partir da trajetória de carreira dos participantes, também pudemos


compreender que a carreira contemporânea se constrói como um percurso e é
desenhada conforme as experiências que o indivíduo escolhe com base em seus
valores. Também percebemos que o processo de aprendizagem é uma questão
central para a carreira contemporânea e que vão buscar o conhecimento necessário
para realizar uma determinada atividade ou função. Assim, é um movimento contínuo
em que à medida que se aprende sobre a atividade também se aprende sobre si.
A análise sobre o conceito de propósito também nos permitiu perceber a
dificuldade em compreender o conceito diante da multiplicidade com a qual é
abordado. Assim como vivenciamos no processo de levantamento de referências
bibliográficas, os participantes da pesquisa também não possuem um referencial
único, usando conceitos que já existem como sentido e valores para definir o
propósito. Este fator e a própria literatura nos inspirou a definir o propósito como a
soma das experiências, do autoconhecimento via os aprendizados e a motivação para
agir, afetando, assim, os ambientes e as relações inseridas neste contexto. Assim,
podemos considerar o propósito como um sistema vivo possível de constante revisão
e evolução individual que pode ser influenciado pela dimensão dos valores, dos
aprendizados e do ambiente.
Por fim, analisar a percepção e a influência dos ambientes e sua relação com
o propósito nos permitiu identificar que quanto mais apropriado o indivíduo é dos
espaços que frequenta mais percebe-se como parte integrante de um grupo ou
comunidade. Neste sentido, os espaços para trabalhar contemporâneos são
priorizados como espaços de convivência e o fator determinante para que os
indivíduos se sintam parte não é apenas estético.
Gostaríamos de ressaltar a importância de incluir a dimensão ambiental e a
relação pessoa-ambiente no contexto do trabalho contemporâneo que contribui para
a compreensão dos processos de mudanças e movimentos de inovação empresarial
e perspectivas que o lugar para trabalhar representa para o indivíduo na relação com
o seu fazer.
Por se tratar de um campo novo de estudo e em expansão, existem muitas
oportunidades de trabalhos que podem contribuir para o entendimento do propósito e
desenvolvimento do conceito. Dada a significativa carência de estudos que abordam
o propósito devido a sua recente articulação como fenômeno, sugerimos que novas
pesquisas no campo sejam realizadas. Pesquisas que venham a se aprofundar na
144

definição do conceito são as primeiras que podemos mencionar. À medida que o


campo for avançando e se desenvolvendo, sugerimos que estudos sejam realizados,
considerando:
• A perspectiva individual do conceito de propósito aplicado à carreira.
• A dimensão organizacional do propósito e a importância para a
empresa.
Quanto aos desafios, estimulamos que sejam realizadas pesquisas com um
número maior de participantes e que se considere também a diversidade do público
uma vez que os entrevistados da presente pesquisa fazem parte da mesma empresa
compartilhando, assim, alguns valores individuais e organizacionais, contribuindo para
uma percepção mais aprofundada sobre o conceito.
Por fim, concluímos que o presente trabalho contribui teoricamente na
construção e articulação de um novo conceito presente no ambiente organizacional
que é o propósito, considerando a perspectiva do indivíduo e a compreensão de como
este conceito se relaciona com a carreira contemporânea que compreende e integra
diversas formas de trabalhar e a possibilidade de autoconhecimento.
145

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APÊNDICES
157

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Convido-o(a) a participar do estudo com título provisório “Os significados do propósito


na carreira contemporânea” que tem como objetivo refletir o propósito de carreira dos líderes
de uma organização de educação corporativa situada na cidade de São Paulo e a sua relação
com o ambiente de trabalho.
O estudo será realizado por Raissa Castilho Farjo, Psicóloga, aluna do Programa de
Estudos de Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC SP, do Núcleo Configurações
Contemporâneas da Psicologia Clínica, como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Psicologia Clínica, sob a orientação da Professora Doutora Marlise Aparecida
Bassani.
Serão realizadas entrevistas semiestruturadas de diálogo com os líderes da
organização buscando compreender o propósito de carreira e a influência do ambiente na
inter-relação pessoa-ambiente-empresa.
Para fins de registro e análise as entrevistas serão gravadas e transcritas, sempre de
acordo com as exigências éticas da Resolução CNS/MS 466/2012, complementada pela
Resolução CNS/MS 510/2016.
Estima-se que o tempo total necessário para concluir a sua participação seja de 2
horas. Será garantido o atendimento psicológico ao participante em caso de qualquer
necessidade decorrente da pesquisa.
Após a conclusão da pesquisa, todos os colaboradores serão convidados para uma
apresentação dos resultados. Tal compromisso deve-se à especificidade das relações de
trabalho uma vez que a pesquisadora compartilha grau de parentesco com dois dos
participantes da pesquisa e desempenha papel como coordenadora da empresa.
Diante do exposto, declaro ter recebido todas as informações sobre a pesquisa, ter
entendido e ter esclarecido todas as minhas dúvidas, concordando em participar livremente
do estudo descrito.
Estou ciente de que as informações coletadas são de cunho científico, de que meus
dados de identificação não constarão na pesquisa, que haverá total sigilo sobre eles e também
autorizo a publicação de todas as informações prestadas em meios acadêmicos.
Por fim, declaro que tenho conhecimento de que posso, a qualquer momento, retirar
meu consentimento, sem qualquer penalidade e que terei acesso aos resultados do estudo,
após a conclusão dos trabalhos.

Dados para contato sobre esta pesquisa

Pesquisadora: e mail: raissa.castilho@uol.com.br ou telefone: (11) 9.9441 4498


Comitê de Ética em Pesquisa da PUC SP: e mail: cometica@pucsp.br

São Paulo, _________ de ____________________________ de 2018.

Nome do Participante:
CPF:
Assinatura:

Nome da Pesquisadora:
CPF:
Assinatura:
158

APÊNDICE B – Entrevista de Diálogo

Adaptado e traduzido pela pesquisadora de SCHARMER, 2015.


Visão Geral
As entrevistas de diálogo permitem o engajamento do entrevistado em uma conversa reflexiva
e generativa.
Entrevistas de diálogo:
• Promovem insights para questões e desafios que os entrevistados enfrentam.
• Constroem um campo gerativo para a iniciativa que o entrevistador deseja cocriar.
Propósito
Iniciar um diálogo gerativo faz com que emerja a possibilidade para a reflexão, pensamento
coletivo e algumas faíscas da criatividade coletiva.
Princípios
• Criar transparência e confiança sobre o propósito e processo de entrevista.
• Praticar uma escuta profunda.
• Suspender a “voz do julgamento”: olhar para a situação através dos olhos do
entrevistado, sem julgar.
• Acessar o não saber: à medida que a conversa acontece, deve-se prestar atenção e
confiar nas questões que lhe ocorrem.
• Acessar a escuta apreciativa: apreciar completamente e aproveitar a história que você
escuta sendo compartilhada. Coloque-se nos sapatos do entrevistado.
• Acessar sua escuta gerativa: busque focar na melhor possibilidade futura do seu
entrevistado e da situação.
• Permita o fluxo: não interrompa. Pergunte questões de maneira espontânea. Sinta-se
livre para a qualquer momento desviar do seu questionário se questões importantes
lhe ocorrerem.
• Potencialize o poder da presença e do silêncio: uma das intervenções mais eficientes
como um entrevistador é estar completamente presente com o entrevistado – e não
interromper um breve momento de silêncio.
Usos e Resultados
Entrevistas de diálogo:
• Fornecem dados dos desafios, questões e expectativas organizacionais que os
participantes enfrentam.
• Ampliam a consciência entre os participantes ou dentro de organizações sobre os
próximos processos e como podem servir para as suas necessidades e intenções.
159

• Aumentam o nível de confiança entre o pesquisador e os participantes que ajudam a


criar um campo gerativo de conexões.
Preparação
Pessoa e Local
• Entrevistas de diálogo funcionam melhor presencialmente. Caso não seja possível,
use entrevistas por telefone.
Tempo
• 30 a 60 minutos para entrevistas por telefone.
• 60 a 90 minutos para entrevistas presenciais.
Os tempos acima são uma estimativa e devem ser ajustados conforme o contexto.
Materiais
• Use o questionário como guia. Sinta-se livre para desviar quando necessário.
• Use um papel e uma caneta para fazer anotações. Em alguns casos, sugere-se o uso
de um gravador.
Processo
Sequência
1. Preparação:
a) Definir e revisar as questões para o contexto específico e objetivo da entrevista.
b) Marcar as entrevistas.
c) Se a entrevista for conduzida presencialmente, encontre um espaço tranquilo.
d) Reúna informações sobre o entrevistado e a organização de que faz parte.
e) Se a entrevista for conduzida por mais de um entrevistador, os papéis devem ser
alinhados (primeiro entrevistador, observador)
2. Antes de encontrar o entrevistado faça uma preparação ou silêncio. Por exemplo, de
15 a 30 minutos antes do encontro presencial para iniciar a conversa com a mente e
o coração abertos.
3. Comece a entrevista. Use o questionário de entrevista como um guia, mas, a partir
dele, permita que a conversa desenvolva sua própria direção.
4. Imediatamente após o fim da entrevista use um tempo para revisar e refletir.
5. Ao que fiquei preso? O que me surpreendeu?
6. O que me tocou?
7. Existe algo que eu preciso acompanhar posteriormente?
8. Após todas as entrevistas concluídas, revise as informações das entrevistas e
sumarize os resultados.
9. Encerre o ciclo com um feedback: na manhã seguinte de cada entrevista envie uma
mensagem de agradecimento ao entrevistado.
160

Roteiro de Entrevista Semiestruturada:

1. Por que este espaço é significativo para você?


2. Qual é o significado do trabalho para você?
3. Por que você trabalha?
4. Quais foram os fatores importantes para que você escolhesse um trabalho ou uma
atividade?
5. Descreva sua trajetória de carreira e o que o trouxe até aqui.
6. Quando você enfrentou desafios significativos na sua carreira, o que o ajudou a lidar
com eles?
7. Quais são os três principais desafios que você enfrenta atualmente em relação a sua
carreira?
8. Você sabe qual é o seu propósito?
9. Com base em quais resultados você pode considerar seu sucesso ou fracasso
profissional?
10. Como você percebe os ambientes e espaços da empresa?
11. Você acredita que exista alguma influência do seu propósito individual com o
propósito da empresa?
12. Neste momento pense em nossa conversa e se escute: que questão importante surge
para você à medida que encerramos esta conversa?
161

ANEXOS

ANEXO 1 - DIALOGUE INTERVIEW


162
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