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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

FERNANDO FERREIRA COSSETI

Contribuições do Conceito Sensemaking para a


Pesquisa em Relações Públicas

São Paulo
2008
ii

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

FERNANDO FERREIRA COSSETI

Contribuições do Conceito Sensemaking para a


Pesquisa em Relações Públicas

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Departamento de Relações Públicas, Propaganda e
Turismo da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, como requisito para a
obtenção do título de bacharel em Comunicação Social,
com habilitação em Relações Públicas, sob a orientação
da Prof.ª Dr.ª Margarida Maria Krohling Kunsch.

São Paulo
2008
iii

Folha de Aprovação

Fernando Ferreira Cosseti

Contribuições do Conceito Sensemaking para a Pesquisa em Relações Públicas.

São Paulo
Aprovado em: 2/12/2008

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Margarida Maria Krohling Kunsch
ECA-USP

________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Nassar
ECA-USP

________________________________________________________
Prof.ª Suzel Figueiredo
Diretora do Instituto ABERJE de Pesquisa
iv

A Eliana Marques,
amada amiga, dedico
estas e outras linhas da vida.
v

Agradecimentos

Aos mestres desta Escola de Comunicações e Artes, com especial menção a Professora
Margarida Kunsch, pela grande contribuição ao saber que aprendo a admirar a cada dia.

Aos meus pais, Olinda e Luiz Carlos, agradeço com todo amor que possa haver neste
mundo.

Aos meus padrinhos, Maria e Ed, casal de muitas histórias e de tantos afetos, agradeço
da mesma forma.

Aos amigos, aos poetas e a todos aqueles sonhadores de um mundo melhor: muito
obrigado pela contribuição.
vi

Epígrafe

“De fato, vence na vida aquele que é o mais capaz de ouvir, ler, de falar e escrever, de
assimilar, de receber e transmitir conhecimentos, idéias e estímulos. Não existe uma área da
vida social, na qual a comunicação não tenha influência decisiva. É nesse cenário que
aparecem os homens de RR.PP., alimentando e estimulando o fluxo das comunicações, com a
responsabilidade imensa de mostrar a todos os seres humanos a paisagem, quase
imperceptível, desse intercâmbio de palavras e mensagens, de pensamentos e de opiniões. E a
responsabilidade torna-se maior ainda se lembrarmos que a manipulação desonesta dos meios
de comunicação pode colorir esse quadro, trazendo-o para a realidade, num aspecto falso e
perigoso”.

Cândido Teobaldo de Souza Andrade


vii

Resumo

Este trabalho de conclusão de curso visa propor uma perspectiva dos estudos de
Comunicação Organizacional baseada no conceito Sensemaking visto pela vertente de Karl
Weick. O estudo, realizado por meio de investigação bibliográfica, possibilitou encontrarmos
modelos teóricos que fundamentam a construção coletiva de sentidos como fator da
constituição da organização, levando-se em consideração a perspectiva sistêmica da
sociedade. A definição de processos cognitivos individuais, que estruturam significados
coletivos, corresponde a alguns preceitos de Comunicação Organizacional e, em função disso,
sugerimos uma agenda de pesquisa para investigação posterior que comprove a validade e a
pertinência do Sensemaking como referência teórica das Pesquisas aplicadas em Relações
Públicas.

Palavras-chave: Sensemaking; pesquisa em Relações Públicas; construção de sentido;


ambigüidade; estrutura coletiva; decretação ambiental.
viii

Abstract

This monograph aims the proposition of a perspective of Organizational


Communication studies based on the concept of Sensemaking contemplated by the approach
of Karl Weick. The study, made by book reviews, leads us up to find theoretical models
which sustain the collective sense making as a factor of the organization's constitution,
regarding the systemic perspective of society. The definition of individual cognitive
processes, which constructs collective meanings, corresponds with some precepts of
Organizational Communication and, due to this, we suggest a research agenda to forward
investigation which proves the validity and pertinence of Sensemaking as a theoretical
reference of Public Relations applied research.

Key words: Sensemaking; Public Relations research; sense making; ambiguity; shared
structure; enactment.
ix

Sumário

Introdução ................................................................................................................. 1

Capítulo 1 – Pesquisa em Relações Públicas

1.1 – Considerações sobre Comunicação e Relações Públicas ............................... 5

1.2 – Fundamentos conceituais de pesquisa em Relações Públicas ....................... 16

Capítulo 2 – O conceito Sensemaking

2.1 – Fundamentos do conceito Sensemaking ....................................................... 22

2.2 – Revisão da obra de Karl Weick: Sensemaking nas organizações ................. 32

Capítulo 3 – A correspondência entre Sensemaking e Pesquisas em Relações Públicas

3.1 – Implicações do conceito Sensemaking sobre a

comunicação organizacional ......................................................................... 50

3.2 – Sensemaking e Pesquisa em Relações Públicas:

uma proposição dialógica .............................................................................. 56

Considerações Finais .............................................................................................. 63

Referências Bibliográficas ..................................................................................... 66


1

Introdução

Neste trabalho apresentamos uma perspectiva de Comunicação Organizacional que


busca compreender a maneira como são constituídas as idéias que nós, pessoas, fazemos da
realidade que nos cerca. Para tanto, partimos de alguns princípios sobre comunicação cuja
origem encontra-se nas reflexões teóricas desenvolvidas por pesquisadores da Escola de Palo
Alto, principalmente relacionadas à complexidade inerente às interações estabelecidas entre
os atores sociais. Apresentamos a seguinte releitura sobre os princípios:

• A comunicação é condição para que haja interação entre as pessoas. Ela é uma
estrutura que une indivíduos e configura uma espécie de sustentação das relações
interpessoais.

• A comunicação deve compreender as interações que se desenrolam entre as


pessoas. As interações se dão por um circuito de duplo vínculo entre indivíduos,
configurando um sistema que produz certos conflitos e desentendimentos. Sendo assim,
as interações sociais estão permanentemente em busca de reorganização.

• Tudo o que existe no mundo obedece à lógica da multiplicidade discursiva em


constante desenvolvimento. Sendo assim, as situações, os comportamentos, e demais
manifestações de uma comunidade de pessoas em interação devem ser concebidos como
portadores de um significado a ser investigado.

• Dessa forma, a sociedade é considerada uma comunidade que partilha


(comunga) significados comuns.

• O indivíduo é reflexo de um sistema de relações, e não algo em si mesmo.

• A comunicação é, também, um ato cognitivo, em que pesam regras de


percepção de mensagens obtidas em relações sociais.

A experiência cotidiana é suficiente para demonstrarmos que o mundo em que estamos é


carregado de muita complexidade, pois estamos rodeados de muitas mensagens oriundas das
mais diversas fontes. Desde mensagens publicitárias até as conversas do dia-a-dia, recebemos
e emitimos continuamente, sempre por meio do processo de comunicação, trocas de
2

informações com outras pessoas. No entanto, as informações não são simplesmente


absorvidas por nós e transformadas em atitudes e comportamentos que adotamos
posteriormente. Em outras palavras, parece não haver muito sentido no modo automático de
transmissão de informações pressuposto pelo modelo linear-telegráfico, que também pode ser
chamado de modelo estímulo-resposta ou o da agulha hipodérmica.

As pessoas fazem sentido sobre aquilo que apreendem do ambiente e das relações que
estabelecem com outras pessoas e com as organizações. Weick (apud VARASCHIN, 1994, p.
72) afirma que “o ser humano cria o ambiente para o qual o sistema então se adapta. O ator
humano não reage ao ambiente, ele o faz”. Sendo assim, os ambientes organizacionais não
são realidades dadas, mas são estabelecidos por meio de um processo de criação de sentidos
elaborado pelos atores organizacionais que as compõem.

Sendo a construção coletiva de sentido uma regra sobre o pensamento das pessoas,
então, os públicos de uma organização atribuem-lhe múltiplos significados, além de a própria
organização ser um conjunto de elementos e processos formados por interações significativas
e ricas de significados potencialmente atribuíveis pelas pessoas que fazem parte dela. Diante
da perspectiva apresentada, surge o questionamento com relação aos relacionamentos que a
organização estabelece com seus públicos. Desta forma, a maneira como as organizações
investigam as demandas de seus públicos e procuram entendê-los, visando a melhoria dessas
interações, assume uma função estratégica. O papel das Relações Públicas enquanto função
organizacional mediadora, que visa à promoção de relacionamentos permanentes e positivos
com seus públicos, assume grande importância nesse cenário apontado.

Em função do argumento apresentado, as Relações Públicas devem levar em


consideração a maneira como as pessoas formam sentido sobre a organização com a qual
interagem. Para isso é fundamental que o corpo teórico da profissão tenha como princípios a
compreensão da sociedade a partir de abordagens sistêmicas e interdisciplinares. Entre as
disciplinas que podem agregar muito às Relações Públicas estão as Ciências Cognitivas, que
abrigam áreas do saber como a filosofia, a lingüística e, principalmente, a psicologia; todas
elas dispostas a analisar o entendimento que o indivíduo faz sobre o mundo que o cerca, pois,
a partir do estudo do indivíduo consegue-se entender a sociedade e as relações humanas.

A proposta apresentada por este trabalho é a elaboração de um trabalho científico


original em sua abordagem de aproximar do corpus teórico de Relações Públicas um conceito
3

desenvolvido no bojo da Psicologia Cognitiva, que é o Sensemaking. Para isso, optamos pela
metodologia da pesquisa exploratória, de procedimento bibliográfico, sobre conceitos de
Sensemaking e de pesquisa aplicada em Relações Públicas.

A premissa que orienta esta investigação científica é a de que o discurso teórico que
define o conceito Sensemaking pode compor o estudo de pesquisas aplicadas em Relações
Públicas e pode ser adotado como referência conceitual tanto no planejamento, quanto na
composição de ferramentas e métodos avaliativos de resultados dessas pesquisas.

Sendo assim, o objetivo deste Trabalho de Conclusão de Curso é sugerir os conceitos


ligados ao conceito Sensemaking como referenciais apropriadas a serem usados na
composição teórica e na prática de pesquisa em Relações Públicas.

No primeiro capítulo tratamos do que esta obra contempla como universo de


investigação: a pesquisa específica em Relações Públicas. Com base na compreensão da
perspectiva sistêmica e valendo-nos das explicações sobre o processo de comunicação nas
organizações reunidas por Margarida Kunsch, entendemos as Relações Públicas como
subsistema organizacional que busca a excelência dos relacionamentos entre organizações e
públicos – de acordo com visão desenvolvida por James Grunig da função estratégica para a
comunicação organizacional. Desse panorama conceitual depreendemos a importância da fase
da pesquisa no processo de Relações Públicas considerado neste trabalho. Em seguida
apresentamos alguns fundamentos sobre a pesquisa, valendo-nos da classificação geral
proposta por John Pavlik.

O segundo capítulo é dedicado à explicação do objeto de estudo deste nosso trabalho: o


conceito Sensemaking. Partimos de uma revisão comparativa dos fundamentos defendidos
por Karl Weick, Melvin Manis e Chun Wei Choo – representantes de linhas conceituais da
Psicologia Social, da Psicologia Cognitiva e das Ciências da Informação, respectivamente.
Sobre suas idéias sustenta-se a vertente conceitual do nosso trabalho: a abordagem de Karl
Weick, que será apresentada por meio de uma revisão do livro Sensemaking in Organizations,
obra a qual constitui um panorama de vários de autores sobre nosso objeto de estudo.
Encontramos, ao longo de Sensemaking in Organizations, várias evidências da utilização dos
conceitos apresentados em sua obra prévia, A Psicologia Social da Organização. Essas
evidências nos permitem supor o resgate que Weick faz de si mesmo para conceituar
Sensemaking.
4

Com base na revisão literária feita ao longo dos capítulos precedentes, seguiremos uma
seqüência lógica no Capítulo 3, que parte da compreensão do comportamento da organização
em pleno ambiente de relações carregadas de complexidade e ambigüidade, passando pelo
entendimento das percepções individuais como fatores determinantes das organizações; para,
finalmente, defendermos a função do Sensemaking como elementar para as Pesquisas em
Relações Públicas com vistas à excelência dos relacionamentos da organização com seus
públicos estratégicos.
5

1. Pesquisa em Relações Públicas

1.1 – Considerações sobre comunicação e Relações Públicas

Para nos debruçarmos sobre o fenômeno da comunicação propomos, antes de tudo,


considerar que o mundo em que vivemos é produto das relações entre as diversas
organizações que o compõem. Este é o princípio do qual a perspectiva geral de sistemas1 parte
para analisar o funcionamento das sociedades e da vida humana. A perspectiva sistêmica é
recorrente na abordagem de muitos teóricos da Comunicação Organizacional e é pressuposto
de uma série de fundamentos conceituais da área de organização e de comunicação que
adotaremos aqui.

Tal perspectiva é fruto do posicionamento ideológico estrutural-funcionalista adotado


por seus defensores, posição esta, para Wolf (1994, p. 64) “que salienta a ação social – e não a
do comportamento – na sua adesão aos modelos de valores interiorizados e
institucionalizados”. A estrutura social é entendida como um conjunto de atuações de sujeitos
sociais, dotados de certas características e valores que lhes são atribuídos, e cujos
comportamentos individuais, por si só, são expressões dessas atribuições introjetadas ao longo
da sociabilização. Essas atuações, por fim, originam os fenômenos sociais.

A idéia básica da perspectiva sistêmica é a de que uma série de objetos, membros ou


elementos individuais, se inter-relacionam para formar um conjunto denominado sistema
(BERTALANFFY apud PAVLIK, 1999, p. 166). Bertalanffy (loc. cit.) explica que o estudo
de um sistema deve levar em consideração os seguintes elementos: os membros; os atributos
do sistema e seus membros; o entorno (meio ambiente ou ambiente externo); e as relações
entre os membros do sistema, assim como entre o sistema e o entorno.

Os membros do sistema podem ser considerados como outros sistemas de elementos


individuais, ou organizações, que refletem o funcionamento sistêmico em sua estruturação.
Podemos, então, depreender uma característica dos sistemas: o ordenamento hierárquico que

1
Concordamos, aqui, com John Pavlik (1999, p. 165) a respeito de que a Teoria Geral dos Sistemas, tal como
comumente é denominada, trata-se mais de uma perspectiva, ou enfoque geral, do que uma teoria em si.
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os sistemas seguem, fazendo com que um sistema seja composto por várias organizações
constituintes – aqui chamadas de subsistemas.

A lógica que regulamenta a relação entre os elementos do sistema é “constituída por


relação de funcionalidade que presidem à solução de quatro problemas fundamentais que todo
sistema social deve enfrentar” (WOLF, 1994, p. 64). O primeiro problema refere-se à
manutenção do modelo de controle de tensões, que alude à instauração, de maneira natural, de
um modelo cultural sobre a inter-relação dos indivíduos no funcionamento sistêmico com
vistas à homeostase, ou seja, ao equilíbrio. O segundo problema é a adaptação ao meio
ambiente. Os sistemas “por definição, interatuam com seu entorno, também possuem a
qualidade de intercâmbio” (BERTALANFFY apud PAVLIK, 1999, p. 166). Em virtude da
relação que estabelecem com seu entorno, caracterizado por uma seqüência ininterrupta de
processos dinâmicos – que faz com que as condições oferecidas aos sistemas nunca sejam
permanentes ou estáveis – os sistemas também são dotados da capacidade de adaptação ao
meio externo. Sendo assim, os sistemas são condicionados pelo entorno em que estão
inseridos, de acordo com os atributos da relação estabelecida. Já o terceiro problema diz
respeito à perseguição de objetivos. Os sistemas são entidades teleológicas, ou seja, são
orientadas a um propósito que “controla o comportamento do sistema e seus elementos”
(BERTALANFFY apud PAVLIK, 1999, p. 166). Finalmente, o quarto problema alude à
questão da integração, que versa sobre a evidente interdependência entre as partes
constituintes do sistema.

As sociedades são definidas pelos adeptos da perspectiva sistêmica como um sistema.


Isto quer dizer que qualquer sociedade consiste em um todo integrado de partes relacionadas
entre si e relacionadas também com o entorno. Wolf (1994, P. 64) afirma que o sistema social
é entendido como um organismo cujas diferentes partes desempenham funções de integração
e de manutenção do sistema. Para ilustrar a maneira como isso ocorre, podemos dizer que a
sociedade, como um todo, é composta por uma série de subsistemas, tais como as empresas,
as escolas, as instituições religiosas, e toda sorte de organizações com as quais nós, pessoas,
relacionamo-nos diariamente. Cada uma delas é formada por unidades, departamentos, salas,
grupos e, em última instância, indivíduos. Os subsistemas são orientados a um objetivo e, por
definição, estabelecem intercâmbio com a sociedade, trocando com ela inputs e outputs a todo
instante e sofrendo mudanças continuamente por conta de sua instabilidade.
7

Percebemos, então, o quão importante é o entendimento da norma sistêmica para o


âmbito individual. Margarida Kunsch (2003, p. 19) considera que “vivemos numa sociedade
organizacional, formada por um número ilimitado de diferentes tipos de organizações, que
constituem parte integrante e interdependente da vida das pessoas”. O homem, como um ser
social, necessita da interação de pessoas no sentido de conjugação de esforços. Jacques
Marcovitch (apud KUNSCH, 2003, p. 21) menciona: “quando o homem junta esforços com
outros homens, surge a organização. O homem é um elemento multiorganizacional que
continuamente se vê afetado por várias organizações e, ao mesmo tempo, as influencia”.

Organização e Relações Públicas vistas pela perspectiva sistêmica

Para o conceito de organização, a literatura de Comunicação Organizacional oferece


várias definições. No entanto, por ora, é suficiente apresentar uma breve linha conceitual que
condiga com a perspectiva sistêmica. Sendo assim, a organização pode ser definida como um
subsistema social formado por grupos de indivíduos e recursos materiais orientados para um
objetivo. Dada a característica de interação com o entorno, logo, a organização está inserida
em um processo de mudanças contínuas e está sujeita a inúmeras interferências do ambiente
geral, pois é um subsistema de um sistema maior, que é a sociedade (KUNSCH, p.27). O
conjunto de organizações é que viabiliza todo o funcionamento da sociedade e permite a
satisfação das necessidades das pessoas. Chiavenato (apud KUNSCH, 2003, p. 25), em
sintonia com a perspectiva sistêmica, define organização como:

Unidade ou entidade social, na qual as pessoas interagem entre si para alcançar objetivos específicos.
Neste sentido, a palavra organização denota qualquer empreendimento humano moldado intencionalmente
para atingir determinados objetivos. As empresas constituem um exemplo de organização social.

Na dinâmica do funcionamento sistêmico, a comunicação é um fenômeno cujo papel é


imprescindível para a estruturação e funcionamento das organizações. A comunicação é o
mecanismo responsável pelo funcionamento da interdependência das partes que compõem as
organizações, bem como é responsável pelo relacionamento delas com o meio externo e, até
mesmo, da organização com outras organizações. Portanto, a organização se torna viável por
causa do sistema de comunicação nela existente, o qual permite o relacionamento de seus
recursos e determina as condições de existência e o rumo que ela toma (THAYER apud
KUNSCH, 2003, p. 69). De acordo com Sarah Chucid da Viá (apud KUNSCH, 2003, p. 105),
8

“a comunicação é um processo social básico” e “não pode existir interação entre indivíduos,
ou entre grupos humanos, sem intercâmbio de informações entre seus elementos
constitutivos”. Antônio de Lisboa Mello e Freitas (apud KUNSCH, 2003, p. 109) corrobora
essa abordagem, afirmando que “seria impossível entender o funcionamento das organizações
sem levar em conta o papel da comunicação. Ela decore da própria dependência do homem
que, como animal gregário, necessita, permanentemente, comunicar-se com seus
semelhantes”.

Ao considerar a perspectiva sistêmica, podemos imaginar o quanto o processo


comunicativo nas organizações envolve grande complexidade: porque se faz necessário
analisar os muitos elementos que fazem parte do processo relacional das organizações, que
envolve indivíduos, grupos e outras organizações em pleno andamento de situações dinâmicas
entre si e com o meio externo. Margarida Kunsch (2003, p. 73) observa:

É necessário estudar todos os fenômenos intrínsecos e extrínsecos do que constitui um agrupamento de


pessoas (organizações) que trabalham coletivamente para atingir metas específicas, relacionando-se
ininterruptamente, cada uma com sua cultura e seu universo cognitivo, exercendo papéis e sofrendo todas
as pressões inerentes ao seu ambiente interno e externo, além de terem de enfrentar as barreiras que
normalmente estão presentes no processo comunicativo.

Pois é justamente essa a tarefa que cabe às Relações Públicas, conforme veremos. Tendo
em conta o domínio da lógica sistêmica que condiciona o comportamento dos públicos da
organização, os colaboradores da empresa, os consumidores, os fornecedores, os acionistas, a
comunidade do entorno da instalação física da empresa, o governo; e toda sorte de públicos
com os quais determinada organização se relaciona constitui subsistemas sociais que
obedecem a regra das situações dinâmicas estabelecidas entre si e o meio externo. E tudo isso
ocorrendo, conforme citamos, por intermédio da comunicação.

Enquanto disciplina acadêmica, elas configuram uma subárea da Comunicação


Organizacional e integram as Ciências Sociais Aplicadas, estando, portanto, diretamente
relacionadas aos estudos que tratam da vida social, da realidade social, da relação do homem
com os grupos sociais; enfim, “são as [ciências sociais] que investigam a ação do homem
enquanto membro da sociedade” (KUNSCH, 1997, p. 105). Como já observara Edward
Bernays (apud KUNSCH, 1997, pp. 105-106), um dos primeiros teóricos a constituir o campo
de estudo das Relações Públicas:

As relações públicas cobrem o relacionamento de um homem, uma instituição ou idéia com seus públicos.
Qualquer tentativa eficiente para melhorar esse relacionamento depende de nossa compreensão das
9

ciências do comportamento e de como nós as aplicamos – sociologia, psicologia social, antropologia,


história e outras. As ciências sociais são a base das relações públicas.

Enquanto prática organizacional, as Relações Públicas podem ser definidas de diversas


maneiras, em função da multiplicidade de atuações possíveis que caracteriza a atividade e, até
mesmo, da certa confusão que se faz com outras áreas corporativas, como o Marketing. Por
isso, procuraremos ser bastante sucintos nessa definição.

Margarida Kunsch (2003, p. 105) indica, entre as funções essenciais e as possíveis


frentes de atuação das Relações Públicas no âmbito organizacional, a função mediadora. Esta
função considera a comunicação como o fator “imprescindível para que as Relações Públicas
possam mediar relacionamentos organizacionais com a diversidade de públicos, a opinião
pública e a sociedade em geral”. Se abordadas adequadamente, as atividades de comunicação
e de Relações Públicas possibilitam um trabalho que vai além do ato informativo,
estabelecendo diálogos entre a organização e seus públicos, mediando esta relação natural
valendo-se da comunicação “numa perspectiva de troca, de reciprocidade e de comunhão de
idéias” (KUNSCH, 2003, pp. 105-106).

A definição por Scott Cutlip e Allen Center (apud ANDRADE, 2001, p. 35) de Relações
Públicas segue essa abordagem sintetizada por Kunsch: “é a comunicação e a interpretação de
informações, idéias e opiniões do público para a instituição num esforço sincero para
estabelecer reciprocidade de interesses e assim proceder ao ajustamento harmonioso da
instituição na sua comunidade”. Teobaldo de Souza Andrade (2001, p. 36) registra outra
definição de Relações Públicas que corrobora esse sentido:

As Relações Públicas constituem uma atividade de direção. Elas observam e analisam a atitude do
público, ajustando a política ou o comportamento de uma pessoa ou organização de acordo com o
interesse geral. Elas aplicam um programa de ação a fim de obter a compreensão e a simpatia ativas do
público.

Se recorrermos aos registros de James Grunig, podemos identificar a definição de


Relações Públicas como um subsistema contido no espaço organizacional. Enquanto
subsistema, as Relações Públicas adotam a função do gerenciamento (ou a administração) da
comunicação que se estabelece na dinâmica organizacional, ou seja, da comunicação entre as
organizações e seus públicos. Com efeito, a maneira como se conduz esse gerenciamento, é
dizer, a postura profissional adotada pelo relações-públicas, departamento ou agência de
Relações Públicas, é um entendimento do qual não podemos prescindir.
10

Baseados na perspectiva sistêmica das organizações, Grunig e Hunt propuseram que as


Relações Públicas teriam quatro modelos de conduta, é dizer: identificaram quatro condutas
dos profissionais e da produção acadêmica diante de sua função elementar de gerenciamento
de relacionamento. Cada um desses modelos representa uma etapa da evolução histórica da
atividade ao longo de sua existência.

O modelo de publicity, ou de imprensa/propaganda, representa os primórdios da prática


de Relações Públicas e está intimamente relacionado à função da publicidade. Visa à
promoção de um indivíduo, organização ou produto por meio de um fluxo de informação de
mão única, ou seja, um fluxo orientado do agente comunicativo para o público. Nesse modelo
pressupõe-se a utilização de técnicas propagandísticas para conferir o efeito desejado para a
mensagem.

O segundo modelo é o de informação pública, o qual também se caracteriza por um


fluxo unidirecional da informação, mas com vistas à disseminação de informação para o
público. Essa abordagem das Relações Públicas segue os parâmetros das escolas de
jornalismo (KUNSCH, 1999, p. 110).

Os outros dois modelos que se seguem na ordem estabelecida por Grunig e Hunt têm um
conteúdo diferenciado por conta da consideração que se faz para com o público, pois se
espera, obedecendo a essas condutas, um feedback das informações disponibilizadas; e se faz
um trabalho de investigação junto aos públicos da organização.

Um deles, o modelo assimétrico de duas mãos (ou assimétrico bidirecional) inclui o uso
de pesquisa e feedback para desenvolver uma comunicação de conteúdo persuasivo. Emprega-
se “uns métodos comprovados das ciências sociais para incrementar a capacidade de
persuasão de seus esforços de comunicação” (PAVLIK, 1999, p. 168). Já o outro, o modelo
simétrico de duas mãos (ou simétrico bidirecional), é considerado “a visão mais moderna de
Relações Públicas, em que há uma busca de equilíbrio entre os interesses da organização e
dos públicos envolvidos” (KUNSCH, 1999, pp. 110-111). Valendo-se também de pesquisas,
esse modelo difere do modelo de conduta anterior quanto ao seu objetivo de estabelecer a
compreensão mútua em lugar da persuasão científica. “Nesse sentido, a organização e seus
públicos estão ao mesmo nível”, como afirma Pavlik (1999, p. 169). O modelo simétrico de
duas mãos é levado em grande consideração pelos profissionais e pela produção acadêmica
11

nos dias de hoje, embora ações e programas de comunicação possam ser eventualmente
caracterizados pelos outros modelos em razão de certas circunstâncias e intuitos.

Levamos em grande consideração o modelo simétrico de duas mãos por concordamos


com James Grunig e Larissa Grunig (apud KUNSCH, 1999, p. 114) ao afirmarem que só este
modelo pode definir as Relações Públicas excelentes: “o modelo simétrico de duas mãos
proporciona uma teoria normativa de como se deveriam praticar as Relações Públicas para
que estas sejam éticas e eficazes – características de uma administração comunicacional
excelente”. Cabe comentar que não nos interessa, aqui, questionar se o modelo simétrico de
duas mãos constitui uma visão idealista sobre comunicação, ou, até mesmo, se caracteriza
uma conduta factível diante da situação do mundo corporativo atual de intensa competição
entre as empresas. O aspecto mais relevante da filosofia das Relações Públicas excelentes e do
panorama dos quatro modelos de Relações Públicas de Grunig, que acabamos de revisar, é a
consideração especial dos públicos estratégicos da organização.

Para entendermos o que é a filosofia de Relações Públicas excelentes2, por ora, basta
definir que são aquelas praticadas com o propósito de construir e manter bons
relacionamentos com os públicos estratégicos de uma organização por meio da administração
da comunicação (LOPES, 2005, p. 76). Às Relações Públicas excelentes cabe a administração
e a promoção dos relacionamentos que existem entre as duas instâncias elementares
consideradas pela área: a organização e seus públicos. Como seu objetivo último tem-se em
conta a facilitação dos processos interativos. Para tanto, as Relações Públicas excelentes
devem valer-se de estratégias definidas por um planejamento que leve em consideração a
complexidade do processo comunicativo e as circunstâncias variáveis do ambiente social.

De acordo com os preceitos das Relações Públicas excelentes, a função de


gerenciamento da comunicação leva à eficácia organizacional. Organizações eficazes são
aquelas que atingem seus objetivos porque escolhem aqueles que são valorizados por seus
públicos estratégicos, e também as que gerenciam com sucesso os programas de Relações

2
O conceito de Relações Públicas excelentes surge a partir do projeto Excellence in Public Relations and
Communication Management (ou Projeto Excellence), um estudo coordenado pelo Phd James Grunig, da
Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, para a Fundação de Pesquisa do IABC (Institute of American
Business Communication). Ao longo de vários anos, os pesquisadores do projeto pretenderam analisar como a
atividade era conceituada, defendida, administrada e, principalmente valorada em instituições, universidades e
empresas norte-americanas, canadenses e inglesas. Grande parte dos resultados das pesquisas e das conclusões
alcançadas foi publicada por Grunig em três obras, hoje consideradas referências para o estudo das idéias deste
autor e do conceito de excelência. Para mais detalhes, Cf. nota de rodapé de LOPES, 2005, p. 50.
12

Públicas com a finalidade de realizar esses objetivos. Grunig (apud LOPES, 2005, p. 50), ao
explicar sobre o Projeto Excellence, afirma:

Organizações eficazes escolhem e realizam objetivos adequados porque desenvolvem relacionamentos


com sua clientela, que em Relações Públicas chamamos de públicos. Organizações ineficazes não atingem
seus objetivos, ao menos em parte, porque seus públicos não apóiam e, costumeiramente, opõem-se aos
esforços da administração para alcançar o que os públicos consideram objetivos ilegítimos. As Relações
Públicas tornam uma organização mais eficaz quando identificam os públicos mais estratégicos como
parte de processos de gerenciamento estratégico e realizam programas de comunicação para desenvolver
relacionamentos eficazes de longo prazo com esses públicos. Como resultado, devemos ser capazes de
estabelecer o valor das Relações Públicas medindo-se a qualidade dos relacionamentos com os públicos
estratégicos. Devemos também ser capazes de avaliar programas individuais de comunicação medindo-se
seus efeitos sobre os indicadores de um bom relacionamento.

Pela ótica da excelência, a atividade de Relações Públicas é vista como uma área
fundamental da organização, pois sua função determina diretamente a constituição da
organização. A eficácia da organização depende do nível de reconhecimento que se confere às
questões eminentes de seus públicos estratégicos. Determinada pela filosofia da excelência,
cabe às Relações Públicas, portanto, fazer a leitura do ambiente externo no qual a organização
está situada, verificar os públicos que influem diretamente na organização e os que por ela são
influenciados, investigar as questões controversas que preocupam esses públicos e promover
programas de comunicação imbuídos da estratégia de promover relacionamentos positivos de
longa duração com os públicos.

Verificamos, portanto, que é preceito da filosofia de Relações Públicas excelentes, e


também do modelo simétrico de duas mãos proposto por Grunig, a consideração da
importância dos públicos estratégicos na formulação do planejamento e da prática
profissional. A excelência trata-se, então, da proposição de uma atividade cuja estratégia
fundamental é a consideração da influência que as pessoas exercem na organização. Em total
confluência com a perspectiva sistêmica, as Relações Públicas excelentes são incumbidas da
análise das interferências ambientais no planejamento organizacional e na execução de
medidas que permitam a adaptação da organização em meio à dinâmica social inerente à
realidade.

Outros autores, em diversas obras que constituem o corpo doutrinal de nossa disciplina
acadêmica, atestam a importância da utilização de análises ambientais e dos públicos com os
quais a organização lida e, de certa forma, aproximam-se ao conceito de Relações Públicas
excelentes elaborado por James Grunig. Nessas abordagens teóricas as quais tivemos acesso,
13

a atividade de análises do ambiente e dos públicos é denominada Pesquisa e constitui um


fazer próprio das Relações Públicas, embora assumindo diferentes estatutos.

A importância da pesquisa no processo e no planejamento de Relações Públicas

A partir das definições apresentadas em seu livro, Teobaldo de Souza Andrade (2001, p.
89) elabora sua definição de processo de Relações Públicas, constituída por algumas fases
voltadas para a melhor efetividade do objetivo de Relações Públicas, que é o de “estabelecer e
manter uma compreensão mútua entre uma organização e todos os grupos aos quais está,
direta ou indiretamente, ligada”. Cada fase corresponde a uma função básica das Relações
Públicas. Seguida à primeira das fases no desenvolvimento do processo de Relações Públicas
– esta que consiste na determinação dos vários grupos com os quais a organização mantém
relação e a correspondente identificação como públicos – vem a fase da apreciação do
comportamento do público, na qual se procura conhecer as aspirações, atitudes e opiniões
desses grupos, para conhecer o que pensam da organização e quais seus comportamentos
diante das práticas organizacionais. Na fase da pesquisa deve-se fazer uso de sondagens e
pesquisas de atitude e de opinião pública, os quais, para Teobaldo de Souza Andrade (2001, p.
93), constituem em “instrumentos indispensáveis para fornecer fatos que possam permitir a
feitura de diagnósticos científicos da situação real e para descobrir os problemas que
necessitam ser solucionados, quaisquer se sejam as suas dimensões e complexidades”.

Podemos determinar as semelhanças entre a idéia central do processo de Relações


Públicas teobaldiano e o conceito de planejamento de Margarida Kunsch, definido como o
processo inerente ao desenvolvimento das atividades de Relações Públicas nas organizações,
caracterizando-se como “uma função básica para a prática profissional no gerenciamento da
comunicação das organizações com seus diversos públicos e a opinião pública” (KUNSCH,
2003, p. 315). Kunsch (2003, p. 318) determina o planejamento como a condição necessária
para a eficácia das atividades de Relações Públicas, em termos de consecução dos objetivos e
cumprimento da missão organizacional, e plena efetividade de sua função, além de permitir
racionalizar os recursos necessários e dar uma orientação básica, capaz de permitir a avaliação
de resultados.
14

A pesquisa é considerada por Margarida Kunsch (2001, p. 277) como a etapa


fundamental do planejamento de comunicação e é valorizada da seguinte forma:

Defendemos a importância fundamental do uso da pesquisa e de auditorias em relações públicas a fim de


possibilitar um caráter científico para a prática de suas atividades. (...) Somente com uma atitude científica
o profissional poderá construir diagnósticos e fazer prognósticos. Não dá para improvisar ou ficar nas
simples percepções.

Margarida Kunsch (2003, p. 323), em seus fundamentos conceituais, considera o


planejamento de Relações Públicas geralmente estruturado pelos teóricos em quatro pilares, a
saber: “pesquisa/investigação do problema; planejamento dos planos/programas de ação;
implementação por meio de ações comunicativas com os públicos; e avaliação”. Kunsch
observa, ainda, que vários autores determinam a pesquisa como a primeira fase do
planejamento e como a fase dotada de particular importância. Segundo Doug Newsom, Alan
Scott e Judy Turk, citados por Margarida Kunsch (2003, pp. 282), “é ela [a pesquisa] que dá
apoio à análise de públicos e de tendências, ao teste de mensagens, bem como ao
monitoramento, à previsão e à avaliação de questões”. Kunsch (loc. cit.) também cita Scott
Cutlip, Allen Center e Glen Broom, em sua obra Effective Public Relations, na qual
descrevem as etapas de pesquisa, planejamento, implementação e avaliação como
constituintes do planejamento de Relações Públicas.

Em sua teoria sobre pesquisas formativa e avaliatória, James Grunig baseia-se no


conceito de gerenciamento científico de programas de Relações Públicas elaborado por
Broom e Dozier no livro Usando Pesquisa em Relações Públicas, no qual os autores
descreveram cinco abordagens para o uso de pesquisa em programas de Relações Públicas, a
saber: a abordagem de não usar a pesquisa, a abordagem de uso de pesquisa informal (como
conversas com membros do público investigado, feedbacks e opiniões espontâneas emitidas),
a do tipo evento midiático (na qual a organização faz uma divulgação para autopromoção caso
haja resultados que lhes sejam favoráveis), a abordagem de pesquisa exclusiva de avaliação e,
finalmente, a abordagem de gerenciamento científico de Relações Públicas. De acordo com
Grunig (2005, p. 49):

Broom e Dozier recomendam o que chamaram de gerenciamento científico de Relações Públicas. Assim
como a pesquisa na ciência é usada para desenvolver, testar e modificar teorias, a pesquisa científica em
Relações Públicas é usada para desenvolver, testar e modificar programas de comunicação. No
gerenciamento científico das Relações Públicas, a pesquisa também é parte do processo de comunicação.
15

Há no conceito de gerenciamento científico de Relações Públicas de Broom e Dozier


grande afinidade com o conceito de Relações Públicas excelentes desenvolvido por Grunig no
decorrer do Projeto Excellence para o IABC. Seguindo o princípio da excelência, as Relações
Públicas são capazes de tornar uma organização mais eficaz desde que sejam capazes de
identificar os públicos estratégicos e realizar programas de comunicação para desenvolver
relacionamentos eficazes de longo prazo com esses públicos. Deste modo, as pesquisas de
tipo formativa e avaliatória podem ser utilizadas para o gerenciamento científico de Relações
Públicas, devendo medir a qualidade dos relacionamentos da organização com seus públicos
estratégicos, bem como avaliar programas individuais de comunicação.

Podemos, ainda, observar que os conceitos de pesquisas formativa e avaliatória de


James Grunig influencia diretamente a definição dada pelo Dicionário de Mensuração e
Pesquisa em Relações Públicas e Comunicação Organizacional, no qual encontramos o
termo pesquisa como “esforço sistemático antes (pesquisa formativa) ou durante e/ou depois
(pesquisa avaliativa ou cumulativa) de uma atividade de comunicação visando descobrir e
coletar os fatos e opiniões pertinentes a um assunto, necessidade ou questão identificados”
(FIGUEIREDO; NASSAR; STACKS, 2008, p. 60).

Por fim, o posicionamento dos autores mencionados nos leva a concluir que a pesquisa é
uma etapa muito importante para as Relações Públicas em seu processo mais formal, tal como
a defendemos aqui. Sua função é fundamental para o entendimento dos públicos e das
controvérsias que surgem nele, constituindo-se em uma espécie de canal aberto ao público, ou
mesmo a oportunidade para que a organização ponha suas práticas em discussão, com vistas à
reflexão e à efetividade de seus programas de relacionamento com seus públicos estratégicos.
Conhecer a opinião dos públicos a respeito do seu comportamento corporativo e de suas
atitudes, bem como das práticas de sua comunicação, significa considerar a realidade desses
públicos e valorizar sua importância para a organização, considerando as determinações do
ambiente externo sobre o desempenho organizacional em pleno andamento dinâmico da
sociedade. Margarida Kunsch (2003, p. 281), ao citar Glen Broom e David Dozier sobre a
importância da pesquisa no planejamento, corrobora a relação entre pesquisa e a perspectiva
sistêmica:

Numa perspectiva sistêmica, ou seja, considerando-se as organizações como sistemas abertos que usam
inputs para se ajustar a seus ambientes em constante mudança, a pesquisa em Relações Públicas assegura
que informações sobre o ambiente cheguem de forma clara e contribuam para o processo de tomada de
decisões na organização.
16

Pela revisão feita até aqui, reunimos subsídios teóricos que referendam a necessidade do
trabalho contínuo de investigação para a criação e manutenção de relacionamentos excelentes
em longo prazo. Diante da importância das Relações Públicas como área estratégica
diretamente ligada à construção e manutenção de imagem e reputação corporativa perante
seus públicos estratégicos, e de sua potencialidade no sentido de agregar valores tangíveis à
corporação, entende-se que a conquista de relacionamentos de nível excelente depende
consideravelmente da leitura do ambiente e da demonstração de resultados que os agentes de
Relações Públicas se disponham a fazer.

Dessa forma, o planejamento de comunicação levado a cabo pela função de Relações


Públicas deve fortemente considerar a etapa de pesquisa como primordial para se estabelecer
uma comunicação efetiva no processo de Relações Públicas, o qual é entendido neste trabalho
como o empreendimento que busca estabelecer comunhão de idéias e atitudes por intermédio
da comunicação (ANDRADE, 2001, p. 104).

1.2 – Fundamentos conceituais de pesquisa em Relações Públicas

Para conceituarmos as pesquisas em Relações Públicas utilizamos as definições de John


Pavlik em sua obra La investigación en Relaciones Públicas (1999, sem tradução para o
português), na qual é elaborado um retrato do campo acadêmico das Relações Públicas numa
perspectiva atual, constituindo um mapa conceitual das pesquisas de domínio público ao qual
o autor teve acesso.

Primeiramente, Pavlik (1999, p. 19) define pesquisa como sendo “a captação sistemática
de informação e sua interpretação”. O propósito de qualquer pesquisa, para o autor, é
aumentar a compreensão sobre qualquer fenômeno, inclusive fenômenos de natureza
comunicacional, sendo estes objeto de estudo pertinente às Relações Públicas. De acordo com
Pavlik, a pesquisa sobre Relações Públicas – tanto sobre seu processo, quanto sobre a
explicação da forma como funcionam e das estratégias usadas para influir a conduta e a
opinião pública – proporciona um vislumbre da própria sociedade, pois as Relações Públicas
são uma das principais indústrias de apoio dos meios de comunicação de massa, além de
intermediarem os vínculos existentes entre instituições e seus públicos. Diante dessas
17

afirmações, a principal motivação para o estudo das Relações Públicas por meio de pesquisas
é descrita por Pavlik (1999, p. 17):

Por causa deste papel importante, muitos eruditos sentem-se motivados a compreender a natureza exata, o
efeito e a função das Relações Públicas em nossa sociedade e no mundo. Também buscam compreender
os standards3 e a ética dos que praticam as Relações Públicas. Para muitos, o objetivo final é legitimar a
prática de Relações Públicas, convertendo-a em uma profissão de pleno direito, como a advocacia ou a
medicina.

Apesar do grande valor potencial das pesquisas de Relações Públicas para a


compreensão do cenário corporativo, o estudo de Pavlik indica que sua utilização não se
desenvolveu o suficiente ao longo dos vários anos de existência oficial da atividade, fato que
culminou na dificuldade que a área enfrenta em conseguir comprovar seu valor enquanto
atividade organizacional. Os profissionais de Relações Públicas, por vários motivos, não
encontraram maneiras de evidenciar o crédito de suas atividades em termos de resultados
financeiros para as empresas em que trabalham, ao contrário do que fizeram outras áreas da
Comunicação Organizacional, como o Marketing e a Publicidade, dentre as quais houve a
preocupação de mensurar o impacto direto das atividades por elas empreendidas sobre o
volume de vendas, por exemplo. Com isso posto, Pavlik comprova a necessidade da utilização
sistemática das pesquisas a fim de evidenciar o valor da atividade no contexto da
Comunicação Organizacional e “ajudar a eliminar o trabalho de adivinhação das Relações
Públicas” (PAVLIK, 1999, p. 23), resultando, até mesmo, no estabelecimento da área como
função diretiva.

Classificação das pesquisas em Relações Públicas

Pavlik elabora a classificação das pesquisas aplicadas às Relações Públicas de acordo


com três temas de investigação: pesquisa aplicada, pesquisa básica e pesquisa introspectiva.

A pesquisa aplicada é aquela elaborada para solucionar problemas práticos, ou seja,


relacionados a temas concretos. Ela envolve dois subtemas de investigação: o estratégico e o
de avaliação. A pesquisa aplicada de subtema estratégico é utilizada principalmente no
desenvolvimento de programas de Relações Públicas. Para Pavlik (1999, p. 29), ela:

3
Grifo nosso.
18

Está orientada às situações a aos problemas. Uma organização [a] utilizará com maior freqüência (...) no
processo de planejamento. (...). Também pode ser utilizada para identificar ou seguir em contato com
diversos públicos e para desenvolver uma estratégia de mensagem ou de meios.

Já a pesquisa aplicada de subtema avaliativo serve para determinar a eficácia de um


programa de Relações Públicas em termos de consecução de objetivos e finalidades.

É-nos interessante estabelecer, neste momento, o paralelo entre essa primeira


classificação de pesquisa de John Pavlik e a concepção de pesquisa para James Grunig, o qual
classifica a pesquisa em Relações Públicas de duas formas distintas, de acordo com suas
finalidades: as pesquisas formativas, cujas características são definidas por Grunig (2005, p.
52) como sendo as pesquisas que:

Devem identificar os públicos estratégicos, estabelecer como a organização pode se comunicar melhor
para desenvolver relacionamentos de qualidade com esses públicos, para desenvolver estruturas
departamentais que facilitem a comunicação com os públicos estratégicos e para determinar como a
organização pode alinhar seu comportamento com as necessidades de seus públicos.

Enquanto que as pesquisas avaliativas são as que devem ser desenvolvidas tanto no pré-
teste quanto no pós-teste de programas de Relações Públicas. Muito embora este tipo de
pesquisa seja o mais realizado nos departamentos de Relações Públicas de várias
organizações, conforme constata Grunig, não permite uma visão estrutural da atividade, além
de poder ser considerado limitado em termos de resultados que traz ao planejamento
científico da comunicação organizacional.

Retornando à classificação de John Pavlik: a pesquisa básica é o segundo tipo de


pesquisas em Relações Públicas e é a responsável pela construção do corpo doutrinal sobre o
qual repousa a prática profissional. É geralmente caracterizada como sendo mais abstrata e
conceitual, servindo para desenvolver, entre outros temas, a compreensão da natureza dos
públicos, das organizações e da opinião pública.

Por fim, a pesquisa introspectiva constitui, para Pavlik, em uma forma de auto-exame da
profissão de Relações Públicas, pois estão focadas na própria função da atividade e na
formação do sistema educativo em nível superior.

Neste trabalho contemplamos esses três tipos de pesquisa em Relações Públicas


desenvolvidos por Pavlik para, mais adiante, estabelecermos as prováveis contribuições do
conceito Sensemaking a elas.
19

Utilização das pesquisas nas organizações

Para Margarida Kunsch (2003, p. 278) a pesquisa em Relações Públicas nas


organizações tem o seguinte propósito:

Conhecer a opinião dos públicos; construir diagnósticos da área ou do setor de comunicação


organizacional/institucional; conhecer em profundidade a organização, sua comunicação e seus públicos
para a elaboração de planos, projetos e programas especiais de comunicação; fazer análise ambiental
interna e externa, verificando quais as implicações que possam afetar os relacionamentos.

Enquanto que, para John Pavlik, há quatro tipos básicos de utilização de pesquisa em
Relações Públicas no âmbito corporativo e nas organizações não-governamentais: processos
de monitoramento de ambiente criado, auditorias de Relações Públicas, auditorias de
comunicações e auditorias sociais.

Os processos de monitoramento de ambiente criado englobam os estudos de opinião


pública em determinados ambientes, geralmente nas empresas. Este tipo de utilização da
pesquisa circunscreve as avaliações de clima corporativo e todo tipo de investigação que leve
em consideração o ambiente social em que a organização está. Identificamos a perspectiva
sistêmica como o referencial filosófico do qual parte essa utilização das pesquisas, tal como
Pavlik (1999, p. 34) permite-nos entender:

A maioria das corporações reconhece que formam parte de um sistema social e que as mudanças no
entorno podem ter efeitos significativos em sua prosperidade. Assim, pois, há uma grande necessidade de
controlar e vigiar continuamente ‘as tendências da opinião pública e os acontecimentos do entorno
sociopolítico’.

As auditorias de Relações Públicas é a categoria mais utilizada pelas organizações e


servem para avaliar a posição delas em relação aos seus públicos considerados importantes.
Essa categoria pode ser dividida em duas práticas: a primeira delas é identificação da
audiência, na qual o trabalho investigativo deve traçar as percepções, atitudes e temas de
controvérsia dos públicos estratégicos; a outra são os estudos de imagem corporativa, pelos
quais se procura determinar a familiaridade de cada público com a organização, as atitudes de
cada público com relação a ela, e as características de personalidade que cada público associa
à organização (PAVLIK, 1999, p. 36).
20

As auditorias de comunicações são, basicamente, a investigação sobre a avaliação das


atividades de comunicação organizacional. Engloba os estudos de legibilidade e a quantidade
de leitores de boletins internos e house organs.

E, finalmente, a auditoria social como tipo básico de utilização de pesquisa, na qual a


utilização de pesquisa serve para examinar a atuação de determinada organização como se ela
fosse um cidadão corporativo. Muitos dos estudos de auditoria social servem para conferir a
efetividade das ações de responsabilidade social empreendidas por uma empresa no contexto
socioeconômico, político e social.

Principais métodos investigativos

Pavlik observa, baseado em seus estudos, que o método científico tende a ser
predominante entre as pesquisas em Relações Públicas. A observação sistemática de
situações, grupos de pessoas e indivíduos, por meio de métodos variados, permite ao
pesquisador relações-públicas estabelecer analogias comprováveis de causa e efeito e gerar
conhecimento científico válido. Para o autor, são três os métodos de investigação adotados
pelas Relações Públicas: a pesquisa avaliativa, as medidas discretas e os métodos de
observação.

A pesquisa avaliativa é o método mais utilizado em Relações Públicas, de acordo com


Pavlik (1999, p. 41). Ela possui duplo conteúdo: o descritivo e o analítico. As pesquisas de
conteúdo descritivo estão focadas na retratação de uma situação ou condição pela qual a
organização está passando. Como uma fotografia, essa categoria de pesquisas busca saber
quantos empregados estão satisfeitos com determinado programa organizacional ou quantos
consumidores reconhecem um novo logotipo nos produtos comercializados. Já as pesquisas
de conteúdo analítico se propõem a explicar o motivo da existência de uma situação ou
condição atual, tentando estabelecer relações de causa e efeito. Esta categoria de pesquisa
permite que se realize um estudo da evolução de determinado fenômeno ao longo de um
intervalo de tempo. Podemos dizer que a motivação de leitura de boletins internos seja um
exemplo de pesquisas de categoria analítica.
21

O segundo método de pesquisa utilizado em Relações Públicas são as medidas discretas.


Este método oferece a oportunidade de estudar o comportamento humano, muitas vezes, sem
que os sujeitos se dêem conta de que estão sendo estudados (PAVLIK, 1999, P. 48), uma vez
que o investigador permanece isolado do conjunto de interações sociais que se pretende
conferir. A análise de conteúdo configura entre as categorias de estudos que se utilizam do
método de medidas discretas. Este estudo dos registros de arquivo serve para descrever as
características de uma mensagem contida em um meio de comunicação qualquer. Pavlik cita
como exemplo o estudo sobre diferenças de utilização das notas de imprensa de uma empresa
pelos diferentes programas televisivos. Outra linha de pesquisa que se vale do método de
medidas discretas são os estudos de legibilidade, os quais pretendem identificar se a forma
com a qual a mensagem é estruturada (as palavras, os termos, a seleção de temas abordados)
está adequada ao nível intelectual dos leitores.

Finalmente chegamos ao método de observação, método este que se vale da medição


direta da conduta humana por meio da observação casual de uma situação de interação de
pessoas ou da observação de uma situação controlada, realizada em experimentos de
laboratório. Apesar de muito freqüentes nos estudos das disciplinas de Ciências do
Comportamento e de Ciências Sociais, a utilização desse método é avaliada por Pavlik (1999,
p. 52) como rara de ocorrer na área acadêmica e na prática de Relações Públicas.

Pavlik ainda descreve, ao longo de sua obra, algumas maneiras pelas quais é feita a
medição do objeto de estudo, as formas de pesquisa e suas várias possibilidades de
administrar, bem como a determinação de amostragem pelas quais os dados das pesquisas são
colhidos. Contudo, não nos é conveniente adentrar em tal nível de detalhamento porque nosso
trabalho não pretende verificar as prováveis determinações do conceito Sensemaking a essas
características do método investigativo.
22

2. O conceito Sensemaking

No capítulo anterior, partimos da perspectiva sistêmica para analisar as determinações


que o ambiente externo e as múltiplas formas de relações intersubjetivas e entre subsistemas
implicam aos relacionamentos estabelecidos entre pessoas e organizações. Considerando-as
como instâncias socialmente determinadas, poderemos intuir que a busca de significados
pelas pessoas é uma constante do comportamento humano e está intimamente associada à
convivência social. Para as organizações, a construção de sentidos parece essencial à
habilidade de adaptação ao meio externo continuamente mutante.

Levando-se em conta, ainda, as atribuições da realidade nos dias atuais – tais como a
disposição massiva de informações e as várias maneiras que pessoas e grupos se inter-
relacionam – apresentamos o questionamento que estrutura este nosso presente trabalho: de
que maneira indivíduos e organizações fazem sentido sobre o mundo em que estão e,
conseguintemente, adotam atitudes? Outros questionamentos afloram deste primeiro: de que
maneira as pessoas estruturam suas experiências? Essas experiências interferem em suas
decisões futuras? Mais ainda: como entender os públicos estratégicos de uma organização e
formular adequadamente os problemas de relacionamento visando à melhoria dos
relacionamentos?

2.1 – Fundamentos do conceito Sensemaking

Nesta seção introdutória procuraremos delinear o arcabouço teórico que subsidia a


vertente do conceito Sensemaking que defendemos neste trabalho. Para tanto, faremos uma
breve revisão dos livros A Psicologia Social da Organização, de Karl Weick, e A
Organização do Conhecimento, de Chun Wei Choo. Ao final da argumentação,
apresentaremos algumas suposições de processos cognitivos defendidas por Melvin Manis,
contidas em sua obra Processos Cognitivos.

O critério que nos permitiu aproximar os três autores foi, primeiramente, a constatação
da similaridade entre as obras de Weick e Manis, pois ambos os livros foram publicados à
mesma época (no ano de 1973) e seus autores são estudiosos da área da Psicologia, embora o
23

primeiro seja especialista em Psicologia Social voltada às organizações e a estudos de


comportamento organizacional, e o outro seja pesquisador interessado na área cognitiva e em
estudos experimentais de comunicação e atitude individual. A leitura de Choo possibilita o
alinhamento do conjunto das idéias dos dois autores com uma leitura atualizada do modo com
que as organizações pensam e administram o conhecimento que constroem, contemplando
padrões de comportamento do indivíduo com relação à busca de informações e atribuição de
significado a elas.

Atualmente, Weick e Manis são professores da Faculdade de Psicologia da


Universidade de Michigan, nos Estados Unidos 4, e Chun Wei Choo é professor-associado da
Faculdade de Estudos de Informação da Universidade de Toronto, Canadá 5.

Estrutura coletiva e inclusão parcial: fenômenos constituintes da organização

No capítulo anterior, tivemos a oportunidade de introduzir o entendimento da


perspectiva sistêmica sobre o conceito de organização e havíamos argumentado sobre a
importância da organização, considerada como um subsistema, para o funcionamento do
sistema maior que é a sociedade. Essa perspectiva é recorrentemente empregada nas teorias
das organizações as quais revisamos para a composição deste trabalho. Nelas também é
reforçada a importância da comunicação para o funcionamento dos processos que determinam
a organização.

Karl Weick (1973), corroborando essa perspectiva, defende que as organizações são
formações de grupos de pessoas. A maneira como os grupos são formados é definida por ele
por meio da apropriação do conceito de estrutura coletiva desenvolvido por Allport. Dessa
forma, Weick postula que um grupo de pessoas é originado a partir do momento em que uma
6
díade abriga em sua formação uma terceira pessoa, constituindo uma tríade de pessoas, na

4
Fonte: portal institucional da Universidade de Michigan. Disponível em <http://www.lsa.umich.edu>. Acesso
em 5 Nov. 2008.
5
Fonte: portal institucional da Universidade de Toronto. Disponível em <http://www.ischool.utoronto.ca>.
Acesso em 5 Nov. 2008.
6
A díade é considerada por Weick como a unidade básica do comportamento social. Trata-se de um conjunto de
duas pessoas em que existe interdependência e uma série de comportamentos recíprocos. A transição de uma
díade para uma tríade provoca a instauração de outro padrão de relações, no qual se verificam fenômenos de
controle, cooperação ou competição, dependendo da confluência dos interesses de seus membros.
24

qual ocorre uma convergência preliminar de interesses, tal como é citado, em referência a
Allport (apud WEICK, 1973, p. 44).

Uma convergência preliminar de interesses ocorre porque cada uma delas prevê que a outra pode
beneficiá-la e cada uma delas tem uma noção semelhante quanto à maneira pela qual isso pode ser
realizado. Depois de inicialmente convergir em idéias comuns sobre a maneira de formação de uma
estrutura, as pessoas ativam um ciclo repetitivo de comportamentos interligados – isto é, formam uma
estrutura coletiva.

Ocorre que, em um grupo de pessoas, cada uma delas prevê que a outra pode beneficiá-
la de alguma forma, e passam a desenvolver uma noção semelhante quanto à forma pela qual
isso pode se estabelecer. Sendo assim, a formação dos grupos se dá após a convergência de
idéias sobre sua formação, ao contrário da noção compartilhada pelo senso comum, a qual
indica uma seqüência em que o grupo se formaria antes do estabelecimento da convergência
das regras para mantê-lo. Ao passo em que a convergência de regras e de atitudes consolida-
se entre os indivíduos do grupo, estabelece-se um ciclo contínuo de comportamentos
interligados que possibilita a aproximação entre as pessoas e a execução de comportamentos
que se interligam, desde que satisfeita a condição das vantagens mutuamente estabelecidas
entre os sujeitos.

Na visão de Allport, as organizações realizam-se por vários processos e estes processos


consistem nos comportamentos individuais que são interligados. Com efeito, os
comportamentos interligados das pessoas permitem o funcionamento da organização ou, em
outras palavras, são eles o elemento fundamental que entra na composição das organizações.
Devemos enfatizar, tanto quanto Weick, que são os comportamentos interligados, e não as
pessoas, que estruturam a organização.

Essa idéia de formação de grupos precedida pela convergência de regras e de atitudes é


semelhante à interpretação de Simmel, citada por Weick (1973), em torno das idéias simples e
absolutas, e de suas interpretações, como fatores da formação de grupos. A significação da
realidade, que origina as idéias e interpretações, se dá em termos de semelhança e
dessemelhança com as aptidões e crenças dos sujeitos. Isso quer dizer que as pessoas gostam
mais do que se assemelham a elas e, em virtude disso, passam a interagir mais intensamente
com grupos e pessoas afins. A interpretação da realidade baseada em distinções afetivas
significa que o afeto individual precede a cognição. Conseqüência disso, para Simmel, é

Em sua teoria, não importa analisar o número de pessoas que compõe a organização, mas, sim, observar as várias
combinações de díades e tríades que se estabelecem no ambiente organizacional. O padrão das alianças das
díades (ou tríades) entre si configura a organização.
25

sugestão de que os participantes de grupos são mais persuadidos por apelos emocionais do
que intelectuais.

Para elucidar a natureza do comportamento individual na organização, Weick


desenvolve o conceito de inclusão parcial, também de autoria de Allport. A partir da
constatação de que as pessoas participam de vários grupos, dentro ou fora do espaço
organizacional, Allport determina que nem todos os comportamentos são manifestados pela
pessoa em um grupo qualquer que ela participe. Não há, portanto, uma transição integral do
comportamento de um sujeito em suas relações de grupo. Sendo o indivíduo quem assume a
responsabilidade pela integração de partes de si mesmo na organização, alguns
comportamentos individuais podem ficar sob controle da estrutura coletiva e outros não.
Logo, a idéia de inclusão parcial oferece condições para que se entenda a dinâmica das
relações sociais realizada concomitantemente à independência.

Com efeito, esses dois aspectos da formação de grupos e de organizações – a estrutura


coletiva e a inclusão parcial – permitem um movimento de análise que parte do âmbito
individual para a esfera coletiva, ou seja, possibilitam um exame que alia a socialização e a
individualização como fenômenos paralelos. Tal como conclui Leandro Vieira (2007), “a
vantagem da abordagem de Allport apontada por Weick é que a sua apresentação é explícita
quanto a maneira de ligação entre os níveis de análise (indivíduo, grupo, organização,
sociedade...)”. A compreensão que se propõe aqui, neste trabalho, vai de encontro a essas e a
outras interpretações organizacionais as quais não limitam a organização a fenômenos
exclusivamente objetivos.

Weick (1973) sugere a necessidade de se investigar os elementos que condicionam as


relações das pessoas no ambiente organizacional para construir uma teoria de fato, ao invés de
os teóricos permanecerem voltados a meros de estudos de casos, considerados pelo autor
como a-históricos, carregados de recomendações e parcialidades. Choo (2003, p. 29)
corrobora a idéia da limitação da racionalidade, afirmando o seguinte: "na prática, a
racionalidade da decisão é atrapalhada pelo choque de interesses entre sócios da empresa,
pelas barganhas e negociações entre grupos e indivíduos, pelas limitações e idiossincrasias
que envolvem as decisões, pela falta de informações e assim por diante".

Ambos os autores concordam que há, na constituição da organização, elementos comuns


que dão base para a associação coletiva e influem em seu funcionamento. Embora pareçam
26

racionais “para preservar a legitimidade externa” (CHOO, 2003, p. 29), os processos de


decisão, interligados aos processos de construção de conhecimento e criação de significado,
são influenciados por aspectos não-objetivos. Tais elementos constitutivos da empresa e,
principalmente, aspectos decisórios não são exclusivamente tangíveis, dado que a organização
não é dada a priori pelos sujeitos que com ela se relacionam. Aspectos cognitivos são
determinantes em se tratando da racionalidade limitada à qual os autores se referem.

Decretação ambiental: propriedade fundamental da organização

Uma propriedade básica de grupos de pessoas e, logo, de organizações é a necessidade


de criação de sentidos para as situações e aspectos da realidade. Leandro Vieira (2007)
elabora da seguinte maneira: “podemos dizer que as organizações, para além de sua estrutura
institucional, não podem viver sem uma ‘produção de sentido’. (...) Sentido é o que as
organizações elaboram como experiência a partir desses sinais do presente e dos ambientes
sempre porosos em que estão inseridas”.

Choo refere-se a Karl Weick para estabelecer o procedimento de criação de significado


para as organizações. Com base em informações que fluem dos grupos constituintes da
organização para o ambiente externo e vice-versa, Choo (2003, p. 30) estabelece do seguinte
modo: "primeiro, é percebida a informação sobre o ambiente da organização; então, seu
significado é construído socialmente. Isso fornece o contexto para toda a atividade da empresa
e, em particular, orienta os processos de construção do conhecimento". A integração eficiente
desse processo de criação de significado qualifica uma organização do conhecimento, tema
central da obra de Choo. Essa habilidade confere vantagem competitiva, "permitindo-lhe agir
com inteligência, criatividade e, ocasionalmente, inteligência" (ibid., p. 31).

A atribuição de significado por parte das pessoas que fazem parte de grupos sociais
assume um aspecto especial para Karl Weick. Influenciado pelas idéias de Skinner, Allport e
Schutz, Weick desenvolve o conceito de decretação ambiental 7. Este conceito determina que
o ator organizacional não, meramente, reage ao ambiente em que está (a organização), mas

7
A versão original de Weick (1973), em inglês, registra o termo enactment, traduzido para a versão em
português como ambiente criado. No entanto, preferimos utilizar a expressão decretação do ambiente (ora
decretação ambiental) para nos referirmos a esse conceito por acreditar sermos mais fieis ao aspecto
especialmente determinador (e mesmo arbitrário) ao qual a palavra inglesa compreende.
27

cria o ambiente (WEICK, 1973, p. 64). É sobre esse ambiente criado, ou decretado, que os
processos da organização se realizam, conforme conferiremos em breve.

A argumentação seguida por Weick é a de que as pessoas só conseguem ter condições


de saber o que realizam depois de terem executado a ação. Este raciocínio tange a idéia de
estímulo-resposta da Psicologia Cognitiva, cujo um dos princípios fundamentais é que apenas
quando uma resposta for inteiramente realizada é que o estímulo que a originou pode se tornar
definido. Como postula Weick (1973, p. 64), todo conhecimento e todo sentido decorrem de
reflexão, de um olhar para trás. Se uma pessoa deseja fazer com que o mundo se torne mais
previsível, precisa verificar acontecimentos que já ocorreram e que sejam repetíveis no
momento presente.

A maneira como a decretação ambiental – ou seja, a criação do ambiente – acontece no


âmbito individual é dada em três etapas pela perspectiva inovadora de Weick: criação, seleção
e retenção de informações para a criação de sentidos. Essas etapas (ou processos) são
interligadas de tal forma que a etapa da retenção influi nas outras duas.

Primeiramente, a etapa de criação de sentido, essencialmente ligado ao processo


cognitivo da atenção, é formada pela observação do que ocorreu ao sujeito. Trata-se de uma
seqüência mental na qual certas partes da experiência passada tornam-se significativas. A
observação de uma informação, ou estímulo, no momento presente se dá pela atenção dirigida
para o passado. Weick (1976, p. 79) defende que “todo item de informação, qualquer que seja
sua clareza ou ambigüidade, passa por todos esses estágios”. Com base na argumentação de
Weick, podemos afirmar que uma vez vivida, a experiência sobre determinada situação está
potencialmente disponível para a atenção.

Seguidamente instaura-se a seleção da informação. Esta etapa compreende que o que


quer que ocorra no momento presente influirá no que a pessoa descobre ao olhar para trás
(WEICK, 1973, p. 65). A fase de seleção é análoga a um centro de decisões nas organizações.

Finalmente, a retenção da informação é considerada uma seqüência em que a atitude do


ego com relação à atividade presente determina sua atitude passada. Assim, “o sentido de uma
experiência vivida passa por modificações, e estas dependem do tipo específico de atenção
que o ego dá a essa experiência vivida” (SCHUTZ apud WEICK, 1973, p. 67). Portanto, o
sentido que as pessoas constroem sobre qualquer fenômeno é condicionado à maneira pela
28

qual a atenção do “aqui, agora (determinado ponto no tempo)” se voltou. O que quer que
esteja sendo realizado determinará o sentido de tudo o que já aconteceu. Weick (1973, p. 67)
complementa: “os interesses presentes no ator determinam o sentido de suas experiências
vividas. (...) o aspecto fundamental é que o sentido é retrospectivo e determinado pelo modo
de atenção voltado para a experiência vivida”.

Por meio das etapas de criação, seleção e retenção, Weick designa o processo pelo qual
indivíduos desempenham um papel ativo na criação do ambiente em que vivem. Este processo
é o de decretação ambiental e nele podemos inferir que haja uma multiplicidade de sentidos
que podem ser atribuídos à informação em função das experiências passadas. Karl Weick,
nesse mesmo sentido, pressupõe a existência de ambigüidade das informações captadas pelo
processo de decretação ambiental. Conforme o autor observa, embora a fase de criação seja
uma maneira de afastar a ambigüidade, os interesses do momento presentes, em que as
informações de experiências passadas são evocadas, podem determinar a interpretação. Além
disso, nenhuma interpretação consegue dizer tudo sobre uma situação ou fato, pois, para
Schutz (apud WEICK, 1976, p. 69), “nenhuma experiência vivida pode ser esgotada por um
único esquema de interpretação”.

A fase de criação, em si, carrega de ambigüidade o sentido sobre a realidade, ou seja,


provoca informações ambíguas a serem processadas pela fase subseqüente, a de seleção. As
mudanças no ambiente externo, por exemplo, afetam o estado de ambigüidade da informação
a ser absorvida pelas pessoas e determina o processo de criação. No momento em que a
informação atinge o processo de retenção, já se afastou grande parte da ambigüidade inerente,
porém o excesso de sentido permanece na informação e isso é considerado como certa
ambigüidade. A fase de retenção possui duas fontes de ambigüidade: a primeira advinda do
processo de seleção, e a outra que se desenvolve a partir de contradições entre itens
(informações) mais novos e mais antigos do conteúdo conservado (WEICK, 1976, p. 72).

Soma-se a esse panorama de ambigüidade o fato de o conteúdo de um fenômeno, ou


situação, poder ser reinterpretado de diferentes modos, dada a atribuição de sentido
retrospectivo. O conteúdo pode adquirir diferentes sentidos, os quais dependem do andamento
das situações em que o indivíduo está inserido e seus projetos que estão sendo realizados no
exato momento do contato com a informação. Por isso, “um item supostamente não ambíguo
se torna mais ambíguo” (WEICK, 1976, p. 76).
29

As escolhas que as pessoas, ou atores organizacionais, fazem sobre os processos de


criação, seleção e retenção se dão por base da caracterização da informação retida como
ambígua ou não-ambígua. Weick (1976, p. 79) defende:

Quando uma pessoa desmente seu conteúdo guardado, o que faz é atribuir a esse conteúdo uma
quantidade de ambigüidade oposta à que tinha depois de passar pelos processos de organização. (...) De
outro lado, quando o ator decide agir ou fazer escolhas a partir de conteúdo conservado, e decide não o
desmentir em suas escolhas e atos futuros, atribui ao conteúdo conservado a mesma quantidade de
ambigüidade que tinha no processo de retenção.

As implicações do conceito de decretação ambiental para as organizações se dão, então,


em dois níveis. Primeiramente, inferimos que este processo afeta o processo de decisão8 da
organização. A natureza das decisões, ou escolhas, sustenta-se na revisão do repertório de
respostas dos sujeitos na organização e esta influência pode ser volitiva (WEICK, 1976, p.
60), ou seja, o ator organizacional tem a potencialidade de decidir se a informação que
conserva em si irá limitar ou liberar suas ações subseqüentes. Assim, sempre que o ator
decide mudar seus critérios de seleção ou suas ações, desmente parte de sua sabedoria
adquirida (loc. cit.). Cabe, portanto, ao sujeito determinar o momento de deixar ou não a
sabedoria passada de lado, quer dizer: estabelecer “a combinação ideal entre flexibilidade e
estabilidade. Um processo conserva o grau de não-ambigüidade já conseguido pela
informação no sistema de retenção, e o outro processo cria novas conseqüências para o
conteúdo não-ambíguo” (WEICK, 1976, p. 89).

O segundo nível de implicações estabelece-se na constatação de que a atribuição de


sentido possibilita a existência do fenômeno da estrutura coletiva e, conseqüentemente, faz
com que qualquer grupo, ou organização, constitua-se e se mantenha existindo.

Referências cognitivas

Conforme o pensamento desenvolvido por Karl Weick, em seu livro A Psicologia Social
da Organização, as organizações são consideradas agrupamentos de pessoas e se formam
graças ao estabelecimento de uma estrutura coletiva, ou seja, de uma convergência preliminar
de interesses dos sujeitos. Os processos inerentes à organização consistem em
comportamentos individuais estruturados, ou seja, interligados. Porém nem todo tipo de

8
Tradução da expressão decision making, um dos conceitos estudados por Karl Weick em seu conjunto de obras,
sobre a construção ou elaboração de decisões nas organizações.
30

comportamento é expresso pelo indivíduo no grupo do qual faz parte, cabendo a ele decidir
quais aspectos comportamentais empregar em sua relação enquanto ator organizacional.

Pelo conceito de decretação ambiental de Weick, sugere-se o processo pelo qual


indivíduos desempenham um papel ativo na criação do ambiente em que vivem e na
construção de sentido atribuídos a ele. Sabendo-se que os processos organizacionais são
definidos como comportamentos interligados, o aspecto cognitivo de construção de
significados pode ser transferido para o plano organizacional. Deste modo, os processos que
viabilizam a organização, tais como decisões gerenciais e construção de conhecimento
coletivo, constituem maneiras de a organização criar significado sobre sua contingência.

Referimo-nos em grande parte desse raciocínio a aspectos essencialmente mentais


empreendidos naturalmente pelas pessoas. Estes aspectos fazem parte da explicação dos
processos intermediários do pensamento humano, a partir da percepção de determinado
estímulo, ou sinal, até a produção de uma ação decorrente (um comportamento). Estamos,
portanto, em pleno domínio das Ciências Cognitivas e valemo-nos de estudos ligados a
processos de aprendizagem, memória e formação de conceitos; todos eles expressos por
mecanismos de estruturação de pensamento, linguagem e comunicação, com vistas à
convivência social e à solução de problemas cotidianos.

Com base na obra de Melvin Manis, entendemos como cognição o ato de conhecer, o
que envolve algumas operações cognitivas como atenção, percepção, memória, raciocínio,
imaginação, pensamento e linguagem. Há diversas linhas teóricas dentro do campo das
Ciências Cognitivas, mas todas elas parecem convergir para o conceito de que a cognição
significa a aquisição de um certo conhecimento através da percepção, classificação,
reconhecimento e compreensão.

À primeira vista, podemos definir a aprendizagem como operação cognitiva pertinente


ao ato de atribuir sentido aos fenômenos da realidade. Tal como Manis (1973, p. 17) sugere:
“um dos mais notáveis aspectos do comportamento humano é a sua maleabilidade a uma
quase infinita capacidade de adaptação comportamental do indivíduo a situações diversas”. O
mecanismo de generalização de situações pode ser considerado como um excipiente da
aprendizagem, subjacente à nossa capacidade de adaptar rapidamente nossas ações a situações
encontradas pela primeira vez. Diante de um mundo relacional, repleto de contingências e
31

ineditismos, parece-nos fundamental que as pessoas estabeleçam maneiras satisfatórias de


apreender as situações e saber lidar com elas.

Relacionada diretamente à generalização está também outra operação cognitiva, que é a


memória. Este processo desempenha papel fundamental na constituição mental de conceitos e
significados. A organização interior do conteúdo a ser lembrado pressupõe a existência de
estrutura significante neste conteúdo, devendo-se estabelecer, portanto, relações temáticas e
categorizações (MANIS, 1973, p. 27). No entanto, a memória não consiste na simples
aquisição e retenção de eventos apresentados ao sujeito. Para Manis (1973, p. 28), “o processo
da memória é um ativo esforço para a descoberta do significado”. Em função disso, a
organização e categorização são características muito importantes para a memória. Para
Bartlett (apud MANIS, 1973, p. 52) “construímos e esquematizamos os detalhes essenciais
num esforço para ajustá-los à nossa própria experiência passada”. Há, portanto, um esforço
mental para a descoberta do significado dos acontecimentos que nos são apresentados e
confere-se maior sucesso à lembrança de um conteúdo mental que tenha sido organizado
coerentemente na mente, por meio de artifícios mnemotécnicos, conforme exemplifica Manis
(1973, p. 31). A relação entre os conteúdos e modelos de quadro de referências de
informações adquiridas são temas próprios do estudo da memória.

Sendo assim, o comportamento das pessoas está subordinado à operação de memória.


Uma determinada seqüência comportamental pode ser exibida quer pela recordação dos
elementos específicos envolvidos em determinada situação, quer pela recordação dos
elementos por causa de sua posição em uma estrutura cognitiva mais geral, logo abstrata,
própria de regras gerais. As operações de memória capacitam-nos para lidar mais
adequadamente com novos exemplos específicos que talvez não tenham sido previamente
encontrados (MANIS, 1973, p. 58).

A partir da memória surgem os mecanismos de generalização e formação de conceitos,


os quais passam pela interpretação de mensagens. A interpretação subjetiva de mensagens (ou
de informações) é designada por uma série de efeitos que se aplicam na mente humana, de
acordo com as idéias de Manis. O primeiro deles é o efeito de assimilação, no qual a
influência das opiniões do sujeito que capta as mensagens, em suas interpretações, determina
um “tipo de distorção no qual o significado do texto é deslocado para a posição preferida do
ouvinte” (MANIS, 1973, p. 60). O segundo, efeito de contraste, está relacionado à certa
pressão sofrida pelo sujeito no sentido de mudar sua convicção diante de um cenário de
32

relações hostis. O terceiro efeito está ligado à relação de atitudes e o grau de envolvimento
com as organizações, sendo que as diferenças deste envolvimento geram impacto sobre a
interpretação de opinião dos indivíduos. O quarto efeito apontado por Manis é o da
perspectiva, o qual versa sobre a capacidade de um sujeito notar as diferenças das opiniões de
outros sujeitos. “As pessoas podem prontamente detectar as mínimas diferenças entre as
afirmações com as quais concordam Enquanto que mostram um julgamento empobrecido ao
relacionar as diferenças entre as afirmações com as quais não concorda” (MANIS, 1973, p.
62).

Podemos deduzir que o processo de decretação ambiental depende em grande parte das
operações de memória dos atores organizacionais. Mesmo as etapas seqüenciais de criação,
seleção e retenção de informações para a construção de sentidos passam, necessariamente,
pelos domínios mnemônicos, principalmente no que tange a atribuição de sentido
retrospectivo. Invariavelmente, no conceito de Weick, existe a ambigüidade na interpretação
de mensagens. Com relação à ambigüidade das informações, podemos designar um conceito
paralelo pressuposto por Manis: a teoria da dissonância cognitiva. De acordo com Manis
(1973, p. 68), “a presença simultânea de duas ou mais cognições ou idéias dissonantes
resultará num estado de impulso nocivo que as pessoas tentarão resolver”. A dissonância
cognitiva presume a geração de uma tensão no sujeito associada à ambigüidade. Esta tensão é
reduzida mediante a condição de o sujeito modificar suas opiniões sobre o tema ou assunto.

Todas essas constatações firmadas por Manis testemunham a importância da condição


pela qual o conjunto de operações cognitivas se manifesta no sentido da construção de
sentidos. Esse aspecto é determinante da interpretação de mensagens e da atitude das pessoas
diante da necessidade de resolução de um problema e da atribuição de sentido às mensagens e
informações que cercam os indivíduos a todo instante.

2.2 – Revisão da obra de Karl Weick: Sensemaking nas organizações

Karl Weick, no livro Sensemaking in Organizations (sem tradução para o português),


reúne as principais idéias de vários estudiosos que corroboram a abstração denominada
Sensemaking. Como o próprio autor adverte no prefácio, o livro é uma imersão em uma
conversa ainda em andamento, uma vez que a definição desse conceito não figura como uma
33

unanimidade no meio acadêmico. Como analisa David O´Connell (1998), Weick nos permite
adentrar na discussão de uma eclética série de perspectivas, oriundas de vários campos, tais
como psicologia social, psicologia cognitiva, estudos da comunicação, estudos de estratégia e
de decision making; que delineia a perspectiva Sensemaking na vida organizacional.

O desenvolvimento da obra se dá por uma estrutura que obedece a um encadeamento


lógico bem definido, construída em sete capítulos conceituais e um último capítulo no qual
Weick estima o futuro da pesquisa acadêmica sobre Sensemaking e da sua prática nas
organizações. Neste capítulo do nosso trabalho faremos uma revisão de Sensemaking in
Organizations, a fim de, sinteticamente, apresentar as mais significativas referências
conceituais manifestadas e perpassar a seqüência lógica seguida pelo autor.

Conceitualização de Sensemaking

Primeiramente, o autor apresenta a natureza do Sensemaking enquanto fenômeno


humano, fundamentado tanto no âmbito individual quanto no social (WEICK, 1995, p.6), o
qual é conceituado de diferentes formas por vários investigadores. Para começar, Karl Weick
(1995, p. 4) institui Sensemaking como um conceito bem nomeado, pois, “literalmente,
significa a construção de sentido” 9. Contudo, o autor mostra que o conceito pode ser
estabelecido por muitas perspectivas, desde as definições que partem de uma análise do
Sensemaking como atividade simplesmente individual até as análises que o situam como
fenômeno grupal. Como abordagens exclusivamente individuais, o autor cita algumas
definições de Sensemaking: a elaboração sensata e significativa de eventos vividos por
agentes [sociais] ativos, para Huber e Daft (apud WEICK, 1995, p.4); ou a estruturação do
desconhecido, para Waterman (loc. cit.); ou, então, um processo pelo qual indivíduos
desenvolvem um mapa cognitivo do ambiente em que estão, para Rings e Rands (apud
WEICK, 1995, p.5).

Já a definição de Starbuck e Milliken (loc. cit.) envolve a disposição de estímulos em


uma espécie de framework 10. Como frame, os autores definem o ponto de vista generalizado
que guia interpretações. A disposição de estímulos variados do ambiente exterior para os
9
Podemos depreender o significado da palavra Sensemaking como produto da justaposição dos termos, em
língua inglesa: sense, sentido, significado; e making, feitura, elaboração ou construção.
10
Tradução livre: arcabouço, estrutura que reúne abstrações.
34

frameworks permite que as pessoas compreendam, entendam, expliquem, atribuam,


extrapolem e predigam esses estímulos. Há, então, disposições individuais permanentes que
são regulares e previsíveis, como um repertório de resposta, as quais freqüentemente são
evocadas em face de diferentes estímulos.

Meryl Louis (apud WEICK, 1995, pp. 4-5) exibe o conceito Sensemaking como um
processo mental que se vale de acontecimentos retrospectivos que explicam surpresas. Para
ela, “eventos discrepantes, ou surpresas, desencadeiam uma necessidade de explicação, ou
pós-dicção, e, correspondentemente, de um processo pelo qual as interpretações das
discrepâncias sejam desenvolvidas. A interpretação, ou o significado, são atribuídos às
surpresas”. A autora ainda postula que a atividade de dispor estímulos em frameworks é mais
perceptível quando as predições sobre determinado estímulo falham e, conseqüentemente,
expectativas que se fizeram em torno do prognóstico não são cumpridas em plena ruptura do
andamento de uma atividade rotineira. Sendo assim, o Sensemaking seria, também, o
“entendimento de como as pessoas dão conta dessas interrupções” (WEICK, 1995, p. 5).

Outros autores adotaram uma perspectiva que alia a dimensão da ação coletiva à
compreensão do fenômeno Sensemaking enquanto disposição de estímulos em frameworks
estabelecidos. Thomas, Clark e Gioia (WEICK, 1995, p. 5) descrevem o processo de
Sensemaking como “a interação recíproca da procura de informação, a atribuição de
significado e a ação”, contemplando a inclusão, ao processo, da varredura perceptual do
ambiente, da interpretação e das reações associadas ao estímulo. Sackman (apud WEICK,
1995, p.5) alia a essa perspectiva da ação humana a dimensão da organização, sendo o
Sensemaking o mecanismo de atribuição de significados aos eventos na organização. Feldman
(apud WEICK, 1995, p.5) segue esta linha de Sackman e determina que Sensemaking seja um
processo interpretativo necessário “aos membros de uma organização para entenderem e
compartilharem entendimentos sobre diversos aspectos da organização, tais como o que ela é,
o que faz eficiente ou deficientemente, com quais problemas defronta-se e como poderia
resolvê-los”.

Depois de citar algumas referências que dão conta da idéia Sensemaking, Weick toma a
resolução de distinguir a natureza própria do Sensemaking do processo humano de
interpretação, estabelecendo, então, a singularidade desse conceito. Embora Sensemaking e
interpretação sejam conceitos freqüentemente citados como sinônimos, Weick (1995, p. 7)
defende que o Sensemaking é mais o abrangente dentre eles, pois – usando a metáfora da
35

leitura – se refere não só à maneira como se lê um texto, o que é simplesmente a


interpretação, mas também à maneira como se compõe o texto que se lê. Tanto quanto a
interpretação – que na análise de Mailloux (apud WEICK, 1995, p. 7) é a tradução aceitável,
ou seja, que adquire certo estatuto em uma comunidade; e aproximativa, ou seja, que se
pretende capturar alguma idéia – o Sensemaking não é uma leitura individual, pois está
contido em relações de poder de uma comunidade revestida de uma história. Contudo, o
Sensemaking se distingue em função de certos atributos.

Valendo-se da explicação de Schön (apud WEICK, 1995, p. 9) de que, “no mundo real,
os problemas não são apresentados aos profissionais como dados”, Karl Weick defende que se
faz necessário às pessoas e aos profissionais de organizações estabelecer sentido sobre as
situações incertas que, inicialmente, parecem não ter sentido e que nos são oferecidas como
situações problemáticas. Esse sentido passa pela seleção de características da situação que se
está presenciando, pela seleção dos limites da situação para os quais damos atenção e pela
imposição de coerência que nos permite dizer em qual a direção a situação deve ser mudada.
De certa forma Shooter (apud WEICK, 1995, pp. 9-10) e Thayer (id., 1995, p. 10) corroboram
com essa passagem, porém o fazem transpondo essa rotina de estabelecimento de sentido para
as tarefas gerenciais (ao gerente cabe formular adequadamente a situação problema composta
por eventos desordenados e incoerentes) e dos líderes de equipe (os quais devem atribuir à
realidade um significado recriado de um mundo aparentemente caótico e incompreensível
junto aos seus seguidores), respectivamente.

Weick define Sensemaking como o processo relativo à maneira pela qual as pessoas
geram o conteúdo que interpretam, é dizer: Sensemaking é uma atividade criativa que
antecede a interpretação. Mesmo que a interpretação seja considerada como um processo
mental, tanto quanto o Sensemaking, a natureza dessas abstrações diferem, pois “o ato de
interpretação implica que alguma coisa está lá, como um texto a ser lido, esperando ser
descoberto ou estimado. Sensemaking, no entanto, está mais relacionado à invenção e menos
à descoberta” (WEICK, 1995, p.13). Dessa forma, o Sensemaking focaliza a invenção que
antecede a interpretação sobre fatos e situações, o que implica um maior nível de engajamento
do sujeito como ator social ou organizacional. Sensemaking é um conceito íntimo à atribuição
coletiva de sentido, o que, para Swann (apud WEICK, 1995, p. 14) significa que
“Sensemaking deve ser descrito como um esforço contínuo para a criação de um mundo no
qual a percepção objetiva, no lugar da percepção interpessoal, deve ser mais apropriada”.
36

Para complementar essa exposição, Weick aproxima seu conceito à sugestão de Frost e
Morgan (apud WEICK, 1995, p.14) sobre o fato de, ao tentar estabelecer sentido às coisas, as
pessoas “lêem nessas coisas o significado que desejam ver; elas revestem objetos,
pronunciamentos e ações de tal significado subjetivo que as auxilia a fazer seu mundo
inteligível a elas próprias”. Ou ainda, para Frost, Morgan e Pondy (apud WEICK, 1995, p. 14)
“as pessoas elaboram sua realidade com base na ‘leitura’ possibilitada por seus padrões de
situações que definem significados especiais”. Consequentemente, as pessoas fazem sentido
de sua realidade e das coisas que as cercam por meio da observação de um mundo ao qual já
atribuíram antecipadamente sentido, ou seja, um mundo o qual elas já determinaram em quê
acreditar.

Por conseguinte, Weick (1995, p. 15) suplementa sua definição de Sensemaking: “Falar
sobre Sensemaking é falar sobre a realidade como uma realização contínua moldada quando
as pessoas traçam um sentido retrospectivo sobre a situação em que se encontram elas e suas
criações”. Este conceito, mais finalizado, está relacionado ao questionamento da possibilidade
de a realidade ser apreendida credulamente pelos sujeitos sociais. Aqui Weick (op.cit., pp.14-
15) concede o que para ele é a diferença crucial entre o Sensemaking e a interpretação:

Se a resposta for ‘não’11 e se tornar impossível continuar com o processamento automático de


informações, então outras questões surgem: por que está assim? E o que virá em seguida? Várias questões
surgem e devem ser enfrentadas antes de a interpretação entrar em cena. A maneira como esses
questionamentos antecipados [próprios] do Sensemaking são resolvidos determina quais interpretações
serão possíveis [de serem feitas] e plausíveis.

O que há de essencial nas abordagens vistas até aqui é que o Sensemaking constitui uma
abstração cuja natureza está diretamente associada à tentativa de tornar claras situações
cotidianas com as quais as pessoas se defrontam e que se apresentam de maneira obtusa e
fragmentada. Essa tentativa é, naturalmente, operada reversivamente, uma vez postulada a
Teoria da Dissonância Cognitiva. Esta teoria estabelece que “as pessoas definem
retrospectivamente as decisões que tomarão” (WEICK, 1995, p. 11) e que há um esforço pós-
decisional que revisa o significado da decisão que acaba de ser tomada, de tal sorte que as
pessoas fundamentam suas decisões construindo uma história plausível sobre elas. Uma forma
de sintetizar a idéia crucial da Dissonância Cognitiva se encontra na seguinte frase,
chancelada por Graham Wallas: “como posso saber o que penso até ver o que digo?” (Ibid., p.
12).

11
Grifo nosso.
37

A Teoria da Dissonância Cognitiva, bem como várias passagens revisadas nesta seção,
têm implicações diretas nas sete propriedades com as quais Weick circunscreve o conceito
Sensemaking. Tais propriedades, para Weick, distinguem este conceito de outros processos
como entendimento, interpretação e atribuição de significados. Descreveremos, sucintamente,
o raciocínio essencial de cada uma delas logo a seguir.

Eis a primeira propriedade do Sensemaking: é um fenômeno firmado na construção de


identidades. Isso significa que o processo de figurar o que ocorre em determinada situação é
produto do processo baseado em quem o sensemaker está se tornando. Como sensemaker
podemos entender o sujeito social específico, o indivíduo em essência, que está inserido no
processo Sensemaking e que, mutuamente, o opera. O sujeito é o princípio do Sensemaking e,
dado que o sujeito está inserido em pleno andamento do processo de interação social, é
determinado pelo fluxo contínuo de acontecimentos que fazem com que se redefina
constantemente, que suas identidades pessoais sejam cambiantes e, logicamente, múltiplas.
Por força de comportamento coletivo e do processo de decretação do ambiente, a construção
da identidade, que se dá neste fluxo, é sustentada em base coletiva, ou mesmo social,
estendendo-se ao nível das organizações. Sendo assim, para Weick, é válido afirmar:
“dependendo do quê eu sou, minha definição do que ‘está fora de mim’ também muda”
(WEICK, 1995, p.20). Para sintetizar sua argumentação, valemo-nos da citação de Ring e Van
de Ven (apud Weick, 1995, p. 22):

O processo Sensemaking deriva (...) da necessidade individual de estabelecer um sentido de identidade –


isto é, uma orientação geral para situações a qual firma estima e consistência na concepção própria de
alguém. O processo Sensemaking produz uma forte influência sobre a maneira pela qual indivíduos
inseridos em organizações valem-se de processos de transação com outros.

A segunda propriedade refere-se ao Sensemaking enquanto um processo retrospectivo.


Uma vez que construímos significados baseados em informações, primeiramente fazemos o
exame do que já se sucedera. A ação reflexiva constitui-se, assim, como o cerne do conceito
Sensemaking. Como processo derivado de “experiências significativas já vividas” (SCHUTZ
apud WEICK, 1995, p. 24), o Sensemaking depende de aspectos como memória, atenção e
percepção, os quais delineiam a experiência individual sobre significados específicos e
situações. Os significados, então, são definidos, invariavelmente, pela operação retrospectiva
sobre fatos que o sujeito já experimentou por meio de sua cognição.
38

A terceira característica determinante do Sensemaking é seu esforço de representação de


um ambiente sensato (que faça sentido). A compreensão da decretação ambiental, conforme
tivemos a oportunidade de conferir anteriormente neste capítulo do presente trabalho, torna-se
fundamental para entender o Sensemaking. Podemos dizer que a cognição e a atuação (ação,
entendida como precondição do Sensemaking), conjuntamente, criam nossos próprios
ambientes para ações futuras. Em outras palavras, é pertinente o sujeito dizer o seguinte: “crio
o objeto a ser visto e inspecionado quando digo ou faço alguma coisa” (WEICK, 1995, p. 61).

A quarta qualidade especial do Sensemaking é ser um processo tipicamente social. O


processo Sensemaking pode ser entendido como tipicamente introspectivo, naturalmente
individual. Contudo, Weick defende a perspectiva de que o sentido é construído
coletivamente no espaço organizacional, uma vez que “fazemos sentido das coisas nas
organizações enquanto conversamos com os outros, enquanto lemos formas comunicativas
dos outros, enquanto intercambiamos idéias com os outros” (O’CONNELL, 1998, p.2). O
sentido, portanto, é uma noção que extravasa a dimensão intrasubjetiva.

A quinta característica citada é a de o Sensemaking configurar em um fluxo contínuo de


acontecimentos. Como Weick (1995, p. 43) define, o Sensemaking nunca começa, tampouco
cessa. Considera-se, aqui, que as pessoas vivem em pleno andamento das continuidades de
suas vidas, ou “as pessoas estão sempre no meio do andamento das coisas” (WEICK, 1995, p.
43) tais como sentimentos, planos e projetos pessoais ou profissionais. O Sensemaking diz
respeito justamente a esse andamento contínuo de experiências, recorrentemente determinadas
por valorações de experiências anteriores, e que, de vez em quando, é rompido. Para Weick
(1995, p. 43) “para entender o Sensemaking é estar sensível às maneiras pelas quais as
pessoas captam momentos de descontinuidade do fluxo e extraem sinais desses momentos”.

A sexta definição é o caráter do Sensemaking como instituído por meio de sinais


apreendidos. O Sensemaking é um processo baseado na apreensão de sinais por parte das
pessoas em meio ao fluxo de acontecimentos em que se encontram. No “alvoroço típico do
fluxo de ações que nos rodeia, atemo-nos a assemelhar as coisas e extrair certos elementos, os
quais se tornam alvos e objetos do processo Sensemaking” (O’CONNELL, 1998, p. 3). Ou,
como Weick (1995, p. 50) postula, as pistas extraídas são cultivadas pelas pessoas para que
possam desenvolver um entendimento maior do que quer que esteja acontecendo. Processos
como escaneamento do ambiente para percepção de sinais, ou pistas, e aculturação para que
39

se apreenda a importância do contexto são habilidades fundamentais para essa função do


Sensemaking.

Finalmente, a sétima propriedade do Sensemaking se encontra na constatação de que é


um processo guiado pela plausibilidade em lugar da precisão. Em sua origem, a palavra
Sensemaking já traduz um pouco desse argumento, pois “na palavra o prefixo sense é
tendencioso (...). O sensato não é, necessariamente, significativo, e aí reside a questão”
(WEICK, 1995, p. 55). Embora necessária em muitos casos, uma racionalização plausível
pode ser tratada como um critério secundário em muitos casos em que se buscam
entendimentos sobre a realidade. O Sensemaking é uma elaboração sobre um ponto de
referência ou sinal assimilado, por isso, é uma idéia que está próxima à constatação plausível,
pragmática, coerente, razoável, inventada e instrumental (WEICK, 1995, p. 57), como uma
relativa aproximação à verdade sobre os fatos, porque “as pessoas precisam distorcer e filtrar,
separar sinais do barulho oferecido pelos projetos correntes” (MILLER apud WEICK, 1995,
p. 57). Portanto, construímos significados com base em explicações razoáveis do que possa
ter ocorrido ao invés de tentarmos descobrir cientificamente a verdade. Afinal de contas,
como conclui Weick, vivendo em um mundo pós-moderno, inundado por interpretações e
interesses conflitantes e habitado por pessoas com múltiplas e cambiantes identidades, “a
obsessão por exatidão parece infrutífera, nem uma ajuda muito prática” (WEICK, 1995, p.
61), uma vez que “as informações filtradas são menos acuradas, mas, se filtradas
efetivamente, são mais compreensíveis” (STARBUCK; MILLIKEN apud WEICK, 1995, p.
61).

A perspectiva Sensemaking para as organizações

Tanto pessoas quanto organizações têm em comum a tarefa incessante de estabelecer


significados em meio ao fluxo de atividades e situações em que se encontram. Podemos,
então, afirmar que as organizações não poderiam subsistir sem que houvesse uma instância
coletiva incumbida da produção de sentido. Karl Weick dá seqüência à sua argumentação com
base neste raciocínio, buscando unir duas idéias bastante distantes a priori: o processo
Sensemaking e as organizações, tais como empresas, entidades, instituições e todo tipo de
agrupamento humano. Em seu capítulo Sensemaking nas organizações, Weick propõe-se a
fazer a transição do Sensemaking generalizado para o Sensemaking organizacional, atestando,
40

primeiramente, que o Sensemaking cotidiano não é idêntico ao Sensemaking organizacional


(WEICK, 1995, p. 63). Mesmo assim, a organização estrutura e é estruturada pelo processo
Sensemaking.

O panorama dos principais conceitos escolhidos por Weick como referências históricas
que contribuíram para o desenvolvimento do conceito Sensemaking contém muitas
referências que são coerentes quanto à definição da natureza das organizações como sistemas
abertos. Scott (apud WEICK, 1995, p. 70) define organizações como “coalizões de grupos
dinâmicos que desenvolvem objetivos por negociação; a estrutura da coalizão, suas atividades
e seus resultados são fortemente influenciados por fatores ambientais”. Esta e outras
definições sistêmicas dão subsídio a Karl Weick firmar o Sensemaking como atividade central
nas relações de inputs e outputs existentes entre a organização, outras organizações e o meio
ambiente em que está inserida, visto que há um montante crescente de informações a se lidar
em um ambiente corporativo de contínuas negociações, controles de processos de informação,
a necessidade de justificar e racionalizar as atitudes (WEICK, 1995, p. 69).

Weick apropria-se da argumentação de Wiley (apud WEICK, 1995, p. 71) sobre a


existência de três níveis de formas sociais, ou interativas, que dão conta de estabelecer o
Sensemaking além do âmbito individual. O primeiro deles, o nível intersubjetivo, consiste, em
essência, nos pensamentos, sentimentos e intenções surgidos em plena conversação durante a
qual o self é transformado de um “eu” para um “nós”. Tal transformação não é, simplesmente,
produto de uma interação, mas “uma conexão pela estrutura social” (op. cit), de tal maneira
que se permita afirmar a existência de uma consciência coletiva ou “do intercâmbio e síntese
de dois, ou mais, selves comunicativos” (op. cit). Já o nível subjetivo genérico está
diretamente relacionado à análise organizacional, pois se refere ao self genérico incumbido de
papéis, de funções dentro de uma organização. As compreensões se tornam aceitas
comunitariamente no nível subjetivo genérico. Este nível ocupa uma posição privilegiada na
dimensão do Sensemaking aplicado às estruturas sociais, tanto quanto o terceiro nível, o
extrasubjetivo, embora este esteja circunscrito em uma realidade mais simbólica e um nível
mais abstrato (WEICK, 1995, p. 71), ou seja, consiste em puro significado: noções que
entram no âmago dos significados culturalmente compartilhados.

Seguindo essa argumentação, Weick determina que as organizações “são entidades que
se movimentam continuamente entre os níveis intersubjetivo e subjetivo genérico” (WEICK,
1995, p. 75), ou seja, que há uma intencionalidade para a transformação contínua da
41

organização do âmbito intersubjetivo – lugar das práticas interativas e comunicacionais – para


o âmbito subjetivo genérico – extensão dos entendimentos compartilhados, do “nós” coletivo,
da cultura organizacional e dos papéis nas estruturas organizacionais.

Algumas descrições de organização dão conta de situar o Sensemaking como


movimento entre os níveis de formas sociais. Smircich e Stubbart descrevem a organização
como uma das qualidades de interação humana capaz de aliar a intersubjetividade, definida
em torno de interpretações reforçadas mutuamente (entre indivíduos), à subjetividade
genérica, caracterizada pelo compartilhamento de atitudes gerais e de relevância mútua. Os
autores definem a organização como “um conjunto de pessoas que compartilham uma série de
crenças, valores e assunções de forma a encorajá-las a estabelecer interpretações mutuamente
reforçadas de seus próprios atos e dos atos de outras pessoas” (apud WEICK, 1995, p. 73).
Também Schall (apud WEICK, 1995, p. 74) articula a figura de uma ponte que conecta as
duas formas sociais, argumentando que as organizações são:

Entidades desenvolvidas e mantidas somente por meio de atividades e intercâmbio contínuos de


comunicação e interpretações estabelecidas entre seus participantes (...) como participantes interativos se
organizam pela comunicação, eles desenvolvem entendimentos coletivos em torno de questões de
interesse comum, e assim desenvolvem o senso de um ‘nós’ coletivo (...) isto é, de eles mesmos como
unidades sociais distintas fazendo coisas juntas de maneiras apropriadas àqueles entendimentos coletivos
próprios do ‘nós’. Em outras palavras, o processo comunicativo inerente às organizações cria uma cultura
organizacional capaz de ser revelada por meio de suas atividades comunicativas.

No processo de transição da dimensão intersubjetiva para a subjetiva genérica, o


processo comunicativo figura como fator determinante. Ao se considerar a necessidade de
compartilhamento de conceitos gerais, crenças, valores e todo tipo de atitudes e
comportamentos que permitam a existência de estruturas as quais agregam pessoas em torno
de um “nós” coletivo, pode-se compreender as organizações como entidades desenvolvidas
pela comunicação. Como afirma Weick (1995, p. 75): “somente graças ao processo contínuo
de comunicação que as trocas e interpretações de intersubjetividade, e o entendimento
compartilhado da subjetividade genérica, são desenvolvidos e mantidos”. Dessa maneira é
compreensível que sujeitos os quais não participaram da construção intersubjetiva que deu
origem à organização possam fazer parte dela e, logicamente, que haja a substituição de
pessoas nas organizações, muito embora as substituições não sejam nunca completas, dado a
perda inevitável de entendimento acumulado pela pessoa que deixara o cargo.

Enquanto processos mutuamente determinantes, o “organizar” e o Sensemaking “são


cortes do mesmo tecido. Organizar é impor ordens, neutralizar desvios, simplificar e conectar,
42

da mesma forma como fazem as pessoas ao tentar estabelecer sentido. Organizar e elaborar
sentidos têm muito em comum” (WEICK, 1995, p. 82). Referindo-se a tudo o que foi dito em
seu capítulo, Weick delineia a moldura na qual o Sensemaking ocorre na esfera
organizacional, estabelecendo seis atributos do ato de organizar que correspondem ao
processo Sensemaking.

1. um foco básico de organizar está em torno da seguinte questão: como as ações se coordenam em um
mundo de múltiplas realidades?

2. uma resposta a esta questão repousa em uma forma social que gera um entendimento intersubjetivo
vivido, singular, o qual pode ser escolhido e acrescentado por pessoas que não participaram da
constituição original da organização.

3. há sempre uma perda de entendimento quando o [âmbito] intersubjetivo é traduzido ao genérico. A


função das formas organizacionais é administrar essa perda tentando reduzi-la e permitindo que seja
renegociada.

4. administrar essa transição significa gerar certa tensão freqüente resultante quando as pessoas tentam
reconciliar a inovação inerente à intersubjetividade e o controle inerente à subjetividade genérica. As
formas organizacionais representam pontes operantes dessa reconciliação em pleno fluxo contínuo de
acontecimentos.

5. tal reconciliação é sucedida por questões como rotinas intercaladas e padrões de ação habituais, ambos
cuja origem está em interações díades.

6. e, finalmente, as formas de organização social consistem basicamente de atividades padronizadas


desenvolvidas e mantidas por meio de processos comunicativos contínuos durante os quais seus
participantes desenvolvem entendimentos equivalentes em torno de questões de interesse comum.

(WEICK, 1995, p. 75)

As ocasiões e a substância do Sensemaking

Pela designação do fluxo contínuo de acontecimentos que caracteriza a vida humana


instaurada por Karl Weick, a qual tivemos a oportunidade de revisar a pouco, depreendemos
que o Sensemaking é um processo característico tanto do âmbito individual quanto
organizacional em que condiciona a maneira como são atribuídos e apreendidos significados
sobre objetos e situações. Partindo disso, Weick passa a explicar qual é a causa necessária
para que o processo instaure novas atribuições significativas: “quando as pessoas se deparam
com estímulos não-contingenciais de suas ações, passam a tentar descobrir a organização [de
sentido] que lhes faltam naquele instante” (1995, p. 84). Essa busca por significados passa por
uma dimensão de caráter inventivo objetivando explicações plausíveis sobre situações,
conforme postula Weick entre as características do Sensemaking.
43

Contudo, o Sensemaking é um processo originado da experiência da interrupção do


fluxo contínuo da realidade. A experiência do choque ocasiona o Sensemaking, em que pese
as diferentes maneiras que as pessoas são afetadas pela interrupção de suas continuidades. O
mesmo processo ocorre no nível organizacional quando sucedem, às pessoas que compõe
determinada organização, situações inéditas: inicia-se um processo de focalização de atenção
e de condução, por parte das pessoas, de persistir na tentativa de estabelecer sentido no que
estão atentas (WEICK, 1995, p. 85).

Algumas sugestões de fatores do Sensemaking são reunidas por Weick em seu capítulo
destinado a análise das ocasiões deste processo. Entre elas, encontramos a percepção da
incerteza do ambiente (HUBER; DAFT apud WEICK, 1995, pp.86-88), constatação a qual
abrange as determinações ambientais em que as organizações e sujeitos estão presentes: a
quantidade de informações cotidianas (em que pesam, inclusive, a ambigüidade de seu
conteúdo variedade delas), a complexidade em que elas se dão, e a turbulência da maneira
como são oferecidas (em termos de consumo de tempo para o processamento da informação,
modelos heurísticos 12 e intuitivos e condições idiossincráticas).

Os problemas de percepção são apontados também como fatores do Sensemaking


13
(SMITH apud WEICK, 1995, pp. 88-89) em termos da existência de um gap entre a
maneira como as coisas se dão e como alguém deseja que fossem. Tal gap é dado como uma
barreira não tão facilmente transponível. Weick (1995, p. 90) aproveita-se da tese de
Schneider e Shiffrin que introduz a distinção entre processamento controlado e automático de
informações para configurá-la entre as condições do Sensemaking, porém de maneira mais
próxima a um processamento cognitivo consciente. Na tese, são três as situações nas quais os
atores (sujeitos) estão propensos a se engajarem conscientemente na busca por solução de
uma situação problemática em que faltam informações: quando uma experiência incomum,
extraordinária, é vivenciada; quando ocorre uma discrepância, uma falha que causa certa
frustração das atitudes; e quando há uma exortação deliberativa de uma pessoa para a outra,
de maneira a focar a atenção, praticando uma atitude apelativa.

12
Define-se procedimento heurístico como um método de aproximação das soluções dos problemas, que não
segue um percurso claro, mas que se baseia na intuição e nas circunstâncias a fim de gerar conhecimento novo. É
o oposto do procedimento algorítmico, aproximando-se, portanto, da arte de inventar, de fazer descobertas.
13
Tradução livre: interrupção, brecha, lacuna.
44

Já Karl Weick postura que, a partir da ruptura do fluxo contínuo, emergem duas
possibilidades de circunstâncias que ocasionam Sensemaking: a ambigüidade e a incerteza.
Dependendo da maneira como se dá a ruptura, comum de acontecer em organizações, uma
diferencia-se da outra. De acordo com o autor, “o choque ocasionado por certa inabilidade de
extrapolar uma ação corrente e predizer suas conseqüências produz uma situação de
Sensemaking” (p. 95). Estabelecer a diferença entre ambas é importante para Weick (1995, p.
99), pois “no caso da ambigüidade, as pessoas se engajam no processo Sensemaking porque
estão confusas em meio a muitas interpretações, enquanto que no caso da incerteza, elas o
fazem porque são alheias [ignorantes] de qualquer interpretação”.

A ambigüidade se refere a um fluxo contínuo que suporta diversas interpretações


diferentes ao mesmo tempo (WEICK, 1995, p. 92). Configura-se um cenário com múltiplas
explicações plausíveis, em que “um estímulo caracteriza-se por possuir dois ou mais
significados” (LEVINE apud WEICK, 1995, p. 92). A questão da ambigüidade está centrada
na constatação de que a informação pode não resolver desentendimentos, semelhante ao que
ocorre com a confusão, estágio cognitivo em que diferentes tipos de informações são
demandados para que haja solução. Em outras palavras, quando múltiplos significados sobre
uma situação produzem o choque, um grande montante de informações auxilia menos a
compreensão que a diferenciação da qualidade da informação oferecida – ou seja, é necessário
o acesso a mais sinais, em termos de quantidade e variedade (WEICK, 1995, p. 94).

Já incerteza é o fator do Sensemaking caracterizado pela circunstância de ignorância das


pessoas frente a interpretações plausíveis de facilitar a extrapolação da ruptura do processo
contínuo. A tentativa de reduzir tal ignorância passa pela aquisição de mais informações, ou
de mais notícias e novidades (STINCHCOMBE, apud WEICK, 1995, p. 96).

De maneira geral, a ocasião básica para que o Sensemaking se irrompa é a interrupção.


Com efeito, há diferentes formas de conceituar a interrupção: a incongruência de um evento, a
ocorrência de um evento que viole frameworks perceptuais, a interrupção de um fluxo
contínuo de acontecimentos cotidianos, a ruptura da normalidade de uma atividade cognitiva,
o surgimento de eventos não esperado. Todas elas são formas de representar a ignição do
Sensemaking, o qual figura como processo que dá conta da situação problema, tenta resolve-
la e anima uma atividade de aprendizado sobre tal experiência (WEICK, 1995, p. 102). Uma
vez que pessoas estão, quase sempre, engajadas em projetos e situações que geram certo grau
45

de expectativa, a interrupção ou o descumprimento da expectativa geram a mobilização


intrasubjetiva que atesta o Sensemaking.

Seguidamente, Karl Weick dedica-se a explicar o quê exatamente é processado


mentalmente quando se dá o processo Sensemaking, quer dizer, qual a matéria-prima por
meio da qual o Sensemaking é operado. Naturalmente, o significado de um conteúdo, seja
este uma situação, um questionamento, um objeto, depende das conexões que se possa
14
estabelecer com outros conteúdos, considerados incrustados em meio a sinais, frames e
conexões.

Para Weick (1995, p. 106), o sentido é gerado pelas palavras. Combinadas, elas
significam algo tanto em relação ao self quanto à coletividade. Weick traz a argumentação de
que a sociedade precede a mente individual, e apropria-se da idéia Freese (apud WEICK,
1995, p. 107) para argumentar que as sentenças, definições, conceitos e interpretações são
imposições oriundas da observação, experiências, percepções e eventos fenomenológicos.
Com base nisso, Weick (1995, p. 108) sustenta que “o Sensemaking formata continuidades
em categorias discretas, observações em interpretações, experiência em eventos marcantes,
percepções em planos preexistentes e frameworks”.

O mundo, entendido como um fluxo contínuo, no entanto, oferece uma disjunção


crônica entre os produtos do Sensemaking e as continuidades as quais este processo pretende
mapear (WEICK, 1995, p. 108). Assim como há sempre uma lacuna mantida entre a palavra e
o significado que se pretende impor a ela, o Sensemaking é uma instância mental que se
garante, invariavelmente, por meio da plausibilidade e da possibilidade de não ser apurada,
embora, para Weick, seja a ponte que possui mais afinidade a ser bem sucedida nesta
proposta. Em termos de adequação, portanto, o Sensemaking é operado. Sensemaking bem-
sucedido, para Weick (1995, p. 108), depende de como a adequação se dá diante da
preservação de fluxos e continuidades ricas em dinamismo, processos, verbos, possibilidades
e narrativas; e de como a adequação das categorias atributivas com as fronteiras do mundo
real.

A maneira como a mente formata as continuidades da realidade, é dizer: o como o


sentido é posto em relação à mente, ou como as pessoas atribuem sentidos; se dá é por meio
da operação de um frame, para Weick. Aliando-se à postura manifestada por Milliken (apud

14
Tradução livre: quadros, plataformas, estruturas.
46

WEICK, 1995, p. 109) sobre “frameworks perceptuais categorizam dados, atribuem


similitudes aos dados, escondem dados, e preenchem dados faltantes”, a idéia de designar
continuidades inicia-se pelo posicionamento de um sinal em um frame, dado que um sinal, ou
mesmo um frame, só não significa nada. Dessa forma, a substância do Sensemaking começa
na justaposição entre um sinal, um frame e a instauração de uma relação entre esses dois
elementos. Para que algo, ou alguma situação, torne-se significativo, faz-se necessário o
estabelecimento dessa unidade de significação, tal como afirma Weick (1995, p. 110): “neste
livro, nossa unidade de significação tem sido sinal + relação + frame”. Weick observa, ainda,
que os sinais carregam consigo a potencialidade de transpor para o momento presente os
momentos experimentados anteriormente, enquanto que os frames trazem todo o
condicionamento advindo dos momentos de socialização aos quais o sujeito vem vivenciando
ao longo de sua existência.

Esses dois elementos, frames e sinais, conectados constituem uma operação de


aproximação dos significados atribuídos pelo sujeito (self) e pela coletividade. Weick
compara essa aproximação pode ser comparada a alguns procedimentos intelectuais
característicos das organizações, como a ideologia, premissas decisionais, paradigmas, teorias
da ação, tradição, e narrativas. O que há em comum nessas formas intelectuais, para Weick
(1995, p. 111), é que “todas elas descrevem tanto momentos passados e presentes quanto
conexões”, ou seja, elas são atividades abstratas que conectam a categorização de
experiências passadas (frames) e os sinais aliados a momentos do presente.

Uma vez que a unidade de significação é formada pela combinação de sinais e frames
por meio de uma determinada relação, Weick estipula que essa relação toma forma de
operações ideológicas, quanto à forma de filtração da realidade por meio de crenças
compartilhadas; premissas decisionais em uma organização; paradigmas como sistemas de
operações padrão para determinado grupo de pessoas; teorias da ação, como estruturas
cognitivas próprias das organizações; tradição, como imagens e crenças do passado que são
transmitidas posteriormente; e narrativas, como histórias contadas gerativas de novas versões
sobre o fato ocorrido, e não como mera reprodução automática.

Figurativamente, todas essas formas constituem maneiras de colocar palavras (ou seja,
os sentidos) captadas, respectivamente, do vocabulário que é a sociedade, organização,
trabalho, resolução de problemas, simbolismos ou experiências; e estabelecer sentido usando
a gramática da ideologia, ideologia, premissas decisionais, paradigmas, teorias da ação,
47

tradição ou narrativas (WEICK, 1995, p. 112). Todas elas são maneiras de “facilitar
diagnósticos e reduzir a perturbação gerada quando os projetos são interrompidos” (WEICK,
1995, p. 120), tanto quanto o Sensemaking. Por fim, todas essas operações se convertem em
Sensemaking.

Aplicações do Sensemaking nas teorias organizacionais

Diante da extensa definição de Sensemaking apresentada neste trabalho, é-nos válido


relacionar os princípios da vertente de Karl Weick a alguns estudos do conceito, visando à
conjunção das definições e à demarcação conceitual pretendida neste trabalho.

Devemos, antes de tudo, justificar-nos com relação à utilização ao longo de nosso


trabalho da palavra Sensemaking desta forma mesma, conservada sua origem inglesa.
Optamos por isso devido à falta de um sinônimo ou mesmo de uma expressão na língua
portuguesa que fossem tão sintéticos. Também julgamos que devemos respeitar as várias
referências bibliográficas em nossa língua as quais se utilizam do termo em inglês,
consolidando um termo reconhecido mundialmente tal como acontece com algumas
definições consagradas que preservam a palavra de origem estrangeira, como agenda setting e
gatekeeping.

Por meio do levantamento bibliográfico empreendido neste trabalho, tomamos contato


com várias referências ao conceito Sensemaking, configurando uma vasta utilização, embora
não unívoca. Variando de acordo com a linha de pesquisa e o campo de conhecimento ao
qual o autor pertence, identificamos duas principais abordagens do conceito: abordagem das
Ciências da Informação e a abordagem das teorias das organizações.

Devemos reforçar que nosso trabalho está centrado na análise das contribuições do
conceito Sensemaking pela abordagem de Karl Weick, autor que representa a abordagem das
teorias organizacionais e sobre o qual são feitas muitas referências. A abordagem das Ciências
da Informação, cuja principal representante é Brenda Dervin, merece especial atenção, mas
48

que não poderá ser dada neste nosso trabalho15. Adotamos neste trabalho, portanto, a vertente
do conceito Sensemaking defendida por Karl Weick.

Em nosso trabalho investigativo sobre essa vertente, encontramos alguns estudos


organizacionais, todos em língua inglesa, que fazem referência direta ao conceito
Sensemaking. Encontramos algumas ressonâncias dos fundamentos de Karl Weick no que diz
respeito à conceitualização de Sensemaking como a habilidade ou tentativa de construção de
sentido sobre certa situação ambígua, ou como esforço para entender conexões entre fatos e
informações e antecipar seus efeitos (KLEIN; MOON; HOFFMAN, 2006, p. 70). Framework
é um conceito bastante utilizado por estes autores, ora traduzido como modelo mental, em que
o Sensemaking seria o processo que atuaria quanto ao preenchimento de informações sobre
eventos em relação a esse modelo mental. Esse preenchimento seguiria uma ordem coerente
no esquema em que as informações são dispostas.

O artigo de G. Klein, B. Moon e R. Hoffman (2006, p. 70) examinam a apropriação do


conceito Sensemaking por algumas perspectivas teóricas, a começar pela perspectiva
psicológica, em que o Sensemaking é definido “como as pessoas fazem sentido de suas
experiências no mundo”. A criatividade necessária para a elaboração de soluções diante de
problemas é uma atitude humana, a curiosidade como habilidade imaginativa, a compreensão
de eventos e situações complexas, a modelação mental como arcabouço referencial para
estímulos, a avaliação de cenários, e a elaboração de veredictos sobre fenômenos são, todas,
manifestações intelectuais em que o Sensemaking figura como essencial. Ora como aspecto
envolvido, ora como fator determinante, o Sensemaking figura como expediente para estudo
desses fenômenos, mas com eles não deve ser confundido.

Outras vertentes de pesquisa acadêmica do Sensemaking foram pesquisadas, entre elas a


vertente do grupo de estudos sobre Sensemaking, pertencente núcleo de investigação HCI
(Human Information Interaction) da Palo Alto Research Center16, instituição ligada à
Universidade de Palo Alto, na Califórnia, Estados Unidos. Entre as áreas de aplicação do
Sensemaking investigadas estão a inteligência de negócios e análises financeiras, sistemas de
busca e portais de Internet, aplicações legais, saúde e biociências.

15
A abordagem do Sensemaking para os teóricos de das Ciências da Informação contempla temas como
implantação de sistemas de buscas de informação com base nas referências cognitivos dos usuários – seja em
bibliotecas, seja em ambientes corporativos. Assuntos como design de ambientes de informação, sistemas de
mídias e pesquisas qualitativas de usuários de informação estão entre os mais recorrentes na literatura
correspondente. Recomendamos a leitura das publicações de Brenda Dervin.
16
Disponível em <http://www.parc.com>. Acesso em 10 de novembro de 2008.
49

Em todos os materiais aos quais tivemos acesso, havia referências aos trabalhos de Karl
Weick. Esse autor figura como o grande representante no referencial teórico das pesquisas de
Sensemaking aplicadas às organizações as quais pudemos ler. É-nos interessante observar
que, para as análises organizacionais, a transição do âmbito intersubjetivo para o subjetivo
genérico, tal como nos referimos anteriormente sobre a obra de Weick (1995), é uma
inferência conceitual de grande importância para entender como um processo tipicamente
cognitivo, como é o Sensemaking, pode ser investigado nas organizações como fator de
comportamento organizacional e elemento fundamental para o entendimento de resultados de
programas de desenvolvimento de pessoas, de formação de processos de tomada de decisões,
para análise ambiental em planos de negócios, processo colaborativo de criação de
conhecimento e entendimento compartilhado, e diversas aplicações as quais encontramos na
literatura revisada.
50

3. A correspondência entre
Sensemaking e Pesquisas em
Relações Públicas

3.1 – Implicações do conceito Sensemaking sobre a comunicação organizacional

Em nossa argumentação, partimos da perspectiva sistêmica para posicionar a


organização como subsistema social e as pessoas como atores organizacionais. Desta forma,
em pleno funcionamento da ação social, a organização é determinada pela característica de
interatuação e intercâmbio com o meio externo e está sujeita a processos de mudanças
contínuas causadas pelas interferências deste meio, que pode ser o mercado em que atua, seu
ambiente de negócios, a oferta de matérias-primas para produção ou qualquer outro cenário
em que esteja situada. Processo semelhante é estabelecido sobre o ser humano, compreendido
como uma criatura invariavelmente social e que estabelece vínculos com os subsistemas que
compõem a sociedade, de acordo com a perspectiva sistêmica.

A perspectiva sistêmica é o pressuposto de nosso trabalho para compreender o contexto


em que se dão o comportamento (atuação) e os processos que estruturam as organizações e a
mente humana. Essa concepção é o ponto de partida para começarmos a entender o modus
operandi do comportamento de indivíduos e organizações nos dias de hoje.

A noção de comportamento é defendida neste trabalho por meio de uma linha teórica
que leva em total consideração as Ciências Cognitivas. Valemo-nos, portanto, de uma escola
de pensamento que está alicerçada sobre o questionamento das explicações racionais da ação
humana, as quais estabelecem como parâmetros a total subordinação do ser humano às
estruturas sociais e a conseqüente previsibilidade da ação das pessoas. Portanto, nosso
primeiro princípio é o de que as pessoas não estão à mercê do funcionamento das estruturas
sistêmicas, tampouco estão fadadas à reação automática a estímulos do ambiente e das inter-
relações das quais fazem parte. Embora, a priori, pareça contraditório estabelecer o
paralelismo entre a perspectiva sistêmica e a noção de um sujeito autônomo, compreendemos
o devir humano integrado à possibilidade de atuação individual parte condicionada pelo
social, mas parte determinada pelo seu pensamento.
51

A ação do indivíduo social está subordinada ao ato de conhecer as coisas do mundo.


Pretendemos, então, explorar o conhecimento que as pessoas fazem sobre as situações que as
envolvem. Sendo assim, aproximamo-nos à intenção da epistemologia e da heurística e
devemos questionar como as pessoas e as organizações fazem sentido sobre a realidade em
que estão.

Sensemaking enquanto dimensão individual: a construção de sentidos

A maneira como se constrói nosso saber sobre a realidade pode ser explicada pelo
conceito Sensemaking. Para desenvolver este entendimento, lançamos mão da vertente
estabelecida a partir dos preceitos de Karl Weick. Para Weick (1995), as pessoas fazem
sentido de sua realidade e das coisas que as cercam por meio da observação de um mundo ao
qual já atribuíram sentido em algum momento anterior. Como postula o autor (WEICK, 1973,
p. 64), todo conhecimento e todo sentido decorrem de reflexão, de um olhar para trás. Weick
(1995) estabelece a unidade de significação como a soma de um sinal, um frame e uma
relação que os integra.

A instância da mente humana é apresentada por Weick (1995) por meio do mecanismo
de framework, que constitui a base para a formação de interpretações subjetivas. Weick
(1995) defende o Sensemaking como o processo relativo à maneira pela qual as pessoas
geram o conteúdo que interpretam, logo, o Sensemaking antecede a interpretação sobre os
fatos da realidade. Há, portanto, uma estrutura cognitiva natural aos seres humanos que gera
interpretações. Como Frost, Morgan e Pondy (apud WEICK, 1995, p. 14) definem: “as
pessoas elaboram sua realidade com base na ‘leitura’ possibilitada por seus padrões de
situações que definem significados especiais”.

A relação existente entre os sinais e os frameworks é caracterizada pelo fluxo


ininterrupto de acontecimentos. Neste fluxo incide um fenômeno fundamental para o
entendimento de Sensemaking: a ambigüidade inerente às informações. A ambigüidade é o
fator para o Sensemaking, pois ela significa a ruptura do fluxo contínuo de acontecimentos
com os quais as pessoas estão, em maior ou menor grau, habituadas. A ambigüidade, que ora
52

pode ser substituída pelo fenômeno da incerteza, é a ignição para o processo mental
Sensemaking. Uma vez que o mundo não se dá como pronto aos olhos do indivíduo (SCHON
apud WEICK, 1995, p. 9), a ambigüidade é uma constante no dia-a-dia das pessoas. Em
outras palavras, Weick postula que nossos conhecimentos adquiridos para a composição de
um sentido ora são incompletos ora parecem confusos. Somos, portanto, limitados com
relação à capacidade de apreender com exatidão a realidade.

A falta de sentido sobre determinadas situações gera um choque para o sujeito. O


choque é a expressão afetiva da ruptura do fluxo da realidade e, a partir dessa afetação
emocional, o ser humano sente a necessidade de impor coerência à situação que desconhece
ou à que atribui várias formas de interpretação, como defende Weick (1995, p. 84): “quando
as pessoas se deparam com estímulos não-contingenciais de suas ações, passam a tentar
descobrir a organização [de sentido] que lhes faltam naquele instante”. O choque é um evento
que viola os frameworks, ou seja, a percepção pré-formatada (e, portanto, cotidiana) e é
gerador da ambigüidade. O Sensemaking atua na resolução dessa ambigüidade, como define
Weick (1995, p. 5): “entendimento de como as pessoas dão conta dessas interrupções”.

Assim, de certa forma, o Sensemaking retroalimenta o processo cognitivo ao fornecer


experiência para o framework por meio de um conteúdo mental, ativando o processamento de
uma nova seqüência de informações ao processo de decretação ambiental. O Sensemaking,
portanto, é um ativo processo bidirecional de dados em um frame individual ou coletivo.

Weick (1995) estabelece os seis atributos característicos do Sensemaking, os quais são


apropriadamente sintetizados por Vieira (2008) da seguinte forma:

1. criar sentido é construir uma identidade;


2. essa construção é sempre retrospectiva;
3. realizada num contexto social;
4. através da ação e do discurso performativos, isto é, [discursos] capazes de criar ambientes
sensíveis ("enactment");
5. a criação de sentido reporta-se a eventos em curso ("ongoing");
6. de onde se extraem sinais ("extracted cues"); e
7. guia-se pela plausibilidade e não pela verdade

Por fim, duas citações que podemos fazer de Karl Weick que compreendam a essência
do Sensemaking são estas:

1. “como posso saber o que penso até ver o que digo?” (WALLAS apud WEICK,
1995, p. 12), no que tange ao sentido retrospectivo que o Sensemaking elabora;
53

2. “o Sensemaking formata continuidades em categorias discretas, observações em


interpretações, experiência em eventos marcantes, percepções em planos
preexistentes e frameworks” (WEICK, 1995, p. 108), que sintetiza o propósito
do Sensemaking.

Sob o crivo do processo mental Sensemaking, o entendimento humano sobre os


fenômenos da realidade encontra-se determinado pelo processo cognitivo. Utilizando o
artifício encontrado por Luiz Henrique e Gabriel Henrique (2008), para elucidar a questão
exposta por Paul Watzlawick sobre como sabemos o que cremos saber: “se o quê do
conhecimento encontra-se determinado pelo correspondente processo cognitivo (o como),
então nossa imagem da realidade não depende do que nos é exterior, mas inevitavelmente
também de como concebemos esse quê”. A citação de Watzlawick (apud HENRIQUE;
HENRIQUE, 2008) nos é válida:

Na realidade, trata-se de algo que os pré-socráticos já sabiam, e que atualmente assume cada vez maior
importância: é o ponto de vista segundo o qual toda realidade é – no sentido mais direto – construída por
quem crê que a descobre e a investiga. Em outros termos, a realidade supostamente encontrada é uma
realidade inventada, e seu inventor não tem consciência de sua invenção, mas crê que tal realidade é algo
independente dele e que pode ser descoberta; portanto, a partir dessa invenção, percebe o mundo e nele
atua.

Sensemaking enquanto dimensão organizacional: junção de micro e macro


análises

Conforme tivemos a oportunidade de registrar no capítulo anterior, Karl Weick parte de


duas considerações primordiais sobre a natureza das organizações: a estrutura coletiva e a
decretação ambiental. O primeiro princípio de Weick (1973) determina que as organizações
são agrupamentos de pessoas que se formam a partir da convergência preliminar de interesses
de seus membros. A partir dessa afinidade, os comportamentos individuais se convergem em
termos de expectativas e estabelecimentos de significados comuns. Já a decretação ambiental
é o princípio que sugere o papel ativo que o indivíduo assume na criação dos significados que
formam a organização em que ele está atuando. Ou seja: a percepção do ambiente externo
pelos atores organizacionais determina a organização.
54

Ambos os princípios determinam que os processos que constituem a organização são,


essencialmente, de natureza cognitiva, escapando da conceitualização puramente objetiva à
qual muito recorrentemente se referem outras literaturas organizacionais. Dessa forma, vários
aspectos comportamentais da organização, que dizem respeito a sua atuação em seu ambiente,
mercado ou ramo, são determinados pela generalização do âmbito cognitivo das pessoas. Em
última análise: as pessoas e sua maneira de construir sentido sobre suas experiências formam
a organização.

Uma vez que a organização se constrói pela cognição individual, comprovamos quão
limitada é a concepção objetiva a que se propõem muitas teorias organizacionais. Bastos
(apud HENRIQUE; HENRIQUE, 2008) define a tendência de analisar as organizações
enquanto fenômeno processual como um pensamento que “recusa-se a reificar a organização
e coloca as pessoas, os grupos, as redes sociais, as cognições gerenciais e os processos
decisórios como alicerces do fenômeno organizacional”. Essa abordagem vai de encontro à
orientação de Karl Weick sobre a organização enquanto construção social, ou seja, que um
conjunto de pessoas tem a potencialidade de construir conhecimento interativamente sobre os
fenômenos da realidade e sobre as organizações das quais participam.

Por meio da teoria organizacional desenvolvida por Weick, comprovamos que a


comunicação é o processo humano inerente aos fenômenos de decretação ambiental e de
produção de sentido – Sensemaking – os quais constituem fatores da organização. Ao se
considerar a necessidade de compartilhamento de conceitos gerais, crenças, valores e todo
tipo de atitudes e comportamentos que permitam a existência de estruturas as quais agregam
pessoas em torno de um “nós” coletivo, pode-se compreender as organizações como entidades
desenvolvidas pela comunicação. Como afirma Weick (1995, p. 75): “somente graças ao
processo contínuo de comunicação que as trocas e interpretações de intersubjetividade, e o
entendimento compartilhado da subjetividade genérica, são desenvolvidos e mantidos”.

Sendo assim, aproximamo-nos às idéias de Adriana Casali (2005) sobre a superação das
fronteiras paradigmáticas que separam a ação individual da estrutura social. Casali (2005)
propõe uma compreensão teórica da comunicação organizacional abrangente e
metaparadigmática e se baseia também nos preceitos de Karl Weick, principalmente no que
diz respeito à rejeição das diferenças entre micro e macro análises muito comuns em teorias
organizacionais e, conseqüentemente, em teorias de comunicação organizacional. Propomos,
55

em conjunto com esses pressupostos, uma rejeição à suposição de que existem esses dois
níveis antagônicos na constituição organizacional.

Acreditamos que a organização surge como “um único nível plano o qual é
invariavelmente situado, circunstancial e produzido localmente em períodos finitos de tempo
e espaço, envolvendo pessoas reais” (CASALI, 2005, p. 4). Isso significa que organização e
comunicação são equivalentes e, principalmente, a comunicação carrega em si a capacidade
“organizante” (loc. cit.).

Esta passagem está diretamente relacionada ao pressuposto do Sensemaking abordado


por Weick (1995), em que os processos individuais e organizacionais de produção de
significado são equiparados. Ao se referir a Boden (apud CASALI, 2005, p. 6), a autora
determina que o “mesmo o menor instante local de interação humana contém em si a essência
da sociedade e vice-versa”.

Afirmamos, então, que há uma produção intelectual coletiva, viabilizada pela


comunicação, que é inerente à organização e que está intimamente relacionada a sua
ontogênese17 enquanto fenômeno coletivo. De acordo com Casali (2005, p. 11):

Uma definição mais abrangente da comunicação organizacional deve considerar que assim como não
existem barreiras na relação organização-ambiente, não existem dois fenômenos distintos como
comunicação e organização, mas sim o fenômeno único da comunicação organizacional, sendo impossível
diferenciar componentes para identificar uma relação entre as partes.

Essa produção intelectual é o Sensemaking, fenômeno cognitivo que transita do âmbito


individual para o âmbito coletivo e que determina as interpretações sobre a realidade. Dessa
forma, o Sensemaking parece-nos pertinente para a observação dos fenômenos
comunicacionais, principalmente no que diz respeito à noção de realidade construída
socialmente pelos processos de produção de significado. Ao citar Weick: “Qualquer ação
individual ou organizacional ocorre por meio da mobilização de domínios subjetivos e
objetivos, no espaço entre estruturas previamente estabelecidas (ordem) e restabelecidas,
estruturas emergentes (mudança); em um processo contínuo de auto-criação e decretação
ambiental” (CASALI, 2005, p. 14).

17
A ontogenia (ou ontogênese) é uma área de estudo das Ciências Biológicas que descreve a origem e o
desenvolvimento de um organismo desde o ovo fertilizado até sua forma adulta. A aproximação deste conceito
para as organizações pode ser expressa como a análise da constituição e permanência da organização em seu
ambiente, considerando mecanismos de adaptação a mudanças e desenvolvimento de competências e
habilidades.
56

A comunicação organizacional percebida neste momento está além da proposta de


“modelo linear e telegráfico” (BORELLI, 2005), ou seja, das linhas de abordagem
transmissional, em que a informação é transmitida com o intuito de certa persuasão científica
a um sujeito cujo único comportamento é a introjeção de tais mensagens e a conseqüente
transformação em atitudes e comportamentos. Aproximamo-nos ao pensamento que questiona
a capacidade de mudanças em nível cognitivo de maneira imediata e automática.
Concebemos, então, a comunicação organizacional como fenômeno que ultrapassa a idéia de
linearidade, sendo compreendido a partir da complexidade inerente às interações, relações e
vínculos estabelecidos entre atores organizacionais, procurando “refletir sobre a comunicação
a partir de lógicas da comunicação interpessoal para além do modelo linear-telegráfico”
(BORELLI, 2005, p. 73). Com efeito: “pode-se definir a comunicação organizacional como
um processo dinâmico, pelo qual aspectos objetivos são acessados por recursos subjetivos
para continuamente criar e recriar a realidade social”. (op. cit).

Observamos, então, que o conceito Sensemaking sobre a construção social em nível


cognitivo e a comunicação organizacional enquanto processo social básico que permite a
existência de interação entre indivíduos e grupos pelo intercâmbio de informações (VIA apud
KUNSCH, 2003); são instâncias das interações humanas que constituem, estruturam e
determinam a organização. São processos sociais que atuam no mesmo subsistema
organizacional e estão intimamente imbricados um ao outro.

3.2 – Sensemaking e Pesquisa em Relações Públicas: uma proposição dialógica

Ao considerar a perspectiva sistêmica, podemos imaginar o quanto o processo


comunicativo nas organizações envolve alto grau de complexidade. Conforme revisamos no
primeiro capítulo deste trabalho, a comunicação organizacional deve compreender a natureza
de inconstância do processo relacional estabelecido pelas organizações, que envolve
indivíduos, grupos e outras organizações em pleno andamento de situações dinâmicas entre si
e com o meio externo.

Conceber o conceito Sensemaking como fator da organização significa, então, assumir a


veracidade da idéia de que as situações oferecidas à organização não são dadas em si, mas sim
57

de uma maneira que seu sentido seja construído coletivamente. A manifestação das relações
que a organização estabelece se dá por meio de informações cujo sentido é, de várias
possíveis maneiras, atribuído pelos sujeitos organizacionais. Na medida em que as
organizações estão mais associadas ao seu ambiente, deverão saber lidar com um maior
suprimento e variedade de dados e informações oferecidas, as quais ocasionalmente podem
constituir interrupções no fluxo contínuo de acontecimentos. Como Karl Weick (apud
HENRIQUE; HENRIQUE, 2008) conclui: “à medida em que caminhamos daquilo que é
racional, via o que é natural em direção àquilo que é aberto, estamos nos movendo de
estruturas, processos e ambientes menos ambíguos para estruturas, processos e ambientes
mais ambíguos. E, com este movimento, maior a importância do Sensemaking”. Isso quer
dizer que, com um maior volume de informações, maior a chance de os sujeitos
organizacionais terem de lidar com descontinuidades que causam choque diante da
ambigüidade ou da incerteza entre situações. Daí, então, inicia-se o processo Sensemaking.

A leitura de Chun Wei Choo (2003) permite-nos conferir o quanto a informação é um


componente intrínseco de quase tudo que uma organização faz, constituindo um fator
primordial dela. Por meio das idéias do autor é possível sustentar que a organização procura
resolver a ambigüidade existente em informações recebidas e consideradas significativas.
Uma vez que qualquer item de informação pode conter várias possibilidades de interpretação
ou suposições, ele é mais ou menos ambíguo. Para que a organização consiga agir e dar conta
de seus processos produtivos, as possibilidades devem ser reduzidas e as propriedades
duvidosas da mensagem devem tornar-se mais unívocas (CHOO, 2003, p. 24). Sendo assim, a
organização procura afastar a ambigüidade da informação e estruturar processos que
permitam isso.

Para Choo (2003, p. 27), é necessário à teoria organizacional estabelecer clara


compreensão dos processos organizacionais e humanos pelos quais a informação se
transforma em percepção, conhecimento e ação, não se pode definir a organização; e
compreender as operações sobre a informação como recurso estratégico na capacidade de
adaptação da organização às mudanças e ao seu ambiente externo. A influência do ambiente
se dá por informações, sinais e mensagens que “se dão de maneira ambígua e são sujeitas a
múltiplas interpretações” (CHOO, 2003, p. 28). O autor (op. cit.) sugere:

Uma tarefa crucial da administração é distinguir as mudanças mais significativas, interpretá-las e criar
respostas adequadas para elas. Para os membros de uma organização, o objetivo imediato de criar
58

significado é construir um consenso sobre o que é a organização e o que ela está fazendo; o objetivo de
longo prazo é garantir que a organização se adapte e continue prosperando num ambiente dinâmico.

Choo defende o uso estratégico da informação e a relaciona com a produção de sentido.


A primeira forma estratégica é saber usar a informação para dar sentido às mudanças do
ambiente externo. A segunda arena estratégica é a maneira como a organização consegue
criar, organizar e processar a informação de modo a gerar novos conhecimentos por meio do
aprendizado. "Os novos conhecimentos permitem à organização desenvolver novas
capacidades, criar novos produtos e serviços, aperfeiçoar os já existentes e melhorar os
processos organizacionais" (CHOO, 2003, p. 28). A terceira arena é a forma como as
organizações conseguem buscar e avaliar informações de modo a tomar decisões importantes.
Administrar os recursos e processos de informação capacita a organização a adaptar-se às
mudanças de maneira eficaz, empenhar-se na aprendizagem constante, mobilizar o
conhecimento e a experiência de seus membros (gerando inovação e criatividade) e focalizar
seu conhecimento.

Compreender o comportamento de uma organização em seu ambiente, bem como suas


ações, requer que se entenda o contexto em que se dá o comportamento. O ambiente é um
aspecto muito importante sobre o qual a organização centra-se. De Katz e Kahn, (apud
WEICK, 1973, p. 77), extrai-se a seguinte idéia:

Uma das formas mais promissoras de tratar o ambiente é através da utilização dos termos de informação.
Em vez de considerar o ambiente decisivo das organizações como formado de matérias primas, parece
possível conseguir uma interpretação mais completa da realidade se consideramos a informação e o
sentido como os bens decisivos com que as organizações operam, aos quais seus processos se dirigem, e
em função dos quais suas relações se estabelecem.

Em outras palavras, compreender o comportamento organizacional implica em entender


sua constituição e sua concepção de ambiente externo, ou seja, da construção do próprio
entendimento da organização sobre si mesma e de como entende o ambiente que a atinge.
Choo (apud HENRIQUE; HENRIQUE, 2008): “o problema central do Sensemaking é como
reduzir ou resolver a ambigüidade, e como desenvolver significados compartilhados de tal
forma que a organização possa agir coletivamente”. O expediente de redução de ambigüidade
faz o Sensemaking configurar como elemento conceitual das estratégias empresariais e como
determinante do processo de strategy making. Essa concepção é sintetizada por Luiz Henrique
e Gabriel Henrique (2008) nas seguintes questões:
59

• como os dirigentes de empresas brasileiras classificariam o ambiente de negócios em que operam


em termos de previsibilidade ?

• como estes graus de previsibilidade têm influenciado suas escolhas no que se refere a
metodologias de strategy making ?

• como se desenvolve processo de sensemaking nestas organizações , seja para a compreensão


delas próprias , seja para a compreensão do ambiente de negócios ?

• como o sensemaking influencia a escolha e adoção de metodologias de strategy making ?

• em que grau o processo de sensemaking condiciona o processo de concepção da estratégia


empresarial ?

• que papel tem o processo de sensemaking da alta administração , em especial no que se refere ao
conhecimento da própria organização , no que se refere ao grau de participação e de mudança
permitido no esforço de concepção da estratégia ?

Postulada a utilização do Sensemaking no planejamento estratégico organizacional,


podemos defender a importância da função de pesquisa para a organização. A pesquisa
definida como a captação sistemática de informação e sua interpretação (PAVLIK, 1999)
pode compreender uma série de tipos de pesquisas, como coletas de informações de mercado,
pesquisas de opinião pública, pesquisas sobre atitudes; e todo tipo de análise das
interferências ambientais e inter-relacionais da organização com outras fontes de informação e
na execução de medidas que permitam a adaptação da organização em meio à dinâmica social
inerente à realidade. Pela perspectiva sistêmica, a pesquisa atua semelhante a um mecanismo
de retroalimentação, ou feedback, que permite adaptações e movimentos constantes das
organizações em relação ao seu entorno (BORELLI, 2005).

Entendemos que as empresas, instituições, agências de comunicação, órgãos do governo


e outras formas de organização estão inseridos em um jogo de múltiplas formas de
relacionamento que constituem fonte de muitas informações. Isso implica a possibilidade de
haver ambigüidade e a conseqüente necessidade de se estabelecer sentido e ordem, postulado
pela idéia de Sensemaking, o que nos leva a crer que, em pleno contexto de relações com os
públicos, a administração dos relacionamentos conseguirá vantagem estratégica ao se valer do
conceito Sensemaking de certa forma.

A administração dos relacionamentos como disciplina acadêmica e função


organizacional assume a forma das Relações Públicas, conforme defendemos no primeiro
capítulo deste trabalho. As Relações Públicas entendidas aqui como função mediadora da
organização com os públicos estratégicos, cuja abordagem é a interpretação de informações,
idéias e opiniões do público num esforço para estabelecer reciprocidade de interesses “e assim
60

proceder ao ajustamento harmonioso da instituição na sua comunidade” (KUNSCH, 2003). A


função mediadora somada à proposta normativa do modelo simétrico de duas mãos, pelo qual
a prática das Relações Públicas se dê de maneira ética e eficaz, de modo a caracterizar uma
administração comunicacional excelente (GRUNIG, 1997; 2005). Pela revisão feita sobre essa
postura de Relações Públicas, reunimos subsídios teóricos que referendam a necessidade do
trabalho contínuo de investigação para a criação e manutenção de relacionamentos excelentes
em longo prazo. Dessa forma, o planejamento de comunicação deve fortemente considerar a
etapa de pesquisa como primordial para se estabelecer uma comunicação efetiva no processo
de Relações Públicas.

Como que encontramos quase nenhuma referência direta do Sensemaking na literatura


de pesquisas organizacionais e de Relações Públicas, propomo-nos a sugerir uma agenda de
pesquisa associada ao processo Sensemaking e seu papel na elaboração de estratégias de
relacionamento em ambientes cada vez mais ambíguos (HENRIQUE; HENRIQUE, 2008).

O conceito Sensemaking revela duas variáveis que consideramos importantes para a


conceituação teórica e a prática de Pesquisas em Relações Públicas, conforme
desenvolveremos a seguir.

Ambigüidade no ambiente das Relações Públicas

A primeira variável utilizada em nossa proposição diz respeito ao grau de ambigüidade


existente no ambiente organizacional, sobre o qual a pesquisa em Relações Públicas pode
atuar no sentido de mapear as interpretações incertas ou as múltiplas interpretações possíveis
de serem realizadas pelos atores organizacionais.

O conceito Sensemaking argumenta que o ambiente organizacional é produto de


percepções. Logo, as empresas, instituições ou outras formas de organizações não constituem
realidades dadas, pois são criadas através do processo de decretação ambiental, em que as
percepções e interpretações definem o contexto vivido pela organização. Desta forma, as
percepções são fundamentais na confecção do espaço organizacional, de estratégias de
61

adaptação aos inputs do ambiente exterior, e, mais intensamente, de planejamento dos


relacionamentos estabelecidos com públicos.

O conceito Sensemaking delimita que, ao passo em que os indivíduos são limitados em


suas capacidades de processamento de informações, as organizações também o são. Sendo
assim, elas agem baseadas em informações incompletas e exploram um número limitado de
alternativas para as interpretações que aventam sobre o ambiente e sobre os relacionamentos.

Na questão dos relacionamentos com públicos, a opinião pública pode ser considerada
como fonte de informação e, conseqüentemente, fornecedora de ambigüidades para a
organização. As organizações, pela definição exposta por Choo (2003), tentam harmonizar
suas estruturas e seus processos em relação ao ambiente percebido, com vistas à redução da
ambigüidade. Dito isto, a organização deve saber administrar o processamento de informação
estabelecido com seus públicos com o intuito de reduzir a ambigüidade das informações e
conseguir efetividade na compreensão das mensagens veiculadas.

Concluímos que a pesquisa constitui a etapa do planejamento voltado ao


desenvolvimento da habilidade de percepção para o âmbito organizacional. A função das
pesquisas aplicadas de subtema estratégico (PAVLIK, 1999) podem assumir a condição de
subsidiar o desenvolvimento de programas de Relações Públicas que visem à redução da
ambigüidade das informações contidas em mensagens institucionais ou de qualquer outra
natureza. As auditorias de imagem e de Relações Públicas parecem-nos apropriadas para o
mapeamento das ambigüidades em torno de atitudes dos públicos e da formação de conceitos.

Já o conceito Sensemaking parece ser apropriado à aplicação de auditorias de


comunicação, principalmente no que tange à legibilidade de informações e à maneira como as
pessoas tiveram acesso a elas. Neste sentido, a abordagem de Sensemaking para as Ciências
da Informação desenvolveram uma série de metodologias de estudos de recepção e
procedimentos de busca de informações, as quais, ao nosso ver, parece bastante pertinente de
configurar na agenda de pesquisa proposta.
62

A competência de Relações Públicas para o Sensemaking

Outra variável de nossa proposição de estudos preocupa-se com a competência dos


dirigentes organizacionais sobre a leitura e interpretação das ambigüidades. Karl Weick
sugere que o Sensemaking é a condição que possibilita o processo de tomada de decisões
(decision making) nas organizações, incluindo as decisões estratégicas tomadas pelos níveis
administrativos. Deste modo, a forma como as organizações respondem a seus ambientes e às
demandas da opinião pública depende dos pressupostos estabelecidos pelos dirigentes.

Concluimos que é competência das Relações Públicas formular métodos de percepção


coletiva da organização frente aos públicos e ao ambiente de mudanças. O Sensemaking,
portanto, configura como novo elemento conceitual para se contemplar as pesquisas de
opinião, auditoria de imagem, metodologias de análise de cenários e desenvolvimento de
estudos de retenção de informação da mensagem, por pressupor a construção de um curso de
ação significativo com vistas à adaptação e à satisfação das demandas dos públicos
estratégicos. Podemos perceber que o conceito Sensemaking corrobora com a proposição de
Grunig a respeito da função das Relações Públicas pela postura da excelência dos
relacionamentos, a qual estabelece que a sobrevivência organizacional está condicionada à
maneira pela qual a organização desenvolve e mantém um relacionamento estável com seus
públicos estratégicos, sob forte influência da dinâmica sócio-política e econômica onde as
organizações estão inseridas.

Pela abordagem de Relações Públicas excelentes, são efetivas as organizações que


atendem as demandas de seus grupos de interesses. As organizações, então, precisam ser
sensíveis às demandas de seus ambientes e de seus públicos estratégicos.

Para a compreensão das contribuições do Sensemaking à pesquisa de Relações Públicas,


abordamos a metodologia que os dirigentes organizacionais podem adotar para a concepção
da estratégia organizacional voltada à implantação ou manutenção de relacionamentos
excelentes com públicos estratégicos.
63

Considerações finais

Como fizemo-nos notar, o paradigma da interdisciplinaridade norteou esta investigação


acadêmica em torno da aproximação do conceito Sensemaking ao corpus teórico de pesquisa
em Relações Públicas. A interdisciplinaridade, como recente paradigma do meio acadêmico,
pode ser definida como uma tentativa de síntese de disciplinas com o intuito de instaurar um
nível diferenciado de discurso, caracterizado por novas relações estruturais entre elas. Sua
motivação se encontra no esforço de constituir uma visão de totalidade sobre o conhecimento
humano. De acordo com Fazenda (apud ROZADOS, 2003, p. 83), deseja-se, com isso,
“orientar as ciências humanas para a convergência, trabalhar pela unidade humana”. Deste
modo, a interdisciplinaridade pretende-se constituir como um paradigma científico pautado na
busca por maneiras de unificar as múltiplas disciplinas do saber humano.

A convergência do conhecimento humano, diante da crescente fragmentação do


conhecimento acadêmico entre múltiplas especializações, é uma proposta de construção de
um paradigma de ciência por base dialógica. Foi com este intuito que buscamos a
convergência entre um conceito baseado em teorias das Ciências Cognitivas já aproveitado
pelas Teorias Organizacionais – o Sensemaking – com estudos de pesquisas organizacionais
focadas em Relações Públicas.

Compreendemos, também, que o próprio desenvolvimento das Relações Públicas


enquanto disciplina acadêmica é marcado pela idéia da interdisciplinaridade. John Pavlik
(1999) e Margarida Kunsch (1999) estão em sintonia sobre esta questão, corroborando a idéia
de que a prática da profissão está distante da produção acadêmica por não buscar alicerce nas
ciências do comportamento e demais áreas do saber.

Sendo assim, pensamos em contribuir com o desenvolvimento acadêmico da


Comunicação Organizacional ao tentarmos aproximá-la em relação às linhas conceituais de
análise organizacional que se voltam para os aspectos psicológicos e sociais das pessoas,
logo, aspectos não limitados à idéia de racionalidade e de homos economicus. Se levarmos em
consideração que a matéria-prima com a qual trabalha a Comunicação Organizacional é
composta por pessoas, grupos, públicos e opinião pública, o estudo acadêmico e a prática das
Relações Públicas devem, necessariamente, saber lidar com a inter-relação de fenômenos
como comportamentos, atitudes, reputação, imagem, identidade corporativa, administração de
64

percepções, e demais assuntos que competem aos aspectos cognitivo e social da existência
humana.

As contribuições das Ciências Cognitivas para as pesquisas estão relacionadas à


investigação de fenômenos que regem diversas situações organizacionais. O Sensemaking
configura como um conceito a ser levado em consideração por um corpus teórico
fundamentado nas Teorias Organizacionais aliado à compreensão da dimensão humana por
compreender a maneira como as pessoas atribuem sentido às organizações com as quais se
relacionam.

Surge, neste ponto, a potencialidade do Sensemaking que, apesar de pouco explorada


nos estudos de Comunicação Organizacional, parece ter a contribuir para a conceituação
teórica de Pesquisa em Relações Públicas e para a agregação de elementos analíticos que
enriqueçam a experiência de conhecer o público estratégico de uma organização. As relações
entre a maneira de obter informações e se apropriar delas para constituir um conceito sobre a
realidade por parte das pessoas – premissa do Sensemaking – e a prática de pesquisas de
opinião, auditoria de imagem institucional, metodologias de análise de cenários no
planejamento de comunicação – e demais assuntos do corpus teórico de Relações Públicas –
foram discutidas no decorrer deste estudo proposto. No entanto, dadas as limitações típicas de
um trabalho de nível de graduação, propusemos uma agenda de estudos posteriores para
aprofundamento da questão suscitada.

Por meio da fundamentação teórica das Relações Públicas sobre alicerces


interdisciplinares e, logo, pluri-paradigmáticos, defendemos, também, uma maneira de
aproximar a profissão do patamar de tomada de decisões das organizações e legitimar sua
função estratégica. Posto que a compreensão e a satisfação apropriada das questões inerentes
aos públicos da organização são princípios das Relações Públicas excelentes, concebidas em
nosso trabalho, será estratégico às organizações assumir a área como influenciadora das
decisões que adotam, atribuindo à profissão o mister de fazer com que a organização
responda, de maneira eficiente e eficaz, as demandas do ambiente externo e a pressão da
opinião pública diante de controvérsias e conflitos, garantindo, desta maneira, sua
sobrevivência e a competência no que faz.

Para tanto, é necessária uma capacitação adequada dos profissionais em nível acadêmico
com relação à dimensão cognitiva e comportamental, visando à elaboração de estratégias de
65

relacionamento que levem em consideração as necessidades dos públicos estratégicos. De


todo modo, salientamos que a capacitação da profissão ao conceito Sensemaking e demais
conceitos das ciências comportamentais deve considerar a ética e a transparência nos
relacionamentos, sem jamais ser intuída como ferramenta de manipulação com finalidade
egoísta ou desonesta em seu propósito e em sua expressão.
66

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