Você está na página 1de 189

Psicologia e

Comunidade
Profª. Tais Martins

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Profª. Tais Martins

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

M386p
Martins, Tais
Psicologia e comunidade. / Tais Martins. – Indaial:
UNIASSELVI, 2021.
178 p.; il.
ISBN 978-65-5663-437-1
ISBN Digital 978-65-5663-433-3
1. Psicologia comunitária. - Brasil. II. Centro Universitário
Leonardo da Vinci.
CDD 155.94

Impresso por:
Apresentação
A obra Psicologia Social Comunitária é responsável pela abordagem
de conteúdos importantes e desafiadores da Psicologia. Os alunos dedicados
a esses aprendizados, certamente, tornar-se-ão profissionais de qualidade
e dispostos ao olhar humanitário. Este material foi elaborado através da
conjugação de saberes entre a Teoria e a Prática da Psicologia Comunitária,
que traz em seu bojo um conteúdo valioso e inquietante. Essa seara vem
expandindo a sua atuação e também a sua amplitude conceitual em função
das produções científicas e acadêmicas.

Os estudantes dispostos a amealhar esse conhecimento devem


constatar o quanto ele é agradável e ao mesmo tempo muito próximo dos
contextos pessoais e profissionais. A valorização da vida humana recebe um
novo contorno na medida em que aumenta a conscientização da sociedade
e o conhecimento, sendo um dos melhores instrumentos de uma sociedade
afinada com os valores humanos.

A elaboração deste material contou com uma ampla pesquisa


bibliográfica, textos sobre o assunto e até mesmo debates promovidos em
encontros e Congressos Nacionais e Internacionais, pois não há profissional
qualificado que descuide do aprimoramento permanente. Na Unidade
1, abordaremos a Psicologia Comunitária. Em seguida, na Unidade 2,
estudaremos a Influência dos Grupos. Por fim, na Unidade 3, aprenderemos
sobre a Psicologia Comunitária e a Atuação Profissional.

A Psicologia Social Comunitária oferece um panorama dinâmico,


pois a relação da realidade social com o processo culmina com a construção
das identidades sociais e do fortalecimento do grupo. A construção
ideológica está corporificada através do sentimento de pertencimento, pois
a comunidade não é apenas um corpo ou um objeto. A busca do corpo
perfeito e a luta contra o peso e o reganho de peso constituem uma tomada
social e não exclusivamente individual, pois a identidade das pessoas obesas
encontra um possível modelo de desenvolvimento humano que mesmo
estigmatizado se identifica e passa a compor uma comunidade.

Através da contextualização com a PSC, destaca-se o contexto


dialético da inclusão-exclusão que é imbuído de uma subjetividade, pois
os sujeitos sentem-se ao mesmo tempo incluídos e discriminados diante
dos conflitos sociais comuns à vida em grupo e em comunidade. A PSC
tem como uma de suas ocupações o estudo da comunidade. Os processos
psicossociais e as relações de poder são vinculados às transformações sociais.
Nesse sentido, a contingência cultural, a solução de conflitos e a resolução
de problemas indicam que a comunidade acaba por formar-se através de um
processo identitário. A integração e a satisfação das necessidades aumentam
o sentimento de comunidade, e justamente aí há um elo entre os três tópicos
desta unidade, pois a influência dos grupos e a atuação comunitária do
psicólogo social comunitário oferecem uma visão panorâmica da teoria, mas
também um recorte prático, diante das possíveis interações que o exercício
da psicologia possibilita vivenciar.

A Psicologia Comunitária dedica-se a estudar, compreender e intervir


no cenário de questões psicossociais que caracterizam uma comunidade.
Os objetivos da Psicologia Social Comunitária transitam compreensão das
necessidades do campo biopsicossocial, pois vislumbram construir um
entendimento acerca do conceito da Psicologia Social Comunitária e de seu
objeto de estudo.

Por certo não se pode esquecer que a tratativa desta disciplina


transita na construção social de realidades subjetivas e humanas. Tão logo
é preciso atentar o que são elementos permeados por uma práxis ética.
Quando mencionamos os objetivos desse estudo não podemos esquecer
que se faz necessário compreender, analisar e interpretar problemas de
origem psicológica, tais como: questões de ordem cognitiva, emocional,
comportamental e ecológica. Sendo assim, é notória a necessidade de
desenvolver habilidades para atuação em diversas áreas de intervenção, coisa
que só a conduta facilitará o direcionamento teórico e prático do psicólogo
para o desenvolvimento das suas habilidades profissionais.

A comunidade apresenta um traço dinâmico. O binômio indivíduo-


sociedade recebe a influência dos processos socioculturais. O homem se insere
no processo histórico, mas não representa somente um papel determinado,
torna-se agente da história, pois transforma a sociedade em que vive. Por sua
vez, Martin-Baró (1989) chama a atenção para a ligação da realidade como
processo. Nesse ponto surge a responsabilidade do psicólogo social diante da
sua contribuição na construção das identidades pessoais e do fortalecimento
do grupo. Para Wienselfeld (2014), a comunidade não é apenas um corpo
ou um objeto, mas uma construção ideológica que se corporifica através do
sentimento de pertencimento.

Por fim, a psicologia social comunitária traz algumas etapas


desafiadoras que merecem atenção: 1) o fato de que não há uma base
consensual que reúna os trabalhos dentro de uma mesma terminologia,
indicando aproximações teórico-conceituais; 2) revela a necessidade de
serem feitas análises epistemológicas sobre as práticas desenvolvidas com
o intuito de analisar criticamente as incoerências e pseudoconciliações no
campo da dimensão teórica e metodológica; 3) é necessário discutir o grau
de impacto e importância dessas práticas na vida comunitária, a fim de se
fazer uma reflexão crítica sobre o tipo de compromisso implícito e as alianças
estabelecidas nos trabalhos de PSC.

Com esta discussão surgem os novos caminhos para uma nova


consciência mais politizada através da participação popular. Tal debate, que
traz como um dos seus pontos nodais a crítica ao elitismo da Psicologia,
coincide com o desenvolvimento da Psicologia Comunitária no Brasil. Esta
se edifica a partir do movimento de uma série de psicólogos que criticavam o
viés positivista da Psicologia social até então hegemônica, buscando construir
propostas de transformação social, a partir de maior aproximação do
psicólogo com as dinâmicas do cotidiano da maioria da população. Compete
ao profissional da Psicologia Social Comunitária atender às demandas
psicológicas, visando abranger aspectos sociopolítico-econômicos.

Dessa feita é fulcral para o psicólogo estudar e compreender que a


Teoria da Psicologia Social Comunitária tem relevância significativa para
a formação de um psicólogo, não apenas por se tratar de uma abordagem
pioneira e abrangente, que busca entender a pessoa em seus contextos, mas
também por ser uma teoria condizente com explicações a respeito do ser
humano dentro dos grupos aos quais pertence ou dos grupos em que resta
alijado.

O material contou também com o apoio incondicional da Equipe


UNIASSELVI. Uma equipe qualificada e sempre disposta ao apoio e aos
esclarecimentos necessários.

Bons estudos!

Profª. Tais Martins


NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida-
de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun-
to em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você
terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-
tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA............................................................................. 1

TÓPICO 1 — CONCEITO...................................................................................................................... 3
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 O PENSAMENTO SOCIAL E AS INFLUÊNCIAS SOCIAIS...................................................... 4
2.1 A EMERGÊNCIA E A FORMAÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL
COMUNITÁRIA (PSC) NO BRASIL................................................................................................... 5
2.1.1 Etapas desafiadoras da psicologia social comunitária...................................................... 5
3 A HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL
E NA AMÉRICA LATINA................................................................................................................... 6
3.1 CARACTERÍSTICAS DA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA....................................... 7
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 12
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 13

TÓPICO 2 — HISTÓRICO.................................................................................................................. 15
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 15
2 O ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA....................................................... 17
2.1 A PSICOLOGIA COMUNITÁRIA É UMA DISCIPLINA RECENTE.................................... 17
2.1.1 A evolução da Psicologia..................................................................................................... 19
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 20
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 21

TÓPICO 3 — IDENTIDADE............................................................................................................... 23
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 23
2 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS.................................................................................................. 24
2.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SÃO FENÔMENOS DA VIDA COTIDIANA .................... 25
2.1.1 As três dimensões das representações sociais.................................................................. 26
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 29
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 30

TÓPICO 4 — COMUNIDADE............................................................................................................ 33
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 33
2 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA TEM COMO UMA DE SUAS
OCUPAÇÕES O ESTUDO DA COMUNIDADE......................................................................... 34
2.1 O SENTIDO DE COMUNIDADE SURGE A PARTIR DA CONCEPÇÃO DE SAÚDE
E DE EMAGRECIMENTO COMO FORMA DE MANUTENÇÃO DA SAÚDE....................... 34
2.1.1 Preconceitos e estereótipos.................................................................................................. 35
3 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA ESTUDA AS RELAÇÕES ENTRE O
INDIVÍDUO E A SOCIEDADE....................................................................................................... 36
3.1 O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA.................................................... 37
3.1.1 O ganho de peso é um problema........................................................................................ 38
RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 41
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 42
TÓPICO 5 — CRENÇAS E JULGAMENTOS SOCIAIS................................................................ 45
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 45
2 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL.................................................................. 46
2.1 INTERVENÇÃO SOCIAL............................................................................................................. 47
2.1.1 A vida social diante da nossa formação filogenética e ontogenética............................ 48
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 50
RESUMO DO TÓPICO 5..................................................................................................................... 53
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 54
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 56

UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS............................................................................ 59

TÓPICO 1 — RELAÇÕES SOCIAIS.................................................................................................. 61


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 61
2 REFLEXÕES NECESSÁRIAS........................................................................................................... 61
3 INTERFACE ENTRE A PERCEPÇÃO SOCIAL E AS RELAÇÕES SOCIAIS......................... 63
4 ENTRE A SOCIOLOGIA E A PSICOLOGIA................................................................................ 63
4.1 A IMIGRAÇÃO COMO EXEMPLO NA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA .......... 65
4.2 O CONTROLE DAS RELAÇÕES É ALGO JÁ MENCIONADO PELA OBRA
FOUCALTIANA............................................................................................................................. 70
5 OBJETOS DO MEIO SOCIAL......................................................................................................... 71
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 74
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 75

TÓPICO 2 — CONFLITOS E PACIFICAÇÃO................................................................................. 77


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 77
2 A POSSIBILIDADE DE AUTONOMIA E LIBERDADE............................................................ 77
3 VIOLÊNCIA E SAÚDE MENTAL................................................................................................... 80
3.1 PROTEÇÃO E EXPOSIÇÃO DIANTE DA VIOLÊNCIA......................................................... 80
3.1.1 Violência doméstica.............................................................................................................. 81
3.1.2 Violência contra o idoso....................................................................................................... 83
3.1.3 Violência obstétrica............................................................................................................... 85
4 GRUPOS SOCIAIS............................................................................................................................. 88
4.1 FUNÇÃO DO PSICÓLOGO......................................................................................................... 88
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 90
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 91

TÓPICO 3 — VIOLÊNCIA E VITIMOLOGIA................................................................................ 93


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 93
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 95
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 96

TÓPICO 4 — PERCEPÇÃO SOCIAL................................................................................................. 99


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 99
2 A PSICOLOGIA SOCIAL E A PERCEPÇÃO DO OUTRO...................................................... 100
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 104
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 105

TÓPICO 5 — PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO.............................. 107


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 107
2 CARACTERIZAÇÃO DO PRECONCEITO................................................................................ 107
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 110
RESUMO DO TÓPICO 5................................................................................................................... 116
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 117
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 119

UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL............ 121

TÓPICO 1 — ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA PSICOLOGIA SOCIAL


COMUNITÁRIA......................................................................................................... 123
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 123
2 ESPÉCIE HUMANA NO PLANETA............................................................................................. 124
2.1 A PSICOLOGIA É UMA CIÊNCIA AMPLA........................................................................... 125
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 128
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 129

TÓPICO 2 — DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA............................. 133


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 133
2 O PROGRESSO NO BRASIL......................................................................................................... 134
2.1 GRUPOS DE APOIO................................................................................................................... 135
2.2 A LIBERDADE............................................................................................................................. 136
2.3 EMANCIPAÇÃO......................................................................................................................... 138
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 141
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 142

TÓPICO 3 — OBESIDADE E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA


COMUNITÁRIA......................................................................................................... 145
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 145
2 A OBESIDADE É EXPOSTA NA ÁREA DA SAÚDE COMO UMA EPIDEMIA
MUNDIAL.......................................................................................................................................... 146
2.1 A OBESIDADE É UM PROBLEMA DE SAÚDE, MAS TAMBÉM SOCIAL....................... 147
3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS)............................................................ 150
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 152
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 153

TÓPICO 4 — VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA SOCIAL .......................


COMUNITÁRIA......................................................................................................... 155
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 155
2 O CONCEITO DA PALAVRA VIOLÊNCIA............................................................................... 155
2.1 PSICOLOGIA SOCIAL............................................................................................................... 158
3 A CONDENAÇÃO “SOCIAL”....................................................................................................... 161
3.1 O PROCESSO HISTÓRICO BRASILEIRO............................................................................... 161
4 A VIOLÊNCIA É UM ELEMENTO QUE PROPICIA UM DEBATE....................................... 163
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 164
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 165

TÓPICO 5 — APLICAÇÕES GERAIS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA.......................... 167


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 167
2 MASSAS E AS CONDUTAS HUMANAS................................................................................... 167
2.1 MUITOS TEMAS DESAFIAM A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMUNITÁRIO........... 168
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 170
RESUMO DO TÓPICO 5................................................................................................................... 173
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 174
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 176
UNIDADE 1 —

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar fundamentos da Psicologia que contribuem na compreensão


dos fenômenos jurídicos;

• delimitar o objeto e as áreas de abrangência da Psicologia Comunitária


nos contextos sociais e também das organizações pertinentes à proteção
dos indivíduos e dos grupos;

• distinguir no campo das relações entre a Psicologia e a Comunidade,


dominando as técnicas para ampliar esses saberes para auxiliar na paci-
ficação dos conflitos.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – CONCEITO

TÓPICO 2 – HISTÓRICO

TÓPICO 3 – IDENTIDADE

TÓPICO 4 – COMUNIDADE

TÓPICO 5 – CRENÇAS E JULGAMENTOS SOCIAIS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1 —

CONCEITO

1 INTRODUÇÃO

A Psicologia Social Comunitária traz em seu bojo um estudo científico


sobre o modo como as pessoas pensam e também a forma como elas se relacionam.
É da competência dessa ciência o estudo da influência do comportamento de uma
pessoa sobre as outras, uma vez que a honestidade, a crueldade e a prestatividade
são interligadas através de elementos como: a) o pensamento social, b) a influência
social e c) as relações sociais.

É de responsabilidade da psicologia social comunitária a análise do


pensamento social, tendo em vista os indivíduos e a sua realidade social através
de suas capacidades intuitivas. As atitudes possuem uma ligação direta, sujeito
que influencia e que pode também ser influenciado pelo comportamento do
grupo no qual está inserido. Nesse sentido, é preciso observar que existem as
influências sociais que certamente interferem no comportamento dos sujeitos e
também no comportamento dos grupos.

A psicologia social pode ser entendida como um ramo de estudo da


psicologia que tem como centro de sua análise o comportamento do indivíduo
e as relações sociais estabelecidas por este indivíduo. Podemos afirmar também
que a psicologia social estabelece um limite entre o que vem a ser psicologia e o
que é a área de atuação da sociologia.

Podemos asseverar que o ponto nevrálgico de diferenciação entre ambas


está centrado no objeto de estudo, pois a psicologia tem como objeto de estudo
o indivíduo e as interdependências entre os sujeitos, ou seja, o comportamento
da pessoa e o condicionamento humano são observados através do pensamento
e do comportamento das pessoas. Kurt Lewin (1890-1947) é considerado por
muitos o fundador da psicologia social. Já no que concerne à sociologia, o seu
objeto de estudo está concentrado no grupo social. A riqueza dessa disciplina é
justamente o que a transforma num desafio reflexivo inesgotável, como veremos
nos subtópicos que seguem.

3
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

E
IMPORTANT

O olhar, a escuta e a contextualização são capazes de qualificar ainda mais


o exercício profissional do Psicólogo Social, pois é o ato de olhar compreensivamente,
suspendendo valores e sustentando o que é trazido pelas pessoas, pelo grupo e pela
comunidade, que permitirá um olhar do psicólogo, que se diferencia dos demais
profissionais que atuam com as Ciências Sociais.

• A psicologia comunitária tem seus precedentes pelas correntes de pensamento social


do século XIX. Notoriamente, através da Revolução Industrial, que teve seu início no
final do século XVIII, presenciou o surgimento de grandes transformações econômicas,
sociais, políticas e tecnológicas.
• Esses acontecimentos promoveram uma mudança do sistema de economia agrícola,
produção mecanizada e um agrupamento nos grandes núcleos urbanos. É notório
que houve uma mudança no estilo de vida e nos costumes das pessoas. É diante da
mudança de panoramas históricos e do pensamento social que se estabelecerá a sua
preocupação com as problemáticas sociais.
• O psicólogo é um catalisador de processos. Seus temas são: os processos de formação
de consciência, a construção de identidade, as representações sociais, a apatia social,
a desorganização e mobilização, o individualismo, a solidariedade, os processos de
ação social etc.
• Reiteramos que o papel do psicólogo em contextos comunitários é um tema
de primeira ordem, pois enseja a grande tarefa de conhecer as necessidades da
comunidade, orientar e dinamizar as estratégias que facilitem a solução. Os objetivos
da Psicologia Social Comunitária transitam a compreensão das necessidades do campo
biopsicossocial, pois vislumbram construir um entendimento acerca do conceito da
psicologia social comunitária e de seu objeto de estudo.

2 O PENSAMENTO SOCIAL E AS INFLUÊNCIAS SOCIAIS


O pensamento social e as influências sociais culminam a compreensão
das relações sociais, pois é por meio dela que seremos capazes de observar os
comportamentos que são biológicos e também os comportamentos que são
sociais. Por meio dos valores, observaremos a positividade e a negatividade de
determinadas condutas; a estrutura e a organização social permitem e proíbem
determinados comportamentos. Com a aplicação da psicologia social comunitária,
será possível verificar os contextos da vida cotidiana.

Estudar o comportamento do ser humano e no que ele é influenciado


socialmente é uma das competências dessa ciência, pois antes mesmo de
nascermos, somos influenciados pela cultura a qual pertencemos, uma vez que
as condições históricas e sociais e a história do grupo no qual seremos inseridos
determinam o que é bom ou ruim, positivo e negativo, reforçador ou não.

Não devemos descartar o fato de que muitas vezes a psicologia social é


confundida com a sociologia. É bom recorte e da competência da psicologia social

4
TÓPICO 1 — CONCEITO

comunitária analisar e investigar o estudo dos indivíduos e como eles influenciam


e são influenciados pelas pessoas que compõem a sociedade.

Destarte, é possível mencionar que a psicologia social comunitária é


fronteiriça com os estudos de sociologia, pois é da competência da sociologia
a análise dos grupos e da sociedade; na psicologia social comunitária os
indivíduos são observados através de uma experimentação, analisando, de modo
científico, a construção do pensamento social, a análise da influência social e,
por fim, a construção das relações sociais. Em outras palavras, significa explicar
o comportamento humano através da personalidade ou através das crianças;
combina por configurar o objeto do estudo da psicologia social comunitária, que
tem seu foco sobre a construção da realidade social.

2.1 A EMERGÊNCIA E A FORMAÇÃO DA PSICOLOGIA


SOCIAL COMUNITÁRIA (PSC) NO BRASIL
A emergência e a formação da Psicologia Social Comunitária (PSC) no
Brasil, nos últimos 50 anos, foram marcadas, por um lado, pela contraposição
aos dispositivos conceituais, aos locais de trabalho consagrados e às práticas da
psicologia social norte-americana ao longo do século XX e, por outro, pela inserção
da noção de comunidade em seu conjunto de princípios (FREITAS, 2013).

Por meio da linguagem se estabelecem os significados das palavras que


são atribuídas pelo grupo social e pela cultura e através delas se determinam uma
visão de mundo, um sistema de valores e, por consequência, ações, sentimentos
e emoções decorrentes. Embora as emoções sejam universais – tristeza, medo,
alegria, nojo –, o que nos faz senti-las varia conforme os significados atribuídos
pelo grupo social ao qual pertencemos.

A palavra se torna poderosa quando alguma “autoridade” social impõe


um significado único e inquestionável, que determina uma ação automática. A
contra-arma do poder da palavra se encontra na própria natureza do significado:
ampliá-lo, questioná-lo, pensar sobre ele, e não agir automaticamente em resposta
a uma palavra. Entre a palavra e a ação deve sempre existir o pensamento para
não sermos dominados por aqueles que detêm o poder da palavra.

2.1.1 Etapas desafiadoras da psicologia social


comunitária
A psicologia social comunitária traz algumas etapas desafiadoras que
merecem atenção:

• O fato de que não há uma base consensual que reúna os trabalhos dentro de
uma mesma terminologia, indicando aproximações teórico-conceituais.

5
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

• Revela a necessidade de serem feitas análises epistemológicas sobre as


práticas desenvolvidas, com o intuito de analisar criticamente as incoerências
e as pseudoconciliações no campo da dimensão teórica e metodológica.
• É necessário discutir o grau de impacto e importância dessas práticas na vida
comunitária, a fim de se fazer uma reflexão crítica sobre o tipo de compromisso
implícito e as alianças estabelecidas nos trabalhos de PSC (JACQUES, 2013).

Com essa discussão surgem os novos caminhos para uma nova


consciência mais politizada através da participação popular. Tal debate, que traz
como um dos seus pontos nodais a crítica ao elitismo da Psicologia, coincide
com o desenvolvimento da Psicologia Comunitária no Brasil. Esta se edifica a
partir do movimento de uma série de psicólogos que criticavam o viés positivista
da Psicologia social até então hegemônica, buscando construir propostas
de transformação social a partir de maior aproximação do psicólogo com as
dinâmicas do cotidiano da maioria da população (JACQUES, 2013).

E
IMPORTANT

A Psicologia Social Comunitária reúne diversos campos de atuação, pois seu


intuito é trabalhar com os grupos populares na busca contínua do protagonismo e esse
protagonismo só é construído a partir de um pensamento crítico.

3 A HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL


NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
A história da construção da psicologia social no Brasil e na América Latina
construiu uma psicologia social como um campo de produção de conhecimento
relacionando a relação homem x sociedade, através da compreensão do indivíduo
e no papel de identificação dos grupos aos quais esse indivíduo pertence. Ao
qualificar a psicologia como social e posteriormente como comunitária, fica claro
o objetivo de colaboração dos espaços relacionais que aproximam o indivíduo a
partir de seus territórios, mas que posteriormente constroem seus processos de
identificação, sejam eles físicos ou simbólicos (SAWAIA, 2000).

A Psicologia Social Comunitária utiliza o enquadre teórico da Psicologia


Social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a formação da
consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual,
orientada por preceitos eticamente humanos (FREITAS, 1996).

É muito difícil encontrar comportamentos humanos que não envolvam


componentes sociais. Esses aspectos sociais são o enfoque da psicologia social.

6
TÓPICO 1 — CONCEITO

A psicologia social estuda a relação entre o indivíduo e a sociedade, entendida


historicamente desde como seus membros se organizam para garantir sua
sobrevivência até seus costumes, valores e instituições necessárias para a
continuidade da sociedade.

Psicologia social como o estudo científico da ação enquanto


ideológica. Ao dizer ideológica, estamos expressando a mesma ideia
de influência ou relação interpessoal, do jogo do pessoal e social;
porém estamos afirmando também que a ação é uma síntese de
objetividade e subjetividade, de conhecimento e de valorização, não
necessariamente consciente, quer dizer que a ação está significada
por conteúdos valorados e referidos historicamente em uma estrutura
social (MARTÍN-BARÓ, 2012, p. 17).

Podemos fazer todas as variações que quisermos, desde que as relações


sejam mantidas. Há situações ou papéis mais determinados e outros mais livres.
Ao conviver em grupos, cada um vai construindo seu EU. No processo de
interação, desenvolvemos nossa consciência, nossa identidade.

A psicologia corresponde a desmascarar os vínculos que ligam os


atores sociais com os interesses de classe, colocando em evidência as
mediações através das quais as necessidades de uma classe concreta
se tornam imperativos interiorizados pelas pessoas, desarticular o
emaranhado de forças objetivadas em uma ordem social que manipula
os sujeitos através de mecanismos de falsa consciência (MARTÍN-
BARÓ, 2012, p. 48).

Podemos asseverar que a psicologia social comunitária ganhou uma


visão crítica acerca dos problemas sociais e aos poucos foi transformando a
comunidade e seu principal referencial de análise. “A comunidade é o eixo
geográfico ou psicossocial onde a vida cotidiana é vivida” (CAMPOS, 2013, p. 8). A
investigação das relações entre uma determinada comunidade e as ligações entre
os seus componentes possibilita destacar a relevância da formação dos grupos,
justificando a ampliação da perspectiva social em promover mudanças através
do compromisso ético e político considerado pela psicologia social comunitária.

Para Jacob (1999), a comunidade é um propósito da verdadeira essência


da Psicologia Comunitária, em que se constitui o objeto de estudo e implementa
a teorização e a intervenção, pois é através da cultura e dos significados
compartilhados que os indivíduos constituem o elemento de um grupo social
concreto: o sentir-se parte e o fazer parte. Aprofundaremos esse conceito no
tópico sobre comunidade.

3.1 CARACTERÍSTICAS DA PSICOLOGIA SOCIAL


COMUNITÁRIA
A Psicologia Social Comunitária apresenta traços muito particulares
desde sua história até os seus papéis de atuação. É uma psicologia que tem como

7
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

diretriz a tratativa com os grupos populares, pois por meio da compreensão da


história dos sujeitos e dos grupos sociais é possível traçar estratégias para que
cada grupo assuma o seu real protagonismo.

Através dos estudos de filosofia elencados por Aristóteles é possível


observar a necessidade humana de digestão nos contextos sociais. No entanto,
nem toda interação é fácil e nem toda linguagem possibilita uma convivência
harmônica. As relações de poder se estabelecem e com elas surgem as fragilidades,
as relações positivas e negativas advindas da vida social.

No que concerne ao delineamento histórico, é possível verificar que no


Brasil, entre as décadas de 1960 e 1970, a anteriormente denominada psicologia
na comunidade assumia um serviço necessário e indispensável à população,
pois por meio das organizações políticas e das novas frentes de trabalho foi
possível observar a retirada de um serviço clandestino que somente contribuía
com as referências sociológicas e antropológicas, em que se constrói um trabalho
comunitário de estofo que apresenta um compromisso teórico e prático com o fito
de ampliar a resolução das demandas sociais, através do emprego de estratégias
intervencionais que facilitaram a interação com as comunidades e também a
compreensão dos valores e da cultura de cada espaço.

Surge nesse momento o grande papel do psicólogo como identificador


das demandas sociais e das estratégias de intervenção, através de um diálogo
de confiabilidade e de conhecimento. Nesse diapasão, a psicologia comunitária
tornou-se o campo social (GÓIS, 1993).

As características da psicologia social comunitária, segundo Montero


(2004), podem ser compreendidas da seguinte forma, a saber:

• preocupa-se com fenômenos psicossociais relacionados aos processos de


construção do caráter comunitário, levando em conta o contexto cultural e
social do qual surgem;
• aceita a comunidade como um ser dinâmico composto por agentes ativos,
relacionados à realidade em que vivem;
• enfatiza as forças e capacidades e não as carências e debilidades;
• considera a relatividade cultural;
• inclui a diversidade;
• assume as relações que ocorrem entre as pessoas e seu meio ambiente;
• assume uma orientação voltada às mudanças sociais e ao desenvolvimento
comunitário a partir da dupla motivação, seja ela comunitária ou científica;
• inclui uma orientação voltada às mudanças pessoais e no processo de inter-
relação entre indivíduos e comunidade;
• vislumbra a possibilidade de poder da comunidade sobre os processos que
afetam;
• delineia uma condição política que supõe a formação da cidadania através do
fortalecimento da sociedade;
• defende uma ação comunitária que seja fundamentada pela participação da

8
TÓPICO 1 — CONCEITO

própria comunidade;
• considera a Psicologia Social Comunitária uma ciência aplicada que é capaz
de produzir intervenções sociais;
• apresenta um caráter eminentemente preventivo;
• seu caráter científico promove interferências na esfera crítica e também na
construção de novas teorias.

O intento das intervenções da psicologia social comunitária tem como


foco promover mudanças e adaptações na estrutura das comunidades através
de uma participação coletiva. Essa participação deve ser favorecida através
de processos de fortalecimento interpessoais, interativos e comportamentais
(ÁLVARO; GARRIDO, 2006).

Os processos de autopercepção trazem uma grande contribuição para a


compreensão da capacidade e da manutenção exitosa dos sistemas sociais, uma
vez que o ambiente social e político exige dos indivíduos uma organização que se
perfaz através das atividades comunitárias (MONTERO, 2004).

No que diz respeito ao papel do Psicólogo Comunitário, o trabalho de


Maria de Fátima Quintal (1994) é muito significativo, visto que aborda o fato
de que existem diferenças no tipo de identidade e nos produtos das práticas
profissionais. Ela elenca um quadro de quatro tipos de práticas contempladas no
trabalho comunitário, a saber:

• A Psicologia Comunitária define estratégias para diagnosticar, de uma


perspectiva psicológica e individual, e se preocupa com as estruturas internas
individuais. É a psicologia clínica tradicional em outro cenário social e espacial,
ou seja, assume um novo espaço de ação. Utiliza técnicas e instrumentos
tradicionais de psicoterapia, diagnóstico e testes. Busca identificar crises
vivenciadas e promove classificações. Considera que os problemas da
comunidade são causados principalmente por problemas mentais. Seus temas
de interesse são: neurose, psicose, histeria, relações familiares e pessoais.
Outros problemas são vistos de uma perspectiva situacional. A comunidade
é um mero destinatário. Significa uma defesa da especificidade profissional e
crença na determinação psicológica.
• A Psicologia Comunitária é aquela em que a ênfase é determinada pela
população. O psicólogo participa de discussões e mobilizações; ele é um
ativista político. Os problemas comunais derivariam de fatores econômicos,
políticos e sociais; ele não atribui causas psíquicas a eles, o pessoal é analisado
como o resultado das condições sociais. O psicólogo atende populações
carentes contribuindo para aprender a se expressar, organizar e atender
demandas. Contribui para a organização e mobilização popular. Para isso,
utiliza dinâmicas de grupo para facilitar os processos de comunicação e
organização, utilizando instrumentos de outras áreas. Com ela, a psicologia
pouco contribui, pois seu caráter é basicamente político; se detecta novas
situações e problemas, eles requerem maior análise e treinamento; dessa
forma, a população ganha em possibilidades organizacionais. A prática

9
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

psicológica é pobre. É uma não defesa da especificidade profissional e da


crença numa determinação psicológica.
• A Psicologia Comunitária atribui causas psíquicas a problemas comunitários,
vendo-os como traços ou tendências internas da estrutura psíquica. Suas
técnicas buscam fortalecer a organização, a mobilização e a participação. O
psicólogo é um intermediário entre a população e as instituições. Implica
a não defesa da especificidade profissional e a crença numa determinação
psicológica. Carece de identificação profissional ou social.
• A Psicologia Comunitária enfrenta os problemas das comunidades e estuda
os aspectos subjetivos que contribuem para uma maior incidência das
determinações. Analisa a realidade concreta da vida e da vida diária.

O Psicólogo é um catalisador de processos. Seus temas são: os processos de


formação de consciência, a construção de identidade, as representações sociais, a
apatia social, a desorganização e mobilização, o individualismo, a solidariedade,
os processos de ação social etc.

Os problemas individuais são vistos a partir de uma perspectiva


psicossocial e como uma construção sócio-histórica. Use as técnicas psicológicas
existentes, mas crie outras, participando com a população. Desmistifique as
explicações frequentes. É uma posição de defesa de especificidade profissional e
crença na determinação sócio-histórica.

Com ela, a psicologia e a comunidade ganham; cria-se a necessidade de


reflexão e sistematização, constroem-se novos instrumentos e novas relações de
produção e intervenção do conhecimento. A comunidade tem novas possibilidades
como ator social, construindo novas formas de vida comunitária.

O objeto de estudo está inacabado, em construção permanente. Requer


coerência nos pressupostos científicos e rigor nos instrumentos de apreensão do
objetivo e subjetivo das determinações sociais. Significa, então, um novo tipo de
intervenção e relacionamento da psicologia com a comunidade. É preciso observar
um viés contextual, pois há três subdivisões importantes que merecem destaque:

• Psicologia na Comunidade (sai do espaço elitista de atuação).


• Psicologia da Comunidade (envolve processos coletivos e públicos e também
institucionais).
• Psicologia Comunitária (modelo de psicologia crítica, não adaptacionista,
tomada de consciência e identidade cultural).

Até agora, apresentamos algumas ideias que acreditamos serem


essenciais para entender o que significa o conceito de apoio social e a razão de seu
protagonismo na Psicologia Comunitária. Intervir é empoderar, e para empoderar
é preciso promover o uso de recursos, disponibilizar ou desenvolver práticas
que permitam o acesso a esses recursos. O papel que eles desempenham neste
processo é essencial, uma vez que o empoderamento envolve o desenvolvimento
de capacidades das pessoas, organizações e comunidades, e as capacidades são

10
TÓPICO 1 — CONCEITO

intimamente relacionadas à identidade. Nesse sentido, não é possível desvincular


identidade com valores ou cultura, porque um dá conteúdo ao outro.

O problema então é como promover o desenvolvimento sem cancelar os


sistemas de crenças e valores, que são, precisamente, o motor que orienta todo o
processo. Tolerância, colaboração, comunicação, discussão de objetivos, consenso
etc. são todos os aspectos da intervenção a que se pode promover para que o
empoderamento aconteça sem anular a identidade. Seguimos para os próximos
tópicos.

DICAS

LANE, S. T. M. A Psicologia Social e uma nova concepção de homem para


a Psicologia. In: LANE, S. T. M.; CODO, W. Psicologia Social: O homem em movimento.
São Paulo: Brasiliense, 1984.

MARTIN-BARÓ, I. El Poder Social. In: MARTIN-BARÓ, I. Sistema, grupo y poder: psicología


social desde Centroamérica (II). San Salvador: UCA Editores, 1989.

MONTERO, M. Crítica, autocrítica y construcción de teoria en la psicología sociallatino-a-


mericana. Revista Colombiana de Psicología, v. 19, n. 2, p. 177-191, 2010.

11
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Estudar o comportamento do ser humano e no que ele é influenciado


socialmente é uma das competências dessa ciência, pois antes mesmo de
nascermos, somos influenciados pela cultura a qual pertencemos, uma vez
que as condições históricas e sociais e a história do grupo no qual seremos
inseridos determinam o que é bom ou ruim, positivo e negativo, reforçador
ou não.

• A história da construção da psicologia social no Brasil e na América Latina


construiu uma psicologia social como um campo de produção de conhecimento
relacionando a relação homem x sociedade, através da compreensão do
indivíduo e no papel de identificação dos grupos aos quais esse indivíduo
pertence.

• A Psicologia Social Comunitária apresenta traços muito particulares desde


sua história até os seus papéis de atuação. É uma psicologia que tem como
diretriz a tratativa com os grupos populares, pois por meio da compreensão
da história dos sujeitos e dos grupos sociais é possível traçar estratégias para
que cada grupo assuma o seu real protagonismo.

• Tolerância, colaboração, comunicação, discussão de objetivos, consenso etc.


são todos os aspectos da intervenção a que se pode promover para que o
empoderamento aconteça sem anular a identidade.

12
AUTOATIVIDADE
1 A obra Psicologia Social Comunitária é responsável pela abordagem de
conteúdos importantes e desafiadores da Psicologia. Os estudos de Bader
Sawaia e Regina Helena Freitas Campos caracterizam a comunidade por
vários elementos, EXCETO:

a) ( ) Abranger todas as formas de relacionamento marcadas por um grau


elevado de intimidade pessoal, profundeza emocional, engajamento
moral e continuidade no tempo.
b) ( ) Fundamentar-se no homem e na mulher, vistos em sua totalidade e
não neste ou naquele papel que possam desempenhar na ordem social.
c) ( ) Ver como elemento vital o fazer e o pensar coletivos, destituídos das
individualidades que os compõem.
d) ( ) A fusão do sentimento da tradição que se constitui só no pensamento
e não na participação.
e) ( ) Sua base cotidiana deve ser sustentada somente no espaço geográ-
fico.

2 A Psicologia Social Comunitária utiliza o enquadre teórico da Psicologia


Social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a formação
da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e
individual, orientada por preceitos eticamente humanos. Quais as possíveis
marcas que se pode ter com a produção teórica e a prática da psicologia social
comunitária?

a) ( ) A busca do desenvolvimento da consciência crítica, da ética, da soli-


dariedade e das práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias.
b) ( ) A busca da autogestão como única maneira de termos as comunida-
des vivendo sua autonomia em nossa sociedade.
c) ( ) A definição junto às ONGs de como devem agir na solução imediata
dos problemas sociais que atingem apenas parte da população.
d) ( ) Orientar as Comunidades Urbanas marginalizadas a se conscienti-
zarem de seus direitos.
e) ( ) A definição das ações políticas partidárias como únicas capazes de
garantir a tomada de consciência da realidade vivida.

3 O psicólogo trabalha com grupos atendidos pelo Programa de Atenção


Integral à Família (PAIF) nos Centros de Referência e Assistência Social
(CRAS), população em situação de vulnerabilidade social. Os objetivos do
PAIF são: a) a prevenção e enfrentamento de situações de risco social; b)
dos vínculos familiares e comunitários; c) promoção de aquisições sociais e
materiais das famílias, visando fortalecer o protagonismo e a autonomia das
famílias e da Comunidade. Com pauta nessas análises, cabe ao psicólogo:
13
a) ( ) Estruturar um planejamento que permita a escolha de técnicas e di-
nâmicas que estimulem a participação e a criação das atividades gru-
pais, construindo um programa social, pois é através do conhecimento
e do planejamento feito conjuntamente com os líderes comunitários que
será possível construir os grupos focais.
b) ( ) Facilitar o atendimento da população em situação de vulnerabilida-
de, possibilitando o acolhimento econômico.
c) ( ) Identificar as alternativas ecológicas de intervenção.
d) ( ) Organizar os trabalhos de ambulatório para dar suporte à saúde da
população.

4 Quais são os objetivos da Psicologia Social Comunitária e no que


compreendem?

5 O processo histórico da Psicologia Social Comunitária aponta para qual


sentido?

14
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

HISTÓRICO

1 INTRODUÇÃO
A Psicologia Comunitária é uma disciplina de gênese recente, pois seu
surgimento é constatado no último terço do século XX nos Estados Unidos. Uma
vez instalada, ela restou disseminada em larga escala pela Europa e pela América
Latina.

Existem diferentes formas de conceber a Psicologia Comunitária. Destas,


duas merecem destaque, a saber: a norte-americana e a latino-americana, por
sua graduação e autonomia – o que facilita a sua análise – e também porque são
suficientemente documentadas em estudos empíricos que analisam sua trajetória
e produção investigativa, bem como suas principais orientações práticas.

A Psicologia Social como ciência independente nasce entre 1930-1940.


Embora tenha raízes e precedentes, a Psicologia Social Comunitária se cristalizou
institucional e academicamente nos Estados Unidos, na década de 1960-1970,
vinculada ao campo da saúde mental. A história e a pré-história do movimento
da comunidade americana são suficientemente detalhadas em vários livros e
capítulos, o que nos exime de seu relato factual. Nós mesmos tentamos sintetizar
o como e o porquê do surgimento da Psicologia Social Comunitária.

A Psicologia Social Comunitária tem sua construção pautada na


preocupação com a cidadania e com a interação dos grupos sociais; a busca de um
processo de conhecimento social comunitário que possa assegurar o protagonismo
das populações.

No início do século XX, o psiquiatra Sigmund Freud utilizou a Psicologia


Social para estudar o caráter social e psiquicamente condicionado das neuroses e
psicoses de massas. Para ele, toda a psicologia é social. Toda disciplina científica
tem como tarefa a busca de soluções para problemas práticos que surgem dentro
de grupos e comunidades com um impacto direto sobre os indivíduos.

A intervenção nos grupos sociais é responsável pelo favorecimento da


autonomia e dos processos de engajamento e de criticidade diante dos problemas
comuns que são enfrentados pelos grupos, pela comunidade e pela sociedade.

No surgimento da Psicologia Social Comunitária, aliam-se uma série de


forças e fatores, sejam eles técnicos, profissionais ou sociopolíticos, que serviram
de amadurecimento da aplicação da Psicologia. Notoriamente, após a Segunda

15
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

Guerra Mundial, há uma abertura para as mudanças sociais que ocorreram nos
anos 1960. Ganha força o ativismo e o intervencionismo dos cientistas sociais.

Essa situação não é pacífica, uma vez que não há uma unanimidade
entre os autores, pois uns defendem que a Psicologia Social surgiu em 1859 com
a edição da revista “Grande Enciclopédia Soviética”, de Steintahl e Lazarus.
Enquanto outra vertente fala do surgimento de um processo de psicologização
da sociologia que surge no final do século XIX.

Cronologicamente, podemos situar o processo de psicologização da


Sociologia burguesa na última década do século passado. Nas palavras do
sociólogo e publicista francês G. Le Bon (1841-1931): “ao século dos heróis sucedia
o século das massas”. Por fim, nos compete destacar que a crise da Psicologia
Social incentivou vários pesquisadores a formularem alternativas para uma nova
Psicologia Social mais comprometida com a realidade.

Por um lado, a insuficiência do modelo médico-clínico da doença e do


hospital, seu eixo principal, compreende e resolve não só muitos problemas
de saúde mental, mas também as novas patologias psicossociais (drogas,
marginalização, violência, desintegração da família etc.) resultantes das profundas
deslocações e desintegração social que acompanham as mudanças tecnológicas e
sociais em curso. Soma-se a isso, o desencanto da psicoterapia para atender às
expectativas inicialmente geradas e a impossibilidade de atingir por meio desse
método todos aqueles que precisam de ajuda psicológica (principalmente os mais
marginalizados: a psicoterapia sempre foi um valor e uma prática das classes
médias altas).

Notoriamente, a reflexão sobre o surgimento da psicologia social através


do seu processo histórico tem uma ligação com a Segunda Guerra Mundial, pois é
a partir desse momento que a psicologia social passou a ser compreendida como
estudo das interações humanas; elementos, como o preconceito, a liderança e os
problemas comuns às interações humanas passam a ser observados de maneira
mais atenta. Por sua vez, não podemos descurar do fato de que a psicologia social
comunitária tradicional não trazia ainda em seu bojo esses delineamentos.

No Brasil e na América Latina, esse movimento ganha força a partir


da década de 1970, pois dentro da própria psicologia social um movimento
começa a apresentar questionamentos sobre a diversidade cultural e sobre o
comprometimento da Psicologia com os problemas da sociedade, é isso uma
construção, ainda que incipiente, do modelo tradicional de psicologia social
comunitária que começava a voltar o seu olhar para uma concepção mais
harmônica, dualista e psicologizante sobre o homem e a vida social.

16
TÓPICO 2 — HISTÓRICO

2 O ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA


O estudo da Psicologia Social Comunitária enseja uma breve análise sobre
as características e as interações humanas no que concerne aos problemas que
surgem no seio social, os valores, o ajustamento social, as atitudes e condutas
humanas, que podem ser estruturados através de contextos históricos e também
culturais.

A Psicologia Social Comunitária é demarcada através, especialmente, da


Segunda Guerra Mundial, pois antes deste momento nevrálgico a preocupação
dela estava centrada no estudo dos grupos e nas questões específicas de conduta
e de ajustamento ou desajustamento social. É no pós-guerra que as práticas
comunitárias encontram seu momento de ascensão e o modelo de Psicologia
anteriormente conhecido passa a ser revisitado.

A Psicologia Social Comunitária reúne intervenções diversas em várias


áreas de atuação, pois sua base teórica e prática está fundamentada na concepção
de princípios morais de solidariedade e de cooperação, pois, muitas vezes, é
através do corpo social que podemos compreender as resoluções da vida cotidiana.

2.1 A PSICOLOGIA COMUNITÁRIA É UMA DISCIPLINA


RECENTE
A Psicologia Comunitária é uma disciplina recente. Sua origem tem contato
com a psiquiatria social e preventiva, e, posteriormente, relaciona-se à dinâmica
e à psicoterapia de grupos. Há uma conceituação que vai surgindo através da
análise das origens sociais nos objetos de estudo dos psicólogos e psicólogas. Um
dos marcos inquestionáveis desse processo são os decisivos acontecimentos de
maio de 1968, na França e Itália, que colocam em evidência a neutralidade dos
pesquisadores. Esse momento é conhecido como Crise da Psicologia Social, que
se constitui sob o questionamento do modelo empírico-analítico.

Na interpretação de José Costa (2015, s.p., grifos do autor) sobre a


psicologia política abordada por Maritza Montero:

A contribuição de Montero para o desenvolvimento da disciplina


também passa pela importância de suas obras de sistematização
teórico-metodológica e divulgação do estado da arte da PC na América
Latina e em outros locais do globo. Em 2007, participou de um projeto
liderado por Isaac Prilleltensky para divulgar o desenvolvimento da
PC ao redor do mundo, coeditando, com Stephanie Reich e Manuel
Riemer, o livro International Community Psychology: History and
Theories, no qual são apresentados trabalhos de psicólogas e psicólogos
comunitários de mais de vinte países, em todos os cinco continentes.
Em 2011 Montero publicou, junto a Irma Serrano-García, a obra
Historias de la Psicología Comunitária en América Latina: participación y
transformación com artigos sobre a história da PC em dezenove países
latino-americanos. Não obstante, a produção individual de Montero

17
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

mais significativa ao campo da PC corresponde à tríade formada


pelos livros: Teoría y Práctica de la Psicología Comunitaria: la tensión
entre comunidad y sociedade, Introducción a la Psicología Comunitaria:
desarrollo, conceptos y procesos e uma obra dedicada exclusivamente ao
método: Hacer para Transformar: el método en Psicología Comunitaria. É
possível afirmar que esses livros têm contribuído em grande medida
para o fortalecimento do campo da PC na última década, tornando-
se bibliografia obrigatória em diversos cursos de graduação e pós-
graduação em Psicologia Comunitária. A maioria dos capítulos pode
ser lida independente dos demais, de modo a iluminar um tema
específico da PC, mas tomados em conjunto, esses três livros significam
uma contribuição sumamente original de Montero à construção de um
paradigma latino-americano crítico e construcionista para a Psicologia
Comunitária.

Existem três subdivisões da Psicologia, a saber:

• Psicologia Social: estudo acerca das multidões e também dos processos de


comunicação entre o indivíduo e a dinâmica das relações interpessoais.
Tem como cerne estudar como as pessoas se relacionam e se influenciam
mutuamente.
• A Psicologia Comunitária: estudo dos grupos nas comunidades e das
instituições sociais. Tem como esteio o estudo das experiências sociais que o
indivíduo adquire e partilha através dos grupos nos quais transita.
• A Psicologia Social Comunitária: nessa conjunção podemos afirmar que há
um fio condutor entre as duas classificações anteriores, pois a Psicologia
Social Comunitária fundamenta-se pelos princípios éticos e humanitários
com as práticas direcionadas para a participação coletiva. Segundo Yamamoto
(2007), paralelamente ao desenvolvimento da Psicologia Comunitária, podem
ser observadas contínuas mudanças nos cenários das políticas públicas
brasileiras. Essa situação nos direciona para o bem-estar social, que é a seara
de atuação do psicólogo.

Nos tópicos seguintes, procuraremos trazer algumas ideias e características


básicas que definem a Psicologia Comunitária como conceito teórico e como
campo de intervenção. No entanto, é preciso tratar os conteúdos através de uma
contextualização sócio-histórica. É necessário compreender que o conjunto de
conhecimentos teóricos transferido para um contexto ou situações específicas
sempre ficam aquém das necessidades específicas de uma comunidade. Uma
ação em que os objetivos da ciência e da prática são combinados e a teoria seja
validada pelo fazer empírico, por sua vez, torna-se um conhecimento teórico e dá
um sentido dialético de conhecimento, pois essa troca de imbricações e sentidos
ultrapassa os limites do atendimento clínico e cede espaço para um novo viés de
atuação profissional.

Não devemos esquecer, em nosso entendimento, as raízes socioestruturais


desses eventos: a industrialização e o desenvolvimento dos anos 1960 geram
possibilidades muito maiores de diferenciação social, pois aparecem assim grupos
sociais marginalizados e profundas mudanças socioculturais como: a) aumento
da competitividade, b) individualismo, c) diminuição da solidariedade do papel

18
TÓPICO 2 — HISTÓRICO

dos grupos sociais primários, d) estabelecimento dos valores do sucesso face à


realização pessoal ou afiliação, entre outros. Essas situações colocam dramáticos
problemas de adaptação a grandes grupos populacionais, sejam imigrantes,
desempregados, excluídos e marginalizados.

2.1.1 A evolução da Psicologia


Com a evolução da Psicologia, surgiram múltiplas ramificações, algumas
enfatizando a teoria, outras norteando seus trabalhos na prática de Psicologia
Social. Posteriormente, as áreas de Psicologia Comunitária da Psicologia Geral
tiveram pretensões aplicadas eminentemente e suas principais intenções eram
distanciar-se de laboratórios psicológicos descontextualizados da realidade
humana.

Ao longo dos estudos de psicologia comunitária nos Estados Unidos


e das influências do contexto social e político, é notório que a América Latina
conduziu momentos de protagonismos e continuou exercendo sua influência.
Especificamente, diferentes ciclos políticos (alternância entre governos
democráticos e republicanos) marcaram a predominância de uma ou outra teoria
sobre saúde mental. Durante os períodos mais progressivos, determinantes
ambientais têm mais peso na explicação do comportamento humano, enquanto
em períodos de conservadorismo político e social, tem-se a importância das
variáveis pessoais.

Além disso, essa influência política não se limita apenas a perspectivas


teóricas predominantes, mas, sobretudo, afeta os tipos de intervenções que eles
são promovidos e desenvolvidos.

DICAS

GUARESCHI, P. Psicologia Social Crítica como prática de libertação. Porto


Alegre, RS: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004.

FREITAS, M. Desafios contemporâneos à Psicologia Social Comunitária: que visibilidade e


que espaços têm sido construídos? Psicologia e Argumento, v. 22, n. 36, p. 33-47, 2004.

SAWAIA, B. Comunidade: a apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a


humanidade. In: CAMPOS, R. Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autono-
mia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

19
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Psicologia Social Comunitária reúne intervenções diversas em várias áreas


de atuação, pois sua base teórica e prática está fundamentada na concepção
de princípios morais de solidariedade e de cooperação, pois, muitas vezes,
é através do corpo social que podemos compreender as resoluções da vida
cotidiana.

• A Psicologia Comunitária é uma disciplina recente. Sua origem tem contato


com a psiquiatria social e preventiva, e, posteriormente, relaciona-se à
dinâmica e à psicoterapia de grupos.

• Com a evolução da Psicologia, surgiram múltiplas ramificações, algumas


enfatizando a teoria, outras norteando seus trabalhos na prática de Psicologia
Social. Posteriormente, as áreas de Psicologia Comunitária da Psicologia Geral
tiveram pretensões aplicadas eminentemente e suas principais intenções eram
distanciar-se de laboratórios psicológicos descontextualizados da realidade
humana.

20
AUTOATIVIDADE

1 A psicologia social comunitária pode ser definida como uma área da


psicologia social que estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo
de vida do lugar/comunidade; estuda o sistema de relações e representações,
identidade, consciência, identificação e pertinência dos indivíduos ao lugar/
comunidade e aos grupos comunitários. A história da psicologia comunitária
no Brasil apresenta como primeiras práticas de intervenção da psicologia
social comunitária:

a) ( ) A prevenção da saúde mental e a educação popular.


b) ( ) A intervenção sindical e a violência entre gêneros.
c) ( ) A violência urbana e a perda de identidade pelas migrações.
d) ( ) A melhoria das condições de trabalho e a análise da ação ideológica
dos meios de comunicação.
e) ( ) A ausência de organização popular e a superação do individualismo.

2 A  Psicologia Comunitária  é uma aplicação da  psicologia  social para a


resolução dos problemas sociais nas comunidades. Qual é o objetivo da
psicologia comunitária?

a) ( ) Atuar com grupos nos quais as relações de poder garantam o status


quo.
b) ( ) Atuar no sentido de manter relações verticalizadas e conscientes.
c) ( ) Atuar na comunidade apontando os caminhos que deverão ser segui-
dos para que os sujeitos encontrem a emancipação.
d) ( ) Atuar no sentido de preservar relações assistencialistas e paternalistas.
e) ( ) Atuar com a população excluída, buscando trabalhar a consciência
crítica e o empoderamento dos sujeitos.

3 A Psicologia Comunitária se caracteriza por trabalhar com sujeitos sociais em


condições ambientais específicas. Sobre o objetivo da psicologia comunitária
através de seu processo histórico, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) O objetivo é discutir as relações entre Saúde Comunitária e Psicologia


Comunitária na perspectiva dos processos de participação e de libertação
que contribuem na construção de metodologias participativas.
b) ( ) A comunidade é o principal ator e o foco está mais nos processos
de saúde que nos processos de doença. As metodologias participativas
presentes na caminhada comunitária, na visita domiciliar e no círculo de
cultura propiciam uma prática condizente com esses princípios.
c) ( ) O envolvimento dos profissionais de saúde e dos moradores das co-
munidades favorece processos de saúde e de autonomia.
21
d) ( ) A Psicologia Social Comunitária compartilha valores e práticas que
possuem como princípios a libertação e a participação, que contribuem
na construção de espaços que rompam com os processos de opressão.
e) ( ) A Psicologia Social Comunitária priva valores e práticas que possuem
como princípios a libertação e a participação, impedindo uma prática con-
dizente com esses princípios.

4 A ideia de uma Saúde Comunitária aparece de maneira imprecisa e


polissêmica nos discursos e práticas de saúde, tanto no Brasil como em outros
países da América Latina, tornando-se necessária uma clarificação desse
conceito. O que busca a análise da Psicologia Social Comunitária?

5 A Psicologia Social Comunitária apresenta duas vertentes. Quais são as que


se constituem como um princípio da vertente latino-americana?

22
UNIDADE 1 TÓPICO 3 —

IDENTIDADE

1 INTRODUÇÃO
A identidade social pode ser entendida como a influência dos grupos
no pensamento de seus membros, até que possam então desenvolver os seus
próprios pensamentos. Os grupos têm influência sobre o pensamento de seus
membros e desenvolvem até mesmo um estilo de pensamento distinto, tão logo
as representações preencham funções de manutenção da identidade social que
resta entremeada pelo equilíbrio sociocognitivo (JODELET, 2001).

Identidade, poder e atividade não são aspectos grupais independentes.


[...] em cada situação concreta, os grupos se encontram imbricados,
diretamente ou através de seus membros, o que gera identidades
grupais parcialmente comuns ou difusas, poderes compartilhados e
ações com efeitos múltiplos (MARTÍN-BARÓ, 1989, p. 227).

Menciona, ainda, que há quatro fatores importantes que devem ser


considerados:

Quatro fatores podem influir na formação espontânea de um grupo


primário: a) a atração entre seus membros; b) alguma semelhança entre
eles; c) a ansiedade; d) a complementaridade de suas características
pessoais [...]. A própria atividade dos grupos primários vai gerando
vínculos afetivos e de complementaridade funcional entre os
membros, tornando-os mais interdependentes, até o ponto de modelar
as necessidades e ainda a identidade pessoal de cada um (MARTÍN-
BARÓ, 1989, p. 305-306).

Tendo como base essas três condições, Martín-Baró (1989, p. 206) define
grupo enquanto “uma estrutura de vínculos e relações entre pessoas que
canalizam em cada circunstância suas necessidades individuais e/ou interesses
coletivos”. Ressalta ainda que um grupo é uma estrutura social: é uma realidade
total, um conjunto que não pode ser reduzido à soma de seus membros. “A
totalidade do grupo supõe alguns vínculos entre os indivíduos, uma relação de
interdependência que é a que estabelece o caráter de estrutura e faz das pessoas
membros” (MARTÍN-BARÓ, 1989, p. 206).

Assim, segundo o autor, um grupo constitui um canal de necessidades


e interesses em uma situação e circunstância específica, afirmando com isso o
caráter concreto, histórico de cada grupo. Apresenta, ainda, três parâmetros
principais para a análise do processo grupal:

23
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

• A identidade do grupo, ou seja, a definição do que é e o que o caracteriza


como tal frente a outros grupos.
• O poder de que dispõe o grupo em suas relações com os demais grupos.
• A atividade grupal e mais a significação social do que produz essa atividade
grupal.

Três aspectos devem ser considerados na conformação da identidade


de um grupo: – formalização organizativa: determinação das condições de
pertencer ao grupo (normas formais ou informais, rígidas ou flexíveis, estáveis
ou passageiras); requer ainda uma definição de suas partes e uma regulação
das relações entre elas (divisão ou não das funções, sistematização das tarefas,
distribuição de trabalho e atribuições); – as relações com outros grupos: a dialética
intergrupal produzida historicamente em cada sociedade interfere no surgimento
do grupo, assim como a sua conexão com as necessidades e os interesses de uma
classe social; – a consciência de pertencer a um grupo: o grupo passa a ser para o
indivíduo uma referência para a sua própria identidade ou vida, referência essa
criada a partir do sentimento de pertença subjetiva a um grupo. Esse sentimento
é que contribui para que um grupo de pessoas se sinta e atue como grupo,
possibilitando a sua identificação.

2 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
As Representações Sociais são estudadas através da articulação de
elementos mentais, sociais e afetivos. Esses elementos são integrados por meio
da cognição, da linguagem e da comunicação. As relações sociais afetam as
representações sociais e interferem sobre elas, pois através de uma realidade
material surge uma interação recíproca e permanente entre o que se compreende
da realidade e como essa realidade se apresenta para cada sujeito, uma vez que os
elementos afetivos e de comunicação são variáveis entre o grupo e isoladamente
(JODELET, 2001).

A cultura, a classe social, a linguagem e os interesses comuns aproximam


as pessoas com a intenção de compreender os processos sociais aos quais estão
submetidas (GARCIA, 1994). As Representações Sociais permitem compreender
a relação entre as formas de violência ocorridas entre as pessoas e também o
efeito da cultura, pois a satisfação com a imagem pessoal não corresponde à
busca da saúde mental e emocional das pessoas. Dá-se ênfase ao processo de
estigmatização, culpabilização e exclusão que as pessoas que sofrem com a
violência ou outras formas de exclusão são submetidas.

A Psicologia Social Comunitária busca compreender tais processos


considerando os laços estabelecidos por pessoas que vivenciam condições
semelhantes. Muitos fatores são essenciais para essa formulação, pois a
identidade dos membros se constitui por meio dos sentimentos de exclusão que
são comuns aos indivíduos que sofrem ou sofreram com a violência. Por sua vez,
a integração entre as pessoas que sofreram violência confere uma característica

24
TÓPICO 3 — IDENTIDADE

transformadora, pois através das necessidades comuns emerge também a busca


de satisfações comuns pautadas na superação (MONTERO, 2004).

As Representações Sociais são crenças compartilhadas e são elas que


auxiliam na compreensão de grupo e de pertencimento ou de afastamento
do grupo. Através delas os valores e as ideias são partilhados e com elas são
construídas as ideologias sociais (MOSCOVICI, 2003). É preciso destacar que há
mais aspectos negativos do que positivos em relação à violência, e para além de
um processo de identificação das pessoas que sofrem com essa culpabilização e
estigmatização não há uma identificação entre elas, pois não se pode ignorar que
há condenação social.

Na Psicologia Social, as Representações Sociais (RS) ganham um sentido


para além da apreensão e conceituação, pois são sistemas mentais também
criativos, autônomos e que constroem o real. Nesse modelo, as Representações
Sociais não são somente resultado da ação mental, mas sua motivadora, sendo
também vista como eminentemente social em suas origens e função. Para
Moscovici (2003, p. 49):

Há um poder criador de objetos e eventos da atividade representativa,


há [...] relações entre o nosso reservatório [...] de imagens e a nossa
capacidade de combiná-las, de engendrar novas e surpreendentes
combinações. [...] a representação constitui uma preparação para a
ação, pois, além de guiar o comportamento, ela remodela e reconstitui
os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve se ligar.
Ela consegue incutir um sentido ao comportamento, integrá-lo numa
rede de relações em que está vinculada ao seu objeto, fornecendo ao
mesmo tempo as noções, as teorias e os fundos de observação que
tornam essas relações estáveis e eficazes.

2.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SÃO FENÔMENOS DA


VIDA COTIDIANA
Representações Sociais são fenômenos da vida cotidiana. As pessoas
constroem através da comunicação os seus símbolos e as suas identificações. A
escolha dos temas segundo sua relevância e interesse é capaz de reproduzir e
por vezes criar Representações Sociais (MOSCOVICI, 1976). “As Representações
Sociais, além de configurarem como pensamento compartilhado socialmente
sobre um fato social que tem importância para um grupo de pessoas, também são
teorizadas” (POLLI; CAMARGO, 2010, p. 13).

25
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

E
IMPORTANT

Representações Sociais são pensamentos construídos e compartilhados


socialmente por meio das comunicações estabelecidas entre as pessoas. Também
designadas como saber do senso comum, criam um mundo de significados que são
compartilhados por pessoas que fazem parte de um grupo social (JODELET, 2001).

As interações sociais e o desenvolvimento humano se constituem por meio


da linguagem. Essa interação constrói as RS, uma vez que estabelece significados
entre os indivíduos. Há uma busca pela personalização. Dessa forma, o sujeito
social se aproxima ou se afasta da comunidade diante das suas concordâncias e
dissonâncias com as relações sociais (LANE, 1984).

Para Jodelet (2001), os conhecimentos compartilhados de forma comum


estruturam um modelo de comunidade. Através das RS existe a constituição
de um senso comum. Há uma relação que é dialética, pois as relações humanas
são compreendidas por meio de informações e comportamentos que de forma
conflituosa ou amena são partilhados e essa partilha aponta para o contexto das
representações sociais. O domínio das informações promove processos reflexivos
que constroem a apropriação da realidade social e as impressões sobre o mundo
externo seguem paulatinamente internalizadas nos indivíduos, e essa apropriação
constitui as RS.

2.1.1 As três dimensões das representações sociais


As Representações Sociais são formadas por três dimensões, a saber: 1)
informação; 2) atitude; 3) campo de representação ou imagem. Essas dimensões
apontam para o fato de que existe um modelo social que possui uma unidade.
Essa unidade pode se apresentar de três modos: 1) hegemônica; 2) emancipada;
3) polêmica. Significa dizer que é possível que haja situações em que a unidade
entre as pessoas aponte para uma RS facilmente identificável, e que ainda assim é
possível que o antagonismo diante de cada comunidade aponte para um contexto
de não integração, mas sim de exclusão.

A atividade do indivíduo é a sua realização concreta e a expressão da sua


subjetividade diante da definição dos papéis exercidos por ele. Ela é subjetiva
(envolve afeto de um ‘eu’ individual) e objetiva (contato com o mundo exterior).
A “pessoa”, “o indivíduo”, “o ser” como objeto da sociologia e da psicologia pode
ser encarado como pertencente ao grupo social. Nos dizeres de Ramos (2003, p.
238):

26
TÓPICO 3 — IDENTIDADE

Indivíduo dentro dos seus padrões sociais, vive em sociedade,


como membro do grupo, como “pessoa”, como “socius”. A própria
consciência da sua individualidade, ele a adquire como membro do
grupo social, visto que é determinada pelas relações entre o “eu” e os
“outros”, entre o grupo interno e o grupo externo.

É certo que construir uma história ou participar dela traz em seu bojo
um processo de angústia, e essas angústias culminam num processo de crise de
identidade. A objetividade e a subjetividade são indispensáveis nesse processo.
Os hábitos e a tradição podem ser elementos de ligação ou de distanciamento.
Criar uma singularidade exige seu preço. Esse preço se espraia nas transformações
necessárias para manter o equilíbrio ou perpetrar o conflito. Somente através
do estudo do processo de socialização é possível compreender os fenômenos
psicossociais do indivíduo e da cultura na qual ele está inserido.

Para Pichón-Riviére (1994 apud BOCK, 2018), os grupos são operativos e


essa visão tem sua nascente nas lições de Kurt Lewin. Esse importante psiquiatra
argentino estudioso dos grupos, trouxe grande contribuição para esse estudo,
pois sua obra versava sobre a estrutura e o funcionamento dos grupos, bem como
a intervenção no campo grupal, a qual chamou de técnica do Grupo Operativo.

Pichon-Rivière (1994 apud MELO; MAIA; CHAVES, 2014) destaca que os


papéis podem ser impostos ou escolhidos. Por isso, no trabalho grupal, deve-se
observá-los a fim de identificar aqueles que os membros do grupo assumem de
forma espontânea ou imposta. Deve-se observar, ainda, como o grupo lida com
os papéis assumidos formal e informalmente.

Um grupo opera melhor quando há em seu conjunto de pessoas


pertinência, afiliação, centramento na tarefa, empatia, comunicação, cooperação
e aprendizagem. A pertinência pode ser vista como a qualidade da intervenção
de cada um no grupo; a afiliação é a intensidade do envolvimento do indivíduo
no grupo; o centramento na tarefa é o eixo principal da cooperação, refere-se ao
grau de interação com que um participante mantém o vínculo com o trabalho a
ser efetuado, e avalia a dispersão e a realização de esforço útil do indivíduo; a
empatia é o modo como o grupo pode ganhar força para operar cada vez mais
significativamente; a comunicação é essencial para que haja entrosamento; a
cooperação é o modo pelo qual o trabalho ganha qualidade e operatividade; a
aprendizagem é o resultado do trabalho e deve ser essencialmente colaborativa.
[...] a maneira particular pela qual cada indivíduo se relaciona com outro
ou outros, criando uma estrutura particular a cada caso e a cada momento”
(PICHÓN-RIVIÉRE, 1998, p. 3).

É, então, uma estrutura dinâmica, movida por motivações psicológicas, que


rege todas as relações humanas. Na verdade, são determinados pelas condições
sociais de produção da vida material. Nossos papéis e identidade reproduzem no
plano ideológico e no plano da ação as relações de dominação como naturais e
universais. Consciência de si – busca de razões históricas que expliquem por que
agimos da forma como o fazemos.

27
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

DICAS

GÓIS, C. W. L. Noções de Psicologia Comunitária. Fortaleza: Edições UFC,


1993.

JACQUES, M. D. G. C. Identidade. In: JACQUES, M. D. G. C. et al. Psicologia Social Con-


temporânea. Petrópolis: Vozes, 2013.

JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. As


representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.

28
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• As Representações Sociais são crenças compartilhadas e são elas que auxiliam


na compreensão de grupo e de pertencimento ou de afastamento do grupo.
Através delas os valores e as ideias são partilhados e com elas são construídas
as ideologias sociais.

• Os conhecimentos compartilhados de forma comum estruturam um modelo


de comunidade.

• A atividade do indivíduo é a sua realização concreta e a expressão da sua


subjetividade diante da definição dos papéis exercidos por ele. Ela é subjetiva
(envolve afeto de um ‘eu’ individual) e objetiva (contato com o mundo
exterior).

• Os papéis podem ser impostos ou escolhidos. Por isso, no trabalho grupal,


deve-se observá-los a fim de identificar aqueles que os membros do grupo
assumem de forma espontânea ou imposta.

29
AUTOATIVIDADE

1 O desenvolvimento das vertentes em Psicologia Social ocorreu sob o crivo


das discussões a respeito da objetividade/subjetividade, pesquisa quantitativa/
qualitativa, experimentalismo/pesquisa aplicada, inerentes aos debates que
permeavam o destacamento das ciências sociais das naturais. No âmbito da
psicologia social e suas vertentes, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) De acordo com a teoria da identidade, as pessoas procuram uma


identidade social positiva no processo de comparação com outros gru-
pos. Dessa forma, quando o indivíduo não consegue obter uma identi-
dade social positiva, pode ocorrer um afastamento psicológico ou um
rompimento definitivo dele com o grupo.
b) ( ) As Representações Sociais são formadas por três dimensões, a saber:
1) informação; 2) atitude; 3) campo de representação ou imagem. Essas
dimensões apontam para o fato de que existe um modelo social que pos-
sui uma unidade.
c) ( ) As interações sociais e o desenvolvimento humano se constituem
por meio da linguagem. Essa interação constrói as RS, uma vez que
estabelece significados entre os indivíduos.
d) ( ) Há uma busca pela personalização. Dessa forma, o sujeito social se
aproxima ou se afasta da comunidade diante das suas concordâncias e
dissonâncias com as relações sociais.
e) ( ) De acordo com a teoria da identidade, as pessoas procuram uma
identidade social negativa no processo de comparação com outros gru-
pos. Dessa forma, quando o indivíduo não consegue obter uma identi-
dade social negativa, pode ocorrer um acolhimento psicológico ou uma
ligação definitiva dele com o grupo.

2 A Psicologia Social latino-americana, até o final dos anos 1970, importava


modelos estrangeiros para fundamentar sua prática. Havia, então, uma adesão
grande ao modelo norte-americano, também conhecido como Psicologia Social
Psicológica; e em menor grau a um modelo europeu, conhecido também por
Psicologia Social Sociológica. A partir da intensificação do movimento pela
redemocratização, uma nova forma de se pensar a Psicologia Social ganha
força. Em todo o subcontinente surge o que ficou conhecido como a Psicologia
Social Crítica, que tem como alguns de seus principais expoentes Silvia Lane,
no Brasil, Martin-Baró, espanhol radicado em El Salvador, e Maritza Montero,
na Venezuela. Assinale a alternativa CORRETA que melhor explicita em que
aspecto a Psicologia Social Crítica difere dos modelos norte-americano e
europeu:

a) ( ) Enquanto o modelo norte-americano tende a tratar dos aspectos in-


trapsíquicos da interação do sujeito com o meio, e o europeu tende a
focar-se em fenômenos macrossociais, o latino-americano centra-se em
fenômenos de porte intermediário.
30
b) ( ) Ao contrário dos modelos norte-americano e europeu, a Psicologia
Social Crítica enfatiza o papel da transformação social a partir dos co-
nhecimentos gerados pela disciplina, rompendo com ideais tradicionais
de neutralidade científica.
c) ( ) A diferença entre os três modelos é essencialmente metodológica.
Enquanto os modelos norte-americano e europeu utilizam-se basicamente
de uma metodologia qualitativa, o modelo latino-americano emprega
metodologia quantitativa.
d) ( ) Apesar de algumas diferenças superficiais, podemos dizer que a Psi-
cologia Social Crítica é apenas um caso específico e particular da Psico-
logia Social Psicológica, devendo sua idiossincrasia a motivos relativos
ao contexto socioeconômico.
e) ( ) A Psicologia Social Crítica no Brasil alcançou um grau tão alto de di-
ferenciação e independência dos demais modelos que hoje ela é a única
forma de Psicologia Social praticada no país.

3 A psicologia social comunitária procura desenvolver instrumentos de análise


e intervenção relevantes para as questões sociais, com foco nas lutas políticas
e empoderamento dos sujeitos que constituem a sociedade. Sobre Psicologia
Social Comunitária, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A cultura, a classe social, a linguagem e os interesses comuns afas-


tam as pessoas com a intenção de compreender os processos sociais aos
quais estão submetidas.
b) ( ) Preocupa-se com a cidadania efetiva (escolarização, saúde, trabalho,
questões de gênero) e auxilia as políticas públicas nas proposições sub-
jetivas e equitativas, não igualitárias.
c) ( ) A Psicologia Social Comunitária busca compreender tais processos
considerando os laços estabelecidos por pessoas que vivenciam
condições semelhantes, porém esses fatores não são essenciais para essa
formulação, pois a identidade dos membros se constitui por meio dos
sentimentos de exclusão que são comuns aos indivíduos que sofrem ou
sofreram com a violência.
d) ( ) A comunidade apresenta um traço dinâmico. O binômio indivíduo-
-sociedade recebe a influência dos processos socioculturais. O homem
se insere no processo histórico e representa somente um papel determi-
nado, visto que não se torna agente da história, já que não transforma a
sociedade em que vive.
e) ( ) Os grupos não têm influência sobre o pensamento de seus membros
e desenvolvem até mesmo um estilo de pensamento distinto, tão logo as
representações preencham funções de manutenção da identidade social
que resta entremeada pelo equilíbrio sociocognitivo.

4 Qual é o objetivo da função identitária?

5 Qual é a melhor definição de Política de afirmação social?

31
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

32
TÓPICO 4 —
UNIDADE 1

COMUNIDADE

1 INTRODUÇÃO
A comunidade pode ser compreendida como o grupo de indivíduos ou de
seres humanos que compartilham elementos comuns. Destaca-se que esse conceito
não é pacífico no que diz respeito à localidade, uma vez que, para Góis (1993), o
conceito de território incide também na construção do conceito de comunidade,
pois a estreiteza dos laços depende dessa proximidade geográfica. No entanto,
essa criação do status social não está presa a um único elemento. O idioma, os
costumes, os valores, as tarefas e a visão de mundo, estejam geograficamente
próximos ou não, criam um status social (WANDERLEY; FERREIRA, 2010).

Segundo Montero (2010), a questão geográfica não se constitui como


elemento essencial para que a comunidade se constitua. A subjetividade, as
relações simbólicas e as práticas sociais são capazes de promover o processo
identitário, bem como nortear a tomada de decisões do indivíduo com relação
ao ambiente, para que seja possível transformar esse ambiente segundo as suas
necessidades.

A comunidade apresenta um traço dinâmico. O binômio indivíduo-


sociedade recebe a influência dos processos socioculturais. O homem se insere no
processo histórico, mas não representa somente um papel determinado, torna-se
agente da história, pois transforma a sociedade em que vive (LANE, 2006).

Por sua vez, Martin-Baró (1989) chama a atenção para a ligação da


realidade como processo. Nesse ponto surge a responsabilidade do psicólogo
social diante da sua contribuição na construção das identidades pessoais e do
fortalecimento do grupo.

Para Wienselfeld (2014), a comunidade não é apenas um corpo ou um


objeto, mas uma construção ideológica que se corporifica através do sentimento
de pertencimento.

Sawaia (2013) indica que o conceito de comunidade é tão antigo quanto


a humanidade. Para ela, esse conceito apresenta o confronto entre os valores
coletivos e individuais que podem ser observados por meio do pensamento
social. Historicamente, a década de 1970 restou fundamental para o fomento do
corpo teórico da Psicologia. Sua estruturação no campo metodológico no que
tange à psicologia comunitária apontou para categorias fulcrais na análise sobre
a exclusão social e a ética do bem viver.

33
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

2 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA TEM COMO UMA


DE SUAS OCUPAÇÕES O ESTUDO DA COMUNIDADE
A Psicologia Social Comunitária tem como uma de suas ocupações o
estudo da comunidade (MONTERO, 2004). Os processos psicossociais e as
relações de poder são vinculados às transformações sociais (RAPPORT, 1997).
Nesse sentido, a contingência cultural, a solução de conflitos e a resolução de
problemas indicam que a comunidade acaba por formar-se através de um
processo identitário. A integração e a satisfação das necessidades aumentam o
sentimento de comunidade.

A busca pelo corpo perfeito e a luta para perder peso geram um processo
de exclusão e de discriminação. A questão torna-se social e não mais individual
(FELIPPE, 2003). Tão logo, mesmo que as localidades sejam distintas, os gêneros
sejam diversos e as histórias sejam individuais, a comunidade emerge, e, através
do sentimento de pertencimento e do sentimento de identidade, as pessoas obesas
encontram um possível modelo de desenvolvimento humano que permite que
esse grupo encontre uma igualdade que lhe é negada no seio social.

As relações dentro da comunidade são fundamentais para o processo


identitário e por meio desse processo acontecem as transformações sociais. A
obesidade se mostra como um estigma que produz discriminação e exclusão
social (JODELET, 2001). As pessoas obesas sofrem exclusão, identificam-se e
passam a compor uma comunidade.

2.1 O SENTIDO DE COMUNIDADE SURGE A PARTIR DA


CONCEPÇÃO DE SAÚDE E DE EMAGRECIMENTO COMO
FORMA DE MANUTENÇÃO DA SAÚDE
O sentido de comunidade surge a partir da concepção de saúde e de
emagrecimento como forma de manutenção da saúde. Surge nesse contexto a
dialética da inclusão-exclusão que são imbuídas de uma subjetividade, pois os
sujeitos sentem-se ao mesmo tempo incluídos e discriminados (SAWAIA, 2013).

O obeso é refém do seu próprio problema, pois o peso gera uma


exclusão, e essa exclusão se corporifica nas propagandas, na produção de roupas
e na divulgação de alimentos. Há uma ligação que permeia aspectos sociais e
emocionais. Para Montero (2004), surge a adesão, a influência, a integração e a
satisfação de necessidades e os compromissos e laços emocionais compartilhados.
É preciso observar que para além do peso existe o sofrimento de uma pessoa
(GALLASSI; YAMASHITA, 2015).

Sawaia (2013) apresenta a inclusão excludente: a exclusão social confronta


com a inclusão social. Verifica-se um enigma da coesão social sob a lógica da
exclusão. Leia-se que a exclusão não é uma coisa ou estado, mas um processo que
34
TÓPICO 4 — COMUNIDADE

envolve o homem por inteiro e fagocita as relações com os outros. Não há uma
única forma de observação, uma vez que ao gerar culpabilização acaba por criar
um “nós” que é excludente, criando uma ilusão que propala uma inclusão que na
verdade é ficta.

Essa dialética perturba a ordem social e se constitui um produto do


funcionamento do sistema. Por sua vez, a desqualificação social gera uma
identidade negativa e esse descrédito pode ser observado na temática da
obesidade, uma vez que o sujeito obeso é rotulado como alguém impróprio
para mudar os seus hábitos ou aceitar sua identidade. Importante ressaltar que
legitimar a cidadania diante desse processo permeia um processo de subjetividade
(SAWAIA, 2013). É importante lembrar que essa aproximação da psicologia aos
setores denominados menos favorecidos concretiza o conjunto de políticas sociais.

2.1.1 Preconceitos e estereótipos


A imagem do corpo, os vínculos de pensamento e a ação que se forma
entre esses indivíduos promovem preconceitos e estereótipos. O julgamento das
pessoas e dos grupos é caracterizado por pertencer a uma categoria social ou pelo
fato de apresentar um ou mais atributos próprios a essa categoria (JODELET,
2001).

No mesmo sentido, Sawaia (2013) menciona que a exclusão é um processo


multifacetado e complexo, pois os sentimentos e ações acontecem na vida social
e correspondem à necessidade do eu. Esse processo dialético transita na relação
com os outros e com a ordem social para que esta não reste perturbada. Em
suma, o estudo da comunidade, vislumbrado através do exemplo da tratativa
da obesidade, nos apresenta o contorno teórico e prático do estudo da psicologia
social comunitária. Conforme já mencionamos anteriormente, fazendo uso
das palavras de Campos (2013, p. 8), “a comunidade é o lugar em que grande
parte da vida cotidiana é vivida” e essa vida comunitária, seja ela geográfica ou
psicossocial, apresenta suas peculiaridades.

Os trabalhos comunitários partem de um levantamento das necessidades,


dos desafios da educação, da saúde e do saneamento básico, que culminam para
a conscientização de que cada sujeito busca a solução dos problemas enfrentados.
A Psicologia Social Comunitária se caracteriza por um conjunto de interações,
dotadas de sentidos e significados entre os seus componentes. Por certo, essas
interações são pautadas nas crenças e nas histórias compartilhadas entre as
pessoas, uma vez que é certo compreender que uma comunidade se constitui de
relações e não simplesmente de pessoas.

“A comunidade pode variar segundo o tamanho do grupo, mas


independente deste tamanho ela está sempre em evolução, pois o senso de
identidade se dá através do fortalecimento e não se contabiliza pelo número inferior
ou superior de componentes” (MONTERO, 2004, p. 99-100). Notoriamente, os

35
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

componentes que caracterizam esse grupo social concreto se constituem através


do pertencimento e das inter-relações.

Através das lições de Sawaia (2013), é possível compreender que o conceito


de comunidade surgiu através do elenco das ideias psicológicas aventadas nos
anos 1970. Nesse momento histórico foi abandonado o modelo de neutralidade
conhecido na década de 1960, e foram ampliadas para fora dos consultórios e
das instituições as práticas profissionais; justamente por esse motivo, a escolha
do exemplo sobre a obesidade nos traz o exemplo mais coerente sobre as
características e os fatores sociais que envolvem o sujeito através de seus laços
familiares, biológicos e emocionais. Cada elemento interage entre si através do
indivíduo, mas certamente é também constituído pelas crenças, pelos valores e
pode ser comum ou incomum a todos nessa sociedade.

3 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA ESTUDA AS


RELAÇÕES ENTRE O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE
A Psicologia Social Comunitária estuda as relações entre o indivíduo e
a sociedade e nesse esteio é também de sua competência analisar os costumes,
os valores e as instituições que compõem a existência da sociedade. A vida é
caracterizada pela participação nos grupos.

No que tange aos saberes, destaca-se que a obesidade então permeia esse
contexto. Uma vez que a valorização do corpo, os papéis sociais e as identidades
culturais são ligadas de modo direto e indireto ao consumo de alimentos, o
consumo de alimentos e o processo de identificação social se tornam um fator
importante diante da obesidade.

Uma vez que o processo de ganho de peso promove uma readaptação ou


inadaptação do indivíduo na comunidade em que ele está inserido, as relações
afetivas, de trabalho e de amizade promovem cobranças e anseios que o indivíduo
nem sempre é capaz de cumprir (SAWAIA, 2013). A obesidade representa um
ambiente de interação. As relações entre os grupos são fundamentais para o
processo identitário. Afinal, os grupos se constituem através de um sistema de
relações em que a participação dos integrantes propicia transformações sociais
(MARTIN-BARÓ, 1989).

No esteio da psicologia social comunitária, a análise transitará pela


compreensão dos modos de vida que formam o conceito de comunidade
(MONTERO, 2004). O compartilhamento de ideias e de posicionamentos fortalece
o grupo e consequentemente possibilita meandros de satisfação coletiva.

A ordem social é confrontada pela inclusão excludente, pois o sujeito


obeso é rotulado como um sujeito desqualificado socialmente e é portador de
uma identidade negativa que é agravada por uma culpabilização e o “nós” não

36
TÓPICO 4 — COMUNIDADE

é integrativo, mas sim excludente. Diante desse processo complexo, de um lado,


o obeso resta aprisionado pela desqualificação social por ser visto como alguém
incapaz de modificar seus hábitos e, de outro, sofre diante da incapacidade de
aceitação de sua própria identidade.

O ciclo da perda e reganho de peso culmina para a ambivalência do


controle e descontrole da alimentação. A falta de exercício e a incapacidade para
mudar alguns hábitos interferem diretamente na sensação dos entrevistados
sobre o julgamento social e a rejeição.

3.1 O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA


As promoções de saúde referentes a evitar a obesidade convergem para
a garantia dos Direitos Humanos, uma vez que é função do Estado respeitar e
proteger o indivíduo por meio de políticas públicas e ações que assegurem a
sua saúde, visto que é um direito fundamental pautado na Constituição Federal
(BRASIL, 2017). O direito humano à alimentação adequada está contemplado no
artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Sua definição
foi ampliada em outros dispositivos do Direito Internacional, como o artigo 11 do
Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Comentário Geral nº 12 da
ONU.

No Brasil, resultante de amplo processo de mobilização social, em 2010 foi


aprovada a Emenda Constitucional nº 64, que inclui a alimentação no artigo 6º da
Constituição Federal. No entanto, isso não necessariamente significa a garantia
da realização desse direito na prática, o que permanece como um desafio a ser
enfrentado. O direito humano à alimentação adequada consiste no acesso físico
e econômico de todas as pessoas aos alimentos e aos recursos, como emprego ou
terra, para garantir esse acesso de modo contínuo. Esse direito inclui a água e as
diversas formas de acesso à água na sua compreensão e realização. Ao afirmar
que a alimentação deve ser adequada, entende-se que ela seja adequada ao
contexto e às condições culturais, sociais, econômicas, climáticas e ecológicas de
cada pessoa, etnia, cultura ou grupo social.

O Estado tem um dever para com todos os cidadãos de assegurar uma


alimentação adequada. Compete à população exigir o cumprimento da norma
jurídica espraiada na Constituição Federal, uma vez que o art. 5 menciona de
modo expresso o direito à saúde.

No entanto, o ganho de peso excessivo também se constitui num problema


de saúde que é tangenciado pela responsabilidade do Estado, como a nutrição e
a perda de peso. O ganho de peso é um direito que deve ser assegurado a todos
os indivíduos. Na construção do trabalho serão colocadas em debate as situações
relativas à esfera pública e privada quando o assunto é a cirurgia bariátrica.

37
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

A pessoa obesa sente um descrédito pessoal e esse sentimento surge


através dos estereótipos dados ao obeso, como indolente, relaxado e incapaz. Esses
adjetivos são também permeados pelos padrões de beleza impostos, e através
desses dois vértices surgem as condutas e os sentimentos discriminatórios com a
pessoa obesa. Diante desse panorama, um dos grandes entraves é certamente a
não conexão com o grupo ou a rejeição desse vínculo.

3.1.1 O ganho de peso é um problema


O ganho de peso é um problema que desafia a saúde pública, a saúde
privada, a organização social e todos os profissionais que trabalham com a
saúde, bem como impõe reflexões para os portadores dessa patologia e para os
profissionais que lidam com ela. O corpo humano e as doenças que permeiam
esse organismo são objeto de estudo das representações sociais.

“Representações sociais são fenômenos da vida cotidiana. Quando as


pessoas pensam sobre fatos relevantes, tomam partido, expressam e compartilham
pensamentos através da comunicação, estão criando ou reproduzindo
representações (POLLI; CAMARGO, 2003, p. 13).

As representações sociais devem ser estudadas articulando-se


elementos afetivos, mentais e sociais e integrando – ao lado da cognição,
da linguagem e da comunicação – a consideração das relações sociais
que afetam as representações e a realidade material, social e ideativa
sobre a qual elas têm de intervir (JODELET, 2001, p. 26).

O corpo envolve muitas situações que transitam entre a esfera pública e a


privada. No que concerne às representações sociais, a mídia, a moda, as novelas
e as relações sociais são elementos que revelam as várias formas de lidar com o
corpo, seja ele obeso ou não.

Os padrões estéticos são estabelecidos socialmente e mesmo que velada


há uma intolerância à fuga dos padrões (CAMARGO, 2005). O grupo de obesos
remete a diferentes realidades. Dessa feita, o grupo é um fenômeno psicossocial. A
unidade dos indivíduos vai sendo substituída pela pluralidade, pela diversidade
e constrói-se aos poucos o conceito de grupo (MARTIN-BARÓ, 1989).

A alimentação e o controle do peso expõem aspectos sociais, culturais,


psicológicos, jurídicos e históricos da comunidade. Conforme aponta Reinhart
(2000), a comida retrata a manifestação da organização social como algo simbólico,
pois a comida representa muito mais do que o ato de comer ou nutrir-se. Trata-se
de observar o grau de civilização de uma sociedade, servindo como critério de
inclusão ou exclusão do sujeito nos grupos sociais.

A alimentação além de uma necessidade é também um fator responsável


por uma série de doenças que transitam na ordem do físico e do psicológico,
uma vez que o indivíduo acima do peso sofre um processo de exclusão social. Os

38
TÓPICO 4 — COMUNIDADE

julgamentos e problemas voltados para a obesidade não são recentes. Nominado


como o pai da medicina, Hipócrates já mencionava sua preocupação com efeitos
letais da obesidade: “A corpulência não é apenas uma enfermidade em si, mas o
prenúncio de outras. A morte súbita é mais comum naqueles que são naturalmente
gordos do que nos magros” (CHADWICK, 1950, p. 154).

O comportamento alimentar e seu contexto histórico alçam as principais


causas para o ganho de peso. No entanto não se constitui somente um elemento
volitivo. O comércio alimentar, os hábitos culturais e a própria história da
alimentação contribuíram para que o seu descontrole promovesse a obesidade
de um problema de pequenas proporções para proporções globais (ROSSI;
MOREIRA; RAUEN, 2008).

A obesidade é um assunto que permeia temas éticos, estéticos, culturais,


emocionais e mercadológicos. Através da psicologia social comunitária e das
representações sociais será construído um raciocínio que transitará entre as
categorias e os aspectos críticos sobre a comunidade.

A força psicológica da comunidade reside no estímulo e se concretiza


na fusão dos desejos individuais, envolve todas as formas de relacionamento,
que podem ser definidas por maiores ou menores laços pessoais, bem como
através do compromisso moral ou da profundeza emocional com que esses
laços se estabelecem. Por certo, podemos assegurar que os fatores sociais e
emocionais promovem uma interação entre os sujeitos. A convivência e a divisão
no mesmo espaço geográfico constituem a existência de uma comunidade, mas
é a convivência humana, segundo as interações, que vai constituir a comunidade
através de sua identidade comunitária.

O trabalho do psicólogo social enseja uma investigação das perspectivas


sociais dos indivíduos. A promoção do desenvolvimento do indivíduo em seu
meio tende a construir uma visão de pertencimento, então, a comunidade pode
ser entendida como um espaço que por vezes é individual e em outros momentos
é coletivo. Para Montero (2004), algumas características merecem destaque:

• sentido pessoal: a comunidade é sentida por seus integrantes como uma fonte
de apoio pessoal;
• sentido de satisfação pessoal: no sentido de estar pessoalmente situada e
segura na comunidade;
• sentido de inclusão pessoal ativa;
• sentido de compromisso pessoal ativo;
• sentido de vizinhança: o que pode ser descrito como as implicações
relacionadas às normas de convivência de seus membros;
• a estabilidade é percebida, pois os membros da comunidade a percebem
como estável e segura.

O sentido de comunidade refere-se aos sentimentos que unem os membros


da comunidade como pessoas que pertencem a um grupo e se definem como tal;
age como elemento coeso e potenciador da ação comum.

39
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

O senso de comunidade é dado pelas experiências que vêm sendo


compartilhadas em comunidade e, justamente, é o intangível que as pessoas
sentem em relação às outras pessoas que compõem aquela comunidade. Na
medida em que este sentimento mantém os laços entre as pessoas, ao mesmo
tempo, o senso de comunidade é reforçado pela ação comunitária que pode
empreender a qualquer momento. Sucessos, fracassos, eventos importantes,
festas etc., que são realizadas em conjunto, alimentam esse senso de comunidade
e permitem o sentimento de unidade.

Assim, o sentido de comunidade é definido a partir da existência de uma


comunidade e vice-versa: a comunidade se define a partir de relações, afetos,
desejos, necessidades; enfim, o senso de comunidade de seus membros. Portanto,
esses dois conceitos são inseparáveis dentro da psicologia comunitária e devem
ser levados em consideração ao trabalhar com uma comunidade.

40
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• A busca do corpo perfeito e a luta para perder peso geram um processo de


exclusão e de discriminação. A questão torna-se social e não mais individual.
Tão logo, mesmo que as localidades sejam distintas, os gêneros sejam
diversos e as histórias sejam individuais, a comunidade emerge, e, através
do sentimento de pertencimento e do sentimento de identidade, as pessoas
obesas encontram um possível modelo de desenvolvimento humano que
permite que esse grupo encontre uma igualdade que lhe é negada no seio
social.

• A exclusão é um processo multifacetado e complexo, pois os sentimentos e


ações acontecem na vida social e correspondem à necessidade do eu. Esse
processo dialético transita na relação com os outros e com a ordem social para
que esta não reste perturbada.

• A pessoa obesa sente um descrédito pessoal e esse sentimento surge através


dos estereótipos dados ao obeso, como indolente, relaxado e incapaz. Esses
adjetivos são também permeados pelos padrões de beleza impostos e através
desses dois vértices surgem as condutas e os sentimentos discriminatórios
com a pessoa obesa.

• A força psicológica da comunidade reside no estímulo e se concretiza na


fusão dos desejos individuais, envolve todas as formas de relacionamento,
que podem ser definidas por maiores ou menores laços pessoais.

• O senso de comunidade é dado pelas experiências que vêm sendo


compartilhadas em comunidade e, justamente, é o intangível que as pessoas
sentem em relação às outras pessoas que compõem aquela comunidade. Na
medida em que este sentimento mantém os laços entre as pessoas, ao mesmo
tempo, o senso de comunidade é reforçado pela ação comunitária que pode
empreender a qualquer momento.

41
AUTOATIVIDADE

1 As ações da Psicologia Comunitária com os grupos institucionais e


comunitários podem contribuir para o trabalho. Assinale a alternativa em que
a categoria está escrita CORRETAMENTE:

a) ( ) Identidade Individual: características do indivíduo produzidas nas


relações estabelecidas socialmente. A Psicologia Social Comunitária
considera como algo que já está pronto no adulto.
b) ( ) Consciência Crítica: categoria trabalhada pela psicanálise, importan-
te nos estudos sobre movimentos sociais.
c) ( ) Diversidade Cultural: descreve as práticas específicas de determinadas
populações, bem como os significados que seus membros compartilham
em relação a essas práticas. Nas ações da Psicologia Comunitária, deve
ser considerada e ser tratada com igualdade.
d) ( ) Relações de Poder: relações de autoridade entre componentes dos
grupos, as quais a Psicologia Comunitária e os movimentos sociais bus-
cam extinguir.
e) ( ) Cidadania Emancipatória: cidadania que produz emancipação dos
participantes em um processo que possibilita a transformação dos indi-
víduos em sujeitos.

2 A psicologia comunitária tem contribuições interessantes para a ampliação


da atuação na psicologia. Seu alcance amplo permite outras formas de
intervenção. Qual é um dos principais pilares conceituais da Psicologia
Comunitária para desenvolver intervenções?

a) ( ) Assistencialismo.
b) ( ) Versatilidade.
c) ( ) Institucionalização.
d) ( ) Comunicação.
e) ( ) Empoderamento.

3 Afirmar que a punição ou sua simples ameaça, usada para controlar a


agressão, é nitidamente eficaz, é uma condição:

a) ( ) Controversa, ameaças só são eficazes na eliminação da agressividade


em condições bem definidas e bem restritas.
b) ( ) Incontroversa, punir crimes é uma ação altamente eficaz, os crimino-
sos vão para a cadeia e, na captura, a punição é imediata.
c) ( ) Controversa, a punição não deve absolutamente ser usada para o
controle de agressão.

42
d) ( ) Incontroversa, a existência do sistema prisional é a evidência de que
a punição controla a agressão.
e) ( ) Incontroversa, ameaças inibem a agressão em punições leves com
probabilidade de ocorrência elevada.

4 Uma importante ferramenta de intervenção e investigação em psicologia


social comunitária é a investigação ação participante (IAP). As influências
dessa ferramenta guardam diálogo com a psicologia de grupos de Kurt Lewin,
com a sociologia de Berger e Luckmann e com a educação popular de Paulo
Freire. Descreva as diversas características da IAP.

5 Qual é o papel do psicólogo em comunidades e processos grupais?

43
44
UNIDADE 1
TÓPICO 5 —

CRENÇAS E JULGAMENTOS SOCIAIS

1 INTRODUÇÃO
A globalização trouxe um panorama ainda mais significativo sobre
as crenças e os julgamentos sociais. As pessoas vivem as agruras das relações
líquidas e efêmeras.

As pessoas possuem similitudes e diferenças. Ser obeso, ser careca,


ser pobre, ser negro são questões que podem levar o grupo a processos de
aproximação ou de alijamento. Dessa forma, o apoio social é um mecanismo de
integração social, ou seja, é um instrumento opressor que a sociedade usa para
que seus membros estejam em conformidade com o status quo.

Pessoas conservadoras e revolucionárias podem conviver com pessoas


inovadoras e desprendidas. Muitas vezes convivem no mesmo espaço criminosos
e policiais, e todos usam suas redes de apoio à adaptação ao meio ambiente –
independente dos julgamentos positivos e negativos sobre suas condutas.

Os modelos teóricos que são desenvolvidos também devem ser flexíveis,


embora integradores da grande diversidade de intervenções realizadas a partir da
psicologia comunitária. Essas intervenções abordam questões como: prevenção
da violência familiar, comportamentos viciantes ou comportamentos de risco à
saúde, bem como a capacitação de recursos pessoal e social (autoestima, apoio
social, habilidades de enfrentamento e participação do cidadão).

Além disso, são desenvolvidos na escola, na saúde e nos grupos sociais de


caráter muito diverso, de associações de bairro a grupos de autoajuda, de coletivos
plenamente conscientes de sua capacidade de ação social junto às comunidades
de baixa renda e consciência mínima de sua capacidade de transformar o meio
ambiente, a partir de agrupamentos mal organizados para aqueles cujo nível de
organização chega até o nacional, por meio de agrupamentos locais e regionais.

A necessidade de modelos teóricos surge justamente da necessidade de


integrar e dar coerência a tal diversidade. Esses modelos teóricos também devem
ser altamente flexíveis no sentido de permitir que haja adaptação às diversas
realidades sociais, culturais e políticas dos diferentes países.

45
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

2 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL


Nos últimos anos, o conceito de responsabilidade social, especialmente
nas searas da psicologia e do direito, ganhou espaço devido a sua importância
e com certeza a sua concepção evoluiu, pois o interesse por elementos, como
comunidades, direitos humanos, garantias fundamentais e políticas públicas
atraem fortemente a atenção de quem orienta o seu trabalho profissional na área
social, pois é inegável a busca pelos resultados positivos das relações e interações
que podem ser geradas por esses elementos.

A comunidade é a unidade por excelência na qual a Psicologia desenvolve


a sua ação. As diferentes produções teóricas associadas à ideia de comunidade
são, portanto, de vital importância e são capazes de compreender o quadro geral
desta subdisciplina.

Por esse motivo, neste tópico, vamos primeiro olhar para o


desenvolvimento do conceito de comunidade e suas noções associadas, como o
senso de comunidade e ação na comunidade. Esses conceitos são inseparáveis,
no sentido de que a ideia de comunidade se dá, por um lado, pelo sentimento
de relações afetivas entre seus membros e, por outro lado, para a capacidade de
tomar ações conjuntas para transformar situações que são vistas por si mesmas
como problemáticas no contexto de sua própria comunidade.

A psicologia comunitária considera relevante o conceito de comunidade


precisamente porque se propõe a trabalhar com os membros de comunidades
concretas de ações de transformação social que planejam, executam e avaliam
com o objetivo de melhorar suas condições de vida.

Nesse sentido, comunidade e bem-estar social estão relacionados: a


comunidade é entendida como um espaço de relações sociais solidárias e, ainda,
como uma unidade na qual desenvolve trabalho ou ação comunitária, entendida
como um conjunto de atividades realizadas para melhorar as condições de vida
das pessoas.

Kurt Lewin propôs a teoria de uma Psicologia Social aplicada juntamente


a Lev Vygotsky, ambos convidados a romper com o distanciamento metodológico
que existia entre a produção teórica da academia (universidade) e a aplicação da
psicologia nos contextos da vida quotidiana.

Vygotsky (1927; 1991) altera a ordem proposta por Comte: será a


prática que define os critérios de verdade, dos quais conceitos e leis
são derivados; a prática será que possibilita a reflexão epistemológica.
Para Kurt Lewin, o contraste entre teoria e prática ou entre o básico
e o aplicado, pois ambas pertencem ao mesmo processo (MORENO,
2006, p. 47).

46
TÓPICO 5 — CRENÇAS E JULGAMENTOS SOCIAIS

2.1 INTERVENÇÃO SOCIAL


Na intervenção social, o interventor lida com um problema em um
determinado contexto, o que é determinado por fatores históricos, culturais,
sociais, econômicos, ecológicos etc. Seu objetivo é resolver a situação-problema
através de técnicas próprias de disciplina científica ou fazendo uso de métodos de
outras disciplinas. Ao fazer uma intervenção, visa-se transformar uma realidade
social, com as suas implicações no indivíduo ou grupo, pois o resultado imediato
da Intervenção Social é a mudança social; a mediação ou a mudança pessoal, que
pode ser uma mudança coletiva.

Na intervenção psicológica, o destinatário é uma pessoa ou, no máximo,


um pequeno número de pessoas, cuja característica é a presença de uma disfunção
mental ou patológica que implica uma “cura” de déficits mentais por meio de
suas próprias técnicas da Psicologia, tendo orientação para a mudança de um
indivíduo ou, no máximo, de seu sistema familiar.

Muitas vezes, as práticas comunitárias ocorrem em bairros com diversas


situações de degradação ou marginalização, embora a psicologia também possa
ser desenvolvida na comunidade e em outras áreas.

Nos primeiros dias da psicologia comunitária, a comunidade era definida


como o espaço geográfico (um bairro ou área) em que um grupo de pessoas vive,
onde certos problemas são compartilhados e diferentes tipos de relacionamentos
se desenvolvem (vizinhos, amigos, família, entre outros). Essa definição se
limitou à ideia de abrangência geográfica. Por esta razão, posteriormente foi
importante levar em consideração também fatores psicossociais envolvidos
nesses agrupamentos humanos, sublinhando os fatores intersubjetivos, memória
histórica e modos de vida que caracterizaram essas comunidades.

A partir do desenvolvimento da prática da própria subdisciplina, há


diferentes elementos para esta conceituação inicial. Na maior parte, os conceitos
de comunidade usados atualmente referem-se, por um lado, aos elementos que
compõem a comunidade (indivíduos e contexto físico que definem sua natureza:
residencial, trabalho, recreativos, políticos, religiosos etc.) e, por outro lado, aos
processos que ocorrem nos componentes psicológicos, sociais e culturais.

Os problemas comunais derivam de fatores econômicos, políticos e sociais;


não se atribui causas psíquicas a eles, o pessoal é analisado como o resultado das
condições sociais. O psicólogo atende a populações carentes, contribuindo para
aprender a se expressar, organizar e atender demandas. Contribui, também, para
a organização e a mobilização popular.

Esse material tem como objetivo apresentar os principais elementos


para combater a desigualdade social. A pesquisa perpassa os vieses jurídico e
sociológico, propondo uma reflexão a respeito da necessidade de judicialização
de temas que embora comportem uma igualdade formal, permeiam o campo

47
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

do material sob o vértice da exclusão e da segregação. Assim, os contextos


apresentaram os principais elementos fundamentadores e a essencialidade das
políticas afirmativas, quando o assunto é assegurar o acesso ao Ensino Superior.

A igualdade consiste no “signo fundamental da democracia” e, portanto,


não admite privilégios e distinções (SILVA, 1992, p. 193). Democracia “é conceito
histórico, se constituindo em um meio ou instrumento para realização dos
valores essenciais de convivência humana, quais sejam os direitos e garantias
fundamentais” (SILVA, 1992, p. 114).

A psicologia comunitária enfrenta os problemas das comunidades e


estuda os aspectos subjetivos que contribuem para uma maior incidência de
determinações. Analisa a realidade concreta da vida e da vida diária, sendo o
psicólogo um catalisador de processos.

2.1.1 A vida social diante da nossa formação filogenética


e ontogenética
A vida social diante da nossa formação filogenética e ontogenética permeia
o meio social. A pessoa não se constitui um organismo isolado. Possuímos a nossa
individualidade, mas nossa característica coletiva é premente. O esteio cultural
nos circunda de modo indissociável – a história nos apresenta um panorama a
partir das relações culturais. A humanização não é um processo natural, mas sim
histórico. O indivíduo é o ser social – um ser que necessariamente se relaciona
com outros indivíduos. Dessa forma, faz-se pessoa e se humaniza. O desejo, a
necessidade e a vontade produzem meios de vida que se prestam ao serviço
individual, mas também coletivo.

Na interação com as pessoas e com o mundo é possível exercer a


comunicação, os saberes, partilhar e expressar desejos e vontades. No esteio
social, o “ser” se constitui através de fatores hereditários, genéticos, morfológicos
e físico-químicos.

A pessoa é um ser de relacionamento, seja devido ao afeto, às necessidades


diárias e por que não dizer com auspícios de melhora nas condições de vida.
O coletivo desde os primórdios ilustra que há vantagens nessa coabitação. As
desvantagens outrora surgidas são minimizadas diante dos aspectos da nossa
conduta tendente à socialização.

A ação comunitária busca a transformação de situações tidas como


problemáticas: uma característica importante que a psicologia comunitária
apresenta tem a ver com a direção que a ação torna comum. O reconhecimento do
caráter histórico do conhecimento sobre a realidade e a natureza transformável
dela nos permite pensar que, por meio da reflexão e da ação do grupo comunitário,
é possível introduzir transformações no que é percebido como problemático em
um determinado contexto.

48
TÓPICO 5 — CRENÇAS E JULGAMENTOS SOCIAIS

É importante notar que a definição do que é visto como problemático e/ou


as necessidades da comunidade em um determinado momento são estabelecidas
principalmente por pessoas do grupo comunitário com quem você trabalha. A
partir daí, por meio da participação de membros da comunidade nesses grupos,
a ação comunitária é planejada e organizada para transformar o contexto em que
essas pessoas vivem, trabalham, estudam ou realizam suas atividades diárias.

O apoio social reflete um processo informativo e fundamental que assegura


a importância do apoio social. Atualmente, há um consenso unânime sobre este
ponto: fornecer suporte social implica transmitir informações que levem a pessoa
a se considerar valorizada e que, além disso, leva-a a perceber que faz parte de
uma rede de comunicação e obrigações mútuas.

Em outras palavras, é uma pessoa valiosa e que pertence a um mundo


compartilhado com os outros. Diferenciar o tipo de informação que a pessoa
recebe/permite, entre outras coisas, a fim de distinguir o que é apoio do que
é abuso. Eis aí a função do psicólogo, que assume a tarefa de disseminar seus
saberes na comunidade. A crença no fracasso precisa ser convertida em processos
de aceitação e de valorização do humano, pois sucesso e fracasso podem ser
encarados de muitas formas, mas nenhuma delas deve ser condenatória.

E
IMPORTANT

A psicologia comunitária é aquela em que a ênfase é determinada pela


população. O psicólogo participa de discussões e mobilizações; ele é um ativista político?

A Psicologia Social Comunitária é um campo em que se privilegia uma perspectiva


analítica que considera os fenômenos de grupos, coletivos ou comunidades a partir de
fatores socioambientais, a fim de realizar ações voltadas à melhoria das condições de vida
das pessoas. Auxiliar as pessoas nos processos de desenvolvimento e na superação dos
julgamentos sociais.

49
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

LEITURA COMPLEMENTAR

Julgamento moral de jovens em diferentes contextos políticos

Júlio Rique

[...] A abordagem cognitiva do desenvolvimento moral

A abordagem cognitiva do desenvolvimento moral é um quadro teórico


elaborado a partir de princípios e estratégias comuns a diversas teorias cognitivas,
particularmente a teoria construtivista piagetiana do desenvolvimento cognitivo
(PIAGET, 1950) e a teoria da formação da moral infantil (PIAGET, 1932; 1965).
Essa abordagem define o desenvolvimento como resultado de um processo de
interação entre o organismo e o meio, gerando formação e transformação de
estruturas cognitivas. As estruturas cognitivas buscam a equilibração através
de um processo de assimilação e acomodação progressiva, em uma ordem
sequenciada de estágios que avançam do mais simples ao mais complexo. A
abordagem considera ainda que afeto e cognição são estruturas comuns, nas quais
os afetos são as cargas motivacionais do juízo moral. Aplicando os princípios
cognitivos à moral, Kohlberg (1984) reelaborou a visão do desenvolvimento moral
de Piaget (1932; 1965), quando definiu os raciocínios de justiça como conteúdos
do pensamento que visam alcançar a reciprocidade ideal (ou equilíbrio) entre
o self (a personalidade moral) e o meio social.

Em sua teoria do desenvolvimento moral, Kohlberg (1984) formalizou três


níveis e seis estágios, sendo cada nível composto por dois estágios, como pode ser
observado na Tabela a seguir:

50
TÓPICO 5 — CRENÇAS E JULGAMENTOS SOCIAIS

Existem duas condições necessárias, mas não suficientes, para o


desenvolvimento moral nos estágios: o desenvolvimento cognitivo e a tomada
de perspectiva social, ou  role-taking. Quanto ao desenvolvimento cognitivo,
o período intuitivo pré-operacional é necessário para atingir o Nível I - Pré-
convencional. Em seguida, é necessário ter consolidado as operações concretas
para uma pessoa atingir o Nível II - Moral Convencional. Da mesma forma, é
preciso que as operações formais tenham sido desenvolvidas completamente
para que essa pessoa possa atingir o Nível III - Moral Pós-convencional. Com
relação à tomada de perspectiva social, esta foi definida por Selman (1976) como
a habilidade de uma pessoa, em uma dada situação social, se colocar no lugar do
outro e saber sentir o que o outro sente (role-taking afetivo) e/ou saber pensar o que
o outro pensa (role-taking cognitivo). É necessário ter a capacidade de diferenciar
e regular diferentes pontos de vista para atingir o Nível I - Pré-convencional e
ter adquirido a habilidade de adotar a perspectiva das relações mútuas e das
expectativas sociais para uma pessoa atingir o Nível II - Moral Convencional.
Analogamente, é preciso que a pessoa tenha adquirido a capacidade de adotar o
ponto de vista das relações que regulam os sistemas sociais para atingir o Nível
III - Moral Pós-convencional. É a habilidade de tomada de perspectiva social que
promove o conflito cognitivo, motiva a descentração cognitiva e o entendimento
de um novo raciocínio. A acomodação ocorre com a resolução do conflito, quando
a pessoa que assimilou aplica o novo raciocínio na realidade, resolvendo o conflito
e passando a utilizá-lo como pensamento dominante.

Finalmente, Kohlberg (1984) ressalta que o juízo moral é representado


por uma distribuição dos pensamentos por estágios, ou seja, existe um estágio
dominante de pensamento, que é seguido por uma pequena porcentagem de
raciocínio em um estágio anterior e outra porcentagem em estágios posteriores.
A mudança de estágio representa um aumento do uso do estágio posterior, que
gradualmente se tornará dominante. Para consolidar sua visão, Kohlberg criou
uma medida de avaliação do julgamento moral, chamada de  Moral Judgment
Interview (MJI).

O  Moral Judgment Interview  (MJI) (COLBY; KOHLBERG, 2010) é


uma medida de avaliação construída a partir dos pressupostos da teoria de
desenvolvimento moral de Kohlberg (1984). A entrevista completa possui
três formas paralelas (A, B e C), e cada uma delas é composta por três dilemas
morais, seguidos por nove a doze questões delineadas para eliciar justificativas,
elaborações e esclarecimentos sobre dois valores centrais em conflito, além de
itens usados para testar a validade interna de um conjunto de respostas.

Como exemplo desses dilemas, tem-se o Dilema de Heinz, que é o mais


amplamente conhecido e que trata do conflito entre o valor da vida e o valor
da lei. Nesse dilema, Heinz, o protagonista, precisa de um remédio para salvar
a vida da sua esposa, que está muito doente. Entretanto, o farmacêutico local,
que descobriu o medicamento, o vende por um valor muito alto. Heinz tenta
conseguir o dinheiro de diversas formas e não consegue. Então, Heinz pensa na
possibilidade de roubar o medicamento. Deve Heinz roubar o medicamento que

51
UNIDADE 1 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

pode salvar sua esposa, se o farmacêutico, que pode prover a droga, insiste em
cobrar um preço que Heinz não consegue pagar?

As respostas a cada questão são avaliadas dentro de categorias


estabelecidas  a priori. A validade do MJI concerne à verificação do construto,
e não à predição de critérios de validade externa. São dois os critérios de
validade de construto, as pressuposições de (a) sequência do desenvolvimento
e (b) consistência do pensamento através dos diversos dilemas. Kohlberg (1984)
informa que a distribuição do juízo moral por estágios representa estágios puros
(com 80% ou mais do raciocínio em um mesmo estágio), de transição (quando
há prevalência de um estágio mais baixo, porém há a presença de raciocínio de
um estágio posterior), ou de consolidação (quando há prevalência de um estágio
mais alto, porém há a presença de raciocínio de um estágio anterior). A maioria
das pessoas se encontra em períodos de transição ou de consolidação, com, no
máximo, 50% do pensamento em um único estágio. O MJI é considerado um
instrumento confiável e válido para a verificação do julgamento moral, tendo
sido traduzido e administrado em várias culturas. [...].

FONTE: <http://bit.ly/34PlojA>. Acesso em: 15 dez. 2020.

52
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu que:

• A comunidade é a unidade por excelência em que a Psicologia desenvolve a


sua ação.

• A pessoa é um ser de relacionamento, seja devido ao afeto, às necessidades


diárias e por que não dizer com auspícios de melhora nas condições de vida.
O coletivo desde os primórdios ilustra que há vantagens nessa coabitação. As
desvantagens outrora surgidas são minimizadas diante dos aspectos da nossa
conduta tendente à socialização.

• A pessoa não se constitui um organismo isolado. Possuímos a nossa


individualidade, mas nossa característica coletiva é premente. O esteio
cultural nos circunda de modo indissociável – a história nos apresenta um
panorama a partir das relações culturais.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

53
AUTOATIVIDADE

1 Ao elaborar um trabalho com famílias, é importante pensar nas relações


de gênero enquanto estruturantes das relações sociais. Sobre o assunto, são
considerados os aspectos:

a) ( ) Simétricos das relações de gênero dentro da família, em que cada um


tem seu papel definido e organizado.
b) ( ) Econômicos e estruturais, compreendendo a hierarquia de poder e
acesso a bens diferenciados.
c) ( ) Normativos, relacionados às condições estruturais da rede familiar
construída.
d) ( ) Subjetivos, relacionados à institucionalização de formas legais e de
autonomia dos membros familiares.
e) ( ) Simbólicos do feminino e do masculino, os quais definem comporta-
mentos e padrões socialmente aceitos.

2 A Psicologia Social Comunitária apresenta duas vertentes. Qual dos


seguintes constitui-se como um princípio da vertente latino-americana?

a) ( ) Psicologia Social Comunitária relacionada aos movimentos sociais


comunitários, em especial os de saúde mental.
b) ( ) Críticas às intervenções exclusivamente médicas e hospitalocêntricas
nos casos de saúde mental, inspirados nos pressupostos da psiquiatria
preventiva.
c) ( ) Atenção aos problemas socioeconômicos, compreensão do homem
construído sócio-historicamente, privilegiando trabalho em grupo e
colaborando para a formação da consciência crítica e identidade.
d) ( ) Extensão da clínica, psicologia da comunidade e tecnologia social,
concebendo o psiquismo de seus membros e sua potencialização a partir
das condições de vida da comunidade.
e) ( ) Intervenções ampliadas à comunidade, fonte de problemas mentais
e agente potencialmente terapêutico.

3 Fernando González Rey considera que o fenômeno social, quando encarado


do ponto de vista da subjetividade, constitui uma condição que ele chama de
subjetividade social. Considerando a posição do autor, podemos dizer que:

I. Subjetividade social é a expressão da pessoa em público.


II. Trata-se de uma expressão que prioriza o campo dos significados em
detrimento dos sentidos pessoais.
III. As configurações psicológicas são estruturas psíquicas que fazem a ponte
entre o real e o imaginário.

54
Está correto o que se afirma em:
a) ( ) Apenas I.
b) ( ) Apenas I e II.
c) ( ) Apenas III.
d) ( ) Todas estão corretas.
e) ( ) Todas estão incorretas.

4 Quais são os objetos da atuação da Psicologia Social em relação à orientação


sexual?

5 O repertório de ‘ideias’ de uma determinada cultura, de uma determinada


nação, de um grupo social, tem como base o processo histórico do
desenvolvimento das forças produtivas e, ao mesmo tempo, acaba influindo
no próprio processo econômico, ou seja, no desenvolvimento das formas
subjetivas de expressão desse processo de desenvolvimento. O que se discute
com esta afirmação?

55
REFERÊNCIAS
ABESO – Associação Brasileira para Estudos da Obesidade e da Síndrome Meta-
bólica. Mapa da Obesidade. São Paulo, 2019. Disponível em: http://bit.ly/2Kyz-
dfK. Acesso em: 24 set. 2020.

ÁLVARO, J. L., GARRIDO, A. Psicologia social: perspectivas psicológicas e


sociológicas. São Paulo: MccGraw-Hill, 2006.

BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo:


SaraivaJur, 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departa-


mento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da
Saúde. Vigitel Brasil 2016: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças
crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição so-
ciodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais
dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2016 / Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e
Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saú-
de, 2017.

CAMARGO, B. V. Alceste: um programa informático de análise quantitativa de


dados textuais. João Pessoa: UFPB, 2005.

CAMPOS, R. H. F. Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia.


13. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

CHADWICK, J. Medical works of hippocrates. New Jersey: Blackwell Scienti-


fic, 1950.

COSTA, J. F. A. Fazer para transformar: a psicologia política das comunidades


de Maritza Montero. Revista Psicologia Política, v . 15, n. 33, p. 269-283, 2015.

FELIPPE, F. M. O peso social da obesidade. Revista Virtual Textos & Contextos, v.


2, n. 1, p. 1-12, 2003. Disponível em: https://bit.ly/34PrqRg. Acesso em: 24 set. 2020.

FREITAS, M. D. F. Q. Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade


e psicologia (social) comunitária – práticas da psicologia em comunidade nas
décadas de 1960 a 1990, no Brasil. In: FREITAS, M. D. F. Q. Psicologia Social
Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 2013.

GALASSI, A.; YAMASHITA, A. L. V. Obesidade mórbida, o peso da exclusão.


Revista Científica da Faculdade Dom Bosco de Cornélio Procópio, v. 2, n. 2,
2015. Disponível em: https://bit.ly/3hnBaYd. Acesso em: 12 out. 2020.

56
GARCIA, R. W. D. Representações Sociais da comida no meio urbano: algumas
considerações para o estudo dos aspectos simbólicos da alimentação. Revista
Cadernos de Debate, Campinas, v. 2, p. 12-40, 1994.

GÓIS, C. W. L. Noções de psicologia comunitária. Fortaleza: Edições UFC,


1993.

JACOB, M. K. Representaciones sociales e psicologia comunitária. Psykhe, v. 8,


n. 1, p. 41-45, 1999.

JACQUES, M. D. G. C. Identidade. In: JACQUES, M. D. G. C. et al. (Orgs.). Psi-


cologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2013.

JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET,


D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.

LANE, S. T. M. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.

LANE, S. T. M. A Psicologia Social e uma nova concepção de homem para a


Psicologia. In: LANE, S. T. M. Psicologia Social: o homem em movimento. São
Paulo: Brasiliense, 1984.

MARTÍN-BARÓ, I. Acción e ideología: Psicología Social desde Centroamérica.


12. ed. San Salvador: UCA, 2012.

MARTÍN-BARÓ, I. Sistema, grupo y poder: psicología social desde Centroamé-


rica II. San Salvador: UCA, 1989.

MARTÍN-BARÓ, I. Psicodiagnóstico de América Latina. San Salvador: UCA,


1972.

MELO, A. S. E.; MAIA, O. N.; CHAVES, H. M. Conceitos básicos em intervenção


grupal. Encontro Revista de Psicologia, v. 17, n. 26, 2014.

MONTERO, M. Crítica, autocrítica y construcción de teoria en la psicología


sociallatino-americana. Revista colombiana de psicología, v. 19, n. 2, p. 177-191,
2010.

MONTERO, M. Qué es la psicología comunitaria. In: MONTERO, M. Intro-


ducción a la psicología comunitaria: Desarrollo, conceptos y procesos. Buenos
Aires: Editorial Paidós, 2004.

MORENO, M. Psicologia e marginalização social. España: Ediciones Aljibe,


2006.

MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em Psicologia Social.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

57
MOSCOVICI, S. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF, 1976.

PICHÓN-RIVIÉRE, E. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

PICHÓN-RIVIÉRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

POLLI, G.; CAMARGO, B. V. A teoria das representações sociais e a aborda-


gem estrutural. Rio do Sul, SC: Unidavi, 2010.

QUINTAL DE FREITES, M. de F. Models of practice in comunity in Brazil: pos-


sibilities for the psychology community relationship. Journal of Commnunity,
v. 26, 1998. Disponível em: https://bit.ly/34QrL6r. Acesso em: 16 dez. 2020.

RAMOS, A. Introdução à psicologia social. 4. ed. Santa Catarina: UFSC, 2003.


RAPPORT, J. Comunity psychology: values, research and action. New York:
Holt, Rinehart and Wintston, 1997.

REINHARDT, P. História e alimentação: uma nova perspectiva. Curitiba:


UFPR, 2000.

ROSSI, A.; MOREIRA, E. A. M.; RAUEN, M. S. Determinantes do comporta-


mento alimentar: uma revisão com enfoque na família. Rev. Nutr., v. 21, n. 6, p.
739-748, 2008.

SAWAIA, B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigual-


dade social. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

SAWAIA, B. Comunidade: a apropriação científica de um conceito tão antigo


quanto a humanidade. In: CAMPOS, R. Psicologia Social Comunitária: da soli-
dariedade à autonomia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

SILVA, D. M. P. Psicologia Jurídica no processo civil brasileiro: a interface da


psicologia com o direito nas questões de família e infância. 3. ed. rev., atual. e.
ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros,


1992.

WIESENFELD, E. La Psicología Social Comunitaria en América Latina:


¿Consolidación o crisis?. Psicoperspectivas, Valparaíso, v. 13, n. 2, p. 6-18, maio
2014.

YAMAMOTO, O. H. Políticas sociais, terceiro setor e compromisso social: pers-


pectivas e limites do trabalho do psicólogo. Psicologia & Sociedade, v. 19, n. 1,
p. 30-37, 2007.

58
UNIDADE 2 —

A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• formar psicólogos que atendam às necessidades consolidadas e emer-


gentes do campo biopsicossocial permeado por uma práxis ética;

• desenvolver a capacidade de descrever, analisar, interpretar e orientar


os problemas de origem psicológica, tais como: cognitivos, emocionais,
comportamentais e ecológicos;

• identificar e assimilar as possibilidades de ações coletivas através da


pesquisa/intervenção da Psicologia Social (intervenção psicossocial).

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – RELAÇÕES SOCIAIS

TÓPICO 2 – CONFLITOS E PACIFICAÇÃO

TÓPICO 3 – VIOLÊNCIA E VITIMOLOGIA

TÓPICO 4 – PERCEPÇÃO SOCIAL

TÓPICO 5 – PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

59
60
UNIDADE 2
TÓPICO 1 —

RELAÇÕES SOCIAIS

1 INTRODUÇÃO
Ao nascer necessitamos de outro ser humano – somos inseridos em um
contexto histórico, e somos submetidos a um padrão de relações estabelecidas
pela sociedade. Cada grupo social possui normas que regem a conduta, geram
papéis sociais e determinam as relações sociais. Para cada papel social existem
expectativas de comportamentos mais ou menos definidos. Quanto maior a
importância da relação social para a sobrevivência do grupo e da sociedade, mais
rígidas e precisas são as normas que a definem.

É possível constatar que a Psicologia Social Comunitária foi sendo


constituída em cada período histórico, político, social e cultural. Esse conjunto
aponta para várias experiências de intervenção comunitária que já foram
implementadas, tais como a determinação dos quadros das estratégias políticas
sociais vigentes.

A história e a cultura partem do princípio de que o comportamento humano


é construído a partir do contexto das atividades do grupo. No entanto, como
será verificado nesse escrito, o desenvolvimento de intervenções do país surgiu
em conexão com as práticas de intervenção da comunidade e não são totalmente
compreendidos apenas como resultado de evolução científica ou técnica.

Esses elementos estão ligados às orientações das políticas sociais, em que


estar sozinho é apenas uma criação isolada ou espontânea de equipes técnicas
que participaram ou implementaram essas estratégias de intervenção. Assim, é
possível vincular a institucionalidade das políticas sociais com a orientação técnica
presente na intervenção comunitária implementada local e nacionalmente.

Os psicólogos comunitários são profissionais que se inserem em um


ambiente comunitário com o intuito de estudá-los. A pessoa deve ser protagonista
de sua vida e de suas escolhas.

2 REFLEXÕES NECESSÁRIAS
A relação da percepção social traz à tona a importância no que tange ao
entendimento das relações subjetivas e objetivas, pois asseguram a compreensão
das relações do indivíduo com o mundo social que o cerca. Por certo, cada sujeito

61
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

traz consigo o seu papel individual e o seu papel coletivo, e esse conjunto constrói
as impressões que mantemos sobre nós mesmos e também sobre as pessoas que
nos cercam.

[...] abrindo esse espaço para todo mundo, para quem quiser aprender
e mais: fazendo o esforço de falar a linguagem de todo o mundo.
Transmitir nosso saber numa linguagem do cotidiano. É um desafio,
mas é uma briga entre o poder autoritário e o poder democrático. Acho
que esta é a questão fundamental da academia (LANE, 1995, p. 9).

A autora, ao estruturar elementos da psicologia social, aponta para uma


psicologia responsável e comprometida com a realidade brasileira, uma vez
que, independente do histórico e da construção da psicologia social, é preciso
demandar uma construção que permita compreenderem a sua participação no
processo social. Lane (1995) aponta, ainda, para as relações interpessoais e para
as influências deste mundo externo no indivíduo, que coloca esse processo numa
perspectiva naturalizante.

Os valores éticos têm intensa importância na construção da realidade,


pois a dignidade de cada sujeito está voltada à compreensão que cada indivíduo
tem de suas funções sociais, mas também têm ponto de partida nas perspectivas
e esse construto nos leva para a compreensão dos processos grupais.

As histórias de vida, a configuração metodológica e o conhecimento não


têm como cerne conduzir para certezas científicas, mas sim compreender um
laboratório de observação das condutas humanas.

Com relação aos procedimentos de supervisão e suporte, é necessário


estar atento, pois quanto mais insistem na sua importância, mais facilmente eles
podem se tornar uma sobrecarga associada à atividade. O monitoramento é uma
ferramenta poderosa e deve seguir dois passos primordiais:

• Encontrar formas flexíveis e variadas de supervisionar e apoiar: contatos


multimídia, atividades recreativas, espaços abertos para interação, grupos de
apoio mútuo etc.
• Potencializar os aspectos positivos da supervisão em termos de suporte
emocional, instrumental e informativo, de pertencimento ao grupo, aumento
de autoeficácia percebida, coerência com os próprios valores etc.

Perceba que há um conjunto de alertas que nos permite ver e diagnosticar


circunstâncias que exigem o uso de novas distinções, categorias e tarefas para
abordar esses novos cenários, que, se existentes, não são suficientemente
disseminados, debatidos ou consensuais. Atualmente, não há um olhar
suficientemente documentado e debatido sobre a magnitude das transformações
produzidas.

62
TÓPICO 1 — RELAÇÕES SOCIAIS

3 INTERFACE ENTRE A PERCEPÇÃO SOCIAL E AS RELAÇÕES


SOCIAIS
Estabelecemos, na origem, possibilidades de desenvolvimento da
implementação de práticas de intervenção comunitária, pois elas são decisivas
e constituintes do papel da intervenção comunitária por meio dos contextos e
dinamismos relacionados às lógicas de desenvolvimento social predominantes e
mudanças nas demandas sociais, políticas e técnicas.

Dessa forma, é possível estabelecer uma relação estreita entre contextos de


desenvolvimento social, lógicas institucionais e estratégias comunitárias. Por fim,
enfatizamos o estabelecimento das implicações da relação entre as orientações
das políticas sociais e a intervenção comunitária.

O atendimento psicológico gratuito em comunidades se presta a promover


uma aproximação entre o profissional e a comunidade. Dessa feita, estabelece-se
uma relação de interdependência entre quem precisa de atendimento e aquele que
oferta o atendimento. Os psicólogos comunitários, como já visto anteriormente,
são profissionais que se inserem em um ambiente comunitário com o intuito de
estudá-los. Nesse esteio, frise-se, a pessoa deve ser protagonista de sua vida e de
suas escolhas.

[...] O comando verbal de um adulto sobre a criança passa a ser


utilizado e internalizado como autoinstrução para o comando do
próprio comportamento. Este é um exemplo de Vygotsky, que afirma
que o que ocorre no plano interpessoal passa para o plano intrapessoal.
Isso quer dizer que a criança internaliza o que aprende nas relações
interpessoais (BONIN, 1997, p. 62).

4 ENTRE A SOCIOLOGIA E A PSICOLOGIA


Um debate muito significativo se dá sobre a interação dos sujeitos no
que tange as suas relações e aos espaços que ocupam. O espaço é um conceito
fundamental nas análises sociológicas, pois é nele que se estabelecem os
mecanismos de produção da subjetividade. As propostas que fundamentam a
Psicologia Comunitária são profundamente ligadas ao incentivo à participação
da comunidade na busca de um exercício ativo e democrático.

A perspectiva de Goffman (1959 apud GASTALDO, 2008, p. 149) nos


permite entender que, “em vez da relação entre burguesia e proletariado, as
interações entre patrões e empregados em uma fábrica; em vez de uma luta de
classes explícita, a relação entre uma dona de casa e sua empregada doméstica”.
Ele denomina que, ao observarmos as pessoas, é fácil perceber que essas situações
se configuram como campos de batalha silenciosos e permanentes. Isso se repete
na política, na família e nos ambientes institucionais – pois em todos os contextos
e situações podemos verificar a luta pelo poder e as situações corriqueiras que
configuram as incontáveis desigualdades sociais.
63
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

No contexto e nas características de nossa sociedade atual – globalizada,


de informações instantâneas e superficiais – geram-se diferentes repercussões
psicossociais na vida. Esse compromisso das pessoas com a Psicologia Comunitária
envolve a construção de redes mais solidárias e humanas e formas de convivência
e sobrevivência psicossocial.

E
IMPORTANT

A sociologia tem a competência idêntica com a psicologia?

O objetivo dessa intervenção psicossocial é prestar cuidados específicos aos afetados


e suas famílias no local do acidente, bem como no atendimento informativo no país de
origem, contribuindo para a redução das sequelas psicossociais após um evento catas-
trófico. Nesse ponto, é importante notar que as intervenções entre os países-membros
e em outros contextos culturais devem buscar proporcionar apoio e conhecimento aos
funcionários locais.

Além disso, é essencial reconhecer diferenças culturais, sendo muito prudente fazer
recomendações que não são baseadas em uma perspectiva cultural. Em suma, uma in-
tervenção externa (internacional) que tenta uma recuperação após uma catástrofe requer
compreensão e consulta com os funcionários locais e com a própria população afetada.
A intervenção psicossocial deve ser baseada na consulta com as comunidades e em um
modelo de interação sustentável.

Martin-Baró (1989, p. 95) chama a atenção para as relações de poder ao


concluir que “é sua tendência a ocultar-se, inclusive a negar-se como tal, ou seja,
como poder, e apresentar-se como exigência natural ou razão social”. Esse autor
menciona o fato de a socialização ser um processo contraditório, mas ainda assim
ele deve ser vislumbrado através de um ponto de vista dialético. Nesse sentido,
podemos abordar três aspectos, em que o autor esclarece que o objeto de seu
estudo é definir e delimitar o papel do poder na determinação da ação humana:

• a determinação objetiva do contexto da pessoa: o indivíduo se


insere em uma sociedade, em um grupo social, em uma situação
concreta, com possibilidades materiais e sociais bem definidas;
• a formação histórica das necessidades pessoais segundo a
atividade propiciada, estimulada e exigida pelas relações sociais,
necessidades que se expressam em um determinado estilo de
vida;
• a transmissão de um marco de referência ideológico de normas
e valores assumido psicologicamente como atitudes diante das
diversas realidades. Este marco ideológico serve de justificação
às necessidades pessoais e aos interesses da própria classe em que
elas encontram assento (MARTIN-BARÓ, 1997, p. 115).

64
TÓPICO 1 — RELAÇÕES SOCIAIS

Notoriamente, a socialização é um processo histórico que é definido


temporal e espacialmente e sua análise requer uma visão ampla dos processos
sociais que se constroem através das variáveis características de cada grupo.

O know-how de fazer as competências deve ser direcionado para a gestão


de procedimentos e técnicas da psicologia como interdisciplinar (Serviço Social,
Sociologia etc.). Nas tarefas da vida cotidiana, deve-se respeitar à comunidade,
mas não entrar no campo de familiaridade excessiva ou paternalismo. Sua
linguagem deve ser clara, sem os detalhes técnicos típicos do conhecimento
psicológico.

E
IMPORTANT

A linguagem é importante para a atuação na comunidade?

O trabalho do psicólogo em seu processo de intervenção psicossocial deve evitar gerar


falsas expectativas em contextos de trabalho; pelo contrário, deve orientar seu trabalho
para que sejam os mesmos membros da comunidade a determinarem a continuação
dos processos quanto à intervenção do psicólogo final.

Não há fórmulas mágicas ou protocolos padronizados que guiem o trabalho do profis-


sional no comportamento nas comunidades. A própria dinâmica da intervenção é indica-
da pelas particularidades dos atores, pelo arcabouço legal determinado pelas autoridades
estaduais, assim como pelas normas deontológicas da profissão.

4.1 A IMIGRAÇÃO COMO EXEMPLO NA PSICOLOGIA


SOCIAL COMUNITÁRIA
Os laços sociais de imigração devem ser elementos de destaque em
programas de intervenção comunitária. Esses programas, baseados em suporte,
podem ser definidos como esforços para otimizar recursos psicossociais de
indivíduos que fornecem ou recebem no contexto de suas relações com grupos.

Caracterizam-se por sua maior acessibilidade, validade e aceitação


cultural, visto que promovem a solidariedade, o desenvolvimento comunitário
e a participação social, bem como promovem a autorresponsabilidade, a
autoconfiança e a competição individual e coletiva.

Uma das consequências do aumento dos fluxos migratórios nos contextos


da comunidade anfitriã é que pessoas de diferentes raças, etnias, religiões etc.
estão envolvidas em relações de interação e convivência diária.

65
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

Os resultados neste novo cenário podem ser muito diversificados, porque,


apesar do discurso de igualdade e solidariedade nos países beneficiários, a
imigração continua a ser percebida como uma ameaça (realista e/ou simbólica) ao
seu status como um privilégio, bem-estar e identidade cultural. Isso condiciona as
relações e promove o surgimento de comportamentos defensivos (discriminatórios
e racistas) destinados a manter o controle e a superioridade sobre os imigrantes.

E
IMPORTANT

A diversidade humana é um fator de impacto na atuação do Psicólogo


Comunitário?

A diversidade humana começa a estar ligada à ação afirmativa, que trata de questões de
justiça social e reconhece a contribuição das diferenças de conhecimento cultural.

A diversidade humana deixa de ser infalivelmente associada a um déficit e/ou inferiorida-


de de membros de grupos minoritários para se concentrar em suas forças e capacidade
de recuperação, o que proporciona a experiência de opressão.

A precariedade e/ou privação sofrida por esses grupos (incluindo os


imigrantes) não é mais explicada com base na falta de genes, estilos de vida
ou características de personalidade para viver com sucesso a vida social. Pelo
contrário, há debates sobre a relação de poder que o grupo dominante (cultura)
insidiosamente se exercita sobre o não dominante, privando-o de direitos e
recursos. A ausência (ou precariedade) do poder imigrante se manifesta em três
categorias básicas a serem referenciadas em qualquer política ou programa de
intervenção.

O primeiro se concentra na falta de poder para definir uma imagem


positiva do imigrante em oposição ao estereótipo negativo que as sociedades
anfitriãs constroem como justificativa para a discriminação. Segundo, a situação
de opressão diminui o poder de um acesso padronizado e igualitário aos recursos
comunitários, como residência ou carteira de trabalho, reunificação familiar,
espaços de adoração, uso do véu islâmico (chador), benefícios sociais, habitação,
trabalho decente, espaços públicos para comportamentos de lazer etc.

A ausência (ou escassez) desses recursos impede a satisfação das


necessidades humanas, como subsistência, segurança, afeto, autonomia e
desenvolvimento pessoal, compreensão, criatividade etc. Por fim, a ausência de
voz significa falta de poder para participar da vida pública da comunidade onde
o imigrante está inserido e contribuir com suas propostas de mudança social.
A incapacidade de votar nas eleições (participação política) ou a negação da
representatividade à administração de organizações de imigrantes podem ser
exemplos de uma situação opressiva.
66
TÓPICO 1 — RELAÇÕES SOCIAIS

Se a intervenção comunitária for referida, o estresse associado ao processo


de migração está basicamente relacionado a dois tipos de fenômenos: as demandas
que colocam o indivíduo em situações problemáticas ou em contextos em que as
expectativas comportamentais não são claras, e falta ou escassez (opressivo) de
recursos psicológicos e sociais para responder a tais demandas.

O planejamento adequado da intervenção deve ter um impacto no contexto


comunitário para que forneça aos imigrantes os recursos materiais, pessoais e
sociais que possibilitem a satisfação de suas necessidades, vinculadas tanto a um
ajuste psicológico positivo quanto ao projeto de migração.

As atividades incluídas nesses programas de população de imigrantes


podem ser:

• Nível individual: habilidades sociais para adquirir competências


culturalmente adaptadas ao contexto da comunidade anfitriã nos processos
de doação e receber suporte; para isso, pode ocorrer uma mudança de atitudes
para diminuir a resistência ao receber apoio formal e informal, bem como o
surgimento de técnicas de busca de suporte informal em lidar com o estresse
devido ao choque cultural etc.
• Nível didático: um membro ou grupo da rede social, ou fora dela (voluntário
mentor etc.), fornece treinamento prévio, suporte (instrumental, material e/ou
emocional) para o sujeito focal. Por exemplo, ao entrar na escola, um menino
imigrante se associa a um colega indígena que atua como mentor; no bairro
corresponderia a um programa de famílias autóctones que ajudam famílias
imigrantes etc.
• Nível de grupo: constituem-se como o sistema de suporte mais robusto e
durável, otimizando a rede atual, melhorando a multidimensionalidade dos
links (fornecem mais de um tipo de suporte) ou criação de novos links. As
associações de mulheres imigrantes ou grupos de autoajuda em geral são
bons exemplos desse nível de intervenção.
• Nível organizacional: envolve a modificação de contextos específicos (saúde,
educação, trabalho etc.) para que se tornem cenários de suporte: incorporação
de mediadores comunitários (interculturais) em centros públicos, criação de
serviços de apoio na proximidade (creches, por exemplo) para que mães
imigrantes possam frequentar cursos de formação, presença de materiais
de formação transmitidos em diferentes idiomas, serviço de tradução por
telefone etc.
• Nível comunitário: visa aumentar o empoderamento da comunidade por
meio da melhoria da oferta e do uso de fontes informais e formais de apoio.

Alguns exemplos que podem ser mencionados são os programas de apoio


às mães imigrantes e suas famílias, escolas para pais imigrantes, campanhas de
informação específicas e não específicas sobre recursos comunitários, programa
de apoio à prevenção da AIDS em mulheres imigrantes que praticam prostituição
etc.

67
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

Análises comuns sobre a origem e o desenvolvimento da Psicologia


Comunitária argumentam que os focos que determinam a origem e a dinâmica de
desenvolvimento estão basicamente nos processos teóricos e técnicos dos setores
cientistas ligados à saúde mental e questões sociais. Essas análises incluem o
papel decisivo dos diálogos interdisciplinares.

O desenvolvimento humano deve ser abordado no que diz respeito a sua


aplicabilidade e na multiplicidade de suas formas. Os conflitos ambientais trazem
um impacto direto com a violência. Notoriamente, os riscos socioambientais
vivenciados pela sociedade estão diretamente ligados à ação industrial e também
à empregabilidade. A falta de oportunidade muitas vezes enseja a mudança para
outros países e em alguns casos o retorno para os países de origem.

As reformas das políticas econômicas têm o dever de promover um


planejamento social eficiente, que viabilize a utilização eficiente dos recursos para
o desenvolvimento sustentável, convergindo para a eliminação das distorções
sociais. O ecossistema equilibrado é a garantia de permanência e da existência
das tarefas públicas e privadas.

E
IMPORTANT

O meio ambiente tem alguma interferência e/ou importância para o estu-


do da Psicologia Social Comunitária?

O bem-estar dos indivíduos independe da sua participação direta/indireta na administra-


ção dos bens ambientais, mas a sua não participação pode, e vai, a longo prazo, de-
monstrar que essa negação eleva os custos dos bens ambientais e os custos da dignida-
de humana. A responsabilidade social é essencial para a garantia de um meio ambiente
sadio e equilibrado, visto que essa é condição para a tutela da pessoa humana. Essa
preocupação da atividade empresarial acaba por arraigar a aproximação entre o tópico
da diretriz ambiental e a proteção ao indivíduo como elemento essencial dessa relação
com a natureza. Tal análise possui caráter intertemporal no plano dos direitos fundamen-
tais inderrogáveis. O direito à vida digna é certamente o bem maior a ser protegido pelo
ordenamento jurídico.

Com a degradação excessiva dos recursos naturais, a comunidade


internacional tem despertado para questões relativas ao meio ambiente e essa
preocupação tem se manifestado, entre outras formas, em encontros com a
participação de chefes de Estado e de governos com o objetivo de firmarem
acordos visando à redução da poluição.

Como exemplo, cita-se o congresso realizado em dezembro de 1997, em


Kyoto, no Japão, com o objetivo de aprovar metas para a redução da emissão
de gases poluentes na atmosfera. Muitas são as rodadas de debate sobre

68
TÓPICO 1 — RELAÇÕES SOCIAIS

proteção ambiental, mas as soluções são parcas diante de problemas incontáveis,


principalmente quando o assunto se constitui na emissão de gases poluentes
(MARTINS, 2014). Todavia, muitos outros momentos se seguiram a essa proteção,
como a Rio 92, que propôs os limites elencados na Agenda 21, mas, de fato, pouco
tem ocorrido para diminuir a devastação ambiental.

A atuação humana crescente sobre a base de recursos naturais, nos


últimos três séculos, tem causado modificações significativas em seu estado
natural. De um vértice, a degradação ambiental começa a ameaçar a qualidade
da vida humana, e, de outro, a quantificação pelos danos não parece ser capaz de
devolver ao ecossistema o equilíbrio primicial.

Leff (2007, p. 65) aponta uma impossibilidade de quantificação da


natureza: “não existe um instrumento econômico, ecológico ou tecnológico
capaz de calcular o ‘valor real’ da natureza na economia”. Dá ênfase, ainda, na
distribuição ecológica:

[...] A distribuição ecológica levanta, pois, o véu economicista para


descobrir na infravalorização ecológica e na produção de pobreza
os mecanismos privilegiados que mantêm a ordem econômica
globalizada; nesse sentido, aparece como um conceito crítico da
economia convencional e denúncia de suas estratégias de dominação
ecológica e cultural. Entretanto, não consegue escapar do cerco da
racionalidade econômica. O ambiente é concebido como um custo do
processo econômico, não como um potencial para o desenvolvimento
alternativo (LEFF, 2007, p. 68).

O fato pertinente nessas análises são os massacres devido à exploração


indevida das terras, como já ocorrido no processo histórico configurado no ciclo
do ouro no Brasil entre fins do século XVI e também os massacres ocorridos em
terras indígenas e entre povos que migraram para o Brasil, como é o caso dos
venezuelanos no século XXI.

Os impactos ambientais são espraiados na economia, na cultura e


muitas vezes na mudança de território. “Isso indica o quanto a violência e sua
arbitrariedade foram consideradas corriqueiras e, portanto, negligenciadas;
ninguém questiona ou examina o que é óbvio para todos” (ARENDT, 2013, p. 23).

Ocupar um território, além de ser um jogo de poder, como já mostrado na


própria história da Grécia e Roma, é também motivado pela necessidade. No caso
em especial da entrada dos venezuelanos em busca de trabalho, comida e fuga
de um governo ditatorial, há um outro problema, que é a receptividade em terras
brasileiras, pois essa adaptação não é tão simples quanto se possa supor.

Outro movimento são as fugas dos países palestinos em permanentes


confrontos. O excesso de confrontos acabou com as plantações e as criações de
animais. A terra de nascimento se torna inóspita e a Europa tem negado em
grande medida a entrada de estrangeiros. Restam os atentados, o crescente índice
de homicídios motivados pelo ódio, pela decrepitude da dignidade, pela comida

69
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

e pelo espaço. No entanto, com a sensação de perda e de negação do social,


ocasionam-se casos de violência.

[...] A violência surge da negação do outro. A falta de reconhecimento


do outro gera a violência, pois viola o maior direito do ser humano, o
direito de formar-se. Assim, a violência pensada no âmbito educacional
pode ser posta como uma consequência da ausência de ética, por conta
da falta de reconhecimento do outro (MODENA, 2016, p. 82).

Infelizmente, a história apresenta fatos repetidos e repetícios, mas que


propiciam a reflexão das mentes mais preparadas para uma necessidade urgente
de novos paradigmas para analisar esse fenômeno.

4.2 O CONTROLE DAS RELAÇÕES É ALGO JÁ MENCIONADO


PELA OBRA FOUCALTIANA
A disciplina às vezes exige a especificação de um local heterogêneo
a todos os outros e fechado em si mesmo. Local protegido da monotonia
disciplinar. Em primeiro lugar, segundo o princípio da localização imediata ou
do quadriculamento, designa-se cada indivíduo no seu lugar, e em cada lugar um
indivíduo. O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quanto corpos
ou elementos a repartir. “É preciso anular os efeitos das repartições indecisas,
o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua
coagulação inutilizável e perigosa; tática de antideserção, de antivadiagem, de
antiaglomeração” (FOUCAULT, 2008, p. 122-123).

[...] O espaço no qual vivemos, pelo qual somos atraídos para fora de
nós mesmos, no qual decorre precisamente a erosão de nossa vida, de
nosso tempo, de nossa história, esse espaço que nos corrói e nos sulca
é também em si mesmo um espaço heterogêneo. Dito de outra forma,
não vivemos em uma espécie de vazio, no interior do qual se poderiam
situar os indivíduos e as coisas. Não vivemos no interior de um vazio
que se encheria de cores com diferentes reflexos, vivemos no interior
de um conjunto de relações que definem posicionamentos irredutíveis
uns aos outros e absolutamente impossíveis de ser sobrepostos
(FOUCAULT, 2008, p. 414).

• Primeiro, o mercado não é o único espaço gerador de desigualdades, como


não é a única esfera social que existe fora do campo rigoroso das autoridades
públicas. As características das políticas de bem-estar são determinadas no
espaço formado pelo público, comercial, família e associativa. Em outras
palavras, as políticas sociais podem desmercantilizar certos processos ou
atividades de deslocamento, previamente realizados por famílias ou o
tecido associativo, em nível estadual. Em estado de bem-estar pode operar
como um fator em remercantilização, mas também de privatização familiar
ou comunidade de funções de bem-estar previamente absorvido pela área
pública.
• Em segundo lugar, o tipo de impacto que as políticas sociais terão não pode

70
TÓPICO 1 — RELAÇÕES SOCIAIS

ser determinado com antecedência. Os Estados Unidos, através de sua oferta


de regulamentos e programas, têm poderosas alavancas estruturantes sociais
que atuam, articulam, desarmam, alteram, intensificam, corroem, constroem e
erradicam conflitos ou fraturas e desigualdades econômicas, geracional, étnica
ou de gênero. Em outras palavras, seu impacto é muito mais multidirecional
e difícil de determinar.

A complexidade dos fatores e a dinâmica cruzada colocada pela exclusão


social colocam muito alta a demanda para combater esse fenômeno que ameaça
a capacidade de articular socialmente presente e futuro de nossas sociedades. Na
verdade, não podemos aplicar as políticas de bem-estar surgindo na sociedade
industrial, que foram consistentes com situações de desigualdade estáveis e
concentradas naquele momento para contextos diferentes.

Também não é possível continuar considerando a exclusão social como


puramente pessoal e desvinculada de fatores mais estruturais, como proposto por
uma forma para entender a assistência social clássica. Essa perspectiva só levanta
respostas do tribunal paternalista, resolvido no imaginário tradicional: reage
ao poder do cuidado paliativo que só causa estigmatização e tempo. Em suma,
proximidade, integralidade e engajamento, à medida que os critérios básicos
convergem na definição de social para qualquer resposta contra a exclusão social.

5 OBJETOS DO MEIO SOCIAL


A lista de ações, que acabamos de definir, não se destina apenas à
equipe que trabalha com saúde mental e apoio psicossocial. Nesse sentido, há
ações psicossociais que correspondem às áreas básicas do trabalho humanitário,
como proteção, saúde em geral, educação, abastecimento de água e saneamento,
segurança alimentar e nutrição, abrigo e gestão de acampamentos.

Profissionais de saúde mental raramente trabalham nessas áreas, mas


são incentivados a utilizar essas diretrizes como forma de promovê-las entre
comunidades e profissionais de outras disciplinas, com o objetivo de adotar
medidas adequadas de cada uma dessas áreas básicas de trabalho.

E
IMPORTANT

O que seria a Investigação Ação Participativa (IAP)? A metodologia da Inves-


tigação Ação Participativa (IAP) permite uma melhor compreensão sobre a realidade e as
demandas das comunidades locais.

71
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

Definiremos, a seguir, os princípios fundamentais que regem a prática da


IAP:

• Os seres humanos são os construtores da realidade em que vivem. Portanto,


membros de uma comunidade ou grupos são os principais atores nos processos
que afetam essa comunidade. Nesse sentido, eles são donos da investigação,
cujos resultados, aos quais eles contribuíram, devem ser devolvidos a eles.
• A pesquisa ocorre em um determinado lugar e espaço. Fazem parte da
realidade social participantes do processo em si. Isso implica uma visão
histórica e contextual em que a investigação depende das particularidades de
cada situação e lugar. Eles explicam as perspectivas particulares das pessoas
com quem você trabalha.
• Toda comunidade tem recursos para realizar sua transformação.
• Reconhece-se a natureza política e ideológica da atividade científica e
educacional.
• Nesse formato, o compromisso prioritário de qualquer pessoa que investiga
deve ser estabelecido com as pessoas investigadas. A participação popular
deve fazer parte de todo o processo.
• Neutralidade de valor não é uma possibilidade para os seres humanos.
Portanto, parte do compromisso com as pessoas investigadas é indicar nossa
posição de valorização.
• O conhecimento científico e popular é criticamente articulado em um terceiro
conhecimento novo e transformador. Tanto o conhecimento da ciência quanto
o popular adquirem o mesmo valor. A pesquisa é então entendida como um
processo dialógico (no qual o diálogo é uma categoria epistemológica e social
ao mesmo tempo).
• A unidade da teoria e da prática. Envolve construir a teoria a partir da prática
pensativa criticamente.
• Não só é possível, mas também desejável, combinar diferentes formas
metodológicas (qualitativo, quantitativo, histórico). O problema determina
a estratégia de pesquisa que você tem que seguir e não fica sem dados
produzidos por uma ferramenta de pesquisa em particular.
• O processo deve ser acompanhado por um modelo de relações horizontais,
que quebram a dependência intelectual; portanto, exige-se que técnicos e
profissionais mudem relações interpessoais e interinstitucionais.
• Pesquisa, educação e ação tornam-se momentos metodológicos de um único
processo de transformação social. O objetivo da intervenção baseia-se na
transformação das condições de vida dos participantes e de um compromisso
político com a mudança social, assumindo que há uma distribuição injusta
dos recursos da sociedade.
• Enfatiza a promoção do controle e poder dos grupos com os quais trabalha.

Por fim, é preciso fomentar os vínculos das redes solidárias e comunitárias.


Isso significa fortalecer capital social, capacidade social de crescer e desenvolver,
não apenas do ponto de vista econômico, mas também por pró-valores, como
reciprocidade e solidariedade, e o fortalecimento das redes comunitárias. Além
disso, são necessários diagnósticos adequados para cada realidade, que deve ser
acompanhada por medidas e objetivos que nos permitem avançar coletivamente.

72
TÓPICO 1 — RELAÇÕES SOCIAIS

Ações públicas contra a exclusão vêm surgindo e novos componentes


acompanham a reestruturação dos modelos tradicionais de bem-estar. O estado
de bem-estar social é um espaço em que, por meio de uma série de políticas
sociais, tentativas são feitas para atender às necessidades coletivas. Nesse sentido,
as políticas não estão esgotadas na interação entre estado e mercado, nem seu
impacto se resume à mera correção das desigualdades materiais.

DICAS

FARR, R. M. As raízes da psicologia social moderna. Petrópolis, RJ: Vozes,


1998.

FERREIRA, M. C. Breve história da moderna psicologia social. São Paulo: Artmed, 2011.

FREITAS, M. D. F. Q. Psicologia na Comunidade, Psicologia da Comunidade e Psicologia


(Social) Comunitária - Práticas da Psicologia em comunidade nas décadas de 1960 a
1990, no Brasil. In: CAMPOS, R. H. D. F. Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à
autonomia. Petrópolis: Vozes, 2013.

73
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• É possível constatar que a Psicologia Social Comunitária foi sendo constituída


em cada período histórico, político, social e cultural.

• Os psicólogos comunitários são profissionais que se inserem em um ambiente


comunitário com o intuito de estudá-lo. A pessoa deve ser protagonista de
sua vida e de suas escolhas.

• O objetivo da intervenção psicossocial é prestar cuidados específicos aos


afetados e suas famílias no local do acidente, bem como no atendimento
informativo no país de origem, contribuindo para a redução das sequelas
psicossociais após um evento catastrófico.

• O bem-estar dos indivíduos independe da sua participação direta/indireta


na administração dos bens ambientais, mas a sua não participação pode, e
vai, a longo prazo, demonstrar que essa negação eleva os custos dos bens
ambientais e os custos da dignidade humana.

• O excesso de confrontos acabou com as plantações e as criações de animais.


Restam os atentados, o crescente índice de homicídios motivados pelo ódio,
pela decrepitude da dignidade, pela comida e pelo espaço.

• Ações públicas contra a exclusão vêm surgindo e novos componentes


acompanham a reestruturação dos modelos tradicionais de bem-estar. O
estado de bem-estar social é um espaço em que, por meio de uma série de
políticas sociais, tentativas são feitas para atender às necessidades coletivas.

74
AUTOATIVIDADE

1 As intervenções psicossociais na comunidade foram destaque nas análises


teórico-práticas no que tange à psicologia social. A respeito de tais experiências,
inclusive no âmbito da saúde mental da população, elas são feitas por equipes
multidisciplinares e têm oscilado entre um atendimento convencional a
indivíduos com queixas de teor emocional e trabalhos educativos sobre saúde
mental junto aos pais, famílias, escolas e associações locais de moradores.
Contudo, mais recentemente, muitas dessas experiências já romperam
plenamente com a convencionalidade devido à influência significativa de uma
perspectiva sócio-histórica nos segmentos da psicologia social e da saúde.
Acerca da articulação entre psicologia social e saúde, analise as sentenças a
seguir:

I. As crises pessoais, familiares e profissionais, propiciadas por ansiedade,


angústia e medo, exigem reflexão e revisão de saberes e práticas, principalmente
no que se refere ao sigilo, à biotecnologia e ao alto risco na assistência à saúde.
II. A interpretação e a problematização dos significados de valores morais,
acerca de ansiedades, angústias e medos, exigem do psicólogo uma atuação
secundária em saúde, visto que as crises pessoais, familiares e profissionais
destituem-se de intervenção nesse setor.
III. O posicionamento ético do profissional da psicologia na assistência à
saúde, mesmo que não seja implicado por necessidade de revisão de normas
e de conduta profissional, sofre influência e leva à reflexão e a conflitos
mediante às problemáticas pessoais, familiares e profissionais desencadeadas
por ansiedade, medo e angústia dos sujeitos assistidos.
IV. O profissional da Psicologia presente nas instituições de saúde tem a sua
prática atravessada por vivências de grande significado na vida das pessoas,
muito além de demandas comportamentais; e mesmo que o psiquismo seja
uma expressão subjetiva da realidade, a saúde, nessa concepção, consiste em
um processo dinâmico, ativo e de busca de equilíbrio, o qual inviabiliza o
entendimento de uma saúde plena.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) I e II.
b) ( ) II e III.
c) ( ) I e IV.
d) ( ) III e IV.

2 A “crise da psicologia social” levou à busca por alternativas, foi um


marco para a diversificação dos seus pressupostos teórico-metodológicos e
emergência de perspectivas críticas na psicologia social brasileira. O que foi a
“crise da psicologia social” que aconteceu em meados do século XX?

75
a) ( ) Relevância social da área.
b) ( ) Baixa autoestima dos psicólogos.
c) ( ) Não aplicabilidade do conhecimento produzido.
d) ( ) Perda de confiança nas abordagens clínicas.
e) ( ) Falta de mercado de trabalho para os psicólogos.

3 O processo deve ser acompanhado por um modelo de relações horizontais,


que quebram a dependência intelectual; portanto, exige-se que técnicos e
profissionais mudem relações interpessoais e interinstitucionais. Estamos
falando de:

a) ( ) Relevância social.
b) ( ) O controle das relações.
c) ( ) Objetos do meio social.
d) ( ) Meio social.

4 As políticas públicas, atualmente, fazem parte do trabalho do psicólogo


social. O Estado é o grande empregador desse segmento. Aos poucos, a
discussão sobre políticas públicas chega à grade curricular dos cursos de
Psicologia e faz parte da formação dos psicólogos. O que mais podemos dizer
sobre essa afirmação?

5 O psicólogo  é um profissional que atua na área da saúde, analisando


comportamentos, atitudes e sentimentos de seu paciente. Qual é o papel do
psicólogo em comunidades?

76
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —

CONFLITOS E PACIFICAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Numa sociedade de multiplicidades é comum que os conflitos aconteçam,
razão pela qual o processo de pacificação é fundamental para que o equilíbrio
ocorra. A partir desse modelo, ações preventivas voltadas para capacitar
mediadores desempenham um papel central como protetores dos desequilíbrios
psicossociais.

O impacto desses eventos conduz a uma reação ao estresse que pode
ser transitório ou permanente, mas dependendo das ações do indivíduo e das
características psicológicas, é possível reconfigurar o ambiente circundante. A
partir do enfoque ecológico, sugere-se, consequentemente, que não é possível
compreender o significado das pessoas ou sistemas no contexto, a menos que os
participantes (profissionais e membros da comunidade) desenvolvam critérios
mútuos para a definição do contexto. Vejamos como isso se dá através do processo
da violência e de alguns exemplos contextualizados.

Notadamente, quando não existe compreensão ou aceitação sobre alguma


questão ou coisa, o desejo de destruição pode surgir. Já leciona Ambroise Bierce
em 1911 na obra O Dicionário do Diabo: “Preconceito. Uma opinião errante,
sem meios visíveis de sustentação (MYERS, 2014, p. 246). Myers (2014, p. 247)
conceitua o preconceito como um “julgamento negativo preconcebido de um
grupo e seus membros individuais”.

A consciência representa, neste modelo, um elemento fundamental,


pois entende-se que a ação transformadora do homem também passa pelo
desenvolvimento deste processo psicológico, que coloca o indivíduo em uma
relação dialética consigo mesmo e com a realidade.

2 A POSSIBILIDADE DE AUTONOMIA E LIBERDADE


A possibilidade de autonomia e liberdade no ser humano se cristaliza, pois
a consciência crítica coloca o indivíduo como sendo do mundo e comungando com
esse mundo. A passagem da consciência fantasiosa para a consciência transitiva
ingênua representa um avanço importante no posicionamento da pessoa em
relação a si mesma e à realidade. Nesse nível, o ser humano descobre ou toma
conhecimento da situação de opressão e alienação a que está inserido, sem ter
uma ideia clara de como sair dessa realidade.
77
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

Nesta etapa, podemos perceber que o ser humano que usa princípios
baseados na razão para explicar a realidade, assume o dever de fazer e refazer
o mundo. Diálogo e solidariedade são princípios essenciais que definem o ser
humano com consciência crítica. Através dos estudos de psicologia social, é
perceptível que existem origens sociais no preconceito entre elas, a saber:

• desigualdade social;
• socialização;
• personalidade autoritária;
• religiosidade;
• conformidade.

Alcançar a mudança social, isto é, modificar o sistema social, requer


essencialmente duas estratégias: desenvolvimento comunitário e ação social. As
pessoas restam coisificadas. A violência física e o linchamento pertencem ao novo
– ou melhor dizendo – são reeditadas pelas sociedades modernas. As arenas não
são romanas, mas impera um desejo pela desintegração do outro, pelo fracasso
do outro, pelo enfraquecimento do outro. As pessoas querem “possuir” uma
criança, mas não pretendem dispensar esforço para educar um filho. Diante da
era tecnológica, as pessoas restam cada vez mais coisificadas. Há uma constante
mercantilização das relações. A dependência da tecnologia impede a atenção para
laços além do mundo virtual. O homem na sociedade moderna ocupa a postura
de consumidor.

Só a sociedade moderna pensou em si mesma como uma atividade da


‘cultura’ ou da ‘civilização’ e agiu sobre esse autoconhecimento. Essa
ação civilizatória tem como característica fundamental desmontar a
realidade herdada, isto é, pôr ordem no que pode lhe causar mal-estar.
Nesse contexto, percebe-se que na modernidade tal ação concentrava-
se em pôr ordem no caos, buscando-se a beleza e a harmonia, enquanto
que o impulso na pós-modernidade é pela liberdade individual.
Entretanto, enquanto na modernidade sólida essa desconstrução se
fazia sob uma perspectiva de longa duração, com a intenção de torná-
la melhor e novamente sólida, na contemporaneidade líquida, tudo
está agora sendo permanentemente desmontado, sem perspectiva de
alguma permanência. Tudo é temporário (BAUMAN, 1998, p. 7).

Segundo Schein (1982), cultura é um conjunto de pressupostos básicos


desenvolvidos (utilizados, inventados, descobertos) por um determinado grupo
à medida que ele aprende a lidar com seus problemas de adaptação externa e
integração interna. Todo grupo adquire, portanto, a partir das crenças, das normas,
dos valores e de códigos implícitos e explícitos, padrões de comportamento que
formam sua cultura. Assim, uma organização contém as diversas culturas dos
grupos por ela formados.

A violência está institucionalizada na sociedade e seus efeitos são


agravados pela globalização. Nesse contexto, a educação surge como elemento
equilibrador das relações, pois as desigualdades existem, mas a proteção aos
vulneráveis é extremamente necessária.

78
TÓPICO 2 — CONFLITOS E PACIFICAÇÃO

O princípio da igualdade e da não discriminação está posto na Declaração


Universal dos Direitos Humanos. A determinação da carta de princípios que foi
gerada nessa conferência, enfatiza a necessidade de encorajamento da luta pelo
respeito aos direitos humanos quando reafirma os princípios de igualdade e de
não discriminação.

A violência é um conceito que varia no tempo e no espaço, pois os padrões


culturais de cada época constroem aquilo que conhecemos como realidade
social. Um exemplo disso é a necessidade de proteção que surge segundo os
acontecimentos. Um acidente de trânsito pode ser entendido com dolo ou através
da culpa diante das causas e consequências do acidente.

No entanto, o termo violência no trânsito só pode ser cunhado através


da compreensão do que é o trânsito e do que é a violência. A pena de morte
também acompanha esse raciocínio, pois num dado momento histórico ela já
foi aceita e aplicada, mas social e culturalmente ela não é aplicada em alguns
países e é proibida no Brasil, pautada no maior erro judiciário que ocorreu com os
irmãos Naves (veja a história deles a seguir). A realidade social e a história são os
cenários pelos quais é necessário transitar para compreender os conceitos gerais
de violência.

NTE
INTERESSA

Os irmãos Naves (Sebastião e Joaquim) foram acusados de latrocínio na


pessoa de Benedito Pereira Caetano, que com eles viera a Araguari realizar transações
comerciais, desaparecendo em seguida, sem dar a mínima notícia, depois de ter recebi-
do vultosa importância.

Levado o fato ao conhecimento da polícia pelos próprios irmãos, foi instaurado inquérito,
no qual eles acabaram sendo acusados, inquérito caracterizado pelos maiores absurdos
e pelo emprego de tortura, finalizado com a inevitável ‘confissão’ de ambos e falta de
corpo de delito direto nem mesmo indireto.

Absolvidos em dois júris, foram condenados pelo Tribunal de Justiça mineiro a 25 anos e
seis meses de prisão, depois reduzido para 16 anos e seis meses. Obtiveram livramento
condicional em 1946, por exemplar comportamento carcerário. Em 1952, reaparece Be-
nedito são e salvo. Em 1953, os dois irmãos são absolvidos e posteriormente indenizados
pelo Estado.

FONTE: <https://www.conjur.com.br/2004-fev-17/erro_irmaos_naves_justica_brasilei-
ra#:~:text=Os%20irm%C3%A3os%20Naves%20(Sebasti%C3%A3o%20e,dava%20para%20
pagar%20os%20seus>. Acesso em: 17 dez. 2020.

79
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

3 VIOLÊNCIA E SAÚDE MENTAL


Pouco se sabe sobre a realidade das mulheres com deficiência, pois são
poucos os estudos aventados quando estas não estão com medida protetiva ou
equivocadamente inseridas no regime prisional. Em muitas situações retratadas
no processo histórico, as mulheres eram esterilizadas sem que soubessem, pois
se compreendia que elas não poderiam definir opções sobre o seu corpo e que
deveriam viver sem sexualidade. Essa máxima, muitas vezes, é também aplicada
aos idosos.

E
IMPORTANT

Como tratar as pessoas marginalizadas pela sociedade?

O doente mental é um dos excluídos da sociedade atual. Não podendo se opor àquele
que o afasta do grupo, cada um dos seus atos passa a ser limitado e definido pela do-
ença. Por isso que a psiquiatria é considerada como uma das únicas com condições de
mostrar ao paciente o que é a doença e como tratá-la.

Somente após o paciente saber sobre o seu afastamento é que terá condições de voltar
à reabilitação do estado em que estava. Esse corpo institucionalizado não dá liberdade
suficiente para o paciente que vive aprisionado como um objeto e que está em busca de
reconquistar o seu próprio corpo. Nos hospitais, deve-se manter a perfeita ordem. Assim,
fechaduras, chaves, barras e pacientes fazem parte do material utilizado por enfermeiros
e médicos. O manicômio se mostra como um lugar totalmente antiterapêutico, onde
vê os pacientes como objetos e não como seres humanos, onde a saúde mental e as
propostas não passariam de uma simples fachada.

Para alguns profissionais, o paciente é visto como alguém obsceno,


desordenado, que só se comporta de modo inconveniente, agressivo e impulsivo;
para outros, é visto como uma pessoa que necessita de ajuda, que está em
busca do seu corpo, de sua identidade, de sua cura. Por esses motivos, muitos
profissionais realmente se dedicam ao tratamento desses pacientes, sejam eles
médicos, psiquiatras ou enfermeiros.

3.1 PROTEÇÃO E EXPOSIÇÃO DIANTE DA VIOLÊNCIA


A vivência na coletividade e a busca de individualidade promovem para
o sujeito conflitos filosóficos. Viver se constitui numa tarefa difícil, mas ao mesmo
tempo se perfaz numa tarefa simples.

A manifestação da angústia se dá diante da dificuldade de o indivíduo


suportar a sua individualidade e a individualidade do outro. A sociedade nos

80
TÓPICO 2 — CONFLITOS E PACIFICAÇÃO

impinge um coletivo. Mesmo diante do risco alertado por Nelson Rodrigues de


que a unanimidade é burra, conviver em sociedade é diferente de acatar todas as
suas regras e preceitos.

E
IMPORTANT

A medicalização é um desafio para o estudo da Psicologia Social Comuni-


tária?

Para além da medicalização há outros controladores de emoções que são ingeridos em


doses diferenciadas: a compra da felicidade paliativa através do consumismo. O sujeito
da psicanálise é o sujeito do desejo, marcado e movido pela falta. Afinal, a satisfação
plena não se constitui num alcance possível. Os laços culturais trazem à lume a busca de
um novo gozo. A individualidade tramita entre singularidade e subjetivação. O gozo e a
angústia vazia confrontam Eros e Tanatus.

A violência não está restrita à criminalidade, pois o crime é aquele que está
determinado e tipificado no Código Penal, mas não basta a conotação de conduta
delituosa e a aplicação da sanção. A violência é um fenômeno social e não se
reduz à punição e ao encarceramento. Em especial, com relação à criminalidade
e aos atos infracionais, há muito mais a ser estudado diante da drogadição,
do feminicídio, do latrocínio, dos furtos e roubos. Não se pode mais avaliar o
panorama do crime através das lições de Lombroso (o criminoso possui traços
que indicam sua criminalidade. Alguns juristas costumam chamar isso de “tipo
lombrosiano” ou de “ladrão com cara de ladrão”).

O preconceito, o consumismo e a insegurança interferem na vida das


pessoas. Os valores degradados diante da sociedade consumista muitas vezes
justificam a violência, pois no universo do ter, o ser acaba esmaecendo na escala
de importância. A velocidade do celular e das redes sociais é um elemento de
deterioração das relações, ao qual citamos como exemplos os casos da Baleia Azul
e da Fadinha Verde.

3.1.1 Violência doméstica


Até meados do século XIX, a vida da mulher era administrada conforme os
interesses masculinos, sendo envolta em uma aura de castidade e de resignação,
pois devia procriar e obedecer às ordens do pai ou do marido.

Por conta de lutas e de reivindicações de igualdade de direitos com


relação ao gênero masculino – por exemplo, com o movimento feminista –, a
mulher conquistou seu espaço na sociedade, obtendo o direito de votar e de
81
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

trabalhar fora do lar. Todavia, as concepções acerca da subjetividade e do


corpo feminino também acompanharam as modificações políticas, econômicas,
históricas e socioculturais, pois, no período patriarcal, a mulher tinha funções
voltadas, prioritariamente, para a reprodução e era intensamente submetida ao
poder masculino (BORIS; CESÍDIO, 2007).

Com o surgimento do capitalismo, a mulher passou a ter não apenas


funções reprodutoras, assumiu tarefas do trabalho e com isso um espaço mais
significativo na sociedade. Isso foi reorganizando para além de suas funções
econômicas e fez reordenar os panoramas políticos, econômicos, históricos e
culturais.

A condição de violência é, antes de tudo, uma questão de violação dos


direitos humanos, seja ela dentro ou fora de casa. Há certamente um delineamento
do feminicídio e da violência doméstica. A mulher enquanto um sujeito do
direito encontra um elenco protetivo deveras extenso, porém, a efetividade
dessa proteção não é capaz de limitar intensas perturbações que somente a “pele
feminina” pode expressar.

E
IMPORTANT

As músicas podem ter algum impacto na violência contra as mulheres?

A literatura e a história apresentam incontáveis exemplos de mulheres – Joana, Maria


Madalena, as musas literárias Clarice, Cecília e Helena... das mais submissas até aquelas
que recusam o papel que lhes é imposto. Os julgamentos são permanentes, pois a mídia
condena e a heteronormatividade também.

O viés da pesquisa é observar se essa igualdade jurídica, garantida pela


lei, a isonomia e o reconhecimento de direitos sejam algo mais efetivo do que um
elenco de normas descumpridas e inertes. A Lei Maria da Penha, por exemplo,
não se personifica numa igualdade, mas sim numa perspectiva protecional, que,
por vezes, chega muito tarde à jurisdicionada.

Homens e mulheres não são e nunca serão iguais. A mulher em seu avesso
é a mulher que fala e que se faz ouvir. Partindo do seu lugar no social e não
do lugar social que a coletividade lhe concedeu, será a verbalização do discurso
da diferença e não da igualdade. Afinal, “a igualdade pejorativa e mitificante já
perdeu o seu espaço na cultura e no reconhecimento da mulher no esteio social”
(VASCONCELOS, 1997, p. 215).

82
TÓPICO 2 — CONFLITOS E PACIFICAÇÃO

A rejeição tradicional da mulher corrobora com um afastamento político.


A separação sexuada e topográfica surge como trâmite entre o público e o privado.
O baldrame da família como “hierarquia natural” surge como um limitador. Era
preciso refrear o conteúdo subversivo que a mulher representava. O casamento
constituído como dominação entre Estado e religiosidade. Na frase esclarecedora
de Mary Astell: “Se todos os homens nascem livres como as mulheres nascem escravas?”.

A liberdade da mulher transita na fina teia da utopia e da efetividade.


Afinal, em tempos de propalada igualdade, é ainda necessária a existência de uma
delegacia especial para a mulher. Ainda são elaboradas normas que têm como
fito proteger exclusivamente a mulher, como é o caso do feminicídio (SAFFIOTI,
1999).

O homicídio já recebe a devida proteção. É um delito que traz como sujeito


ativo o homem e/ou a mulher, bem como seus possíveis sujeitos passivos podem
ser o homem e a mulher. Todavia, ainda assim foi necessária a criação de um
novo tipo penal para assegurar à mulher a proteção legal (BLAY, 2003).

No caso do feminicídio existe a presença da premeditação como um


agravante penal, pois o homicídio exigiria um planejamento inferior. A força física
da mulher a colocaria numa situação de inferioridade, em que seria presumível a
derrota da mulher diante do homem. Notoriamente, trata-se de uma construção
histórica: uma concorrência entre forças e necessidades protetivas.

3.1.2 Violência contra o idoso


A construção dos saberes na seara da psicologia comunitária traz consigo
elementos desafiadores. As teorias e técnicas aprendidas no decorrer do curso
servem como norteadores das tratativas para enfrentar com algum êxito as
queixas e os problemas que ensejam problematizações e respostas do psicólogo.

Incontáveis conversas são necessárias para desacortinar dados sobre


as pessoas institucionalizadas e sobre os familiares numa forma de entrevista
que não se presta ao papel inquisidor, mas sim se constitui num acolhimento
e percepção das relações e dos laços que existem entre as pessoas presentes –
institucionalizados – e os ausentes – os familiares.

83
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

E
IMPORTANT

A violência contra os idosos só se dá em lugares mais pobres?

Há elementos que demandam uma análise das circunstâncias e dos contextos em que
as pessoas foram institucionalizadas. Compete ao psicólogo a descoberta da história, a
análise dos laços e compreender o funcionamento da instituição, vislumbrando como
promover o bem-estar das pessoas e a melhora na sua qualidade de vida. A família,
espaço de afeto e conflito, é vulgarmente considerada o núcleo central de individualiza-
ção e socialização, no qual se vive uma circularidade permanente de emoções e afetos
positivos e negativos entre todos os seus elementos. Lugar em que várias pessoas (com
relação de parentesco, afinidade, afetividade, coabitação ou unicidade de orçamento) se
encontram e convivem.

A família é também um lugar de grande afeto, genuinidade, confidencia-


lidade e solidariedade, portanto, um espaço privilegiado de construção social da
realidade em que, através das interações entre os seus membros, os fatos do quo-
tidiano individual recebem o seu significado e os “ligam” pelo sentimento de per-
tença àquela e não a outra família. Nesse sentido, é preciso tangenciar o fato de que
a institucionalização expressa algo desse seio familiar.

O destino do idoso, o destino de seus familiares, bem como a história da sua


institucionalização são antecedidos pela “sua” história de vida. Não se nasce idoso,
se torna idoso, e isso pode expressar muitas coisas que não foram verbalizadas.

A interface dos funcionamentos internos e externos deve ser verificada ami-


úde. Afinal existe um motivo (desejo) para que a Casa Lar de Idosos exista, bem
como de outro vértice existe uma razão (demanda) para que os idosos lá estejam.
Entre eles não há uma ligação. Eles moram sob o mesmo teto, mas não sabem o
nome uns dos outros. Há mesmo que de modo não perceptível num primeiro mo-
mento um distanciamento dessas pessoas – umas das outras. Não há entre elas o
senso de comunidade ou de identificação.

Lebrun (2009) e Basaglia (2001) trazem subsídios para aprofundar os sabe-


res sobre institucionalização e sobre as nuances desse processo, seja no esteio mani-
comial – ou similar a ele. A teoria permitirá que a prática seja melhor compreendida
em seus desafios diários. As emoções e os saberes são diuturnamente testados.

Na tentativa de acabar com a exclusão desses pacientes enquanto proble-


ma, o objetivo é integrá-los à sociedade, mesmo com medos e preconceitos que
caracterizam possíveis confrontos, juntamente a um sistema de instituições que
busquem preservar a sociedade, de um modo em que o doente mental continua
inserido. Assim, duas opções são levantadas: olhar de frente, deixando de projetar
nele o mal em que queremos nos proteger, passando a ser visto como um problema
que faz parte da nossa realidade, não evitando, ou apaziguar, isto é, levantar uma

84
TÓPICO 2 — CONFLITOS E PACIFICAÇÃO

barreira entre a sociedade e as pessoas com doenças mentais, construindo bonitos


hospitais, onde não tenham motivos para cobrança no futuro, como uma forma de
esconder a realidade.

3.1.3 Violência obstétrica


A história da diferença dos sexos vem pela representação do feminino.
Um caminho que desde Aristóteles até Freud impinge ao sexo feminino uma
carência. Para Aristóteles, a mulher era um homem mal acabado e incompleto,
bem como sua anatomia reputava um ser impuro e um receptáculo de esperma.
A ovulação na mulher só foi descoberta no século XVIII.

A legislação sobre o aborto propicia um debate sobre o corpo da mulher


tutelado pela norma estatal. A mulher no posto de mãe e não a mulher e dona de
sua liberdade sexual: a dominação da família para que a mulher fosse a cuidadora
de seus herdeiros. O sangue e a obediência não pertencem somente aos livros
de história. Sua égide resta clara na proibição do aborto como tangenciador do
corpo feminino (VARIKAS, 1996). A liberdade da mulher ainda transita sobre
a debilidade moral e a decisão do uso de seu aparelho reprodutivo. O controle
da sexualidade, que é sorrateiro, mas que se apresenta sobre a condenação do
aborto. O corpo e o desejo da mulher, que deveriam ser privados, são cerceados
sobre a égide pública.

O parto até o final do século XVIII funcionava como forma de ritual, em


que as mulheres através das parteiras pariam seus filhos, porém, no final do século
XIX, a prática médica começa a substituir esse ritual e a classe médica responsável
pela obstetrícia assume esse papel, e, justificado pelas questões médicas e pelo
risco de patologias, a mulher deixa o papel de protagonista do parto e o corpo
médico assume esse papel.

O patriarcado através da história da humanidade exerceu e ainda


exerce muitas formas de controle dos corpos femininos, leia-se isso através do
controle do sexo e a construção do tabu da virgindade, que permitia a exclusão
da mulher como herdeira legítima – isso descrito no Código Civil Brasileiro de
1916 – e também através de punição ao aborto, ainda mantido na legislação penal
brasileira, que foi criada em 1942.

As mazelas ocupam novos lugares de indignação. Alguns pais negam


o nome aos seus filhos e outros esquecem um bebê no carro, com os
vidros fechados durante mais de cinco horas. Alega-se que está muito
estressado com o trabalho, com a crise financeira e com a família. Dessa
feita paira a dúvida se “esse cidadão de bem” deva ser punido. No que
tange à condenação social, a igreja ocupa um posto de protagonista na
hierarquização dos sexos. A naturalização da hierarquia dos sexos no
mundo moderno constitui, simultaneamente, o arquétipo e o sintoma
desse processo histórico, que desloca a dominação do âmbito religioso
para o da natureza. A mulher resta personificada como símbolo do
mal (KRAEMER; SPRENGER, 1991, p. 50).

85
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

A inquisição transcreveu para as mulheres colocadas na condição de bru-


xas todo o apanágio de males causados aos homens e à sociedade, desenvolvido
em grande parte como reação à heresia e à magia, à insubmissão e às perturba-
ções sociais, o processo que leva de uma visão organicista da natureza à visão
mecanicista, de um mundo vivo, animado de dentro para fora, a uma máquina
inerte governada por leis matemáticas impostas de fora para dentro, não surgiu
como puro produto da ciência, mas como efeito paralelo ao político (KRAEMER;
SPRENGER, 1991).

E
IMPORTANT

A religião tem alguma interferência e/ou importância para o estudo da


Psicologia Social Comunitária?

Os haveres religiosos e políticos são incontáveis (AZEVEDO, 2004). Foram escolhidas


algumas passagens para ordenar a condenação social. As mulheres padecem ainda com
os malgrados romances televisionados e musicados que colocam o homem na condi-
ção de insano.

Gustav Radbruch (1999 p. 232) já mencionava isso em seus escritos, que “no
lugar do direito masculino ditatorial, tome posse um verdadeiro direito humano”.
“Nosso direito é masculino [...] sobretudo em sua interpretação e sua aplicação”. Re-
ferindo-se primordialmente ao sistema jurídico romano-germânico, também conhe-
cido como Civil Law, Radbruch prega que o Direito, como um todo, é masculino,
condicionado em seu conteúdo por interesse masculino e modo de sentir masculino.
Segundo o jurista alemão, quis-se excluir as mulheres da participação ativa na jurisdi-
ção, sobretudo em face da necessidade de uma interpretação e aplicação puramente
racionais e práticas de disposições genéricas duras, diante das quais o indivíduo e
seu sentimento não contam. A condenação do social é clara, mesmo que seja per-
manente e constantemente refutada. O direito existe para proteger a mulher direita,
aquela que vai na contramão da cultura já está condenada a priori. A busca pela feli-
cidade termina por esbarrar a existência inegável de sofrimento.

E
IMPORTANT

O Direito tem alguma interferência e/ou importância para o estudo da


Psicologia Social Comunitária?

Os crimes são reproduzidos sob a culpabilidade da vítima, que ao rejeitar o indivíduo


é mitigada e morta, mas o contexto social abranda a pena. Como é o caso da música
Cabocla, de Tereza de Raul Torres e João Pacífico. Um pequeno trecho indica o crime

86
TÓPICO 2 — CONFLITOS E PACIFICAÇÃO

representado como algo justificável: Agora já me vinguei. É esse o fim de um amor. Esta
cabocla eu matei. É a minha história, dotô. Situações como essa retratam a ausência de
remorso pautado na rejeição.

São pseudorromances que habitam o imaginário humano e que transformam crimes em


brandas histórias. Prova disso é que até 1996 não se registravam Boletins de Ocorrência
(BOs) nas Delegacias Gerais em razão da competência legal, pois estavam impedidas de
registrar homicídios de mulheres. A Secretaria de Segurança não informava o sexo das
vítimas, o que implica num descaso com as relações de gênero (BLAY, 2003).

A condenação “social” pelo estupro mostra isso de maneira clara. O


criminoso não ocupa o banco dos réus com a mesma factibilidade da
mulher. Que além de condenada por um desejo que não é seu, resta
condenada por uma sociedade sexista e machista que entende que o
modo de vestir da mulher pode ser o impulsionador de um crime contra
a liberdade sexual. As violências não acontecem de modo isolado,
sejam elas emocionais ou morais. Há uma ruptura de diferentes tipos
de integridade: física, sexual, emocional, moral. A violência emocional
(SAFFIOTI, 1999, p. 82).

A discriminação contra a mulher é um acontecimento histórico. Em 1979,


foi adotada a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
contra a mulher, ratificada por 186 Estados. No entanto, a igualdade e a sua
efetividade, mesmo que constantemente perseguidas, estão distantes da
efetividade plena (PIOVESAN, 2012).

Mesmo tendo conquistado tanto, enquanto sujeito de direito, a mulher


ainda enfrenta seus conflitos internos, enquanto sujeito de desejo. As
mulheres, nos dias atuais, muitas vezes se percebem cobradas pelo
discurso social, que exige uma mulher maternal, feminina e ao mesmo
tempo ativa profissionalmente (MOSELLO, 2018, p. 26).

O processo histórico brasileiro em especial aponta para uma data muito


significativa, pois foram necessários 462 anos para a mulher casada deixar de ser
considerada relativamente incapaz (Estatuto da Mulher Casada – L 4.121/1962) e
mais 26 anos para a Constituição consagrar a igualdade de direitos e deveres na
família. Para os pretensos defensores da igualdade, é possível notar com facili-
dade exemplos de uma heteronormatividade absoluta, leia-se: mulher honesta,
pátrio poder. O legislador sempre designou normas jurídicas que discriminassem
a mulher.

São várias as práticas sociais e jurídicas que demonstram o controle do cor-


po da mulher através da heteronormatividade. Seja através do tabu da virgindade
e do aborto, mas também através da violência obstétrica. A objetalização da mulher
resta comprovada pelos relatos extraídos da sociologia, da filosofia, da política e
dos relatos históricos que evocam essa afirmativa.

Freud deixa claro em sua exposição que nenhuma mulher é capaz de encar-
nar “A mulher”. Ele ainda sente a decepção com o fato de não ser competente para
curar as mulheres e, de outro vértice, apresenta uma perplexidade ao não saber o
que quer uma mulher (KHEL, 2016).
87
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

No entanto, a celeuma ultrapassa esse significado, pois não se trata somente


de saber o que quer uma mulher, mas sim considerar o que deseja uma mulher. A
inversão da relação da mulher como objeto de desejo, mas sim como sujeito dese-
jante. No que tange à violência obstétrica, é notório que há muitas dores no mo-
mento do parto e esse momento pode ser demarcado por uma violência do poder
do médico e também no processo decisório da mulher em várias situações, seja ela
na conversão do parto normal em cesariana ou na inserção do marido no final da
cirurgia obstétrica.

E
IMPORTANT

O que são as pessoas vulneráveis ou em situação de vulnerabilidade no


estudo da Psicologia Social Comunitária?

Mulheres negras, indígenas e com deficiência estão entre as mais vulneráveis à violência
obstétrica. Um estudo da Universidade de Harvard, realizado em quatro países latino-
-americanos, mostrou que uma em cada quatro mulheres vivendo com HIV/Aids foi
pressionada à esterilização após receber o diagnóstico.

4 GRUPOS SOCIAIS
A violência pode ser conceituada e enumerada de muitas formas. Entre
elas, é possível mencionar a violência provocada e a gratuita, a real e a simbólica, a
sistemática e a não sistemática, a objetiva e a subjetiva, a legitimada e a ilegitimada,
a permanente e a transitória, bem como podemos destacar a violência contra
pessoas que possuem doença mental, contra os idosos e a violência obstétrica.

A violência é um tema interdisciplinar que aborda questões demográficas,


econômicas, psicossociais, antropológicas, mas o fulcro de todo o debate é
humano, pois mediante a complexidade dos fenômenos da violência entram
em tela os aspectos familiares, o abandono, os aspectos institucionais e grupais.
Cabe à psicologia analisar as questões dos indivíduos e as demandas grupais,
e compete ao direito a análise do contorno normativo. Por fim, é no trânsito da
sociologia que surgem os subsídios para as análises do fenômeno da violência e
seus efeitos.

4.1 FUNÇÃO DO PSICÓLOGO


A função do psicológo: descobrir os encontros entre as lógicas do Estado
e da comunidade, analisar os obstáculos que emergem em diferentes níveis de
programas e ações sociais em áreas, como redefinir os papéis de atores políticos

88
TÓPICO 2 — CONFLITOS E PACIFICAÇÃO

e profissionais e sociedade civil; disparidade de tempos, ritmos e formas de


trabalhar para atores e instituições de atividades sociais; os choques das filosofias
norteadoras do trabalho social; complementaridade de estratégias “para baixo”
e “ascendente”; formação de profissionais; o crescimento e a importância
da avaliação do programa e consequente assumir a responsabilidade pelos
resultados que produz; as contradições entre planejamento e organização técnica
de ações e promoção da autogestão e participação comunitária; a relação entre
atores profissionais e políticos; a dimensão política do desempenho profissional
e os riscos de instrumentalização e clientelismo político que o acompanham;
por desenvolvimento de pontes e rotas de intercâmbio, conhecimento e
desenvolvimento técnico entre aqueles que projetam políticas sociais e o
conhecimento acumulado pelos profissionais e acadêmicos de Psicologia
Comunitária.

A dinâmica de contextos específicos de intervenção, seja nas escolas,


prisões, empresas, instituições, fundações e coletivos de bairro; essas atuações
apontam para os princípios gerais que regulam a mesma intervenção. O trabalho
a ser feito em uma instituição ou em uma instituição governamental é diferente
da atuação numa escola ou numa comunidade.

O status ou reconhecimento dado a uma profissão na sociedade é um


elemento decisivo do tempo para atribuir papéis profissionais quando não há
limites claramente definidos entre diferentes disciplinas científicas.

Outro elemento importante que devemos ter em mente é o modelo


teórico-metodológico, que serve tanto para o psicólogo como para as pessoas
encarregadas de orientar as ações nessas instituições, sem esquecer as posições
conceituais de outros membros dos grupos de trabalho.

DICAS

GUARESCHI, P. Psicologia Social Crítica como prática de libertação. Porto


Alegre, RS: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004.

MARTIN-BARÓ, I. El Poder Social. In: MARTÍN-BARÓ, I. Sistema, grupo y poder: Psicología


social desde Centroamérica II. San Salvador: UCA, 1989.

SAWAIA, B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade so-


cial. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

89
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Numa sociedade de multiplicidades é comum que os conflitos aconteçam,


razão pela qual o processo de pacificação é fundamental para que o equilíbrio
ocorra.

• Quando não existe compreensão ou aceitação sobre alguma questão ou coisa,


o desejo de destruição pode surgir.

• A consciência representa um elemento fundamental, pois entende-se que a


ação transformadora do homem também passa pelo desenvolvimento deste
processo psicológico, que coloca o indivíduo em uma relação dialética consigo
mesmo e com a realidade.

• A violência está institucionalizada na sociedade e seus efeitos são agravados


pela globalização. Nesse contexto, a educação surge como elemento
equilibrador das relações, pois as desigualdades existem, mas a proteção aos
vulneráveis é extremamente necessária.

• A violência pode ser conceituada e enumerada de muitas formas. Entre elas,


é possível mencionar a violência provocada e a gratuita, a real e a simbólica,
a sistemática e a não sistemática, a objetiva e a subjetiva, a legitimada e a
ilegitimada, a permanente e a transitória, bem como podemos destacar a
violência contra pessoas que possuem doença mental, contra os idosos e a
violência obstétrica.

90
AUTOATIVIDADE

1 A palavra Ética vem sendo utilizada como um adjetivo de conduta, no


que se refere a uma postura boa ou correta nas relações interpessoais. Sobre
o compromisso ético-político do psicólogo social, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) É importante a compreensão da ideia de subjetividade para um


posicionamento ético-político.
b) ( ) As diferentes práticas do psicólogo estão atravessadas por um senti-
do político não necessariamente ético.
c) ( ) Reafirma a importância dos métodos de pesquisa como única fonte
legítima de produção de conhecimento.
d) ( ) Está além de uma preocupação com a ideologia predominante nos
diversos contextos sociais.
e) ( ) Assenta-se na compreensão da realidade como múltipla e plural e na
postura reflexiva em relação à prática do psicólogo.

2 A  Psicologia Comunitária  é uma aplicação da  psicologia  social para a


resolução dos problemas sociais nas comunidades. Acerca da Psicologia
Comunitária, assinale a alternativa CORRETA.

a) ( ) A Psicologia Comunitária no Ceará surgiu no século XXI, orientada


para o comprometimento com as questões sociais, numa perspectiva de
construção de uma práxis libertadora, estando desde o princípio cons-
ciente da indissociabilidade entre teoria, prática e compromisso social.
Desse modo, essa vertente buscou inicialmente priorizar sua imersão
profunda e prática no modo de vida comunitário, de modo a dar visibi-
lidade e compreender a dimensão marcadamente sociológica da dinâ-
mica comunitária.
b) ( ) A Psicologia Comunitária Estadunidense se estabelece como um
campo derivado da Psicologia Clínica naquele país, que sempre esteve
atrelada a noções de mudanças comportamentais e individuais. A Psi-
cologia Comunitária Estadunidense, que parecia estar disposta a rever a
Psicologia no seu estatuto mais individualizante, na verdade, confirma-
-se como uma Psicologia que amplia a ideia de clínica, materializando o
indivíduo como supremacia de qualquer entendimento sobre o mundo
social, as relações de poder e as ações grupais.
c) ( ) A psicologia comunitária nos Estados Unidos da América foi for-
malizada a partir da demanda dos movimentos sociais contraculturais
para que houvesse maior atenção na área de saúde mental. Indicamos,
como um marco estatal, a formação de uma ‘Comissão Mista sobre Do-
ença e Saúde Mental’, em 1955, que objetivou investigar nacionalmente
a temática da saúde mental, a partir de dez pesquisas autorizadas pelo
Congresso Norte-Americano.
91
d) ( ) Maritza Montero, ao formular uma definição para o que seria a
psicologia comunitária (feita pela primeira vez, pela autora, em 1982),
chegou a algumas implicações gerais comuns à concepção de diversos
autores em psicologia comunitária na América Latina. A autora definiu
a psicologia comunitária como sendo um campo da psicologia dedicado
ao estudo dos fatores psicossociais que desenvolvam, fomentem e
mantenham o controle e o poder sobre os indivíduos e sobre seu meio
social visando manter a coesão social.
e) ( ) A Psicologia Comunitária passou a ser utilizada com o objetivo de
se fazer uma nova psicologia da saúde, a partir da preocupação de al-
guns psicólogos diante dos escassos resultados da psicologia social tra-
dicional e da necessidade de se construir uma proposta ancorada nos
pilares de transformação social. Assim, sua construção está diretamente
transversalizada pela realidade sociopolítica vivenciada pelos povos la-
tino-americanos, fortemente marcados por processos colonizadores e,
posteriormente, no transcurso da história, por regimes ditatoriais.

3 A  Psicologia Comunitária  é uma aplicação da  psicologia  social para a


resolução dos problemas sociais nas comunidades. Segundo Maritza Montero,
a prática em comunidades envolve as seguintes dimensões:

a) ( ) Crítica, comportamental, social e dinâmica.


b) ( ) Cognitiva, interacionista, sócio-histórica e subjetiva.
c) ( ) Conhecimento, diagnóstico, planejamento e intervenção.
d) ( ) Ontológica, epistemológica, metodológica, ética e política.
e) ( ) Identificação das necessidades, diagnóstico, construção de estraté-
gias e avaliação.

4 A violência pode ser conceituada e enumerada de muitas formas. Cite uma


delas.

5 Com base na Psicologia Social Comunitária, como são caracterizadas as


ações desenvolvidas pelos psicólogos na assistência social?

92
UNIDADE 2
TÓPICO 3 —

VIOLÊNCIA E VITIMOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
A violência e a vitimologia ensejam em seus conceitos um contorno
composto por análises sociológicas, jurídicas, psicológicas e históricas. Esses
conceitos são conduzidos pelo fato de que a primeira promove o risco e a segunda
trata das formas em que as pessoas se colocam em risco. Outrossim, esse contorno
é também cabível com o tangenciamento da criminologia e do direito penal.

Conforme já aventado em nossas aulas preliminares, não existe uma


definição consensual e incontroversa sobre a violência. O termo se perfaz em
demasiado potente para que isso seja factível. As palavras agressão, sofrimento
e dano caminham conjuntamente na acepção laica e na concepção jurídico-
psicológica sobre o sofrimento provocado nos indivíduos. Uma vez afastado o
bem-estar, é possível compreender incontáveis formas de violência.

A vitimologia é a ciência que estuda a vítima sob os pontos de vista


social, psicológico e sob o prisma da terapêutica do crime para compreender a
aproximação da vítima e do delinquente. São focos de abordagem da vitimologia:

• prevenção do delito;
• desenvolvimento metodológico-instrumental;
• formulação de propostas de criação e reformulação de políticas sociais;
• desenvolvimento continuado do modelo de justiça penal.

Diante desses aspectos surge também a necessidade da compreensão


sobre a tipologia da classificação vitimológica:

• vítima completamente inocente;


• vítima menos culpada;
• vítima tão culpada quanto o delinquente;
• vítima mais culpada que o delinquente;
• vítima unicamente culpada (FIORELLI; MANGINI, 2017, p. 176-177).

Através desses meandros, é possível compreender os ganhos secundários


e tecer algumas conclusões acerca dos motivos e das condutas humanas que
tramitam entre a psicologia e o direito.

93
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

Por sua vez, a vitimização pode ser conceituada como qualquer tipo de
violência praticada por um agressor contra qualquer pessoa. “Ato violento é
aquele que causa dano, seja ele físico ou psíquico” (SILVA, 2016, p. 318).

Portanto, a mudança social é direcionada para mobilizar e dinamizar


pacificamente os elementos e processos existentes no sistema. Por outro lado,
para a ação social, os recursos são limitados e desigualmente distribuídos entre
grupos sociais e, consequentemente, eles precisam ser redistribuídos.

Todavia, uma redistribuição e um uso justo e equitativo desses recursos


são processos fáceis. Ocorrem através de ações de mobilização social – sejam
manifestações, greves, montagens e resistência passiva. Dão origem a situações
de conflito e confronto entre o grupo dominante, que possui os recursos, e o grupo
dominado, que mal vislumbra as diferenças marcantes de poder e interesses
entre o grupo hegemônico e o grupo marginalizado, tornando as posições
irreconciliáveis por
​​ meio de cooperação e consenso.

94
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A violência e a vitimologia ensejam em seus conceitos um contorno composto


por análises sociológicas, jurídicas, psicológicas e históricas.

• As palavras agressão, sofrimento e dano caminham conjuntamente na acepção


laica e na concepção jurídico-psicológica sobre o sofrimento provocado nos
indivíduos.

• A vitimologia é a ciência que estuda a vítima sob os pontos de vista social,


psicológico e sob o prisma da terapêutica do crime para compreender a
aproximação da vítima e do delinquente.

• A mudança social é direcionada para mobilizar e dinamizar pacificamente


os elementos e processos existentes no sistema. Por outro lado, para a ação
social, os recursos são limitados e desigualmente distribuídos entre grupos
sociais e, consequentemente, eles precisam ser redistribuídos.

95
AUTOATIVIDADE

1 No que concerne à violência contra as mulheres há muitas nuances sobre o


atendimento. Pautado nas aulas, palestras e debates, analise as afirmativas a
seguir:

I. O trabalho de atendimento à mulher em situação de violência pressupõe


necessariamente o fortalecimento de redes de serviços que, tomando como
base o território, possam articular saberes, práticas e políticas, pensando
e viabilizando estratégias ampliadas de garantia de acesso, equidade e
integralidade. Fazem-se necessários ainda investimentos constantes na
sensibilização e na qualificação dos profissionais envolvidos na rede para que
as mulheres sejam acolhidas e assistidas de forma humanizada e com garantia
de direitos.
II. O atendimento psicológico nos serviços de atenção à mulher em situação
de violência deve ser direcionado para mulheres com o objetivo de preservar a
confiança nas relações estabelecidas com o profissional. No entanto, entende-
se que a abordagem da violência deve também incluir o autor da violência em
espaço específico para tal, conforme prevê a Lei Maria da Penha.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As duas afirmativas são verdadeiras.


b) ( ) A afirmativa I é verdadeira, e a II é falsa.
c) ( ) A afirmativa II é verdadeira, e a I é falsa.
d) ( ) As duas afirmativas são falsas.

2 No Brasil, constatamos o crescimento dos casos de feminicídio a cada


ano. Por vezes, é comum que a vítima já tenha sofrido violência doméstica
anteriormente e tenha sido atendida em uma emergência hospitalar. Não é
raro o psicólogo participar do acolhimento da vítima após o atendimento
médico. Nessas situações, o profissional deve realizar o acolhimento e fazer
a comunicação externa, mesmo sem o consentimento da mulher, EXCETO
quando:

a) ( ) Há gravidade concreta da violência noticiada.


b) ( ) Há violência física grave e crônica associada a uma passividade ou
dificuldade da mulher em romper a situação de violência.
c) ( ) O agressor possui instabilidade profissional ou está desempregado.
d) ( ) Há separação ou tentativa de separação recente da mulher em rela-
ção ao agressor.
e) ( ) Há possibilidade de acolhimento, orientação e fortalecimento da au-
tonomia.

96
3 Considerando as especificidades inerentes à família, ao psicólogo cabe:

a) ( ) Saber que a rede estabelecida por pessoas de uma mesma comunidade


para sanar as questões relacionadas à sobrevivência não se constitui no
que foi convencionado como família.
b) ( ) Atuar estritamente com famílias centradas no grau de parentesco e
que todos os membros residam em um mesmo espaço físico, podendo
ser chamado de casa ou lar, a despeito das condições sociais que
apresentem.
c) ( ) Entender que a família é um relacionamento entre pessoas, que não
necessariamente compartilham o mesmo domicílio e os mesmos laços
sanguíneos ou de parentesco.
d) ( ) Incentivar a vinculação das famílias às redes sociais secundárias
oriundas das organizações do poder público e da sociedade civil, o que
é suficiente para a promoção da justiça social, sem que para tal sejam
necessárias estratégias de estímulo à emancipação social e à efetivação
de direitos.
e) ( ) Compreender que, para contribuir com as famílias e sua conquista
por emancipação e autonomia, promover a inserção destas em progra-
mas sociais ou em redes sociais secundárias é o mais relevante, não re-
querendo diferenciá-las em seus distintos arranjos para a constituição
de políticas públicas que as atendam em suas necessidades.

4 Com base no material, defina Alienação Parental.

5 A violência e a vitimologia ensejam quais tipos de conceitos?

97
UNIDADE 2
TÓPICO 4 —

PERCEPÇÃO SOCIAL

1 INTRODUÇÃO
As análises sobre a subjetividade humana recebem interferências de
muitas ordens e uma delas pode ser denominada como os meios de comunicação
em massa. É muito comum que os elementos nos conduzam a uma análise desses
elementos com a psicologia, pois muitas vezes o universo do jornalismo e das
propagandas traz como pauta elementos que de alguma forma passaram pelos
interesses da psicologia.

À guisa de exemplo nos estudos sobre publicidade e propaganda, é


possível observar que enquanto a publicidade nos traz o pano de fundo das
informações de ordem pública, a propaganda é um elemento denominativo de
ordem publicitária, que tem como foco o mercado consumidor.

Quando existe a produção do material para a chamada mídia, ele pode


ter como foco informar ou persuadir aquele que a recebe como interlocutor, e é
muito comum que nesse processo surjam elementos de identificação – nominados
como sucesso ou fracasso. Podem ocorrer também a produção de ideologias, a
valorização ou desvalorização dos corpos, dos comportamentos, das discrepâncias
financeiras e até mesmo das questões que envolvem o racismo e a gordofobia.

Os comportamentos podem ser configurados por várias ordens, sejam elas


relativas a crenças, descrenças, aceitações ou rejeições da realidade circundante.
Os pressupostos teóricos que caracterizam as inter-relações das pessoas ensejam
os seguintes contextos:

• Os significados das pessoas e contextos são inferíveis a partir das avaliações


do profissional e membros da comunidade, bem como construir uma
compreensão mútua do contexto compartilhado.
• As pessoas são vistas no contexto em termos de seu papel como criadores de
recursos e sua capacidade de abordar pessoal, organizacional e comunidade.
• Contextos sociais são observados em termos de definição de normas sociais,
como influenciar a utilização de recursos e respostas a restrições.
• Contextos sociais e nuances, significado das pessoas e experiência
compartilhada.
• O comportamento adaptativo é definido em termos dos recursos que as
pessoas criam e usado em seus contextos.
• O comportamento e os critérios adaptativos podem variar de acordo com a
situação e o tempo.

99
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

• Relacionamentos são recíprocos: as pessoas influenciam contextos e contextos


influenciam pessoas; as pessoas influenciam outras pessoas e um contexto
influencia outro contexto.
• Eventos, contextos e pessoas fora do contexto social imediato influenciam a
expressão de estruturas, papéis e normas dentro de contextos sociais.
• Transações de contexto de pessoa em um determinado meio geram efeitos
indiretos tangíveis nas interações de outras pessoas em outros contextos.
• Processos sociais podem facilitar ou inibir a interdependência de pessoas e
contextos.

Quando o psicólogo comunitário considera os valores que caracterizam


o sistema, ele pode descobrir valores específicos, cuja presença levou a padrões
de interação social determinados, bem como esses valores estão bloqueando
mudanças e gerando reações críticas a certas práticas. Por outro lado, permitem
que a expressão de valores dentro do mesmo sistema pode favorecer processos de
aproximação entre participantes, assim como pessoas com valores semelhantes
muitas vezes tendem a se aproximar mutuamente.

Nesse sentido, os participantes podem não estar cientes da semelhança


entre seus valores e do resto dos participantes, de modo que o processo de
reaproximação é visto obstruído.

2 A PSICOLOGIA SOCIAL E A PERCEPÇÃO DO OUTRO


O funcionamento das pessoas nos sistemas sociais tem um caráter
demarcado pelo critério evolutivo. Portanto, a percepção de um membro de sua
contribuição para o sistema varia dependendo da fase em que está em relação
a esse sistema, sendo possível em três fases principais: entrada no sistema,
socialização no sistema e desenvolvimento no sistema.

A entrada é o processo pelo qual uma pessoa entra em um novo sistema


social. Em geral, os sistemas sociais articulam mecanismos formais e informais de
entrada. Entre as primeiras estariam as entrevistas ou apresentações planejadas;
entre as reuniões de boas-vindas ou eventos sociais (por exemplo, jantar). Se essas
situações são consistentes com o sistema de crenças tanto do sistema quanto do
novo membro, o processo de entrada é consideravelmente facilitado.

Se há uma incongruência entre tais estruturas e as crenças dos participantes,


o processo é visto como difícil. Nesse caso, a capacidade de um sistema renovar
suas estruturas, adaptá-las a novas situações ou novos membros, é essencial para
garantir uma operação adequada.

É o processo pelo qual os participantes adquirem o conhecimento, as


habilidades e os recursos que lhes permitirão adquirir o status dos membros do
sistema. Todos os sistemas têm seus próprios mecanismos de socialização para
seus membros. Isso é destinado às fronteiras entre o indivíduo e o contexto social

100
TÓPICO 4 — PERCEPÇÃO SOCIAL

mais amplo, que estão se tornando cada vez mais turvos. Em outras palavras, a
pessoa percebe o contexto social como algo que é seu próprio, mais do que como
algo externo que o ameaça. Além disso, essa dispersão de limites muitas vezes
causa uma adaptação que é mútua: da pessoa ao sistema e do sistema à pessoa.

A integração só é facilitada através da socialização, mas também é o próprio


sistema desenvolvido em novos recursos – eles são seus membros – com os quais
enfrenta a mudança e a adaptação. Qualquer intervenção comunitária baseada
no conhecimento científico e na disciplina deve gerar estados de transformação
pessoal e social através de processos de autogestão. Essa concepção de trabalho
envolve a realização de uma série de ações em que a participação ativa e a gestão
dos processos caem para os mesmos membros da comunidade.

Os papéis do agente externo são: acompanhar, facilitar, guiar e energizar


com base em seus conhecimentos e experiências profissionais. Em qualquer
intervenção deve ser levado em conta o resultado das ações, e alcançar os objetivos
se deve a um processo. Nada mais contrário a isso do que conceber o estado de
coisas ou fenômenos humanos, sociais e culturais como produto do ser humano,
social e cultural de designação divina, pelo efeito de forças sobrenaturais ou o
resultado de “pensamento mágico”.

Os principais objetivos da intervenção são: participação, empoderamento


e apoio social. Eles, portanto, coletam três aspectos genuínos da intervenção
comunitária, que podem ser considerados como a real marca da Psicologia
Comunitária. Assim, uma das estratégias de intervenção mais adequadas da
comunidade é a pesquisa-ação participativa.

Esse tipo de intervenção repousa no nível epistemológico, em uma ideia


da verdade localizada em um plano relativo: realidade social. Desse ponto de
vista, é a comunidade que, através de um processo de participação e colaboração,
pode identificar e priorizar suas necessidades – suas verdades, definindo sua
identidade e sua autogestão, estabelecendo suas metas etc.

O papel do profissional, portanto, é o de colaborador, uma vez que no


processo de negociação com a comunidade torna-se, em certa medida, parte do
processo. A pesquisa serve para atuar e colaborar, construindo conhecimento
com aqueles que necessitam da atuação do psicólogo comunitário.

No entanto, essa perspectiva tem sido criticada por oferecer apenas uma
sociedade estática. Pelo contrário, a interculturalidade visa refletir toda a dinâmica
social das relações entre grupos e faz uma proposta com base na convivência
interativa de todos os seus estilos de vida, padrões comportamentais etc.

Preferencialmente empregado na Europa, nesta proposta, a diversidade


cultural é percebida como uma oportunidade de crescer pessoal e socialmente,
entendendo que conhecer e compreender outras culturas é indispensável para
compreender a própria. É por isso que o diálogo é incentivado entre as culturas,
visto que os orçamentos de todos eles são questionados. A diferença é reconhecida

101
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

como um valor enriquecedor e como um direito de indivíduos e grupos a ser


colocada em cada contexto social.

O apoio social poderia ser definido como o conjunto de disposições


expressivas ou instrumentais, recebidas ou não recebidas, de comunidade, mídias
sociais e relacionamentos íntimos e confiáveis, e pode ocorrer tanto em situações
quotidianas quanto de crise ao longo do ciclo de vida.

Nas seções a seguir analisaremos cada um desses eixos em torno dos


elementos mais relevantes para a definição e a medida de apoio social. A percepção
da autoeficácia refere-se à crença de que ela pode ser influenciada por resultados,
seja para alcançar um objetivo específico ou para evitar uma situação indesejável.
Mais especificamente, a autoeficácia foi definida por Bandura (1977) como um
conjunto de crenças que uma pessoa tem sobre sua capacidade de executar certas
ações com sucesso.

Quando os esforços das pessoas produzindo um efeito sobre o meio


ambiente são bem-sucedidos, elas experimentam satisfação e o desejo de conduzir
para manter esses resultados. Em outras palavras, elas se sentem competentes
para exercer controle e influência sobre o meio ambiente. Esse conceito não se
refere aos recursos disponíveis, mas para o julgamento de alguém sobre o que se
pode ou não fazer com esses recursos.

A autoeficácia ajuda a determinar as atividades em que participaremos


(quais comportamentos vão começar), além de fornecer informações sobre
o esforço necessário para alcançar os objetivos desejados e quanto tempo eles
estão dispostos a manter esforço apesar de obstáculos ou experiências adversas.
Experiências anteriores de crenças bem-sucedidas aumentarão as crenças
de autoeficácia e motivação para continuar exercendo controle sobre o meio
ambiente.

Um aspecto relevante da autoeficáfica para a teoria do empoderamento


é a eficácia política, intensificando e enriquecendo a participação do cidadão em
espaços institucionalizados, a fim de que eles tenham maior controle sobre o que
está acontecendo na esfera social.

Quando falamos de trabalho comunitário, enfatizamos sua capacidade


de promover, a partir de seus próprios recursos, o fortalecimento de cidadania
e, mais especificamente, as escolhas vitais de indivíduos, fazendo contribuições
para atender suas necessidades básicas, o fortalecimento das entranhas e os laços
relacionais, reduzindo e superando os riscos de exclusão social.

O perfil do trabalhador comunitário, embora talvez menos cocriador que


outros profissionais nas áreas de bem-estar, é igualmente central, pois busca ter
indivíduos, escolaridade e comunidades – tanto a população mais “padronizada”
e as pessoas com menos recursos materiais, formativos ou relacionais fortalecem
suas próprias capacidades para facilitar sua inclusão plena como cidadãos.

102
TÓPICO 4 — PERCEPÇÃO SOCIAL

DICAS

RADBRUCH, G. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Martins Fontes,


1999.

VARIKAS, E. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo, Rio


de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-80, 1996.

103
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Quando existe a produção do material para a chamada mídia, ele pode ter
como foco informar ou persuadir aquele que a recebe como interlocutor,
e é muito comum que nesse processo surjam elementos de identificação –
nominados como sucesso ou fracasso. Podem ocorrer também a produção de
ideologias, a valorização ou desvalorização dos corpos, dos comportamentos,
das discrepâncias financeiras e até mesmo das questões que envolvem o
racismo e a gordofobia.

• Os comportamentos podem ser configurados por várias ordens, sejam


elas relativas a crenças, descrenças, aceitações ou rejeições da realidade
circundante.

• Os papéis do agente externo são: acompanhar, facilitar, guiar e energizar com


base em seus conhecimentos e experiências profissionais.

• Os principais objetivos da intervenção são: participação, empoderamento e


apoio social.

• A diversidade cultural é percebida como uma oportunidade de crescer pessoal


e socialmente, entendendo que conhecer e compreender outras culturas é
indispensável para compreender a própria.

• A autoeficácia ajuda a determinar as atividades em que participaremos (quais


comportamentos vão começar), além de fornecer informações sobre o esforço
necessário para alcançar os objetivos desejados e quanto tempo eles estão
dispostos a manter esforço apesar de obstáculos ou experiências adversas.

104
AUTOATIVIDADE

1 Nas ações da Psicologia Comunitária com os grupos institucionais e


comunitários, algumas categorias podem contribuir para o trabalho. Assinale
a alternativa em que a categoria está descrita CORRETAMENTE:

a) ( ) Identidade Individual: características do indivíduo produzidas nas


relações estabelecidas socialmente. A Psicologia Social Comunitária
considera como algo que já está pronto no adulto.
b) ( ) Consciência Crítica: categoria trabalhada pela psicanálise, importante
nos estudos sobre movimentos sociais.
c) ( ) Diversidade Cultural: descreve práticas específicas de determinadas
populações, bem como os significados que seus membros compartilham
em relação a essas práticas. Nas ações da Psicologia Comunitária, a
diversidade não deve ser considerada, pois todos os grupos devem ser
tratados com igualdade.
d) ( ) Relações de poder: relações de autoridade entre os componentes dos
grupos, as quais a Psicolgia Comunitária e os movimentos sociais buscam
extinguir.
e) ( ) Cidadania Emancipatória: cidadania que produz emancipação dos
participantes em um processo que possibilita a transformação do indi-
víduo em sujeito.

2 Segundo a Teoria das Representações Sociais de Moscovici, para trazer o


não familiar para o familiar são utilizados dois mecanismos. Quais são eles?

a) ( ) Ancoragem e objetificação.
b) ( ) Linguagem e pensamento.
c) ( ) Aprendizagem e memória.
d) ( ) Ageto e angústia.
e) ( ) Transferência e contratransferência.

3 A  Psicologia Social  procura explicar  os  sentimentos, os pensamentos e os


comportamentos do indivíduo na presença real ou imaginada de outras
pessoas. Sobre a Psicologia Social e seus fundamentos, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

a) ( ) Enquanto os psicólogos sociais da vertente conhecida como Psico-


logia Social Sociológica tendem a enfatizar principalmente os processos
intraindividuais responsáveis pelo modo pelo qual os indivíduos res-
pondem aos estímulos sociais, aqueles da Psicologia Social Psicológica
tendem a privilegiar os fenômenos que emergem dos diferentes grupos
e sociedades.

105
b) ( ) A Psicologia Social na América Latina tem como um de seus legí-
timos representantes Martin-Baró, que defendia em suas obras o de-
senvolvimento de uma psicologia social comprometida com a realida-
de social latino-americana, e que pudesse ajudar a minorar a situação
estrutural de injustiça social vivenciada pela maioria dos seus povos.
c) ( ) A psicologia social tem se debruçado atualmente sobre os tópicos
cognição social, atitudes e processos grupais, e algumas novas vertentes
da área têm se dedicado aos temas da Neurociência Social e da Psicologia
Social Evolucionista.
d) ( ) A Psicologia Social Histórico-Crítica, abarcando diferentes posturas
teóricas, como o Socioconstrucionismo e a Psicologia Discursiva, se con-
trapõe à Psicologia Social Crítica pelo fato de adotar uma postura crítica
em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade atual.
e) ( ) Psicologia Social Psicológica, Psicologia Social Sociológica e Psico-
logia Social Crítica são consideradas pela literatura da área como as três
principais vertentes atuais da Psicologia Social.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - V - F - V - F.
b) ( ) V - F - F - V - F.
c) ( ) F - V - V - F - V.
d) ( ) F - V - F - F - V.
e) ( ) F - F - V - F - V.

4 A  Psicologia Social  procura explicar  os  sentimentos, os pensamentos e os


comportamentos do indivíduo na presença real ou imaginada de outras
pessoas. Sobre a prática da psicologia social, o que podemos afirmar?

5 Quando falamos de trabalho comunitário, o que deve ser enfatizado?

106
UNIDADE 2 TÓPICO 5 —

PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
"Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão se distribuindo,
supõe-se que de uma maneira bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias
do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder
comprová-lo, para congratularmo-nos ou para pedir perdão, aliás, há quem diga
que é isto a imortalidade de que tanto se fala".

José Saramago

Notadamente, quando não existe compreensão ou aceitação sobre alguma


questão ou coisa, o desejo de destruição pode surgir. A prioridade dada por
Arendt (2013) aos direitos humanos é plena de significados, uma delas se dá por
alguns vazios normativos, pois há coisas que não se consegue restringir de modo
absoluto.

Os direitos humanos surgiram como o nível de inclusão inferior, como


um movimento descendente, advindo da mais densa comunidade de cidadãos
para a comunidade mais diluída da humanidade.

2 CARACTERIZAÇÃO DO PRECONCEITO
Uma das primeiras preocupações que emergem ao se focalizar o tema das
diferenças socioculturais diz respeito ao entendimento e ao enfrentamento dos
estereótipos, preconceitos, discriminações e racismo, assim como dos processos
de inclusão e exclusão social e institucional dos sujeitos diferentes.

Uma questão essencial relacionada ao significado que surge dos processos


de compreensão é, obviamente, a construção social do conhecimento. O processo
colaborativo pressupõe que o profissional e os membros da comunidade têm uma
relação de trabalho baseada na cooperação.

Nesse sentido, os comportamentos das pessoas nos contextos refletem


a construção social que profissionais e membros da comunidade têm criado
a partir de seu contexto. Nessa perspectiva, sugere-se que o estilo de trabalho
que caracteriza a perspectiva ecológica na psicologia comunitária é o espaço de
colaboração entre profissionais e membros da comunidade.

107
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

As crenças sobre características pessoais que um indivíduo atribui a


pessoas ou grupos são chamadas de estereótipos. Os estereótipos são a base
cognitiva do preconceito, ou seja, estereotipar é um recurso classificatório que
tem como objetivo simplificar a relação imagem/conceito.

Discriminar é o ato de separar, que tanto pode ser para privilegiar uma
pessoa ou grupo como para prejudicá-lo. Em Psicologia Social, o preconceito
consiste em uma atitude negativa dirigida a um grupo e aos seus membros. A
discriminação constitui o componente comportamental do preconceito.

Os estereótipos sobre os grupos sociais que constituem a sociedade,


incluindo gênero, orientação sexual, cor da pele, raça, classe etc., tornaram-se as
características definidoras dos lugares sociais – sociais, econômicos e simbólicos.
Envolve as oportunidades e as dificuldades que cada um encontra todos os dias
nas diferentes áreas da vida social. Em pleno século XXI, os negros continuam
enfrentando grandes dificuldades no mercado de trabalho. No processo
clássico de promoção e mobilidade profissional, os negros são considerados
‘descontextualizados’. Toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada
em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto
anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de
condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou
privada são exemplos de discriminação racial ou étnico-racial.

Preconceito, discriminação e desigualdades entrelaçam-se. Preconceito e


discriminação são mecanismos que contribuem para a produção e a manutenção
das desigualdades raciais e da estratificação social.

Na vertente da Psicologia Social, o homem é concebido:

• como um ser de natureza social;


• como um ser que, com os outros homens, transforma e é transformado pela
realidade;
• como um ser que mantém a relação com a sociedade, produzindo processos
subjetivos;
• como um ser que se constrói, ao mesmo tempo que constrói a sociedade e sua
história.

Portanto, a desconstrução do racismo, preconceito, estereótipos e


discriminações se dá por meio de um processo que leva à tensão, ao paroxismo, às
diferenças entre as práticas discursivas e às relações de poder que as constituem.
Por um lado, quando ações ou palavras são exercidas ou declaradas em um
sistema hierárquico ou ambiente de relacionamento assimétrico da sociedade
de classes, constituem um fator de discriminação. O fato de certas posições de
mulheres ou negros (e outros assuntos de identidade) serem mais importantes do
que outras na empresa constitui discriminação porque a empresa é baseada na
obediência e na exploração disciplinar.

108
TÓPICO 5 — PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO

Combater estereótipos e processos discriminatórios, defender a igualdade


de oportunidades e respeitar as diferenças não é tarefa fácil, pois não se combate
a discriminação apenas pleiteando o acesso destes sujeitos também aos cargos
superiores, mas promovendo a superação das estratégias de hierarquização e de
sujeição.

Conclui-se que as perspectivas emergentes sobre a compreensão das


diferenças mostram que, além do paradigma da diversidade, a percepção das
diferenças é mais complexa. Desse modo, hibridez, fluidez e ambiguidade
produzem simultaneamente promissores espaços de diferença, que constituem
uma mediação entre o discurso de diferentes sujeitos e múltiplas identidades
sociais e culturais.

109
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

LEITURA COMPLEMENTAR

JÁ SE METE A COLHER EM BRIGA DE MARIDO E MULHER

Heleieth I. B. Saffioti

Não se pode afirmar que a necessidade de se precisarem conceitos advém


exclusivamente das discussões presentes na literatura especializada, refletindo
perspectivas distintas. Trata-se não apenas de ausência de consenso, mas também
de confusão entre violência doméstica e outras formas de violência, como o
sacrifício ritualístico.  Embora não se tenha a presunção de deter a perspectiva
correta, é preciso estabelecer um universo comum de discurso, a fim de tornar
possível e profícua a interlocução.

A expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo


de violência familiar e, não raramente, de violência de gênero. Para situar o
leitor, talvez convenha tecer algumas considerações sobre gênero. Esse conceito
não se resume a uma categoria de análise, não obstante apresentar muita
utilidade enquanto tal. Gênero também diz respeito a uma categoria histórica,
cuja investigação tem demandado muito investimento, podendo ser concebido
em várias instâncias: como aparelho semiótico; símbolos culturais evocadores
de representações, conceitos normativos como grade de interpretação de
significados, organizações e instituições sociais, identidade subjetiva; como
divisões e atribuições assimétricas de características e potencialidades; como,
numa certa instância, uma gramática sexual, regulando não apenas relações
homem-mulher, mas também relações homem-homem e mulher-mulher etc.

Cada feminista enfatiza determinado aspecto do gênero, havendo um


campo, ainda que limitado, de acordo: o gênero é a construção social do masculino
e do feminino. O conceito de gênero não explicita, necessariamente, desigualdades
entre homens e mulheres. Muitas vezes, a hierarquia é presumida. O uso deste
conceito pode revelar sua neutralidade, na medida em que não inclui, em certa
instância, desigualdades e poder como necessários. Aparentemente um detalhe,
esta explicitação permite considerar o conceito de gênero como muito mais
amplo que a noção de patriarcado ou, se preferir, viriarcado, androcentrismo,
falocracia, falo-logo-centrismo. Para a discussão conceitual, este ponto é
extremamente relevante, uma vez que gênero deixa aberta a possibilidade do
vetor da dominação-exploração, enquanto os demais termos marcam a presença
masculina neste polo. Neste artigo, como não há espaço para uma discussão
histórico-teórica, considerar-se-á gênero na modalidade com primazia masculina.
Que isto, entretanto, não seja tomado como adesão ao caráter supostamente mais
neutro do conceito de gênero, pois, de certo ângulo, pode-se afirmar exatamente
o oposto.

110
TÓPICO 5 — PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO

Embora aqui se interprete gênero também como um conjunto de normas


modeladoras dos seres humanos em homens e em mulheres, que estão expressas
nas relações destas duas categorias sociais, ressalta-se a necessidade de ampliar
este conceito para as relações homem-homem e mulher-mulher. Obviamente,
privilegia-se o primeiro tipo de relação, inerente à realidade objetiva com a
qual todo ser humano se depara ao nascer. Ainda que histórica, esta realidade
é previamente dada para cada ser humano, que passa a conviver socialmente. A
desigualdade, longe de ser natural, é posta pela tradição cultural, pelas estruturas
de poder, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais. A diferença nas
relações entre homens e entre mulheres é que essa desigualdade de gênero não
é colocada previamente, mas pode ser construída e o é com frequência. Nestes
termos, gênero concerne, preferencialmente, às relações homem-mulher. Isto não
significa que uma relação de violência entre dois homens ou entre duas mulheres
não possa figurar sob a rubrica de violência de gênero. A disputa por uma
fêmea pode levar dois homens à violência, o mesmo podendo ocorrer entre duas
mulheres na competição por um macho. Como se trata de relações regidas pela
gramática sexual, são compreendidas pela violência de gênero. Mais do que isto,
tais violências podem caracterizar-se como violência doméstica, dependendo
das circunstâncias. Fica, assim, patenteado que a violência de gênero pode ser
perpetrada por um homem contra outro, por uma mulher contra outra. Todavia,
o vetor mais amplamente difundido da violência de gênero caminha no sentido
homem contra mulher, tendo a falocracia como caldo de cultura.

Não há maiores dificuldades em se compreender a violência familiar, ou


seja, aquela que envolve membros de uma mesma família extensa ou nuclear,
levando-se em conta a consanguinidade e a afinidade. Compreendida na violência
de gênero, a violência familiar pode ocorrer no interior do domicílio ou fora dele,
embora seja mais frequente o primeiro caso. A violência intrafamiliar extrapola
os limites do domicílio. Um avô, cujo domicílio é separado do de seu neto, pode
cometer violência, em nome da sagrada família, contra este parente. A violência
doméstica apresenta pontos de sobreposição com a familiar, podendo também
atingir pessoas que, não pertencendo à família, vivem, parcial ou integralmente,
no domicílio do agressor, como é o caso de agregados e empregadas(os)
domésticas(os). Estabelecido o domínio de um território, o chefe, via de regra um
homem, passa a reinar quase incondicionalmente sobre seus demais ocupantes. O
processo de territorialização do domínio não é puramente geográfico, mas também
simbólico. Assim, um elemento humano pertencente àquele território pode sofrer
violência, ainda que não se encontre nele instalado. Uma mulher que, para fugir
a maus-tratos, muda-se da casa de seu marido, pode ser perseguida por ele até a
consumação do ‘femicídio’, feminilizando-se a palavra homicídio. Este fenômeno
não é tão raro quanto o senso comum indica. A violência doméstica tem lugar,
predominantemente, no interior do domicílio. Nada impede o homem, contudo,
de esperar sua companheira à porta de seu trabalho e surrá-la exemplarmente
diante de todos os seus colegas por se sentir ultrajado com sua atividade extra-lar;
como pode ocorrer de a mulher queimar com ferro de passar a camisa preferida
de seu companheiro, porque descobriu que ele tem uma amante. Poder-se-ia
perguntar, neste momento, se a violência de gênero em geral ou a intrafamiliar

111
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

ou doméstica especificamente são sempre recíprocas. Mesmo admitindo-se que


pudesse ser sempre assim, o que não é o caso, a mulher levaria desvantagem. No
plano da força física, resguardadas as diferenças individuais, a derrota feminina
é previsível, o mesmo se passando no terreno sexual, em estreita vinculação
com o poder dos músculos. É voz corrente que a mulher vence no campo verbal.
Entretanto, entrevistas com mulheres vítimas de violência doméstica têm revelado
que o homem é, muitas vezes, irremediavelmente ferino. Isto não significa que
a mulher sofra passivamente as violências cometidas por seu parceiro. De uma
forma ou de outra, sempre reage. Quando o faz violentamente, sua violência é
reativa. Isto não impede que haja mulheres violentas. São, todavia, muito raras,
dada a supremacia masculina.

O femicídio cometido por parceiro acontece, numerosas vezes, sem


premeditação, diferentemente do homicídio nas mesmas circunstâncias, que exige
planejamento. Este deriva de uma derrota presumível da mulher no confronto
com o homem. No Brasil, não há pesquisas neste sentido. Na Inglaterra, as penas
para as mulheres que cometem homicídios são maiores que as sentenciadas aos
homens que perpetram femicídio exatamente em razão da premeditação, que
constitui agravante penal. Além dos maus-tratos, a punição é maior em virtude
da menor força física da mulher, que exige o planejamento do homicídio.

Resta discutir uma questão sobre a qual tampouco há consenso. A


violência praticada por pai e mãe contra a prole pode ser considerada violência
de gênero, intrafamiliar e doméstica? Indubitavelmente, sua natureza é familiar.
Para quem define a violência doméstica em termos do estabelecimento de um
domínio sobre os seres humanos situados no território do senhor considerado,
não resta dúvida de que a hierarquia começa no chefe e termina no mais frágil
dos filhos, provavelmente filhas. Cabe debater o papel da mulher que, tendo seus
direitos humanos violados por seu companheiro, maltrata seus filhos. Apesar
da constatação de que as mulheres figuram em número importante dentre as
vítimas de violência e em número reduzido dentre os autores de violência, há
muitas mulheres que maltratam seus filhos, elementos inferiores na hierarquia
doméstica. Não apenas o homem, mas também a mulher está sujeita à síndrome
do pequeno poder, sendo uma frequente autora de maus-tratos contra crianças.
[...] a violência doméstica é masculina, sendo exercida pela mulher por delegação
do chefe do grupo domiciliar. Como ela é o primeiro modo de regulação das
relações sociais entre os sexos, é desde criança que se experimenta a dominação-
exploração do patriarca, seja diretamente, seja através da mulher adulta. A
função de enquadramento é desempenhada pelo chefe ou seus prepostos. A
mulher, ou por síndrome do pequeno poder ou por delegação do macho, acaba
exercendo, não raro, a tirania contra crianças, último elo da cadeia de assimetrias.
Assim, o gênero, a família e o território domiciliar contêm hierarquias, nas quais
os homens figuram como dominadores-exploradores e as crianças como os
elementos mais dominados-explorados. A violência doméstica tem um gênero: o
masculino, qualquer que seja o sexo físico do/da dominante. Dessa sorte, a mulher
é violenta no exercício da função patriarcal ou viriarcal. No grupo domiciliar e na
família não impera necessariamente a harmonia, porquanto estão presentes, com

112
TÓPICO 5 — PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO

frequência, a competição, a trapaça, a violência. Há, entretanto, uma ideologia


de defesa da família, que chega a impedir a denúncia, por parte de mães, de
abusos sexuais perpetrados por pais contra seus(suas) próprios(as) filhos(as),
para não mencionar a tolerância, durante anos seguidos, de violências físicas e
sexuais contra si mesmas. No que tange a abusos sexuais de crianças, a gramática
impõe o uso do masculino, embora internacionalmente seja cerca de apenas 10%
a proporção de meninos afetados por este fenômeno.

No que concerne à precisão de conceitos, é importante que se aborde,


ainda que ligeiramente, o significado da violência nas modalidades aqui
enfocadas. É óbvio que a sociedade considera normal e natural que homens
maltratem suas mulheres, assim como que pais e mães maltratem seus filhos.
Trata-se da ordem social das bicadas. A criminalidade, a violência pública é uma
violência masculina, isto é, um fenômeno sexuado. A disparidade muscular,
eterno argumento da diferença, deve ser interpelada em diferentes níveis. [...]
Nós confundimos frequentemente: força-potência-dominação e virilidade.
Efetivamente, a questão se situa na tolerância e até no incentivo da sociedade
para que os homens exerçam sua força-potência-dominação contra as mulheres,
em detrimento de uma virilidade doce e sensível, portanto, mais adequada ao
desfrute do prazer. O consentimento social para que os homens convertam sua
agressividade em agressão não prejudica, por conseguinte, apenas as mulheres,
mas também a eles próprios. A organização social de gênero baseada na virilidade
como força-poder-dominação permite prever que há um desencontro amoroso
marcado entre homens e mulheres.

As violências física, sexual, emocional e moral não ocorrem isoladamente.


Qualquer que seja a forma assumida pela agressão, a violência emocional está
sempre presente. Certamente, pode-se afirmar o mesmo para a moral. O que se
mostra de difícil utilização é o conceito de violência como ruptura de diferentes
tipos de integridade: física, sexual, emocional, moral. Sobretudo em se tratando
de violência de gênero, e mais especificamente intrafamiliar e doméstica, são
muito tênues os limites entre quebra de integridade e obrigação de suportar o
destino de gênero traçado para as mulheres: sujeição aos homens, sejam pais ou
maridos. Desta maneira, cada mulher colocará o limite em um ponto distinto
do continuum entre agressão e direito dos homens sobre as mulheres. Mais do
que isto, a mera existência desta tenuidade representa violência. Com efeito,
paira sobre a cabeça de todas as mulheres a ameaça de agressões masculinas,
funcionando isto como mecanismo de sujeição aos homens, inscrito nas relações
de gênero. Embora se trate de mecanismo de ordem social, cada mulher o
interpretará singularmente. Isto posto, a ruptura de integridades como critério
de avaliação de um ato como violento situa-se no terreno da individualidade.
Isto equivale a dizer que a violência, entendida desta forma, não encontra lugar
ontológico.

Fundamentalmente por esta razão, prefere-se trabalhar com o conceito


de direitos humanos, entendendo-se por violência todo agenciamento capaz de
violá-los. É bem verdade que isto exige uma releitura dos direitos humanos. Já

113
UNIDADE 2 — A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS

desde a Revolução Francesa os direitos humanos foram pensados no masculino:


declaração universal dos direitos do homem e do cidadão. Por haver escrito a
versão feminina dos direitos humanos (declaração universal dos direitos da
mulher e da cidadã), Olympe de Gouges foi sentenciada à morte na guilhotina,
em 1792. Como o homem sempre foi tomado como o protótipo da humanidade,
bastaria mencionar os direitos daquele para contemplar esta. Rigorosamente, é
ainda muito incipiente a consideração dos direitos humanos enquanto também
femininos. Tudo, ou quase tudo, ainda é feito sob medida para o homem. Os
equipamentos fabris estão neste caso, não obstante as mulheres terem penetrado
nas fábricas desde a Revolução Industrial. Claro que a máquina de costura,
inclusive a industrial, é feita para o corpo da mulher, a fim de mantê-la em
suas funções tradicionais. Nos países em que bordar à máquina constitui tarefa
masculina, como o Senegal, o equipamento é adaptado ao corpo masculino. Nem
sequer se pensa na adequação de outras máquinas ao corpo feminino. Mulheres
que passaram a trabalhar em equipamentos planejados para homens tiveram que
a eles se adaptar, com prejuízo, muitas vezes, da própria saúde.

Entender que as diferenças pertencem ao reino da natureza, por mais


transformada que esta tenha sido pelo ser humano, enquanto a igualdade nasceu
no domínio do político, parece fora do horizonte de uma ideologia de gênero
que naturaliza atribuições sociais, baseando-se nas diferenças sexuais. O próprio
tabu do incesto, fato fundante da vida em sociedade, é apresentado [...] como se
estivesse ancorado em razões de ordem biológica. A naturalização do feminino
como pertencente a uma suposta fragilidade do corpo da mulher e a naturalização
da masculinidade como estando inscrita no corpo forte do homem fazem parte
das tecnologias de gênero, que modelam mulheres e homens. A rigor, todavia, os
corpos são gendrados, recebem um imprint do gênero. Daí vem a necessidade de
uma especial releitura dos direitos humanos, de modo a contemplar as diferenças
entre homens e mulheres, sem perder de vista a aspiração à igualdade social
e a luta para a obtenção de sua completude. A consideração das diferenças só
faz sentido no campo da igualdade. Assim, o par da diferença é a identidade,
enquanto o da igualdade é a desigualdade, sendo esta que se precisa eliminar.

Poder-se-ia argumentar que tampouco é homogênea a compreensão


dos direitos humanos, pois varia segundo as classes sociais, as raças/etnias e os
gêneros. No seio mesmo de cada uma destas categorias encontram-se distinções
de entendimento. Grosso modo, entretanto, elas servem como balizas, evitando-se
que se resvale para o individual. Por outro lado, há uma consciência avançada da
situação capaz de definir os direitos humanos no feminino, como, aliás, vem sendo
feito nos campos da saúde, da educação, da violência, jurídico etc. Os portadores
desta consciência lutam por sua difusão, assim como pela concretização de uma
cidadania ampliada, isto é, de direitos humanos também para pobres, negros,
mulheres. O respeito ao outro constitui o ponto nuclear desta nova concepção
da vida em sociedade. Como afirma Saramago, enquanto a religião exige que
os seres humanos se amem uns aos outros, o que depende de convivência, uma
vez que nem mesmo o amor materno é instintivo, a compreensão dos direitos
humanos impõe que cada um respeite os demais. Amar o outro não constitui uma

114
TÓPICO 5 — PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO

obrigação, mesmo porque o amor não nasce da imposição. Respeitar o outro, sim,
constitui um dever do cidadão, seja este outro mulher, negro, pobre.

Ademais, o gênero, a raça/etnicidade e as classes constituem eixos


estruturantes da sociedade. Estas contradições, tomadas isoladamente,
apresentam características distintas daquelas que se podem detectar no nó
que formaram ao longo da história. Este contém uma condensação, uma
exacerbação, uma potenciação de contradições. Como tal, merece tratamento
específico, mesmo porque é no nó que atuam, de forma imbricada, cada uma
das contradições mencionadas. Além disso, esta concepção é extremamente
importante para se entender o sujeito múltiplo e a motilidade entre suas facetas.
Efetivamente, o sujeito, constituído em gênero, classe e raça/etnia, não apresenta
homogeneidade. Dependendo das condições históricas, uma destas faces estará
proeminente, enquanto as demais, ainda que vivas, colocam-se à sombra da
primeira. Em outras circunstâncias será uma outra faceta a tornar-se dominante.
Essa mobilidade do sujeito múltiplo acompanha a instabilidade dos processos
sociais, sempre efervescentes. [...].

FONTE: <http://bit.ly/3aUJKwi>. Acesso em: 17 dez. 2020.

115
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu que:

• Estereotipar é um recurso classificatório que tem como objetivo simplificar a


relação imagem/conceito.

• Discriminar é o ato de separar, que tanto pode ser para privilegiar uma pessoa
ou grupo como para prejudicá-lo.

• Os estereótipos sobre os grupos sociais que constituem a sociedade,


incluindo gênero, orientação sexual, cor da pele, raça, classe etc., tornaram-
se as características definidoras dos lugares sociais – sociais, econômicos e
simbólicos.

• Preconceito, discriminação e desigualdades entrelaçam-se.

• Preconceito e discriminação são mecanismos que contribuem para a produção


e a manutenção das desigualdades raciais e da estratificação social.

• A desconstrução do racismo, preconceito, estereótipos e discriminações se dá


por meio de um processo que leva à tensão, ao paroxismo, às diferenças entre
as práticas discursivas e às relações de poder que as constituem.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

116
AUTOATIVIDADE

1 A Psicologia Social estuda o preconceito com relação a diversos grupos.


Sobre esse assunto, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Em Psicologia Social, o preconceito consiste em uma atitude negativa


dirigida a um grupo e aos seus membros.
b) ( ) Os estereótipos são a base cognitiva do preconceito.
c) ( ) O componente afetivo do prenconceito é a discriminação.
d) ( ) As crenças sobre características pessoais que um indivíduo atribui a
pessoas ou grupos são chamadas de estereótipos.
e) ( ) A discriminação constitui o componente comportamental do precon-
ceito.

2 Na vertente da Psicologia Social sócio-histórica, o homem é concebido,


EXCETO:

a) ( ) Como um ser de natureza social.


b) ( ) Como um ser que, com os outros homens, transforma e é transformado
pela realidade.
c) ( ) Como um ser que mantém a relação com a sociedade, produzindo
processos subjetivos.
d) ( ) Como um ser que se constrói, ao mesmo tempo que constrói a socie-
dade e sua história.
e) ( ) Como um ser que reage às estimulações externas, atribuindo-lhes sig-
nificados e se comporta como esperado.

3 A violência doméstica tem lugar, predominantemente, no interior do


domicílio. Sobre a violência doméstica, analise as sentenças a seguir:

I. A violência doméstica não costuma estar relacionada a atitudes, como


ameaça, coação e injúrias.
II. A violência doméstica inclui apenas atitudes que inflijam sofrimentos
físicos.
III. Quando a paciente relatar inúmeras situações de abuso é preciso estar
atento à fala e perceber se são afirmativas reais ou objeto de delírio, mas para
isso é preciso uma escuta atenta.
IV. A violência pode deixar marcas agudas e indeléveis nas pessoas. É possível
que a paciente nem sempre indique a sua queixa de imediato ao psicólogo –
razão pela qual a avalição precisa ser ampla e cuidadosa.

117
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
e) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.

4 Afirmar que a punição ou sua simples ameaça, usada para controlar a


agressão, é nitidamente eficaz, é uma condição:

5 Defina discriminação racial ou étnico-racial.

118
REFERÊNCIAS
ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.

ASTELL, M. The christian religion. London: R. Wilkin, 1705.

AZEVEDO, D. A Igreja Católica e seu papel político no Brasil. Estudos Avança-


dos, v. 18, n. 52, p. 109-120, 2004.

BANDURA, A. Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral chan-


ge. Psychological Review, v. 84, n. 2, p. 191-215, 1997.

BASAGLIA, F. A instituição negada. Rio de janeiro: Graal, 2001.

BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

BLAY, E. A. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estudos Avançados,


v. 17, n. 49, p. 87-98, 2003.

BONIN, L. F. R. Considerações sobre as teorias de Elias e de Vygotsky. In:


ZANELLA, A. V. et al. Psicologia e práticas sociais. Porto Alegre: Abrapso,
1997.

BORIS, G. D. J. B.; CESIDIO, M. de H. Mulher, corpo e subjetividade: uma análi-


se desde o patriarcado à contemporaneidade. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza, v.
7, n. 2, p. 451-478, set. 2007.

FIORELLI, J. O.; MANGINI, R. C. R. Psicologia jurídica. São Paulo, Atlas, 2017.

FOUCAULT, M. Segurança, território, população: curso dado no College de


France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

GASTALDO, É. Goffman e as relações de poder na vida cotidiana. Revista


Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 68, p. 149-153, 2008.

KHEL, M. R. Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem


para a modernidade. São Paulo: Boitempo, 2016.

KRAMER, H.; SPRENGER, J. O martelo das feiticeiras. 5. ed. Rio de Janeiro:


Rosa dos Tempos, 1991.

LANE, S. T. M. Novas veredas em Psicologia social. São Paulo: EDUC; Brasi-


liense, 1995.

119
LEBRUN, J. P. Clínica da instituição: o que a psicanálise contribui para a vida
coletiva. Porto Alegre, RS: CMC, 2009.

LEFF, E. Saber ambiental. São Paulo: Cortez, 2007.

MARTÍN-BARÓ, I. Sistema, grupo y poder: psicología social desde Centroamé-


rica II. San Salvador: UCA, 1989.

MARTINS, T. Meio ambiente e atividade empresarial. Curitiba: Juruá, 2014.

MODENA, M. R. Conceitos e formas de violência. Caxias do Sul, RS: Educs,


2016.

MOSELLO, S. C. M. Mulheres em múltiplas jornadas de trabalho e produção


de subjetividade. Curitiba: Calligraphie Editora, 2018.

MYERS, D. G. Preconceito: desgostar dos outros. 10. ed. Porto Alegre: AMGH,
2014.

PIOVESAN, F. A Constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de


proteção dos direitos humanos. EOS Revista Jurídica da Faculdade de Direito,
Curitiba, v. 2, n. 1, p. 20-33, 2012.

SAFFIOTTI, H. I. B. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo


em Perspectiva, v. 13, n. 4, p. 82-91, 1999.

SCHEIN, E. H. Psicologia organizacional. 3. ed. Rio de Janeiro: Prentice Hall do


Brasil, 1982.

SILVA, D. M. P. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro: a interface da


psicologia com o direito nas questões de família e infância. 3. ed. rev., atual. e.
ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

VARIKAS, E. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva.


Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-80, 1996.

VASCONCELOS, P. Práticas e discursos da conjugalidade e sexualidades dos jo-


vens portugueses. In: CABRAL, M.; PAIS, J. (Ed.). Jovens portugueses de hoje.
Oeiras: Celta, 1997.

120
UNIDADE 3 —

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E
A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• atender às demandas psicológicas visando abranger aspectos sociopolí-


tico-econômicos, dentro de uma formação generalista;

• orientar e desenvolver a capacidade investigativa e científica na direção


da construção e aplicação de conhecimentos;

• desenvolver a capacidade e a necessidade da realização de trabalhos


interdisciplinares.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA PSICOLOGIA SOCIAL


COMUNITÁRIA

TÓPICO 2 – DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

TÓPICO 3 – OBESIDADE E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA


COMUNITÁRIA

TÓPICO 4 – VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA


SOCIAL COMUNITÁRIA

TÓPICO 5 – APLICAÇÕES GERAIS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

121
122
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —

ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA PSICOLOGIA


SOCIAL COMUNITÁRIA

1 INTRODUÇÃO
A atuação do Psicólogo Comunitário foi muito mais que uma experiência
prática, foi um universo que se desenrolou em multiversos e apresentou, a cada
dia, uma nova possível maneira de se pensar e elaborar os aspectos teórico-
práticos da psicanálise e do próprio sujeito que também, como um universo, se
descortina diante de nós.

A partir do pressuposto de que a linguagem, em especial a falada,


configura-se como uma das principais ferramentas utilizadas no contexto da
análise contextual; então, indispensavelmente, a fala aparece entre os principais
instrumentos de um profissional da psicologia.

Paralelamente, a observação apresenta-se enquanto ferramenta inerente ao


processo de inclusão. A observação refere-se ao olhar para além de manifestações
visuais, para aquém de nós mesmos e depois do horizonte que o próprio indivíduo
enxerga, ou como o grupo o acolhe ou rejeita – como vimos na tratativa sobre a
obesidade.

Olhar na perspectiva de que a atenção flutuante se faça presente no


sentido de proporcionar a escuta e ao acolhimento, as bases necessárias as suas
estruturações. O olhar que estrutura a escuta é capaz de tornar esta última
ainda mais eficaz. O ato de olhar compreensivamente, suspendendo valores e
sustentando o que é trazido ao consultório, possibilita que a livre associação
assuma seu lugar e abra espaço à escuta e ao delineamento de projetos.

Ao escutarmos atentamente o paciente, possibilitamos o sentir-se


compreendido e ouvido. A pessoa sente-se melhor quando se dispõe a falar sobre
suas questões; e do outro lado, nosso papel é escutá-la. A presente dupla, ainda
que tangenciada por suas próprias necessidades de fala, demonstrou sua plena
capacidade de sentar, calar e ouvir.

No mesmo diapasão, o grupo e seus processos desafiam o profissional a


compreender os julgamentos, as crenças, os processos de violência, ou seja, tudo
aquilo que tratamos até aqui de modo contextualizado e ampliado, pois o foco
dos escritos é fornecer reflexões e não conclusões.

A individualidade recebe seu lugar através do processo de socialização da


pessoa. O grupo constrói o sujeito parcialmente, da mesma forma que o coletivo

123
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

é permeado pelo sujeito. Por vezes é preciso esvaziar o psicológico e recair no


social. Não há como dividir essa linha entre o início de uma e o limiar da outra,
pois são termos que se interpenetram. Destarte, essa concepção foi ampliando
seus vértices após a superação do determinismo biológico.

No século XIX e na primeira metade do século XX, o conceito de raça


fazia parte da centralidade do debate em torno do determinismo
biológico. Nessa época, fervilhavam teorias que defendiam a
existência de capacidades específicas, inatas de determinadas raças.
Assim, era comum a defesa de teorias que se baseavam na existência
da superioridade-inferioridade dos povos, ignorando por completo as
suas diferenças como elemento fundamental da diversidade humana.
Essa condição se reproduziu dentro de lógicas racistas e de intolerância
face às diferenças culturais, políticas, sociais, econômicas e ambientais.
Apesar da perplexidade de parte da sociedade, foi possível, em
pleno século XX, o redescobrimento de atitudes refletindo o velho
pensamento sobre inferioridade-superioridade das raças. [...] existem
aqueles que ainda acreditam na diferença inata entre “povos do norte”
e “povos do sul”. Baseados em concepções em que os fatores de ordem
biológica determinam o comportamento humano, muitos chegaram
a defender verdadeiros absurdos que, drasticamente, ganharam
corpo e ressonância em nível mundial. Na Alemanha, a concepção da
superioridade da raça adquiriu status de uma ideologia de Estado (o
nazismo), atingindo proporções avassaladoras a partir de 1939. Uma
concepção de cultura local ou regional que se elevou a um sistema de
explicação justificando uma doutrina de Estado (CANTO; ALMEIDA,
20--, p. 6-7).

O objetivo é examinar a importância do processo cultural para a constituição


do sujeito e a interface dessa constituição com a psicologia – em especial com a
psicanálise e seus conceitos estruturais. O estudo do homem tem capitaneado
incontáveis discussões acerca da sua inserção na sociedade. A interface com a
psicologia, a antropologia, o direito, a história, a literatura e a sociologia traz um
arcabouço conteudista com o ponto nevrálgico centrado na figura humana. O
homem como ser social, pertencente à sociedade contemporânea, é regido, em
suas relações, por uma série de normas e princípios que têm o condão de protegê-
lo de um vértice e impor deveres do outro.

2 ESPÉCIE HUMANA NO PLANETA


Desde o surgimento da espécie humana no planeta, temos observado que
o ser humano surpreende por suas capacidades de inteligência, de organização
social e de adaptação em diferentes ambientes naturais. Essa diferença em relação
às outras espécies foi garantida pelo desenvolvimento de nossas habilidades
sociais e culturais. Veremos como a cultura e a natureza interferem no processo
de socialização. A cultura e a identidade social são conceitos fulcrais em tempo
de globalização. O indivíduo como ser social pode ser conceituado de muitas
formas.

124
TÓPICO 1 — ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

[...] “Encontra-se num sistema social criado através de gerações já


existentes e que é assimilado por meio de inter-relações sociais”. O
homem, desde seus primórdios, é considerado um ser de relações
sociais, que incorpora normas, valores vigentes na família, em seus
pares, na sociedade. Assim, a formação da personalidade do ser
humano é decorrente, segundo Savoia (1989, p. 54), “de um processo
de socialização, no qual intervém fatores inatos e adquiridos”.
Entende-se, por fatores inatos, aquilo que herdamos geneticamente
dos nossos familiares, e os fatores adquiridos provêm da natureza
social e cultural. A solidão é a interferência nevrálgica diante desse
processo de socialização. A família recebeu contornos ampliados. Não
há somente a tríade Pai, Mãe e Filhos. A configuração dessa família
conjuga pais divorciados. Avós que cuidam de seus netos como se
filhos fossem. Mães e Pais que contraem novos matrimônios e agora
têm sob seu comando os meus filhos, os seus filhos e os nossos filhos.
Um panorama que pode ser tratado como normalidade e como conflito
(STREY, 2002, p. 59).

Há um “poço” de necessidades que muitas vezes restam supridas


exclusivamente no consumo. A efemeridade recai também nas relações
matrimoniais, nas relações de trabalho, nos relacionamentos de amizade e afeto,
pois a permanência perdeu o seu lugar de destaque.

As coisas não se prestam ao conserto, mas sim ao descarte. Substituir


um produto ou uma emoção por aquisições de carros, sapatos, móveis, viagens,
enfim, uma plêiade de substitutos consumeristas e pecuniários para as angústias
que se potencializam diante de relações rarefeitas. Tudo resta líquido, pois se
encapela nas relações de ordem econômica, o novo supera o antigo e o valor não
é sublimado, mas sim esquecido.

Para o sujeito que não possui bens e posses, o mais indicado é enviá-lo
para a prisão e destituí-lo do seu poder de observação. Só é preciso que obedeçam
ao seu infortúnio. A hierarquia do mundo ordeira não aceita essa interferência
de ordem social. Uma vez que o mundo é globalizado, mesmo que haja desejos
similares, as possibilidades são díspares. A propalada igualdade nem sempre
adorna o portal de entrada dos lares das pessoas de renda ínfima.

No entanto, essa realidade mais se assemelha a uma desintegração


epistemológica. O que foi construído resta desconstruído e reeditado. O “cidadão
de bem” quer empoderar-se no direito de ocupar os poderes estatais como
proprietário e não como cidadão. O sujeito, a pessoa que importa socialmente, é
aquele que consome. É aquele que contrata que tem direito ao papel social, e não
propriamente aquele que sente. As emoções foram extirpadas. A psicanálise tem
um desafio cada vez mais crescente diante desse panorama.

2.1 A PSICOLOGIA É UMA CIÊNCIA AMPLA


A psicologia é uma ciência ampla e tendente a fagocitar conceitos culturais,
pois segundo o texto construído, o processo de socialização está diametralmente

125
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

ligado à cultura do indivíduo. O que é característico e o que é internalizado vêm


de uma interação com os outros. O primeiro espaço de socialização é a família.

Nessa célula estão centrados os primeiros valores e regras que nos


permitem conviver em sociedade. Posteriormente é na escola que aprendemos
regras e maneiras de comportamento social. Nesse esteio será comum observar
ocorrências depressivas, incompatibilidades com os familiares ou com os afetos.
Os fracassos mal elaborados. Os comportamentos que capitaneiam problemas
para o indivíduo e que devem ser modificados ou reestruturados.

Nos exercícios de inclusão social, de construção da cidadania, em segundo


plano há um autorreconhecimento do poder que cada um dos membros da
comunidade incorpora; daí porque é tão importante avançar de forma sistemática,
judiciosa e estudiosa o processo de fortalecimento da comunidade se quisermos
que sejam gestores de sua própria transformação pessoal e social.

Portanto, foi dito que uma das apostas da intervenção comunitária tem
caráter ético-político, pois visa produzir transformações nas comunidades, visto
que nossa responsabilidade começa com a compreensão daquela realidade com
a qual nos encontramos e, para isso, temos que ser muito críticos ao longo do
processo.

Não é que a comunidade muda de dependência e percebe a figura de agente


externo como o de um possível salvador, não se trata de resolver conflitos com a
figura paterno-materna, substituindo a ausência de infância de hierarquia igual
ou superior. Acima de tudo, busca-se o autorreconhecimento, a autoconfiança
e a responsabilidade compartilhada nos processos de transformação pessoal
e comunidade. É necessário, depois de estabelecido o diagnóstico, que junto à
comunidade se possa desenhar uma proposta de solução, ou seja, colocar em
funcionamento o planejamento sistemático das ações para que as questões
aventadas possam ser resolvidas.

A partir da definição do problema ou situação e da avaliação da


necessidade de intervenção dos interessados da comunidade, bem como aspectos
técnicos, econômicos, psicossociais, sociológicos, éticos e outros relevantes para o
assunto, que pode ser contribuído por agentes externos, pessoas interessadas da
comunidade e/ou representantes decidirão se intervirão ou não; qualquer decisão
tomada deve partir da reflexão mencionada, a fim de avaliar as condições.

Como pode ser visto, conhecer, reconhecer e expressar o autodiagnóstico


é medido pelo ato da linguagem, não só verbal, mas também aquela que se
expressa em gestos, em silêncios, nos gráficos, nos ícones, nas emocionalidades,
nas Representações Sociais e nas subjetividades.

A linguagem permitirá tanto a construção quanto a expressão da realidade.


A função da linguagem é destacar-se nos processos de intervenção psicossocial,
por ser geradora de realidades. Na troca de grupos sociais, as conversas são

126
TÓPICO 1 — ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

um ponto essencial, pois quando se pode falar de algo, isso tem como diretriz
ajudar na construção de significado, portanto, é feita uma tentativa de estabelecer
conversas que permitem que a linguagem seja um processo intervencionista, em
que os atores sociais refletem sobre suas vidas a partir de seus recursos próprios,
familiarizando os jovens com os discursos de empoderamento do cotidiano,
bem como aqueles que trabalham narrativas progressivas e as convertem
permanentemente em um estilo de vida.

Não existem fórmulas mágicas ou protocolos padronizados que orientem


o trabalho do profissional no comportamento nas comunidades. A própria
dinâmica da intervenção é indicada pelas particularidades dos atores, pelo
quadro jurídico determinado por ambos e pelos entes estatais de acordo com as
normas deontológicas da profissão.

O papel do psicólogo em contextos comunitários é um tema de primeira


ordem, pois em sua tarefa deve possuir seu próprio e particular conhecimento
de psicologia, mas também deve ter a capacidade de estudar a estrutura de
uma comunidade, deve conhecer as organizações, os problemas, as normas e os
estilos de vida das comunidades em que intervém. A grande tarefa é conhecer as
necessidades da comunidade e orientar e dinamizar as estratégias que facilitem
a solução.

São tempos de crise e de revisões conceituais – sejam elas singulares ou


coletivas – melhor dizendo, sejam elas individuais ou coagidas pelas interferências
do grupo social ao qual cada pessoa pertence.

DICAS

REY, F. G. O Social na psicologia e a psicologia no social. Petrópolis: Vozes,


2004.

SOUZA, L. C. G.; SOUZA, E. A. O lugar da psicologia social na formação dos psicólogos.


Psicologia & Sociedade, v. 21, n. 3, p. 383-390, 2009.

127
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Ao escutarmos atentamente o paciente, possibilitamos o sentir-se


compreendido e ouvido. A pessoa sente-se melhor quando se dispõe a falar
sobre suas questões; e do outro lado, nosso papel é escutá-la. A presente dupla,
ainda que tangenciada por suas próprias necessidades de fala, demonstrou
sua plena capacidade de sentar, calar e ouvir.

• No mesmo diapasão, o grupo e seus processos desafiam o profissional a


compreender os julgamentos, as crenças, os processos de violência, ou seja,
tudo aquilo que tratamos até aqui de modo contextualizado e ampliado, pois
o foco dos escritos é fornecer reflexões e não conclusões.

• A família recebeu contornos ampliados. Não há somente a tríade Pai, Mãe


e Filhos. A configuração dessa família conjuga pais divorciados. Avós que
cuidam de seus netos como se filhos fossem. Mães e Pais que contraem novos
matrimônios e agora têm sob seu comando os meus filhos, os seus filhos e os
nossos filhos. Um panorama que pode ser tratado como normalidade e como
conflito.

• A função da linguagem é destacar-se nos processos de intervenção


psicossocial, por ser geradora de realidades. Na troca de grupos sociais, as
conversas são um ponto essencial, pois quando se pode falar de algo, isso
tem como diretriz ajudar na construção de significado, portanto, é feita uma
tentativa de estabelecer conversas que permitem que a linguagem seja um
processo intervencionista, em que os atores sociais refletem sobre suas vidas a
partir de seus recursos próprios, familiarizando os jovens com os discursos de
empoderamento do cotidiano, bem como aqueles que trabalham narrativas
progressivas e as convertem permanentemente em um estilo de vida.

128
AUTOATIVIDADE

1 Com relação à atividade do psicólogo clínico, as atividades coerentes com


o catálogo brasileiro de ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e
com a resolução do Conselho Federal de Psicologia sobre as atribuições
profissionais do psicólogo estão contidas em:

I. Atua na área específica da saúde, o exame de pessoas que apresentam


problemas intra e interpessoais, comportamento familiar ou social ou com
distúrbios psíquicos. Após o respectivo diagnóstico, inicia a terapêutica,
empregando enfoque preventivo ou curativo e técnicas psicológicas
adequadas a cada caso.
II. Atua junto a equipes multiprofissionais, identificando e compreendendo os
fatores emocionais para intervir na saúde global do indivíduo, em unidades
básicas, ambulatórios, hospitais, inclusive pacientes terminais, participando
de decisões com relação à conduta a ser adotada pela equipe, para oferecer
maior apoio, equilíbrio e proteção aos pacientes e seus familiares.
III. Atua junto às organizações comunitárias e em equipes multiprofissionais,
diagnosticando, planejando e executando os programas no âmbito da
saúde, do lazer, da educação, do trabalho e da segurança, para ajudar os
indivíduos e suas famílias a resolver problemas e superar dificuldades.
IV. Atua na promoção de estudos sobre características psicossociais de grupos
étnicos, religiosos, classes e segmentos sociais e culturais, propondo
intervenções clínicas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) I e II.
b) ( ) I e IV.
c) ( ) II e III.
d) ( ) III e IV.

2 A interseção da psicologia social com a saúde coletiva, a educação, o trabalho


e os direitos humanos exige do psicólogo a compreensão das dimensões
e peculiaridades institucionalizantes desses valores, com suas respectivas
representatividades, seja em segmento público ou privado. Tendo isso em
vista, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

a) ( ) A análise institucional permite ao psicólogo estabelecer contato


direto com a clientela e a compreensão das relações interpessoais
com características tanto de simbiose quanto de ambiguidade nos
vínculos em diferentes tipos de instituições.
b) ( ) No âmbito da saúde, a operação do trabalho em grupo viabiliza
a compreensão das particularidades das relações interpessoais e
dos indicadores de complexidade da prevenção e promoção da
assistência em saúde, traduzindo o princípio da integralidade.

129
c) ( ) A instituição pode ser concebida como um agregado de defini-
ções de um contexto social e de condutas aos quais classifica em
segregação, atribui valores e decisões indicadoras, proibidas ou
até indiferentes, principalmente no que concerne aos hábitos não
explicitados.
d) ( ) No campo educacional, o psicólogo direciona sua atuação para
as ações voltadas para a cidadania, do contexto que caracteriza
a própria escola, nas propostas de ensino-aprendizagem, mas
destitui-se de ações cujo objetivo seja romper com as dicotomias
intrínsecas a essa instituição, tais como planejamento-execução e
aluno-professor.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F - F - F - V.
b) ( ) V - V - V - F.
c) ( ) F - V - F - V.
d) ( ) V - F - V - F.

3 Leia o texto a seguir:

As instituições são manifestações e concretizações das realidades da vida em


sociedade. Não precisam de estabelecimentos para existirem, mas sempre
se estabelecem, criam suas leis, suas regras, seus códigos, suas ideologias.
Impõem costumes, prêmios e punições, transmitem valores e estabelecem
limites. Produzem coisas ou pessoas, mas também protegem, dão garantias;
alimentam egos e ilusões e servem como projeção para as fraquezas e anseios
da alma humana. São espaços de mediação, como dissemos, entre a vida
individual e a vida coletiva.

Tendo como base o texto apresentado, infere-se que as instituições e a


psicologia comunitária:

I. As relações que se estruturam entre o individual e o coletivo não são


estáticas, visto que existe uma dinâmica institucional.

PORQUE

II. A Psicologia Comunitária, na atualidade, demonstra a luta pelos direitos


humanos e contra a violência.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II é uma
justificativa correta da I.
b) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II não é uma
justificativa correta da I.

130
c) ( ) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição
falsa.
d) ( ) A asserção I é uma proposição falsa e a II é uma proposição
verdadeira.
e) ( ) As asserções I e II são proposições falsas.

4 Disserte sobre o papel do psicólogo em comunidades e processos grupais.

5 O que o psicólogo deve oferecer no trabalho com a comunidade?

131
132
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —

DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

1 INTRODUÇÃO
Este conteúdo apresenta uma reflexão sobre as diretrizes dos direitos
humanos e os impactos da psicologia. Nossa pretensão tem como fulcro demonstrar
através de ampla literatura que o progresso, a democracia e a igualdade estão
diametralmente ligados ao desenvolvimento.

O direito humano é um direito inalienável e não deve e nem pode ser


negociado pela administração pública. A realização dos propósitos constitucionais
é urgente e emergente, mas essa diretriz não se perfaz num modelo exclusivamente
jurídico, mas sim deve ter como diretriz prioritária o desenvolvimento humano,
pois esse elemento configura o viés de ligação entre os direitos fundamentais e o
desenvolvimento.

A organização política, administrativa e psicológica está vitalmente ligada


à autonomia do indivíduo e ao exercício de seus direitos e deveres, pois, além de
assegurar a aplicação das diretrizes constitucionais, deve tecer o pano de fundo
para a concretude dos direitos, porque a efetividade muitas vezes está adstrita ao
discurso de perspectivas e não com a assunção de responsabilidades.

O fato é que não se trata de uma análise poética, pois nada há de telúrico ao
afirmar que a Constituição de 1988 revolucionou o Direito, mas nossa função aqui
é mostrar que são justamente algumas perspectivas da legislação que asseguram
que se deve evitar o retrocesso social. Conhecer como o ser humano se insere
no processo histórico, considerando que, além de ser influenciado pelo contexto
histórico, social e cultural, ele é um agente da história, buscando compreender
como pode transformar a sociedade em que vive.

Nas lições de Arjun Sengupta (2000), o direito ao desenvolvimento,


segundo a Declaração adotada em Viena em 1993, é universal e inalienável. É
possível compreender que a verdadeira liberdade não se perfaz sem a existência
da segurança econômica e da independência. Esse é o ponto de união entre dois
indianos, pois no mesmo esteio desse pensamento, faz eco a diretriz da obra de
Amartya Sen (2000) quando afirma que:

[...] muitos tecnocratas da economia recomendam o uso de incentivos


econômicos (que o sistema de mercado fornece) enquanto deixam de
lado os incentivos políticos (que os sistemas democráticos poderiam
garantir). Contudo, os incentivos econômicos, por mais importantes
que sejam não substituem os incentivos políticos, e a ausência de um

133
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

sistema adequado de incentivos políticos é uma lacuna que não pode


ser preenchida pela operação de estímulos econômicos. Essa é uma
questão importante porque o perigo da insegurança – que surge com
mudanças nas circunstâncias econômicas ou em outras, ou ainda com
erros de política não corrigidos – pode estar à espreita, por trás do que
parece ser uma economia perfeitamente sadia (SEN, 2000, p. 214-215).

Se não forem tomadas medidas para conquistar esse desenvolvimento,


o crescimento econômico de um Estado geralmente tende a aumentar
a concentração de renda e riqueza. A abordagem dos direitos ao
desenvolvimento requer que reexaminemos os objetivos e meios
do desenvolvimento. Se a melhoria do bem-estar do povo, baseada
no gozo de direitos e liberdades é o objetivo do desenvolvimento,
crescimento econômico baseado na acumulação de riqueza e PIB não
seria um fim em si mesmo (SCHIER, 2019, p. 81-82).

2 O PROGRESSO NO BRASIL
Uma vez que as responsabilidades estatais já estão dispostas na
Constituição Federal e nas demais normas, não há como falar em liberdades e
proteção de Direitos sem falar das normas. No entanto, existe um entrave entre
as conquistas do progresso e a manutenção das desigualdades sociais. Há um
interstício entre a democracia e a inclusão social que exige a adoção de políticas
públicas que permitam a expansão da liberdade dos cidadãos. O progresso no
Brasil não deve e nem pode estar divorciado da democracia e da igualdade
(SCHIER, 2019).

Na realidade brasileira, o grande entrave da má-gestão muitas vezes


acaba por comprometer a integridade dos processos administrativos – ou seja,
esbarramos na carência de políticas públicas suficientes para assegurar as garantias
sobre saúde, educação, segurança e a busca de uma vida plena. No que tange
aos contratos públicos, é possível afirmar que há uma condução irresponsável e
descomprometida atenta contra os direitos humanos.

Por certo, para evitar essa situação, os aspectos do processo decisório


deveriam ser redesenhados para reconduzir as possibilidades de evitar abusos
relacionados à obtenção de vantagens pessoais, tratando de minimizar as
possibilidades de adotar decisões incorretas e que atendem somente à ganância
de pessoas que não deveriam usufruir do erário. Esses benefícios indicam que a
participação conjunta e a colaboração influenciam diretamente no empoderamento
das pessoas e instituições envolvidas, principalmente no compartilhamento de
responsabilidades.

Compartilhar responsabilidades de forma ampla significa participar, ou


seja, ter uma parte ativa na definição dos objetivos da organização, na tomada
de decisões específicas ou na resolução de determinados problemas, apoiando
os acordos ou medidas que tenham acordado. Nesse caso, as pessoas e as
instituições são fortalecidas a compartilhar responsabilidades e ter um papel
ativo na formulação e respeito.
134
TÓPICO 2 — DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

2.1 GRUPOS DE APOIO


A característica fundamental dos grupos de apoio e autoajuda é que
eles constituem um grupo de pessoas reunidas em torno de um problema
comum. O fato de compartilhar uma preocupação relevante em suas vidas os
faz imediatamente se identificar com os outros, em um espaço onde eles trocam
sentimentos e vivenciam, pelo simples fato de compartilhá-los, um notável bem-
estar psicoafetivo.

Outra característica dos grupos de autoajuda e apoio é que membros


fornecem uma rede de apoio emocional e social por meio de encontros regulares em
que, além dos sentimentos, se estabelece uma troca de informações, conhecimentos
e ensinamentos para enfrentar com sucesso determinadas situações.

No contexto desses grupos, o empoderamento também ocorre tanto no


nível individual como no grupo, e é uma consequência da interação positiva entre
todos os membros do ambiente, de confiança e respeito mútuo, que facilita maior
acessibilidade e maior desenvolvimento e controle de recursos.

As pessoas que participam desses grupos veem sua percepção de


autoeficácia, sua autoestima e sua satisfação com as vidas fortalecidas e,
paralelamente, recebem informações relevantes sobre experiências ou serviços
relacionados ao seu problema, que podem ser de grande utilidade para eles e de
grande ajuda para melhorar sua situação.

Assim, por exemplo, o fato de um parente direto de uma pessoa com


deficiência se sentir identificado e integrado em um grupo de ajuda mútua, no
qual experiências, sentimentos ou problemas comuns são compartilhados, ajuda
não só a reduzir o isolamento social ao qual estão frequentemente expostos, mas
também se torna uma valiosa fonte de informação que pode ajudá-lo a tomar
decisões e resolver situações específicas relacionadas a viver com seu membro da
família. Por exemplo, os saberes da Teoria do Risco:

[...] No sentido de uma teoria social e de um diagnóstico de cultura,


o conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade
em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas até então no
caminho da sociedade industrial, o processo de industrialização é
indissociável do processo de produção de riscos, uma vez que uma
das principais consequências do desenvolvimento científico industrial
é a exposição dos indivíduos a riscos e a inúmeras modalidades de
contaminação nunca observadas anteriormente, constituindo-se em
ameaças para as pessoas e para o meio ambiente. Portanto, os riscos
acompanham a distribuição dos bens, decorrentes da industrialização
e do desenvolvimento de novas tecnologias. Esses riscos foram
gerados sem que a produção de novos conhecimentos fosse capaz de
trazer a certeza de que diminuiriam ou seriam passíveis de controle e
monitoramento eficazes (BECK; GIDDENS; LASH, 1995, p. 45).

135
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

É interessante notar que esses benefícios também se multiplicam se as


organizações de ajuda se vincularem a outros grupos semelhantes em mais redes
sociais; seu controle de recursos e suas possibilidades de ação e as taxas de sucesso
são maiores do que as dos grupos mais isolados.

A existência de diferentes organizações de ajuda em uma comunidade


requer a coordenação de forças. Uma comunidade empoderada é uma
comunidade que trabalha para o bem comum ou coletivo. Para fazer isso, deve
ser uma comunidade que saiba como adquirir e gerenciar recursos necessários e
também trabalhar com os conflitos estabelecidos segundo cada contexto histórico
e social. O Estado não pode e nem deve ser dominado exclusivamente pelo capital.

O sistema global tem estrutura de rede, [...] a flexibilidade proporcionada


pelas tecnologias de informação conecta tudo o que vale e desconecta
tudo que não vale ou se desvaloriza: pessoas, empresas, olhos e
organizações. Por isso a globalização é ao mesmo tempo segmentação
e diferenciação. Junto à conexão das multinacionais e suas redes
auxiliares, e junto à inter-relação dos mercados financeiros, observa-se
a ação dos grupos sociais, de pessoas, de atividades, e, às vezes, regiões
e países inteiros. A globalização é, ao mesmo tempo, dinamismo
produtivo, não dos criadores de valor e marginalização social, inclusão
dos que carecem de interesse, como produtores ou consumidores
a partir da perspectiva da produtividade, competitividade e lucro
que constitui critério fundamental para mercados desregulados e
economias privatizadas (SCHIER, 2019, p. 125).

2.2 A LIBERDADE
É importante notar que a opulência econômica e a liberdade substantiva,
embora não sejam desconectadas frequentemente, podem divergir mesmo com
relação a serem livres para viver vidas razoavelmente longas, livre de doenças
evitáveis ou causas de mortes prematuras; é notável que o grau de privação de
determinados grupos socialmente desfavorecidos, mesmo em países muito ricos,
pode ser comparável ao das economias em desenvolvimento.

Ao avaliar as nossas vidas, temos razões para estarmos interessados


não apenas no tipo de vida que conseguimos levar, mas também na liberdade
que realmente temos para escolher entre diferentes estilos e modos de vida.
O reconhecimento de que a liberdade é importante também pode evitar as
preocupações e os compromissos que temos, podendo ser utilizada para melhorar
muitos objetivos que não são partes de nossas próprias vidas em um sentido
restrito.

A liberdade é valiosa por pelo menos duas razões diferentes. Em primeiro


lugar, mais liberdade nos dá mais oportunidade de buscar nossos objetivos – tudo
aquilo que valorizamos. Ela ajuda, por exemplo, em nossa aptidão para decidir
viver como gostaríamos e para promover os fins que quisermos fazer avançar.
Esse aspecto da liberdade está relacionado com nossa destreza para realizar o que

136
TÓPICO 2 — DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

valorizamos, não importando qual é o processo através do qual essa realização


acontece. Em segundo lugar, podemos atribuir importância ao próprio processo
de escolha.

A distinção entre as visões estreitas e de ampla oportunidade será bastante


central quando passarmos da ideia básica da liberdade a conceitos mais específicos,
como as capacidades que uma pessoa tem. Qualquer teoria substantiva da ética e
da filosofia política, em particular qualquer teoria da justiça, tem de escolher um
foco informacional, ou seja, tem de decidir em quais características do mundo
deve se concentrar para julgar uma sociedade e avaliar a justiça e a injustiça.

A perspectiva da capacidade aponta para a relevância central da


desigualdade de capacidades na avaliação das disparidades sociais, mas não
propõe por si própria uma fórmula específica para as decisões sobre políticas.
Uma vez que somos muito mais poderosos do que as outras espécies, temos certa
responsabilidade em relação a elas, que se relacionam com essa assimetria de
poder.

Podemos ter muitas razões para nossos esforços conservacionistas: nem


todas elas parasitam nosso próprio padrão de vida, ou satisfação de necessidades
e algumas aguçam precisamente nosso senso de valores e o reconhecimento de
nossa responsabilidade fiduciária. Se a importância da vida humana não reside
apenas em nosso padrão de vida e satisfação das necessidades, mas também na
liberdade que desfrutamos, então a ideia de desenvolvimento sustentável tem de
ser correspondentemente reformulada. Nesse contexto, ser consistente significa
pensar não só em sustentar a satisfação de nossas necessidades, mas, de forma
mais ampla, na sustentabilidade e na ampliação de nossa liberdade, incluindo a
liberdade de satisfazer nossas necessidades.

Um bom exemplo desse contexto está no meio ambiente, pois a construção


do respeito e a conservação são elementos que não demandam somente a
aplicação das sanções do direito administrativo, mas também da educação
inclusiva. O princípio da sustentabilidade emerge no discurso teórico e político da
globalização econômico-ecológica como expressão de uma lei-limite da natureza
diante da autonomização da lei estrutural do valor.

A crise ambiental veio questionar os fundamentos ideológicos e teóricos


que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza
e a cultura, deslocando a relação entre o real e o simbólico. A sustentabilidade
ecológica aparece como um critério normativo para a reconstrução da ordem
econômica, como uma condição para a sobrevivência humana e para um
desenvolvimento durável; problematiza as formas de conhecimento, os valores
sociais e as próprias bases da produção, abrindo uma nova visão do processo
civilizatório da humanidade.

A cidadania constitui uma condição essencial para o bem-estar e, ao


longo do tempo, terá a interferência direta numa nova cultura, que só pode ser

137
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

construída através da educação. Esse elemento se constitui no desafio do estado


no cumprimento da Norma Constitucional.

A cidadania e a dignidade humana não podem ser fragmentadas do conceito


de proteção e equilíbrio ambiental. A economia não se presta ao papel de vetor
social fundamental e essa salvaguarda já foi posicionada na Constituição Federal,
pois o poder jurídico não subjaz ao poder econômico. Assim, nos deparamos
com a importância da sustentabilidade como um princípio multidimensional de
caráter social, ético, ambiental, econômico e jurídico-político. Destarte, é preciso
construir uma dialética do modelo de sustentabilidade.

A tratativa da liberdade permeia a questão de emancipação do sujeito.


A psicanálise já fez incumbência dessa reflexão através das considerações de
Sigmund Freud, pois para ele, em última instância, não é muito difícil dizer que
o indivíduo no sentido forte do termo não existe. Eis um problema decisivo, pois
para entendermos o que é uma vida bem-sucedida, surge o problema da liberdade.
Para Freud (1996), não é possível falar em liberdade sem falar em emancipação.

Amartya Sen ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1998. Suas obras


trazem a busca pela justiça como um tema nevrálgico. Além de abordar temas,
como igualdade, desenvolvimento e liberdade em vários escritos e palestras,
é reconhecido prioritariamente pelas análises referentes à economia do bem-
estar social. A exclusão social coloca em xeque não só as teorias de justiça, mas
confronta também a responsabilidade e a competência da administração estatal.

Incrível [...] é ver o povo, uma vez subjugado, cair em tão profundo
esquecimento da liberdade que não desperta nem a recupera; antes
começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter
perdido não a liberdade, mas a servidão. É verdade que, a princípio,
serve com constrangimento e pela força; mas os que vêm depois, como
não conheceram a liberdade nem sabem o que ela seja, servem sem
esforço e fazem de boa mente o que seus antepassados tinham feito
por obrigação. Assim é: os homens nascem sob o jugo, são criados
na servidão, sem olharem para lá dela, limitam-se a viver tal como
nasceram, nunca pensam ter outro direito nem outro bem senão o que
encontraram ao nascer, aceitam como natural o estado que acharam
à nascença. E, todavia, não há herdeiro tão pródigo e desleixado
que uma vez não passe os olhos pelos livros de registros, para ver se
goza de todos os direitos hereditários e se não foi esbulhado nos seus
direitos, ele ou o seu predecessor (LA BOÉTIE, 1999, p. 15).

2.3 EMANCIPAÇÃO
A preocupação com a liberdade está em muitas obras. Etiene de La Boétie
menciona a escravidão, Sigmund Freud fala em emancipação, enquanto Amartya
pressupõe a liberdade. A ideia de justiça está voltada para a compreensão sobre a
igualdade e sobre o critério democrático sobre essa igualdade, pois mesmo que as
pessoas sejam iguais perante a lei, os ideais, as necessidades e os anseios de cada
indivíduo não possuem o mesmo fio condutor.
138
TÓPICO 2 — DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

Para Sen (2000), é justamente no aspecto das desigualdades que surgem


os grandes entraves ao desenvolvimento humano e social. A ideia de justiça nos
apresenta um contorno sobre as responsabilidades pessoais e estatais no que
concerne ao desenvolvimento humano.

[...] finalmente, ainda cabe mencionar o artigo 227 § 3º, da Constituição,


que determina que o direito especial à proteção da criança, do
adolescente e do jovem será promovido mediante “estímulo do Poder
Público, através da assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios,
nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança
ou adolescente órfão ou abandonado (SCHIER, 2019, p. 131).

Existe a alteração do eixo da compreensão sobre o direito ao


desenvolvimento: que passa então a conectar-se com as necessidades humanas
e não apenas com o aspecto do desenvolvimento estatal na sua ideologia
desenvolvimentista econômica. O objetivo da Declaração sobre Progresso Social
e Desenvolvimento tem como cerne promover uma ordem social justa que, por
sua vez, é causa e consequência das condições de progresso econômico e social
de desenvolvimento: “a demanda do direito ao desenvolvimento pela visão inter-
relacionada da realização e respeito, em igual medida, aos direitos civis e políticos
e àqueles econômicos, sociais e culturais” (SCHIER, 2019, p. 46-47).

A renda ou riqueza é uma forma inadequada de julgar a vantagem, como


discutiu com grande clareza Aristóteles na obra Ética a Nicômaco: “é evidente
que a riqueza não é o bem que procuramos, pois é meramente útil e em proveito
de alguma outra coisa”. A riqueza não é algo que valorizamos em si mesmo.

Já que a ideia da capacidade está ligada à liberdade substantiva, ela confere


um papel central à aptidão real de uma pessoa para fazer diferentes coisas que
ela valoriza. A abordagem se concentra nas vidas humanas, e não apenas nos
recursos que as pessoas têm, na forma de posse ou usufruto de comodidades. A
relevância das inaptidões na compreensão das privações no mundo é muitas vezes
subestimada, e esse pode ser um dos argumentos mais importantes para prestar
atenção na perspectiva da capacidade. Para Boff (1999, p. 97), o desenvolvimento
pode ser encarado da seguinte forma:

O desenvolvimento não deveria ser chamado como tal, mas apenas


de crescimento, querido em si mesmo, dentro de um mesmo
modelo quantitativo e linear. Não se procura o desenvolvimento
como potencialização das virtualidades humanas nas suas várias
dimensões, especialmente aquela espiritual, própria do homo sapiens/
demens sempre ligado às interações globais com o cosmos ou a Terra
em sua imensa diversidade e em seu equilíbrio dinâmico. Buscando-se
apenas aquelas que atendem aos interesses de lucro. Por essa razão, o
desenvolvimento, nesse modelo, apresenta-se apenas como material e
unidimensional, portanto, como mero crescimento. A sustentabilidade
é apenas retórica e ilusória.

Abordar o tema dos direitos humanos com a psicologia se constitui num


desafio interminável, uma vez que a corrupção e os desvios das verbas são um

139
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

conhecido entrave da administração pública brasileira. Notoriamente, a Psicologia


Social Comunitária e seu enlace com as questões jurídicas e com os Direitos
Humanos aponta para muitos vértices, um deles é que o direito administrativo
não se restringe à aplicação das normas e ao desenvolvimento das normas, mas
deve ser um elo entre as pessoas e o funcionamento delas no meandro individual e
também coletivo, pois surge aí a responsabilidade na garantia de equilíbrio desse
processo. Independentemente dos debates metodológicos, filosóficos, históricos,
psicanalíticos e sociais, é preciso compreender que a cooperação é a força motriz
do desenvolvimento humano.

A disciplina da economia do bem-estar, que é a parte da economia que


se preocupa com a avaliação da bondade dos estados de coisas e a apreciação
das políticas, colocou durante muito tempo a felicidade no centro da disciplina
da avaliação, considerando-a como guia exclusivo do bem-estar humano e das
vantagens desfrutadas por diferentes pessoas.

Há poucas razões para duvidar da importância da felicidade na vida


humana, e é bom que a tensão entre a perspectiva da renda e a perspectiva da
felicidade receba, finalmente, mais atenção por parte da economia dominante.
O cálculo utilitarista, baseado na felicidade ou satisfação dos desejos, pode ser
profundamente injusto com aqueles que passam privações de forma persistente,
uma vez que nossa disposição mental e nossos desejos tendem a se ajustar às
circunstâncias, sobretudo para tornar a vida suportável em situações adversas.

Ter mais capacidade com relação à liberdade de agência é uma vantagem,


mas apenas nessa perspectiva específica, e, pelo menos não necessariamente
na perspectiva do bem-estar. A educação e a conscientização das pessoas sobre
os processos de educação são indispensáveis para construir os elementos de
desenvolvimento humano.

A ideia da educação tem seu viés emancipador. A liberdade efetiva pode


ser estendida a casos mais complexos de arranjos sociais, por exemplo, quando
as autoridades civis encarregadas do controle regional de doenças se propõem a
eliminar epidemias locais ou a oferecer políticas públicas que favorecem todas as
formas de desenvolvimento humano. Essa concepção da liberdade e de educação
culmina na escolha da vida que se quer viver, bem como na maneira de pensar e
repensar os direitos.

A conclusão primicial desse artigo é que tanto a igualdade como a


liberdade devem ser vistas como multidimensionais dentro de seus amplos
conteúdos. A educação se constitui no amálgama dessa ideia, pois compreender
a cidadania servirá para compreender a pessoa política e separá-la quando
necessário da pessoa natural. Os países-membros da ONU devem assegurar o
respeito universal aos Direitos Humanos e as liberdades fundamentais para todos
sem distinção. A sociedade não está restrita aos Direitos de consumo, é preciso
ampliar os saberes no que tange aos aspectos da Administração Pública e, com
isso, ampliar o conhecimento e a efetividade dos Direitos Humanos no Brasil.

140
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O direito humano é um direito inalienável e não deve e nem pode ser


negociado pela administração pública.

• Compartilhar responsabilidades de forma ampla significa participar, ou seja,


ter uma parte ativa na definição dos objetivos da organização, na tomada de
decisões específicas ou na resolução de determinados problemas, apoiando
os acordos ou medidas que tenham acordado.

• A característica fundamental dos grupos de apoio e autoajuda é que eles


constituem um grupo de pessoas reunidas em torno de um problema comum.
O fato de compartilhar uma preocupação relevante em suas vidas os faz
imediatamente se identificar com os outros, em um espaço onde eles trocam
sentimentos e vivenciam, pelo simples fato de compartilhá-los, um notável
bem-estar psicoafetivo.

• A liberdade é valiosa por pelo menos duas razões diferentes. Em primeiro


lugar, mais liberdade nos dá mais oportunidade de buscar nossos objetivos –
tudo aquilo que valorizamos. Ela ajuda, por exemplo, em nossa aptidão para
decidir viver como gostaríamos e para promover os fins que quisermos fazer
avançar.

• A ideia de justiça está voltada para a compreensão sobre a igualdade e sobre


o critério democrático sobre essa igualdade, pois mesmo que as pessoas sejam
iguais perante a lei, os ideais, as necessidades e os anseios de cada indivíduo
não possuem o mesmo fio condutor.

141
AUTOATIVIDADE

1 Os processos psicossociais de caráter cognitivo e emocional influenciam as


relações sociais e, por sua vez, são influenciados por circunstâncias sociais.
São objeto de estudo da Psicologia e de outras ciências sociais e buscam
explicar o comportamento humano e os fenômenos sociais complexos.
São processos que têm uma função fundamental, tanto na manutenção
como na transformação das condições de vida e constituem importante
eixo do trabalho comunitário. Considerando a importância dos processos
psicossociais no trabalho do psicólogo, analise as sentenças a seguir:

I. Indivíduos e relações por eles mediadas são afetados pelos processos


psicossociais e são objeto de estudo e intervenção do psicólogo.
II. A realidade cotidiana organiza-se por meio de processos psicossociais
de naturalização e familiarização, que se configuram como objeto de
estudo exclusivo da Sociologia.
III. Hábitos são comportamentos estruturados, estáveis e não assumidos
conscientemente, podendo, portanto, relacionar-se a distúrbios
psicológicos.
IV. Os processos psicossociais são modos de se enfrentar a vida cotidiana e
de facilitar a vida social.
V. A participação e o compromisso social são processos psicossociais
comunitários que ocupam lugar importante no trabalho do psicólogo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) I e II.
b) ( ) I e V.
c) ( ) II e III.
d) ( ) III e IV.
e) ( ) IV e V.

2 O desenvolvimento buscado pela Psicologia Comunitária inclui o sujeito


da comunidade dentro de uma perspectiva de mudança da situação social
de uma forma libertadora. Essa concepção permite que se estabeleça uma
ligação entre a prática comunitária e a psicologia, na medida em que
relaciona o indivíduo aos problemas psicossociais da comunidade. Com
base nesse referencial, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O sujeito da comunidade atrela-se, cada vez mais, à ideologia de


submissão e resignação, à identidade de oprimido e explorado e à
cultura da pobreza.

142
b) ( ) É importante estudar o sujeito inserido na sua própria comunidade
onde se desenvolve a atividade comunitária e, com isso, são
construídos exclusivamente os significados relacionados à vida na
comunidade.
c) ( ) O que distingue o sujeito da comunidade do indivíduo submisso
e dependente que ali vive é que o segundo tem uma consciência
transitiva que lhe permite melhor compreender o modo de vida de
sua comunidade e de si mesmo.
d) ( ) A comunidade surge com as relações psicossociais indiretas dos
moradores de um determinado lugar, e a psicologia comunitária
busca a dimensão psicossocial da dinâmica que é estabelecida na
comunidade a partir dessas relações entre as pessoas.
e) ( ) A psicologia comunitária estuda o modo como as pessoas vivem e
atuam na sua realidade cotidiana, o que remete à necessidade de o
profissional da área comprometer-se com o estudo das condições de
vida da comunidade que influenciam, positiva ou negativamente, a
construção de sujeitos comunitários.

3 Um projeto social é um plano ou um esforço solidário que tem


como objetivo melhorar um ou mais aspectos de uma sociedade. No que se
refere aos objetivos de um projeto social, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Valores, como solidariedade, criatividade e participação são


considerados como elementares.
b) ( ) Os projetos sociais acreditam que todos podem vencer se houver o
esforço de cada um.
c) ( ) O acesso à prática esportiva lúdica não favorece as chances para
todos os que participam de projetos sociais.
d) ( ) Ao fornecer formação atlética – técnico – tática, o projeto social é
inclusivo.
e) ( ) Crianças e adolescentes beneficiam-se somente com a educação
informal.

4 Disserte sobre a ideia a partir do compromisso social e de seus desdobramentos


na prática da psicologia.

5 O Sr. João, que será atendido por um psicólogo na comunidade onde mora,
relatou, numa entrevista inicial, o seguinte depoimento:
“Nasci pobre e vou morrer pobre. O nome disso é destino, o destino que meu
Deus quer. Talvez esteja aqui pagando meus pecados do passado. Pior seria
cobiçar o que é dos outros. Se Deus deu riqueza a uns, o que podemos
fazer? Temos de aceitar. Deus escreve certo por linhas tortas”.
O psicólogo no atendimento do Sr. João deverá se orientar segundo quais
princípios teóricos da Psicologia Comunitária?

143
144
UNIDADE 3 TÓPICO 3 —

OBESIDADE E SEUS CONTORNOS NA


PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, retomamos conceitos que foram destacados no tópico sobre
comunidade, pois os aspectos políticos, sociais, culturais e econômicos passaram
a ser cuidadosamente considerados na construção das subjetividades, o que não
implicavam negar o seu aspecto psíquico, ao contrário, permitia contextualizá-lo,
possibilitando a compreensão das múltiplas dimensões do sujeito.

“O corpo é um corpo coberto de signos distintivos. Um corpo que, apesar


de aparentemente mais livre por seu maior desnudamento e exposição pública, é,
na verdade, muito mais constrangido por regras sociais interiorizadas pelos seus
portadores” (GOLDENBERG, 2002, p. 38).

A saúde do indivíduo passou por muitas alternâncias históricas e


legislativas. A democratização incitou a ampliação de movimentos dirigidos
para as transformações, inclusive no campo da Saúde e da Beleza. A obesidade
é um assunto que permeia temas éticos, estéticos, culturais, emocionais e
mercadológicos. A questão da obesidade é tratada pelo Caderno 12 de Atenção
Básica do SUS (BRASIL, 2006). O caderno trata das temáticas sobre o conceito de
obesidade e das comorbidades. Aborda também assuntos referentes à nutrição e
ao papel dos profissionais da equipe de saúde na prevenção e acompanhamento
da obesidade.

Dados da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da


Síndrome Metabólica (ABESO entre 2015-2017) indicam que 52,1% das mulheres
tinham uma circunferência da cintura maior ou igual a 88 cm, o que caracteriza
obesidade abdominal, 21,8% dos homens media 102 cm ou mais nessa parte
do corpo. O excesso de gordura abdominal está associado ao risco de doenças
cardiometabólicas, como obesidade, diabetes e hipertensão arterial.

A obesidade é um problema de saúde pública, pois se configura como


uma epidemia que afeta adultos, crianças e adolescentes em sociedades já
desenvolvidas e em desenvolvimento. No Brasil, a obesidade é configurada como
uma doença crônica, multifatorial e de difícil controle. Ainda de acordo com a
realidade brasileira, dados do recente levantamento do Ministério da Saúde
“Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito
telefônico” (VIGITEL) revelaram que mais da metade da população adulta (51,0%)

145
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

está com sobrepeso e 17,4% com obesidade. A obesidade é um problema de saúde


que enseja a preocupação do Estado e de todos os profissionais da saúde, pois
envolve fatores de saúde médica, psicológica e social (ABESO, 2019).

2 A OBESIDADE É EXPOSTA NA ÁREA DA SAÚDE COMO


UMA EPIDEMIA MUNDIAL
A obesidade é exposta na área da saúde como uma epidemia mundial.
Suas causas são várias, uma vez que os aspectos socioeconômicos, escolaridade,
hábitos alimentares e valores culturais têm impacto sobre a incidência
dessa enfermidade, que é um fator de risco para outras doenças crônicas não
transmissíveis. Por isso as ações para contê-la estão vinculadas a várias áreas:
políticas públicas, comunicação pública, custo da saúde, fármacos, educação
relacionada à alimentação, atividades físicas e qualidade de vida (OMS, 2014).

A obesidade é um problema de saúde que atinge uma grande parte da


população mundial. Pode ser amenizada por meio de tratamentos cirúrgicos,
que vêm sendo utilizados por pessoas que não obtêm sucesso com tratamentos
convencionais. A cirurgia bariátrica surge como uma promessa de solução
definitiva para a obesidade, mas muitas pessoas voltam a ganhar peso após a sua
realização.

Diante do reganho de peso, surge uma nova possibilidade: a fulguração


por argônio, que se apresenta como uma forma de manutenção de peso através
da inserção de um gás na cavidade gástrica que diminui a anastomose e,
consequentemente, acaba por restringir a ingestão de alimentos. Nesse contexto,
é possível identificar as Representações Sociais da obesidade entre as pessoas que
fizeram o procedimento de argônio. Quando falamos em obesidade, é possível
verificar as questões da rede de apoio psicossocial, uma vez que a obesidade deve
ser confrontada com as questões de ordem pessoal e relacional. Não se trata de
um fenômeno isolado, esses dados constituem um tripé avaliativo que tem como
objetivo tratar das Representações Sociais da obesidade entre as pessoas que se
submeteram à cirurgia bariátrica e ao argônio.

A saúde e a obesidade são temas de estudo e pesquisa instigantes em


diferentes campos do saber; seja na moda, na ciência, na psicologia, na estética,
no direito, na literatura e na dramaturgia, todos eles estão ligados, de certa forma,
ao culto do corpo e à busca de padrões estéticos. Esses padrões são estabelecidos
pelos editoriais de moda, beleza e saúde, sejam eles impressos ou digitais. De
modo semelhante, a televisão e as propagandas voltadas ao público consumidor
disseminam como esses padrões são construídos e como eles influenciam as
pessoas e as suas escolhas sobre vestir, comer, mudar hábitos ou mantê-los.

O corpo magro e esbelto costuma estar associado à maior realização e,


muitas vezes, é utilizado como sinônimo de sucesso nas propagandas de bancos,

146
TÓPICO 3 — OBESIDADE E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

de cerveja e de filmes de aventura. Até mesmo nos desenhos animados essa


dinâmica é retratada, pois o que está acima do peso é a figura abobalhada e
atrapalhada das cenas. Essas situações, aparentemente inofensivas, estabelecem
também ligações com os sentimentos sobre aceitação ou rejeição social entre
aquilo que o indivíduo deseja para si de modo individual e o que o sujeito escolhe
em relação ao coletivo.

A obesidade constitui um problema de saúde mundial. O mapa da


obesidade apresentado pela OMS dá conta de que até 2025 cerca de 2,3 bilhões de
adultos estejam com sobrepeso e mais de 700 milhões com obesidade. No Brasil,
por sua vez, essa quantificação indica que mais de 50% da população adulta
estará acima do peso (ABESO, 2019).

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014) define a obesidade como


um acúmulo anormal ou excessivo de gordura corporal que pode atingir graus
capazes de afetar a saúde. O Índice de Massa Corporal (IMC) está relacionado à
medida do peso de cada pessoa. É calculado por meio da relação entre a massa
da pessoa e a sua altura. Essa é uma referência reconhecida para a OMS que não
mede diretamente a gordura corporal. Para determinar o IMC, deve-se dividir o
peso do indivíduo (massa) pela sua altura ao quadrado. A massa deve ser definida
em quilogramas (kg) e a altura em metros. Portanto, esta é a fórmula de cálculo:
IMC = massa / (altura x altura). Para ser considerado obeso, esse valor deve ser
maior ou igual 30,0 para obesidade grau I; maior ou igual a 35,0 para obesidade
grau II e maior ou igual a 40,0 para obesidade grau III.

Houve muitas críticas sobre a patologização da obesidade e a caracterização


da obesidade como doença, especialmente entre as décadas de 1980 e 1990. A luta
contra o excesso de peso começou a ganhar fôlego no campo da saúde entre os
anos 2000 e 2010. A partir de então, os conteúdos referentes à saúde corporal
passam a receber maior espaço nas agendas de saúde e na discussão sobre as
políticas públicas sobre obesidade.

2.1 A OBESIDADE É UM PROBLEMA DE SAÚDE, MAS TAMBÉM


SOCIAL
A obesidade é um problema de saúde, mas também social, pois há uma
gama de enfermidades que a ela está associada, e além dos aspectos corporais há
também os aspectos emocionais diante dos sentimentos da pessoa obesa frente
à sociedade na qual ela está inserida. Todavia, os dados são calculados via IMC
e não apresentam o contorno psicológico dessa obesidade. O corpo é medido e
quantificado, mas por certo não se constrói através de um vácuo social.

A mídia e as produções científicas mostram o surgimento da gordofobia


e como ela tem um entrelaçamento com a construção do saber social com as
realidades da vida social. As situações relatadas e vivenciadas propiciam a

147
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

construção do objeto de estudo que não pode ser divorciado da realidade


individual de cada entrevistado e tampouco dos contextos estabelecidos por
meio de cada um deles nas relações de trabalho, afeto e lazer.

Embora a obesidade seja considerada uma doença de etiologia complexa


e multideterminada, o comportamento alimentar e seu contexto histórico alçam
algumas das principais causas para o ganho de peso; no entanto não se constitui
somente um elemento volitivo. O comércio alimentar, os hábitos culturais e
a própria história da alimentação contribuíram para que o seu descontrole
promovesse a obesidade de um problema de pequenas proporções para
proporções globais.

Diante da crescente epidemia de obesidade nos países desenvolvidos e em


desenvolvimento, o controle do peso traz em seu bojo aspectos sociais, culturais,
psicológicos, jurídicos e históricos. Afinal, quando uma pessoa resolve perder
peso, o seu foco de atenção pode ser diversificado em vários pontos: saúde, bem-
estar, estética e até mesmo emocional. A sociedade exige uma perfeição corporal,
mas que nem sempre tem os olhos voltados à saúde, mas sim ao padrão estético. Os
padrões de magreza socialmente impostos não levam em conta a individualidade
e a subjetividade e não são aplicáveis à maior parte dos biótipos.

Para perder peso, as pessoas buscam diferentes alternativas, algumas mais


tradicionais, como reeducação alimentar, acompanhadas ou não por nutricionista,
práticas de atividades físicas e dietas alimentares restritivas. É preciso observar
que a busca do padrão estético não está dissociada da saúde. No entanto, algumas
dietas e programas de emagrecimento têm como objetivo a produção de lucro e
não a disseminação da saúde.

A mídia e as redes sociais direcionam a um controle de peso que tem


como foco o mercado de consumo, seja de moda, saúde ou beleza. Servem
como organizador das escolhas diretas e indiretas dos indivíduos no que tange
aos alimentos, à vestimenta, à ingestão do álcool ou utilização de suplementos
alimentares. Em tese, culminariam em um corpo equilibrado e aceitável aos
padrões de consumo, mas nem sempre saudável.

Os tratamentos convencionais muitas vezes não conduzem a uma perda de


peso significativa, ou à manutenção do peso desejado após sua conquista. Diante
do insucesso do tratamento convencional, os pacientes com IMC maior que 35 kg/
m² e afetados por doenças, como diabetes, apneia do sono, hipertensão arterial,
doenças cardiovasculares, doenças osteoarticulares, hérnias de disco, artroses
e inúmeras outras doenças, podem se submeter ao tratamento propiciado pela
cirurgia bariátrica (SBCBM, 2017). A cirurgia torna-se saída imediata para um
problema que se estabelece de modo paulatino na vida da pessoa obesa.

A cirurgia bariátrica desponta como alternativa que promete a solução


definitiva para o problema da obesidade. O número de cirurgias bariátricas no
Brasil aumentou 7,5% em 2016 em comparação com o ano de 2015. Os dados da

148
TÓPICO 3 — OBESIDADE E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

SBCBM (2017) indicam que em 2016 cerca de 100 mil pessoas fizeram a cirurgia.
A análise desses dados direciona para os enfrentamentos que uma pessoa acima
do peso precisa superar.

Contudo, atualmente, mesmo após a realização da cirurgia bariátrica,


muitas pessoas voltam a ganhar peso, o que causa frustração não só para o
paciente, mas também para toda a equipe multidisciplinar. Os mecanismos que
levam a isso são incertos e inúmeros fatores podem ter influência, como ingestão
calórica abusiva, sedentarismo, fatores metabólicos, mudanças hormonais,
escolha errada da técnica pelo cirurgião, fístulas gastro-gástricas, perda da função
do anel restritivo, quando presente, dilatação do pouch gástrico e dilatação da
anastomose gastrojejunal.

Notoriamente, os índices de reganho de peso apontam para um


debate necessário sobre a ausência de acompanhamento psicológico, para o
comportamento alimentar e para um conjunto de sentimentos controversos
e conturbados, uma vez que os obesos constantemente sentem um estigma de
rejeição e de discriminação. Moliner e Rabuske (2008) verificaram que pacientes
operados fizeram acompanhamento psicológico mínimo e na maior parte das
vezes mantiveram a crença de que a diminuição do peso seria a solução para
todos os problemas de suas vidas.

Marchesini e Antunes (2017) indicaram que pacientes que passaram


pela cirurgia bariátrica mencionam as dificuldades de modificar seus hábitos
alimentares e acabam mantendo o desejo de comer o mesmo tipo e quantidade
de alimento que ingeriam antes da realização da cirurgia, e mesmo que o medo
de readquirir peso exista, os velhos hábitos alimentares ainda permanecem
funcionando como gatilhos emocionais. Muitas pessoas optam pela cirurgia
após terem fracassado em tentativas anteriores de perder peso e acreditam que
o problema da obesidade estará solucionado definitivamente, mas, em média,
entre cinco e 10 anos após a realização da primeira cirurgia bariátrica, algumas
pessoas voltam a engordar (BARETTA, 2013). Ao voltar a adquirir peso, algumas
buscam novas alternativas cirúrgicas para perder o peso readquirido. Atualmente,
o procedimento de argônio tem sido uma alternativa adotada nestes casos.

O procedimento de argônio consiste na inserção do gás no estômago do


paciente com a intenção de diminuir a anastomose – ou seja, a abertura estomacal
que permite a ingestão de alimentos e regula a sua intensidade. A estética e a
aceitação social representam um elemento decisório para os indivíduos que se
submeteram à cirurgia, uma vez que diante do ganho de peso decidem submeter
o corpo a uma nova incisão cirúrgica sem que isso signifique uma mudança de
hábitos.

O conhecimento dos índices crescentes de pessoas obesas submetidas a


uma segunda intervenção como tratamento da obesidade gerou a necessidade de
realizar um estudo com o objetivo de conhecer os pensamentos compartilhados
pelas pessoas que se submetem a um novo procedimento para perda de peso
sobre as repercussões desse segundo tratamento em sua saúde (SBCBM, 2017).

149
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Surge então uma interface com a norma social, que novamente confronta o
corpo magro ao corpo saudável e que subjetivamente e, por vezes erroneamente,
apontaria a magreza como critério de saúde. O sucesso e o insucesso dos
procedimentos cirúrgicos podem estar associados a processos de alcoolemia,
drogadição e depressão, estabelecendo um ciclo vicioso e interminável.

Pessoas que compartilham a experiência de fracasso na primeira cirurgia


bariátrica compõem um grupo que pode ser mais ou menos coeso, mantendo
contato direta ou indiretamente. O fato de compartilharem experiências e modos
de vida também as faz compartilhar pensamentos socialmente construídos.
Mesmo que as pessoas obesas não convivam ou tampouco estejam no mesmo
ambiente, elas compartilham experiências e Representações Sociais, portanto,
pode-se dizer que constituem uma comunidade.

3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS)


A Teoria das Representações Sociais (TRS) se alinha a esses propósitos ao
proporcionar que os pensamentos compartilhados pela comunidade de pessoas
obesas sejam conhecidos e trazidos à discussão. As representações sociais são
pensamentos e conhecimentos compartilhados por pessoas que fazem parte
de um grupo social, elas são importantes para compreender as práticas sociais
(JODELET, 2001), uma vez que é através delas que estabelecer-se-ão as relações
identitárias, a função de orientação, a função justificadora e a função do saber.
Essas funções são determinantes para compreender os valores que perfiliam as
pessoas a essas Representações Sociais, construindo algo que diferencia esse
grupo de pessoas dos demais grupos.

A Teoria das Representações Sociais permite compreender os fatores


relacionados à escolha do tratamento cirúrgico e os motivos pelos quais esse
reganho de peso interfere na decisão de um novo procedimento cirúrgico sem
nenhuma garantia de sucesso permanente no que tange à manutenção do corpo
magro. Afinal, o método cirúrgico que foi utilizado na primeira vez não foi eficaz
para evitar o reganho de peso. O que faz com que a pessoa se submeta a uma
segunda cirurgia mesmo após ter voltado a engordar?

A premissa essencial é trilhar o caminho da vulnerabilidade e dos riscos


sociais diante da obesidade no que concerne à opção pela nova intervenção,
também nominada fulguração por argônio. A decisão pela fulguração surge
quando os demais métodos para a perda e manutenção do peso já fracassaram.

A prevenção e o controle da obesidade exigem um cuidado integral do


indivíduo, mas esse processo deve ser contínuo e permanente, pois o reganho
de peso pode reconduzir aos problemas já conhecidos e, consequentemente, a
uma nova cirurgia com a mesma finalidade, e que provavelmente está fadada ao
insucesso.

150
TÓPICO 3 — OBESIDADE E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

Considerando a obesidade um problema de saúde que atinge uma


parcela significativa da população, e que indivíduos que sofrem com essa doença
compartilham um sentimento de pertencimento comunitário, a Teoria das
Representações Sociais permite adentrar nesse universo socialmente construído.

A cultura, a classe social, a linguagem e os interesses comuns aproximam


as pessoas com a intenção de compreender os processos sociais aos quais estão
submetidas. As Representações Sociais permitem compreender a relação entre as
imagens corporais construídas e a cultura, pois a satisfação com a imagem física
não corresponde à busca da saúde física das pessoas. Indica que, com vistas a
alcançar uma estética satisfação com a imagem do corpo, isto é, corresponder
aos ideais estéticos da cultura de pertença, recorre-se a dietas, ao exercício físico
exagerado, ao uso de diuréticos, laxantes, entre outros.

A Psicologia Social Comunitária (PSC) busca compreender tais processos


considerando os laços estabelecidos por pessoas que vivenciam condições
semelhantes. Muitos fatores são essenciais para essa formulação, pois a identidade
dos membros se constitui por meio dos sentimentos de exclusão que são comuns
aos indivíduos obesos. Por sua vez, a integração entre as pessoas obesas confere
uma característica transformadora, pois através das necessidades comuns emerge
também a busca de satisfações comuns.

DICAS

ARAÚJO, L. S. Representações sociais da obesidade: identidade e estigma


(Tese de Doutorado). João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, 2017.

151
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O corpo é um corpo coberto de signos distintivos. Um corpo que, apesar de


aparentemente mais livre por seu maior desnudamento e exposição pública,
é, na verdade, muito mais constrangido por regras sociais interiorizadas pelos
seus portadores.

• A obesidade é um problema de saúde pública, pois se configura como


uma epidemia que afeta adultos, crianças e adolescentes em sociedades já
desenvolvidas e em desenvolvimento. No Brasil, a obesidade é configurada
como uma doença crônica, multifatorial e de difícil controle.

• O comércio alimentar, os hábitos culturais e a própria história da alimentação


contribuíram para que o seu descontrole promovesse a obesidade de um
problema de pequenas proporções para proporções globais.

• A cirurgia bariátrica surge como uma promessa de solução definitiva para a


obesidade, mas muitas pessoas voltam a ganhar peso após a sua realização.

• Contudo, atualmente, mesmo após a realização da cirurgia bariátrica, muitas


pessoas voltam a ganhar peso, o que causa frustração não só para o paciente,
mas também para toda a equipe multidisciplinar.

• A Psicologia Social Comunitária (PSC) busca compreender tais processos


considerando os laços estabelecidos por pessoas que vivenciam condições
semelhantes. Muitos fatores são essenciais para essa formulação, pois a
identidade dos membros se constitui por meio dos sentimentos de exclusão
que são comuns aos indivíduos obesos.

152
AUTOATIVIDADE

1 Foi com o desenvolvimento das sociedades que os estereótipos surgiram e


padronizaram diversos aspectos relacionados ao ser humano e suas ações.
Assinale a alternativa CORRETA que apresenta o significado do conceito
“estereótipo”:

a) ( ) Tensão que ocorre em uma relação que se encontra em desequilíbrio.


b) ( ) Crenças atribuídas a pessoas ou grupos, opinião formada de acordo
com os códigos culturais.
c) ( ) Base afetiva do preconceito, constituindo-se como uma maneira de
simplificar e agilizar nossa visão de mundo.
d) ( ) Tendência inata a inferir sobre desigualdade social e de gênero.
e) ( ) Atitudes ou comportamentos negativos direcionados a indivíduos
ou grupos, baseados em um julgamento prévio e que sempre se
mantém, apesar de fatos que o contradigam.

2 É possível observar que o tema da inclusão/exclusão se apresenta como de


grande importância para os sujeitos de modo geral, mas principalmente
para os sujeitos que se encontram em situação de exclusão social. Sobre
inclusão e exclusão social, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A desinserção está diretamente relacionada a situações sociais


desfavoráveis, em que o sistema social define aqueles que têm ou
não valor e utilidade social.
b) ( ) Desafiliação corresponde à ruptura de pertencimento e ausência
completa de vínculos.
c) ( ) A desqualificação social facilita a integração com o Estado, uma vez que
este é convocado a criar políticas para a regulação do vínculo social.
d) ( ) Exclusão e pobreza são sinônimos de um mesmo fenômeno de
desintegração social.
e) ( ) A naturalização da exclusão reforça e reproduz o ciclo de exclusão.

3 A socialização continua por toda a vida. Na vida adulta, ela envolve a


preparação da pessoa para adotar, com sucesso, papéis importantes. A
adoção de um papel é frequentemente acompanhada pelo treinamento
prático no trabalho. A socialização antecipatória envolve a preparação para
um papel:

a) ( ) Não pretendido.
b) ( ) Pretendido.
c) ( ) Estipulado.
d) ( ) Não significado.
e) ( ) Sugerido.

153
154
UNIDADE 3
TÓPICO 4 —

VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA


SOCIAL COMUNITÁRIA

1 INTRODUÇÃO
Os momentos políticos, econômicos e sociais no mundo são eventos
complexos e de difícil contorno. A eles são impingidas análises pessoais e culturais
que nem sempre restam atreladas à coletividade. O discurso de dominância
é presente e a globalização nos esclarece de modo muito simples. Há países
economicamente dominantes e para que haja dominantes existem os dominados.
Há múltiplas formas de violência que podem ser vislumbradas através desses
contextos, pois a opressão, a ausência de educação de qualidade para todos e a
carência de postos de emprego são formas de violência e nos compete discutir e
apurar as responsabilidades. No entanto, não cabe somente apontar as crises, mas
sim debater e apresentar soluções, pois sem ação não há mudança.

Há muitas formas de violência, seja ela física, psicológica, verbal, sexual,


institucional, discriminação, bullying, cyberbullying, aliciamento de pessoas para
trabalho, violência institucional, exposição de nudez sem consentimento (sexting),
violência patrimonial, abandono ou outras formas que não são lembradas de
imediato, como o terrorismo, o genocídio, a escravidão, a tortura, o tráfico de
pessoas e, certamente, a conjunção das disciplinas, como psicologia, direito,
antropologia, sociologia, história, filosofia, entre outras, é fator indispensável
para compreender o que é a violência e qual é a sua interferência na vida humana.
Sem deixar de mencionar que a violência também está no trânsito, nos cinemas,
nas novelas, nos games, além de ser presença constante nas ruas.

2 O CONCEITO DA PALAVRA VIOLÊNCIA


O conceito da palavra violência possui muitos sentidos e muitos contornos
hermenêuticos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como
o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra
pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em
sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.

Consultando arquivos doutrinários e eletrônicos, é possível elencar


algumas formas de violência no aspecto conceitual (MODENA, 2016) conjugadas
com as disposições da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a
saber:
155
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

• Violência física: quando a força física imposta sobre a outra pessoa permite
a imposição de ferimentos e até mesmo da morte. Destaca-se que do impacto
dessa violência, podem resultar lesões, ferimentos, hematomas, fraturas e até
mesmo mutilações.
• Violência psicológica: quando o contexto de ameaças sobrepõe o desejo do
outro, que através de fundado temor, sucumbe.
• Violência verbal: quando a força da fala reduz a condição de reação da outra
pessoa e esta silencia ou possui uma reação de bloqueio ineficiente.
• Violência sexual: quando a força física, psicológica ou a coação verbal permite
que uma pessoa satisfaça sua lascívia sem o consentimento da outra.
• Discriminação: quando através da cor da pele, da orientação sexual ou por
algum tipo de deficiência, uma pessoa não é tratada com igualdade na escola,
no trabalho ou no meio social.
• Bullying: são atos violentos desferidos contra uma pessoa indefesa de ordem
verbal com ameaças e zombarias. Essas situações podem causar danos físicos
ou psicológicos para as vítimas.
• Cyberbullying: configurado pelo ato de humilhar ou ridicularizar as pessoas
através das redes sociais ou e-mails, expondo a pessoa ao ridículo.
• Aliciamento de pessoas para trabalho: muitas pessoas saem de seus países
originários e são obrigadas a trabalhar em regime de escravidão em confecções
ou pequenos espaços para montagem de peças de brinquedos.
• Violência institucional: exposição de nudez sem consentimento (sexting) – a
tecnologia permite o envio de imagens sensuais do corpo nu ou seminu e
essas imagens são compartilhadas sem autorização. Essa forma de violência
pode envolver também mensagens eróticas ou de conteúdo sexual.
• Violência patrimonial: a usurpação da mulher, do idoso, da criança ou de
pessoa com impossibilidade de defesa ou com discernimento reduzido,
impossibilitando ou restringindo a sua atuação sobre seus rendimentos.
Consiste também na exploração ilegal sobre benefícios recebidos através dos
representantes legais.
• Abandono: há muitas formas de abandono. Os pais podem abandonar os
filhos emocional ou economicamente. Os filhos podem praticar o abandono
em relação aos seus genitores. Destaca-se que qualquer pessoa pode padecer
de uma incapacidade e isso leva a punições pelo abandono, seja dos tutelados
ou dos curatelados.
• Terrorismo: é o uso da violência física ou psicológica que se perfaz através do
emprego sistemático da violência. Essa violência pode ensejar fins políticos,
como é o caso das lutas territoriais de exploração de petróleo, ou configurar a
prática de atentados com o propósito de destruição de grupos religiosos, com
a finalidade de tomada e/ou retomada de poder.
• Genocídio: conceito traduzido pela destruição de população ou povos. É
configurada pelo extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade,
grupo étnico, racial ou religioso.
• Escravidão: obrigar a pessoa a laborar de modo incessante sem o devido
recebimento do seu trabalho. Há muitas formas de escravidão, seja ela
pautada na cor da pele ou na obediência através da força. Há muitas crianças
em situação de escravidão no país que nem sequer têm consciência disso.

156
TÓPICO 4 — VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

• Tortura: são atos intencionalmente praticados com o fito de causar lesões


físicas, psicológicas, sexuais ou emocionais em outras pessoas com a finalidade
de impor sofrimento e até obter alguma vantagem direta ou indireta daquele
que está sendo torturado.
• Tráfico de pessoas: retirar uma pessoa de sua zona de proteção para explorá-la
sexualmente, em locais de trabalho e até mesmo para o transporte de drogas.

E
IMPORTANT

A violência pode ser estudada como um fenômeno isolado?

Por certo, é impossível exaurir todos os conceitos de violência. Por exemplo: quando uma
criança apanha em casa há uma análise que transita nas emoções desse menor e como
ele se sente diante de tal acontecimento. Por sua vez, se os pais estão em processo de
separação, podemos aventar que no curso do processo de realinhamento familiar possa
surgir uma alienação parental. Ou quiçá uma violência sexual que não foi notada no seio
familiar, mas que foi descoberta e investigada pela escola. Nesse contexto, é fácil perceber
que as disciplinas restam conjugadas. É preciso punir, mas antes disso é preciso investigar,
pois há uma linha muito tênue entre a realidade e a comprovação.

Compreenda-se que a sociedade trabalhará conjuntamente, seja no viés


público ou privado. O Magistrado não pode definir a situação do menor sem
ouvir os pais, os familiares, a escola, o assistente social, os psicólogos, os médicos,
ou seja, um grupo multidisciplinar para tomar a devida decisão que se aplique
ao caso concreto.

No estudo desse tema há uma perspectiva que não pode ser descartada, pois
a cultura aponta para diferentes formas de organização da vida social. “Cultura
é o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e de
outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos
de uma sociedade” (FERREIRA, 1986, p. 508).

A crença, os valores e os contextos apontam para condenações e


absolvições. Um exemplo clássico é o acidente de trânsito em suas incontáveis
modalidades. A violência no trânsito é crescente, pois alguns acidentes culminam
em morte provocados pela displicência, pela drogadição, pela alcoolemia. No
entanto, as mortes no trânsito são encaradas de várias formas. “O automóvel
é um corpo comprável, move-se em lugar do corpo humano, que permanece
quieto e engorda; e o corpo mecânico tem mais direitos do que o de carne e osso”
(GALEANO, 1999, p. 242).

A psicologia, por sua vez, tem como função fazer o acolhimento e


esclarecer que muitas vezes a violência resta propagada pela concepção de

157
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

objetalização das pessoas, visto que o valor de cada sujeito tramita pelas teorias
psicológicas da valoração, pois diante da teoria subjetivista, “valioso é o que nos
agrada, causando-nos prazer”. Essa afirmativa tem uma pauta hedonista que foi
desenvolvida desde Aristipo e Epicuro (REALE, 2016, p. 191).

A incidência desses padrões de satisfação pode recair também na esfera


aristotélica, que se trata de uma ideia voluntarista que se constitui em ligar o
problema da satisfação de um desejo através do cumprimento de um propósito.
Por fim, compreende-se uma base sentimental-volitiva quando valioso é aquilo
que desejamos ou pretendemos (REALE, 2016, p. 192).

Diante de um contexto axiológico, a psicologia tramitará entre a


desiderabilidade (o ato de valorar) e a preferibilidade (o ato de escolher), em
que os padrões da psicologia partem de premissas individuais e subjetivas para
compreensões grupais e que podem ceder à pressão social e aos posicionamentos
de renúncia e aceitação.

“A grandeza do valor é proporcional a sua desiderabilidade” (REALE,


2016, p. 192). Para autores clássicos da sociologia, os valores são produtos de um
indivíduo empírico, mas algo que deve ser estudado como fato da sociedade no
seu todo como expressão de crenças ou desejos sociais, como anuncia Gabriel
Trade, ou produtos de consciência coletiva, como mencionava Durkheim na obra
As Regras do Método Sociológico (REALE, 2016).

2.1 PSICOLOGIA SOCIAL


É inquestionável que a violência dilacera o indivíduo e provoca incontáveis
traumas, mas a tarefa da psicologia nesse caso é o amparo e a tratativa da realidade
e do choque para que haja uma reordenação dos sentimentos diante do fato. A
Psicologia Social nesse caso faz um grande contributo que abordaremos ainda
nesse curso em nossas aulas finais. Essa tarefa da Psicologia é oposta no Direito,
pois no exercício do Direito acontece uma busca à punição do sujeito ativo na
conduta ilícita, evitando que haja uma reincidência de conduta.

Uma análise dos games que são difundidos mundialmente tramita


entre psicologia, direito, sociologia e filosofia. No contexto histórico, os valores
possuem objetividade, pois os resultados humanos tramitam entre arte, beleza
e nas referências de cada um. Dessa feita, a cultura da violência resta muitas
vezes propagada sob a cortina da não intencionalidade. Os jogos que tratam de
roubos, mortandades coletivas, crimes violentos são “brincadeiras”, ou seja, a
fala protetiva do dia ‘é só um joguinho’, quando na verdade essa situação pode
propiciar muitas alterações no comportamento humano. O desenvolvimento dos
indivíduos ocorre diante da sociedade, da família, do sistema socioeconômico
e todos eles contribuem com a configuração humana, pois as virtudes e as
vicissitudes de cada sujeito tramitam entre o individual e o coletivo, como já
afirmamos anteriormente.

158
TÓPICO 4 — VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

A literatura oferece também seu contributo para uma compreensão do


fenômeno da violência. Freud, em Mal-estar na Civilização, examinou a relação
entre as pulsões ou instintos frente ao que nominamos civilização e cultura. O
prazer e as restrições a esse prazer podem ser considerados formas de violência
impostas ao indivíduo.

Por que necessitamos de tempo tão longo para nos decidirmos a


reconhecer um instinto agressivo? Por que hesitamos em utilizar,
em benefício de nossa teoria, de fatos que eram óbvios e familiares
a todos? Teríamos encontrado provavelmente pouca resistência, se
quiséssemos atribuir a animais um instinto com uma tal finalidade.
Todavia, parece sacrílego incluí-lo na constituição humana; contradiz
muitíssimas suposições religiosas e convenções sociais (FREUD, 2006,
p.106).

As condutas diferenciam a aceitação e a desobediência aos padrões


impostos. A política se perfaz como uma homogeneização do discurso, mas nem
todos os discursos são alinhados e certamente aceitos. Freud menciona a mudança
axiológica social e esse contorno também foi tratado na obra Totem e Tabu. A
civilização é a força motriz de controle da agressividade para Freud: “A restrição
à agressividade do indivíduo é o primeiro e talvez o mais severo sacrifício que
dele exige a sociedade” (FREUD, 2006, p. 112).

Nesse diapasão, é possível notar que a obediência pode transitar entre o


que é instinto e o que vem a ser motivação. Motivação são as forças que direcionam
o comportamento futuro. Os instintos são padrões inatos de comportamento que
são determinados biologicamente em vez de aprendidos (FELDMAN, 2015).

E
IMPORTANT

Como você percebe a igualdade? Para você, ela existe ou nada mais é do
que uma ficção?

Homens e mulheres não são e nunca serão iguais. A mulher em seu avesso é a mulher
que fala e que se faz ouvir. Partindo do seu lugar no social e não do lugar social que a
coletividade lhe concedeu, será a verbalização do discurso da diferença e não da igualdade.

A mulher denunciou seu sofrimento, sua repressão, através do seu corpo.


Mostrou para quem pudesse ver qual era sua condição no final do século XX.
Em Freud (1883-1895), encontramos os primeiros estudos sobre a histeria. A
possibilidade de escuta do sofrimento sintomático da histeria muda a concepção
de lugar do corpo histérico como algo a ser examinado fisicamente, para algo a ser
escutado. Até então, o sintoma histérico muitas vezes era visto como “encenação”.
Isto porque o que estava em jogo era a relação do corpo e o olhar do outro.

159
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Freud apontou para a existência de uma diferença sexual anatômica,


que levava cada representante de ambos os sexos a uma organização psíquica
diferente, através do complexo de Édipo e da castração. Podemos ousar afirmar
que se tratava de uma posição política, que ultrapassava a posição psíquica. É no
público que essas tensões entre o sujeito do direito e o sujeito no seu avesso, no
seu íntimo e na sua subjetividade, enfrentarão os conflitos entre ser o que esperam
dele e o que ele deseja. A mulher recebe um imenso arcabouço de tutelas, pois a
desigualdade entre os sexos é um tema permanente no conteúdo feminino. Há
uma suposta igualdade entre os sexos, mas ao homem não compete justificativas
sobre seu comportamento sexual, e nem tampouco sobre o seu corpo. A mulher
precisa dar explicações e construir medidas protetivas até mesmo no que tange à
laqueadura.

A rejeição tradicional da mulher corrobora com um afastamento político.


A separação sexuada e topográfica surge como trâmite entre o público e o privado.
O baldrame da família como “hierarquia natural” surge como um limitador. Era
preciso refrear o conteúdo subversivo que a mulher representava. O casamento
constituído como dominação entre Estado e religiosidade.

No Brasil, não existem estimativas nacionais sobre a proporção de mulheres


que são assassinadas por parceiros. Os dados são avaliados por estimativas. Essas
informações estão disponíveis no Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM) do Ministério da Saúde. O ponto nevrálgico é novamente a igualdade. Não
basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante
todos.

E
IMPORTANT

O aborto é uma questão individual ou coletiva? Há um papel para o


Psicólogo Social ou essa é uma temática dos profissionais do Direito?

Conforme visto na Unidade 2, as mulheres ainda ocupam a posição de mães, e não mulheres
e donas de sua liberdade sexual. O governo da família fez dessa mulher a cuidadora de seu
herdeiro. Seu suporte ainda é evidente na proibição do embarque como tangente ao corpo
feminino.

A liberdade das mulheres ainda é afetada pela fraqueza moral e pela decisão de usar seu
sistema reprodutivo. O controle do comportamento sexual é furtivo, mas é mostrado
na condenação do aborto. O corpo e os desejos da mulher deveriam ser privados, mas
estavam restritos à proteção pública.

160
TÓPICO 4 — VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

3 A CONDENAÇÃO “SOCIAL”
A condenação “social” do estupro mostra isso claramente. O criminoso
não ocupa o banco dos réus com a mesma factibilidade da mulher. Para piorar
a situação, a sociedade sexista ainda condena essa visão porque entende que a
maneira como as mulheres se vestem pode ser a força motriz dos crimes contra
a liberdade sexual. A violência não é isolada, seja emocional ou moral. Há uma
ruptura de diferentes tipos de integridade: física, sexual, emocional e moral.
As mulheres, nos dias atuais, muitas vezes se percebem cobradas pelo discurso
social que exige uma mulher maternal, feminina e ao mesmo tempo ativa
profissionalmente.

Na travessia desse percurso, em meio aos enigmas que acompanham


cada mulher em sua jornada, encontramos algumas pedras no caminho, a
autocondenação, a culpa e a angústia, temas recorrentes e evidenciados tanto nos
relatos de vida quanto na literatura – seja ela científica ou não científica. Muitas
nuances estão imbricadas nessa afirmação.

3.1 O PROCESSO HISTÓRICO BRASILEIRO


O processo histórico do Brasil é particularmente importante porque
demorou 462 anos para que as mulheres casadas deixassem de ser consideradas
relativamente incapazes, e levou mais 26 anos para a Constituição estabelecer a
igualdade de status, conforme estudamos detalhadamente na Unidade 2.

Ao debruçar sobre o Ordenamento Jurídico, em especial diante da


Constituição Federal, do Direito Civil e do Direito Penal, direcionados pelo
princípio de dignidade da pessoa humana, indaga-se sobre a legitimidade da
dignidade em um campo social. A questão da satisfação surge como elemento
perturbador diante do questionamento sobre quem pratica os atos lícitos e ilícitos
no contexto social. Por isso, para que haja satisfação no âmbito social, devemos
atentar para os atos lícitos e ilícitos. Essa circunscrição pode ser compreendida
através do seguinte exemplo: se um sujeito deseja um objeto para seu deleite,
precisará convencer o seu possuidor a vendê-la. No entanto, se a coisa for
indisponível não haverá negócio. Essa é a via da licitude. Por sua vez, se o
indivíduo desejar um objeto que pertença a outrem e não houver contrato diante
da negativa, pode haver um roubo, um furto ou um latrocínio, mas destaca-se
que todos esses meios de satisfação são ilícitos.

Em suma, notoriamente é preciso contextualizar a violência. Ao conjugar


elementos, como a moral, a religião, a família, é perceptível que eles possuem um
papel fundamental na formação do sujeito. Uma pessoa é também formada por
elementos afetivos e culturais que são capazes de organizar, inibir e até mesmo
conduzir para condutas violentas.

161
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

A violência muitas vezes resta justificada pautada na luta pela virilidade


por mais de sete séculos. Posteriormente, surgem as violências familiares na
manutenção do território. Isso sem deixar de mencionar as histórias bíblicas de
Caim e Medeia. O que não deixa de ser uma pauta na Teoria Tridimensional de
Miguel Reale. Numa sequência ilustrativa, após essas etapas surgem as disputas
pelos títulos de nobreza, que logo cederam espaço para as revoltas populares e
esse contexto encerra a Idade Média. Já a partir do século XIII, pelas nuances da
violência doméstica sempre naturalizada, em que se retoma a luta juvenil através
da identificação dos bandos (MUCHEMBLED, 2012).

Conjuga-se através dessa breve pontuação histórica que, a partir desses


contextos, as normatizações e os regulamentos punitivos e ressocializadores
foram sendo construídos. Essa concepção aponta para o fato de que é necessária
a construção das normas punitivas, mas sem deixar de avaliar a importância
da ressocialização. A punição não deve ser eterna e seu caráter social impõe a
necessidade de reestruturar o sujeito para o convívio social.

A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica de um poder


que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como
instrumentos de seu exercício [...]. O sucesso do poder disciplinar se
deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico,
a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe
é específico, o exame (FOUCAULT, 1999, p. 143).

O Direito não se presta a estudar toda a construção do fenômeno da


violência. Sua função está muito mais concentrada em evitar que os atos lesivos
pautados na violência aconteçam e interfiram na estrutura social. Mesmo
elaborando uma fala de direito, é possível trazer novamente a pauta freudiana,
pois para ele, o direito é o poder de uma comunidade. É um erro de cálculo não
considerar que o direito em sua origem foi violência bruta e que ainda hoje não
pode prescindir do apoio da violência. Justamente aí reside a função jurídica, pois
uma situação humana não resta alienada das outras – ou seja, o amor e o ódio
convivem, pois nem sempre a demanda de uma pessoa é a mesma demanda do
outro; por outro lado há também a manutenção de poder e por vezes a ausência
dele, pois já é lido e debatido na filosofia e na história que as pessoas lutam pelo
poder e pela manutenção dele. Muitas vezes para atingir um fim determinado,
a violência acaba por se tornar o meio – é preciso anular o inimigo, o adversário,
o desafiador e também aquele que não cede às demandas de terceiro, pois isso
promove a frustração. A sociedade civil precisa ser regulada e protegida.

162
TÓPICO 4 — VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS NA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

E
IMPORTANT

Você já presenciou uma situação de violência? Como esse acontecimento


afetou você? Como você percebe a atuação estatal?

Através das funções estatais, isso acontece possibilitando que a violência não se prolifere.
O arbítrio de cada sujeito e a liberdade para a prática dos atos têm uma limitação, pois
mesmo que exista liberdade, é preciso compreender que não há liberdades absolutas entre
os principais fundamentos do estado civil, sem deixar de mencionar a necessidade e a
importância da soberania.

A psicologia, por sua vez, adentra esse debate através do fornecimento


de subsídios de elaboração e administração dos fenômenos, possibilitando a
minimização dos efeitos. Para essa ciência, a violência é um sintoma do mal-estar
nas relações humanas e deve ser entendida como um fenômeno multideterminado,
pois a violência é uma produção humana. “A violência surge através de muitos
fatores determinantes, como é o caso da desigualdade social; da deterioração da
dignidade e da coletividade e também pode advir do medo social e da própria
impunidade” (BOCK, 2018, p. 383).

4 A VIOLÊNCIA É UM ELEMENTO QUE PROPICIA UM DEBATE


A violência é um elemento que propicia um debate permanente e acirrado
no meio social, jurídico, sociológico, psicológico e histórico. A violência não é um
fenômeno isolado, é um fenômeno tão amplo que não pode ser esgotado através
do estudo de uma só ciência, pois é na interligação delas que a compreensão
ganha sentido.

Diante do Direito, é preciso pensar na contenção e na aplicação da sanção;


na Psicologia, é preciso compreender o fenômeno; na História, é preciso perceber
o contexto; na Antropologia e na Sociologia, é preciso estruturar o espaço, as
reações e as condutas e, assim, todas elas convergem em regra para a minimização
dos efeitos da violência.

163
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há muitas formas de violência, seja ela física, psicológica, verbal, sexual,


institucional, discriminação, bullying, cyberbullying, aliciamento de pessoas
para trabalho, violência institucional, exposição de nudez sem consentimento
(sexting), violência patrimonial, abandono ou outras formas que não são
lembradas de imediato, como o terrorismo, o genocídio, a escravidão, a
tortura, o tráfico de pessoas e, certamente, a conjunção das disciplinas, como
psicologia, direito, antropologia, sociologia, história, filosofia, entre outras,
é fator indispensável para compreender o que é a violência e qual é a sua
interferência na vida humana. Sem deixar de mencionar que a violência
também está no trânsito, nos cinemas, nas novelas, nos games, além de ser
presença constante nas ruas.

• A violência muitas vezes resta justificada pautada na luta pela virilidade por
mais de sete séculos.

• O Direito não se presta a estudar toda a construção do fenômeno da violência.


Sua função está muito mais concentrada em evitar que os atos lesivos pautados
na violência aconteçam e interfiram na estrutura social.

• Diante do Direito, é preciso pensar na contenção e na aplicação da sanção;


na Psicologia, é preciso compreender o fenômeno; na História, é preciso
perceber o contexto; na Antropologia e na Sociologia, é preciso estruturar o
espaço, as reações e as condutas e, assim, todas elas convergem em regra para
a minimização dos efeitos da violência.

164
AUTOATIVIDADE

1 As práticas de intervenção psicossocial na comunidade são um movimento


de superação do modelo clínico tradicional e de produção de estratégias
inovadoras, voltadas em um paradigma psicossocial que evidencia quatro
parâmetros fundamentais que abrangem: a implicação subjetiva, a relação
das relações interinstitucionais, a integralidade das relações territoriais e a
superação da ética da adaptação. Sobre o parâmetro da superação da ética
da adaptação, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O psicólogo social que realiza trabalhos comunitários pode criar


condições para a naturalização das relações entre os investigadores/
agentes externos e as pessoas que formam as comunidades e
territórios.
b) ( ) O psicólogo social que realiza trabalhos comunitários pode criar
condições para que seja desmontada a ideologia fatalista e que seja
revelada a mentira oficial, segundo a qual não é possível modificar
a sociedade.
c) ( ) A concepção e a adoção de uma posição política precisa destituir-se da
finalidade e aplicabilidade do conhecimento, fornecendo elementos e
compreensão em benefício de saber o que é produzido e quais são os
seus efeitos sociais.
d) ( ) A definição de uma posição política e opção histórica por parte do
psicólogo vai ao encontro da reprodução das estruturas sociais,
devendo este adotar uma postura de resistência e contestação
frente à situação de opressão das sociedades latino-americanas.

2 Ignácio Martín-Baró assinalou que a psicologia devia estar orientada para


a libertação dos povos oprimidos. A psicologia da libertação tem como
objetivo:

a) ( ) Demonstrar que todos os significados são construídos socialmente


por meio da linguagem e devem ser contextualizados para que
sejam avaliados e trabalhados de modo a ampliar possibilidades.
b) ( ) Libertar a psicologia de sua origem como ciência ao lado dos
opressores e com base na cultura ocidental, com uma ciência que
não contribui para a humanização das pessoas e sim para a sua
alienação.
c) ( ) Questionar a sistemática dominante e a aplicação de formas alternativas
de teorias e práticas psicológicas.
d) ( ) Conhecer o ser humano, tentando humanizar seu aparelho psíquico,
contrariando a visão do homem como um ser condicionado
pelo mundo externo. Na fenomenologia, esse ser humano tem
consciência do mundo que o cerca, dos fenômenos e da sua
experiência consciente.
e) ( ) O campo clínico, com suas técnicas de trabalho e estudo que visam
dar ao homem as condições necessárias para o seu próprio
crescimento.

165
3 No que concerne à violência contra as mulheres há muitas nuances sobre o
atendimento. Sobre o exposto, avalie as afirmativas a seguir:

I. O trabalho de atendimento à mulher em situação de violência pressupõe


necessariamente o fortalecimento de redes de serviços que, tomando como
base o território, possam articular saberes, práticas e políticas, pensando
e viabilizando estratégias ampliadas de garantia de acesso, equidade e
integralidade. Fazem-se necessários ainda investimentos constantes na
sensibilização e na qualificação dos profissionais envolvidos na rede para
que as mulheres sejam acolhidas e assistidas de forma humanizada e com
garantia de direitos.
II. O atendimento psicológico nos serviços de atenção à mulher em situação de
violência deve ser direcionado para mulheres com o objetivo de preservar
a confiança nas relações estabelecidas com o profissional. No entanto,
entende-se que a abordagem da violência deve também incluir o autor
da violência em espaço específico para tal, conforme prevê a Lei Maria da
Penha.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As duas afirmativas são verdadeiras.
b) ( ) A afirmativa I é verdadeira, e a II é falsa.
c) ( ) A afirmativa II é verdadeira, e a I é falsa.
d) ( ) As duas afirmativas são falsas.

4 No Brasil, constatamos o crescimento dos casos de feminicídio a cada ano.


Por vezes, é comum que a vítima já tenha sofrido violência doméstica
anteriormente e tenha sido atendida em uma emergência hospitalar. Não é
raro o psicólogo participar do acolhimento da vítima após o atendimento
médico. Nessas situações, o profissional deve realizar o acolhimento e fazer
a comunicação externa, mesmo sem o consentimento da mulher, EXCETO
quando:

5 O comportamento humano traz em seu cerne a capacidade de linguagem,


comunicação e de interação de um ser com o outro. Por meio dessa
capacidade são compartilhados pensamentos, sentimentos, reflexões e
ações, dos mais simples aos mais complexos, que também podem ser
compartilhados com outros semelhantes. Genericamente, a comunicação
tem por objetivo fundamental facilitar o entendimento do mundo, as
relações humanas e as transformações de indivíduos e da realidade que os
circunda. Dentre as características da comunicação nas relações humanas,
é possível identificar três formas básicas – verbal, não verbal e paraverbal –,
as quais permitem dispensar atenção necessariamente à?

166
UNIDADE 3
TÓPICO 5 —

APLICAÇÕES GERAIS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

1 INTRODUÇÃO
Na construção dos arcabouços teóricos, exploramos um terreno empírico
e concreto de análise sobre o universo da violência que tramita por alguns
territórios estratégicos da ação e da atuação jurídica, sociológica e psicológica
que, em princípio, parecem ser particularmente permeáveis à atuação biopolítica.
Os mecanismos jurídico-normativos pretendem proteger as pessoas, mas essa
proteção não é tão elástica e igualitária.

A vida, o trabalho e as relações afetivas apontam para a luta por um


reconhecimento como sujeito de direito e não como objeto a ser protegido. No
entanto, a violência contra as mulheres e as estreitas linhas do empoderamento
apontam para um caminho de lutas infindáveis e permanentes. Ao se falar
em políticas públicas, faz-se necessário compreender a função do Estado no
dimensionamento das ações referentes à minimização da propagação das
discrepâncias sociais.

As relações econômicas, o desemprego e a falta de escolaridade culminam


diretamente na necessidade de um profissional que consiga acolher e elaborar
com os grupos as questões individuais e coletivas – eis que surge a importância
do Psicólogo Social Comunitário.

2 MASSAS E AS CONDUTAS HUMANAS


A questão das massas e das condutas humanas tramita pela organização
social e também pelas atitudes primitivas que indicam o modo como os indivíduos
se relacionam e trabalham no grupo. O processo das aceitações, rejeições, fantasias
e desejos transita no espaço privado, mas também se espraia no espaço social. É
no espaço social que acontecem as trocas subjetivas.

Assim, o espaço social se desloca da posição de lugar de trocas


intersubjetivas para uma posição de lugar de guerra de quase todos
contra todos; de um espaço de reconhecimento recíproco, o tecido
social implode e se tramita num espaço de combates mortais. Nesse
contexto, a política, retórica que regula o diálogo intersubjetivo e que
permite a negociação entre os diversos grupos sociais, se quebra e a
guerra se instala no espaço social (BIRMAN, 1994, p. 173).

167
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

E
IMPORTANT

Qual seria a importância da identidade social no estudo da Psicologia


Social Comunitária?

A cultura e a identidade social são conceitos fulcrais para regular a vivência humana e os
processos culturais. Em especial, em tempos de globalização, as análises restam ampliadas
e interligadas.

2.1 MUITOS TEMAS DESAFIAM A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO


COMUNITÁRIO
Muitos temas desafiam a atuação do Psicólogo Comunitário. Um deles
é a violência: a violência como fator desencadeante de outros problemas, como
a exclusão e o preconceito. A violência será abordada nesse momento por um
contorno da psicologia social comunitária e também das representações sociais,
pois a Psicologia Social Comunitária tem como finalidade o estudo da comunidade.

As relações dentro da comunidade são fundamentais para o processo


identitário, pois é através desse processo que acontecem as transformações
sociais. As vítimas de violência sofrem exclusão, se identificam e passam a
compor uma comunidade, que é compreendida por grupos ou seres humanos que
compartilham sentimentos comuns, sejam homens, mulheres, crianças, idosos e
grupos segregados pela identificação de gênero.

E
IMPORTANT

Você consegue perceber a necessidade da atuação do Psicólogo nesses


contextos?

A complexidade das discussões acerca do impacto que uma sociedade posicionada a


favor de padrões de comportamento não vivenciados por todas as pessoas, ou ainda por
indivíduos que se sujeitaram à violência através de seus processos culturais e emocionais na
tentativa e esperança de alcance dos patamares afetivos desejados – direta e indiretamente
– pelas construções sociais do que se considera afeto ou não, encontra na Psicologia
Social Comunitária a real possibilidade de desconstrução de saberes que atuam como
catalisadores de sofrimento emocional, que acarreta a representação social de ser vítima
em nossa sociedade.

168
TÓPICO 5 — APLICAÇÕES GERAIS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

Uma vez que o processo de apreciação ou depreciação parte do outro,


então, a construção da percepção sobre si recai naquilo que o outro afirma a
respeito do sujeito, e quando tais afirmativas movimentam-se no sentido de
depreciar ou menosprezar, logo a subjetividade do sujeito é marcada por meio
de uma percepção depreciativa no que se refere as suas emoções e às situações
que compreendem também a sua imagem pessoal. Portanto, é imprescindível o
papel da Psicologia Social Comunitária na compreensão das subjetividades da
comunidade que sofreram ou ainda sofrem algum tipo de violência, exclusão,
abuso de direitos ou ausência de respaldo Estatal ou Social.

169
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

LEITURA COMPLEMENTAR

Trechos do livro O mal-estar da pós-modernidade, de Zigmunt Bauman.

A TEORIA DA DIFERENÇA, OU O SINUOSO CAMINHO PARA A


HUMANIDADE PARTILHADA

A diferença essencial entre as modalidades socialmente produzidas de


estranhos modernos e pós-modernos, [...] é que, enquanto os estranhos modernos
tinham a marca do gado da aniquilação, e serviam como marcas divisórias para
a fronteira em progressão da ordem a ser constituída, os pós-modernos, alegre
ou relutantemente, mas por consenso unânime ou por resignação, estão aqui
para ficar. Parafraseando o comentário de Voltaire a propósito de Deus, se eles
não existem, teriam de ser inventados. E são de fato inventados, zelosamente e
com gosto – improvisados a partir de protuberantes, salientes, minuciosas e não
importunas marcas de distinção. Eles são úteis precisamente em sua qualidade
de estranhos: sua estranheza deve ser protegida e cuidadosamente preservada.
São indispensáveis marcos indicadores sobre o itinerário sem nenhum plano
ou direção: devem ser como muitos, e como proteicos, e como as sucessivas e
paralelas encarnações da identidade na interminável busca de si mesmo. Num
aspecto importante, e por importantes razões, a nossa era é heterofílica.

Para os coletores de sensações ou colecionadores de experiências que


somos, pelo menos os mais ricos entre nós, preocupados (ou, mais exatamente,
obrigados a se preocuparem) com a flexibilidade e a abertura, mais do que com
a fixidez e o autofechamento, a diferença vem com ágio. Há uma ressonância e
uma harmonia entre a maneira como nos ocupamos dos nossos problemas de
identidade e a pluralidade e diferenciação do mundo em que os problemas de
identidade são tratados, ou em que escamoteamos no processo desse tratamento.
Não é justo que precisemos dos estranhos a nossa volta, porque, devido ao
modo como somos culturalmente modelados, perderíamos preciosos valores
de aceitação da vida num mundo uniforme, monótono e homogêneo; mais do
que isso: tal mundo sem diferença não podia, por nenhum rasgo de imaginação,
evoluir a partir do modo pelo qual as nossas vidas são modeladas e conduzidas.

A questão já não é como se livrar dos estranhos e do diferente uma


vez por todas, ou declarar a diversidade humana apenas uma inconveniência
momentânea, mas como viver com a alteridade, diária e permanentemente. Seja
qual for a estratégia realista de competição com o desconhecido, o incerto e o
desconcertante podem ser reconsiderados: é preciso partir do reconhecimento
deste fato, e, na verdade, todas as estratégias intelectualmente concebidas e ainda
em competição parecem, hoje, aceitar isso. Pode-se dizer: um novo consenso
teórico e ideológico está emergindo para substituir um outro, que tem mais
de um século. Se a esquerda e a direita, os progressistas e os reacionários do
período moderno concordam em que a estranheza é anormal e lamentável, e em

170
TÓPICO 5 — APLICAÇÕES GERAIS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

que a ordem do futuro, superior (porque homogênea), não teria espaço para os
estranhos, os tempos pós-modernos estão marcados por uma concordância quase
universal de que a diferença não é meramente inevitável, porém boa, preciosa, e
precisando de proteção, de cultivo. Nas palavras dessa eminente figura da direita
intelectual pós-modema, Alain de Benoist: “Só vemos razões de esperança na
afirmação das singularidades coletivas, na reapropriação espiritual das heranças,
na clara consciência das raízes e das culturas específicas”. O guia espiritual do
movimento neofascista italiano, Julius Evola, é ainda mais direto: “Os racistas
reconhecem a diferença e querem a diferença”. Pierre-André Taguieff resume o
processo de rearticulação pós-modema do discurso racista, cunhando a expressão
“racismo diferencialista”. Observemos que, nessa ala autorreconhecidamente de
direita, e até fascista, as profissões de fé, ao contrário das de seus predecessores,
já não sugerem que as diferenças entre as pessoas sejam imunes à interferência
cultural, e que esteja além do poder humano transformar alguém em outra
pessoa. Sim, eles dizem, as diferenças – tanto as nossas como as dos outros – são
todas produtos humanos, culturalmente produzidos. Todavia, dizem, diferentes
culturas fazem seus integrantes com diferentes formas e cores, e isso é bom. Não
misturarás o que as culturas, em sua sabedoria, separaram. Ajudemos, antes, as
culturas – qualquer cultura – a seguir seus separados e, melhor ainda, inimitáveis
caminhos. O mundo, então, será tão mais rico... A coisa surpreendente, é claro,
é que um leitor desavisado, como era o autor da primeira citação, podia ser
perdoado de interpretá-la mal como uma declaração programática de esquerda; e
que a sentença de Evola não perderia nada de sua persuasão se a palavra “racista”
fosse substituída por “progressista”, “liberal” ou – neste caso – “socialista”... Hoje
não somos todos bona fide “diferencialistas”? Multiculturalistas? Pluralistas? E
acontece, desse modo, que tanto a direita quanto a esquerda concordam hoje em que
a maneira de viver preferível com os estranhos é mantê-los à parte... Embora talvez
por diferentes motivos, uma e outra se ressentem das ambições universalistas,
imperialistas e assimilacionistas do estado moderno (hoje desmascaradas como
essencialmente protototalitárias), e as denigrem publicamente.

Desencantada ou repugnada pela ideia da uniformidade legislada,


a esquerda que, sendo esquerda, não pode viver sem esperança, volta os
olhos para a “comunidade”, aclamada e gabada como a verdadeira família
da humanidade, há muito perdida e agora redescoberta. Ser um comunitário
nascido de novo é hoje amplamente considerado o sinal de um ponto de vista
crítico, do esquerdismo e do progresso. Voltar à comunidade, do exílio a que o
estado moderno vos confinou; tudo é perdoado e esquecido: a arbitrariedade do
paroquialismo, a tendência genocida do narcisismo coletivo, a tirania das pressões
comunais, a belicosidade e despotismo da disciplina comunal. É, naturalmente,
um incômodo que se achem nessa cama alguns companheiros indesejáveis e
inteiramente repulsivos... Como guardar a cama para si mesmo, como mostrar
que os companheiros indesejáveis não têm nenhum direito de estar nela? Parece
ser este o problema... Estou sugerindo que os bedfellows racistas, na cama do
comunitarismo, talvez sejam um incômodo para seus novos ocupantes, mas não
absolutamente uma surpresa. Eles estavam ali primeiro, e têm o direito inato de
ali estar. Os dois elencos de ocupantes, o antigo e o novo, foram aliciados para

171
UNIDADE 3 — PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL

aquela cama pela mesma promessa e pelo mesmo desejo: de reencaixe do que foi
“desencaixado”, de liberação da formidável tarefa de autoconstrução individual,
e de responsabilidade ainda mais terrível e fatigante pelos seus resultados. O
velho racismo voltou as costas para a oportunidade emancipadora vinculada ao
projeto moderno. Sugiro que, real por natureza, ele agora volta as costas para a
oportunidade emancipadora que o modificado contexto pós-moderno da vida
impõe. Só agora, por curiosa amnésia ou miopia, não está sozinho em fazê-lo.
Canta em coro com as vozes líricas de um número crescente de cientistas sociais
e filósofos da moralidade, que celebram a tepidez do lar comunal e lastimam os
infortúnios e tribulações do eu desobstruído e sem família.

Este tipo de crítica do malogro emancipador da modernidade não


mantém, por si mesmo, esperança de emancipação: é uma crítica induzida e,
diria ainda, retrógrada do projeto moderno, enquanto só propõe a transferência
do ponto de incapacitação e subordinação do estado universalista para a tribo
particularista. Só substitui um “essencialismo”, já desacreditado, por outro ainda
não totalmente desmascarado em todo o seu potencial de desapoderamento.
De fato, a autodeterminação comunal pode auxiliar as etapas iniciais do longo
processo de reapoderamento dos sujeitos humanos, em sua resolução de suportar
as pressões disciplinares atualmente experimentadas como as mais desagradáveis
e esmagadoras. [...] há um ponto perigoso e facilmente despercebido, em que o
“reapoderamento” se converte num novo “desapoderamento”, e a emancipação
numa nova opressão. Uma vez nesse caminho, é difícil perceber onde parar e, em
regra, é tarde demais parar assim que o ponto for reconhecido, depois do fato.
[...].

Martin Luther King Jr. compreendeu perfeitamente bem que as relações


raciais e étnicas se deteriorariam acentuadamente se o valor cultural da
integração decaísse. Na verdade, é precisamente o que aconteceu nos Estados
Unidos. Os vários grupos étnicos, raciais e de papel sexual quase vieram a ocupar
conjuntamente exclusivos espaços sociais. [...] a luta pela igualdade se toma uma
luta pelo poder – mas o poder, por conta própria, não reconhece a igualdade.
Há, porém, uma genuína oportunidade emancipadora na pós-modernidade,
a oportunidade de depor as armas, suspender as escaramuças de fronteira
empreendidas para manter o estranho afastado, desmontar o minimuro de Berlim
erigido diariamente e destinado a manter distância, separar. Essa oportunidade
não se acha na celebração da etnicidade nascida de novo e na genuína ou inventada
tradição tribal, mas em levar à conclusão a obra do “desencaixe” da modernidade
mediante a concentração no direito de escolher a identidade de alguém como
a única universalidade do cidadão e ser humano, na suprema e inalienável
responsabilidade individual pela escolha – e mediante o desnudamento dos
complexos mecanismos administrados por estado ou tribo e que têm em mira
despojar o indivíduo dessa liberdade de escolha e dessa responsabilidade. [...].

FONTE: BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

172
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu que:

• A vida, o trabalho e as relações afetivas apontam para a luta por um


reconhecimento como sujeito de direito e não como objeto a ser protegido.

• A violência contra as mulheres e as estreitas linhas do empoderamento


apontam para um caminho de lutas infindáveis e permanentes.

• As relações econômicas, o desemprego e a falta de escolaridade culminam


diretamente na necessidade de um profissional que consiga acolher e elaborar
com os grupos as questões individuais e coletivas.

• É no espaço social que acontecem as trocas subjetivas.

• As vítimas de violência sofrem exclusão, se identificam e passam a compor


uma comunidade, que é compreendida por grupos ou seres humanos que
compartilham sentimentos comuns, sejam homens, mulheres, crianças, idosos
e grupos segregados pela identificação de gênero.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

173
AUTOATIVIDADE

1 A Psicologia Social estuda a relação do indivíduo com a sociedade. Com base


na teoria da Psicologia Social, classifique V para as sentenças verdadeiras e
F para as falsas:

( ) A participação do psicólogo no corpo técnico da equipe do CRAS


contribuiu para o aumento da inserção da psicologia em políticas
públicas.
( ) A inserção do psicólogo no CRAS é um importante ponto de partida
para o desenvolvimento das comunidades, pois é através do bem-estar
dos sujeitos e dos grupos sociais que se pode construir a autonomia
destes.
( ) Uma das ideologias que permeia o trabalho do psicólogo social é de
uma inserção pautada no compromisso real com a transformação
social e a busca de mudanças das condições vividas pela população.
( ) A psicologia social vem estudar os processos e as propriedades do
psiquismo decorrentes da vida em comunidade.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - V - F - F.
b) ( ) F - F - F - F.
c) ( ) V - F - V - F.
d) ( ) V - V - V - V.
e) ( ) F - F - V - V.

2 Para a Psicologia Social, dependendo do poder do membro de um grupo, ele


pode levar outras pessoas a cometerem atos negativos ou positivos. Sobre
o desenvolvimento da Psicologia Social e da Psicologia Social Comunitária,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A Psicologia Social no Brasil foi influenciada pela Psicologia Social


Psicológica, vinda dos EUA, que tratava os fenômenos sociais
como naturais por meio de métodos experimentais.
b) ( ) A Psicologia Social Comunitária compreende o homem enquanto
sujeito a-histórico e em contínua elaboração dos conceitos de si,
do outro e do seu contexto.
c) ( ) A inserção assistencialista, assinalada por ideais de caridade, é a
principal ideologia de atuação do Psicólogo Social Comunitário.
d) ( ) A intervenção do Psicólogo Social Comunitário que busca a
transformação social é um processo unidirecional, em que o
profissional dita o seu saber.
e) ( ) A inserção do psicólogo na comunidade deve ocorrer a priori, ou
seja, antes de o profissional conhecer a realidade em que irá atuar.

174
3 A Psicologia social é uma ciência que utiliza suas descobertas na resolução
de problemas específicos. Para a produção de conhecimento, assim como
as outras ciências, são utilizados métodos de pesquisa, dentre os quais
podemos destacar o experimento de laboratório, que se caracteriza por?

4 Disserte sobre a ideia de compromisso social e de seus desdobramentos na


prática da psicologia.

175
REFERÊNCIAS
ABESO. Associação Brasileira para Estudos da Obesidade e da Síndrome Meta-
bólica. Mapa da Obesidade. São Paulo, 2019. Disponível em: https:// abeso.org.
br/obesidade-e-sindrome-metabolica/mapa-da-obesidade/. Acesso em: 24 set.
2020.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro, 2002.

BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição e


estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1995.

BIRMAN, J. Psicanálise, ciência e cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo:


SaraivaJur, 2018.

BOFF, L. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Cia da Letras,
1999.

BRASIL. Ministério da Saúde. Obesidade. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.


(Cadernos de Atenção Básica, n. 12) (Série A. Normas e Manuais Técnicos).

CANTO, O.; ALMEIDA, J. Meio ambiente: determinismos, metamorfoses e


relação sociedade-natureza. 20--. Disponível em: encurtador.com.br/zBCG8.
Acesso em: 18 dez. 2020.

FELDMAN, R. S. Introdução à psicologia. Porto Alegre: Artmed, 2015.

FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,


1986.

FREUD, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 2006. (Edição stan-


dard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).

FREUD, S. Mal-estar na civilização. In: FREUD, S. Obras psicológicas comple-


tas de Sigmund Freud – volume 21. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

GALEANO, E. De pernas pro ar: a escola do mundo avesso. Porto Alegre:


LP&M, 1999.

GOLDENBERG, M. Nu e vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo


carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002.

176
JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET,
D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.

LA BOÉTIE, E. de. Discurso da servidão voluntária ou o contra um. Tradução


de Laymert Garcia dos Santos. São Paulo: Brasiliense, 1999.

LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, po-


der. Petrópolis: Vozes, 2001.

MODENA, M. R. Conceitos e formas de violência. Caxias do Sul, RS: Educs,


2016.

MUCHEMBLED, R. História da violência: do fim da Idade Média aos nossos


dias. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

OMS. Guia de estudos. 2014. Disponível em: https://sinus.org.br/2014/wp-con-


tent/uploads/2013/11/OMS-Guia-Online.pdf. Acesso em: 18 dez. 2020.

RAMOS, A. Introdução à psicologia social. 4. ed. Santa Catarina: UFSC, 2003.

REALE, M. Filosofia do direito. São Paulo: Saraivajur, 2016.

SAFFIOTTI, H. I. B. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo


em Perspectiva, v. 13, n. 4, p. 82-91, 1999.

SBCBM. Número de cirurgias bariátricas no Brasil cresce 7,5% em 2016. 2017.


Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/numero-de-cirurgias-bariatricas-no-
-brasil-cresce-75-em-2016/#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20de%20cirurgias%20
bari%C3%A1tricas,100.512%20pessoas%20fizeram%20a%20cirurgia. Acesso em:
18 dez. 2020.

SCHIER, A. da C. R. Fomento: administração pública, direitos fundamentais e


desenvolvimento. Curitiba: Íthala, 2019.

SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia da Letras, 2000.

SENGUPTA, A. Second report of the independent expert on the right to deve-


lopment. 2000. Disponível em: https://ap.ohchr.org/documents/E/CHR/report/
ECN42000WG18CRP1.pdf. Acesso em: 23 ago. 2020.

STREY, M. N. Psicologia social contemporânea. 7. ed. Rio de Janeiro: Vozes,


2002.

177
178

Você também pode gostar