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Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Ana Isabel Santiago Lopes

Do “eu privado” ao “eu público”: a construção

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da imagem pessoal e a sua mediatização
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Tese de Doutoramento
Doutoramento em Ciências da Comunicação
Especialidade em Sociologia da Comunicação e dos Média

Trabalho efetuado sob a orientação do


Professor Doutor Moisés de Lemos Martins

janeiro de 2023
DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS

Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras
e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos
conexos.
Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada.
Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não
previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositóriUM da
Universidade do Minho.

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Licença concedida aos utilizadores deste trabalho
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Atribuição
CC BY
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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ii
Agradecimentos

Ao meu orientador científico, Professor Doutor Moisés de Lemos Martins, por ter aceitado orientar
este trabalho, por ser fonte de inspiração académica, pelo acompanhamento, orientação e
palavras de encorajamento ao longo de todo o processo, sem o seu apoio esta investigação não
teria sido concluída.

Aos meus entrevistados, em particular à Joana Vasconcelos e ao Paulo Furtado, pela sua
disponibilidade, pela sua colaboração e pela informação que partilharam, sem a qual este trabalho
ficaria incompleto.

À minha amiga Lurdes Macedo, por me ter incentivado a realizar o doutoramento e por me ter

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acompanhado nesta longa caminhada, sem o seu apoio e sem a sua disponibilidade para trocar
impressões sobre o modo como o trabalho que realizei ia sendo conduzido, esta investigação não
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passaria de um sonho.
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Aos meus amigos Ricardo Bessa Moreira e Nuno Bessa Moreira, por me acompanharem nesta
tarefa através da leitura crítica dos textos, sem a sua ajuda este trabalho não seria o mesmo.

Aos meus pais e ao Rui, pela força constante e pela paciência infinita, sobretudo nos momentos
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em que tive de superar adversidades, sem o seu amor e apoio não teria sido possível concretizar
este trabalho.

Ao meu filho, André, por me dar a motivação necessária para seguir em frente, e chegar ao fim
desta longa caminhada.

À Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), por todo o apoio concedido, sem a bolsa de
investigação este sonho não se tornaria realidade.

A todos dedico a minha profunda e sincera gratidão.

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DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo
que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação
de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.
Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.

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RESUMO
Do “eu privado” ao “eu público”: a construção da imagem pessoal e a sua
mediatização
No contexto de uma sociedade marcada pela centralidade dos média e pelo culto da imagem e da
persona, a presente investigação procura compreender o fenómeno de transfiguração do ‘eu
privado’ num ‘eu público’ de grande visibilidade mediática, isto é, perceber como um indivíduo se
torna figura pública através dos média, numa cultura marcada por imperativos de visibilidade.
O trabalho está organizado em duas grandes partes. Na primeira parte apresenta-se uma revisão
da literatura mais incisiva nos domínios da sociologia da comunicação e dos média, de modo a
detalhar o sentido dos termos ‘figuras públicas’, ‘imagem’, ‘média’ e ‘visibilidade’. Enquanto a
segunda parte é dedicada a uma pesquisa de campo que visa conhecer, analisar e comparar
trajetórias de construção e mediatização da imagem de duas figuras públicas portuguesas à luz

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do quadro teórico pré-estabelecido, resultando num estudo comparativo de casos.
A metodologia utilizada na investigação empírica é de natureza qualitativa e baseia-se na análise
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de entrevistas às figuras públicas estudadas, bem como na análise documental. Alguns
procedimentos de natureza quantitativa são utilizados como complemento, nomeadamente a
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análise de frequência. Por sua vez, a triangulação de dados, metodológica e teórica é utilizada para
garantir a validade, fiabilidade e transferibilidade do estudo.
De entre as principais conclusões, a investigação mostra que existem bastantes pontos comuns
nos casos estudados, os quais parecem formar um conjunto de boas práticas na construção e
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mediatização da imagem pessoal no espaço público contemporâneo. Resumidamente, ambas as


figuras públicas alcançaram visibilidade pública nacional e internacional; a sua imagem pública é
construída com base na sua vida profissional/pública, em vez da sua vida pessoal/privada e com
recurso a estratégias de marketing e comunicação executadas por profissionais especializados;
por conseguinte, a imagem ‘fabricada ou não’ dos artistas são disseminadas em meios geridos
pelas figuras públicas e seus agentes, bem como nos meios de comunicação de massa.
Em suma, esta investigação procura dar uma visão pluridimensional do processo de construção e
mediatização da imagem de figuras públicas na esfera mediática contemporânea, a partir de
estudos de casos, os quais poderão ser replicados, sem esgotar o tema e abrindo caminho para
futuras investigações.

Palavras-chave: figuras públicas, imagem, média, visibilidade


v
ABSTRACT
From “private self” to “public self”: the construction of the personal image and its
mediatisation
The present investigation seeks to understand the phenomenon of the transfiguration of 'private self' into
'public self' with high media visibility, in the context of a society marked by the centrality of the media, the
cult of image and persona. In other words, the main objective of this work is to understand how an
individual becomes a public figure through the media, within a culture marked by imperatives of visibility.
This thesis is organised into two main parts: one dedicated to the theoretical framework, and the other to
the empirical research. The first part presents a review of the most incisive literature in the fields of
sociology of communication and media, in order to define the meaning of the terms 'public figures',
'image', 'media', 'visibility'. While the second part is dedicated to field research that aims to understand,
analyse and compare trajectories of the construction and mediatisation of the image of two Portuguese

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public figures, in the light of the pre-established theoretical framework, resulting in the presentation of a
comparative case study.
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The methodology used in the empirical investigation is qualitative. It is based on the analysis of the
interviews conducted with the public figures studied and on documentary analysis. Some quantitative
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procedures have been used as a complement to the study of the phenomenon, namely frequency analysis.
In turn, methodological, theoretical and data triangulation have been used to ensure the study's validity,
reliability, and transferability.
Among the main conclusions, the investigation shows numerous common points between the two public
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figures studied, which seemed to form a set of good practices in the construction and mediatisation of
the personal image in the contemporary public space. In short, both public figures achieved national and
international public visibility; the public images of the artists were constructed based on their
professional/public life, instead of their personal/private life, and using marketing and communication
strategies carried out by public relations and specialised professionals. Therefore, the images of the artists,
either fabricated or real, are disseminated in media managed by public figures and their agents, as well
as in mass media.
In short, this investigation seeks to provide a multidimensional view of the construction and mediatisation
of the image of public figures in the contemporary media sphere, based on the case studies, which can
be replicated, without exhausting the topic and paving the way for future investigations.

Keywords: image, media, public figures, visibility


vi
ÍNDICE
RESUMO ................................................................................................................................... v
ABSTRACT ............................................................................................................................... vi
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 1
Contextualização da investigação .......................................................................................... 2
Estrutura da investigação.................................................................................................... 10
PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ................................................................................. 12
Capítulo 1. A Transfiguração do ‘Eu Privado’ num ‘Eu Público’ ............................................ 13
1.1 Nota introdutória ...................................................................................................... 13
1.2 O público, o privado e a esfera dos média ................................................................ 14
1.3 A visibilidade pública na contemporaneidade ............................................................ 24
1.4 A figura pública na esfera mediática contemporânea ................................................ 45

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1.5 Nota conclusiva ........................................................................................................ 57
Capítulo 2. O Poder da Imagem Pessoal na Cultura Ocidental ............................................. 60
2.1 Nota introdutória ...................................................................................................... 60
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2.2 A cultura visual e o culto da imagem pessoal ............................................................ 61
2.3 O fascínio pela autoimagem e as condutas narcisistas .............................................. 69
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2.4 O fenómeno das selfies e a busca da imagem pessoal perfeita ................................. 87


2.5 O processo de construção da imagem de figuras públicas ........................................ 98
2.6 Nota conclusiva ...................................................................................................... 114
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Capítulo 3. A Mediatização Offline e Online das Figuras Públicas ....................................... 117


3.1 Nota introdutória .................................................................................................... 117
3.2 A figura pública nos meios impressos: dos livros às revistas especializadas............. 118
3.3 A figura pública nos meios eletrónicos: da rádio ao pequeno ecrã ........................... 131
3.4 A figura pública nos meios digitais: dos websites às redes sociais online ................. 149
3.5 Nota conclusiva ...................................................................................................... 169
PARTE II – INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA ................................................................................... 173
Capítulo 4. Metodologia de Investigação............................................................................ 174
4.1 Nota introdutória .................................................................................................... 174
4.2 Opções metodológicas da investigação ................................................................... 175
4.3 Objetivos e questões da investigação ...................................................................... 180
4.4 O campo de análise e os sujeitos da investigação ................................................... 182
4.5 Instrumentos e procedimentos metodológicos ........................................................ 199

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4.6 Nota conclusiva ...................................................................................................... 211
Capítulo 5. Estudo Comparativo de Casos ......................................................................... 214
5.1 Nota introdutória .................................................................................................... 214
5.2 Caso: Joana Vasconcelos – De Lisboa para o Mundo .............................................. 215
5.3 Caso: Paulo Furtado – De Coimbra para o Mundo .................................................. 258
5.4 Análise Comparativa dos Casos .............................................................................. 295
5.5 Nota conclusiva ...................................................................................................... 309
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 312
Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 318
ANEXOS ............................................................................................................................... 358
Anexo 1 – Tiragens e Circulação da APCT, por áreas (2012-2013) ........................................ 359
Anexo 2 – Capas das revistas selecionadas, por áreas (amostra) ........................................... 366
Anexo 3 – Ranking dos Sites de Redes Sociais, Alexa Internet ............................................... 379

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Anexo 4 – Recortes de páginas das Redes Sociais, por segmento e figura pública (amostra) .. 380
APÊNDICES .......................................................................................................................... 387
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Apêndice 1 – Análise das Publicações 2012-2013: Tabelas de Frequência ............................ 388
Apêndice 2 – Guião da Entrevista.......................................................................................... 398
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Apêndice 3 – Formulário de Consentimento Informado ......................................................... 400


Apêndice 4 – Transcrição das entrevistas e respetiva categorização ...................................... 401
Apêndice 5 – Análise de Recortes de Imprensa: Joana Vasconcelos ...................................... 432
Apêndice 6 – Análise dos Posts de Facebook: Joana Vasconcelos ......................................... 434
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Apêndice 7 – Análise de Recortes de Imprensa: Paulo Furtado .............................................. 437


Apêndice 8 – Análise dos Posts de Facebook: Paulo Furtado ................................................. 439

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ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA 1 – PIRÂMIDE DE ALCANCE DE VISIBILIDADE (REIN ET AL., 1997: 94)....................................33

FIGURA 2 – HIERARQUIA DE VISIBILIDADE (REIN ET AL., 1997: 93)⁠ .....................................................33

FIGURA 3 – PADRÃO STANDARD DO CICLO DE VIDA DA VISIBILIDADE (REIN ET AL., 1997: 303)⁠ .........34

FIGURA 4 – OUTROS PADRÕES DE CICLO DE VIDA DE FIGURAS PÚBLICAS (REIN ET AL., 1997: 305)⁠ .35

FIGURA 5 – SELFIE DOS 'OSCARS 2014' ..............................................................................................91

FIGURA 6 – NO MEMORIAL DE MANDELA ............................................................................................92

FIGURA 7 – A PRIMEIRA 'SELFIE PAPAL'...............................................................................................92

FIGURA 8 - ALGUMAS DAS PLATAFORMAS ONLINE MAIS POPULARES .............................................. 165

FIGURA 9 – INFOGRÁFICO: UMA BREVE HISTÓRIA DE JOANA VASCONCELOS................................... 218

FIGURA 10 – FOTOGRAFIA DE ALEXANDRE BERGER ......................................................................... 233

FIGURA 11 – A DESENHAR NO SEU ATELIER .................................................................................... 233

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FIGURA 12 – COM A MÃE E A FILHA, ALICE ...................................................................................... 233

FIGURA 13 – MONOGRAFIA EDITADA EM 2015 ................................................................................. 237


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FIGURA 14 – PÁGINA DE ENTRADA DO SITE ..................................................................................... 239

FIGURA 15 – MENU DLO SITE EM PORTUGUÊS ................................................................................ 239


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FIGURA 16 – PÁGINA DE ENTRADA DO MICROSITE ........................................................................... 239

FIGURA 17 – PERFIL DA PÁGINA DE FACEBOOK ............................................................................... 247

FIGURA 18 – INFOGRÁFICO: UMA BREVE HISTÓRIA DE PAULO FURTADO ......................................... 261


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FIGURA 19 – CAPA DO DISCO FEMINA .............................................................................................. 271

FIGURA 20 – CARTAZ DA TOURNÉE ALEMÃ....................................................................................... 271

FIGURA 21 – CAPA DA REVISTA BLITZ ............................................................................................... 272

FIGURA 22 – FURTADO NA SUA CASA ............................................................................................... 273

FIGURA 23 – PÁGINA DE ENTRADA DO SITE ..................................................................................... 278

FIGURA 24 – PÁGINA DE ENTRADA DO MICROSITE ........................................................................... 279

FIGURA 25 – PERFIL DA PÁGINA OFICIAL DO ARTISTA NO FACEBOOK.............................................. 286

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ÍNDICE DE TABELAS
TABELA 1 – INDICADORES DE CIRCULAÇÃO DO SEGMENTO ‘CULTURA E ESPETÁCULO’ ................. 185

TABELA 2 – INDICADORES DE CIRCULAÇÃO DO SEGMENTO ‘DESPORTO’ ........................................ 186

TABELA 3 – INDICADORES DE CIRCULAÇÃO DO SEGMENTO ‘ECONOMIA, NEGÓCIOS E GESTÃO’ .... 186

TABELA 4 – INDICADORES DE CIRCULAÇÃO DO SEGMENTO ‘FEMININAS E MODA’ .......................... 187

TABELA 5 – INDICADORES DE CIRCULAÇÃO DO SEGMENTO ‘INFORMAÇÃO GERAL’ ........................ 187

TABELA 6 – INDICADORES DE CIRCULAÇÃO DO SEGMENTO ‘SOCIEDADE’ ....................................... 188

TABELA 7 – INDICADORES DE CIRCULAÇÃO DO SEGMENTO ‘TELEVISÃO E JOGOS’ ......................... 188

TABELA 8 – PUBLICAÇÕES SELECIONADAS POR SEGMENTO ........................................................... 189

TABELA 9 – RANKING DO SEGMENTO ‘CULTURA E ESPETÁCULO’.................................................... 193

TABELA 10 – RANKING DO SEGMENTO ‘DESPORTO’ ........................................................................ 193

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TABELA 11 – RANKING DO SEGMENTO ‘ECONOMIA’ ........................................................................ 194

TABELA 12 – RANKING DO SEGMENTO ‘INFORMAÇÃO GERAL’ ......................................................... 195


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TABELA 13 – RANKING DO SEGMENTO ‘MODA’ ................................................................................ 196

TABELA 14 – RANKING DO SEGMENTO ‘SOCIEDADE’ ....................................................................... 196


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TABELA 15 – RANKING DO SEGMENTO ‘TELEVISÃO’......................................................................... 197

TABELA 16 – FIGURAS PÚBLICAS A ESTUDAR .................................................................................. 198

TABELA 17 – PROCESSO DE CATEGORIZAÇÃO.................................................................................. 206


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ÍNDICE DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – VASCONCELOS: DISTRIBUIÇÃO DAS PEÇAS JORNALÍSTICAS ENTRE 2001 E 2017 ...... 245

GRÁFICO 2 – VASCONCELOS: DISTRIBUIÇÃO DOS POSTS AO LONGO DE 2015 E 2020 .................... 248

GRÁFICO 3 – FURTADO: DISTRIBUIÇÃO DAS PEÇAS JORNALÍSTICAS ENTRE 2008 E 2021 ............... 283

GRÁFICO 4 – FURTADO: DISTRIBUIÇÃO DOS POSTS AO LONGO DE 2015 E 2020 ............................ 287

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INTRODUÇÃO
IE
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CONTEXTUALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO
A presente investigação pretende compreender o fenómeno de transfiguração do ‘eu privado’ num
‘eu público’ na esfera mediática contemporânea. Por outras palavras, este trabalho visa observar
como um indivíduo se torna figura pública através dos média, partindo de uma análise exploratória
da construção da persona pública, no seio de uma cultura marcada por imperativos de visibilidade.
O interesse por esta temática decorre, por um lado, da crescente importância da imagem pessoal
no sistema social das sociedades contemporâneas (em particular, no Ocidente) e, por outro lado,
de experiências profissionais de mais de dez anos no campo, como consultora, formadora, docente
e blogger.
A crescente importância da imagem pessoal no mundo atual parece ter resultado do deslocamento
da palavra para a imagem na civilização ocidental, desde meados do século XIX, motivado pelo
aparecimento da fotografia, do cinema e da televisão e, mais recentemente, das redes cibernéticas

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e ambientes virtuais; até então, a palavra constituía o “grande mito da civilização ocidental”, quer
de tradição greco-latina, quer de tradição judaico-cristã, como referido por Moisés de Lemos
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Martins (2011c).
A verdade é que as imagens estão tão presentes no nosso quotidiano que tudo leva a crer que esta
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é a ‘civilização da imagem’. Seja na publicidade de rua, na embalagem de um produto, na notícia


de um jornal ou revista, no ecrã da televisão, do computador ou do telemóvel, as imagens estão
lá para serem consumidas e interpretadas por nós. De modo que, hoje, o cidadão comum mantém-
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se informado sobre o mundo através das imagens veiculadas pelos média – em particular a
imprensa e a televisão, quer em formato tradicional quer digital – os quais acabam por determinar
o que ver e, por exclusão de partes, o que não ver.
Assim como os média decidem que imagens nos mostram da realidade, também decidem quem
nos dão a ver nessas imagens. São os média, enquanto espaço público central da
contemporaneidade, que dão visibilidade a um conjunto de indivíduos, tornando-os figuras públicas
conhecidas e reconhecidas de inúmeros públicos.
Algumas dessas figuras públicas são ‘construídas’ pelos próprios média, numa lógica de mercado,
outras são promovidas nos média por se distinguirem pelo seu desempenho em atividades de
grande visibilidade mediática, tais como, a política, a economia, o desporto, a moda, a música,
entre outras.

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Por seu turno, alguns indivíduos tornam-se figuras públicas por via de um processo de ‘auto
fabricação’, pelo facto de utilizarem eficazmente os média (sobretudo, meios digitais como
websites, blogues e redes sociais) como plataforma de ‘autopromoção’.
Quer isto dizer que, com o advento dos meios de comunicação tradicionais e digitais, a imagem
pessoal de certos indivíduos passou a ser, paulatinamente, reproduzida e difundida em larga escala
e, mais ainda, de forma democratizada.
Recorde-se que, antes de aparecer a fotografia, apenas alguns indivíduos gozavam desse privilégio.
Noutros tempos, só imperadores, reis e outras figuras públicas poderosas viam a sua imagem
pessoal representada em esculturas, retratos pintados, moedas e outros suportes. Hoje em dia,
qualquer indivíduo com acesso à Internet e a um telemóvel com câmara fotográfica e de vídeo
pode, potencialmente, ver a sua imagem, estática ou em movimento, difundida à escala mundial
num curto período de tempo. É o caso de vídeos produzidos e publicados por cidadãos anónimos

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que mostram momentos hilariantes protagonizados por bebés, crianças, adultos e até animais de
estimação, tornados virais no mundo online, com milhões de visualizações. As câmaras e os ecrãs
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do mundo contemporâneo colocaram, assim, o indivíduo na mira do olhar público.
A par dos avanços tecnológicos e do aparecimento dos média, outros fatores parecem ter
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contribuído para a visibilidade pública do “eu” e o interesse pelas questões da imagem pessoal.
De entre eles, destaca-se o rápido crescimento da população mundial nas últimas décadas, bem
como o advento e desenvolvimento de indústrias que operam na área da imagem pessoal no
contexto da cultura de massas, da ‘sociedade do espetáculo’ (Debord, 1967) e da explosão de
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‘culturas do eu’ (Babo, 2019).


No que se refere ao crescimento da população mundial, os indicadores disponibilizados pelo Fundo
da População das Nações Unidas falam por si. Nas últimas três décadas, a população mundial
registou um aumento de quase mil milhões de habitantes a cada dez anos. Em 2000, a população
mundial atingiu cerca de 6,1 mil milhões habitantes; em 2011, chegou aos 7 mil milhões; e, em
2020 contabilizaram-se cerca de 7,8 mil milhões de habitantes. Estima-se, agora, que a população
mundial chegue aos 9,7 mil milhões em 2050. Se esta estimativa se confirmar, poderá dizer-se
que a população mundial irá quadruplicar em 100 anos, já que apenas 2,5 mil milhões pessoas
habitavam o mundo em 1950 (UNFPA, 2011, 2020).
Alguns desses marcos foram assinalados pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o
nascimento de bebés. Em 1999, Adnam Nevic, um menino nascido em Sarajevo foi escolhido pela
ONU para assinalar o marco dos seis mil milhões de habitantes; enquanto o dia 31 de outubro de
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2011 ficou marcado simbolicamente pelo nascimento do bebé 7 mil milhões, uma menina filipina
de nome Danica May Camacho, escolhida pelas Nações Unidas para assinalar o acontecimento.
Apesar de vários países reivindicarem a efeméride, foi a bebé de Manila que atraiu a atenção da
imprensa de todo o mundo, para além de receber uma bolsa de estudos e os pais uma quantia
em dinheiro para abrir uma loja (Sapo/AFP, 2011).
Tais indicadores e eventos são reveladores de um planeta cada vez mais povoado, mas também
de uma certa necessidade do indivíduo se fazer notar no meio da multidão. E, numa cultura ou,
melhor ainda, numa economia que premeia a competição/competitividade, essa ‘necessidade de
se fazer notar’ parece ser ainda mais premente. Para tanto, basta tomar como exemplo o mercado
de trabalho global, no qual milhares de pessoas são potencialmente candidatos a uma só vaga,
pelo que têm de encontrar estratégias e táticas que lhes permitam distinguirem-se dos demais de
forma positiva e atrativa.

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É precisamente neste ponto que entram as indústrias empenhadas em construir, manter e/ou
melhorar a imagem pessoal dos indivíduos, que vão desde as agências de Relações Públicas e
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Comunicação, até aos profissionais especializados em estética (cirurgiões plásticos, estilistas,
cabeleireiros, entre outros). Isto para não falar da indústria de bens de grande consumo com seus
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produtos e discursos comunicacionais que prometem “boa forma”, “beleza”, entre outras coisas.
Conscientes da importância de gerir com rigor a sua imagem pessoal, inúmeras figuras públicas
do panorama nacional e internacional recorrem aos serviços profissionais de assessores de
comunicação e imagem. A título de exemplo, veja-se todo o trabalho de bastidores em volta dos
PR

políticos nas campanhas eleitorais. Desde o vestuário dos candidatos às fotografias publicadas no
mural do Facebook, nada é deixado ao acaso.
Por seu turno, a minha experiência profissional no campo da imagem pessoal também é reveladora
do crescente interesse pela temática, quer por parte de organizações, quer por parte de indivíduos.
Nos últimos dez anos, levei a cabo iniciativas relacionadas com o tema que alcançaram milhares
de pessoas, entre as quais palestras, formações, ações de consultoria, artigos e até concursos.
De entre essas iniciativas, destaco o Master.Spitch, um evento de recrutamento e marketing
pessoal promovido pela Cidade das Profissões (centro de informação e aconselhamento cujo
objetivo é a promoção do empreendedorismo e da empregabilidade), que permite aos seus
candidatos apresentar o seu objetivo profissional a uma plateia de empresas e potenciais
investidores em 90 segundos, tendo levado ao palco do Teatro Rivoli no Porto centenas de
participantes, entre a primeira edição, realizada em 2012, e a oitava edição, organizada em 2019.
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Por sua vez, o blogue VIPP - Valorização da Imagem Pessoal e Profissional, da minha autoria,
alojado no site do jornal Expresso entre janeiro de 2010 e abril de 2014, viu alguns dos seus artigos
atingirem cerca de dez mil visualizações. O livro que publiquei em 2013 com o título “Qual é a sua
melhor versão? Guia prático para a realização pessoal e profissional” (Santiago, 2013d), no qual
se pode encontrar dicas para “construir e projetar uma boa imagem pessoal e profissional”,
também despertou interesse entre os leitores, levando à publicação da segunda edição no ano
seguinte. E, se a esta realidade forem somadas outras contribuições, dadas por especialistas em
imagem pessoal, um pouco por tudo o mundo, percebe-se a dimensão do fenómeno.
A observação empírica destas práticas sociais parece ser suficientemente reveladora do interesse
que os indivíduos e as organizações têm pela questão da imagem pessoal e, simultaneamente,
pela possibilidade de a tornar visível aos olhos dos outros através dos mais variados meios, sendo
esse interesse particularmente mais acentuado no caso de pessoas que fazem parte do domínio

W
público, as chamadas figuras públicas.
Compreende-se, por isso, que este fenómeno, com grande expressão na atualidade, tenha
IE
despertado a atenção da comunidade científica nos últimos tempos. Portanto, a questão da
transfiguração de um “eu privado” num “eu público”, que se propõe investigar nesta tese, não é
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nova. Historiadores, sociólogos, antropólogos, especialistas em comunicação e demais


investigadores das Ciências Sociais e Humanas têm procurado, das mais variadas formas,
compreender como determinados indivíduos se tornaram figuras públicas, isto é figuras
amplamente (re)conhecidas no espaço público da sua época e, até mesmo, em diferentes épocas
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da história da humanidade.
De entre os estudos disponíveis sobre a construção da imagem dessas figuras notáveis, da Idade
Antiga (cerca de 4000 a.C. até 476 d.C.) à Idade Moderna (de 1453 até 1789), destaca-se, a título
de exemplo, a obra “Imagem e poder: considerações sobre a representação de Octávio Augusto”,
escrita pelo académico brasileiro Paulo Martins (2011) no âmbito do seu doutoramento em Letras
Clássicas pela Universidade de São Paulo (Brasil), que reflete um estudo de imagens visuais e
literárias em torno de um projeto de poder empreendido pelo fundador do Império Romano e seu
primeiro imperador, entre 27 a.C. e 14 d.C.; a obra “A imagem de Jesus ao longo dos séculos”,
do investigador norte-americano da história do cristianismo, na Universidade de Yale, Jaroslav
Pelikan (1985), que apresenta a forma como cada época interpretou e elaborou a imagem de
Jesus, do século I ao século XX; e, ainda, o livro “A fabricação do rei. A construção da imagem
pública de Luís XIV”, da autoria do professor e historiador britânico Peter Burke (1992), na qual se
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explica o funcionamento da máquina de propaganda do Rei e se discute o uso dos média no século
XVII, dos canais de comunicação (orais, visuais e escritos) e os seus códigos (literário e artístico),
assim como a reação de uma audiência que foi alvo de todas essas mensagens. No plano da
investigação nacional, encontram-se outros trabalhos, como por exemplo, “A construção da
imagem pública do rei e da família real em tempo de luto (1649-1709), uma dissertação de
mestrado em História Moderna, apresentada por Euclides Griné (1997) na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, que visa reconstruir o processo de fabrico de imagens dos Braganças,
mostrar a projeção dessas imagens em diversos meios de informação, persuasão e propaganda
e, até mesmo, refletir sobre as questões da receção da imagem.
Por sua vez, a construção e mediatização da imagem de figuras públicas do mundo
contemporâneo também tem despertado a atenção da comunidade científica, dando lugar ao
desenvolvimento de estudos em áreas tão distintas como política, moda, televisão e música.

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No caso da política, certas pesquisas académicas têm centrado a sua atenção na construção da
imagem e na cobertura mediática de determinados líderes políticos, em contextos e momentos
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específicos, nomeadamente em tempo de campanha eleitoral. Exemplos disso são as dissertações
de mestrado “Estratégias de argumentação e construção da imagem pessoal no debate político
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televisivo”, de Daniela Moreira da Silva (2004), submetida no Instituto de Letras e Ciências


Humanas, na Universidade do Minho, e “Celebridade política: análise da imagem e do discurso
de Pedro Passos Coelho e de José Sócrates nas legislativas de 2011”, de Filipe Martins Valente
(2012), defendida na Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior. Outros
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trabalhos dedicam-se ao estudo do fenómeno de celebrizar indivíduos da política. Por exemplo, a


tese de doutoramento “O Presidente-celebridade”, da autoria da jornalista e professora
universitária Sandra Sá Couto (2019), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, retrata Marcelo Rebelo de Sousa como um político-celebridade. Enquanto a obra “Celebrity
politics”, escrita por Mark Wheeler (2013), professor de Comunicação Política na London
Metropolitan University, oferece uma análise aprofundada da política de celebridades.
Nos campos da moda e da televisão, importa mencionar a tese de doutoramento “Personagens
públicas na mídia, personagens públicas em nós: experiências contemporâneas nas trajetórias de
Gisele Bündchen e Luciana Gimenez”, defendida por Lígia Lana (2012)⁠ na Universidade Federal
de Minas Gerais, enquanto estudo comparativo das trajetórias de duas celebridades brasileiras na
esfera pública dos média. Um outro estudo, intitulado “A noite da madrinha”, conduzido pelo
sociólogo Sérgio Miceli (1982) e originalmente publicado em 1972, analisou a construção da
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imagem da apresentadora de televisão Hebe Camargo, a partir de um programa de auditório,
mostrando as condições de consolidação da indústria cultural no Brasil e o papel dos meios de
massa na dominação da classe média brasileira.
No âmbito da cultura e espetáculo, destacam-se, sobretudo, trabalhos dedicados à análise da
imagem construída e mediatizada de certos ícones do mundo da música. É o caso do estudo “O
‘it verde e amarelo’ de Carmen Miranda (1930-1946)”, levado a cabo por Tânia Garcia (2004),
que analisou as ambiguidades presentes nas imagens da cantora e seu diálogo com a identidade
nacional brasileira da década de 1930, a partir de canções, filmes e revista, evidenciando o papel
dos meios de comunicação de massa - nomeadamente, rádio, cinema e imprensa - na construção
e difusão dessas imagens. O caso patente na obra “The Beatles: image and the media”, escrita
pelo norte-americano Michael R. Frontani (2007), um professor associado de comunicação na Elon
University, que (re)constrói a carreira dos Fab Four, dando a conhecer a evolução da sua imagem,

W
a forma como foram retratados na imprensa e como a sua imagem se associou a determinados
eventos culturais e históricos. No caso da cantora Madonna, dois trabalhos merecem aqui ser
IE
destacados. Em primeiro lugar, o caso “Madonna, fashion and image”, no qual o professor de
filosofia Douglas Kellner (1995) analisa a imagem construída da cantora em diferentes momentos
EV

da sua trajetória pública, por meio de letras de música, videoclips e entrevistas, reconstituindo o
trabalho produzido por uma grande equipa de marketing e mostrando a influencia do ícone da
música pop na moda e identidade do mundo contemporâneo. Em segundo lugar, a obra
“MultiMadonna: o papel da imagem contraditória na construção de um fenómeno da indústria
PR

cultural”⁠, da autoria de Bruno Fernandes (2010), que resultou de uma dissertação de Mestrado
em Ciências da Comunicação, apresentada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, na
Universidade Nova de Lisboa, e que mostra as imagens diversas e divergentes construídas em
cada fase da carreira da estrela pop, no contexto de uma cultura fortemente marcada pelo
audiovisual e pelo star-system.
Todos estes trabalhos são reveladores do interesse do mundo académico pelas questões da
construção e mediatização da imagem pessoal de figuras públicas, pelo menos nas últimas quatro
décadas. Todavia, esses estudos parecem não ser ainda suficientes para darem conta do
fenómeno que se pretende analisar em toda a sua amplitude. A propósito, Turner (2010) notou um
aumento das pesquisas sobre figuras públicas, mas admitiu que não há grande profundidade ou
variedade.

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Portanto, a academia necessita de novas pesquisas, que envolvam outras figuras públicas de
relevo, contemporâneas ou de outrora, que contribuam para um conhecimento científico mais
amplo do fenómeno da fabricação de um ‘eu público’ através dos média. Além disso, são
necessários mais estudos centrados em figuras públicas portuguesas e desenvolvidos por
investigadores nacionais. A escassez de trabalhos sobre o assunto em Portugal representa, por
isso, uma oportunidade para a produção científica na área, daí se propor a presente investigação.
Nesse contexto surgiu a proposta de investigação: “Do ‘eu privado’ ao ‘eu público’: a construção
da imagem pessoal e a sua mediatização”, que pretende reunir pistas para responder à pergunta:
“Como é que um indivíduo se torna figura pública através dos média?”; primeiramente, a partir da
construção de um quadro teórico sobre o fenómeno em estudo e, seguidamente, através da
realização de dois estudos de caso coletivo e da sua análise comparativa.
No que se refere ao quadro teórico, esta investigação procurou enquadrar de forma sistematizada

W
a figura pública na esfera mediática contemporânea, com o intuito de delimitar o objeto de estudo,
bem como discutir aspetos da construção e mediatização da imagem pessoal na
IE
contemporaneidade, com o propósito de identificar elementos para estudo.
Dado que a qualidade da fundamentação teórica depende muito da seleção das leituras, a presente
EV

investigação contemplou obras de referência que visaram “fazer o ponto de situação acerca dos
conhecimentos que interessam para a pergunta de partida” (Quivy & Campenhoudt, 1998: 52).
Para tanto, foram consideradas obras clássicas bem como documentos produzidos mais
recentemente, garantindo-se assim a atualidade e pertinência da informação produzida. Assim
PR

sendo, o corpus teórico deste estudo foi construído a partir de livros, artigos científicos, dicionários,
teses, artigos de imprensa, relatórios de estudos, websites e outros documentos, tanto de origem
nacional como internacional.
No âmbito da investigação empírica, a elaboração do estudo de caso comparativo pareceu a
estratégia de pesquisa mais adequada, na medida em que se pretendeu, em primeiro lugar,
examinar um fenómeno contemporâneo; em segundo lugar, conhecer em profundidade “como”
um indivíduo se torna figura pública através dos média; e, em terceiro lugar, estudar um conjunto
de pessoas, designadamente figuras públicas portuguesas.
Assim sendo, ao procurar analisar a forma como se processa a transfiguração de um ‘eu privado’
(indivíduo comum) num ‘eu público’ na esfera mediática contemporânea (figura pública), esta
investigação visou, por um lado, reconstruir a trajetória mediática das figuras públicas em estudo,
desde a sua aparição pública até ao tempo presente, a partir da apresentação de uma sucessão
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linear de acontecimentos relevantes (perspetiva diacrónica) e, por outro lado, analisar a forma
como esses indivíduos são referenciados nos média tradicionais e digitais, tendo por base o recorte
de acontecimentos relevantes (perspetiva sincrónica).
Com o propósito de tornar a pesquisa mais robusta, a recolha de dados foi efetuada a partir de
fontes distintas, concretamente entrevistas às figuras públicas em estudo e/ou seus assessores
de comunicação/imagem; documentação escrita acerca das figuras públicas alvo de estudo, tais
como biografias, monografias, peças jornalísticas e outros documentos; e, ainda, sites, blogues e
redes sociais das figuras públicas em causa. A análise dos dados teve um forte cunho descritivo,
interpretativo e comparativo. Neste caso optou-se por utilizar a técnica de análise de conteúdo,
pelo facto de os dados serem predominantemente verbais (orais e escritos). Pontualmente, utilizou-
se a técnica de análise de frequência a fim de se concretizar a triangulação de dados e a
triangulação metodológica.

W
Neste ponto de partida, assumem-se como principais limitações da investigação, a circunscrição
do objeto de estudo a uma elite, nem sempre disponível para participar em trabalhos desta
IE
natureza; a análise de uma seleção de recortes da sua trajetória pública, deixando de fora outros
acontecimentos; bem como o foco na imagem projetada e não na imagem recebida pelos públicos,
EV

excluindo-se assim o estudo da imagem na imaginação coletiva, isto é, nas representações


coletivas.
No final da investigação, espera-se que o trabalho desenvolvido acrescente conhecimento original
e significativo à área científica em que o mesmo se enquadra, a Sociologia da Comunicação e dos
PR

Média, dando uma visão pluridimensional do processo de construção e mediatização da imagem


pessoal na esfera mediática contemporânea, a partir de estudos de casos de figuras públicas
portuguesas, os quais poderão ser replicados, sem esgotar o tema e abrindo caminho para futuras
investigações na área. E, ainda, que os resultados possam fornecer pistas ao cidadão comum
sobre como construir e mediatizar a sua imagem pessoal no espaço público mediático
contemporâneo de forma positiva e, acima de tudo, consciente, por forma a evitar-se o
desenvolvimento de comportamentos obsessivos em torno da imagem pessoal e da procura de
visibilidade pública a todo o custo.
Por essa ordem de razões, este trabalho traduz-se numa proposta de investigação ambiciosa,
original e aberta, que visa constituir-se como um estudo geral da imagem pessoal de figuras
públicas no seu tempo, revelador da forma como essa imagem é construída e mediatizada, com
vista ao alcance de visibilidade pública.
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ESTRUTURA DA INVESTIGAÇÃO
A investigação apresenta-se organizada em duas partes – o enquadramento teórico e a
investigação empírica – que se subdividem em cinco grandes capítulos, além desta introdução e
das considerações finais. Todos os capítulos têm a mesma estrutura, isto é, uma nota introdutória
na qual se apresentam os temas a abordar, várias secções temáticas dedicadas ora à revisão da
literatura, ora à pesquisa empírica, e uma nota conclusiva que destaca as ideias e/ou os resultados
preliminares.
O primeiro capítulo, composto por três secções, procura discutir o fenómeno da transfiguração do
‘eu privado’ num ‘eu público’, no contexto de uma sociedade ocidental marcada pela omnipresença
dos média e pelos imperativos da visibilidade, com o propósito de conhecer o objeto de estudo da
presente investigação: a figura pública contemporânea. Na primeira secção exploram-se os
conceitos de ‘público’ e ‘privado’ numa perspetiva histórica e reflete-se sobre a formação do espaço

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público dos média na contemporaneidade. A segunda secção inicia-se com uma reflexão ‘sobre o
visível e o invisível’ na esfera mediática contemporânea, para em seguida caracterizar a visibilidade
IE
pública e sistematizar as oportunidades e ameaças da visibilidade mediática. Enquanto a terceira
secção procura definir o termo ‘figura pública contemporânea’, encontrar uma tipologia de figura
EV

pública e, ainda, refletir sobre a nomenclatura utilizada para representar a figura pública nos
média.
O segundo capítulo, formado por três secções, constitui uma reflexão sobre o poder da imagem
pessoal na cultura Ocidental, com o intuito de encontrar elementos relacionados com o processo
PR

de construção da imagem pessoal a considerar na investigação empírica. Assim, a primeira secção


lança um olhar sobre a cultura visual e o culto da imagem pessoal na sociedade contemporânea.
A segunda secção procura identificar fatores que concorrem para a construção da imagem pessoal,
bem como conhecer as indústrias que se dedicam a essa atividade e o seu modus operandi, os
quais contribuem para a ‘fabricação’ de um ‘eu público’. A terceira secção procura aflorar o fascínio
pela autoimagem e as condutas narcisistas na sociedade contemporânea, particularmente as que
envolvem figuras públicas e o ciberespaço. A quarta e última secção deste capítulo reflete sobre o
fenómeno das ‘selfies’ e a busca da imagem pessoal perfeita para publicação nos sites de redes
sociais, tendo esse fenómeno ocorrido na altura em que se deram os primeiros passos na presente
investigação.
O terceiro capítulo, dividido em três secções, aborda o processo de mediatização da imagem da
figura pública, a fim de mapear os meios offline e online a ter em conta na pesquisa empírica. Na
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primeira secção identificam-se meios impressos como os livros, os jornais e as revistas,
destacando aqueles cujo conteúdo dá enfase à figura pública contemporânea. A segunda secção
debruça-se sobre os meios eletrónicos, em particular a rádio e a televisão, e a cobertura realizada
por esses meios acerca da vida pública e privada da figura pública. Por fim, na terceira secção
abordam-se os meios digitais de autoapresentação e autoexpressão que ajudam a figura pública a
comunicar diretamente com o seu público na Web 2.0.
O quarto capítulo contempla quatro secções e é inteiramente dedicado à metodologia da
investigação. Na primeira secção fundamentam-se as opções metodológicas da pesquisa, na
segunda secção identificam-se os objetivos e as questões da investigação; na terceira secção
delimita-se o campo de análise e identificam-se os sujeitos da investigação; e, na quarta secção,
apresentam-se os instrumentos e os procedimentos de recolha e análise de dados utilizados na
pesquisa.

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O quinto capítulo está dividido em três secções e apresenta o estudo comparativo de casos. Assim,
na primeira e na segunda secções apresentam-se os casos Joana Vasconcelos (artista plástica) e
IE
Paulo Furtado (músico), respetivamente. Cada caso contempla, em primeiro lugar, uma breve
biografia da figura pública, na qual se procede à caracterização pessoal e profissional da mesma
EV

e ao relato de experiências e eventos significativos da sua vida; em segundo lugar, a trajetória


mediática da figura pública, do anonimato à visibilidade pública; em terceiro lugar, os diferentes
aspetos da construção da imagem pessoal e profissional da figura pública; e, finalmente, os meios
offline e online através dos quais a figura pública se dá a conhecer ao grande público. Na terceira
PR

e última secção deste capítulo faz-se uma análise comparativa dos casos com o intuito de
evidenciar os pontos divergentes e convergentes encontrados nos processos de construção e
mediatização da imagem das duas figuras públicas em estudo.
Nas considerações finais articulam-se os resultados da investigação empírica com o
enquadramento teórico, tecem-se algumas considerações sobre a validade e fiabilidade dos
resultados, apontam-se as limitações e insuficiências da pesquisa realizada, destaca-se o
contributo da investigação na área científica em que a mesma se insere, faz-se referência à
aplicação prática dos resultados obtidos e apresentam-se pistas para investigações futuras.

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W
PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO
IE
EV
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CAPÍTULO 1. A TRANSFIGURAÇÃO DO ‘EU PRIVADO’ NUM ‘EU PÚBLICO’

“Só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue


aparecer, tudo se torna visível a todos”
Habermas, 1984: 16
1.1 Nota introdutória
Em todas as épocas da história da humanidade existiram pessoas que se destacaram das demais
no espaço público, quer pelas suas ideias, quer pelos seus feitos. Muitas dessas figuras públicas
estão presentes no imaginário coletivo pelo facto de o seu nome ser perpetuado através de livros,
estátuas, museus ou nomes de ruas. Por exemplo, Michael H. Hart (1999) lançou “Uma Visão do
Ano 3000: Uma Classificação das 100 Pessoas Mais Influentes de Todos os Tempos”, incluindo
líderes religiosos como Maomé e Jesus de Nazaré, físicos como Isaac Newton e Albert Einstein,

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políticos como Mikhail Gorbachev ou Mao Tsé-tung, reis e rainhas como Guilherme I e Isabel I,
músicos como Bach e Beethoven, entre outros.
IE
Na contemporaneidade, a figura pública ganhou novos contornos, motivada pelo desenvolvimento
das indústrias culturais e dos média. Os média, em particular, têm tido um papel crucial na
EV

exposição dessas pessoas no espaço público, desde o nível local até ao internacional. Deste modo,
a esfera mediática contemporânea está povoada de figuras públicas: políticos, desportistas, atores,
modelos, músicos, artistas, apresentadores de televisão, concorrentes de reality-shows, membros
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da realeza, entre outras. Umas atraem mais a atenção dos média do que outras, mas todas elas
ganham acesso aos média pelo facto de cumprirem o requisito de ‘interesse público’. Por essa
razão, todos os dias, meios de comunicação social de todo o mundo fazem circular um número
incalculável de notícias acerca dessas pessoas conhecidas do grande público.
É precisamente neste contexto que esta investigação de insere. Portanto, neste capítulo procura-
se compreender o processo de transfiguração do ‘eu privado’ num ‘eu público’ a partir de uma
reflexão, em primeiro lugar, sobre os conceitos de ‘espaço público’ e ‘espaço privado’, pois é entre
esses dois espaços que o fenómeno de desenvolve; em segundo lugar, sobre o conceito de
‘visibilidade’ pública e mediática, dado que uma pessoa só se torna figura pública se for vista,
notada e conhecida por muitas pessoas; e, por fim, sobre o conceito multifacetado de ‘figura
pública’, a fim de se conhecer o objeto de estudo da presente pesquisa.

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1.2 O público, o privado e a esfera dos média
Na Antiguidade Clássica (aproximadamente do século VIII a.C. ao século V d.C.), a comunicação
entre Estado e cidadãos processava-se através de contactos interpessoais na ágora grega ou nas
câmaras do senado romanas, dando-se assim origem ao princípio de opinião pública e de
comunicação política (Ferin, 2002: 112). Por meio da conversação entre cidadãos, as coisas
verbalizavam-se, configuravam-se, tornavam-se visíveis a todos e, nessa disputa, os melhores
alcançavam a ‘imortalidade da fama’ (Habermas, 1984 [1962]: 16). A esfera pública era assim
um espaço de reconhecimento público, onde a representatividade pública estava ligada a atributos
da pessoa – como a insígnia (emblemas, armas), o hábito (vestimenta, penteado), o gesto
(saudação, comportamentos) e a retórica (forma de falar, estilo do discurso) – e era dependente
da circunvizinhança em que a mesma se manifestava (Habermas, 1984 [1962]: 20-23).
Na democracia grega, a esfera pública correspondia à esfera do que é comum (koinon) aos

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cidadãos, enquanto a esfera privada correspondia ao que é próprio do cidadão (idion), da família
e da casa (oikos). Desse modo, o privado era do domínio da necessidade, isto é, um espaço
IE
reservado à satisfação de necessidades biológicas como alimentação, abrigo e reprodução e a ele
pertenciam os escravos, as mulheres e as crianças, os quais eram dominados pelo chefe da casa,
EV

que assegurava a satisfação das suas necessidades; enquanto o público era do domínio da
liberdade, desapegado das necessidades biológicas (Arendt, 1958; J. R. Carvalheiro, Prior, &
Morais, 2015; Habermas, 1984; A. Rodrigues, 1985).
Nessa altura, a esfera pública apresentava um estatuto superior ao da esfera privada e para
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pertencer à esfera pública e fazer parte dos poucos que eram livres e iguais na polis 1 da Grécia
Antiga, o cidadão tinha de saber usar a palavra e fazer valer os seus feitos. Na realidade, o bios
politikos tinha de se manifestar através da notoriedade (aristotein) dos pares (omoioi) no espaço
da ágora, na palavra (lexis) e na ação (praxis) da guerra (polemos) e da luta (agonia) (Rodrigues,
1985: 2).
Na sociedade dos romanos, a relação entre Estado e cidadãos processava-se de maneira diferente,
dado que existia uma dominação do poder imperial sobre os cidadãos do Império Romano. No
entanto, a distinção entre público e privado era evidente, na medida em que o direito romano
consagrara a oposição entre o dominium ou o imperium do publicus, constituído pelo res extra
commercium, formado por estradas, praças e rios, que garantia livre acesso do povo ao espaço

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O termo polis designava a cidade grega da Antiguidade clássica.
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