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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE LETRAS
Projeto de Pesquisa
TÍTULO: A projeção da identidade e a construção estética nas mídias sociais
AUTORES: Anna Clara Souza Vieira da Costa
Gabriel Rossi Pereira
Isabela Jesus Santos
Maria Luiza Maia Garcia
PERÍODO PREVISTO: 12 meses

I. Introdução
No princípio do século XXI, observou-se uma profunda mudança na sociedade, que
só seria intensificada na década seguinte. Esse processo de transformação diz respeito à
inserção do digital, por meio da internet, nas hierarquias das relações interpessoais. Como
Tolentino (2019) expõe, essa fase inicial é conhecida como Web 1.0, um termo dependente
do termo Web 2.0 — a fase atual —, criado por DiNucci1 (1999, p.32 apud TOLENTINO,
2019, p. 16), que elabora que os elementos estáticos vistos na tela de dispositivos no final
do século XX são somente um protótipo da web que fará parte da vida das pessoas, e que os
sinais do surgimento da Web 2.0 já eram perceptíveis e indicavam que esta não se limitaria
a ser um conjunto de telas com linguagem verbal e não-verbal, mas seria uma forma de
transporte, um caminho no qual a interatividade é o centro.

A partir do advento da Web 2.0, as relações entre as pessoas se tornaram, ao mesmo


tempo, estreitas e diluídas com a popularização das mídias sociais e o estabelecimento de
dinâmicas centradas no “eu”, uma vez que agora todos os indivíduos podem fazer uma
curadoria de si mesmos e definir uma estética a ser compartilhada com outros. Dessa forma,
termos como “seguidores”, “curtir”, “compartilhar”, “comentar” e “influenciadores”
passaram a fazer parte do repertório comum da vida em sociedade. Além da ascensão da
posição de influenciador, celebridades que já estavam na mídia tradicional passam a fazer
uso das múltiplas redes sociais, em um sistema que fornece uma espécie de poder social
nessa nova camada da vida. Assim, essas pessoas produzem conteúdo em forma adequada à

1
DINUCCI, Darcy. Fragmented Future. Print, v. 53, n. 4, p. 32, Apr. 1999.

1
cada espaço virtual, produzindo uma estética, que está em diálogo com aqueles responsáveis
pelo status social virtual: os seguidores.

Embora o conceito de ‘estética’, no sentido grego da ‘aesthesis’, estivesse


ligado originariamente a uma noção física de ‘sensibilidade’, logo a
palavra passou a ser entendida também como a percepção estética que gera
algum tipo de resposta potencialmente diferente do objeto que a causou;
mais do que uma reação a uma percepção, a estética parece ganhar uma
dimensão produtiva. (MARTINO, 2016, p.47)
Essa abordagem estética pode ser visualizada de diversas formas. Uma delas se dá
na caracterização e na “seleção” de aspectos específicos para um determinado público-alvo,
a criação de uma nova persona, por assim dizer. Essa espécie de máscara, frequente nas
mídias, tende a trazer aspectos que valorizem cada vez mais sua identidade, tomando uma
distância ainda maior do “eu” real, criando uma personalidade incompatível com a de seu
criador. Este processo não ocorre somente com os influencers, mas também com os seus
seguidores e as pessoas que usufruem das redes sociais de maneira geral.

Persona é o nome dado à máscara usada pelos atores no teatro grego para
identificar o personagem interpretado, sendo uma peça de vital importância
para o desempenho do artista. Em comparação a esse adereço, a Persona,
como termo utilizado na psicologia analítica, é uma máscara irreal vestida
pelo indivíduo para a adaptação aos conteúdos socialmente aceitos e
almejados. (FARIAS e MONTEIRO, 2012, p. 5)
A criação de uma persona por parte do influencer não se dá apenas em função do
público-alvo, mas também mediante a situação em que a personalidade digital se encontra:
em meio a uma situação polêmica, por exemplo, nota-se uma mudança nos perfis pessoais
que, seja de maneira explícita ou subliminar, dedicam-se a gerenciar a crise na imagem e
reputação do indivíduo. Uma evidência de tal fenômeno seria a popularização dos “vídeos
de desculpas”, comumente postados no YouTube ou no Instagram, onde influenciadores
envolvidos em controvérsias procuram restaurar sua relação com a audiência a partir de
pedidos de desculpas. Ao longo dos anos e com o desenvolvimento do mundo digital, esses
vídeos passaram a ser construídos de maneira cada vez mais meticulosa, procurando
exprimir uma linguagem multimodal minuciosamente pensada, com o objetivo de aumentar
as chances de uma boa recepção do pedido de desculpas por parte dos seguidores.

Não só o empenho exercido na produção de tais vídeos, como também o significativo


aumento na ocorrência destes evidenciam a consolidação de uma nova dinâmica nas redes
sociais, onde a imagem é tratada como produto (PERINI, 2021). Rushdy (2018, apud

2
PERINI, 2021, p. 8)2 afirma: “Na sociedade consumista de hoje, o público é Deus. E assim
as celebridades pedem desculpas a nós – ao público – de uma maneira que as pessoas
costumavam apelar ao seu Deus”. Manter uma boa reputação com os seguidores e garantir
a lealdade dos mesmos tornam-se, deste modo, objetivos cruciais para a carreira das
celebridades da internet. A proximidade e as possibilidades de interação promovidas pela
web, portanto, são as principais responsáveis pelo vínculo parassocial criado entre
personalidade digital e seguidor, onde ambos os lados sofrem os efeitos, sejam eles positivos
ou negativos, das projeções estéticas no meio digital.

II. Justificativa
O presente projeto de pesquisa é relevante pois se atém sobre as relações estéticas
nas mídias sociais, que na última década provocaram uma notável mudança na
sociabilidade, que ganhou outras facetas, englobando também o universo online. Sendo
assim, a pesquisa se mostra imprescindível na atualidade, uma vez que, ao analisar os
mecanismos estéticos em plataformas digitais específicas, estará estudando os aspectos que
moldaram e continuam pautando a política contemporânea em seus mais diversos campos
ideológicos. Dessa forma, o projeto é fundamental por tentar entender as raízes de
movimentos coletivos dos últimos anos que agem sobre a conduta individual, observando
os dois novos extremos da sociabilidade contemporânea: os perfis públicos com altíssima
exposição e os seguidores que os alimentam com engajamento no pão e circo em que se
transformou o mundo digital.

III. Objetivos
Objetivo geral
Esta pesquisa visa fazer uma análise do comportamento de influenciadores digitais
através da imagem que projetam em suas redes sociais, de seu relacionamento com seus
seguidores e como isso impacta o psicológico dos mesmos. Partindo sobretudo de sua
construção de imagem, através de elementos de linguagem verbal e não-verbal que
mobilizam para atingir determinados objetivos principalmente nas situações de maior

2
RUSHDY, A. The art of the public apology. The Conversation, Nova Iorque, 30 jan. 2018. Disponível em:
https://theconversation.com/the-art-of-the-public-apology-90425

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visibilidade nos quais estes influenciadores estão envolvidos. A reação e comportamento do
público frente a essas situações também serão objeto de análise.

Objetivos específicos

• Analisar a maneira como os seguidores reagem perante as ‘performances’ realizadas


pelos influencers;
• Discutir acerca da formação de uma nova persona, ou uma nova identidade, para as
mídias sociais, tanto a respeito dos seguidores quanto dos digital influencers;
• Examinar a forma de construção do discurso para formar uma personalidade e
imagem agradáveis ao público;
• Debater sobre as formas subliminares do discurso midiático, como cores, formas e
planos de fundo para a projeção de uma imagem específica;
• Investigar a influência psicológica das mídias sociais no bem-estar pessoal dos
seguidores;
• Analisar a relação entre público, autor e conteúdo. Até onde vão os limites da obra?

IV. Referencial Teórico

A criação de uma determinada persona a partir da projeção multimodal que o


indivíduo faz da própria imagem aproxima-se do conceito de ethos, utilizado na retórica
durante a Antiguidade para referir-se às características do orador que contribuiriam para
tornar o discurso do mesmo mais atraente ao público, de maneira a favorecer o processo
persuasivo. Ao longo dos anos, muitos autores refletiram sobre tal conceito e enriqueceram
seu significado, aplicando-o em diversas áreas do conhecimento. Entre elas, destaca-se o
ramo da análise do discurso e a figura de Dominique Maingueneau, que desenvolve a ideia
de ethos discursivo. Neste, a noção aristotélica é pensada por uma perspectiva que a leva
além do momento enunciativo, uma vez que “não se pode ignorar que o público constrói
também representações do ethos do enunciador antes mesmo que ele fale”
(MAINGUENEAU, 2005 apud AURÉLIO, 2012, p.5). Deste modo, o ethos é fragmentado
em seus momentos pré-discursivo e discursivo, no qual o primeiro pode invalidar ou
confirmar o que é expresso no segundo:

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O ethos pré-discursivo se refere à imagem que o coenunciador constrói do
enunciador, antes mesmo que este pronuncie algo.
O ethos discursivo engloba o ethos dito e o ethos mostrado. O primeiro [...]
é criado através das referências diretas do enunciador, enquanto o ethos
mostrado está no domínio do não explícito, da imagem que não está
diretamente representada no texto, mas é construída pelas pistas que o
enunciador oferece ao coenunciador, no momento discursivo. Dessa forma,
o ethos dito e o ethos mostrado relacionam-se mutuamente já que não há
uma linha clara de separação entre o explicitado e o não explicitado.
(FIORINDO, 2012, p. 5)
Sendo assim, é possível notar que com o passar dos anos e a consolidação das mídias
sociais como fonte de lucro, a preocupação dos influencers com a própria imagem —
principalmente com a maneira que esta é percebida pelo público— aumentou
significativamente. Se antes um enunciador expressaria suas visões de mundo na internet
sem considerar as repercussões e consequências que tais compartilhamentos causariam,
atualmente observa-se a presença de um maior tratamento do ethos discursivo, feito de modo
a influenciar positivamente a imagem prévia que um interlocutor em potencial pode construir
do emissor, ou seja, influenciar o ethos pré-discursivo. Na atualidade brasileira, tal
comportamento é perceptível em situações onde indivíduos “desconhecidos” no mundo
digital atingem relevância repentina, como é o caso de participantes de reality shows de
confinamento, como A Fazenda ou o Big Brother Brasil. A mudança na identidade visual
nos perfis do Instagram e Twitter dos participantes meses antes da estreia desses programas
de televisão não só é notável como normalmente é contrastada com screenshots
(normalmente apresentados pelos próprios internautas) que ressaltam manifestações de
ações consideradas problemáticas feitas pelas mesmas contas em anos anteriores. Com o
aumento da recorrência dessa prática entre o público, muitos participantes optaram por
deletar seus antigos perfis, visando evitar a reação negativa dos espectadores na internet.

A partir disso e tendo em vista o caráter simétrico das relações no meio digital, nas
quais todos os indivíduos são, simultaneamente, remetentes e destinatários de informação,
evidencia-se que a crescente de polêmicas e escândalos envolvendo influencers e outras
personalidades midiáticas relevantes na internet também provém da mudança que se deu
entre os próprios usuários que interagem com o conteúdo postado, em uma conduta que Han
(2018) denomina como “sociedade da indignação”:

As ondas de indignação são eficientes em mobilizar e compactar a atenção.


Por causa de sua fluidez e volatilidade elas não são, porém, apropriadas
para organizar o discurso público, a esfera pública. Elas são incontroláveis,
incalculáveis, inconstantes, efêmeras e amorfas demais para tanto. Elas se

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inflam repentinamente e se desfazem de maneira igualmente rápida. (HAN,
2018, p. 14)
Deste modo, o filósofo pontua a fragilidade das reações do público perante ações
condenáveis: ao mesmo tempo em que as críticas dos espectadores podem se mostrar válidas
e embasadas, a rapidez com que as polêmicas surgem é equivalente à velocidade em que
estas deixam de se tornar relevantes, o que impede, em muitos casos, uma abordagem
pertinente e construtiva acerca dos problemas apontados. O autor compara a ineficácia que
tais discursos tem em causar mudanças significativas ao sentimento de raiva, afirmando que
a indignação digital “é [...] um estado afetivo, que não desenvolve nenhuma força com poder
de ação” (Han, 2018, p.16).

Tolentino, em seu texto O eu na internet, estabelece a noção de “sinalização de


virtude” como modo intrínseco dos indivíduos de estarem na esfera digital da vida.

Mas, na internet, você não pode só andar por aí e ser visível; para que os
outros o vejam, você precisa agir, precisa se comunicar caso deseje manter
uma presença virtual. E uma vez que as plataformas mais relevantes são
construídas em torno de perfis pessoais, pode parecer — primeiro em nível
mecânico, depois como um instinto codificado — que o principal objetivo
dessa comunicação é fazer com que você pareça interessante. Os
mecanismos de recompensa online imploram para substituir os offline, e
então os ultrapassam. É por isso que todo mundo tenta parecer tão lindo e
viajado no Instagram; é por isso que todo mundo se comporta de forma tão
orgulhosa e triunfante no Facebook; é por isso que, no Twitter, fazer uma
declaração política justa, para muitas pessoas, tornou-se um bem político
em si mesmo. (TOLENTINO, 2019, p. 19)
Dessa forma, a sinalização de virtude é um impulso que age sobre os usuários de
mídias sociais que podem estar conscientes ou não de tal prática. A obsessão por virtude
explica as relações estéticas online, uma vez que é o que impulsiona o desejo pelo controle
da narrativa. A narrativa da verdade é disputada entre a pessoa com perfil pessoal que faz da
rede social um trabalho no mundo contemporâneo da exposição, e seus seguidores, que no
instante em que perceberam comportamentos da pessoa que seguem que questionem ideais
de ética irão iniciar movimentos que tornem essa pessoa o centro de discussões acaloradas
pautadas por noções de virtude e que, em muitos casos, pode se transformar em um discurso
político raso.

Consequentemente, a pessoa pública alvo de comentários e “cancelamentos” também


vai se posicionar com estratégias para reverter a situação a seu favor em outra manifestação
de sinalização de virtude para tentar convencer seus seguidores e qualquer pessoa – afinal,

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nas mídias sociais, todos são vizinhos um do outro à distância de um clique – de que é uma
boa pessoa e tudo que aconteceu foi um erro ou mal-entendido. Tolentino (2019) articula
cinco problemas interligados das mídias sociais, sendo o primeiro o fato de a internet ser
moldada para deformar o senso individual e coletivo de identidade; o segundo diz respeito à
supervalorização da opinião de cada usuário, que acredita na sua ideia de auto importância
excessiva; o terceiro o fato de a internet intensificar a sensação de oposição; o quarto se
relaciona com a degradação da solidariedade e, por último, a internet aniquila qualquer
medida de escala.

Além disso, em Fuga na imagem, Han (2018, p. 32) elabora que “refugiamo-nos nas
imagens para sermos melhores, mais bonitos e mais vivos. Evidentemente, nos valemos não
apenas da técnica, mas também de imagens para impulsionar a evolução.”. Assim, as
imagens, a estética que determinada pessoa ou grupo de pessoas deseja transmitir é uma
tentativa de elaboração artificial de uma realidade que não coincide com o mundo em si,
uma vez que nas mídias sociais há a vontade de consumir pessoas com imagens idealizadas
e não contraditórias.

As imagens emitidas pelos perfis públicos se tornam modelos de existências, de como


comportamentos alheios seus e até mesmo de seus seguidores devem ser. Os seguidores, por
meio das imagens e da estética, enxergam naquela pessoa uma figura sacralizada que pode
ser entendida como um ideal de evolução, de ser humano perfeito. A concepção de estética
como evolução é retomada no momento em que o perfil público se torna alvo de múltiplos
comentários por algum comportamento contraditório que toque na ilusão do ser humano
perfeito, pois a pessoa comentada, com suas estratégias estéticas para reverter a situação,
inicia mais um ciclo de criação de imagens como forma de criar uma linha narrativa de
evolução.

Como na internet o limite de reprodução de imagens é infinito, esse é um ciclo que


não tem fim já que uma vez iniciada a discussão sobre o comportamento estético, seguidores
– o público –, e a pessoa por trás do perfil público começam a sobrepor imagens de um
discurso para o outro a fim de valorizar sua própria narrativa e simulação de uma verdade
absoluta.

As imagens tornadas consumíveis destroem a semântica e a poética


especiais da imagem, que é mais do que uma mera reprodução do real. As
imagens são domesticadas ao serem tornadas consumíveis. Essa
domesticação das imagens leva a sua loucura (Verrücktheit) ao

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desaparecimento. Assim, elas são retiradas de sua verdade. (HAN, 2018,
p. 32)
Com isso, o filósofo mostra que a degeneração do significado é a base das relações
interpessoais nos ambientes digitais. A estética é um mecanismo de dominação sobre o outro,
o que revela a estranheza das dinâmicas online visto que são dinâmicas de consumo, de um
lado o consumo de números, de status e da própria personalidade — que já está distanciada
da personalidade anterior à criação do perfil na rede social—, e do lado do seguidor, o
consumo de uma figura sagrada que acaba se revelando, mesmo em uma atmosfera
controlada atrás de uma câmera, mais um ser humano imperfeito. Dessa maneira, com o
passar do tempo, dos discursos e das imagens sobrepostas umas às outras, a essência que
ambas as partes, seguidores e a pessoa “ideal”, têm na vida fora da internet acaba se perdendo
no descontrole das mídias sociais e a verdade se torna obscura.

Martino (2016) elucida que as pessoas narram com base no que sabem, contudo o
que elas sabem é totalmente conectado ao seu lugar no mundo como sujeitos e às
circunstâncias em que são formadas e que acabam definindo o modo de cada um
compreender o mundo e narrá-lo para outras pessoas, que antes eram as pessoas próximas
ao seu entorno, mas que na era da internet podem designar qualquer indivíduo.

Paralelamente, Martino (2016, p. 42) afirma que “mesmo quando a narrativa é feita
para si mesmo, no sentido de um solilóquio, os fatos narrados e o modo de narrar se
interpelam em termos da recordação do que outros contaram.”. À princípio, pode-se ver as
redes sociais como solilóquios, ambiente de fala para si mesmo, o que em alguma medida é
coerente, pois quando um perfil público, tentando se defender pelo discurso, utiliza
estratégias estéticas ele estará dialogando com a própria narrativa em que foi inserido e com
sua própria imagem a fim de apaziguar os ânimos.

Não obstante, o perfil público também dialoga com o público ocupado nos seus
recursos estéticos acaba influenciando a narração do influencer, que nas suas respostas
defensivas vai acoplar a memória do discurso dos seguidores em uma demonstração de
consideração ao que está sendo falado e com intenções de utilizar essa memória sob outros
ângulos produzidos a partir do seu ponto de vista de, inicialmente, agente da própria
decadência online e, se obtiver sucesso estético, de vítima.

Ademais, em A morte do autor, Barthes elabora que, na contemporaneidade, o foco


está sobre o autor e não sobre o próprio texto, o que enfraquece as leituras interpretativas.

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Portanto, o juízo de valor sobre um texto recai sobre seu produtor, e não sobre o próprio
discurso, um fato que pode ser percebido quando se pensa em como os seguidores lidam
com influenciadores digitais quando estes se comprometem publicam com um texto e
imagem mal recebidos.

“ [...] a lingüística acaba de fornecer para a destruição do Autor um


instrumento analítico precioso, mostrando que a enunciação em seu todo é
um processo vazio que funciona perfeitamente sem que seja necessário
preenchê-lo com a pessoa dos interlocutores: lingüisticamente, o autor
nunca é mais do que aquele que escreve, assim como ‘eu’ outra coisa não
é senão aquele que diz ‘eu’: a linguagem conhece um ‘sujeito’, não uma
‘pessoa’, e esse sujeito, vazio fora da enunciação que o define, basta para
fazer ‘sustentar’ a linguagem, isto é , para exauri-la. ” (BARTHES, 1968,
p. 60)
Barthes teoriza ideias que podem ser transpostas para a prática atual do chamado
“cancelamento”: devia-se fazer críticas ao discurso, enunciado, ao conteúdo, à
conscientização e não a pessoa em si, mas o que ocorre é o contrário, demonstrando a força
resistente do império do Autor e da sinalização da virtude.

V. Hipóteses

No decorrer do projeto algumas hipóteses precisam ser apresentadas como aquelas


que o atravessam e que conduzem os seus propósitos fundamentais, pois delas partimos para
que, posteriormente, possamos confirmá-las ou não, tendo em vista o transcurso da pesquisa
em questão. São três as hipóteses com as quais teremos que lidar ao longo do trabalho:

• A maneira como as mídias socias têm afetado a sociedade, transformando-a em suas


características mais básicas e primordiais. Este processo, que tem se aprofundado nas
últimas décadas, acaba gerando uma “sociedade do escândalo” (ou ainda uma
“Sociedade do Espetáculo”, conforme problematizou Guy Debord), e que deteriora
a muralha da privacidade que delimita a individualização.
• O processo de domesticação de imagens, como dito por Byung-Chul Han, remete à
imagem não mais apenas como reprodução do real, mas também como item de
consumo. O mesmo acaba por gerar grande impacto na esfera psicológica humana,
já que acarreta em efeitos como a Síndrome de Paris, na qual indivíduos chegam à
beira do histérico ao contrastarem a realidade com o que lhes era prometido nas
imagens.

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• A criação de uma nova persona, como fuga e disfarce, buscando se camuflar ou
ganhar maior destaque no meio digital em que um indivíduo se situa, descartando
aspectos intrínsecos de sua personalidade por acreditar que não são atrativos para um
determinado público, causando assim uma dissociação de seu verdadeiro eu.

VI. Metodologia

A pesquisa é do tipo bibliográfica, ou seja, as fontes utilizadas são livros, artigos


científicos e produções acadêmicas. A escolha das leituras foi feita através da ferramenta de
pesquisa acadêmica Google Scholar e o site do Programa de Pós-graduação em Estudos
Linguísticos da UFMG.

O processo de seleção das leituras que integrariam a bibliografia da pesquisa


começou de maneira seletiva, ou seja, com o objetivo de selecionar o material que seria
objeto da pesquisa. A leitura para seleção do material se deu através de pesquisa por
palavras-chave nas plataformas citadas acima e também através do conhecimento prévio dos
autores da pesquisa e a escolha obedeceu aos critérios previamente estabelecidos pelos
objetivos da pesquisa. Depois de selecionados, os textos foram submetidos a uma leitura
reflexiva, ou seja, com o objetivo compreender e apreender os significados dos textos além
de diferenciar as ideias principais das secundárias selecionando aquelas que são relevantes
no contexto da pesquisa. Por fim foi feita uma análise do material lido, identificando os
objetivos e conclusões do autor de forma a relacioná-los com as hipóteses levantadas pela
pesquisa, procurando discernir o que é verdadeiro e o que é falso.

VII. Cronograma

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Referências bibliográficas
AURÉLIO, Pereira Renato. Oferecendo uma imagem de si: A (des) construção do Ethos
discursivo da Candidata Dilma Rousseff. Vale do Jequitinhonha: Vozes dos Vales da
UFVJM, n.2, outubro de 2012. Disponível em: www.ufvjm.edu.br/vozes
BARTHES, Roland. A Morte do Autor. In: BARTHES, Roland. O Rumor da Língua. São
Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 57 – 64.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2016.
FARIAS, Lídia; MONTEIRO, Taís. A identidade adquirida nas redes sociais através do
conceito de persona. In: XIX Prêmio Expocom, 2012, Chapecó. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/resumos/R32-1497-1.pdf.
Acesso em: 8 dez. 2021.
FIORINDO, Priscila Peixinho. Ethos: Um percurso da retórica à análise do discurso.
Pandora Brasil. N.47, p.41-49, out. 2012. Disponível em:
http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/edicao47.htm . Acesso: 16 de jan. 2022.
HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2018. 136
p.
LOUREIRO, Giovana Perini Frizera de Morais. Analisando o desqualificável: um estudo
sobre pedidos de desculpas de figuras públicas em redes sociais. Orientadora: Ana Larissa
Marciotto de Oliveira. 2021. 135f. Tese (Doutorado em Programa de Pós-Graduação em
Linguística) — Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2021.

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MARTINO, Luís Mauro Sá. De um eu ao outro: narrativa, identidade e comunicação com a
alteridade. Parágrafo, São Paulo, v. 4, n. 1, ed. 7, p. 40-49, 2016.
TOLENTINO, Jia. O eu na internet. In: TOLENTINO, Jia. Falso Espelho: reflexões sobre
a autoilusão. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2020. cap. 1, p. 13-49.

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