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Construção de Identidades Bissexuais nas Redes Sociais: O Papel de

Nick Nagari como Influenciador Digital1

Clarissa Gandor Taborda2


Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo
Este artigo tem o objetivo de analisar brevemente a participação do influenciador digital Nick
Nagari dentro do processo de comunicação e de construção de identidades bissexuais através
das redes sociais. A análise foi feita através do conteúdo postado no perfil do Instagram do
influenciador. Ao longo do artigo, também, são apresentados alguns conceitos que buscam
compreender sucintamente a dinâmica das bissexualidades, identidade, redes sociais e influência
digital. As perguntas que guiam o trabalho e a discussão teórica são: Como o influenciador
digital Nick Nagari impacta na comunicação e na construção de identidades bissexuais nas redes
sociais?

Palavras-chave: Bissexualidade; Influenciador Digital; Redes Sociais; Nick Nagari; Identidade.

1 Introdução

Sujeitos com práticas bissexuais, muitas vezes, não se articulam como grupo
sociopolítico e não possuem uma sensação de identidade consolidada dentro da
bissexualidade e da comunidade LGBTI+. Segundo Hall (1992) o fato de utilizar
determinada prática, e/ou característica, para construir uma identidade contribui para
alinhar sentimentos subjetivos com os lugares objetivos do mundo social e cultural. A
suposta dificuldade da consolidação dessa identidade e dessa representação social das
bissexualidades faz com que os sujeitos bissexuais, muitas vezes, ocupem um não lugar
identitário e, também, um não lugar dentro do imaginário da sociedade. É partir desta
problemática que será apresentado o Influenciador Digital, palestrante e escritor que se
denomina como Nick Nagari, que é uma pessoa não binária3 que se identifica com os

1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Práticas midiáticas, redes sociocomunicacionais e
cidadania, do 9º Encontro de GTs de Pós-Graduação - Comunicon, realizado de 17 a 19 de outubro de
2023.
2
Aluna do segundo semestre do curso de Mestrado em Comunicação pelo PPGCOM da UFRGS,
orientada pela Professora Dra. Laura Wottrich. E-mail: cla_gt@hotmail.com
3
De acordo com a LGBT Foundation, pessoas não binárias sentem que sua identidade de gênero não pode
ser definida dentro das margens do binarismo. Em vez disso, eles entendem seu gênero de uma maneira
que vai além de simplesmente se identificar como homem ou mulher (LOURENÇO, 2022).

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pronomes masculinos (ele/dele), por este motivo o presente artigo irá se referir a ele
sempre no masculino. Nick tem se dedicado à criação de conteúdo sobre bissexualidade
na internet há cerca de cinco anos. Na data desta pesquisa4, ele possui aproximadamente
59 mil seguidores no Instagram, 76 mil seguidores no TikTok e 24 mil seguidores no
Twitter. Para esta análise, utilizaremos seu perfil no Instagram5, uma vez que é nessa
rede social que seu conteúdo e seu público se consolidaram primeiramente.
As redes sociais desempenham um papel significativo na circulação e construção
de sentidos, tornando-se um meio de comunicação de relevância. Nesse sentido, é
importante observar a influência dos meios de comunicação na construção dos discursos
identitários, como destacado por Martins e Oliveira (2014). Segundo as autoras, as
identidades são manifestações próprias das culturas das sociedades, e os meios de
comunicação desempenham um papel crucial nesse processo como um componente
cultural essencial.
De acordo com Jodelet (2002), uma das condições para a produção dos discursos
identitários é a comunicação, seja ela intragrupo, entre grupos ou mesmo a comunicação
midiática. É nos meios de comunicação que circulam os sentidos socialmente
configurados e compartilhados, a partir dos quais os indivíduos atribuem significado à
realidade e às relações sociais.
Nessa perspectiva, o influenciador digital Nick Nagari pode ser considerado um
líder de opinião no processo de construção de discursos identitários bissexuais.
Conforme Rogers (1962) apud Primo, Matos e Monteiro (2021), a liderança de opinião
refere-se ao grau em que um indivíduo é capaz de influenciar informalmente as atitudes
e comportamentos de outras pessoas de maneira desejada e com frequência relativa,
uma vez que suas atitudes são observadas pelos demais membros do grupo ou da
comunidade.
Portanto, o objetivo deste estudo é analisar como Nick Nagari comunica sobre as
bissexualidades em seu perfil do Instagram, investigando as estratégias comunicacionais
utilizadas e a relação dessas comunicações com os processos de conscientização e
aceitação.
Este estudo possui abordagem qualitativa, pois irá analisar as relações dinâmicas
entre o mundo real e subjetividade do sujeito, não podendo ser quantificado em

4
Julho de 2023.
5
https://www.instagram.com/nicknagari/ (Acesso em: Jul. de 2023).

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números. O objetivo do estudo se dá em uma perspectiva exploratória, à medida que se
pretende compreender o fenômeno de maneira teórica, através da pesquisa bibliográfica
junto à literatura já publicada, em articulação com uma primeira observação empírica.
Através das estratégias metodológicas apresentadas, será abordado sucintamente
alguns conceitos relacionados às redes sociais, influenciadores digitais, bissexualidades
e identidade. Após isto, será apresentada a análise empírica das postagens de Nick
Nagari.

2 Redes Sociais e Influenciadores Digitais

A partir do exposto, será utilizado a definição de Redes Sociais a partir da


perspectiva de Danah Boyd que define estas mídias como:

Redes sociais são plataformas online que permitem que indivíduos e grupos se
conectem, interajam e compartilhem conteúdo de forma pública ou
semi-pública. Elas são caracterizadas pela participação ativa dos usuários, que
podem criar, compartilhar e comentar conteúdos gerados por eles mesmos ou
por outros usuários (BOYD, 2007, p. 211, tradução nossa).

Para complementar a definição de Boyd, sobre o papel dos indivíduos nas redes
sociais cabe vislumbrar a observação das autoras Tomaél, Alcará e Chiara (2005, p. 93)
que diz que:

Nas redes sociais, cada indivíduo tem sua função e identidade cultural. Sua
relação com outros indivíduos vai formando um todo coeso que representa a
rede. De acordo com a temática da organização da rede, é possível a formação
de configurações diferenciadas e mutantes.

As redes sociais, segundo Marteleto (2001, p.72), representam “[...] um conjunto


de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses
compartilhados”. A partir da democratização do acesso à internet houve uma
descentralização do poder sobre a informação, a divulgação da informação não estaria
mais apenas centralizada nas mídias de massa tradicionais. As redes sociais têm uma
abordagem de mídia em grande escala, mas com uma configuração espacial distinta em
relação à mídia de massa convencional. Ao invés de distribuir um mesmo conteúdo para
um público amplo, como faziam os principais meios de comunicação, elas oferecem
plataformas online que possibilitam a interação entre qualquer indivíduo. Em vez de

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alcançar indiscriminadamente a todos, as redes sociais permitem que qualquer um possa
se engajar e interagir com outros usuários (COULDRY; VAN DIJCK, 2015).
Neste cenário, observa-se uma facilidade na participação dos indivíduos,
propiciando o aumento da inclusão de amadores como produtores de conteúdo. Nesse
contexto, não é mais necessário recorrer à assistência ou permissão de profissionais para
expressar publicamente opiniões e ideias (KARHAWI, 2017). Com essa transformação
da dinâmica da circulação da informação surgiu o movimento que hoje é chamado de
Influenciadores Digitais.
O conceito de Influenciadores Digitais seguiu uma linha evolutiva até chegar
nesta nomenclatura. Essa linha evolutiva se baseou nas mudanças e nos surgimentos de
novas plataformas e novas dinâmicas que a internet proporcionou a estes usuários.
Antes do surgimento das plataformas que se conhece como Redes Sociais atualmente,
os criadores de conteúdo utilizavam os diários virtuais chamados “blogs” para postar
seus conteúdos. Os blogs e fóruns, muito antes das redes sociais digitais, foram os
espaços ocupados por esses novos atores da cultura da participação (SHIRK, 2011).
Devido a isto, o primeiro termo que se referia a estes produtores independentes
de conteúdo online, foi o termo “blogueira” ou “bloggers”. As profissionais do ramo da
moda, por exemplo, que atuavam como produtoras de conteúdo em blogs eram
conhecidas simplesmente como "blogueiras de moda”. O mesmo ocorria com
blogueiros de outros nichos, abrangendo desde jogos até decoração. Já aqueles que se
dedicavam à produção de conteúdo em outras plataformas, como o YouTube, eram
denominados "vlogueiros" ou "vloggers". A partir de 2015, porém, houve um
movimento de redefinição dessas nomenclaturas profissionais, uma mudança discursiva
(KARHAWI, 2017).
De acordo com Primo, Matos e Monteiro (2021) com o surgimento das redes
sociais; como Orkut, Twitter e Facebook; a efervescência da blogosfera6 desacelerou.
Devido à facilidade de publicação, leitura e conexão, boa parte das interações online
migraram para as redes sociais na internet.
Assim, indivíduos que criam conteúdo na internet passaram a ser chamados pelo

termo influenciador digital (e antes dele, sua versão em língua inglesa; digital
influencer) passou a ser usado mais comumente, no Brasil, a partir de 2015. Um
dos principais motivos pode estar atrelado à entrada de novos aplicativos na

6
Espaço virtual dos blogs, conjunto de blogs.

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esfera de produção desses profissionais que deixaram de se restringir a apenas
uma plataforma – só o YouTube, no caso dos vlogueiros; ou só o blog, no caso
dos blogueiros. [...] a fim de alcançar cada vez mais públicos diferentes e,
também, acompanhar seus leitores em múltiplas plataformas [...] Ainda, o termo
influenciador não anula dinâmicas dos “extintos” vlogueiros ou blogueiros, não
representa, necessariamente, uma novidade em termos de práticas de
comunicação – mas uma ampliação das possibilidades de atuação (KARHAWI,
2017, p.53 e 55, grifo nosso).

Assim, ser um influenciador digital faz com que esses indivíduos ganhem um
poder tanto simbólico quanto mercadológico dentro de suas comunidades online. De
acordo com Rogers (1962) apud Primo, Matos e Monteiro (2021) a credibilidade
adquirida por indivíduos que estabelecem relações cotidianas em uma comunidade
resulta em seus comportamentos sendo observados, respeitados e reproduzidos. Quando
terceiros decidem seguir as mesmas decisões, fazem isso em busca de segurança e para
evitar riscos. Por isso se utiliza a estratégia de marketing de contratar influenciadores
digitais buscando replicar esse padrão.
Portanto, como complementa Karhawi (2017), ser um influenciador digital é
uma dinâmica que envolve vários processos: a produção de conteúdo, a consistência
tanto em termos de temática quanto de frequência, a manutenção de relacionamentos, o
destaque em uma comunidade e, por fim, a conquista de influência. Um influenciador
pode ser alguém que estimula debates e coloca em pauta temas de discussão em nichos
específicos, bem como aquele que exerce influência na decisão de compra de
determinadas marcas e produtos.
O influenciador Nick Nagari se mantém economicamente através da sua atuação
na produção de conteúdo online, por isso há publicações pagas por contratantes em suas
redes sociais. Entretanto, seu foco principal é divulgar questões relacionadas às
bissexualidades e promover a circulação de sentidos dentro dessa causa e discurso
identitário. Portanto, a análise das redes sociais dele, neste artigo, priorizará essas
articulações em seus posts, que não são patrocinados e que possuem esses discursos
com conotações políticas e identitárias.
É importante ressaltar que a circulação de significados nas redes sociais não é
neutra e não é apenas emitida e controlada pelos indivíduos que se manifestam por meio
dessas mídias e plataformas. Pensar nessa perspectiva é reconhecer que as mídias não
são territórios neutros e utópicos. Esse tensionamento pode ser conceituado pela
"dialética da midiatização", termo utilizado por Janson (2017) apud Grohmann (2019, p.

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105), que aborda essa interação complexa entre os sujeitos e as mídias, em constante
transformação e influência mútua.

[...]significa reconhecer as contradições e desigualdades nos processos de


midiatização: por um lado, há lógicas midiáticas dominantes relacionadas tanto
à financeirização quanto à circulação do capital, contribuindo para sua própria
aceleração; por outro, há outras lógicas de classe, gênero, raça, entre outras,
fazendo circular outros sentidos, o que Jansson (2017) chama de
contramidiatização e lutas por autonomia e o que denominamos aqui de “lutas
por circulação”. Assim, trata-se de inserir a midiatização e o bios midiático a
partir de uma perspectiva não homogênea e de intersecção entre circulação de
sentidos e circulação do capital, como um processo atuante e estruturante nas
duas esferas. (grifo nosso).

É fundamental considerar essas dinâmicas em que há disputas envolvidas na


circulação de significados e na circulação de capital nas redes sociais. Observar o
tensionamento que os movimentos identitários enfrentam ao se apropriar dessas mídias
para divulgar seus discursos e alcançar os indivíduos é quase como uma forma de
resistência à hegemonia da circulação midiática de capital. Essa ação de se apropriar das
mídias como uma estratégia de resistência é uma maneira de reverter o poder e buscar
amplificar vozes que muitas vezes são marginalizadas ou silenciadas pela mídia
dominante.

3 Invisi(Bi)lidade e Identidade

Como foi observado no início desta pesquisa, os indivíduos que possuem


práticas, e/ou desejos, bissexuais frequentemente não se veem como parte de um grupo
sócio político definido e podem não possuir uma sensação de identidade consolidada
dentro da comunidade LGBTI+ e da sociedade. Revisitando a observação de Hall
(1992), o uso de determinadas práticas, e/ou características, para construir uma
identidade auxilia na conexão dos sentimentos subjetivos dos sujeitos com as posições
objetivas que os indivíduos ocupam no mundo.
Entende-se esta dificuldade de assimilação das bissexualidades pela sociedade, e
inclusive pela comunidade LGBTI+, devido ao tensionamento da binariedade de gênero
e sexualidade préviamente esperada (homo / hétero; homem / mulher; etc). Como
demonstra Monaco (2021, p.99):

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Por não se encaixar em nenhum dos lados da oposição hétero/homossexual, a
bissexualidade começa a ser pensada através de outra oposição que,
curiosamente, coloca tanto a heterossexualidade quanto a homossexualidade no
mesmo lado: o lado da sexualidade direcionada a um único objeto de desejo
generificado.

Ainda de acordo com Monaco (2021) sobre este lugar ocupado pela
bissexualidade em relação à homossexualidade e à heterossexualidade, é que as duas
últimas são comumente consideradas categorias opostas, a bissexualidade não se
enquadra claramente em nenhuma das duas, sendo frequentemente imaginada como um
ponto de encontro entre ambas, situando-se em um "não-lugar" entre os espaços
claramente definidos e separados.
Essa prática representa um ponto de convergência entre a homossexualidade e a
heterossexualidade, embora não seja estritamente uma nem outra, mas sim uma
sobreposição das duas. Homi Bhabha (1998) aborda o conceito de “entrelugares”, que o
autor descreve como processos de articulação de diferenças culturais que permitem a
sobreposição e o deslocamento de domínios da diferença. Os "entrelugares", segundo
Bhabha, proporcionam a elaboração de estratégias de subjetivação, desencadeando
novos significados de identidade e possibilitando novos pontos de colaboração e
contestação.
Kenji Yoshino (2000) apud Monaco (2021) descreve o apagamento sistemático
da bissexualidade como um "contrato epistêmico" entre heterossexuais e homossexuais.
Segundo Yoshino, esses dois grupos utilizam estratégias semelhantes para apagar a
bissexualidade, incluindo o apagamento de sua existência, o apagamento de
experiências individuais bissexuais e a deslegitimação da identidade bissexual.
Nesta relação entre identidade e invisibilidade pode-se observar a tentativa das
pessoas bissexuais de através de um processo de identificação buscar
representatividade. Isto se torna mais evidente se pensarmos no caso da identidade
sexual, já que a sociedade costuma tomar como verdade e normalidade a expressão e
prática sexual binária. Assim, criando uma espécie de controle de corpos com a
delimitação do desejo sexual, geralmente, a partir da visão sobre heterossexualidade.
(CAVALCANTI, 2007).
Seguindo com o pensamento de Cavalcanti (2007), quando essas certezas
tomadas pela sociedade se tornam instáveis, surgindo novas possibilidades de
identificação mais flexíveis ou performáticas, o que era visto como normal ou natural

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também passa a ser ressignificado e/ou a entrar em choque com outras formas de
vivências que, até então, pareciam impossíveis ou absurdas. Baumann (2005) explicita
essa necessidade de identificar-se buscando representatividade:

O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um sentimento


ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas
e premonições vagas de uma experiência ainda não vivenciada, flutuar sem
apoio num espaço pouco definido, num teimosamente, perturbadoramente,
‘nem-um-outro’, torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de
ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa dentro de uma infinidade de
possibilidades também não é uma perspectiva atraente (Bauman, 2005, p.35).

É importante ressaltar também a relevância de formar grupos para construir um


processo identitário dentro de uma perspectiva de gênero e sexualidade, levando em
consideração a observação feita por Reis, Leal e Castro (2019, p.97):

Dar sentido a esses processos identitários implica negociar atravessamentos.


Sentidos vão se produzindo quando jovens desestabilizam normas binárias de
gênero, quando essas experiências se hibridizam. E a construção de um
pertencimento identitário se dá especialmente a partir do encontro com os
outros: seja quando nos diferenciamos daquilo que encaramos como totalmente
feminino e totalmente masculino (por exemplo), seja quando nos aproximamos
de experiências e que são próximas às nossas.

Os espaços exclusivamente dedicados à bissexualidade são raros e, quando


existem, geralmente são limitados e temporários (HEMMINGS, 2002 apud MONACO
2021). No entanto, é precisamente por essa escassez que se pode considerar que todos
os espaços são, de certa forma, virtualmente bissexuais. A bissexualidade é formulada
como um "entrelugar", um "não-lugar" ou um muro provisório, uma fronteira ou ponte
que conecta dois lugares distintos, sem nunca se tornar seu próprio lugar. No entanto,
ela também pode ser vista como um obstáculo, algo incômodo e imprevisível que, por
não ter um lugar fixo, está sempre no meio do caminho, circulando em espaços
"inadequados" (MONACO, 2021).
Monaco reitera que a bissexualidade desafia a definição convencional de
identidades sexuais e de gênero. A pessoa bissexual pode ser percebida não apenas
como uma agente dupla, mas também como uma agente secreta: alguém que pode ser
qualquer pessoa e estar em qualquer lugar. Não há garantia de que alguém não seja
bissexual ou de que um espaço seja exclusivamente gay, lésbico ou heterossexual. A
bissexualidade atravessa todos os espaços, colocando em questionamento as fronteiras
rígidas entre homossexualidade e heterossexualidade. Por esse motivo, é

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frequentemente considerada uma sexualidade que causa desconforto e é vista como
perigosa.
É a partir dessa reflexão sobre a carência de um espaço onde as pessoas
bissexuais possam reivindicar sua visibilidade como uma comunidade consolidada, que
as redes sociais se apresentam como uma possibilidade de ocupar esse lugar para o
movimento bissexual. Pessoas encabeçando este movimento, como o influencer Nick
Nagari, propiciam essa disputa de sentidos dentro dessa mídia, dando voz e uma espécie
de local para esses indivíduos invisibilizados se encontrarem.
Trata-se de uma disputa pelo poder de gerenciar os discursos e a (in)visibilidade
dos sujeitos e grupos que compõem a sociedade. As interações comunicacionais,
especialmente aquelas mediadas pelas mídias, são espaços privilegiados para se
perceber essas disputas, negociações e transformações em curso. É por meio dessas
interações que as vozes e perspectivas podem ser amplificadas ou silenciadas, e é nesse
contexto que ocorrem as negociações em torno da visibilidade, do reconhecimento e do
poder simbólico. As mídias online desempenham um papel central nesse processo, uma
vez que influenciam a construção de narrativas, representações e discursos que moldam
as percepções coletivas (Corrêa et al, 2018).

4 As Contribuições de Nick Nagari

Como abordado anteriormente, o conceito de influenciador digital percorreu um


caminho até chegar na realidade de hoje em dia. Pode-se observar um movimento
semelhante dentro da história da criação de conteúdo de Nick Nagari. Em seu
Instagram, o influencer, começou a articular conteúdos diretamente ligados à militância
bissexual no início do ano de 2020, mas anteriormente ele já publicava estes conteúdos
em formato de textos em um blog hospedado na plataforma Medium7, desde o ano de
2017. A partir de vídeos e posts com imagens e textos no Instagram que sua articulação
nas redes sociais ganhou maior importância e se destacou como personalidade dentro do
movimento da militância bissexual.
A partir do reconhecimento que ele ganhou em seu perfil do Instagram, Nick se
posicionou como micro influencer e possui outras redes sociais bastante relevantes em
outras plataformas, como Tik Tok e Twitter. Ele, também, já ministrou palestras e
7
https://medium.com/@nicknagari (Acesso em 17 Jul. 2023).

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entrevistas acerca da visibilidade bissexual, faz parte da Frente Bissexual Brasileira8 e
ajudou a escrever e a divulgar o Manifesto Bissexual Brasileiro9, escrito e publicado em
2021.
Nick se coloca como um formador de opinião que esclarece dúvidas sobre as
bissexualidades e acolhe pessoas bissexuais que estão em processo de
autoconhecimento. Karhawi (2017) explica esse processo de confiança dos sujeitos em
formadores de opinião, como Nick:

os sujeitos estão muito mais suscetíveis à influência de grupos como a família,


os amigos do bairro ou do trabalho do que, necessariamente, à influência dos
meios de comunicação. Os vários níveis de influência de uma mensagem
aparecem em processos grupais, relações interpessoais: “[...] a mediação dos
formadores de opinião desempenharia um papel crucial no processo
comunicativo e, [...], a simples exposição às notícias e às propagandas não
produziriam efeitos diretos e indiferenciados no público” (AZEVEDO, 2004, p.
51 apud KARHAWI, 2017, p. 52).

Nesse processo comunicacional, Nagari influencia e forma opinião de seus


seguidores online, pois faz o papel de alguém próximo e confiável ao seu público,
alguém que, de certa forma, compartilha das mesmas dores e que tem uma espécie de
força para reunir essas pessoas nesse espaço que são suas redes sociais. Karhawi (2017,
p. 53) complementa este pensamento dizendo que “cada vez mais os formadores de
opinião serão os micro influenciadores digitais; pessoas que conversam com nichos
cada vez mais específicos e menores.” Neste caso, Nick conversa com o nicho das
pessoas bissexuais e/ou pessoas que querem entender a bissexualidade.
No presente artigo será analisado brevemente o perfil de Nick no Instagram, as
postagens analisadas serão postagens pontuais para esta discussão que foram publicadas
por ele a partir de janeiro de 2023 até o mês desta pesquisa, julho de 2023.
Um ponto relevante em seu perfil é que o influencer possui uma seção de guias
em seu Instagram, onde compilou diversas postagens sobre assuntos recorrentes
relacionados à bissexualidade. Além disso, ele aborda algumas questões sobre a não
binariedade, uma vez que Nagari é uma pessoa não binária e promove a ideia de que a
bissexualidade também é uma forma de tensionar a binaridade de gênero. Nessa seção
de guias, Nick fixou e agrupou publicações relevantes sobre temas que são importantes
para ele.

8
https://www.frentebissexualbrasileira.org/ (Acesso em 17 Jul. 2023).
9
https://www.frentebissexualbrasileira.org/manifesto-bissexual-brasileiro (Acesso em 17 Jul. 2023).

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Ilustração 1 – Aba de guias no perfil de Nick

Fonte: Instagram @nicknagari.

Nessas guias, é possível encontrar posts em formatos de textos, imagens e de


vídeos sobre questões que já podem ser consideradas básicas para a militância ativa
bissexual, mas que geralmente são levantadas por pessoas que estão se entendendo
dentro dessa identidade e por pessoas que estão de fora do nicho. Tais como séries de
posts explicando diferenças e articulações sobre a bissexualidade e a pansexualidade,
posts com possíveis definições de bissexualidade, compilados de posts explicando
situações bifóbicas10 vividas tanto por ele, quanto momentos em que a mídia e/ou o
público teve atitudes bifóbicas com pessoas famosas bissexuais, e também alguns posts
sobre não binariedade.
Além de postagens sobre seu dia a dia e sua vida pessoal, Nick com frequência
cria conteúdos interativos que abordam preconceitos sofridos por bissexuais,
curiosidades sobre a comunidade e empoderamento para pessoas que se identificam
como bissexuais.

10
O termo bifobia tem sido utilizado como um conceito que abrange a discriminação contra pessoas que
se relacionam afetiva ou sexualmente com mais de um gênero (MENEZE, 2020).

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Seus posts têm uma média de 1500 a 5000 curtidas quando abordam o assunto
bissexualidade e tem uma interação calorosa de seus seguidores que compartilham suas
experiências, conversam entre si e comentam o quanto suas postagens já os ajudaram.
Nick aborda a importância de nomear-se bissexual para construir uma identidade
sociopolítica e não manter a prática e/ou desejo bissexual em um não-lugar identitário.

Ilustração 2 – Afirmando uma identidade bissexual

Fonte: Instagram @nicknagari.

Além dos posts explicativos, Nick também aborda atualidades e discussões que
estão em alta dentro da comunidade, como sobre personalidades bissexuais e
apagamento das bissexualidades. Vídeos interativos comentando sobre pessoas famosas
que se declararam publicamente bissexuais, vídeos em que Nick explicita situações
bifóbicas que acontecem ou aconteceram com determinada personalidade. Geralmente,
quando há algum fato que esteja em alta midiaticamente que aborde alguém ou algo que
envolva bissexualidade, Nick costuma criar um vídeo ou post interativo demonstrando
sua opinião e problematizando o fato em questão.
Os conteúdos apresentados na rede de Nagari são diversos, trocando layouts,
temáticas e formatos. Sempre articulando questões relevantes à comunidade bissexual, a
construção de identidades bissexuais e a conscientização da sociedade sobre as
bissexualidades. Criando engajamento com conteúdo que mescla humor, dia a dia,
acolhimento e questões sociopolíticas, o influenciador ainda busca, sempre, apresentar

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fontes científicas sobre as questões políticas, históricas e identitárias trazidas por ele em
seus conteúdos, criando credibilidade e confiança.
Em síntese, o conteúdo de Nick Nagari mobiliza as identidades bissexuais
através de posts didáticos e interativos que contém informação e conscientização tanto
para pessoas bis e LGBTI+ em geral, quanto para pessoas interessadas em entender
melhor as questões envolvendo as bissexualidades. Assim ele utiliza sua voz para
contribuir na construção de ambientes acolhedores, empoderadores e informativos nas
redes sociais para as pessoas bissexuais, criando cada vez mais espaços onde estas
pessoas possam se sentir reunidas e representadas.

5 Conclusão

Ao longo deste texto, foi analisada a relevância do influenciador digital Nick


Nagari e sua atuação na comunicação sobre bissexualidades nas redes sociais. Nick
emergiu como uma figura relevante, utilizando sua plataforma online para promover
conscientização e representação da comunidade bissexual no Brasil, bem como desafiar
estereótipos e normas de gênero. Seu papel como líder de opinião revela-se fundamental
na construção de discursos identitários bissexuais, unindo sua voz aos de outros
influenciadores LGBTI+ para criar ambientes acolhedores e informativos nas redes
sociais.
Pôde-se observar e compreender a dinâmica de suas postagens e a relevância do
seu conteúdo para a criação de um espaço de acolhimento e empoderamento bissexual.
Ficou evidenciado o compromisso de Nick em disseminar conhecimento e criar um
espaço de diálogo para aqueles que buscam compreender e aceitar suas identidades.
Neste contexto, a bissexualidade se mostra como um entrelugar que desafia as
fronteiras rígidas entre homossexualidade e heterossexualidade. Cria tensionamentos
que, muitas vezes, causam desconfortos nos indivíduos, dificultando para a aceitação e
visibilidade das identidades bissexuais por parte da sociedade.
Ainda, é importante ressaltar que o estudo sobre influenciadores digitais, como
Nick Nagari, se torna, cada vez mais, relevante na era digital. Sempre buscando levar
em consideração a questão apresentada, da dialética da midiatização, em que se pode
observar a dualidade em que as mídias digitais se apresentam, onde vozes como a de

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Nick se apropriam destes meios como forma de resistência e, também, onde há
circulação de capital econômico e disputas de poder.
Dessa forma, conclui-se que a análise da comunicação de Nick Nagari sobre
bissexualidades nas redes sociais permite compreender como os influenciadores digitais
também podem exercer um papel relevante na construção de identidades relegadas e na
desconstrução de preconceitos.

Referências

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